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epistemologia e modernidade
AUTOR: JOSÉ RICARDO CUNHA
ROTEIRO DE CURSO2008.2
1ª eDIçãO
SumárioEpistemologia e modernidade
I. APRESENTAÇÃO DO CURSO.......................................................................................................................................................... 03
II. PROGRAMA DO CURSO .............................................................................................................................................................. 05
III. BIBLIOGRAFIA SUGERIDA ......................................................................................................................................................... 07
IV. PLANO DAS AULAS ................................................................................................................................................................... 10
AULA 1. INTRODUÇÃO AO CURSO E SEUS OBJETIVOS. PENSAMENTO E VERDADE ................................................................................. 10
AULA 2. NOSSA IDÉIA DE VERDADE: ALETHEIA, VERITAS, EMUNAH ................................................................................................... 14
AULA 3. REALIDADE E VERDADE: HERÁCLITO E PARMÊNIDES ............................................................................................................ 17
AULA 4. LINGUAGEM E VERDADE: OS SOFISTAS ................................................................................................................................ 26
AULA 5. CONCEITO E VERDADE: SÓCRATES ....................................................................................................................................... 29
AULA 6. INATISMO: DESCARTES ...................................................................................................................................................... 31
AULA 7. EMPIRISMO: HUME E LOCKE .............................................................................................................................................. 35
AULA 8. FORMALISMO JURÍDICO E REALISMO JURÍDICO ................................................................................................................... 39
AULA 9. CRITICISMO: KANT ............................................................................................................................................................ 42
AULA 10. O POSITIVISMO: COMTE ................................................................................................................................................... 48
AULA 11. MODERNIDADE E IDEOLOGIA CIENTIFICISTA ..................................................................................................................... 53
AULAS 12 E 13. OS POSITIVISMOS JURÍDICOS E A CIÊNCIA DO DIREITO .............................................................................................. 57
3FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
i. apresentaÇÃo do CUrso
Saudações acadêmicas! Este é o Curso de Ciência e Modernidade – uma introdu-ção ao problema da verdade. Trata-se de um curso de filosofia que caminha entre a filosofia geral e a filosofia do direito e sua missão é problematizar o tema da verda-de. Dessa forma, serve como pressuposto lógico e didático para o curso de filosofia do semestre seguinte, que irá problematizar o tema da justiça. Assim, o aluno será inserido nos dois pilares filosóficos – verdade e justiça – especialmente escolhidos e pensados para a grade curricular da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Funda-ção Getulio Vargas.
Toda a tradição jurídica foi forjada tendo como pressuposto conceitual, de forma mais ou menos clara, a idéia de verdade: verdade dos fatos, verdade das leis, verdade da constituição, verdade do processo, verdade do discurso, verdade do intérprete, etc. Ainda que o conceito em si de verdade nunca tenha sido te-matizado de forma absoluta ou mesmo encontrado um consenso entre filósofos ou juristas, a idéia da verdade sempre esteve – e ainda está – amparando e legiti-mando o direito e as decisões jurídicas. Seja pela recorrência aos fatos, às normas ou à argumentação, a comunidade jurídica busca um amparo de veracidade que responda aos anseios da consciência epistemológica de toda a sociedade. Isso deve deixar claro que o problema da verdade não é específico do direito, nem mesmo da filosofia, mas, antes, trata-se de um problema humano e, por isso mesmo, social.
Essa imbricação entre sociedade e verdade nunca foi tão profunda e tão explí-cita como na modernidade. O laicismo moderno foi convertido em cientificismo moderno e a ciência, tendo na técnica o seu braço operacional, passou a ocupar o centro do pensamento social e o lugar privilegiado da verdade. Todas as formas de conhecimento e instituições modernas foram, então, visceralmente marcadas por essa “ideologia cientificista”. Foi assim com a economia, a política, a medicina e, dentre outras, o direito que, rapidamente, converteu-se em ciência do direito. Como se não bastasse, os próprios ramos do direito iniciaram uma corrida alucina-da pelo seu próprio estatuto de cientificidade e, por isso, lemos e ouvimos falar em coisas como “ciência do direito processual”, “ciência do direito penal” ou “direito civil como ciência própria dentro do direito”.
Todas essas reflexões terão lugar neste curso de Ciência e Modernidade. Não se pode imaginar, hoje, a figura de um profissional crítico e hábil do direito, que seja capaz de pensar por problemas e raciocinar dialeticamente, sem que esteja inserido nesse debate filosófico e preparado para a problematização da verdade. Portanto, o presente curso não tem caráter secundário ou diletante. Embora esteja cercado pelos prazeres da filosofia, sua tarefa é árdua e exige concentração e aprofundamento. Tra-ta-se de uma oportunidade ímpar de experiência do pensamento para a qual estão todos desde já convidados.
4FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
1. ObjetivO Geral da disciplina
Introduzir noções essenciais para a problematização do conceito de verdade a partir da compreensão dos fundamentos da epistemologia, tendo em vista o estudo dos limites e possibilidades de uma ciência do direito no contexto da crise e da crí-tica do paradigma da modernidade.
2. ObjetivOs específicOs da disciplina
2.1. Apresentar a verdade como objeto de um intenso debate histórico – filosó-fico e jurídico – sobre o qual não há um consenso definitivo;
2.2. Estudar os principais fundamentos, antigos e modernos, que contribuíram para a constituição das idéias mais fortes de verdade na cultura ocidental;
2.3. Investigar as bases positivistas do cientificismo moderno e a sua inflexão sobre a chamada “ciência do direito”.
3. fOrmas de avaliaçãO
O aluno será avaliado mediante sua participação qualificada em sala de aula, realização das leituras obrigatórias, trabalhos e provas que forem aplicados.
