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Entrevista com Aurélio Manave

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Entrevista com Aurélio Manave

Author/Creator Manave, Aurélio (interviewee); de Carvalho, Sol (inteviewer)

Date 2003

Resource type Interviews

Language Portuguese

Subject

Coverage (spatial) Mozambique, Tanzania, United Republic of

Coverage (temporal) 1936-1975

Source Samora Machel Documentation Center

Rights By kind permission of Anibal and Aurelia Manave, and theSamora Machel Documentation Centre (SARDC).

Description This interview with Aurélio Manave, a long-time friend ofSamora Machel who served as director of FRELIMO healthprograms during the armed struggle, covers their early timetogether as nurses in the colonial medical system in Maputo(then Lourenço Marques), as well as descriptions of theirescapes from Mozambique to exile in Tanzania, and earlyyears of the armed struggle.

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A Manave

02:10:30 – Senhor Manave, podia nos explicar um bocado da sua vida, onde nasceu, ondetrabalhou, e como entrou na …………….. e como conheceu Samora Machel?

- Sim, eu nasci no dia 21 de Fevereiro de 1936, na localidade de Massiene, PostoAdministrativo de Chonguéne, distrito de Xai-Xai, na província de Gaza. Cresci lá, atéentrar na escola, no ensino primário. Fiz o ensino primário até a terceira classe do ensinocomplementar, como chamavam dantes, e vim completar a quarta classeem LourençoMarques, em 1949, cheguei aqui em Lourenço Marques. Desde essa altura, nunca maissaía daqui desta cidade. Cresci, depois da quarta classe, fiz os exames de admissão,queria continuar para o liceu, ou para a escola comercial, ali na escola industrial hoje, naaltura era Escola Técnica Sá da Bandeira, ali da 24 de Julho. Depois dos exames daquarta classe e esses exames todos, voltei para Massiene onde fui me empregar naTipografia Anglicana, da Missão Anglicana. É lá onde comecei a trabalhar, na tipografia,como compositor e encadernador naquela tipografia. Saí dali em cinquenta, nos fins decinquenta e um, quando fui admitido, porque já tinha feito o contratocom os caminhos-de-ferro, então vim para cá a trabalhar nos Caminhos-de-ferrode Lourenço Marques naaltura. Lá era, como é que chamavam aquilo? Chamam apontador, láda divisão deexploração, no primeiro. Trabalhei uns meses, mas depois, o engenheiro com quem eutrabalhava, que é o João Filipe, interessou-se de mim e eu passei a serapontador nasobras que ele fazia fora, mas eu era funcionário dos caminhos-de-ferro, é assim como elesfaziam, e passei a residir, portanto, na residência dele. Arranjou-se ali um lugar para euficar, ali perto, naquelas casas dos caminhos-de-ferro ali, e eu fiquei, fui trabalhando, maseu não estava muito interessado para aquilo, porque mesmo em pequeno, eu gostava dotrabalho de tratar pessoas, trabalhar no hospital, saúde. Então em cinquenta e dois, nãosaí, mas também trabalhava na delegacia da coisa, do Jornal Diário deMoçambique, naparte da tarde, porque eu só trabalhava nos caminhos-de-ferro demanhã, tinha tempo,não trabalhava directamente no CFM, trabalhava nas obras do engenheiro João Filipe eentão ele autorizou-me a fazer isso, então a tarde eu trabalhava noJornal Diário deMoçambique, mas fui preparando os documentos para meter na Direcção dos Serviços deSaúde para poder entrar na enfermagem em cinquenta e dois. Consegui toda adocumentação e pronto, meti. Então o resultado veio em Fevereiro, penso que foipublicado em Fevereiro, e em Março fui chamado, logo a primeira chamada, porquechamaram os primeiros classificados não é, e eu fui um deles, e entreina enfermagem em1953. É assim como eu entrei, e pronto, fiz o curso de dois anos, o primeiro ano emcinquenta e três e o segundo ano do curso auxiliar portanto, em cinquenta e quatro. Entãoencontramo-nos lá com o camarada Presidente Samora

02:16:05 – Samora já tinha entrado antes?

- Já tinha entrado antes. Como eu disse, ele teria tirado o curso em cinquenta e três, masem 1953, como ele se impunha, não gostava de ser rebaixado com osprofessores, refilavaas vezes, então teve a infelicidade não passar com os outros, porexemplo com oMondlane, com o Ernesto Lemos, que foram, esses foram do mesmocurso, o AntónioMondlane, está no laboratório de análises químicas. Esses começaram juntos, mas ele

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ficou, em vez de tirar em cinquenta e três, tirou em cinquenta e quatro já connosco, hum,e foi o primeiro classificado nesse curso auxiliar, como disse.

02:16:58 – Ele teve algum caso em particular com algum professor ou estava sempre arefilar?

- Refilava, refilava, sempre, não concordava, é aquela coisa derefilar de coisas verídicas,que acha que isto não é, as vezes era nas enfermarias. Então a informação anual, parapoder ser, para poder passar, tinha que vir uma informação da enfermaria onde eletrabalhava. Agora, na escola onde nós estávamos diziam “ah, esse é um estudante, refilão,não sei o quê...”, quer dizer, essa informação tem uma influência para o fim do ano. Masjá, por exemplo, quando acompanhasse doentes para a sala de reanimação, há médicosque diziam “ah, esse doente não está bem preparado não sei o quê...’, as vezes tentavamquerer lhe bater com radiografia, agarrava a mão do médico e sacudia ali, não esperavaoutra coisa, é verdade, então esse tipo de comportamento ou atitude fazia com que aspessoas tivessem medo dele não é, mas também tem uma influência para o curso dele.

02:18:14 – Como é que ele reagiu quando chumbou?

- Oh, ficou assim. Ele sabia que sabia como outros, não é dos testes queandava a fazer,ele sabia, porque não é isso que coisa, que mostra, a gente conhece que não, este nãomerece passar este ano, há-de passar outro ano, porque ali tambémhá aulas práticas eteóricas, a gente ía a escola e trabalhando com os doentes, com outros médicos, portantoa experiência era rápida ali e a própria teoria não é. Ele sabia que os outros passaram simsenhor, mas não eram mais do que ele também. Teve paciência de poder, porque elequeria tirar o curso de enfermeiro, e ficou um ano, de maneira queentão nós tambémpassamos o primeiro ano, em cinquenta e três, e entramos juntos no segundo ano, emcinquenta e quatro. Ele passou, porque já conhecia aquelas coisas todas, de tal maneiraque ele foi o primeiro classificado. Ali já não havia problemas, eles também nãoguardavam rancor com um estudante, aquele tempo, porque ele defacto sabia, e pronto,passou, ya.

02:19:26 – .............................................................................................................?

- Desenvolveu, desenvolveu sim. O Samora, eu pertenci ao grupoonde ele era chefe,chefe do grupo. Posso dizer que ele era o chefe, está o António Mondlane, o SalvadorMachaieie já falecido, eram os mais velhos de nós, eu era o mais novo éclaro, e pronto,há mais, que é o Francisco Mutambe, o Alberto Mapapá, o Sebastião Cuna, esses,constituíamos um grupo ali na camarata, isso desenvolveu-se porque morávamos juntostambém não é

Esse grupo da camarata era dos Estados Unidos, do Vietnam, da Zâmbia? Porquedisseram-nos que havia sempre umas divisões entre vocês.

- Eh, sabe, porque o camarada Samora, eu não sei se aquele nosso grupo era chamado...porque aí havia pessoas que hoje chamavam show and lie, show and lie, era da coisa, o

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outro era Burglin, o outro era Mao Tsé Tung, o outro era Churchil,Churchil Rio, querdizer, tinha... o outro era Nasser, o outro era, era, como é que se chamava? (risos) Elesintitulavam-se esses nomes todos, agora na nossa zona discutíamos, é verdade, a nossapolítica. Agora, o que é que aconteceu? Aconteceu que nós apoiávamos,acompanhávamos a luta do Vietnam, acompanhávamos a luta da China, era ChinaNacionalista na altura, acompanhávamos a luta das Coreias, guerra da Coreia, não sei seera a Coreia do Norte ou quê, nessa altura nós não estávamos a identificar isso. Agora, oque mais se destacou ali, era o problema da área da cultura, boxe. O camarada Samoraera fanático de boxe, desde o primeiro boxeiro dos pesados do mundo, conhecia todos,tinha recortes, porque tínhamos assinatura da revista “Cruzeiro”, do Brasil, onde vinhamuita coisa desses jogos internacionais, mas sobretudo boxe. Ele treinava, nunca largou acorda de manhã, saltar, só que não gostava de treinar o saco, porque também há outroscamaradas ali que tinham saco lá, tinham pendurado o saco onde treinavam, mas otrabalho dele era saltar, então, a nossa vida sempre foi boxe. Ali onde está, é o EstrelaVermelha, há um lugar onde se realizava boxe, a noite, com os sul-africanos, estava aquio famoso, como é que se chama, Geoge Taffoi, parece que era um chinês, há outrosmoçambicanos, há um Bila, há um também de Inhambane, só que estão a fugir os nomes,então a noite, é o desporto que ele gostava, ía assistir sim senhor oboxe a noite, alinaquele lugar, sempre. Agora, quando houve esses jogos internacionais de pesados,tínhamos que ir assistir, porque havia aquela... ali na carreira de tiro, ali, como é que sechama, no OK, ali onde está o banco agora, era um lugar de relato, erarestaurante grandeque estava ali, mesmo relatos de futebol, de Portugal, esses do Benfica, Sporting, Porto eoutros, então davam o relato aí. Mas o futebol já não era com ele, não gostava assim tantode futebol, boxe. Na parede onde ele estava, porque a cama dele estava encostada mesmoa parede, tinha recortes de boxeiros famosos do mundo, então nós íamos lá. Então, de talmaneira que intitulamo-lo como Jack Damson, havia um pugilista chamado JackDamson, da maneira como ele dava os socos, o Samora vibrava com isso, porque assistiuo ..................... (risos), então ele gostou sempre disso, foi o desporto que ele mais gostou,e depois o resto é a dança, dos enfermeiros não é, era a dança, organizada por nós. Essacoisa dos nomes, era o Choenline, o outro era, como é que se chamava, este soviético, ocoisa, como? Não, o Bresnev, o Bresnev. Os outros é Stalin não é,como havia um que sechamava de Stalin, o outro chamava de, não sei o nome, eram chineses, de Mao TséTung, é, são nomes assim, até há um que se chamou de Daniel Malane, esse daqui daÁfrica do Sul, do apartheid, portanto isso era assim.

02:24:28 – Senhor Manave, como é que era a vida de estudante? Tinham aulas de manhãe a tarde ou era só de manhã e à tarde tinham trabalhos na enfermaria?

- Não, de manhã só havia uma aula, no laboratório, porque o trabalho de análises é feitode manhã, cedo, quando os doentes vão lá para nós ficarmos a tirarsangue, fazer asanálises, ver ao microscópio, era um professor, um casal que estava lá no laboratório. Eraa Dra. Josina Ribeiro e o seu marido que era o Mário de Andrade, o Dr.Agora, o restodas aulas eram na parte da tarde, de manhã estávamos nas enfermarias, hum.

Essas conversas desenvolviam-se aonde?

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- na caserna, na caserna, hum, porque havia turnos não é, havia turnos e quandoestivéssemos de folga, ou quando estivéssemos lá à noite, semprea trabalhar. Há uns queestão de serviço, quer dizer, nem todos não é, porque nem todo o grupo, aqueles que játiraram o curso quase que não faziam escala, estavam aí na caserna, só saíam de manhãpara ir trabalhar, e líamos os jornais, porque éramos assinantes do Daily Maidy, ali nacasa Auberry, na altura. Chegava o comboio e trazia os jornais da África do Sul. Nãohavia perigo na altura, antes de começar a guerra em Angola e essas coisas todas, entãocomprávamos jornais e é onde víamos também, líamos aquilo e acompanhávamos a luta,a coisa, como é que se chama, a política externa, no coisa, hum.

02:27:14 – Os fins-de-semana como é que eram?

- Os fins-de-semana, quando estivéssemos a coisa, passeávamos, hum, passeávamos.Posso dizer que a namorada do Samora tinha uma casa aí, entre a Avenida de Angola e aMafalala, era a casa dela ali, mas o maior número de nós só passeávamos para voltarmos.Eu, como era anglicano, na parte da tarde ía a Igreja da Maxaquene,ali na 24 de Julho, aolado da Fnac, hum, aquela igreja. E dali voltávamos, às vezes estávamos a frente dohospital, antes de ser aquilo que está agora, porque agora está transformado, havia umafarmácia e um corredor ali, e bancos, sentávamos ali, ou então íamos ao jardim, como éque se chama aquilo, é o Cabral, como é, ali onde está o parque dos continuadores, aquelejardim tinha um nome, como é...

