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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ENTRE ENGAJAMENTOS E MANIFESTOS: A INSERÇÃO DE EDWIGES DE SÁ
PEREIRA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DO RECIFE (1920 – 1935)
Maria Angélica Pedrosa de Lima
Silva1
Resumo: O artigo pretende dar visibilidade à análise da trajetória e às contribuições políticas e sociais de
Edwiges de Sá Pereira, poetisa, educadora e líder feminista do Estado Pernambuco, através de suas narrativas e
memórias, relatando seu pensamento sobre a emancipação feminina e sua inserção nos espaços públicos, no
início do século XX. A Nova História Cultural nos possibilitou aprofundar os estudos sobre as mulheres,
somados às leituras da teoria crítica feminista, fazendo-se essencial uma discussão sobre a categoria de gênero.
As fontes utilizadas se encontram nas séries Obras Raras e Coleção Pernambucana, o acervo pessoal de Edwiges
de Sá, os documentos da Academia Pernambucana de Letras e os periódicos da época, que nos permitiram obter
levantamentos sobre a líder feminista e suas estratégias para criar espaços para a questão feminina na imprensa
da cidade do Recife, para difundir reflexões sobre a condição da mulher, o ideal de cidadania, a questão do voto,
o conceito de ser feminista para a época e a importância da educação. Edwiges foi uma grande precursora na luta
pelos direitos femininos e sua trajetória de vida mostrou-a como detentora de uma instrução destacável. Sua
figura, cada vez mais, tornou-se pública, a princípio nas letras e depois como a grande personalidade que
instituiu em Pernambuco uma filial da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, uma importante
organização em defesa dos direitos da mulher no Brasil.
Palavras-chave: Relações de Gênero, Movimento Feminista, Espaços Públicos, Mulher, Emancipação.
Os séculos XIX e XX, no Brasil, foram marcados pelo trabalho das ativistas brasileiras
para melhorar sua posição na sociedade, buscando ampliar os “direitos do sexo feminino” e
proclamando suas insatisfações com os papéis tradicionais que os homens destinavam a elas
(Hahner, 2003). Depois da instauração da República Velha, em 1889, o Rio de Janeiro
continuou como capital do Brasil, permanecendo na liderança econômica, cultural e
intelectual do país e tornou-se o centro das primeiras manifestações de protesto contra a
subordinação feminina, lideradas pelas mulheres de classe média e alta (Hahner, 2003, p. 68 –
74), no qual uma parcela expressiva delas abraçou o movimento pelo voto, uma causa comum
às mulheres de diversos países, pois esse direito, em toda a parte, só foi conquistado com
muita mobilização (Teles, 1993, p. 43).
Algumas mulheres, oriundas da classe média e alta, alçaram outros voos para além do
lar. Acadêmicas, médicas, advogadas, professoras e funcionárias públicas são algumas das
profissões que empoderaram o sexo feminino, abrem horizontes e novos questionamentos nas
relações de gênero e na esfera política, da qual elas se encontraram excluídas (Nascimento,
2015, p. 65)
1 Historiadora (UFRPE), Especialista em Gênero e Políticas Públicas (UFPE) e Mestranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Brasil.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
As ações feministas tinham proliferado a passos rápidos e os movimentos
institucionalizados para os direitos da mulher surgiram no Brasil na primeira metade do
século XX. Era crescente o apoio às lutas por melhoria da situação social, civil e política
levada a efeito pelas mulheres, as quais se sentiam estimuladas a investigar cada vez mais,
sobre seus direitos e debater os próprios problemas (Hahner, 2003, p. 267 – 268) e os novos
periódicos de caráter feminista, que apareceram nos principais centros urbanos, fez do debate
sobre o direito ao voto o objeto de discussões mais favoráveis.
A imprensa foi um espaço importantíssimo para as mulheres reivindicarem por uma
sociedade mais justa, igualitária, e para serem vistas como sujeitos políticos (Pinto, 2003, p.
16), já que a Constituição de 1891, a primeira da República, traziam as mulheres como
impedidas de votar, de exercer o direito político. Desse modo, a exclusão do segmento
feminino, embora não declarada pela lei, permanecia de fato, a partir do entendimento de que
o mundo da política não era “lugar de mulher” (Schumaher, 2015, p. 54).