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
ii. programa do CUrso
ementa
Objetivos da filosofia e filosofia do direito. O pensamento e as tarefas do pen-samento. As idéias de verdade e seus desafios intelectuais e sociais. Fundamentos filosóficos da antiguidade para a verdade. Fundamentos filosóficos da modernidade para a verdade. Modernidade, verdade e ciência. O positivismo e os positivismos jurídicos na ciência do direito.
intrOdUçãO: a verdade cOmO tema e prOblema
1. Introdução ao curso e seus objetivos. Pensamento e verdade.2. Nossa idéia de verdade: aletheia, veritas, emunah.
Unidade 1: fUndamentOs da antiGUidade
3. Realidade e verdade: Heráclito e Parmênides.4. Linguagem e verdade: os Sofistas.5. Conceito e verdade: Sócrates.
Unidade 2: fUndamentOs da mOdernidade
6. Inatismo: Descartes.7. Empirismo: Hume e Locke.8. Formalismo Jurídico e Realismo Jurídico.9. Criticismo: Kant.
Unidade 3: ciÊncia e direitO na mOdernidade
10. O positivismo: Comte.11. Modernidade e ideologia cientificista.12. Positivismos jurídicos e a ciência do direito.13. Os positivismos jurídicos e a ciência do direito II.
6FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
ObservaçãO impOrtante
O Curso não se propõe a uma abordagem enciclopédica do tema proposto, o que seria impossível nos limites da carga horária da disciplina, além de didatica-mente questionável. O fio condutor de todas as reflexões é o tema da verdade e os autores serão abordados não com o fim de se conhecer suas respectivas obras, mas como forma de aproche para acepções relevantes ao tema.
7FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
iii. BiBliograFia sUgerida
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: frag-mentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ALEXY, Robert. Derecho e razón práctica. México: Fontamara, 2002.ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à filosofia da ciência. Curitiba: EdUFPR,
1993.ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1995.ARNAUD, André-Jean (Org.). Dicionário enciclopédico de teoria e sociologia do
direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. São
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ção da natureza. São Paulo: Abril Cultural, 1984.BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega: Platão e seus predecessores. Brasília:
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Paulo: Ícone, 1995.BORNHEIM, Gerd. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix.BOUDON, Raymond. O justo e o verdadeiro: estudos sobre a objectividade dos
valores e do conhecimento. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
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São Paulo: Cultrix, 1999.CARNAP, Rudolf. Empirismo, semântica e ideologia. São Paulo: Abril Cultural,
1980.______. Testabilidade e significado. São Paulo: Abril Cultural, 1980.CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.______. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São
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Sergio Antonio Fabris, 2002.COLLI, Giorgio. O nascimento da filosofia. Campinas: Unicamp. 1992.COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1983.______. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. São Paulo: Abril Cul-
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8FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1979.______. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979.DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:
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MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao estudo do direito: concei-to, objeto e método. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
MIAILLE, Michel. Introdução crítica ao direito. Lisboa: Estampa, 1989.MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
9FGV DIREITO RIO
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para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
10FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
iV. plano das aUlas
aUla 1. introdUÇÃo ao CUrso e seUs oBJetiVos. pensamento e Verdade
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Apresentação do curso. Introdução ao problema da verdade como tarefa do pen-samento.
ObjetivOs da aUla
Apresentar o curso aos alunos e organizar a forma de avaliação; inserir o assunto da verdade mediante uma reflexão acerca do pensamento como experiência humana.
prepare-se para a aUla
Diz Aristóteles: “Foi, com efeito, pelo espanto que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo pri-meiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredin-do em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores...” (Aristóteles, Metafísica, I, 2).
• Oquesignificaoespantoouestranhamentocomocondiçãoparaafilosofia?• Oespantoouestranhamentoapenaspodeacontecerdiantedascoisasque
nãosãofamiliares?• Qualarelação(ouquaisasrelaçõespossíveis)entreestranhamentoeverdade?
Nada nos é mais familiar do que o tempo. Veja o que diz Santo Agostinho sobre o tempo:
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem do passado para o presente e do presente para o futuro, terei que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um tempo
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3) PREPARE-SE PARA A AULA
Diz Aristóteles: “Foi, com efeito, pelo espanto que os homens,
assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo
primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e
progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas
maiores...” (Aristóteles, Metafísica, I, 2).
O que significa o espanto ou estranhamento como condição para a filosofia?
O espanto ou estranhamento apenas pode acontecer diante das coisas que
não são familiares?
Qual a relação (ou quais as relações possíveis) entre estranhamento e
verdade?
Nada nos é mais familiar do que o tempo. Veja o que diz Santo Agostinho sobre o
tempo:
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que
ele passa? O que é um tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro?
Onde ele está? Se o passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu,
do presente espero, então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o
presente? Mas quanto dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo
colocar, este “r” é ainda presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em
escrever a seguir, é presente ou futuro? O que é o tempo afinal?” (Santo Agostinho,
Confissões)
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e
podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a
provocação feita por Heidegger:
9
“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um
tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o
passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero,
então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto
dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda
presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é
presente ou futuro? O que é o tempo afinal? (Santo Agostinho, Confissões)
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e
podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a
provocação feita por Heidegger:
“O QUE MAIS DESAFIA O PENSAMENTO NESSA ÉPOCA DE
DESAFIO DO PENSAMENTO, É QUE AINDA NÃO COMEÇAMOS A
PENSAR.”
Deve-se indagar ao aluno:
Por que ainda não começamos a pensar?
O que é pensar?
O debate deve ser canalizado para a síntese negativa, isto é, o que não é pensar:
Pensar não é divagar ou devanear sem compromissos; ninguém se perde no
pensamento, ao contrário, se acha.
