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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300 Entre o centro e a periferia: a relação epistolar de J. Leite de Vasconcellos e Manuel Mattos Silva MARTINHA SERRAS * , ANDRÉ CARNEIRO ** 1 2 RESUMO Na imensa teia de correspondentes que José Leite de Vasconcellos manteve ao longo da sua vida destaca-se, para a região do Alto Alentejo, o conjunto epis- tolar trocado com Mattos Silva, juiz em Ponte de Sôr. Nas cartas enviadas por este último, que aqui se transcrevem, encontramos informações úteis para o conheci- mento da região, mas sobretudo vemos o modo como se processavam as redes de obtenção de informação e espólio que o Director do actual Museu Nacional de Arqueologia soube construir e estimar. Palavras-Chave: Leite de Vasconcellos – Correspondência – Historiografia – Alto Alentejo. ABSTRACT Among the huge range of correspondents that José Leite de Vasconcellos kept throughout his life stands out, for the High Alentejo region, the assemblage of letters exchanged with Mattos Silva, a judge at Ponte de Sôr. In the letters sent by the latter, which are transcribed here, we find useful information to the knowledge of the region, but, above all, we see the networks of collecting information and remains that the Director of the current National Archaeology Museum knew how to build and care for. Keywords: Leite de Vasconcellos – correspondence – historiography – Alto Alentejo. * Mestranda do 2.º ciclo em Arqueologia & Ambiente, Universidade de Évora ** Departamento de História da Universidade de Évora. Investigador do Centro de História de Arte e Investigação Artística (CHAIA). E-mail: [email protected] revista_OAP.indd 267 14/09/11 9:11:23

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

Entre o centro e a periferia: a relação epistolar de J. Leite de Vasconcellos e Manuel Mattos Silva

MARTINHA SERRAS*, ANDRÉ CARNEIRO** 1 2

RESUMO

Na imensa teia de correspondentes que José Leite de Vasconcellos manteve

ao longo da sua vida destaca -se, para a região do Alto Alentejo, o conjunto epis-

tolar trocado com Mattos Silva, juiz em Ponte de Sôr. Nas cartas enviadas por este

último, que aqui se transcrevem, encontramos informações úteis para o conheci-

mento da região, mas sobretudo vemos o modo como se processavam as redes de

obtenção de informação e espólio que o Director do actual Museu Nacional de

Arqueologia soube construir e estimar.

Palavras -Chave: Leite de Vasconcellos – Correspondência – Historiografia – Alto

Alentejo.

ABSTRACT

Among the huge range of correspondents that José Leite de Vasconcellos kept

throughout his life stands out, for the High Alentejo region, the assemblage of letters

exchanged with Mattos Silva, a judge at Ponte de Sôr. In the letters sent by the latter,

which are transcribed here, we find useful information to the knowledge of the region,

but, above all, we see the networks of collecting information and remains that the

Director of the current National Archaeology Museum knew how to build and care for.

Keywords: Leite de Vasconcellos – correspondence – historiography – Alto Alentejo.

* Mestranda do 2.º ciclo em Arqueologia & Ambiente, Universidade de Évora** Departamento de História da Universidade de Évora. Investigador do Centro de História de Arte e Investigação

Artística (CHAIA). E -mail: [email protected]

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Entre o imenso legado histórico que José Leite de Vasconcellos (JLV) deixou

à instituição que hoje perpetua o seu nome encontra -se o volumoso epistolário

que contém a correspondência recebida ao longo da sua vida. Aqui se guarda

um vastíssimo conjunto de documentos que testemunham o modo como JLV

compreendeu, desde muito cedo, qual seria a sua missão: centralizar na sua pes-

soa todo o vastíssimo repositório de informações variadas (sobretudo de âmbito

arqueológico e etnográfico, as áreas que mais estimava) que podia obter, em cada

terra, através de eminentes figuras locais que serviriam como suportes regionais

de informação.

De forma extremamente lúcida para o seu tempo, JLV entendeu a correspon-

dência epistolar personalizada como a ferramenta mais útil para permitir conhe-

cer o que de mais relevante poderia existir nas realidades locais. A sua rede de

correspondentes é densíssima, abrangendo as mais diversas localidades e âmbitos

regionais do Portugal continental, o que lhe permitia ter uma visão apurada das

realidades locais e simultaneamente estar constantemente a receber e gerir a infor-

mação que localmente ia sendo libertada.

É indiscutível que o epistolário de JLV é uma das fontes mais carregadas de

significados para entendermos a sua actuação enquanto Director da instituição.

Deve ser encarado como algo que não releva de uma estratégia pessoal montada

quando chega à direcção do Museu Ethnologico Português, antes constitui um

traço de carácter, um recurso que JLV terá mantido desde muito jovem e que, com

grande estima pessoal pelos seus correspondentes, lhe permitiu construir relações

de confiança que perdurarão durante longos anos. Em percentagem significativa

dos emissores, observa -se que esta rede epistolar apresenta considerável longevi-

dade, sendo evidente que é o entendimento mútuo que garante um livre fluir da

informação, assumindo -se JLV, efectivamente, como um guardião atento do patri-

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mónio nacional, aqui entendido no seu mais lato significado. Em época de grande

vazio institucional, em meio a crises de índole política e social, o Director do actual

Museu Nacional de Arqueologia assumiu o papel de gestor dos bens arqueológicos

nacionais (entendendo ser este o papel mais facilmente realizável com os meios

ao seu dispor, sendo os sítios encarados como reservas potenciais de objectos que,

salvaguardando o seu futuro extravio ou destruição, devem ser encaminhados para

o museu lisboeta), não hesitando em mobilizar os recursos da instituição sempre

que percebia o potencial de determinadas peças e objectos.

Simultaneamente é este imenso leque de contactos que também lhe permite

gerir da melhor forma as «excursões arqueológicas», um dos traços mais peculiares

no seu cargo de Director do então Museu Ethnologico Português. As idas ao ter-

reno eram momentos cruciais para JLV, quer enquanto oportunidade de observar

in loco as realidades locais, quer enquanto momento de aquisição de peças, quer

ainda para a realização de escavações em sítios indicados pelos seus contactos

locais (embora estes trabalhos de campo lhe vão cada vez menos prendendo as

atenções). Em época onde circular pelo território nacional era difícil, do ponto de

vista logístico, no dispêndio de tempo, na segurança e no conforto 1, a sua rede de

contactos locais permite -lhe desfrutar de acolhimento à chegada, de alojamento

afável e um directo contacto com sítios, lugares e circuitos de aquisição de peças,

permitindo -lhe maximizar os escassos recursos disponíveis.

Embora mal compreendidas pelo poder político da época 2, estas incursões

de JLV pelas realidades locais foram uma das mais eficazes formas de gestão da

informação arqueológica a nível nacional que o país poderia ter conhecido face

aos parcos recursos da época. Inclusivamente, visto à distância, resulta numa cla-

morosa perda o desmantelamento desta rede de contactos habilmente tecida pelo

Director do Museu e que a geração seguinte, com outras práticas e outras conjun-

turas, não saberá estimar. Na realidade, JLV conseguiu motivar para a detecção e

reconhecimento do património arqueológico um extenso lote de individualida-

des que, embora sem formação na área, estavam atentos para esta problemática.