02:28:25 – José Cabral.

- José Cabral. É onde quando estivéssemos de folga, também íamosestudar lá, paraprepararmos as aulas para a parte tarde, estamos de folga, íamoslá estudar, íamos láconversar, e pronto, hum, ou então, Costa do Sol, às vezes almoçávamos lá,almoçávamos lá, aquele restaurante é antigo, servia muito bem camarões e essas coisastodas , e saladas, ali então, nessa altura nós íamos lá, mas já não em grupo não é,dependendo daqueles que estivessem de folga.

02:29:05 – E as garotas?

- Não, não era assim, nós evitávamos essa coisa de sairmos assim, irmos ao cinema comas garotas, agora, a coisa, o lugar onde podíamos ir é os bailes. O namoro era feitomesmo ali dentro do hospital, naquele terreno ali do hospital lá, atédeterminadas horas,porque nós tínhamos horas para estar dentro do hospital, enquantopraticantes. Fora dessahora não há namoros, ou não há encontros. Elas também tinham a suacamarata ao lado, enós também tínhamos a nossa. Agora, quando estivéssemos de folga, quem tiver só umanamorada, se quisesse podia sair com ela para casa dos familiares, para outros lugares, oumesmo passear no jardim tunduru, outros lugares assim, passear, aocinema, tínhamos,cada qual tinha a sua garota não é. Eu namorei cinco anos com aquela que é a minhamulher até hoje, e sempre foi o nosso conselheiro o camarada Samora, até chegar aocasamento, foi ele sempre o nosso conselheiro, isso não há dúvidas, hum, não há dúvidas.

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02:30:26 – Esses bailes onde os senhores íam dançar eram aonde? Onde é que ossenhores íam dançar?

- Os bailes? Em princípio nós gostávamos dos bailes realizados aqui na associação...

02:31:17 – Os bailes onde vocês íam participar, onde íam dançar, eram aonde?

- Na Associação Mútua do coisa, dos Indígenas, aqui, neste edifício. Primeirocomeçamos com os bailes realizados pelos próprios enfermeiros. Em cada fim de anolectivo, nós preparávamos um baile chamado baile dos enfermeiros, que tinha muitapopularidade, e aí participavam as jovens do Liceu Salazar, do Liceu António Eanes e daEscola Comercial e os próprios, as próprias enfermeiras e praticantes de enfermeiras dohospital, e os próprios enfermeiros também, então é aqui, nessa altura, cada qual trazia asua dama, aqui, depois encontrávamos outras aqui também não é, essas das escolas, asmeninas das escolas, do Liceu Salazar, Escola Comercial, Liceu António Eanes, é aqui,em princípio. Depois havia outros que realizavam, porquê? Porquetocava aqui oBadudine, João Badudine salvo erra, que tocava, era a pessoa, a orquestra que erapreferida na altura, e depois a outra era Djambo, hum, era a orquestra Djambo, era aorquestra famosa, que até os oficiais do exército colonial, lá no clube militar, contratavamestes, para coiso, porque na altura de facto tinham muita fama. É lá onde, é aqui nestaassociação.

02:34:20 – Nesses bailes dos enfermeiros era só negros? Não havia mistura de raças?

Não, tinha, de tal maneira que, na parte dos enfermeiros é onde agente forjou. O combateao tribalismo, ao racismo, nós começamos no hospital central, porque ali havia brancos,havia negros, com os quais estudávamos juntos, e o enfermeiro saía daqui, era colocadoem Nampula, aonde, sem nada, não podia sofrer, tem colegas, tem colegas. Basta chegar,apresentar, tem colegas. No nosso caso não havia, e aí, porque durante o tempo queficamos na camarata, quer dizer, temperamos a nossa humildade ali,o nossorelacionamento era muito bom, hum, só que o maior número dos brancos estavam nocurso normal, ou no curso europeu, então nunca ficaram na caserna. Ficamos nós epoucos mistos ali, mas muito poucos mesmo, ficavam nas casas deles.É daí que nóslutamos para poder entrar naquele curso também, que era para depois sairmos, enquantofossemos praticantes, sairmos também, já tínhamos um salário, muito, mais ou menosrazoável, é isso.

02:35:48 – Chegou a participar naquelas reuniões feitas nas festas do núcleo deestudantes africanos, ou não tinham contacto com esses jovens?

- Só tínhamos contacto com os jovens, nós nunca fomos membros daquele...

Nunca vos convidaram para ser?

- Não, não, nunca fomos, porque, bom, embora andássemos a estudar de noite, nós já nãoestávamos naquele nível, naquela classe, não.

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Eles eram mais jovens?

- O maior número deles era mais jovem sim, eu conheci por exemplo, ocamaradaPresidente Chissano, Mocumbi, eram jovens, vinham, passavam do liceu para a nossacaserna, para a nossa camarata, porque conhecia estes jovens,hum, estes, passavam daliporque tinham a nós que conheciam desde Gaza, os pais do Chissano são meuspadrinhos, hum, passavam dali, e pronto, almoçavam e iam-se embora para casa. Asvezes não tinham aulas nesse dia, passavam dali com o Mocumbi e pronto, passavam eiam-se embora, hum, conheci. Agora, em termos de reuniões, nós nunca fizemos, eu pelomenos e o Samora, não sei se o Samora teve sem o meu conhecimento, mas parece que oSamora nunca foi membro da associação dos antigos estudantes na coisa, dos estudantesna coisa, não sei.

02:37:20 – mais um pormenor sobre os bailes, parece que o Samora era um grandedançarino.

- Ya, gostava, e dançava bem, é verdade, dançou bem, e como nósvestíamos bem, já sabeque as moças da cidade, ao ver alguém bem vestido e não sei o quê, apreferência era ali,então olha, ele vibrava com elas lá (risos), aqui pulava e não sei o quê, mas éramos todos,é por isso que estou a dizer, que no trabalho médio, ou na classe média, mesmo osenfermeiros quase que constituíam também uma certa elite, é, nóséramos quase de elite,porque de facto, até tal ponto que esse grupo chefiado pelo camarada Samora, tivemosum alfaiate único, um único alfaiate, chamado Alfredo. Já faleceu, consultei aí os meuscolegas e disseram que “ah, esse já não existe esse”. Os nossos fatos eram impecáveis,então os enfermeiros encarregados, que eram brancos lá do hospital, não sabiam como éque nós arranjávamos uma roupa bem feita quando nós ganhássemos pouco, porque nósganhávamos quanto na altura, duzentos e dois e quinhentos, já pode imaginar, bom,comíamos ali, então o que é que nos salvava, é o problema das avencas nas enfermarias,quem estivesse a trabalhar com os médicos que nessas enfermarias, no meu caso porexemplo, neuropsiquiatria, havia doentes de 1ª classe, havia, então o grosso ía para omédico, uma parte ía para o Estado, que eram 20 escudos, o resto dividia-se pelo pessoal,então eu tinha um pequeno bolo ali, agora os outros, e outra coisa, fazíamos aquilo que sechama clínica fora, quer dizer, os médicos faziam receitas, e aspessoas íam levantar osseus medicamentos, em vez de irem todos dias à consulta, irem a coiso, entãocontratavam os enfermeiros e os enfermeiros íam lá a casa dar injecções e pagavam aosenfermeiros, é o penso, tem que ir fazer o penso de feridas e lavar feridas e essa coisatoda, e isso tinha dinheiro para nós, tinha dinheiro, é verdade. De modo que, pronto...

02:39:53 – Esses fatos que os senhores mandavam fazer como eram?

- nós comprávamos... não, é que ele cosia bem...

Mas as cores e isso, quais eram? Como eram?

- Não tinha... não, os panos não eram com o alfaiate, tínhamos um italiano. Onde é quearranjava? Tinha uma, uma, como é que se chama aquilo? Um lugar onde se vendia

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cortes, então nós íamos lá escolher, é claro, não arranjávamos aquilo como umfardamento não é, cada qual ía dentro dos seus gostos, só que parapoder confeccionaraquilo tinha que ser este, a este alfaiate, porque, de acordo com o modo como quisessecada um deles, mas cosia muito bem esse jovem.

Chapéu?

- O chapéu de vez em quando usávamos não é, hum, de vez em quandousávamoschapéu. Esse chapéu, um chapéu branco, quase que de palha e nãosei o quê.

Conheceu a relação do Samora com a Irene?

- Sim, a Irene Buque é minha prima, é machope, a minha mulher é machope. Sim,conheço perfeitamente, acompanhei o relacionamento deles, o namoro deles lá na coisa,lá na... mas isso deu-se quando ele voltou de Inhaca, hum, é mais recente. Antes dissoteve uma outra machope que anda por aí (risos), a coiso também, masmuito bonita. Elegostou sempre de machopes também (risos).

02:41:33 – Mas quando ele voltou de Inhaca já tinha três filhos não é?

- Sim, com outra mulher, lá onde estava, ya...

Como é que via essa, não houve confusão entre elas?

- Não, não houve, porque eles ficaram lá com a mãe, porque ele voltou sozinho cá. E sehouve confusão foi agora quando ele voltou não é, mas que depois ficou resolvido isso.Agora, há outra também, quando ele foge, já tinha aquela coisa, comoé que se chama, aOrnila, está a perceber? Porque namorava. Se não tivesse saído, talvez tivesse casadocom a Irene, hum, ainda não, mas estavam a namorar seriamente e não sei o quê, epronto, conheço.

Chegou-se a fazer mesmo um pedido de casamento não é?

- Parece que sim, parece que sim, já não faço ideia, não sei bem, hum, ya, e nós fizemosisso, no curso normal entramos juntos também, só não tirou o curso normal porque elesaiu um ano antes, fez o primeiro e o segundo ano comigo, e eu fiquei aconcluir o cursonormal e ele foi-se embora. Disse que “Aurélio, eu vou-me embora, você acaba o curso esiga-me, para estudar aqui, siga-me, vamos”, depois de termos entrado em contacto comMondlane, em 61, quando ele visitou, vindo das Nações Unidas, hum, então em 63 oSamora abala, e eu fiquei a tirar o curso naquele ano, e em 64 também, em Março, não,em Abril de 64 fui-me embora e fomos nos encontrar lá. De modo que éisto, conheçobem o Samora.

02:43:35 – Como é que aconteceu a sua fuga?

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- A minha fuga, organizei, era eu, éramos quatro enfermeiros, quatro colegas, o AlbinoMaeche, o Leonardo Cumbe, o Francisco, como é que se chama, Francisco Langa, e eu,enfermeiros do hospital central. Então, nós tínhamos encontros ali onde está, emXipamanine, ali perto da igreja havia um lugar onde se jogava futebol ali, e como nãopodíamos estar assim sentados num lugar, era um campo amplo, com menos movimento,então nós só passávamos, como quem está a conversar, conversávamos a passear, a fazeros nossos planos, e dividíamos, a minha tarefa dentro do grupo era dereconhecimento nazona fronteiriça, entre Catuane e Ressano Garcia. O Leonardo Cumbe estava ligado afronteira de Gaza até quase ao limite com Inhambane, e o Maeche tinha outrasactividades, esse é um aspecto. Eu participei, na clandestinidadena altura, o meu grupotambém, a noite era chefiado pelo velho, falecido Mateus Sansão Mutemba e o subgrupochefiado pelo ângelo Chichava, hum, Ângelo Azarias Chichava, a noite, porque eu e oChichava morávamos ali na zona do Chamanculo ali, então também encontrávamo-nos aconversar, não podíamos estar dentro da casa, por causa da segurança, nessa altura,depois já do meu casamento, ao passo que quando éramos enfermeiros só lá na coisa, nãopodíamos estar lá no hospital. Agora, quando estivéssemos de serviço, a hora do almoço,meio-dia, podíamos estar sentados lá no hospital, não havia problema,lá dentro ninguémpodia desconfiar, éramos colegas, éramos enfermeiros e pronto, epor ali ficávamosassim, foi assim como nós fizemos, e isto amadureceu. Então quando as coisas começama aquecer em Angola, nas colónias portuguesas, e as independências noutros países,como o caso de Ghana e as lutas pelas suas independências aqui no Niassalândia, no casode Malawi, também éramos adeptos desses, Julius Nyerere, o Jomo Kinhata, O JossuaKomo, quem mais, o Kwame Nkruma e outros na área, então nós estávamos a ver queestes vão ficar independentes, e o nosso caso das colónias portuguesas como é, aqui emMoçambique, depois havia também manifestações dos trabalhadores,dos estivadores enão sei o quê, quer dizer, revoltaram-se, e nós também como enfermeiros, estávamos aaderir de uma forma, de outra forma, é de facto. Mas acompanhávamos essesacontecimentos todos, e foi assim que nós fomos crescendo sempre.