Pensar não é racionalizar na forma de causalidades, antecedentes e
conseqüentes; pensar não é cálculo nem ser eficiente.
Pensar não é mimese, não é fazer a mera repetição.
Embora todos estes elementos possam até fazer parte de um contexto maior do
pensamento, pensar é mais do que isso. Pensar é criar. Pensar é poder fazer surgir o
inexistente dando sentido às coisas e ao mundo. Assim, pensar é um movimento de
reapropriação do mundo por meio da significação e resignificação do mundo, o que faz
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero, então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é presente ou futuro? O que é o tempo afinal?” (Santo Agostinho, Confissões)
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são fami-liares e podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a provocação feita por Heidegger:
“O que mais desafia o pensamento nessa época de desafio do pensamen-to, é que ainda não começamos a pensar.”
Diante da afirmação de Heidegger:
• Porqueaindanãocomeçamosapensar?• Oqueépensar?
Temos hoje, dois grandes obstáculos ao pensamento que devem ser superados:
a. O individualismo: este nos conduz a achar que nossa subjetividade e opor-tunidades pessoais somente podem ser forjadas sem o outro ou contra o outro.
b. A massificação: esta nos conduz à perda de nossa singularidade nos definindo apenas como parte de coletivos mais ou menos amorfos e repetitivos.
Para se superar tais obstáculos, deve-se ter em conta que o pensamento é uma experiência existencial e histórica, por isso ao mesmo tempo pessoal e social. Tam-bém deve-se ter claro que pensar não é um ato, mas uma atitude que nos define diante da vida; nos define como sujeitos criadores e capazes de transcender a mera repetição e a mesmificação. Representa, nesse sentido, 1) uma ruptura com as car-tilhas e manuais; e 2) uma exigência de justificação permanente de todas as normas e padrões de conduta.
Certamente, a experiência de pensamento vai muito além da ordem do banal e exige esforço e superação. Leia a parábola abaixo, de Nietzsche, reflita e prepare-se para o debate:
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“O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e
breve. O que há de mais familiar e conhecido do que o
tempo? Mas o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não
encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem
do passado para o presente e do presente para o futuro, terei
que perguntar: Como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é um
tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o
passado é o que eu, do presente recordo e o futuro é o que eu, do presente espero,
então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas quanto
dura um presente?? Quando acabo de colocar o “r” no verbo colocar, este “r” é ainda
presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é
presente ou futuro? O que é o tempo afinal? (Santo Agostinho, Confissões)
Como o tempo é familiar e pode ser estranhado, também as verdades são familiares e
podem e devem ser estranhadas. Mas para que isso aconteça, é necessário abrir-se a
uma experiência radical de pensamento. Para tanto, nada melhor do que a
provocação feita por Heidegger:
“O QUE MAIS DESAFIA O PENSAMENTO NESSA ÉPOCA DE
DESAFIO DO PENSAMENTO, É QUE AINDA NÃO COMEÇAMOS A
PENSAR.”
Deve-se indagar ao aluno:
Por que ainda não começamos a pensar?
O que é pensar?
O debate deve ser canalizado para a síntese negativa, isto é, o que não é pensar:
Pensar não é divagar ou devanear sem compromissos; ninguém se perde no
pensamento, ao contrário, se acha.
Pensar não é racionalizar na forma de causalidades, antecedentes e
conseqüentes; pensar não é cálculo nem ser eficiente.
Pensar não é mimese, não é fazer a mera repetição.
Embora todos estes elementos possam até fazer parte de um contexto maior do
pensamento, pensar é mais do que isso. Pensar é criar. Pensar é poder fazer surgir o
inexistente dando sentido às coisas e ao mundo. Assim, pensar é um movimento de
reapropriação do mundo por meio da significação e resignificação do mundo, o que faz
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Das três metamorfosesTrês metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se
torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.Muitos fardos pesados há para o espírito, o espírito forte, o espírito
de suportação, ao qual inere o respeito; cargas pesadas, as mais pesa-das, pede a sua força.
“Oquehádepesado?”,perguntaoespíritodesuportação;eajoe-lha como um camelo e quer ficar bem carregado.
“O que há de mais pesado, ó heróis”, pergunta o espírito de supor-tação,“paraqueeuotomesobremimeminhaforçasealegre?
Nãoseráisto:humilhar-se,paramagoaropróprioorgulho?Fazerbrilharapró-prialoucura,paraescarnecerdaprópriasabedoria?
Ouseráisto:apartar-sedanossacausa,quandoelacelebraoseutriunfo?Subirparaaltosmontes,afimdetentarotentador?
Ou será isto: alimentar-se das bolotas e da erva do conhecimento e, por amor à verdade,padecerfomenaalma?
Ou será isto: estar enfermo e mandar embora os consoladores e ligar-se de ami-zadeaossurdos,quenãoouvemnuncaoquequeremos?
Ou será isto: entrar na água suja, se for a água da verdade, e não enxotar de si nem asfriasrãsnemosardorosossapos?
Ou será isto: amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma, quando elenosquerassustar?”
Todos estes pesadíssimos fardos toma sobre si o espírito de suportação; e, tal como o camelo, que marcha carregado para o deserto, marcha ele para o seu próprio deserto.
Mas, no mais ermo dos desertos, dá-se a segunda metamorfose: ali o espírito tor-na-se leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser senhor em seu próprio deserto.
Procura ali, o seu derradeiro senhor: quer tornar-se-lhe inimigo, bem como do seu derradeiro deus, quer lutar para vencer o dragão.
Qual é o grande dragão, ao qual o espírito não quer mais chamar senhor nem deus?“Tudeves”chama-seograndedragão.Masoespíritodoleãodiz:“Euquero”.