Nesse cenário, surgiu um símbolo do feminismo e da luta sufragistas no Brasil, a
botânica Bertha Maria Lutz, recém-chegada da Europa e com ideias feministas na cabeça,
surgia na cena pública, influenciando um grupo de mulheres a lutar pelos seus direitos. Não
demorou até que Bertha se tornasse uma grande liderança (Schumaher, 2015, p.58). Ela
conquistou postos elevados no serviço público através de concurso, ingressando como bióloga
no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Possuía, além de contatos pessoais importantes, a
determinação e a necessária habilidade para organizar uma campanha pelo voto feminino.
Nascida em São Paulo no ano de 1894, Bertha era filha de um pioneiro da medicina tropical
no Brasil, Adolfo Lutz (Hahner, 2003, p. 288; Schumaher, 2015, p. 67).
A institucionalização do Movimento Feminista Brasileiro teve como grande
precursora Bertha Lutz, que em 1922, liderou e fundou a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (FBPF), a mais importante organização em defesa dos direitos da mulher no Brasil
da década de 1920, e tinha como luta central o direito ao voto (Schumaher, 2000, p. 106 –
112).
A FBPF foi designada como uma organização abrangente que reuniria as mulheres de
todos os Estados do Brasil que estivessem trabalhando para a conquista dos direitos femininos
(Besse, 1999, p. 185), tendo no seu estatuto o objetivo de orientar os esforços da mulher no
sentido de elevar-lhe o nível de cultura e torná-la mais eficiente à atividade social, quer na
vida doméstica, quer na vida pública, intelectual e política, focando principalmente na
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educação, no estímulo ao exercício do trabalho e da profissionalização das mulheres
brasileiras (Soihet, 2006, p. 35).
Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas tornou-se Chefe do Governo Provisório, e
um dos princípios governamentais era com a moralização do sistema eleitoral, no qual os
primeiros atos do governo provisório esteve a criação de uma comissão de reforma da
legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no primeiro Código Eleitoral do Brasil (Schumaher,
2015, p. 62).
Embora os principais membros desse novo governo não fossem defensores do
feminismo, o compromisso que eles tinham com a reforma eleitoral ofereceu novas
oportunidades ao movimento feminista organizado. Com isso, em 1931, a FBPF reformulou
recomendações sobre políticas sociais que favorecessem os diretos das mulheres (Besse,
1999, p. 188), ligadas a oportunidade ao voto universal, que começou a ser discutido na
reforma eleitoral (Hahner, 2003, p. 339).
Após uma intensa campanha nacional, finalmente o voto feminino e secreto foi
introduzido no Código Eleitoral de 1932, instaurando uma nova fase na cultura política
brasileira. Segundo Schumaher, as mulheres deram os primeiros passos para concretizar a
maior conquista feminina do século XX: o direito de votar e de serem votadas (2015, p. 87).
E finalmente, no ano de 1934, o sufrágio feminino foi amplamente garantido na
Constituição Federal, bem como também introduziu garantias de proteção ao trabalho da
mulher. Todo o trabalho desenvolvido pela Assembleia Constituinte foi atentamente
acompanhado pelas feministas da FBPF, a fim de evitar qualquer retrocesso nas conquistas
obtidas e fazer aprovar as questões que as feministas consideravam básicas (Soihet, 2012, p.
226).
Bertha foi indicada por Getúlio para fazer parte da comissão que elaborou o
anteprojeto da nova Constituição e levou consigo propostas de emendas ao texto
constitucional. Dentre elas, o direito de mulheres brasileiras manterem sua nacionalidade e o
transmitirem a seus filhos, apesar de casamento com estrangeiro; aposentadoria; “a licença-
maternidade remunerada e o acesso irrestrito de mulheres a cargos públicos, sem distinção de
estado civil. O documento também condenava as diferenças salariais motivadas por sexo,
nacionalidade ou estado civil” (Schumaher, 2015, p. 87; Besse, 1999, p. 188 – 190).
Pela FBPF ter se tornado o principal canal de representação política do movimento
feminista brasileiro e a campanha em prol dos direitos femininos ter ganho ímpeto e
densidade em todo território brasileiro, surgiram, assim, em vários estados filiações da
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Federação e Pernambuco tornou-se uma seção estadual de grande destaque. Mas como essa
organização chegou ao Recife? Como se desenvolveu a filial da Federação Brasileira nesta
capital? Quem foi a liderança pernambucana que tomou a cena pública para exigir direitos
políticos iguais aos dos homens?