Fruto de um grande reconhecimento social a nível local (o que lhes permitia ser

informados e receber as peças que são descobertas ou guardadas) e de actividades

profissionais que lhes granjeavam simultaneamente tempo, recursos financeiros,

1 A geração seguinte já desfrutará das «delícias do automóvel», que lhe permitirá começar a circular pelo país. Sin-

tomaticamente, datará de 1924 o ainda hoje exemplar Guia de Portugal, de Raul Proença (Ramos, 1994, p. 585). A

chegada do Estado Novo irá travar este processo, transformando -o em mero epifenómeno. De modo sintomático, em

meados do século XX os funcionários do Museu Nacional em serviço na província lamentam, todos eles e de forma

repetida, a sua sorte e o modo como se sentiam abandonados. Para esta área regional, consulte -se o epistolário de

Lino da Silva, em serviço nas escavações de Torre de Palma (Monforte) e de Manuel Pedro Madeira, em Santa Vitória

do Ameixial. Particularmente curioso, mas revelador da inadaptação o modo como o último dirige uma advertência ao

Director do Museu, caso pretendesse visitar o local: «[…] jantar em St.ª Victoria não vale a pena pois esta gente só sabe

fazer migas e assorda» [Epistolário, Madeira, Manuel Pedro (n.º 1919), carta 12692 – SVA, 09 -08 -1915].2 Ver a defesa de JLV face à hostilidade de alguma classe política (Vasconcelos, 1915).

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amplos campos de circulação territorial e reconhecimento social, estes contactos

locais conseguiam alertar JLV para o que de mais relevante ocorria nas suas loca-

lidades. Em época onde a distância entre a capital e as províncias era abissal, o

Director da maior instituição arqueológica nacional era informado em poucos

dias da descoberta de um sítio arqueológico, do aparecimento de uma peça rele-

vante ou, em outro âmbito que particularmente estimava, dos mais interessantes

valores etnográficos.

Esta proximidade ao que se passava no terreno era particularmente impor-

tante dado o contexto histórico nacional. O final do século XIX foi um momento

de grande destruição nos campos e de alterações na paisagem rural, eventual-

mente o primeiro em que se assiste ao «progresso» trazido pela modernidade e a

um relativo optimismo transformador que a industrialização permitia acalentar

entre a população nacional 3. Embora na investigação arqueológica moderna se

atribua cada vez mais atenção ao impacto transformador da mecanização dos

campos ocorrida nos anos cinquenta do século XX, foi a viragem do século que

pela primeira vez trouxe um conjunto de alterações substanciais na vivência rural,

com a abertura de estradas e de caminhos, e com importantes limpezas dos cam-

pos para iniciar a prática de uma agricultura mais intensiva. Basta ver o nume-

roso conjunto de notícias de achados de necrópoles e sepulturas romanas no

Sul do país para perceber esta tendência que, mesmo assim, ficou escassamente

documentada.

Por outro lado, em traços genéricos, o final da centúria de oitocentos assiste à

eclosão no território nacional de um movimento de forte pendor regionalista, ou

mesmo localista, que é alimentado por uma elite ilustrada constituída por curio-

sos com uma especial apetência pelas «coisas velhas» da sua região, entendidas

enquanto emblemas de uma identidade morfogenética que materializava e justi-

ficava a excepcionalidade local por oposição às terras vizinhas, devendo este facto

ser entendido em contexto político de grande ressurgimento de algumas oposi-

ções locais face à capitalidade lisboeta. Esta «construção das identidades», todavia,

processava -se em vários planos: ao nível local, bem entendido (e aqui assistimos

também ao surgimento de várias monografias locais, geralmente enaltecedoras de

um mítico passado que se pretenderá emular), no plano regional, mas também no

próprio domínio nacional, prefigurando um movimento de afirmação naciona-

lista que, de resto, é enquadrável no contexto político mais amplo da época 4.

3 Para o contexto historiográfico nacional resulta de particular interesse a consulta de Ramos, 1994, em particular

p. 581 -583, sendo evidente o modo como JLV sentia o «efeito corruptor» do progresso. Ver também Torgal, Mendes e

Catroga, 1998, para as distintas manifestações do entendimento do passado, e sua celebração, nesta faixa geracional.4 Ver Fabião, 1999, p. 106, sobre as «diversas velocidades» e enquadramentos em que este fenómeno ocorre a nível na-

cional. Para plano mais «arqueológico» e mais amplo, pensamos que a obra fundamental continua a ser Trigger, 1989.

Sobre a apropriação política deste movimento são demonstrativos os contributos em Diaz -Andreu e Champion, 1996.

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Vários denominadores comuns unem estes homens: não são profissionais

da área, mas meros interessados, dotados de uma vasta cultura de fundo enciclo-

pédico e que, seguindo o velho espírito antiquarista, entendem nas curiosidades

antigas os elementos fornecedores do cunho de legitimidade da ancestral glória

das suas terras. Recolher e guardar estes testemunhos é portanto um dever, sobre-

tudo face a uma crescente voragem dos tempos modernos que a nível local ainda

mais se antevê (e que também já JLV pressentia) e que se entende como uma

marcha imparável para o progresso que trará no reverso a descaracterização da

identidade local, a diluição dos valores constitutivos da «terra». São os custos a

pagar pelo industrialismo, pela atracção da capital, pela chegada do futuro. Face

a este tempo em acelerada marcha, estes homens, com distintas formações, serão

o suporte local de JLV, com quem partilham as mesmas inquietações, embora em

distintos níveis de percepção.

Para o âmbito territorial que mais nos importa, o Alto Alentejo, uma das

relações epistolares mais duráveis e ricas de conteúdo centrou -se em torno da

figura de um Juiz destacado na Comarca de Ponte de Sôr, Dr. Manuel Rodrigues

de Mattos Silva (MS).

A correspondência enviada por MS assume particular interesse, que pode-

mos centrar em dois planos: um local, que nos permite conhecer a realidade

arqueológica envolvente, em especial aquela mais centrada no megalitismo, pois

algumas das primeiras referências a monumentos megalíticos da área devem-

-se precisamente a este correspondente. Depois, em plano mais geral, torna -se

extremamente interessante observar como JLV serviu como «tutor» de MS na sua

iniciação nas explorações arqueológicas, ou seja, temos uma relação que não se

limitou à detecção e angariação de peças, como na esmagadora maioria dos seus

correspondentes, mas assumiu uma atitude activa na exploração arqueológica

de algumas antas da região, que à distância foi supervisionada e orientada pelo

director do Museu Nacional. Para a época, a consideração pessoal que JLV man-

teve com MS terá sido tão elevada que, por proposta do primeiro, o Juiz da Ponte

de Sôr será agraciado com um louvor público por portaria de 25 de Junho de

1920. Curiosamente, é a partir deste momento que a troca de correspondência

entre ambos escasseia, havendo registo de apenas mais um espécime em 1930 e

outro em 1937, ambos já sem quaisquer referências a actividades arqueológicas

por parte de MS.

Não é possível perceber como se iniciou a relação epistolar, ou o contacto

pessoal, entre as duas individualidades. A Ponte de Sôr era no final do século XIX

uma pequena localidade, em zona muito periférica do território nacional, ainda

muito distante do desenvolvimento que a cortiça, primeiro, e a centralidade viária

lhe viriam a conferir na segunda metade do século XX. É certo que MS deslocava -se

frequentemente a Lisboa, como se percebe pelas menções na sua correspondên-

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cia, certamente por afazeres profissionais, mas não é determinável o modo como

o contacto começou 5.

Mesmo sem estas indicações, o gosto pela Arqueologia terá germinado muito

cedo em MS. É por várias vezes mencionado que uma das suas aspirações pessoais

consistia na criação de um Museu na Ponte de Sôr onde pudessem ficar expos-

tos os objectos recolhidos pelo seu labor e curiosidade. Esta intenção, note -se, é

muito frequente no espírito da época, e em especial nesta área regional, onde nos

últimos anos do século XIX e primeiras décadas da centúria seguinte encontramos,

de forma repetida, a acção de agentes que procuram fundar um local de exposição

das «antiguidades locais». Em alguns casos, tal intenção é concretizada, como em

Elvas, onde António Thomaz Pires (outro dedicado correspondente de JLV) irá

presidir à criação de um dos mais antigos museus de Arqueologia do território

português. No entanto, na sua maior parte estas aspirações não sobreviverão ao

desaparecimento dos seus entusiastas, após o qual as colecções são geralmente

desbaratadas e dispersas, perdendo -se o labor e a informação recolhida. Vistos à

distância do tempo actual, o dado mais curioso parece ser o facto de estas preten-

sões locais não serem conflituantes com a acção centralizadora de JLV, que pro-

curava constituir em Belém uma colecção digna dos grandes museus nacionais da

Europa do tempo. Aparentemente, as peças mais relevantes, de conteúdos museo-

lógicos excepcionais, deveriam seguir para Lisboa, ficando o espólio menos evi-

dente, mas demonstrativo da riqueza local, na própria área à qual pertence. Entre

o centro e a periferia, com uma relação epistolar cavalheiresca, se resolvem assim

estes potenciais focos de tensão que em épocas posteriores assumirão contornos

de maior conflitualidade.