“Tu deves” barra-lhe o caminho, lançando faíscas de ouro; animal de escamas, em cada escama resplende, em letras de ouro, “Tu deves !”
Valores milenários resplendem nessas escamas; e assim fala o mais poderoso de todos os dragões: “Todo o valor das coisas resplende em mim.
Todo o valor já foi criado e todo o valor criado sou eu. Na verdade, não deve mais haver nenhum ‘Eu quero’!” Assim fala o dragão.
Meusirmãos,paraqueéprecisooleão,noespírito?Doquejánãodácontasufi-cienteoanimaldecarga,suportadorerespeitador?
Criar novos valores – isso também o leão ainda não pode fazer; mas criar para si a liberdade de novas criações – isso a pujança do leão pode fazer.
Conseguir essa liberdade e opor um sagrado “não” também ao dever: para isso, meus irmãos, precisa-se do leão.
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como seres humanos. Assim, não pensamos por que somos humanos, mas somos
humanos porque pensamos. Pelo pensamento nos humanizamos e humanizamos o
mundo ao mesmo tempo em que o recriamos. Dessa forma dá-se a cultura. Somos
mais do que seres da natureza, somos culturais porque reinventamos nosso mundo.
Pensar é, por isso mesmo, uma experiência radical de LIBERDADE. Por ele nos
libertamos das tutelas e curatelas para nos reinventarmos sob novas e infinitas
possibilidades. Contudo, para que isso aconteça, antes de qualquer coisa, é
necessário superar dois grandes obstáculos:
1. O individualismo: este nos conduz a achar que nossa subjetividade e
oportunidades pessoais somente podem ser forjadas sem o outro ou contra o outro.
2. A massificação: esta nos conduz à perda de nossa singularidade nos definindo
apenas como parte de coletivos mais ou menos amorfos e repetitivos.
Para se superar tais obstáculos, deve-se ter em conta que o pensamento é uma
experiência existencial e histórica, por isso ao mesmo tempo pessoal e social.
Também deve-se ter claro que pensar não é um ato, mas uma atitude que nos define
diante da vida; nos define como sujeitos criadores e capazes de transcender a mera
repetição e a mesmificação. Representa, nesse sentido, 1) uma ruptura com as
cartilhas e manuais; e 2) uma exigência de justificação permanente de todas as
normas e padrões de conduta.
Certamente, a experiência de pensamento vai muito além da ordem do banal e exige
esforço e superação. Nessa linha, vale discutir com os alunos a parábola das Três
Metamorfoses de Nietzsche:
Das três metamorfoses
Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se
torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.
Muitos fardos pesados há para o espírito, o espírito forte, o espírito
de suportação, ao qual inere o respeito; cargas pesadas, as mais
pesadas, pede a sua força.
"O que há de pesado?", pergunta o espírito de suportação; e ajoelha como um camelo
e quer ficar bem carregado.
"O que há de mais pesado, ó heróis", pergunta o espírito de suportação, "para que eu
o tome sobre mim e minha força se alegre?
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Conquistar o direito de criar novos valores – essa é a mais terrível conquista para o espírito de suportação e de respeito. Constitui para ele, na verdade, um ato de rapina e tarefa de animal rapinante.
Como o que há de mais sagrado amava ele, outrora, o “Tu deves”; e, agora, é forçado a encontrar quimera e arbítrio até no que tinha de mais sagrado, a fim de arrebatar a sua própria liberdade ao objeto desse amor: para um tal ato de rapina, precisa-se do leão.
Mas dizei, meus irmãos, que poderá ainda fazer uma criança, que nem sequer pôdeoleão?Porqueorapaceleãoprecisaaindatornar-secriança?
Inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer “sim”.
Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado “sim”: o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para o mundo conquista o seu mundo.
Nomeei-vos três metamorfoses do espírito: como o espírito torna-se camelo e o camelo, leão e o leão, por fim criança.
Assim falou Zaratustra.(Nietzsche, Assim Falou Zaratustra)
bibliOGrafia
complementar
CUNHA, José Ricardo. Direito e estética: fundamentos para um direito huma-nístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. (Capítulo 2 – O Homem como Universo Infinito de Possibilidades, pp. 55-74)
GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Palavra e Verdade: na filosofia antiga e na psica-nálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. (Introdução, pp. 7-23)
14FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 2. nossa idÉia de Verdade: aletHeia, Veritas, emUnaH
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A idéia de verdade, suas contradições e possibilidades na filosofia e no direito.
ObjetivOs da aUla
Desenvolver uma reflexão sobre o conceito, sentido e limites da verdade; apre-sentar as principais tradições que confluíram para nossa idéia geral de verdade; co-tejar a idéia de verdade com a experiência jurídica.
prepare-se para a aUla
A busca pela verdade é tão antiga quanto a existência do homem no mundo. Trata-se mesmo de um traço antropológico, pois em todas as relações que o ho-mem trava (consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com Deus) ele busca encontrar nela uma verdade. Essa busca pela verdade gera no homem certo conforto e estabilidade por estar diante de algo que acredita como fidedigno, naturalmente digno de confiança. De efeito, a busca pela verdade acaba por atribuir à verdade um valor em si mesmo, de forma que o verdadeiro é considerado bom e a verdade um bem. Entretanto, nem tudo pode ser qualificado como verdadeiro: a verdade deve, antes de qualquer coisa, ser buscada. Para isso, historicamente se diferenciou verdade de senso comum. No senso comum, permanecemos com nossas opiniões e crenças sem ter nenhum motivo para duvidar delas. Aqui, em geral, se reproduz as afirmações que são recebidas prontas, correndo-se o sério risco de perpetuar mitos e preconceitos. Quando o senso comum se cristaliza sobremaneira, estamos diante do que pode ser chamado de pensamento mítico, por oposição a um pensamento crítico. Veja e reflita sobre a tabela abaixo:
pensamento mÍtiCo pensamento CrÍtiCoPreso e modelado Livre e criativoDescomprometido e irresponsável Comprometido e responsávelesvaziado de senso ético Marcado pelo senso éticoSimples ComplexoSubserviente Autônomo.