02:47:25 – recorda-se se recebeu alguma informação sobre Samora, ou teve algumcontacto com ele enquanto ele esteve lá e o senhor aqui?

- Não, aquilo, quer dizer, só calculávamos que ele tivesse chegado.

Disse que estava na clandestinidade, como é que se faziam esses trabalhos, quais eram asligações que tinham com as células?

- Não é assim muito fácil, é por isso que havia muitos subgrupos na cidade, queoperavam, não nos conhecíamos, só conhecíamos os chefes, mastambém nuncaestivemos juntos. O chefe sabia que aquele pertence ao meu grupo, todas as orientaçõesque pudéssemos, ou dar tarefas, era ele só a realizar, era com aquele indivíduo, eu nuncaparticipei em nenhuma reunião, se é que eu ouvia orientações, ou era o próprio MateusSansão Mutemba, ou era com o Ângelo Chichava, mais nada. Agora, nohospital eutrabalhava com o pai do Armando Guebuza, o Miguel Guebuza, trabalhávamos juntos, éele que me falou, por exemplo, da posição dos estudantes, porque osestudantes tambémtinham a sua maneira de ver as coisas, de tal maneira que o seu grupo tentou fugir a sua

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maneira. É daí que eu soube que o filho do Miguel Guebuza, que é oArmando Guebuza,estava integrado num grupo que ía para a Tanzânia mas via Chicualacuala, ou Malvériana altura, e também foi através do velho Mutemba que eu soube que uma das filhas, acoisa, do irmão, a Josina ................. Mutemba é filha do irmão, é que estava no grupo, eoutros, Arlindo Magaia e não sei o quê e essas coisas todas. Bom, nós que somosenfermeiros preparamos de outra maneira. Nós tínhamos um lugar, aliás, uma igrejaanglicana mesmo na fronteira da Namaacha, passando o seminário,ali na fronteira, umpouco lá em cima lá, isso facilitou-nos. Em Catuane também tínhamosoutra, um padrenosso amigo que é o mesmo que recebeu o camarada Samora, que é opadre MoisésChachimbo, ele era padre lá em Catuane, depois de ele ter trabalhadotambém naquelazona, conhecia muito bem, ele saiu daquele lado com o grupo dele, ele, o Matias e maisum ou dois, porque os outros vacilaram a ultima da hora, abandonaram, então foram oMatias Mboa e mais um , já não me lembro quem é, é um Lisboa ou coisa assim e opróprio Samora, e eles foram por sua vez. Então eu com estes três,comigo quatro, depoisde fazer o reconhecimento, vimos que em Namaacha era difícil, nos outros lugares eralonge, em Catuane...

02:51:00 – Desculpe, pode repetir essa parte.

- Então, no meu grupo de quatro enfermeiros, optamos sair por Namaacha, porque emNamaacha há lá uma Igreja Anglicana, era fácil de nós entrarmos como quem vai amissa, e nós saímos num domingo, apanhamos os machibombos da oliveira, íam para lá,cada qual apanhou um machibombo, uns apanharam na Avenida de Angola, outrosapanharam no jardim 28 de Maio na altura, e outros ali perto do Alto Maé, assim, comose não nos conhecêssemos não é, e fomos até Namaacha. Dali, saímos. Então o que é queconfundia-se à Bíblia com coisa, com... levamos, era um domingo, também lá eu tinhaum amigo, um Serapião, Luís Serapião que era seminarista ali, e agora está nos EstadosUnidos, não quer voltar, tinha um irmão médico também que trabalhou connosco, durantea luta armada, e pronto, ele soube que nós íamos sair. Nós tínhamos aqueles livros d’OsLusíadas, pintados a vermelho dos lados, parecia Bíblia não é, então nós confundíamosali na fronteira, dissemos que ali nós estamos a ir a igreja, não virambem o que eraaquilo, será Bíblia ou quê aquilo, mas era um Os Lusíadas, então fomos, passamos, as 9da manhã assim, tudo, a pessoa que nos acompanhou, levou cartasdirectamente, porexemplo para mim, para a minha mulher, não metemos pelos correios,só para dizer quejá estou fora do país, para não andar aí atrapalhada e tudo e essascoisas todas, eu escreviuma carta longa para ela com todas as orientações, e prontos, saímos ali. Lá apanhamosum bus e fomos até Manzini. Em Manzini estava um médico que foi-nosrecomendadopor um tio meu, um padre que trabalhou muito tempo na Swazilândia, o Doutor Zuan,trabalhava lá, e o outro médico era Msibi, que estava lá, mas o Doutor Zuan morava emMantsapa, lá, aquilo agora já está desenvolvido aquilo agora, e pronto, é lá onde nósficávamos, em cada do Doutor Zuan, porque era de Ngwani National Congress, e é láonde nós entrávamos e pronto, começávamos a partilhar.

02:53:55 – mas disse a bocado que o Samora quando saiu disse “eu voue depois determinares junta-te a mim, quando acabares o curso”?

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- Ah, sim, ah eu soube, se conhecia os amigos dele. Há um que vacilou a última da horanão é, eu soube que ele ía com o Samora, hum, eu soube. Há dois deles que vacilaram,um trabalhava nos caminhos-de-ferro, um Fumo, não sei onde é que ele está nestemomento, talvez tenha falecido não é, é, o outro parece que posso dizer, talvez era ummedroso não é (risos), não gostava de se meter nessas coisas.

02:54:40 – Portanto, vocês já estavam com um engajamento muito forte não é, e depoismais tarde tiveram confusões, aliás, imediatamente antes da saída do Samora tiveram................. Como é que reagiu a esse ............... ?

- Quando? Desculpa.

Pouco antes da saída do Samora houve inspecções não é, o Maeche tinha estado preso, oFerreira estava preso, o grupo ficou preso nessa altura não é?

- O Maeche é preso por teimosia, posso dizer assim, eu já falei várias vezes com ele.Estava connosco na Swazilândia, recebeu uma tarefa, já de Swazilândia estávamos emcontacto com Dar-Es-Salaam, porque era fácil a correspondência para aquele lugar, hum,e também existia, mais tarde foi criado um quartel-general da FRELIMO lá, onde osjornalistas e outros foram lá uma vez e encontraram lá um grupo de coiso. O Maechequando recebe a tarefa de vir trabalhar aqui, vir ver o que é que havia, o que é que devia-se fazer e não sei o quê, ou aqui em Inhambane, dissemos ao Maeche “não entra em suacasa, cuidado”, mas quando sai o Maeche connosco pela primeira vez, a esposa acabavade dar a luz gémeos, quer dizer, uma coisa muito difícil não é, mas mesmo assim oMaeche saiu connosco, a minha mulher estava de estado, faltavam oito dias para a minhamulher dar à luz, aquela miúda, a basquetebolista, eu não conhecia, só aos doze anosquando eu regressei é que eu vim conhecer aquela miúda. Então o Maeche visitou afamília e depois desapareceu, porque não sabiam onde é que coiso, agora, o mal dele foiinformar que ía sair no dia tal. Há um primo dele que era da PIDE, ouviuessa história,leva as pessoas, foram barrar em Namaacha. Quando o Maeche regressa é preso lá, épreso, porque aqueles que tiveram tentativa de entrar na Swazilândia para nos capturarforam agredidos pela juventude de Ngwani National Congress, e voltaram assim,conheço, alguns estão cá, a gente olha, ri com eles e essas coisastodas não é. Houvetentativa de nos capturar em Manzini e não conseguiram, foram a Mantsapa, nósestávamos em casa do Doutor Zuan, não podiam nos encontrar, portanto, a pouca sorteque teve o Maeche foi isso, o mesmo aconteceu com o camarada Matias, que era o nossochefe lá, mais tarde quando a FRELIMO mandou ali da, desta região, era a quarta regiãosul, hum, foi por causa disso, não entra, agora o Cumbi entrou, foi até Inhambane, nãoteve problemas porque não entrou em casa, não se despediu de ninguém, foi atéInhambane, trabalhou em Gaza, foi trabalhar em Inhambane, depois precisávamos deboletins para coiso, para mandarmos para a sede em Dar-Es-Salaam. Hum, não teveproblemas. O erro do Maeche foi esse só, não é porque fugiu ou o quê não.

02:58:12 – Quanto tempo é que ficam na Swazilândia, até irem para a África do Sul?

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- Eh, primeiro queríamos sair da Swazilândia, recebemos uma tarefa de que a luta íacomeçar naquele ano, em 65, não, em 64 aliás, ía começar, não podíamos sair. Ficamostodo o ano de 64, nós não sabíamos de nada, então o que é que nós fizemos, contactamosos caminhos-de-ferro, tinham não sei se é uma tipografia, não sei onde é que foi feitoaquilo. Imprimiram panfletos, cartazes mesmo, muitos, então alguns de nós vieram, eunão tive essa missão, vieram, e conseguiam-se meter também em cadajornal que sevendia, sem os outros saberem não é, e metia-se por baixo das portas, porque adistribuição era essa na altura, os assinantes e tudo, que falava de coiso, portanto, isso foiem Dezembro, eh, isso abalou muito os portugueses, a PIDE sobretudo, foi um problema,distribuiu-se até Inhambane aquilo. Estávamos tão organizados, tantos gruposespalharam-se em pouco tempo, e depois regressaram naquela noite, e pronto, outrosconseguiram saltar para a Swazilândia. Então, no dia seguinte, quando se lê aquilo emletras grandes, ver que a FRELIMO já estava a atacar. É verdade queo Maduna, oMatias, o outro grupo que já vinha de lá, não sei como é que estavam escondidos, como éque estavam, que tiveram como ser caçados não é, foram caçados, agora o Matiasconseguiu saltar para lá, e veio, trabalhou connosco, só que mais tarde, com essa coisa deouvir que fulano de tal está preso, eh fulano está preso, oh fulanoestá preso, oh não sei oquê, depois disso, ele veio cá, foi dito “não vai, Matias não vai, no momento, agora não éoportuno, não pode ir...”, veio cá, não sei o que é que aconteceu, ficou preso. Então é quenós fizemos lá, os grupos começaram a sair aos poucos. Eu lá saio, Guebuza, e oFrancisco Langa, éramos três, e esse elemento era um inglês, Moggen, que tinha as lojaslá na coisa, eu conhecia muito bem esse indivíduo, era cunhado de uminspector dapolícia de Pretória, então, eu conheci-o porque um padre anglicano que trabalhou durantemuitos anos em Massiene, aliás, não é padre, é um médico, o Doutor Domingos, estãoestava sedeado na Swazilândia, o meu tio era cozinheiro lá, o meu primo trabalhava látambém, como mainato ou outras coisas assim, então pronto, através deles, diziam que“olha, este pode nos levar até fora da África do Sul”, eu com isto então recruto oGuebuza e este meu elemento é muito, embora esteja ligado, mas é uma pessoa séria,pelo menos vai nos colocar onde nós queremos, pequeno grupo, mas há outros gruposque saíram em pequenos grupos mesmo, as meninas, como é o caso da Josina, a Adelina,a Rosália Macamo, veio um elemento de Dar-Es-salaam para vir buscar essas meninas,hum, então tomou-as como filhas, porque também saiu com a mulher dele e outros filhos.Era um elemento zione, testemunho de Jeová, então trazia aquelas batas deles, dosziones, com o coiso na mão, então pronto, esse saiu com esse grupo aparte, então eu, oGuebuza e o Langa saímos também, mas não saímos bem, saímos bemporque estávamosnum carro deste comerciante, até, onde, Benoni. Benoni não é um lugar de muitomovimento de negros ali, então leva-nos de Benoni, leva-nos a Pretoria, nós nãopodíamos passear ali, meteu-nos dentro da casa, também era a casade um inspector dapolícia, e ficamos ali, tínhamos uma despensa com tudo, sabíamos cozinhar, sabíamosfazer, ficamos lá uns dois dias, hum, a preparar-se o caminho, para nós sairmos paraBotswana, e de facto saímos no carro deste homem. Sabia que íamos passar entreFrancistown e Harare, há aí na fronteira, onde estão os bushmen,hum, eles gostam decigarros, de tabaco, este tinha tabaco, sempre deixavam-nos passar e deu cigarros a estagente, e pronto, conseguimos entrar, até Francistown, nós não passamos de Gabone, queera a capital, fomos direitinhos para Francistown, é lá onde este homem nos larga epronto, volta. Só que nós constituíamos uma isca, da PIDE com os sul-africanos, Depois