Diante disso, pretendemos discutir neste artigo a participação e presença das mulheres
no âmbito da política, um espaço de poder historicamente masculino. Então buscamos
visibilizar a trajetória e as contribuições políticas e sociais de Edwiges de Sá, poetisa,
educadora e a grande liderança do movimento feminista pernambucano, do século XX, que
lutou pela conquista do voto feminino e difundiu reflexões sobre a importância da educação, a
condição da mulher e o ideal de cidadania. Perceber o diferencial da sua atuação nos espaços
públicos, sobretudo no que diz respeito aos direitos das mulheres.
O debate sobre os direitos políticos em Recife e o surgimento da Federação Pernambucana
pelo Progresso Feminino (FPPF)
Com a virada para o século XX, a capital pernambucana era o mais importante centro
econômico, político e cultural do Norte. Nessa época, compreendia uma população de 113 mil
habitantes, em 1900, e passou para aproximadamente 239 mil, em 1920 e foi na década de
1910 do novo século, no governo de Dantas Barreto, que aconteceu a destacável
modernização da estrutura urbana do Recife. A construção de uma cidade moderna, não só
estava relacionada ao abastecido pelo fornecimento de água e luz elétrica, mas também aos
avanços dos centros acadêmicos, hospitalares e comerciais (Rezende, 2002, p.93-94).
Com todas essas mudanças, nas primeiras décadas republicanas, o cenário urbano
recifense registrava sinais de inquietações. Os bondes, os automóveis e o telefone
modificaram as relações entre o público e o privado. A convivência da modernização com a
tradição não era pacifica, causava impactos, admirações, receios. Porém, como narra Antônio
Paulo Rezende, todo esse discurso da modernização era preciso para alcançar e aprofundar a
dimensão da cidadania, reivindicando, na prática, por uma sociedade mais justa (Rezende,
2002, p.100-102).
Foram nessas condições de modernização que a movimentação das mulheres elitizadas
chega à imprensa pernambucana, compondo e publicando sobre as novas conquistas
femininas diante do sistema político e social. Essa movimentação das mulheres na imprensa
recifense é bastante divulgada por diversos periódicos, dentre eles o jornal A Notícia, que
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começa a publicar matérias sobre as novas conquistas femininas ao redor do mundo, expondo
como a imprensa recifense estava ligada mundialmente na questão da mulher e sua ascensão
na política (Nascimento, 2015).
É percebido que a imprensa da época, sobretudo a imprensa feminista, foi um veículo
importantíssimo para conferir visibilidade às demandas e reivindicações de mulheres, num
contexto que só estava reservado para elas o espaço privado, o âmbito doméstico (Schumaher,
2015).
Em Pernambuco, a manifestação e institucionalização do movimento feminista foi
protagonizada por Edwiges de Sá Pereira2, poetisa, educadora e feminista que se encontrava
em todos os âmbitos sociais da cidade do Recife para divulgar e defender seus ideais sobre a
condição feminina da época.
Edwiges de Sá, pernambucana nascida na cidade de Barreiros, em 1884, era uma
mulher de classe abastada, que alcançou formação ao princípio nas letras e depois como
educadora, e fez parte dos espaços públicos desde cedo. Tornou-se poetisa reconhecida
nacionalmente ainda jovem, no ano de 1907, aos 17 anos, quando se tornou sócia fundadora
da Academia Pernambucana de Letras (APL), na categoria de correspondente da cidade de
Barreiros, com seu primeiro livro de versos intitulado Campesinas. Em 13 de maio de 1920,
dezenove anos depois, Edwiges se tornou, definitivamente, sócia efetiva e a primeira mulher a
fazer parte da Academia Pernambucana de Letras, tendo sua posse para a cadeira de nº 7
(Academia Pernambucana de Letras, 2006, p. 113 – 114).