Evidentemente que a busca da verdade somente pode se realizar de forma crítica, isto é, no campo do pensamento crítico. Também relacionada com a verdade, mas diferente do senso comum ou do pensamento mítico, é a incerteza. Assim como no senso comum ou no pensamento mítico, na ordem da incerteza também se está
15FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
fora da verdade. Todavia, diferentemente do que ocorre no senso comum ou pen-samento mítico, na incerteza tem-se plena consciência da distância da verdade e da própria ignorância. Na ocorrência da incerteza, ficamos em dúvida sobre em que acreditar ou em como agir diante de certas pessoas, fatos ou situações. Essa dúvida gerada pela incerteza, quando conectada ao pensamento mítico, gera medo e pa-ralisia; porém, quando conectada ao pensamento crítico, nos impulsiona na busca pela verdade. Nessa segunda hipótese, é condição imprescindível na dinâmica do conhecimento.
Contudo, a pergunta primacial que se coloca é sobre a na-tureza da verdade. O que é a verdade? Pense sobre quais se-riam os sentidos possíveis para a verdade.
A verdade nos conforta e alivia. Também nos oferece uma sensação maior de estabilida-de. Contudo, ela não é absoluta ou suficiente para nos afastar de todas as dúvidas e insegu-ranças. Seja porque novas situações e descober-tas exigem novas verdades, seja porque a pró-pria unidade ontológica da verdade pode sofrer fissuras. Assim, estaremos diante de aporias. Uma das mais conhecidas aporias é o chamado PARADOXO DO CRETENSE, ou Paradoxo do mentiroso. Na sua forma original é atribuído ao cretense Epimênides, que teria afirmado que todos os cretenses são mentirosos. Como Epimênides é ele mesmo um cretense, então se ele diz a verdade, é um mentiroso; logo está mentido. Assim, se o que ele diz é verdadeiro, então o que lê diz é falso. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz é verdadeiro.
ComoreagiraoParadoxodoCretense??
e o direito?
ComooproblemadaverdadeserelacionacomoDireito?Atodotempo somos confrontados com expressões do tipo: verdade dos fa-tos, verdade das leis, verdade do processo ou verdade do intérprete. É possívelfalar-seemverdadeouseriamverdades?Comolidarcomosproblemasdeinsegurançajurídica?
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PENSAMENTO MÍTICO PENSAMENTO CRÍTICO
Preso e modelado Livre e criativo
Descomprometido e irresponsável Comprometido e responsável
Esvaziado de senso ético Marcado pelo senso ético
Simples Complexo
Subserviente Autônomo.
Evidentemente, a busca da verdade somente pode se realizar de forma crítica, isto é,
no campo do pensamento crítico. Também relacionada com a verdade, mas diferente
do senso comum ou do pensamento mítico, é a incerteza. Assim como no senso
comum ou no pensamento mítico, na ordem da incerteza também se está fora da
verdade. Todavia, diferentemente do que ocorre no senso comum ou pensamento
mítico, na incerteza tem-se plena consciência da distância da verdade e da própria
ignorância. Na ocorrência da incerteza, ficamos em dúvida sobre em que acreditar ou
em como agir diante de certas pessoas, fatos ou situações. Essa dúvida gerada pela
incerteza, quando conectada ao pensamento mítico, gera medo e paralisia; porém,
quando conectada ao pensamento crítico, nos impulsiona na busca pela verdade.
Nessa segunda hipótese, é condição imprescindível na dinâmica do conhecimento.
Deve-se deixar claro aos alunos como a busca pela verdade envolve três conceitos
distintos, mas recorrentes:
Contudo, a pergunta primacial que se coloca é sobre a natureza
da verdade. O que é a verdade? Acerca dessa questão
fundamental, somos herdeiros de três tradições lingüístico-
culturais distintas: o grego, o latim e o hebraico.
Em grego, a verdade comumente diz-se aletheia, significando o não-oculto, o
revelado. Trata-se de descobrir o que é da forma que é. Portanto, o verdadeiro se
manifesta como tal ao espírito por oposição ao falso, ao dissimulado. O verdadeiro é o
reto, sem distorção ou falseamento. Por isso, é evidente à razão.
Em Latim, a verdade se diz veritas, significando rigor, precisão, exatidão na
descrição ou num relato sobre algo. Trata-se de apresentar algo exatamente como
ocorreu, numa linguagem fiel ao acontecido. O verdadeiro é o enunciado ou o relato
VERDADE SENSO COMUM INCERTEZA
19
• Em hebraico, a verdade se diz emunah, significando confiança, fidelidade a um
pacto, acordo ou consenso. Trata-se da crença no que será, no que deve acontecer
amanhã em função do que aconteceu hoje. O verdadeiro é o que se liga ao crer, ao
acreditar, seja por razões psicológicas ou sociológica. Por isso depende de uma fé ou
confiança intrínseca ao sujeito.
Dessa forma, temos as três grandes tradições herdadas pela filosofia na constituição
da idéia de verdade:
• ver-perceber: liga-se ao que é;
• falar-descrever: liga-se ao que foi;
• crer-confiar: liga-se ao que será.