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de, dois dias depois de termos chegado lá, então chega o grupo das meninas, JosinaMachel, Adelina Mocumbi, este senhor também, conseguiu passar como ziones não é, epronto, com o pai delas e tudo, que era o Muiambo, o filho anda aí, é professor não seiaonde, na UP, o Domingos Muiambo, e pronto, ficamos ali,. Então, há uma tentativa, sãotraídos aqui na Swazilândia, o grupo de 75 aceitam meter-se num machibombo paraatravessar a África do Sul, da África do Sul para poder entrar em Botswana, e quandoestavam no meio da África do Sul é interceptado esse machibombo, e todos os 75 presos,no machibombo, e nós lá já éramos 18, em pouco tempo, na Swazilândia, como é quechegamos todos, ninguém sabe, são pequenos grupos, cada um apareceu lá, e parece queéramos 18 todos, então o que é que fazem ali, somos presos, os homens todos para acadeia, em Botswana, as meninas, residência, ficaram presas mas no coisa, no lugar ondeestavam, contacto com a PIDE, organizaram-se aviões, tivemos, trabalharam com oconhecimento da coisa, tivemos o cuidado de comunicar a Lusaka, osque estavam fora,comunicar Dar-Es-Salaam, Mondlane estava lá, o Kaunda estava aqui, contacto com oPresidente Julius Nyerere, então, barulho, porque ainda era protectorado, o coisa,Botswana, barulho ali, pedir a Londres, não sei o quê, tudo, Botswana não sei o quê e tal,e conseguiram fazer isso, mandam o carro dos refugiados para vir nos buscar, oMondlane e o Kaunda estavam aí no rio, no Rio Zambeze que faz limite com coiso, comBotswana e Zâmbia, então prontos, ficamos ali e vieram nos avisar queíamos sair,porque já houve tentativa de nos levar de avião para Dar-Es-Salaam,dissemos que “onosso partido não tem dinheiro para fretar um avião para nós, não queremos andar peloar, por terra”, “ah não sei o quê...”, disse que “nós não vamos,se vocês insistirem ementrar no avião, nós não vamos chegar lá em Dar-Es-Salaam, vai explodir isto.”. Comotinham medo dos guerrilheiros da FRELIMO, porque pensavam quenós já tínhamostreinado, hum, é verdade que treinamos na Swazilândia não é, mas não tanto para poderamedrontar as pessoas, mas como conheciam a força da FRELIMO, ganharam medo,ganharam medo, e quando chegaram ali os aviões daqui de Maputo, estavam aliestacionados a nossa espera, da nossa decisão. Oh, a noite veio lá um camião para virbuscar os refugiados, do Alto Comissariado dos Refugiados, entramos todos, meninas etudo, para Lusaka, então andaram aí de barcos a olhar, porque nós de facto estávamos aatravessar a coisa, o canal. Foi assim como nós nos salvamos. Poracaso seríamosmetidos num avião e aterrar aqui em Maputo, em Mavalane, e não foi possível isso, hum,e daí então estavam o Mariano, estava o Alberto Sitoe como nossos representantes lá,organizaram Land Rovers e tudo, até Dar-Es-Salaam. Foi assim que agente escapou.

03:09:06 – Quando é que volta a encontrar Samora Machel?

- O Samora como tinha ido para a Argélia, de lá foi directamente paraCongua.

Deste grupo que tinha ido para a Argélia, quais são as pessoas que sedestacam mais, paraalém do Samora?

- Bom, eu não posso identificar os grupos, porque, eu sei que o Alberto Chipande pareceque estava no grupo do Samora, o Pachinuapa estava no grupo do Samora, o coiso, comoé que se chama, parece que o Elias também, o Matias Mboa, quem sãoos outros, é a, háum outro, um outro Matias lá de Cabo Delgado, também esteve o Salésio, hum, são esses.

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Agora, dos dois grupos há um, parece que o do Magaia também, é o grupo do camaradaMagaia, ya, não posso, porque eu treinei em Bagamoyo, mal chegamos aqui, o nossoprimeiro campo de treino foi em Bagamoyo.

Nessa altura ainda não se tinha encontrado com o Samora?

Não, ainda não...

03:00:10 – Trabalhou com o Hélder Martins?

- Sim, sim sim, quando eu estive lá, encontro o Doutor Hélder Martins com a esposa, osdois médicos.

Qual foi então o primeiro contacto que teve com o Samora Machel?

Foi quando ele veio a Dar-Es-Salaam, mas vinha receber determinadas orientaçõesporque íam mudar para Nachingueia.

Ele já sabia que estava lá?

- Sabia, ele soube que o grupo, porque aquilo foi falado nos jornais, quando ficamospresos em Botswana não é, sabia, que vem fulano e fulano, porque os nossos nomesforam enviados ao governo da Tanzânia, ao Presidente Mondlane, então, através daquelesnomes todos, esses nomes têm que chegar aqui, não podem nem um,nem outrodesaparecer. Então, tinham medo disto, portanto divulgou-se muito. Foi nessa altura queo Samora soube que nós já estávamos em Dar-Es-Salaam, aliás, em coisa, em Botswana,estávamos a caminho para lá, de tal maneira que queriam nos ver, o Nyerere, oMondlane, queriam nos ver em Dar-Es-Salaam, não ficamos muito tempo em Lusaka,então organizamos no dia seguinte e avançamos. É uma distância longa,hum, avançamospara podermos ser recebidos lá e verem que são estas pessoas que queriam serdeportadas, quer dizer, pronto, muito bem, e informar ao governobritânico que jáestamos lá, não sei com quem estavam ligados não é, e pronto, e assim protegeram-nos echegamos lá.

Foram recebidos por Mondlane?

- Mondlane sim, no escritório de Mondlane, o governo da coisa, elementos representantesdo governo da Tanzânia vieram lá para nos ver, alguns da imprensa lá tiveram que nos...para confirmar não é, que de facto, este grupo que corriam o risco depoder serdevolvidos a Moçambique já está cá, enquanto que os outros 75 estavam aqui em Maputojá, ya, isso foi muita pena de facto, hum.

03:02:36 – Portanto isso foi em 64, 65...

- Em 65, nós chegamos em 65 em Dar-Es-Salaam. Ficamos um ano e poucos meses naSwazilândia, porque era muito difícil sair ali, era preciso fazer um estudo mesmo, era

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muito cedo, mas como estava... eu acho que deve ter sido em Maio, éprincípio de Maioou Junho, tenho isso escrito, até jornais onde publicaram, onde estamos nós todos,quando chegamos em Dar-Es-Salaam, publicaram no jornal, mas penso que havia de serem Maio.

03:03:30 – .........................................................................................................?

- Eu não sei, eu não conhecia na altura, aqueles que estavam em contacto com aFRELIMO não é, hum, conheço um, o, Seuaia, Sauaia, hum, só sei porque ele é da IgrejaLuterana, mas por outro lado, chamava aquilo que é spichel brunch, que era da segurançalá do coiso, trabalhei com ele, hum, esse conheço, é um homem muito religioso, e eu seique esse estava, mas não era ele que representava o governo, aqueles que estavam atrabalhar no nosso escritório no coisa não.

Não nos chegou a contar como foi exactamente o seu reencontro comSamora?

- Bom, o nosso reencontro, é um reencontro de coisa, de alegria nãoé, alegria...

Foi aonde? Em Dar-Es-Salaam?

- Foi em Dar-Es-Salaam, e eles quando chegassem em Dar-Es-Salaam, moravam emTemete, havia uma residência da FRELIMO lá, todos aqueles que trabalhavam nosescritórios da FRELIMO moravam lá, em Temete, enquanto que nós estávamos noInstituto Moçambicano na altura. Eu já tinha saído de Bagamoyo porque queria seorganizar a preparação de enfermeiros. O Doutor Hélder Martins já estava em Dar-Es-Salaam, a Helena Martins estava também em Dar-Es-Salaam, então,Mondlane disse,aliás, acho que foi o Samora que disse “vão lá buscar um enfermeiro que pode sermonitor deste curso convosco, vão buscar o Aurélio que está aqui...”, então o Magaiaveio buscar-me, passamos de Congua, mas o Samora não estava lá,para ir buscar outraspessoas. eu só conheço Congua de passagem, e daí, o Magaia, directamente para oInstituto Moçambicano. Então, quando o Samora chega a Dar-Es-Salaam para receberorientações de como é que podia se transferir para Nachingueia, eé claro, nos fins-de-semana nós organizávamos a ida à praia, então, nós ali do instituto,tinha ali miúdas, ecoisa, que estava aí também, estava o Samora, estava quem mais, o outro que andava comele, quem é, não sei se é o Mabote ou quem, hum, fomos à praia, íamos sempre nos fins-de-semana à praia. É aí onde nos encontramos, e ele viu que eu de facto tinha chegado,então comecei a contar as histórias, como é que tínhamos ficado, porque quis saber detudo, o que é que se passou, quer do curso, como é que reagiram os portugueses, oscolegas, porque também já estávamos com outros colegas já, brancosno nosso curso etudo, ele quis saber. Havia uma que era esposa de um polícia, de um polícia, que quandoele foge, diz “eu já sabia Aurélio…”, “sabia o quê?”, “hum, este seu amigo, tinha cara deum guerrilheiro…”, assim mesmo, eu disse “bom, eu nunca notei, seique era o meuamigo, meu colega como vocês sabem, mas acho que esta a exagerar, um guerrilheiroonde não há guerrilha, como é isso?”, “não, era mau aquele homem…”, então começa adescrever e não sei quantos, mas a verdade é essa, era muito refilão o Samora, ah não,nunca se deixou, nessa…

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03:08:00 – Nessa altura, que encontra o Samora, acha que ele já tinha mudado um pouco,ou era a mesma pessoa?

- No nosso relacionamento nunca houve problemas, sempre tratou-me como um irmãomais novo, para mim nunca houve, assim, nada, nunca, nunca houve, foi só de meencorajar para ir treinar, porque nem todos podíamos ir treinar, porque eu também queriair treinar fora, é isso que disse, que nem todos podíamos ir treinar, eoutra coisa quetambém nos fez sair, é de que podíamos receber bolsas de estudo para fora, isso foi oprimeiro incentivo que nós tivemos com o Mondlane, todos nós, até elemesmo, e ooutro, mas só que a gente quando chega lá, vê que a situação é outra, a guerra tem que serfeita pelos homens, não há aqui todos irmos para bolsas e essas coisas todas, ele preferiuir para treinos na Argélia, eu também queria ser levado para outro país para treinar, entãoquando me, como é que se chama, me encoraja para não sair, porquetemos prepararenfermeiros, “a guerra vai começar agora…”, não sei o quê e essas coisas todas. Eu játinha treinado, já tinha feito o curso de sargentos milicianos em Boane, eu fiz, o cursotodo, acabei, hum, e pronto, não era uma novidade para mim, e ele próprio sabia, então,mas como os outros saíram, eu também queria sair, para pertencer ao exército, nãodirectamente ao coiso, mas eu não tive essa sorte, posso dizer assim, então…

03:09:50 – De que ano é o seu curso de sargentos milicianos?

- É de 60, de 1960, o meu número é mil setecentos e cinquenta e coiso, equinze,setecentos e quinze, é o meu número esse, de soldado, de sargento, aí em Boane aí, éverdade.

O seu contacto com Samora na Tanzânia era frequente ou devido aotrabalho que vocêstinham encontravam-se poucas vezes?

- Não, que se movimentava, já como chefe do centro de Nachingueia, é o Samora não é,eu não podia ir a Nachingueia, para ir fazer o quê, não tinha tarefaslá, por enquanto, aminha tarefa era formação de quadros para a saúde, tivemos o primeiro curso, tivemos osegundo curso, tivemos o terceiro curso, de um ano, intensivo, como Hélder Martins,trabalhei muito com ele, eu tinha programas daqui, de como é que os cursos eram feitos,e conseguimos enviar os livros, e também cursos de enfermagem, de saúde…

03:11:08 – Desculpe lá, vou voltar atrás um pouco, disse que quando fugiu, levava livrosd’Os Lusíadas para fazer passar por Bíblias. Os Lusíadas era importante para vocês?

- Era importante porque nós estávamos no liceu, eu pelo menos, eu estava no liceu, alémde ter feito o primeiro ciclo, eu estava a estudar no Liceu Salazar a noite, na Associaçãodos Antigos Estudantes de Coimbra, que criaram o curso nocturno ali, e eu tinha estudadotambém na escola, como é que se chama, ali onde está o UP, também ensinavam até aosétimo ano ali, só que mais tarde houve um curso num colégio nocturno, a noite, InstitutoPortugal, do outro lado, onde está o Ministério da Mulher, ali, era uma residência de umenfermeiro ali, que construíram aquilo, então pronto, eu fiz o primeiro, aliás, o terceiro eo quarto ano ali, comecei o quinto e saí, fui para o Instituto Portugal,hum, foi isso, o

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próprio Samora estava no Ribeiro da Silva, parece que é Ribeiro da Silva, um colégioparticular que andava aí, é onde também fez a secção de letras, é aí, nessa altura nósestávamos juntos, eu bom, eu optei por ir para o Liceu Salazar porque também o primeirociclo fiz lá, o primeiro e o segundo, e pronto, ya, nós estávamos a estudar, eu estava aespera de uma bolsa, em coisa, para o Porto, que era para seguira medicina, ya.