Seu trajeto como personalidade pernambucana destacável foi retratado por acadêmicos
de sua época. Jordão Emerenciano, integrante da APL, produziu o prefácio para seu livro de
poesias “Horas Inúteis”, que reuniu poemas escritos ao longo sua vida. Ele relata que a
presença de
Dona Edwiges na Academia Pernambucana de Letras teve um grande significado
especial. [...] Isso importava no reconhecimento explícito de que a mulher estava em
paridade intelectual com os homens e, assim, era capaz de participar de uma
assembleia literária. [...] Havia uma homenagem especial àquela que, poetisa e
educadora, fora também uma pioneira e uma combatente do feminismo no Brasil
(PEREIRA, 1960, p. 1 – 2).
A formação literária de Edwiges de Sá teve seu início em colaboração em diversos
jornais, revistas e anuários pernambucanos e de outros estados, sendo também fundadora e
2 Ver SILVA, Maria Angélica Pedrosa de Lima. Erva militante: Edwiges de Sá Pereira e o Movimento Feminista
no Recife (1900 – 1932). Recife: UFRPE/Dhis, 2011.
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redatora de periódicos, como O Lyrio, que, dito por ela mesma tratava-se de uma revista
mensal e feminista (Almanaque de Pernambuco, 1904, p. 35). O Lyrio foi publicado no início
do século XX, em Pernambuco. Circulou mensalmente durante dois anos (de 1902 a 1904) e
tinha o objetivo de conscientizar a sociedade de que o único meio para a libertação das
mulheres seria a educação. Era redigido e publicado por várias senhoras e sob os aplausos de
diversas autoridades masculinas do seu tempo (Siqueira, 1995. p. 47). Durante quase dois
anos colaborou como profissional no Jornal Pequeno e no Jornal do Recife, prestigiosos
periódicos da época, em temas sociais, como a reforma do ensino público em Pernambuco e
os direitos da mulher na família e na sociedade (Revista da Academia Pernambucana de
Letras, 1928. p. 28-29).
Edwiges de Sá também foi destaque na história da educação feminina em
Pernambuco, do início do século XX. Diante de fontes documentais foram possíveis dar
visibilidade à trajetória e as contribuições políticas e sociais da educadora, uma mulher que
dedicou sua vida profissional à melhoria da educação pernambucana, ligada principalmente à
instrução feminina.
Após o ano de 1901, Edwiges e sua família mudou-se para a capital de Pernambuco e,
assim, foi matriculada na Escola Normal, primeiro e único estabelecimento de ensino que ela
frequentou e se formou professora (Revista da Academia Pernambucana de Letras, 1928. p.
30).
O seu roteiro no magistério se iniciou como professora primária, entre 1908 e 1920,
mais tarde catedrática da Escola Normal. Tornou-se mestra da cadeira de História Geral e do
Brasil, do Instituto Nossa Senhora do Carmo, equiparado à Escola Normal do Estado e depois
superintendente do Ensino nos Grupos Escolares do Recife (Araújo, 1971. p. 437- 441).
Em 1924, foi convidada pelo Governador do Estado, Sérgio Loreto, a inspecionar e
visitar várias instituições educacionais pelo país, para analisar pedagogicamente a organização
e o funcionamento do ensino técnico das escolas profissionais e normais e, assim, e trazer
para Pernambuco experiências de outras capitais em relação a metodologias educacionais.
Nessa viagem, uma das cidades visitadas foi o Rio de Janeiro, capital do país na época.
Lá a educadora foi convidada para uma reunião da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (FBPF) e, posteriormente, visitada pela “notável presidente d. Bertha Lutz”
(Pereira, 1926, p 131). Essa visita expôs a vontade da Bertha em interessar à mulher
pernambucana às finalidades da Federação e expor seus ideais sobre o propósito de elevar e
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salvaguardar as mulheres pela educação e pelo trabalho, para assim torná-la consciente dos
seus direitos e dos deveres.
Após sete anos desse contato entre elas, onde provavelmente foi criado um vínculo de
amizade, devido às semelhanças dos ideais para a educação e emancipação feminina, surge,
em 1931, uma filial da Federação Brasileira na capital pernambucana. A Federação
Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF) teve como fundadora e sua primeira
presidente Edwiges de Sá Pereira, entre os anos de 1931 –1935.