Dependendo do sentido ao qual se atribua mais peso, a verdade pode se apresentar
de uma ou outra forma:
• Como alethéia (ver-perceber) sugere evidência ou a clássica
correspondência entre nosso intelecto e a coisa.
• Como veritas (falar-descrever) sugere validade, coerência interna explicitada
pelo uso correto das regras da linguagem.
• Como emunah (crer-confiar) sugere confiança em convenções ou consensos
que são estabelecidos ou herdados pelos sujeitos.
Esquematicamente temos:
[inserir figura 05]
A verdade nos conforta e alivia. Também nos oferece uma sensação maior de
estabilidade. Contudo, ela não é absoluta ou suficiente para nos afastar de todas as
dúvidas e inseguranças. Seja porque novas situações e descobertas exigem novas
verdades, seja porque a própria unidade ontológica da verdade pode sofrer fissuras.
Assim, estaremos diante de aporias. Uma
das mais conhecidas aporias é o chamado
PARADOXO DO CRETENSE, ou Paradoxo
do mentiroso. Na sua forma original é
atribuído ao cretense Epimênides, que teria
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
bibliOGrafia
Obrigatória
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994. (Unidade 3, Ca-pítulo 2 Buscando a Verdade; e Capítulo 3 As Concepções de Verdade; pp. 94-107)
complementar
KIRKHAN, Richard. Teorias da verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003. (Capí-tulo 1 Projetos de Teoria da Verdade; e Capítulo 9 O Paradoxo do Mentiro-so)
17FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 3. realidade e Verdade: HerÁClito e parmÊnides
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Ontologia do real: o problema do ser e do devir.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca do ser e do devir como problema ontológico para a compreensão da verdade acerca do real.
desenvOlvimentO
No contexto do pensamento pré-socrático, dois grandes filósofos (ou pensado-res) se destacaram pela visceralidade de seus pensamentos. Heráclito de Éfeso e Par-mênides de Eléa plantaram para toda a posteridade filosófica a questão do ser e do devir. Duas compreensões distintas e opostas da ontologia do real que, ao mesmo tempo, informam e desafiam as concepções de verdade.
Heráclito de Éfeso
“Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira.” (Fragmento 91)
A mudança, a transformação e, por conseqüência, o conflito, são partes imanentes da filosofia heraclitiana. Tamanha a importância desse filósofo Pré-Socrático que alguns autores atribuem a ele uma escola própria, independente da Escola Jônica: a Escola Mobilista,
com tal denominação justamente por conter no cerne de seu raciocínio filosófico a idéia de movimento. O movimento, que surge a partir da força dos contrários é, em si mesmo, a força dialética por excelência: “movendo-se, descansa (o fogo etéreo do corpo humano)” (Fragmento 84 a). O pensamento logológico de Heráclito, ao encontrar-se com o dinamismo do movimento, reveste-se de imprevisibilidade, na medida em que nada é, mas vem-a-ser, a partir do encontro com seu contrário: “Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia” (Fragmento 08). Logo, nada é absoluto, pois o movimento constante faz com que as coisas sejam e não sejam numa dinâmica sem fim.
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AULA 3. REALIDADE E VERDADE: HERÁCLITO E PARMÊNIDES
NOTA AO PROFESSOR
1. Tema da aula
Ontologia do real: o problema do ser e do devir.
2. Objetivos da aula
Introduzir o debate acerca do ser e do devir como problema ontológico para a
compreensão da verdade acerca do real.
3. DESENVOLVIMENTO
No contexto do pensamento pré-socrático, dois grandes filósofos (ou pensadores) se
destacaram pela visceralidade de seus pensamentos. Heráclito de Éfeso e
Parmênides de Eléa plantaram para toda a posteridade filosófica a questão do ser e
do devir. Duas compreensões distintas e opostas da ontologia do real que, ao mesmo
tempo, informam e desafiam as concepções de verdade.
HERÁCLITO DE ÉFESO
“Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-
se; avança e se retira.” (Fragmento 91)
A mudança e a transformação e, por conseqüência, o conflito são
partes imanentes da filosofia heraclitiana. Tamanha a importância
desse filósofo Pré-Socrático que alguns autores atribuem a ele uma
escola própria, independente da Escola Jônica: a Escola Mobilista, com tal
denominação justamente por conter no cerne de seu raciocínio filosófico a idéia de
movimento. O movimento, que surge a partir da força dos contrários é, em si mesmo,
a força dialética por excelência: "movendo-se, descansa (o fogo etéreo do corpo
18FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
e o direito?
Acreditar no devir heraclitiano significa admitir que tudo está em constante mutação, inclusive o Direito. Se levarmos em conta a es-trutura tridimensional do direito, devemos considerar que basta a mudança de um de seus elementos (norma, fato ou valor) para que os demais também se transformem. Veja-se o caso Brown x Board Education (ao final da aula).
parmênides de eléa
“Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os únicos cami-nhos de inquérito que são a pensar: o primeiro, que é e portanto que não é não ser, de Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha); o outro, que não é e portanto que é preciso não ser, este então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem conhecerias o que não é (pois não é exeqüível), nem o dirias...” (Fragmento 2).
Parmênides, de uma geração após Heráclito e seu principal opositor, pode-se considerar como o principal representante da Filosofia do Ser. Desta forma, irá dis-tinguir dois caminhos básicos de reflexão filosófica: a do ser e a do não ser, sendo a segunda verdadeiramente impossível, dada sua não-existencialidade, e a primeira aquela que realmente leva a certeza, a verdade – alétheia.