Em face inicial, parece que JLV terá procurado enquadrar e estimular a pro-

dução científica de MS. No primeiro volume do Arqueólogo Português, datado

de 1895, encontramos duas curtas notícias escritas sobre alguns conjuntos de

antas do território de Avis, prolongadas posteriormente no volume de 1896. Que

se saiba, nunca mais MS irá regressar à redacção de textos para publicação, pre-

ferindo ceder informações a JLV para que ele as divulgue sob a forma de notícia 6.

É por esta via que mais tarde surgirão as notícias referentes ao património arqueo-

5 Em Vasconcelos, 1987, p. 21, nota 1, pode ler -se: «É acqui occasião de agradecer ao sr. dr. Mattos Silva não só a sua

bondade em me convidar para assistir á exploração archeologica, o que fiz em Setembro de 1892, mas a franqueza,

verdadeiramente alemtejana, com que me tratou, e a liberalidade de que usou para comigo offerecendo -me vários

objectos dos desenterrados das antas. Depois de Setembro o sr. dr. Mattos Silva procedeu a novas explorações. A sua

collecção archeologica, que possue em Ponte -de -Sôr, é pois já hoje importante». Em 1892 o «Archeologo Português»

ainda não se publicava, o que talvez explique que a visita nunca tenha sido noticiada, dela não restando uma memória

escrita. De qualquer forma, este excerto mostra a durável relação entre estes dois homens.6 Deve sublinhar -se que assim se cumpria o espírito d’O Archeologo Portugues, que na sua origem tinha «o fito

de reunir pequenas contribuições que no futuro poderiam dar corpo às desejadas sínteses, em suma, um projecto

modesto e vocacionado para o pequeno contributo», o que explica a profusão de pequenos artigos e notícias que

encontramos nesta primeira fase (Fabião, 1999, p. 117).

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lógico da Ponte de Sôr, nomeadamente quando em 1910 JLV publica os materiais

recolhidos nas escavações de monumentos megalíticos efectuadas por MS, como

se torna evidente pela leitura da correspondência entre ambos. Nesse mesmo

artigo é também publicado o numeroso lote de peças arqueológicas e etnográficas

que MS havia oferecido para o Museu. Frustrado um possível itinerário autoral, o

juiz da Ponte de Sôr irá ficar como um fiel angariador de informações no terreno 7

e como um desbloqueador de eventuais dificuldades à aquisição de objectos por

parte de JLV.

Conhecendo -se poucos elementos sobre a sua biografia, não é fácil perceber

o modo como em MS nasce o interesse pela arqueologia, ou a forma como essa

particular curiosidade se foi cultivando.

Manuel Rodrigues de Mattos e Silva nasceu em Souto, concelho de Abrantes,

em 29.03.1862, e faleceu em Ponte de Sor a 21.09.1937, localidade onde passou

a maior parte da sua vida profissional. A sua actividade arqueológica surge docu-

mentada logo no primeiro volume de O Archeologo Português, onde colabora com

duas notícias breves sobre o património megalítico da região de Avis (momento

onde se insere o postal 21255). Até ver, os primeiros espécimes no epistolário de

JLV são também datados desse momento.

Desde o primeiro momento se reflecte o notável interesse de MS pelo correcto

conhecimento das realidades arqueológicas locais. Para JLV, o seu correspondente

pontessorense seria um «companheiro, que nada sabe, mas que deseja saber alguma

cousa» 8, um amador que no entanto procura munir -se dos instrumentos mais

necessários. Entre eles, a cartografia: «Para as relações das antas que tenha visto muita

falta me faz o mappa que o nosso am.º Schindler me prometteu.» 9; o auxilio biblio-

gráfico: – Faz -me muitíssima falta o Mortillet. Havel -o -há á venda em Lisboa? No caso

affirmativo, onde e qual o seu custo?; e também a logística possível: um criado para me

ensinar o sítio onde ellas estão, levando em todo o caso uma enxada e um crivo. 10

O aspecto eventualmente mais interessante reside no facto de, embora plena-

mente assumido como um mero curioso, MS estar permanentemente preocupado

com fazer o «certo», pedindo várias informações a Leite de Vasconcelos sobre os

métodos de trabalho a aplicar em diversas situações. Consciente dos problemas

que poderiam suscitar as escavações mal realizadas, solicitou por diversas vezes a

presença pessoal do Director do Museu, afim de acompanhar os trabalhos e reco-

lher, automaticamente, os materiais para o museu.

Todavia, JLV apenas deixa documentada uma deslocação à Ponte de Sôr, que

acabaria por se revelar extraordinariamente produtiva. Durante a sua estadia de

7 «[…] Sr. Dr. Mattos Silva, que explora as antas de Ponte -de -Sôr, Avis, etc. […]» em Vasconcelos, 1915, p. 19.8 N.º 212569 N.º 21269.10 N.º 21256.

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dez dias deixa referências a vários sítios explorados e a materiais recolhidos por si

e pelo seu guia local: para além do marco miliário de Probo, encontrado em Ponte

de Sôr, terão explorado, na freguesia de Montargil, uma Anta 1, e terão encon-

trado «(…) três fragmentos de laminas de sílex, quatro machados de pedra, e duas

mós primitivas(…)» (Vasconcellos, 1910, p. 248). Na herdade do Zambujal foram

exploradas quatro antas, foi feita a escavação de uma anta na herdade dos Caval-

leiros, e foi intervencionada uma outra anta na herdade do Monte dos Irmãos.

Ter -se -á dirigido à ponte de Villa Formosa, onde terá encontrado mais miliários,

na circunstância«(…) três anepigraphos (…)». JLV refere que, durante a sua estadia,

terá recolhido nove marcos miliários, e este tema capta -lhe tanto a atenção que

em 1912 envia Félix Alves Pereira para procurar o traçado da via que partia da

Ponte de Sôr em direcção a Alter do Chão. Por fim refere as várias descobertas

feitas na exploração das antas, materiais que de imediato foram conduzidos para

o Museu (idem, p. 248 -249).

O conjunto arqueológico proveniente da Ponte de Sôr ficará completo poste-

riormente, quando o Dr. Matos e Silva «(…) offereceu -me para o Museu Ethnologico

toda a collecção de objectos archeologicos que possuia(…)» (idem, p. 249). No Museu

Nacional, este conjunto deveria ajudar a constituir uma parte das origens norte

alentejanas, mas o plano original de MS consistia no facto de ter recolhido esses

objectos com o fim de formar um núcleo expositivo que ficasse em permanên-

cia na Ponte de Sôr. Eventualmente desiludido com a fraca receptividade que

localmente tal proposta teria tido, MS decide -se a enviar o conjunto para Lisboa.

O espólio inclui materiais por si recolhidos, mas também por «(…) pessoas que

desejam uma história da nossa terra (…)» e que o juiz conhecia pessoalmente. MS

funciona também como intermediário entre estas figuras locais e JLV, quer na dis-

ponibilização de condições logísticas («Todos os dolmens que por aqui conheço ficam

bastante distantes das povoações; por consequência durante a exploração teremos de nos

sujeitar a viver na herdade d’algum lavrador meu conhecido, onde poucas commodidades

poderemos encontrar» 11), quer como intermediário com outros «exploradores» da

época, como por exemplo o Dr. Callado, ou o Dr. Sarmento, por vezes referidos

de passagem.