03:13:17 – …………………………………………………………….. porque eu vi asfotografias do casamento do Samora com a Josina………………………………………..?

- Eu sou o padrinho da Josina, com a Janete, já que o Mondlane tinha sido assassinado, eufiquei no lugar do Mondlane com a Janete, nós somos padrinhos da Josina. O Chipandecom a Marina, são padrinhos do Samora, nesse casamento em Dar-Es-Salaam.

Acompanhou esse relacionamento?

- Se o Samora namorava com a Josina lá, a Josina estava comigo no InstitutoMoçambicano, depois de ter trabalhado em Songueia, como Tunduro, então foramchamados, por causa do nosso curso, de enfermagem, precisavade manuais, era precisodactilografar, ela e a Adelina Mocumbi então estiveram ali no instituto, foram elas quedactilografaram aquilo, meteram, não sei como é que se chama aquilo, para sermultiplicado e tudo, e é nessa altura, quando viesse o Samora, mas também porque aJosina primeiro namora com o Magaia, namora com o Magaia…

Filipe Samuel Magaia?

- Samuel Magaia…

Ele foi para Congua …………………………………………………..?

- Sim, o Magaia é que era o chefe máximo, o Samora era o chefe do campo, mas quandoo Magaia vai a Nachingueia leva o staff todo, vão para o interior e nãosei o quê, isso foicontestado, não deviam fazer isso, que era perigoso e não sei o quê, olha, e ali se fez,agora, em que circunstância o Magaia morre não sei, portanto, o que éque acontece?Acontece que depois disso, o namoro começa a desenvolver-se como Samora, entre oSamora e a Josina, mas a Josina estava no instituto nessa altura, e eu estava no InstitutoMoçambicano também, hum, conheci, sempre. Josina sempre foi uma irmã mais novaminha, os pais são de Xai-Xai, o pai era colega, de modo que, o tio que estava lá, sabiaperfeitamente que eu trabalhei com ele na clandestinidade em Lourenço Marques econhecia-me muito bem, o velho Mutemba, hum, o relacionamento sempre, nunca, nada,agora, há pessoas que pensam que o Samora conheceu-me na FRELIMO, não é verdade,Samora conheceu-me, conhecemo-nos aqui em Lourenço Marques, há aí um chinês, masjá não está aí, ali, tinha camarões, tinha saladas, tinha mariscos e tudo, é onde a gentepasseava de vez em quando, aos fins-de-semana, para ir passar otempo ali, era umchinês, um chinês, fazia-nos rir porque não sabia falar bem português não é, “se você nãoquer pagar, vá-se embora que há-de vir outra gente comprar, senão queres comprar…”,

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então falado aquilo em chinês era, só dava gargalhadas só, hum, mas era assim, e ocinema onde íamos era o Scala, ou cinema Império, porque outros cinemas, agora só maistarde eu tive, porque tratei o filho do Manuel Rodrigues, aquele cinema, Cine-África, erado Manuel Rodrigues, então um estudante que estava a fazer o sinoano, então ficou com,como é que se chama, apanhou esgotamento, porque queria dispensar para poder terbolsa, para depois do sétimo ano, para fora, então veio parar ali na psiquiatria, e pronto,foi meu doente com outros médicos lá, eu cuidava daquele, para poder acompanhar aevolução das coisas, conversava com ele e não sei o quê, até chegara altura de ficar bom,o miúdo voltou ao normal, e foi dito o que devia fazer, o que não deviafazer, então ospais quando chegavam lá, “o que você quer que a gente agradece aoteu enfermeiro?”,além de outras coisas que a mãe trouxe, “este deve entrar nos nossos cinemas, dar ocartão dele pai”, eu fui daqueles negros que passei a entrar comum cartão, gratuitamente,quer no Manuel Rodrigues, quer no Gil Vicente, ou no Manuel Rodrigues em Inhambane,eu tinha acesso a isso, então levava a minha namorada na altura, que é a minha mulher, eos negros que vi também a entrarem é o Mocumbi e o Chissano, depoisda suamatrícula…

03:18:40 – Diga-me uma coisa, eu cresci nesse cinema Manuel Rodrigues em Inhambane.Ficava na parte de trás, ou na parte da frente que era destinada aos negros? Porque haviaumas divisões lá dentro.

- Ya, há um lugar ali, mas bom, vá lá, é um cinema de luxo não é (risos),não podiamisturar-se ali (risos).

E que eu saiba, ainda está assim.

- Sim, não, não foi coisa de estragar não, é, aqui também…

Como é que era a personalidade de Filipe Samuel Magaia? Porque euacho que é daspersonalidades menos conhecidas da história de Moçambique.

- Sim, eh, eu conheci o Magaia em Dar-Es-Salaam, não o conheci aqui. Eu vi que tinhauma personalidade muito boa, mas em termos de abertura, por exemplo, nas reuniões eassim, falar com muita coisa, não, não vi o vigor nele, eu pessoalmente, já não é aquiloque o Mondlane era, não, mas como pessoa, era um chefe muito bom, mas muito bommesmo, e respeitava as pessoas, e digo isso porque parece que elecresceu ou viveu maisem Quelimane, não sei bem, ele também foi militar, fez o curso de sargentos milicianosna altura, não sei o quê, essa coisa toda, não sei. Agora, eu trabalhei, se não é o pai, é otio, o enfermeiro Magaia, durante muitos anos, nas consultas ali no hospital central, entãoquando ouvi Magaia, Magaia, eu soube que era desta família, e pronto, era um amigo, eletratava-me como um irmão mais velho, porque bom, viu que entre eu e aJosina, éramosquase que irmãos, porque estávamos sempre em contacto com a Josina. Ela quer ir a praianos fins-de-semana, ou em casa do Presidente Mondlane, quando eles fossem de viagem,ele e a mulher, quem ficava lá sou eu ou a Josina, para irmos ficar com as crianças, emais uma, a Paula, éramos nós os três, hum, nessa altura eu conhecia, então levava ascrianças para a escola quando os pais não estivessem e não sei o quê, aquele carro que

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está ali, eu conduzia, este que está no museu, o carro dele, então pronto, ali aquelerelacionamento, sabia que eu era muito chegado ao velho Mutemba, Mutemba tinhamuito respeito comigo, era quase amigo dele, e pronto, ele chamou sempre…………………., agora, em termos, eu nunca participei nas reuniões como emNachingueia, porque nunca fui a Nachingueia, agora nos campos, durante as férias, ele íadar algumas palestras aos estudantes lá nos acampamentos, porque nas férias iam fora deDar-Es-Salaam para estarem lá em conjunto, mas eu nunca fui lá, porque o meu trabalhoexigia sempre tratar dos trabalhadores da FRELIMO ali na coisa, mesmo do instituto queé coracin, como é que se chama aquilo, coracin… é college, hum, era no InstitutoAmericano, que estava ali, onde os nossos estudantes também estudavam lá, o inglês.Portanto, daquilo que vi, os outros quadros em reuniões com os soldados, com o quê, tivemuito pouco tempo, porque quando cheguei a Nachingueia, ele já não existia, mas ele eraboa pessoa, era boa pessoa, há uma face que bom, quando há sempre o momento dasdivergências, isso o Guendjere, o Simango, o Cauandame, e outros, havia este tipo dedivisão, por exemplo, gostavam de mim, como médico, e não queriam o Hélder Martinsporque era branco, com a mulher, “estes estão aqui para fazer o quê? Estes são colonos enão sei o quê, e tal, o nosso médico é este…”, porque eu tratava a eles quandochegassem, mas depois de observados pelo médico, mas nunca aceitaram o HélderMartins no coiso, porque era este problema de racismo que tinham, então estavam adesenvolver-se aquelas contradições dentro da FRELIMO e não sei o quê, desencadeadaspor isto, ya, portanto, do outro lado, é o Magaia, o Magaia era muito, humanamente eramuito bom, como chefe era bom, não sei, hum.

03:24:20 – E o relacionamento entre eles, então eram duas pessoasque se davam bem umcom o outro não é? Porque o Samora era muito mexido não é?

- Ah, esse, como colega na altura no hospital e não sei quantos, bom, entre os dois, oSamora sempre foi impecável, nesse aspecto.

E o relacionamento entre o Magaia e o Samora, como chefe e subchefe como era?

- O outro foi o primeiro chefe…

Pode repetir?

- Eu disse, o Magaia foi o primeiro chefe da defesa da FRELIMO, enquanto que oSamora era o chefe do centro de preparação política em Nachingueia, então o Magaiaestava mais em Dar-Es-Salaam, naquilo que se chama de head courtda FRELIMO, é alionde ele trabalhava, agora, o Samora recebia ordens do Magaiae de outros, como chefeslá, agora, ele estava mais em contacto com os soldados, estava mais emcontacto comcoisa, ao passo que politicamente, as coisas da defesa, estavam ligados ao Magaia,directamente ao Mondlane, e outras coisas. Qualquer coisa que houvesse, o Samora vinhaprestar algumas informações e não sei o quê. Agora, em termos, como eu estou a dizer,em termos de dinamismo, no contacto com os soldados, com coisa, comoeu não vi asreuniões realizadas pelo Magaia, porque também, Nachingueia, ainda era novo o campo,é por isso que quando, pela primeira vez, saem os quadros principaisde Nachingueia para

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o interior, e ele volta, e é assassinado ou morre, hum, eu não estava lá, ainda estava emDar-Es-Salaam, só soube porque eu fui informado pelo Mondlane,para ir socorrer ocarro, que trazia a eles, porque também teve um acidente, então eu e alguns, como eu erada saúde, preparei o equipamento, em direcção ao lugar onde elesestavam em Dar-Es-Salaam, na coisa, na Tanzânia, hum, foi isso. Agora, em termos decomparação, quandovi no coisa, de facto não…

03:26:58 – Durante esse tempo todo, o tempo da luta, chegou a ter algum contactoprivado com Samora? Lembra-se de alguma história que caracterizava a maneira comoSamora trabalhava durante esse período? E a personalidade delenesse período.

- Não, a personalidade dele era boa, era uma personalidade que eupenso que muitos,verificou-se mais aonde, quando eu fui a Nachingueia, porque em Dar-Es-Salaam, é só noInstituto Moçambicano…

Em que ano é que foi a Nachingueia?

- Depois da confusão do Instituto Moçambicano, é quando é encerrado, e é encerradoporquê? Porque ele estava a par, todas as consequências do Instituto Moçambicano, eleestava a espera que alguns daqueles estudantes, que apoiavam de facto a linha daFRELIMO, haviam de sair dali para Nachingueia, onde ele era chefe, então quandoviesse, eu vivia no Instituto Moçambicano, sempre passeávamos, já como homens, osdois, por exemplo a noite, eu levava-lhe ao cinema, levávamos a passear para outrascoisas, e prontos, (risos), é, ele nunca foi assim em grupos, nessa altura não, nada, hum,eu estava no Instituto Moçambicano, estava em condições porque epá, tinha o mínimo decoisas não é, eu ficava para ver e ouvir o desenrolar da luta, e o desenrolar dasactividades em Nachingueia, e mesmo ele dava-me algumas informações nesse aspecto,eu estava devidamente informado nesse aspecto, hum. Da mesma maneira as vezes era oChipande que vinha em Dar-Es-Salaam, nos fins-de-semana eu levava essas pessoas quevinham do outro lado não é, do interior, de facto é preciso levar, são amigos, são jovens,vamos passear para a praia do coisa, então aí organizávamos um rancho, umas coisas epronto, vamos, hum, confraternizávamos lá. O maior número deles vinham de Temete,então íamos ali com as meninas, era a Josina, a coisa, a Adelina antes de se casar e ir paraa Argélia, com o marido, e outras meninas que estavam lá, a gente relacionava para ir terum almoço em conjunto lá na praia, nadando, fazendo a coisa e tudo.Mas em termos doSamora, não há problema. A maneira como vivíamos ali no hospital e essa coisa toda,quando chegasse e tivesse tempo, nós passeávamos, porque era perigoso um elementodaqueles a passear sozinho de noite numa cidade, tem que ter alguém, tem que teralguém, naqueles lugares onde a gente saía, quer assistir a um filme,um filme de guerra,um filme sobre a luta do Vietnam, a gente ia lá assistir, hum, num dos filmes eu era sóciolá, não é, tive que…

03:30:27 – ..........................................................................................................?