A educadora Edwiges não limitou suas atividades entre as mulheres intelectuais e
incentivou o aumento de Escolas Domésticas e Institutos Profissionais, conseguindo despertar
o interesse nesses grupos a partir do Governo de Sérgio Loreto (1926, p. 70) e, através da
Federação Pernambucana, estimulou o espírito de organização entre as senhoras, orientando-
as por meio de palestras. Dedicou sua docência à instrução da mulher pernambucana, pois,
para ela, seria na escolarização que o sexo feminino asseguraria o uso de seus direitos
políticos e civis e de garantias legislativas (Chacon, 1958, p. 13-14). E reconhecia que a
instrução e a aprendizagem seriam o norte para a conquista da emancipação feminina (Araújo,
1971, p. 439).
Edwiges de Sá Pereira: sua participação na luta pela emancipação política e pela cidadania
plena das mulheres
A luta feminina por direitos políticos na capital pernambucana ganhou formalidade e
notoriedade a partir do ano de 1931, quando Edwiges de Sá Pereira criou então uma filial da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) no Estado. A Federação Brasileira “foi
o grande suporte da filial pernambucana, inclusive pelos estreitos laços de amizade entre as
duas lideranças feministas, como se observa nas cartas3 entre Bertha e Edwiges” (Nascimento,
2015, p. 81).
Um dos aliados para a difusão dos ideais feministas na cidade do Recife foi o
periódico intitulado A Notícia, que sempre relatava e divulgava noticiários referentes à
institucionalização da Federação na cidade e os feitos da líder Edwiges. Conforme aborda a
historiadora Alcileide Cabral,
3 Sabe-se dessa informação pela pesquisa feita no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, no qual se encontra o
Estatuto da Federação Brasileira para o Progresso Feminino e os Relatório da Federação Pernambucana para o
Progresso Feminino.
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O surgimento da Federação Pernambucana não foi ato silencioso. A posse da
diretoria aconteceu no prestigiado Club Internacional do Recife, pomposo
endereço da cidade. O smart set recifense ali estava, como declarava A
Notícia. Autoridades estaduais e federais, representantes da imprensa e
embaixadas das diversas corporações prestigiaram a solenidade. Foi um
acontecimento, com a presença da imprensa, de famílias importantes,
autoridades civis (2015, p.83),
O periódico deu grande destaque ao evento, estampando um satisfatório artigo
denominado “A brilhante festa da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino”, e
abordando a “vitória esplendida do feminismo” no Estado. “A Federação Pernambucana pelo
Progresso Feminino está de parabéns. Sua festa inaugural foi um esplendido sucesso” (A
Notícia, 1931, p. 07).
Nesta solenidade de criação da FPPF, Edwiges já na posição de presidente, discursou
afirmando que o programa da instituição implicava na defesa do direito da mulher de cultivar
“a inteligência e especializar, se quiser e puder, a sua vocação no terreno científico”; auferir
“dos seus conhecimentos as mesmas vantagens que o homem”; aspirar “para o seu trabalho
remuneração ajustada ao serviço prestado sem atender [sem distinção] ao sexo”
(Nascimento, 2015, p. 91).
A Federação Pernambucana foi bastante atuante na capital pernambucana, no qual
foram sete anos de campanha em prol dos direitos políticos e demais interesses das mulheres,
até o seu fechamento, em 1937, por um decreto-lei instituída pela instauração do Estado Novo
no país. Entre 1931 a 1935, Edwiges de Sá ocupou o cargo de presidente da FPPF, e esses
anos ficaram marcados como um grande momento de desenvolvimento da instituição.
Em 1932, Edwiges se fez presente na conquista pelo novo Código Eleitoral Brasileiro,
que concederia o direito político às mulheres; depois participou da equipe de trabalho que
assessorou a líder nacional, Bertha Lutz, na luta pelos direitos femininos na nova Constituição
de 1934 (Nascimento, 2015, p. 77–91). Juntamente com a Federação Pernambucana, procurou
mobilizar as bancadas estaduais, que eram favoráveis às reivindicações das mulheres, e ainda
saiu como candidata a deputada pelo Partido Economista do Estado às eleições de 1933,
entretanto não atingiu votos suficientes para eleger-se, mas a divulgação foi tamanha na
imprensa da época (Araújo, 2003, p. 144)
A concepção do feminismo para a líder da Federação Pernambucana
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O significado de ser feminista para o início do século XX, um período conceituado de
feminismo bem-comportado (Pinto, 2003), era um tema controverso. Segundo Susan Besse
(1999), as mulheres que se definiam como feministas iam desde feministas católicas, que
pregavam que sem Deus, pátria, honra e família não há feminismo possível; até profissionais
solteiras que buscavam modelos na Europa e nos Estados Unidos e consideravam que o
emprego assalariado era o essencial para a emancipação feminina. Até dentro do Movimento
Feminista organizado, na Federação Brasileira pelo Progresso feminino, coexistiam opiniões
muito divergentes.