Ao longo de um largo período de tempo, que não é possível quantificar, MS

irá actuar quase como um funcionário do Museu ao nível regional: detectando

sítios, angariando peças e realizando pequenas escavações, centrando -se sobre-

tudo no rico património megalítico da região, embora os vestígios romanos tam-

bém lhe captassem a atenção 12.

11 N.º 21253.12 Será ele que inicia o reconhecimento do troço da via XIV do Itinerário de Antonino, nomeadamente, identificando

os miliários existentes. Em 1912 Félix Alves Pereira, funcionário do Museu, irá percorrer o percurso, encontrando um

impressionante número de miliários ao longo do traçado.

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A dedicação e o inestimável contributo prestados por MS irão ser recompen-

sados por JLV, que propôs ao Ministério da Obras Publicas, Commercio e Indus-

tria a atribuição de um louvor público, que reconheceu o esforço feito pela pre-

servação do património regional 13. Em resposta, constando de uma das últimas

epístolas, MS afirma que Estou -lhe muito reconhecido pela honrosa Portaria […].. 14.

***

A esta distância, é impressionante ver o modo como, na transição do século XIX

para o XX, a preservação do património nacional estava a cargo de um conjunto de

individualidades locais que agiam de forma desinteressada e unicamente movidas

pelo apego aos valores locais. Na maior parte dos casos não dispunham de forma-

ção na área, desempenhavam outras actividades profissionais, e como recurso dis-

punham apenas do seu voluntarismo e dos meios próprios. Esta falta de suporte

institucional, ou de um enquadramento formal que apoiasse estas iniciativas à

escala local, reflecte no fundo o anquilosado exercício da actividade a nível nacio-

nal, e o modo como todo o desempenho desta sciencia estava dependente das

vontades individuais de, passe o pleonasmo, algumas individualidades 15. Para a

época, parece claro que o grande esforço de LV no acompanhamento, à distân-

cia epistolar, deste movimento, centrou -se na tentativa de procurar descolar este

labor de uma mera recolha ao espírito antiquarista para a canalização de peças

para o Museu Nacional e também para um modelo de intervenção cívica na sal-

vaguarda da memória local.

Mesmo assim, se tivesse tido continuidade, este modelo de actuação poderia

ter desembocado, com o passar das gerações, em acções de preservação patrimo-

nial mais desenvolvidos, estruturados e alocados à acção das comunidades locais.

O centralismo que se irá impor no território nacional nos anos seguintes vai esva-

ziar por completo as dinâmicas locais, o que inviabilizará qualquer possibilidade

de evolução deste modo de actuação.

13 Publicada em Vasconcelos, 1910.14 N.º 21278.15 Para um âmbito mais alargado ver Fabião, 1999 (em especial a p. 118). De resto, esta debilidade institucional e a

excessiva dependência do labor individual constitui -se, de forma mais ou menos encapotada ou assumida, como um

aspecto estruturante na actividade arqueológica portuguesa.

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ENTRE O CENTRO E A PERIFERIA: A RELAÇÃO EPISTOLAR DE J. LEITE DE VASCONCELLOS E MANUEL MATTOS SILVA 277

O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

BIBLIOGRAFIA

Registam -se dois artigos assinados por Manuel Rodrigues de Mattos e Silva:

SILVA, M. R. Mattos (1895) – Notícia das antigui-dades pré -históricas do concelho de Avis. «Anta Grande» da Ordem. O Archeólogo Português. Lis-boa. I.ª Série,1, p. 120 -125 e p. 214 -216.

SILVA, M. R. Mattos (1896) – Notícia das anti-guidades pré -históricas do concelho de Avis. O Archeólogo Português. Lisboa. 1.ª Série, 2, p. 239 -240.

DIAZ -ANDREU, M.; CHAMPION, T., eds (1996) – Nationalism and Archaeology in Europe. London: UCL.

FABIÃO, Carlos (1999) – Um século de Arqueo-logia em Portugal – I. Almadan. Almada. II série, n.º 8, p.104 -126.

RAMOS, Rui (1994) – A invenção de Portugal. In Mattoso, J., dir. – História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores. Vol. VI, p. 565 -596.

TORGAL, L. R.; MENDES, J. A.; CATROGA, F. (1998) – História da História em Portugal. Lisboa: Temas & Debates. 2 vols.

TRIGGER, Bruce (1989), A History of Archaeologi-

cal thought. Cambridge: CUP.

VASCONCELLOS, José Leite de (1897) – Reli-

giões da Lusitânia. Lisboa: Imprensa Nacional. Volume I.

VASCONCELLOS, José Leite de (1910) – Excur-são archeologica. – Escavações. – Acquisições. O Archeologo Português. Lisboa. 1.ª série, n.º XV, p. 247 -252

VASCONCELLOS, José Leite de (1915) – História

do Museu Etnológico Português (1893 -1914). Lis-boa: Imprensa Nacional.

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21253

Ilm.º Excm.º Am.º

Acabo de receber a attenciosa carta de V. Ex.ª, que deveras agradeço.

Sobre a primeira pergunta que V. Ex.ª me faz, peza -me dizer lhe que estou

compromettido a irmos dias 12 e 13 á Gollegã assistir a uma festa de família, não

me sendo, por este motivo, possível fazer a exploração n’esses dias.

Como V. Ex.ª deseja assistir e eu tenho nisso o maior prazer, resolvo -me

adiar esse trabalho para a occasião que V. Ex.ª me indicar, esperando que ella não

se fará tardar muito.

Intencionava explorar apenas um dolmen, mas vindo V. Ex.ª explorávamos

uma porção d’elles, caso venha resolvido a demorar -se alguns dias. Quando V. Ex.ª

tiver bom ensejo para vir não tem mais nada senão avisar -me com antecedência

para o esperar na estação, que apenas dista d’esta Villa 2 killometros, e indicar -me

quantos homens e que instrumentos devo ter preparado para a exploração.

N’esta parte do Alemtejo ha apenas como meios de transporte cavallos com

as clássicas carretas, altamente incommodas. São as que posso dispor e desejo que

V. Ex.ª me diga qual d’elles prefere.

Todos os dolmens que por aqui conheço ficam bastante distantes das povo-

ações; por consequência durante a exploração teremos de nos sujeitar a viver na

herdade d’algum lavrador meu conhecido, onde poucas commodidades podere-

mos encontrar.

É o que me cumpre dizer a V. Ex.ª para saber com o que tem a contar.

Confesso -me com toda a consideração.

De V. Ex.ª

Att.ª V.ºs mt.º obg.d

Manuel Roiz de Mattos e Silva

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21254

Parece -me que não conseguirei tirar qualquer osso completo, porque alem

de se desfazerem com um leve toque, são tantos e estão de tal forma apertados

uns contra outros que formam uma verdadeira calçada.

Veija se pode n’esta occasião vir aqui para ver uma anta rica commo julgo

nunca ter apparecido outra.

Para fazer ideia do que ella é, basta dizer -lhe que não houve vez alguma em

que o crivo me não desse grande quantidade de bons objectos.

Ficam as antas a 2 horas de viagem da p. te de Sôr e próximo d’uma herdade

de meu sogro.

Está sempre as suas ordens o seu

Am.º mt.º obrig.do

Manuel de Matos Silva

21255

(postal)

Ex.mo Sr. Dr. José Leite de Vasconcellos

Biblioteca Nacional

Lisboa

Querido Amigo [?]:

Aqui vão as provas e photographias promettidas. Se precisar mais diga.

[…]Mattos Silva.

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21256

Meu Ex.mo Amigo

Os meus grandes affazeres e, com verdade, um bocado de perguiça, que,

espero, o meu ami.º desculpará, me teem impedido de responder à sua carta e

agradecer em meu nome e no do Callado os exemplares que teve a amabilidade

de nos offerecer.