- Hi! Já é muito isso, já é muito. Em termos de organização, por exemplo,a maneiracomo estava instalada, ou se estava a instalar a luta e a avançar no interior, é, sabia, hum,

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explicava-me como é, e qual é a necessidade de acelerar a formação dos quadros dasaúde, para poder integrar os enfermeiros nos grupos, quer nos grupos de combate, querna criação, na retaguarda das condições mais acessíveis para receber os feridos, hum, edaí serem tranportados para fora, e olha que nós tivemos poucos feridos fora, porquetambém tínhamos outros que fizeram o curso aqui, nos hospitais principais de CaboDelgado e Niassa, além dos outros que foram formados por nós, por mim e o HélderMartins com a mulher. Então aqueles tinham mais experiência porque trabalharam nohospital central onde se formaram, e depois trabalharam lá onde foram colocados quandoacabaram o curso, portanto, as condições de saúde foram boas, podemos dizer assim, arede sanitária no interior do país foi muito bem desenvolvida. A medida que se criavanovas zonas, nessas novas zonas também se criavam os postos avançados e os postos daretaguarda mais, com equipamento próprio para coiso. Os casos quenão pudessem, eramevacuados. Nessa altura, tínhamos o apoio do hospital da Tanzania, em Mutuara, hum,em Mutuara, mas mais tarde, viu-se que era necessário, antes do no gord, era necessárioque se construísse o nosso hospital, o chamado hospital Doutor Américo Boavinda, eraum angolano, um militante angolano, quiseram dar isso, e esse hospital tinha tudo, haviacirurgias, havia medicina interna, havia farmácia, tinha laboratório, tinha internamento,agora, o depósito de medicamentos estava dividido de acordo com as províncias e cadaprovíncia de acordo com as zonas, primeiro sector, segundo sector, terceiro sector, éassim como estava, nós organizávamos os medicamentos desta natureza, para não haverproblemas entre eles lá, vinham, vem buscar um medicamento do primeiro sector, vembuscar, estes são do segundo sector na província x, vinham buscar, de maneira que éassim sempre a coisa não é, e acho que, além de que eu entrava lá nessa altura, quando oHélder Martins é mandado, aliás, é expulso da Tanzania, depois do II Congresso, eu voltodo II Congresso, há logo a primeira reunião do comitê central, em Nachingueia, e pronto,decidiram nomear-me como director dos serviços de saúde da Frente de Libertação deMoçambique, isto em 1968, em Agosto, logo depois do II Congresso. E eu estava nointerior na altura não é, eu sou daquela companhia, das duas companhias que forampreparar em Madjedje, a realização do II Congresso.

03:34:23 – No II Congresso houve muita discussão, muitas pessoas?

- Ah sim, falamos sobre a luta, sobre a luta, embora alguns, aqueles que nãoconcordavam com determinadas linhas ou ideias, nem chegaram láde ir, nem chegaramlá de ir.

Qual era o papel do Samora nesse quadro?

- Não, ele como Chefe da Defesa tinha os soldados na mão, tinha quadros da defesa namão. Não se podia ali criar confusões, quem garantiu ali a realização daquele congressoforam os militares, de tal maneira que havia delegados, militares, todos, delegados emNachingueia, quadros superiores lá, e os outros quadros militares, estavam metidos nasprovíncias, representavam as províncias, uma vez que, por exemplo, as províncias do sulnão tinham representação ainda, a guerra não tinha chegado lá, como é o caso de Gaza, ocaso de Inhambane, o caso de Maputo, mas havia militares naturaisde lá, hum, entãohouve sempre delegações de todas províncias.

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Como é que Samora acompanhou a crise que estava a suceder em Dar-Es-Salaam? Eletinha alguma informação...

- Tinha, tinha, posso dizer que quando... no Instituto Moçambicano primeiro, começam arebeldia, houve confusão de noite, antes do assassinato do Mondlane, o Samora estavaem Dar-Es-Salaam, é aí onde se fecha o Instituto Moçambicano, então, naquela noite daconfusão, ele tinha passado daí, o Samora, e pronto, como sempre passava, quando soubeda coisa, ele trazia a arma, andava sempre com uma pistola, e o outrotambém, não seicom quem estava, alguns quatro, vinham de Temete, para vir aqui, mas não houvedisparos, barulho aqui, barulho ali, conhecia o meu quarto, e o quarto do Dião, que é umColoma lá, o embaixador, nós morávamos na residência dos professores. Então saiu, foiesconder lá a pistola dele, mas como os estudantes sabiam que eu eramuito amigo doSamora, e outras coisas, quando chega a polícia de Tanzania, então os estudantescomeçam a fazer “eh, eh eh, são esses amigos da casa, querem nos ameaçar, não sei oquê”, e essas coisas assim, então prendem-me a mim, e ao Coloma, havia uma esquadraali, a uns 100 metros ou 200 dali, em Corasil, e eu e o Coloma fomos presos, e mandadospara ali, então foram lá fazer uma revista e encontraram a pistola minha e tal, coiso,pistola do Samora. Mas o Samora já se tinha ido embora, não estava alia coiso, porquenão quis se envolver naquelas coisas todas, desapareceram, só mais tarde, o camaradaChissano e o Marcelino dos Santos aparecem lá para vir negociar comeles para ver senós saíamos, Eles lá, só saímos de madrugada porque depois entraram em contacto,falaram com o governo da Tanzania e não sei o quê, então só de madrugada é quandoconseguiram que nós saíssemos de lá. Agora, esse é um aspecto, ooutro aspecto, ele emDar-Es-Salaam, vinha, como disse, tratar por questões de material, questões não sei dequê, para saber quando é que chega o material, quando é que os camiões da Tanzanialevam as coisas para o abastecimento, não só para Nachingueia mas também para aquelazona fronteiriça lá do coisa. Ele sempre foi a Dar-Es-Salaam, portanto, as coisas eletratava dessa maneira, as coisas, não sei... ficou o outro aspecto que me perguntou...

03:39:24 – Qual foi o papel dele, se ele teve alguma intervenção assim forte...

- Hã, agora, aquela confusão que foi publicada, ele sabia, quandodizem a situação tristeda FRELIMO, aquilo foi publicado da Club Situation of FRELIMO qualquer coisaassim...

Que é com o .............................................?

- Ya, como Guendjere, com o Guendjere e o Cauandame, então, eraaí onde há confusão,então os militares organizam-se, lá, desenvolver a guerra, esse éque foi o papel maisfundamental dos militares. O Samora encorajou o desencadeamento, ou odesenvolvimento da luta, em muitas frentes, não aquela confusão, não aquela confusão.Ele nessa altura não esteve em Nachingueia, mas era acompanhado através dasinformações porque não podia, o Chissano era chefe da segurançada FRELIMO, erasecretário do presidente e chefe da segurança do DD, por isso, todas as informações tinhaque se dar aquele que está ligado com os militares. Segundo: ele era membro doconcelho, do comitê exevutivo, além de ser membro do comit&e central, era membro do

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comitê executivo da FRELIMO, portanto participava nar reuniões docomitê executivo daFrente de Libertação de coisa, da FRELIMO, o coiso, o Samora. Quando houvessereuniões, ou reuniam-se em Nachingueia, porque ali é onde sentiam que estão próximosdas zonas de luta, e não em Dar-Es-Salaam. Parou essa história de reuniões em Dar-Es-Salaam, reuniões em Dar-Es-Salaam, não, agora Nachingueia. Então aí quem tivessequaisquer problemas na cabeça, bastava entrar naquele campo e viaque aqui, todas ascoisas ficam fora, aqui, entra como pessoa e entra com problemas daluta, mais nada, é,todos ali tinham medo, a maneira como estava organizado naquele tempo. Ali não havialugar para fofocas, ou cutchicutchi, entrar com este porque é daminha terra, não, nósestávamos atentos, os nossos elementos, estávamos atentos, portanto a situação é essa,conhecia a luta, e como é que se chama, todos os comunicados passavam dele, para podermandar ao Rebelo, que era o Departamento de Informação o Propaganda, para serempublicados, tinha que se ver as coisas reais, para poder fazer os anúncios não é, para setirar os comunicados. Portanto, é isto.

03:42:45 – Em 1970, deve ter sido um ano terrivel para o Samora não é, não só do pontode vista pessoal, que morre a Josina, mas também do ponto de vista militar, porque foinesse ano que houve a Operação No Body não é?

- Sim, mas foi um momento, já estava recuperado. Na morte do Mondlane primeiro,estava no interior, com o Pachinuapa e outros, estavam a marchar,estavam em CaboDelgado, eles ouviram pela rádio que o Mondlane tinha sido, sofrido umatentado, epronto, se verificarem, em muitas actividades no nosso país, eu andei sempre com aJosina, porquê? Porque eu estava ligado com os serviços de saúde,a Josina estava ligadacom as crianças, e mais outros colegas, mas sempre programavamos juntos a ida para ointerior, ou nesta província ou naquela, além de outros programas individuais, da áreadela, mas em muitos momentos fomos a Niassa juntos, marchamos juntos, fizemostrabalhos juntos lá, porque também exigiam as actividades de saúde nos centros decrianças, era preciso que em conjunto fossemos lá, para podermos ver o que é quepodemos fazer, quais são as outras coisas, para além de que também aJanete Mondlane,os pedidos que andava a fazer no exterior, estavam ligados com a saúde, a educação e ascrianças, ent|ao estávamos sempre neste trabalho, que é o nossotrabalho. Agora, aquestão de saber como é que a luta se desencadeava, porque o Samora apesar de estar emNachingueia, eles é que planificavam os combates, ele na defesa, acoisa, como é que sechama, a sala das operações estava em nachingueia, eles tinham ocuidado de seleccionaraquilo que, e demonstrar em termos de mapas e outros ao Presidente Mondlane, quandofosse a Dar-Es-Salaam, para mostrar como é que a guerra está a andar. O Mondlane tinhaisso, tinha os seus mapas e era uma questão de mostrar como é que a luta está, está aavançar em que direcção, como é que as coisas estão. Esta era a actividade do Samoracom os seus elementos na sala das operações. Chefe das operações na altura era oChipande, o Comissário era o Ribeiro não sei o quê, que mais tarde foi...

03:45:40 – Casal Ribeiro.

- Casal Ribeiro, e mais tarde passou para coisa, o Mabote também era das operações masera adjunto, porque o Alberto é que era o Chefe, hum, eram operacionais. Essas coisas

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trabalha-se com mapas e tudo, além dos nossos conselheiros chinesesque estavam lá,quer dizer, a luta era estudada sempre.

Mas o senhor estava a dizer que depois da morte da Josina ele recuperou…

- Ya, recuperou na parte da… depois do assassinato do Mondlane. E mais tarde eu voltodo Niassa, aliás, voltamos de Niassa com a Josina, porque nessa altura a Josina estava deestado, segunda gravidez, volta comigo de Nachingueia, mas já não estava a sentir-sebem, não estava a sentir-se bem, bom, estranhamente ficamos sem saber o que era essascoisas todas, e passado algum tempo, fica hospitalizada lá num hospital onde trabalhavamos chineses, aí em Corasine, é aí onde ela perde a vida. Perde a vida, ainda estava deestado de gravidez. O Nando, penso que foi doado a, não sei se é Faculdade de Medicinaali ou quê, essas coisas todas, porque não se deitou, ficou ali na coisa, nesse hospital. E éverdade que ficou chocado, eu lembro-me muito bem ali, acho que eucomo amigo, comopadrinho, como da área da saúde, tentei falar com ele, falamos sobre isso, eu lembro-meque houve uma grande discussão sobre quem deveria ficar com a criança, o Samito,porque ainda era miúdo, uns puxavam para eles, outros puxavam para ali, não sei o quê etal, não sei quê. Essa foi uma das discussões que eu assisti de facto, e tomou-se maistarde uma decisão em como o Samito devia se manter ali, e a única coisaque se deviafazer era arranjar uma pessoa para ficar como o Samito, mas ali perto, e nunca em Dar-Es-Salaam ou por exemplo em casa do Mondlane com a Janete ou com outras pessoasfora de Moçambique como houve muitos pedidos para isso e essas coisas todas, não, eleconvenceu-se que de facto devia ter alguém, que então ficou em Tunduro, com a Ema, eele tinha também uma residência em Tunduro, como chefe, tinha, eraassim. Agora, arecuperação, aí depois disso pronto, recuperou-se sim senhor,de tal maneira queconseguiu dirigir a operação No Body. Já estava em contacto com muitas informções,como é que as coisas estavam, como começou primeiro em Niassa, falhou, o No Bodycomeçou em Niassa, aí não conseguiram, depois, não, tinha um nome, há uma parte ondechamavam Minerva não sei…

Eram as operações, as fases da operação…

- Sim, estavam em progressão até chegar ao No Body, quando chega ocoisa, o Caúza deArrial, e pronto, é quando dizem que “ah não, eu vejo já com um nó, aFRELIMO aquiacabou, em pouco tempo eu vou limpar isto…”, olha, as informações vinham também doexterior, porque tínhamos amigos, liam onde é que o Caúza tinha sido formado, em queescola estava, qual era o pensamento dele, não sei o quê e essas coisas todas, nós játínhamos recebido esses documentos, a nossa direcção tinha essascoisas todas, lêmospara conhecer bem a ele, em que é que estava o Caúza de Arrial, e também os nossosconselheiros chineses, estudou-se bem a luta, e tínhamos outros amigos, outros países,para estudar a guerra e ver como é que as coisas íam ser, de uma vezassim. Lá no interiorestava sendo preparado, estava sendo preparado, é verdade.