Fundamental na leitura do fragmento nos parece o caráter totalmente excludente instaurado por Parmênides no paradoxo ser / não ser. São duas proposições mutua-mente exclusivas. Não havendo intermediários possíveis e sendo o ser o único caminho investigatório capaz de levar a verdade, este é o absoluto, essência de todo o universo, a própria physis. E se a physis encontra-se na práxis humana pelo lógos, manifestada na prática racional-argumentativa, então a conclusão não poderia ser outra, senão a da fi-liação entre ser e pensar. Assim, para Parmênides, o único caminho filosófico é o do ser, aquele que possibilita o pensar; concomitantemente, o pensar passa a ser atividade in-trínseca do ser na sua manifestação lógica: “... pois o mesmo é a pensar e portanto ser”, diz o filósofo no seu fragmento de número três. O sentido absoluto do ser é nomeado no exercício da palavra que demarca o caráter de todos os entes: aquele que é, porque é preciso ser, não pode ser outra coisa, e o que não é, está excluído da verdade.
e o direito?
Acreditar no ser parmenídico significa admitir que tudo guarda uma essência imutável, ainda que uma camada superficial e acidental possa vir a se modificar, mas não a natureza das coisas. Logo, o Di-reito seria marcado por uma essência imutável.
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então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
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OBS: Heráclito é o pai da dialética.
[inserir figura 07] E O DIREITO?
Acreditar no devir heraclitiano significa admitir que tudo está em constante mutação,
inclusive o Direito. Se levarmos em conta a estrutura tridimensional do direito,
devemos considerar que basta a mudança de um de seus elementos (norma, fato ou
valor) para que os demais também se transformem. Veja-se o caso Brown x Board
Education (ao final da aula).
PARMÊNIDES DE ELÉA
"Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os únicos
caminhos de inquérito que são a pensar: o primeiro, que é e portanto
que não é não ser, de Persuasão é caminho (pois à verdade
acompanha); o outro, que não é e portanto que é preciso não ser, este
então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem conhecerias o
que não é (pois não é exeqüível), nem o dirias..." (Fragmento 2).
Parmênides, de uma geração após Heráclito, e seu principal opositor, pode-se
considerar como o principal representante da Filosofia do Ser. Desta forma, irá
distinguir dois caminhos básicos de reflexão filosófica: a do ser e a do não ser, sendo
a segunda verdadeiramente impossível, dada sua não-existencialidade, e a primeira
aquela que realmente leva à certeza, à verdade – alétheia.
Fundamental na leitura do fragmento nos parece o caráter totalmente excludente
instaurado por Parmênides no paradoxo ser / não ser. São duas proposições
mutuamente exclusivas. Não havendo intermediários possíveis e sendo o ser o único
caminho investigatório capaz de levar a verdade, este é o absoluto, essência de todo o
universo, a própria physis. E se a physis encontra-se na práxis humana pelo lógos,
manifestada na prática racional-argumentativa, então a conclusão não poderia ser
outra, senão a da filiação entre ser e pensar. Assim, para Parmênides, o único
caminho filosófico é o do ser, aquele que possibilita o pensar; concomitantemente, o
pensar passa a ser atividade intrínseca do ser na sua manifestação lógica: "... pois o
mesmo é a pensar e portanto ser", diz o filósofo no seu fragmento de número três. O
sentido absoluto do ser é nomeado no exercício da palavra,que demarca o caráter de
todos os entes: aquele que é, porque é preciso ser, não pode ser outra coisa, e o que
não é, está excluído da verdade.
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
bibliOGrafia
Obrigatória
BORNHEIM, Gerd. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1999. (Intro-dução; Seção Heráclito de Éfeso; Seção Parmênides de Eléia)
complementar
KIRK, G.S. SHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Calouste Gul-benkian, 1994. (Capítulo 2 Os Pensadores Jônios; e Capítulo 3 A Filosofia no Ocidente)
aneXO
brOWn cOntra a secretaria de edUcaçãO [brOWn v. bOard Of edUcatiOn]: a decisãO da sUprema cOrte QUe transfOrmOU Um paísdavid pitts
Em maio de 1954 – em uma decisão histórica, no caso Brown Contra a Secre-taria de Educação [Brown v. Board of Education] – a Suprema Corte dos Estados Unidos emitiu uma determinação segundo a qual as escolas públicas segregadas eram inconstitucionais. O nome no caso, Brown, é o nome de Oliver Brown, um negro, que iniciou um processo quando sua filha de sete anos, Linda, teve sua matrí-cula negada em uma escola primária só para brancos na pequena cidade de Topeka, Kansas, no meio-oeste dos Estados Unidos, onde eles viviam. Nosso colaborado, David Pitts, rastreou as origens de uma das mais importantes decisões na história do direito constitucional dos Estados Unidos, que resultou em transformações não apenas em Topeka, mas na nação inteira.
Na primavera de 1954, Oliver Brown era o pai mais famoso dos Estados Uni-dos. Mas ele não era o único autor da ação no caso Brown contra a Secretaria de Educação, que originalmente foi iniciado em 1951. Doze outros autores em Topeka se uniram a Brown para representar seus filhos – 20 ao todo – que, em conformi-dade com a lei, deveriam freqüentar escolas primárias segregadas. A ação inicial foi apoiada pela seção de Topeka da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor [National Association for the Advancement of Colored People] (NAACP), a organização de direitos civis mais antiga do país.
O caso Brown, no entanto, não foi a primeira vez que a educação segregada, san-cionada pela lei, sofreu um desafio nos Estados Unidos. Em 1849, uma ação havia sido iniciada em Boston, Massachusetts. Somente em Kansas, entre 1881 e 1949, 11 ações foram iniciadas contra os sistemas de escolas segregadas. Quando a ação de Topeka chegou à Suprema Corte, a segregação racial era a norma, não a exceção, em boa parte do país, e era permitida ou legalmente exigida em 24 estados. O caso
20FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Brown se destaca porque foi o primeiro caso bem sucedido desse tipo, por causa da abrangência da determinação da Suprema Corte, e por causa do efeito radical que teve sobre a sociedade americana em meados do século XX.