Creio ser desnecessário repetir -lhe que todas as vezes que queira fazer digres-

são por esta riquíssima região tem a nossa casa às suas ordens, onde será recebido

com toda a franqueza, e um companheiro, que nada sabe, mas que deseja saber

alguma cousa.

Não tenho podido fazer mais explorações; espero que terminem as audi-

ências gerais e que venham uns dias razoáveis para escavar as antas em que pri-

meiro lhe fallei, onde tenho probabilidades de fazer colheita de bons exemplares.

Depois tencionava assentar arraiais em S. Martinho com meu cunhado e talvez

o Vieira Natividade, íntimo amigo d’elle. Se a V. Ex.ª não for possível vir assistir,

saberá depois o resultado dos nossos trabalhos.

Até hoje pouco tenho obtido; apenas alguns machados e entre elles um que

tem a insignificância de 0m, 31 de cumprimento e uma pedra rolada sensivel-

mente espherica com dois buracos, um em cada uma das faces mais achatadas,

regularmente feitos e muito bem polidos, tendo 0m,1 aproximadamente de pro-

fundidade e um d’elles com o diâmetro de 0m,3 e outro de 0m,2. Não sei se será

um objecto pré -historico e qual teria sido a sua utilidade. Entretanto ca está figu-

rando no meu museu.

Colhi os cacos e placas que trouxemos da Ordem; tanta d’umas como d’outras

obtive alguns exemplares completos que me parecem de merecimento.

Estou com muita vontade de ir a Lisboa e levar alguns objectos, mas como

o não posso fazer por enquanto, reservo a minha ida para depois de maiores

explorações; então maior numero d’exemplares poderei apresentar á observação

dos entendidos.

Vi hontem nas Novidades uma noticia que se refere a um artigo seu sobre as

suas excursões pela Beira e P.te de Sôr. Muito me obsequia dizendo -me qual jornal

e n.º em que mandam publicar esse artigo.

Como o meu am.º tem muita paciencia para me aturar rogo -lhe o especial

favor de me dizer o preço dos livros = Le prehistorique, de G. de Mortillet e Musée

prehistorique, do mesmo autor, indicando a uma livraria a que poderei dirigir-

-me, para o mandar vir com urgência.

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Tenho cá para si um tinteiro e armeiro de lança, um pouco mais pequenos do

que aquelles que comprou nas Galveias e com os bordos um pouco quadrados.

Desculpe tão grande massada e mande em tudo.

De V. Ex.ª

Am.º mt.º o.do

Ponte de Sôr 26 -10 -(18)92

Manuel Rodriques de Mattos e Silva

Meu sogro e Dr. Callado enviam -lhe cumprimentos. Enviam -lhe a nota

inclusa, relativa ás sepulturas em que aqui lhe fallou o Joaquim Agostinho (Cano).

Se pela descripção entender que ellas teem merecimento e por este motivo as que-

ria ver peço que me avise.

[?]

Mattos Silva

[Cartão, rasgado, só deixando ver parte do texto]

Cartão(sem n.º)

Cheguei hontem a Lisboa [...] sai na primeira […]. Peço me diga para o [...]

Borges (Chiado) onde […] que horas o poderei encontrar amanha, J.ª f.ª.(?)

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21257

S. Martinho 22 – 1 – (18)93

Meu Ex. mo Amigo

São 3 horas da tarde e acabo de chegar d’uma exploração archeologica. A

anta grande do Assobiador apenas deu uma faca incompleta. Depois de meia

dúzia de cavadellas desisti das excavaçoes, porque, depois de tirar uma pequena

camada de terra, encontrei chão firme e indícios de estar muito próximo a base

dos esteios.

É isto devido certamente a grande inclinação do terreno e por este motivo ter

sido arrastado pelas aguas a terra das sepulturas com tudo o que ahi se achava.

A grande altura dos esteios já me fazia prever que seria nulla ou insignificante a

colheita.

Passei depois a uma outra anta pequena (igual aquellas que o meu ami.º não

vio na nossa viagem a Cabeção) que foi indicada por um pastor e que fica perto

da grande. Essa deu -me a insignificância de 11 bonitos machados, duas pontas de

lança, de bronze, que me parecem magnificas e um outro instrumento de bronze,

cuja utilidade desconheço e que tem o feitio de uma agulha grande. Alem d’esses

deu -me um vaso de barro, que estava completamente partido e que tinha o triplo

do tamanho do maior que colhemos nas nossas explorações de Setembro.

A terra estava completamente molhada e por isso não podia ser crivada;

guardei -a para mais tarde fazer este serviço. É possível que depois appareçam mais

exemplares.

Ainda comecei a explorar aquella que nós vimos no alto no meio d’um este-

val; a terra estava também muito húmida e por este motivo guardei para o tempo

secco a exploração; ainda assim deu -me dois bons machados em bom estado

apenas na entrada da galeria. Quando ahí fôr verá como vai progredindo a passos

agigantados o meu museo..

Abraços … De V. Ex.ª

Am.º […]

Manuel Roiz de Mattos e Silva.

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21259+A

Ponte de Sôr 17 -7 -(18)93

Meu Ex.mo Am.º

Quando ai estive prometti mandar -lhe o desenho da placa que tem desenhos

em ambas as faces. Só hoje o faço, porque desejava dar -lhe conta d’uma explora-

ção em que há muito lhe fallava, e que comecei no sábado primeiro [?] passado,

interrompendo -a ate a semana que vem, porque só então tenho vagar para fazer a

exploração com cuidado. Fui apenas com um criado para me ensinar o sitio onde

ellas estão, levando em todo o caso uma enxada e um crivo. Na câmara d’uma das

antas mandei cavar uns 4 ou 5 alqueires de terra, que depois de crivada me deu

302 dentes d’hommem, grande quantidade de fragmentos d’ossos, 7 pontas de

setta, um bocado de faca, uma placa completa (sem desenhos e de pedra muito

grosseira e frágil) outra incompleta, um dente de javali, muitos bocados de diffe-

rentes instrumentos d’osso, um vaso quasi completo e fragmento d’outros e 14

contas entre as quaes uma de osso polido de 0m,03 de cumprimento e com um

risco em forma de espiral.

Esta anta é aquella em que um meu visinho tirou um esteio para uma pedra

de lagar. Este esteio era o que estava à entrada esquerda da câmara; para o arran-

carem revolveram parte da galeria e um bocado da câmara, de forma que hoje há

menos de metade a escavar. Tenho uma pena extraordinária em não a encontrar

completa, porque a avaliar pela meia dúzia de cavadellas que lá dei, calculo que

me havia de dar muitíssimos mais exemplares que a da Ordem. Um dos lados

da galeria está completo e estão cahidos 3 dos enormes esteios que tinham pela

parte de fora uma grande quantidade de conhos rolados formando uma parede

bem feita. O chapéu foi partido e metade está cahido no meio da galeria; tem elle

um buraco bem feito com esta configuração – -– 0 – -– medindo de cumprimento

0m,11, de largura 0m,06 e profundidade 0m,06.

Com a pequeníssima excavação que fiz em nada prejudiquei a exploração

futura, porque cavei na rampa formada pela cova feita para arrancar o esteio.

(desenho da placa)

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21260

Meu Caro Am.º

Fiquei hoje muito descontente com a sua carta, não so porque já contava ao

certo pelo menos, consigo, mas porque me considero incompetente para fazer em

termos a exploração da anta em que lhe fallei.

É abundantíssima em ossos, intrumentos d’osso, de chiffre e outros objec-

tos; e como é a primeira que encontro n’estas condições tenho receio de deixar

escapar circunstancias e objectos de importância. Em todo o caso resolvo -me a ir

explorar esta semana, 4.ª feira talvez, exforçando -me por tomar nota e aproveitar

tudo o que me pareça digno de merecimento(?).