03:50:40 – Nunca acompanhou Samora numa viagem ao interior?

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- Já fui várias vezes, fui várias vezes, como responsável de saúde, eu tinha que ir, quandoele fosse ao interior, eu já...

03:51:00 – ..................................................................................?

- Pela primeira vez foi em 68, em 68 quando foi a Niassa, a Niassa masno II Congresso.Depois disso, lembro-me, levou alguns quadros para ir organizar essas reuniões de alertaro coisa, os quadros em Cabo delgado desta, da intenção do inimigo depoderem atacar, euestava lá, eu estava lá com ele. Então eram reuniões sempre avançadas. Nessa altura, eusei que o inimigo nunca se aproximava, quando soubesse que o chefe dos militares ia láentrar, sabiam que não ia sozinho, não ia com as mãos a abanar, então não aproximavamali, nem ali, todas as reuniões em Cabo Delgado com todos os quadrose as populaçõesem todas as zonas como é que deviam fazer, é claro que havia algumas reuniões restritas,já com os quadros directos das operações de Cabo Delgado, para informar como é que omaterial deve ser escondido, e não em lugares assim não, de tal maneira que o inimigo.................... era metido nas machambas, cavava-se ali, escondia-se nas machambas,determinadas zonas, determinadas pessoas é que conheciam parapoder abastecer e nãosei o quê e essas coisas todas. Há vezes que o inimigo pisava ali onde tem material, nãotinham tempo de andar procurar saber se tem material da FRELIMO ali, não, entãoaqueles depósitos que nós tínhamos estavam vazios, então não sabiam como é que,porque não havia tempo de tomar banho ali, não havia tempo, quandocomeçou o NoBody, nada, é verdade. De maneira que são essas coisas, as ruas, os bloqueios comárvores, as plantações de banana, bananais e outras coisas, nos lugares onde o inimigo,cavar as estradas e não sei o quê, sempre para dificultar o inimigo,o inimigo. É verdadeque nessas reuniões de preparação produziram efeito, bom efeito. Aí ele próprioreconheceu, a guerra se desenvolveu, é verdade, e posso dizer que também houve poucosferidos, porque por um lado, eu estava no hospital já, já tinha sido inaugurado o hospital,como se chama, o hospital Américo Boavinda, tínhamos um cirurgião ortopédico lá,tínhamos um centro ortopédico, tínhamos medicina interna, tínhamos…de modo que…

03:54:13 – Como é que era o Samora a andar no mato? Ele gostava de andar, mas nomato como é que ele era?

- Ele foi instrutor, ele todos os dias sempre treinou. Não viajava para ointerior sem acorda dele, mesmo lá no interior, naqueles momentos, ou é de madrugada ou quê, sempretinha que saltar para estar em forma, o que muitos de nós só fazíamos determinadasmarchas, hum, corríamos de manhã e não sei o quê, mas ele além disso saltava a corda,mas saltar mesmo, hum.

Não há nenhuma história a volta disso?

- Não, mas história como o quê?

Um dos acontecimentos em que ele ou alguém tenha feito um comentário engraçadosobre isso.

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- (risos) Ele sempre foi um homem de histórias não é. Um homem de histórias no sentidode fazer com que primeiro sobre os preguiçosos que não viam a guerra que estava a andarem Moçambique, só acompanhavam outras guerras, ele era muito inimigos desse tipo depessoas, não gostava, ria-se com isso mas também fazia troça mesmo dessa gente, diziaque “a nossa guerra parece que está estagnada…”, “está estagnada como?”, ou porqueelogiavam a guerra que é realizada melo MPLA ou por outros, e a nossa guerra está aandar, ah não, quer dizer, era tipo descontentes ou sei lá o quê, então as vezes realizavadeterminada coisas, “vamos para o interior…”, para ver exactamente aonde é que nósestamos lá nas províncias, metiam-nos nos grupos, para poder visitar as zonas libertadas,depois de aparecer as zonas libertadas. É quando as vezes falavam“eh, afinal a nossa lutaestá assim…”, há outros que nem chegaram de entrar no interior, nem no Rovuma nãochegaram, não conseguiram entrar, mas muitos acabaram com essacoisa de elogiaroutras lutas e dizerem que a nossa luta estava estagnada, não, havia trabalho constactado,porque de facto podia-se estagnar a guerra, se não houvesse um trabalho político, éverdade, as reuniões em Nachingueia faziam com que os quadros nointerior ficassemreactivados para ir desencadear a guerra, grupos dos comissários espalhados emdiferentes províncias, em diferentes sectores, misturar-se com osquadros que estão lá nointerior nessas províncias, fazia com que dinamizasse a luta juntodas populações e juntodos quadros que estão a realizar o coisa, e os combates avançavam sempre, é verdade, e éisso. Também sabiam que há determinados alvos como por exemplo Cabora Bassa quenão se podia destruir, não se podia atacar Cabora Bassa não, por ordem do Mondlane.Não é o lugar para… nós podemos ameaçar como quem vai ali, aqueleshomens hão-deestar concentrados ali, para podermos passar para Manica, e foi exactamente isso queaconteceu. Havia as vezes movimentos naquela zona, concentraram-se ali, pensando quea FRELIMO quer atacar Cabora Bassa, mas a instrução estava clara e todos os soldadosque operavam em Tete sabiam que ali é um lugar que não se pode tocar,operações ali dooutro lado, ataques acolá e não sei quantos, mas nunca a Cabora Bassa. Mas mais tarde,quando se verificaram e viram que a nossa luta já tinha atravessadoo Rio Zambeze, jáestávamos em Manica. Em Manica desenvolveu-se de tal maneira comurgência e estavaa caminho de Inhambane e Sofala. É aí onde já acelera a coisa de Lusaka já, viram quenão, derrotado o No Body, eles foram derrotados em No Body, nada podiam fazer maissenão render-se. Aí em Cabo Delgado ali no quartel que foi atacado e assaltado e tudo,havia desespero, era só atacar, deixaram tudo lá, e pronto, de modo que é assim.

03:59:16 – Depois do 25 de Abril o Samora foi …………………………………………...………………………………………?

- Sim, houve discussão, houve o acelerar, porque nós estávamosa ver contacto com estegrupo da ala que desencadeou lá, este grupo do coisa, dos portugueses, desta coisa do 25de Abril, estavam em contacto com o coiso, alguns foram colegas do Veloso, outrosforam conhecidos, são oficiais superiores não é, ou generais, eentão pronto, e istoacelerou, mas também tínhamos que dizer, a independência de Moçambique não foi porcauda do 25 de Abril, não. O exército colonial tinha sido derrotado, o No Body foiderrotado, sabem muito bem. O Caúza de Arriaga foi derrotado. Os planos do Caúza,todos falharam, e viram. Depois disso de facto não conseguiram mais nada, então équando aceleram, foram a Dar-Es-Salaam, querem conversaçõese não sei quantos e tal, é

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quando então chegam a coiso. Mas as conversações não começaramem Setembro, não,começaram muito antes em dar-Es-Salaam, hum, começaram antes, até que organizarampara ir a Lusaka, a Zambia aceitou estar lá. Naquela altura a coisa já estavam claras, avitória já estava certa, porque o nosso objectivo naquela altura, acelerava-se mais osataques, os combates, porque queríamos chegar aqui com a bandeira na mão, então pensoque os portugueses, o exército colonial soube de que se esta gente consegue penetrarGaza, porque Gaza é quase que Maputo, estamos juntos aqui, seria muito grave. Haviaódio…

04:02:18 – Aonde é que foi ………………………………………. ?

- Foi, acho que foi, eu já estava lá em Nachingueia, deve ter sido em Março ou Abril,porque já o maior número dos quadros que estavam ali, como o Chipande, o Mabote, oGuebuza, já estavam a preparar-se para as conversações em Lusaka. É nessa altura que oSamora chama-me de coisa, de Mutuara.

- Eu? Não, a minha sede dos serviços de saúde agora estava em Mutuara, e eu acabava devir de Tete, em Janeiro, porque passei Janeiro em tete, a operar,de 73. Então é quandofico a organizar algumas coisas, porque já me tinha falado que ia passar paraNachingueia, mas não me tinha dito nada, eu fui a Nachingueia em Fevereiro ou, ya, emMarço, e pronto, fomos trabalhando, como a mania dele era coisa, asua maneira decolocar as pessoas, vamos ver, vamos passear, havia lá… visitar oscentros de treino, asunidades de treino, visitar as nossas machambas, sempre a conversar, porque aquilo era apé não é, conversar e tal, “o que é que você está a ver?”, mas ele tinha essa intenção deque “você fica aqui como chefe…”, e pronto, então foi tirando os outros, porque para sairpara ir para o interior, não era fácil para saber que o flano saiu para que província, erasegredo isso. Se há uma unidade que sai, era uma unidade que desaparecia a noite, hum,fazia as suas despedidas a noite, fazia as suas demonstrações no centro de treino, mascomo despedida, mas lá para a madrugada os camiões de coisa, de Tanzania enchia decoiso, todo o movimento está parado, porque ninguém pode estar acordado para ver ocoiso, tem ordem lá, é hora de dormir, dormir, agora o que se passavalá fora ninguémpodia ver, então desapareciam, foi nisto. Agora, eu fiquei lá, com ele as vezes e tudo,quandi tinha que dizer “olha, vai tomar conta deste campo, há-de haver reuniões for a dopaís, alguns quadros vão sair, você vai ficar com o seu colectivo…”, um dos meuscolectivos, como era instrutor, era o Tobias ………….., o Mavota, eoutros, o velhoSomo, e alguns que estavam aí, instrutores, hum, eu era o chefe principal, com essecolectivo, trabalhávamos em colectivo. E pronto, fui nomeado aí. Depois dessa vitória dotelecomunicações de Nachingueia, eu como chefe do campo, do centro, eu via todas asmissões, que dava recomendações às províncias para aceleraremo combate, porqueestavam no campo das conversações não é, naqueles, houve uma altura que o Spínolaquis criar confusões lá, então o Samora disse “eh, alto aí, você, desencadear a luta,acelera os combates…”, quer dizer, aquelas mensagens só de criarpsicologicamente osportugueses, e como sabiam que já tínhamos atravessado o Rio Zambeze para outroslados, disse que epa, esta guerra vai chegar a Maputo, então aceleraram, tomada deposições. Agora, eu fui esperando, depois disso, havia já trabalho aqui, aliás, nasprovíncias, incluindo aqui. É quando começam a aparecer os estudantes secundários,

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começam a aparecer alguns estudantes universitários em Nachingueia, para seremtreinados, recrutados por esses quadros que saíram a muito tempo, porque foramseleccionados para as províncias, para seleccionar os quadros já com ensinos secundários.A minha tarefa já era só coiso, receber e organizarmos os treinos, acelerarmos, játínhamos instruções para isso, hum, mas o Samora ainda voltou para lá, porque tambémfoi um dos últimos, que era para se realizar já em 75 a viagem do Rovuma ao Maputo,hum.

04:07:42 – O senhor acompanhou a visita do Samora na despedida a Tanzania?

- Não, se eu estava chefe do centro, acompanhei no sentido de queeu como chefe docentro tinha aquelas unidades, os prisioneiros de guerra estavam lá, aliás, esses, como éque se chamam, não são prisioneiros de guerrra, como é que chamam aquilo, os anti-revolucionários nessa altura, o Wiha, o Guendjere e outros estavamlá.

Esse foram para lá já em 75 ou…

- Não, a despedida do Samora foi e 75.