Com o aumento das filiais pelo Brasil, as associações se dividiam entre “as que se
preocupavam em exaltar e louvar os papéis domésticos femininos e as feministas que lutavam
para assegurar às mulheres direitos sociais e políticos” (Besse, 1999, p. 182).
Para Edwiges, ser feminista estava ligado à campanha pelo voto, no qual foi uma das
suas principais lutas, mas não o voto pelo voto, e sim pelos objetivos que ele poderia facilitar,
como a melhoria de salários para a mulher e a sua elevação moral, dando o direito a ter
direitos (Chacon, 1958, p. 20), obter uma cidadania política.
Para Dulce Chacon4,
a campanha feminista de que Edwiges se fez pioneira e a líder mais
categorizada, visando à integração da mulher no plano social e político, foi
desenvolvido em sintonia com a sua personalidade moral e bem ajustada e
dentro da mais elevada ética. Grande o seu campo de ação e de uma
complexidade imensa e delicada numa época em que ser feminista
significava ser ridícula, masculinizada, usurpadora dos direitos masculinos.
Manteve sempre serena a argumentação em torno dos problemas políticos e
sociais da mulher, embora incisiva e entusiasta na linguagem (CHACON,
1958, p. 01).
Sua campanha em prol do voto foi intensa, como podemos atestar em diversos
periódicos do Rio de Janeiro, que relatavam sempre sua personalidade como representante do
Movimento Feminista do Estado de Pernambuco e divulgavam suas viagens à capital do país
para reuniões com as feministas da Federação Brasileira. O Diário da Noite, O Paiz, Correio
da Manhã e o Diário de Notícias são exemplos de jornais cariocas que trouxeram notícias da
4 Dulce Chacon foi aluna da feminista e educadora Edwiges de Sá, na Escola Normal de Pernambuco. Desse
contato resultou admiração, laços de amizades e afinidades intelectuais, principalmente sobre o contexto da
emancipação feminina na época. Ela também foi integrante da Federação Pernambucana pelo Progresso
Feminino e para mostrar tal amizade, Edwiges foi madrinha do único filho de Dulce Chacon, Vamireh. (Ver
AZEVEDO, Ferdinand. Cristãs feministas em Pernambuco 1930-1950: a atuação de Edwiges de Sá Pereira,
Dulce Chacon e Nair de Andrade. Revista de Teologia e Ciências da Religião. v. 8, n. 2, jul/dez, 2009).
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campanha sobre a luta pelos direitos políticos femininos e destacaram a figura de Edwiges
como a delegada pernambucana.
O Diário da Noite traz uma entrevista “[...] com a escritora Edwiges de Sá Pereira
sobre o feminismo em Pernambuco” (Diário da noite, 1931, p.03), abordando a sua opinião
sobre o feminismo para a época. Conforme Edwiges,
o feminismo é uma evolução natural dos tempos. Como todas as forças vivas
da natureza, a mulher não poderia estacionar nas fronteiras do passado,
montando guarda aos velhos preconceitos que lhe tolhiam a faculdade de
pensar e agir. O direito sagrado de viver movimentou-a a princípio para a
conquista do pão e do teto. Hoje, mais dentro da vida e com ela evoluindo, a
mulher reclama direitos que as leis dos códigos não lhe deram para ocupar
na sociedade o lugar que os costumes lhe recusam. [...] É a conquista de
todas as liberdades e de todos os direitos compatíveis com a dignidade do
sexo um fato por que o direito não é uma concepção intangível, é um
princípio que se transforma segundo necessidades da sociedade (DIÁRIO
DA NOITE, 1931, p.03).