Fui hontem ás Galveias e lá soube de mais 6 antas que ficam nas proximida-

des da que vou explorar, contando -me que uma ainda está completa, que umas

são grandes, outras pequenas etc.

Ainda lhe não disse que estas antas são situadas nas margens da ribeira que

passa a S. Martinho e na Ordem, no sentido da sua nascente.

Estou constantemente a receber noticias de muitas outras existentes na

mesma região e a obter ao mesmo tempo licença para as explorar. Se eu me dedi-

casse exclusivamente a estes trabalhos creio que teria muito que fazer durante

alguns anos. Mas como tenho os deveres do meu lugar e me veijo sosinho, sou

forçado a ir muito devagar, ainda assim com esperança de arranjar um museu

digno de ver -se dentro em pouco tempo.

Visto não vir cá, peço me diga se devo aproveitar todos os fragmentos d’ossos

ou apenas aquelles que estão mais completos. Quando lá arrancaram um dos

esteios appareceram dois crâneos quasi inteiros, por isso é provável que eu tam-

bém encontre algum. Actuallmente já tenho boccados de maxillares, de craneos

e ossos longos, que, a meu ver, indicam terem pertencido a indivíduos de grande

corpolencia.

Á volta da exploração informal -o -hei detidamente de minha colheita.

Já sei há muito tempo que na Torre do Ervedal, herdade pertencente ao pai

do meu colega e particular am.º Cunha e Sá, casado com uma senhora prima

de minha mulher, há muitas antas e appareceram os vestígios romanos a que se

refere. Ainda há poucos dias um cunhado do Cunha e Sá me disse que tenciona-

vam fazer exploração e me convidou a ir dirigi -los nesse trabalho. O Ervedal fica a

pouco mais d’uma légua do sitio para onde vou esta semana e a herdade da Torre

confina com outra onde me cederam [?] algumas antas. Se o meu am.º viesse

podíamos ver tudo sem grande trabalho e perda de tempo, e se quizesse explorar

depressa conseguiria autorizaçao do Cunha e Sá.

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

Se me puder dar algumas indicações sobre o modo como devo dirigir os

meus trabalhos muito lhe agradeço.

Disponha sempre do seu

Am.º mt.º obrid.do

Ponte de Sôr 7 -8 -(18)93

Manuel de Mattos e Silva

21262

Meu Caro Am.º

Pelo seu telegrama d’hontem e bilhete postal d’hoje vejo que se resolveu a vir

acompanhar -me na exploração que tenciono fazer.

Se a sua vinda na presente occasiao lhe causar algum transtorno e vem para

que eu não fique descontente pode addia -la para mais tarde, pois que, alem da

anta da Capella, há muitas outras nas proximidades, que julgo estarem nas mes-

mas ou melhores condições. Aquella já eu sei que é muito boa. As outras simples-

mente pensamos que o serão.

Dá -me muitíssimo prazer em vir agora e todas as vezes que se resolva a fazer

excursao por estes sítios; tem um companheiro am.º sempre ás ordens.

O melhor dia para vir é a próxima 6.ª feira ou então na 4.ª da semana que

vem; entre estes dois dias vai comigo, 2.ª e 3.ª para uma feira o rapaz para casa

de quem nós vamos passar o tempo que nos approuver.

Peço que me avise com antecedência para arranjar trabalhadores, o que é

difficil n’esta occasião, e para avisar da vossa ida o meu am.º que nos offereceu

casa.

No sitio da anta há boas sombras para nos livrarmos do sol. Há um comboio

que chega aqui às 3 horas da tarde; seria este o melhor senão fosse o calor, porque

tinha tempo de descançar ate ao outro dia que faríamos viagem cedo. Avise -me

para o esperar na estação.

Seu

Am.º obrg.do

Ponte de Sôr 9 -8.(18) 93

Mattos e Silva

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S/ C(…)

Meu Caro Dr.

Estimo que tivesse chegado de boa saúde bem como o nosso am.º Dr. Schin-

dler e que nenhum mal lhes fizesse a viagem pela Chamusca.

Tem feito por aqui um calor abrasador e tanto que só hontem, que refres-

cou, é que tive coragem para encaixotar e remetter ao N. Delgado os fragmentos

d’ossos que colhemos nas nossas explorações. Vão juntamente as pedras que o Dr.

Schindler escolheu.

Remetta a guia ao meu am.º por ignorar se o N. Delgado está em Lisboa. Já

lhe deu noticia do resultado dos vossos trabalhos? Que diz?

Antehontem encontrei por acaso a distancia de quasi 4 kilometros de Ponte

de Sôr uma anta pequena muito bonita. Os esteios terão quando muito um metro

acima da terra e julgo que sempre assim foram, por que não mostram vestígios de

terem sido quadrados. São todos da mesma altura, muito unidos uns aos outros

e formando um circulo perfeito com uma pequena entrada, sem vestígios de

galeria.

Encontrei um machado junto a ella á superfície da terra. Vou explora -la um

dia d’esta semana. Informa -lo -hei do resultado.

Quando estiver com o Dr. Schindler peço lhe apresente os meus cumprimen-

tos. Mande um abraço do seu

Am.º mt.º o.do

Ponte de Sôr 28 -8 -(18)93

Mattos e Silva

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21263 – Arqueologia

Meu Caro Amigo

Cheguei hontem d’Alter de ver com meus cunhados e sogro umas proprieda-

des que elle lá tem. Venho admirado com a riqueza dolménica d’aquelles sítios.

No pouco tempo que me demorei e pequeno espaço que percorri vi sete antas e

tive noticia de muitas nas proximidades d’aquella Villa. Em qualquer um passeio

que dê por estes sítios vejo -me sempre cercado d’antas! É extraordinário.

Esta região é para mim de fácil exploração, porque meu sogro tem em Alter

umas casas com muitas e boas accommodações.

Ainda assim, attendendo a que minha vida é bastante presa, é provável que

este anno explore apenas as proximidades de Benavilla.(?)

Quando tenciona vir cá?

Estou ancioso pela sua vinda, esperando que este anno venha com maior

vagar.

Está sempre as suas ordens.

Seu Am.º mt.ºo.do

Ponte de Sôr 7 -3 -(18)94

Manuel de Mattos Silva

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MARTINHA SERRAS, ANDRÉ CARNEIRO288

O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21264

Meu Caro Am.º

Agora, que estava para lhe escrever, chega o Callado, informando -me da sua

carta.

Agradeço -lhe os seus cuidados e appresso -me a dizer -lhe que não tem sido

felizmente a falta de saúde o motivo do meu silencio, mas uma extraordinária

preguiça, que não me deixa sequer cumprir com os meus deveres.

Quando o meu am.º sahiu da Figueira para V.ª do Conde escreveu -me uma

carta que só recebi em Portalegre no tempo em que já se tinha ausentado d’aquella

ultima Villa. Como não sabia para onde lhe escrever não tive occasião de lhe dizer

que esperava aqui no dia 25 de Setembro ultimo para procedermos as explo-

rações combinadas. Este anno vamos a uma nova região, Ervedal, próximo de

Benavilla,onde a par de muitas antas, entre as quais uma ainda coberta de terra,

segundo me informaram, tínhamos um grande subterrâneo, onde appareceram

vestígios romanos. Éramos bem hospedados em casa d’um meu amigo e parente.

Já que não pode ser d’esta vez, reservammos para o anno alguns dias para as novas

explorações n’aquella região.

Tenciono ir a Lisboa no miado de Novembro. Então serei informado da sua

colheita d’este anno e lhe darei noticia d’algumas descobertas que tenha feito.