Não, esses traidores…

- Ah, já estavam, apareceram um por um lá, na coisa, em Nachingueia, em 74, porque ogoverno de transição já estava instalado, e os trabalhos, alguns foram presos não seiaonde, mas eu recebia a informação de que as tantas horas há-dechegar a coisa, maseram recebidos lá, a noite, ninguém os viu, só viu no dia em que o Presidente Samora osapresentou em público, lá, o flano está aqui. Porque outros já tinhamdesertado, estavamcom os portugueses, mas como é que foram apanhados para estar connosco, ninguémsabe, a nossa tarefa era recebê-los e esconder-lhes. Até essa altura só podiam banho denoite, de dia os soldados nem sabiam, os soldados não sabiam de nada, os quadros nãosabiam de nada, só o chefe do centro só, mais alguns elementos dasegurança só, maisnada, é este o problema. Mas antes, quando ele estava a ver que as coisas estão assim,apresentou a todas as unidades lá, reunião, só trazia um por um, “eh,este está aqui…”,alguns desmaiaram, os que são para o Simango, os que são para o Guendjere, outros sãopara o Cauandame, porque não sabiam que estavam lá, nunca souberam, hum, nãosabiam.

04:10:10 – Nessa reunião os prisioneiros continuaram na mesma fechado para ninguémos ver ou já tinham outro tipo de tratamento?

- Não, mas depois disso eles souberam, mas que estavam aonde ou queestavam ali nocentro não sabiam.

Sim, mas eles continuaram fechados ou tinham outras actividades?

- Não não, durante o dia não… não, tinham, tinham actividades. Tinham actividades, háum ou outro que não podiam sair, mas há outros que iam organizar asestradas, porque o

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Nyerere vinha lá, com o Kaunda, para ser entregue o campo aonNyerere e os seusquadros, antes da saída do Samora, então a organização era enorme, hum, como haviamde visitar as machambas que nós já tínhamos feito, as lagoas que nós criamos, criação depeixes e tudo, então aquelas avenidas todas, as cronstruções, pinturas e tudo, elestrabalharam nisso, trabalharam, já não é o caso do Simango, do Cauandame, já eramadultos, não podíamos fazer isso, utilizar nesse sentido, não, esses não, apesar de estaremno coiso, agora há outros que faziam, tipo Joana Simião por exemplo, não podia sair parair fazer isto, não, não se fez isto, houve uma coisa, como é que se chama, separar ascoisas, esses só ficavam, sabiam que estão lá, sabiam que estão lá, é claro que saíam, háuma zona própria, restrita que os soldados não passavam ali, elespodiam sair, apanharbanhos de sol, ninguém podia procurar saber quem são aqueles ouquê, não, ninguém,com toda vigilância ali e tudo não, não podia. De modo que foi isso. Esse aspecto acabou,veio então o Nyerere que estava de visita a zona sul da Tanzania, ecombinou com ocoisa, com o Kenneth Kaunda para se encontrar no coisa, com os seusoficiais, generais eoutros, ali houve festa grande, e também foram tirados, para mostrar a eles, estão aqui ostraidores, já sabe, aquela vivacidade do Samora a apresentar um por um, aquilo que cadaum fez, que contribuições é que deram durante a coisa, a ponto de sairpara o domingos enão sei o quê. Foi uma coisa muito interessante para uns, e uma coisamuito chocantepara outros, aqueles que estavam do lado do Simango, foi um momento muito dramático,ninguém podia aceitar coisas disso.

O4:13:18 – O senhor chegou a Maputo no dia 25 de Junho, e esses prisioneiros ficaram láou vieram?

- Não, vieram, não, quando eu saí ficaram lá...

Guardados por quem, pela tropa moçambicana?

- Não, por nós, por um grupo nosso, tinha ficado uma força, a força que cuidava delesficou lá, hum, com alguns quadros que eram do meu colectivo, sabiamo que deviamfazer. É claro, não houve muito tempo, não ficaram muito tempo lá, hum, e eu vim comuns soldados...

04:01:36 – Quando chegou a Moçambique, qual foi a primeira tarefaque lhe deram?

Depois da independência, bom, eu estava ligado com as unidades ainda durante aindependência...

Foi para este campo aqui de Boane?

- Sim, isso foi a primeira tarefa, como chefe daquele campo, porque os soldados queestavam aqui, que vinham de Nachingueia, o maior número deles, estavam ainda sob omeu cuidado, porque eu é que lhes conhecia, embora estivessem em quarteis diferentes,mas depois da independência, em Julho, houve uma reunião da defesa no clube militar,isso foi em Julho, logo a seguir, é aí onde eu sou designado, mas um bocado assim,porque eu fui saber que eu era chefe do centro de Boane depois devisitar o centro, e

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tivemos um almoço onde me informaram que eu passaria a ser o chefe co centro daquele,daquele quartel.

E ficou como chefe daquele centro até quando?

- Até Março de 76, porque também aí o Samora nomeia-me como Governador de Niassa,é aí onde eu deixo Boane para o coisa, para Niassa. Ali já estava comoNachingueia,aquele que passou ali nessa altura, de Julho até Março, estava transformado aquelecampo, nós éramos auto-suficiente em termos de carne, em termosde vegetais, emtermos de cereais, ali, e vendíamos aqui, como se chama ali perto do cemitério, havia umdepósito da logistica, as carnes…

Eu sei que Samora foi visitar esse campo. Ía visitar muitas vezes?

- Sim, foi, foi, ficou satisfeito, ficou satisfeito, porque também os treinos estavam adesenvolver-se, porque houve curso de alfabetização lá, para elevar o nível de instruçãoaos nossos quadros. Quandro se cria salas de aulas lá, houve rebeldias lá, e eu era chefe,foi quando nasce o javalismo. Se há documentos que falam do javalismo, nasceram ali,porque “vocês são javalis, isto é javalismo, deixar de querer estudar, porque durantemuito tempo vocês estavam a estudar, elevar o vosso nível de instrução académica,porque no tempo da guerra não precisavam disso, isto só um javali é que pode pensarassim…”, então nasce o javalismo.

04:04:46 – E é o próprio Samora que introduz o nome...

- Sim, é esse, então o que é que acontece, aqueles que criaram o motim, todos presos,para a Ilha de Moçambique, é lá onde foram, passaram para a Ilha, lá onde foramguardados lá, e prontos. Mas a instruão começou bem, apartir da linha férrea, tudo aquiloera verde, machambas, tapetes verdes, tudo aquilo, até, e criamos onosso polígono lá,que é um lugar de treino, hum.

E nessa altura ainda tinha reuniões frequentes com o Samora?

Como chefe do campo, sempre que pudesse vir lá vinha, agora comopresidente já não,vinha mais o Alberto Chipande que outra coisa, porque tinha outras tarefas, já n|aofrequentava assim os quarteis, só lá em Maputo, porque estava contra aqueles que sesentavam aos muros, sempre, hum.

Qual era o seu sentimento em relação a Samora depois da independência? ConheceuSamora desde aqui, sentiu-se sempre um amigo? Olhando para o percurso que aquelapessoa fez, sentiu-se sempre um amigo, mesmo depois da independência?

- Ya, sempre, como disse, o Samora quando foge, a mãe tem uma crise cardíaca, eu aindaestava cá, foi a primeira vez que eu conheci a mãe do Samora, e então…

04:07:10 – Desculpe, pode repetir.

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- Eu disse, em principio, quando o Samora foge, ou sai de Lourenço Marques, a mãeapanha uma crise, que estava cá, uma crise cardíaca, foi parara reanimação estava atrabalhar a minha mulher, que ela é reanimadora e cuidados intensivos lá, foi na altura emque eu conheci a mãe do Samora, agora, isto só para dizer o seguinte, durarnte tantotempo que estivemos juntos na enfermagem, nos sofrimentos que houve no meio dosenfermeiros, que penso que o falecido Craveirinha já falou na sua participação na defesados problemas dos enfermeiros, e o Luis Bernardo, são esses doisque trabalharamjuntamente connosco, das injustiças no meio dos enfermeiros e essas coisas todas, istotornou a mim e o samora ligados como irmãos, eu não tenho razões de queixa, e estaamizade, esta ligação, esta intimidade entre nós, entre eu e a minha mulher com o Samoranao podíamos esquecer, se o escolhemos para o nosso conselheiro,apartir do namoro, atéo casamento a dizer isto façam assim, isto façam aquilo, jamais poderíamos esquecer oSamora Machel, portanto não é na luta armada que o Samora seria esquecido por mim, ouele podia esquecer, não olhava a mim como o melhor de todos, isso não, ele tratou atodos por igual, sem olhar a quem, que é essa a expressão que nós usamos na saúde, emtermos tecnico-profissionais, tratar a pessoas sem olhar a quem. Agora, lá, eu acho quesempre senti-me confortado no meio, ou ao lado do Samora, não há dúvidas, eu senti-meconfortado, de tal maneira que as vezes, porque pouco me conheceu o PresidenteMondlane, as vezes perguntava ao Samora como é que era, e o Samora dava asinformações ao Mondlane, porque sempre me conheceu, de miúdo, de jovem que eu era epronto, agora, quando cheguei lá, eu tive sempre a confiança de cuidar dos filhos doMondlane quando saíssem, não há dúvida, sabem esses miúdos, é por isso que chamavamque eu sou, como é que se chama isso em inglês, guard qualquer coisa,father guard ouqualquer coisa guard, está a perceber, quando a Janete saísse, quando o Mondlane saísse,eu é que ficava na casa com a Josina, com a Pauli Guesta as vezes, de modo que é este oproblema, tudo isto, dada essa informação por Samora. Eu vou a Nachingueia, foi adecisão dele, foi a decisão dele, quer dizer, nós não temos razõesde queixa, quandorealizamos as nossas bodas de prata, é o padrinho nosso, entao criou aquele tal escândalo,porque é afilhado do presidente e não sei o quê, então vai tirar o carro lá da presidência,pensa que, os que estavam aqui viram, nós fomos os noivos, deramaos noivos o carro dapresidência com coisa, com aquele escudo da presidência, a circularmos, foi realizado alino Tunduru, isso porque ele era padrinho, então era daqueles que as suas convicções, quenão, um afilhado de um chefe de estado não pode andar nesses carrinhos assim, que eletomou essa decisão tomou, muitos gostaram, outros não gostaram, bom, ele decidiu, éverdade que isso criou problemas no meio do colectivo dele, bom, eu também não tinhanada a contestar, não tinha nada a ver com isso, porque bom, eu e a minha mulher éramosafilhados, e mais nada. Portanto, todo esse tempo até a independência, sentimo-nosconfortados. O Samora sempre entrou, sempre cuidou de nós, eu ea minha mulherconhece perfeitamente, porque além disso nós também, quase quecriamos a Graça, aGraça era jovem, eu vivi muito tempo com o Titos Simbine, era meu colegao Simbine,aquele era o meu irmão também mais novo, eu conheci a Graça tambémquando estava aestudar, ainda muito novinha, hum, porque tínhamos outras intenções eu e a minhamulher sobre a Graça, mas só que essas intenções não se realizaram, hum, não serealizaram, porque vimos que bom, o meu irmão era um bandido queandava por aí, n|aovalia a pena andar aí com coisas, hum, é verdade, por isso a Graçaé madrinha da minhafilha, eu já não estava, da Aurélia, por causa disso, queríamos a Graça próximo de nós,

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porque era uma menina muito educada, religiosa e essas coisas todas. De modo que éisso, agora, com o Samora, quer em Nachingueia, quer não sei aonde, eu era enfermeiro,sempre houve uma intimidade sempre nossa, mesmo depois da independência, não hádúvida.

04:13:52 – A Irene Buque e a sua esposa depois vão ter convosco em Dar-Es-Salaam.

- Aparecem em Agosto, em Agosto de 74…

Qual era a situação desse problema …………………………………………….. ?

- Bom, posso dizer que eu vinha de Nachingueia, quando me chamam elas estavam emDar-Es-Salaam, eu já era chefe de Nachingueia, só fui chamado para vir, para o trabalho,não me disseram que a minha mulher estava lá, fiquei uma semana sem saber onde estavaa minha mulher, porque o problema era esse, queriam saber, estavam sendo estudadas,quem eram elas e não sei o quê, e mais tarde, quando viram que bom, não vinham poroutras coisas, a intenção nao era má, e pronto, foi quando entram em contacto com aminha mulher, agora o que aconteceu entre o Samora e a Irene, não posso dizer, não sei,porque depois a Irene passou a ficar lá onde morava o Samora, em coisa, havia umaresidência própria lá, eu não soube, só ia lá para cumprimentar, as vezes para refeições,ele próprio organizava para estar em contacto, eu com a minha mulher, porque tambémconheceu-nos não é, a minha mulher era enfermeira, as duas enfermeiras, e conversarsobre Lourenço Marques, e ver a filha dele não é, que é a minha sobrinha, a Ornila não é,é isto, mas não houve outras coisas, ya.