O feminismo para líder da FPPF, não é somente a reivindicação pela mulher de sua
honra e do seu pão; é uma doutrina que reivindica certos direitos desconhecidos pelas leis e na
sociedade um lugar justo e legítimo, recusado pelos costumes. Para ela, o feminismo não
trabalha, como alguns acreditam, para estabelecer uma rivalidade entre os sexos; muito ao
contrário, ele quer unir os esforços para uma obra comum no interesse da pátria, da família e
da humanidade (Chacon, 1958, p. 16).
Considerações finais
O início do século XX foi marcado por diversas reivindicações por direitos civis e
políticos para todas as mulheres, no Brasil e em outros países. Céli Jardim Pinto (2003)
defende que as reivindicações desse período se enquadram no feminismo bem-comportado,
considerado a primeira fase do movimento feminista no Brasil, que se liga à luta pela a
inclusão das mulheres à cidadania e os direitos políticos. O feminismo desse período também
esteve intimamente associado a personalidades, mesmo quando apresentou algum grau de
organização, esta derivava do esforço pessoal de alguma mulher que rompia com os papéis
para ela estabelecidos e se colocava no mundo público na defesa emancipação dos direitos
para as mulheres (Pinto, 2003, p. 14). Personalidades essas como Bertha Lutz, no âmbito
nacional e Edwiges de Sá Pereira, no Estado de Pernambuco.
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Diante do contexto dos documentos históricos deve-se perceber a importância da
divulgação e consolidação das análises e estudos sobre a emancipação da mulher nos espaços
públicos e a trajetória da personalidade Edwiges de Sá Pereira, poetisa, líder feminista e um
considerável nome para a educação feminina em Pernambuco. A sua história nos revela uma
pernambucana, que no início do século XX, conquistou o seu espaço na sociedade através de
uma intensa atuação no campo literário, na educação e nos movimentos sociais. A trajetória
de uma mulher que através da sua escrita saiu do anonimato do interior pernambucano para
ser reconhecida nacionalmente.
Edwiges, como outras militantes dos movimentos feministas, lutou por aquilo que
acreditava que tornaria a situação feminina menos desigual em relação a dos homens, em
direção a uma cidadania igualitária. Como aborda Rachel Soihet, mesmo que hoje as posturas
dessas feministas possam ser alvo de críticas, pelo fato de não ter questionado assuntos
considerados tabus, como a sexualidade feminina, o que fizeram já foi um grande avanço,
pois, a partir daí, as mulheres passaram a ser pensadas como pessoas com capacidades
profissionais, intelectuais e como sujeitos políticos (Soihet, 2012. p. 233–234).
Referências
A Notícia. Recife, 11 nov. 1931.
Academia Pernambucana de Letras: sua história. Recife: APL, 2006.
Almanaque de Pernambuco. Recife: Escritório da Direção, 1904.
ARAUJO. Maria de Lourdes de. Edwiges de Sá Pereira. In: Mulheres do Brasil. (Publicação
da Ala Feminina da Casa Juvenal Galeno). Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1971.
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TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora
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BETWEEN ENGAGEMENT AND MANIFEST: The inclusion of Edwiges de Sá Pereira
in the public spaces of Recife (1920 - 1935)
Astract: The article intends to give visibility to the analysis of the trajectory and to the
political and social contributions of Edwiges de Sá Pereira, poetess, educator and feminist
leader of the Pernambuco State, through her narratives and memories, reporting her thoughts
on feminine emancipation and its insertion in spaces At the beginning of the 20th century.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
The New Cultural History enabled us to deepen the studies on women, added to the readings
of feminist critical theory, making a discussion about the category of gender essential. The
sources used are found in the series Raras and Pernambucana Collection, the personal
collection of Edwiges de Sá, the documents of the Pernambuco Academy of Letters and the
periodicals of the time, which allowed us to obtain surveys about the feminist leader and his
strategies to create spaces for The women's issue in the press of the city of Recife, to spread
reflections on the condition of women, the ideal of citizenship, the question of voting, the
concept of being feminist for the time and the importance of education. Edwiges was a great
forerunner in the struggle for women's rights, and her life trajectory showed her to have a
detachable education. Her figure became more and more public, initially in letters and later as
the great personality who instituted in Pernambuco a branch of the Brazilian Federation for
Women's Progress, the most important organization in defense of women's rights in Brazil.
Keywords: Gender Relations, Feminist Movement, Public Spaces, Women, Emancipation.