Abraço do seu

Am.º mt.º o.do

Ponte de Sôr 25 -10 -(18)94

Mattos Silva

21265

Meu Ex.mo Amigo

Recebi há tempo uns prospectos d’ O Archeologo portuguez e ultimamente o

seu bilhete postal pedindo -me noticias sobre nossas explorações acompanhadas

dos objectos. Ando a fazer uma relação minuciosa de tudo o que encontramos e

uma descripção, certamente muito mal feita, de cada um dos objectos que possuo.

Não tive por ora desenho algum, porque espero por estes dias ter uma machina

photographica com que conto superar as deficiências da descripção.

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ENTRE O CENTRO E A PERIFERIA: A RELAÇÃO EPISTOLAR DE J. LEITE DE VASCONCELLOS E MANUEL MATTOS SILVA 289

O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

A minha collecção em nada tem argumentado a não ser com um machado

que encontrei á superfície d’uma anta que descobri quasi encostada á Capella da

Srn.ª dos Prazeres e com uns vasos e moeda romanos que casualmente desco-

bri e desenterrei num alto próximo d’esta Villa e onde tenciono fazer algumas

excavações.

Continuo entretanto a receber noticias de estações prehistoricas desconheci-

das e cada vez mais lamento ter uma vida tão presa; se não fosse isto teria dentro

em pouco tempo um riquíssimo museo.

Louvo -o muitíssimo pela publicação d’=O archeologo portuguez;= 16d’esta

forma tenho occasião de tornar conhecido alguma cousa que possuo e de me

pôr ao facto de que se vai fazendo por esse mundo n’uma sciencia que tanto me

interessa.

Peço -lhe o obsequio de me mandar inscrever commo assignante bem como

o meu cunhado Joaquim Vaz Monteiro.

Fico ancioso pelo primeiro numero.

Abraça -o e dá -lhe as boas feitas o seu

Am.º mt.º o.do

Ponte de Sôr 7 -1 -(18)95

Mattos Silva

16 Conforme o original

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21266

Meu Ex.mo Am.º

Ate que emfim lhe mando uma mal feita noticia dos objectos que colhemos

nas nossas explorações da Ordem.

Talvez que, modificada comvenientemente pelo meu am.º, possa servir para

publicar no seu Archeologo Portuguez.

Vão também alguns desenhos, como sei fazel -as; parti do principio de que

os nossos estão inteiros; as pontas de setta fil -as, collocando -as sobre o papel e

riscando em roda; as placas, collocando o papel sobre ellas e esfregando por cima

com uma lamina de chumbo.

Se entender que este meu trabalho lhe pode ser útil diga -me para continuar

a fornecer -lhe esclarecimtos sobre as outras explorações.

Peço que mande m’escrever, como assignante d’O Archeologo Portuguz, José

Augusto da Fonseca e que dê ordem para que lhe seja remettido o 1.º.numero.

Está sempre ao seu dispor

De V Ex.ª

Am.º mt.º obrig.do

Ponte de Sôr 6 -3 -(18)95

Mattos Silva

21267 – Noticia

Meu Ex.mo Am.º

Respondendo á pergunta que faz no n.º 2 do «Archeologo Portuguez» cumpre-

-me dizer -lhe que, por informações que me tem sido prestadas por pessoas ver-

dadeiras, sei que em Flor -da -Rosa, Aldeia da Matta, Gáfete e Tolosa há numerosas

antas, não havendo memoria de terem sido exploradas, e que n’aquella região

apparecem (também) muitos vestígios da civilisação romana.

Tenho n’aquelles sítios alguns amigos, que, conhecendo a minha predilec-

ção pela archeologia, me têm pedido para l’a ir fazer as explorações que quizer,

offerecendo -me tudo o que fôr necessário para os meus trabalhos. Quando o meu

amigo lá queira ir, não tem mais do que avisar -me com alguma antecedência;

entretanto, este anno, desejo fazer explorações nas quaes se torna indispensável

a sua presença no Ervedal, próximo d’Aviz, onde há muitas antas, uma ainda

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

coberta de terra, segundo me informaram e um grande subterraneo. Na próxima

semana vou explorar trez antas, que descobri próximo á Capella da Srn.ª dos

Prazeres, de uma das quaes já lhe dei noticia.

Informal -o -hei do resultado dos meus trabalhos.

Sempre as suas ordens.

De V. Ex.ª

Am.º mt.º obrig.do

Ponte de Sôr 15 -5 -(18)95

Mattos Silva

21268 – Noticia

Meu Ex.mo Am.º

Acabo de chegar de Montargil, freguesia d’este concelho, onde descobri uma

região dolménica, que me parece ser importante. No pouco terreno que percorri vi

sete antas, que julgo intactas, e fui informado de que existem mais n’aquelle sitio;

são todas pequenas e junto a algumas encontrei evidentes vestígios de peque-

nas casas, em cujas ruínas não apparecem o mais ligeiro indicio das construções

romanas, como cal, tijolo ou telha, etc. e ainda colhi alguns fragmentos de cerâ-

mica, que me parece ser prehistorica. Seriam habitações dos povos das antas?

Encontram -se também n’alguns pontos elevados grandes quantidades de

pequenas pedras juntas em montes. O que será?

Já vê o meu am.º que estou constantemente fazendo boas descobertas; e

pena que a minha vida me não deixe explorar á medida que as vou fazendo.

Não posso dar -lhe a certeza de haver uma anta transformada em capella;

entretanto a algumas pessoas tenham vindo dizer que em Pavia há uma capella

construída n’uma anta. Se tiver necessidade da certeza avise -me para pedir a pes-

soa de confiança que m’a dê.

Já está concluída a sua obra = Das religiões da Lusitânia ?

Estou resolvido a ir ahi brevemente.

Disponha do seu

Am.º ob.do

22 -5 -(18)95

Mattos Silva

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21269

Meu Ex.mo Am.º

Agradecendo a honra que, por sua iniciativa me foi conferida, peço me diga

se devo perante a R. Associação d’Archeologia manifestar o meu reconhecimento,

bem como solicitar para mim uns estatutos para saber quaes os meus direitos e

obrigações.

Vou hoje pedir resposta urgente ao meu pedido d’informações sobre a capella

de Pavia. Communicar -lhe -hei logo que a receba.

Quando me pediu estas informações escreveram por tal forma, que não

me foi possível compreender as relações que deseja (má calligraphia) e o modo

como devo arranjar os meus artigos. Quando tiver vagar illucide -me sobre estes

assumptos.

Para as relações das antas que tenho visto muita falta me faz o mappa que o

nosso am.º Schindler me prometteu.

Sou informado da noticia de mais 4 antas próximo das quaes há tempo vi em

Montargil. Tenho muito que fazer este anno.

Disponha sempre do seu

Am.º mt.º obrig.do

P.te de Sôr 9 -6 -(18)95

Mattos Silva

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21270

Meu Caro Am.º

Ahi vai mais uma mal alinhavada noticia sobre a anta da Capella. É resumida

e não leva desenhos para evitar trabalho.

Vai incompleta porque não sei quaes os objectos que ahi tem colhidos d’ella

e porque não me atrevo a classificar os objectos que n’esta data lhe envio pelo

correio. Peço -lhe o favor de a completar, não se esquecendo dos ossos e dentes

(1020 molares, 332 incisivos e 154 caninos, julgo eu) que mandei para o Museo

da Academia.

Faz -me muitíssima falta o Mortillet. Havel -o -há á venda em Lisboa? No caso

affirmativo, onde e qual o seu custo? Obsequiava -me imenso ensinando -me a

maneira de o adquirir.

Está sempre ás suas ordens, o seu

Am.º obrig.do

Ponte de Sôr 8 -7 -(18)95

Mattos Silva

revista_OAP.indd 293 14/09/11 9:11:25

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21271

Meu Ex.mo Am.º

Sempre fui muito preguiçoso mas desde que sou pai d’um valente rapaz mais

preguiçoso me tenho tornado; pouco tempo me sobra d’aquelle que dedico a

fazer -lhe festas.

Por isso só agora consegui alinhavar essas mal traçadas linhas, que o meu

Am.º fará publicar n’O Archeologo Portuguez, se as julgar capazes d’isso.

Por causa do excessivo calor ainda este anno não fiz exploração, tencionando

entretanto fazel -a logo que o tempo refresque. Não será certamente em Setembro,

porque tenho este mez quasi todo tomado com umas pequenas digressões, mas

fal -a -hei em princípios de Outubro.

Logo que possa determinar o dia pouco mais ou menos avisal -o -hei para,

quando e podendo, tornar a descricção d’ella.

Está sempre as suas ordens o seu

Am.º mt.º ob.do

Ponte de Sôr

30 -8 -(18)96

Manuel de Mattos Silva

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21272

Meu Ex.mo Am.º

Escrevo -lhe muito á pressa pedindo para saber a natureza de duas amostras,

que lhe remetto pelo correio.

Foram encontradas casualmente por um sujeito d’aqui dentro de dois vasos

de barro; da mais impura será um alqueire, da outra um pouco menos.

Será ouro ou outro metal qualquer de valor? Sendo assim quanto poderá

valer o kilo de cada uma?

Obsequia -me imenso dizendo -me qualquer cousa ate ao próximo domingo,

dia em que aqui vem o sujeito saber se eu lhe quero comprar o achado.

Desculpe -me esta massada e mande em tudo o

De V. Ex.ª

Am.º mt.º obg.do

Ponte de Sôr

12 -4 -(18)97

Manuel de Mattos Silva

revista_OAP.indd 295 14/09/11 9:11:25

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21273

Meu Ex.mo Am.º

Recebi há tempos em Niza, onde estava delegado, uma carta sua a que não

queria responder sem estar outra vez definitivamente em Ponte de Sôr, como já

estou, desde que há um mez esta comarca foi reintegrada.

Aqui me tem pois ás ordens para o que lhe possa prestar. Agora já posso

continuar com os trabalhos a que ia a criar bastante amisade e conto que para a

próxima primavera hei -de fazer grande colheita de objectos prehistoricos n’uma

rica região dolménica d’este concelho. A essas explorações desejo que o meu am.º

presida com a ideia de escolher para si o que lhe approver.

O anno passado em S. Martinho explorei uma pequena anta que apenas me

deu dois machados, uma bonita goiva de schisto e bastantes ossos, entre os quaes

alguns maxilares quasi completos.

Avulsamente tenho adquirido algumas moedas e outros objectos romanos.

Soube da sua prolongada viagem pelo estrangeiro e calculo quanto havia de

gosar.

Já estão publicadas as suas – Religiões da Lusitânia? –

Mande em tudo o seu

Am.º o.do

Ponte de Sôr

1 -12 -(18)99

Mattos Silva

21274+A -B – metal nas antas

Meu presado Am.º

Só hoje respondo a suas carta, porque tenho estado fora d’esta Villa em sitio

onde não podia satisfazer o seu pedido.

Não sei se o desenho que envio das pontas de lança e estylete, que achei

na anta do Assobiador, freguesia do Maranhão, concelho de Aviz, satisfaz o seu

empenho. No caso de não satisfazer queira dizer -mo, porque, como tencio-

nava ir ahi brevemente, levalos -hei para o meu am.º fazer d’elles o uso que lhe

aprover.

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

Os meus trabalhos de montagem de lavouras não me têm permittido fazer

exploração; mas logo que tenha tudo em bom caminho tenciono fazel -os.

Tenho propriedades no concelho d’Aviz, confinando com o de Mora; tenho

por isso uma riquíssima região archeologica a explorar, apenas conhecida pela

nossa excursão á Ordem.

Mande em Tudo o seu

Am.º mt.º og.do

Ponte de Sôr

4 -11 -(1)904

Manuel de Mattos e Silva

21275

Comarca de Ponte de Sôr – Gabinete do Juiz

22 -7 -(1)906

Meu Ex.mo Am.º

Foi -me impossível ir ahi na semana passada, como tencionava, e agora não

sei quando poderei ir. Por isso remeto -lhe pelo correio os objectos que deseja e

que poderia guardar até á minha ida ahi.

Sempre ao seu dispor o seu

Am.º mt.º ob.do

Manuel de Mattos e Silva

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21276

Para Maio de 1910

Meu Ex.mo Am.º

Ponte de Sôr

3 -11 -(1)910

D’esta vez não foi por descuido, ou pela minha habitual preguiça, que dei-

xei sem resposta a sua primeira carta.Tenho estado fora de casa, e, d’ahi a minha

falta.

A minha collecção prehistorica, que agora tenho tido desarrumada e espa-

lhada por differentes sítios, por causa d’obras que trago em casa, está destinada

a ir para o Museo; não desejo porem fazer a sua remessa sem primeiro a enri-

quecer com muitos exemplares que espero este anno, talvez um mais, colher

n’umas explorações que estou resolvido a fazer na freguezia de Montargil, d’este

concelho.

É uma região dolménica riquíssima, como em parte tive occasião d’observar

e pelas informações seguras que me têm sido dadas.

Eu só não posso explorar tudo. Quer o meu am.º tomar conta d’esta

empreza?

Diga -mo, para, no caso affirmativo, eu em tempo preparar tudo para tal

fim.

Diga -me também se os meus objectos lhe são já precisos, porque assim trata-

rei de juntar tudo á mão para com mais pressa se remettam.

Muito lhe agradeço as suas Religiões da Lusitânia.

Sempre ao seu dispor o

De V. Ex.ª

Am.º mt.º od.do

Manuel de Mattos e Silva

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O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

Bilhete Postal

Meu Amigo

Há aqui muito crivo e creio que em Montargil também os haverá.

Entretanto pode ser que elles tenham uma rede que não convenha ao fim

desejado. Serei, por isso, talvez melhor trazer os seus.

Ate sabbado as 3 e 40 da tarde.

Mattos Silva

21278

Meu Ex.mo Amigo

Ponte de Sôr

1 -11 -(1)910

Desde que d’aqui partiu tenho andado n’uma roda com os meus trabalhos

agrícolas.

Ainda não tive occasião de concluir o serviço das chapas que tirei durante a

nossa digressão; mas agora, que vou ter dois dias de descanso, conto acabal -o e

enviar -lhe algumas photographias.

Vou fazer remessa das circulares, que me enviam, differentes am.os d’estes

sítios, com indicações da minha casa para entrega de qualquer objecto offerecido

ao Museu.

Estou -lhe muito reconhecido pela honrosa Portaria que provocou um seu

favor.

Sempre e em tudo ao seu dispor

O seu

Am.º mt.º ob.do

Manuel de Mattos e Silva

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MARTINHA SERRAS, ANDRÉ CARNEIRO300

O Arqueólogo Português, Série V, 1, 2011, p. 267-300

21279

Meu Ex.mo Am.º

Ponte de Sôr

3 -4 -(1)930

Aqui estou para o receber com a costumada amisade e sem cerimonia.

É melhor vir dia 10 para termos tempo de ir ver os vestígios da estrada romana.

Peço que me avise da sua vinda com antecedência.

Abraça -o o seu

Am.º mt.º o.do

Manuel Mattos Silva

21280

Meu presado Amigo

Ponte de Sôr

30 -1 -(1)937

O livro a que o meu velho Amigo se refere e saber o qual pede esclarecimen-

tos e = Expansão Portuguesa – numero extraordinário – 6 – 1935.

Redação e administração = Rua das Flores – 267 – 1.º – Porto.

Directores = A. Monteiro do Amaral e A. Correia de Freitas.

Editor = E. Costa Monteiro.

Muito praser senti por me ter proporcionado o ensejo de lhe prestar um

pequeno serviço.

Um abraço afetuoso do

De V. Ex.ª

Am.º mt.º ob.do

Manuel de Mattos Silva

P.A. A Expansão Portuguesa é no género do Álbum Alentejano de Pedro

Muralha.

MSilva

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