Herói Anônimo
Foto: Cortesia de Marita Davis. À esquerda, Walter White, vice-president executivo da naacp; à direita, mcKinley burnett, presi-dente da seção da naacp de to-pekano início da década de 50.
“O herói anônimo no processo de Topeka é McKin-ley Burnett,” que, na época, era o presidente da seção local da NAACP, diz C.E. (Sonny) Scroggins, chefe do Comitê de Kansas para a Comemoração do Caso Bro-wn Contra a Secretaria de Educação [Kansas Commit-tee to Commemorate Brown v. Board of Education]. “Foi Burnett que reuniu Oliver Brown e os outros pais e foi em frente com o desafio legal, com a ajuda dos advo-gados locais”, acrescenta Scroggins, um ponto de vista confirmado por outras fontes em Topeka. Na verdade, Burnett – com a ajuda da secretária da NAACP Lu-cinda Todd e os advogados Charles Scott, John Scott, Elisha Scott e Charles Bledsoe – desenvolveram uma estratégia para ganhar a causa.
Burnett morreu em 1970. Seu filho, Marcus, que tinha 13 anos na época do processo inicial e que ainda mora em Topeka, diz que desafiar a segregação “foi uma luta à qual meu pai se dedicou por toda a sua vida”. Ele era um trabalhador comum que acreditava que a segregação poderia ser abolida por meio dos tribunais. O tempo inteiro ele estava convencido de que venceríamos. “A irmã de Marcus Burnett, Marita Davis, que atualmente mora em Kansas City, Kansas”, concorda. “Meu pai estava sempre lutando pelos seus direitos”, ela diz. “Eu me lembro de que, até mesmo quando eu era bem pequena, ele estava sempre escrevendo cartas e organizando reuniões. A luta contra a segregação nas escolas se tornou uma coisa muito importante para ele”.
Autores
De acordo com algumas fontes em Topeka, Oliver Brown tinha uma posição de liderança entre os autores, principalmente porque ele era o único homem do grupo. Mas Charles Scott Jr., filho do principal advogado local, diz que Oliver Brown “se tornou o líder entre os autores porque o seu nome era o primeiro, por ordem alfa-bética. O caso foi levado em frente por meu pai e por outros advogados locais, em colaboração com o Sr. Brunett e a NAACP”.
Linda Brown Thompson, que atualmente tem 55 anos e ainda mora em To-peka, reluta em falar sobre a sua experiência e sobre o papel do seu pai ao desafiar o sistema, em parte porque ela acha que a mídia concentrou suas atenções em demasia na sua pessoa, ignorando os outros 12 autores da ação em Topeka. Sua irmã, Cheryl Brown Henderson, diretora-executiva da Fundação Brown para a Igualdade, Excelência e Pesquisa na Educação [Brown Foundation for Educational
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iniciou um processo quando sua filha de sete anos, Linda, teve sua matrícula negada
em uma escola primária só para brancos na pequena cidade de Topeka, Kansas, no
meio-oeste dos Estados Unidos, onde eles viviam. Nosso colaborado, David Pitts,
rastreou as origens de uma das mais importantes decisões na história do direito
constitucional dos Estados Unidos, que resultou em transformações não apenas em
Topeka, mas na nação inteira.
Na primavera de 1954, Oliver Brown era o pai mais famoso dos Estados Unidos. Mas
ele não era o único autor da ação no caso Brown contra a Secretaria de Educação,
que originalmente foi iniciado em 1951. Doze outros autores em Topeka se uniram a
Brown para representar seus filhos – 20 ao todo – que, em conformidade com a lei,
deveriam freqüentar escolas primárias segregadas. A ação inicial foi apoiada pela
seção de Topeka da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor
[National Association for the Advancement of Colored People] (NAACP), a organização
de direitos civis mais antiga do país.
O caso Brown, no entanto, não foi a primeira vez que a educação segregada,
sancionada pela lei, sofreu um desafio nos Estados Unidos. Em 1849, uma ação havia
sido iniciada em Boston, Massachusetts. Somente em Kansas, entre 1881 e 1949, 11
ações foram iniciadas contra os sistemas de escolas segregadas. Quando a ação de
Topeka chegou à Suprema Corte, a segregação racial era a norma, não a exceção,
em boa parte do país, e era permitida ou legalmente exigida em 24 estados. O caso
Brown se destaca porque foi o primeiro caso bem sucedido desse tipo, por causa da
abrangência da determinação da Suprema Corte, e por causa do efeito radical que
teve sobre a sociedade americana em meados do século XX.
Herói Anônimo
Foto: Cortesia de Marita Davis.À esquerda, Walter
White, vice-president
executivo da NAACP;
"O herói anônimo no processo de Topeka é McKinley
Burnett," que, na época, era o presidente da seção local da
NAACP, diz C.E. (Sonny) Scroggins, chefe do Comitê de
Kansas para a Comemoração do Caso Brown Contra a
Secretaria de Educação [Kansas Committee to
Commemorate Brown v. Board of Education]. "Foi Burnett
que reuniu Oliver Brown e os outros pais e foi em frente com
o desafio legal, com a ajuda dos advogados locais",
acrescenta Scroggins, um ponto de vista confirmado por
outras fontes em Topeka. Na verdade, Burnett -- com a
ajuda da secretária da NAACP Lucinda Todd e os
21FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Equity, Excellence and Research], concorda com a avaliação de Charles Scott Jr. “Temos muito orgulho do que nosso pai fez”, Henderson diz. “Mas é importante que o caso Brown não seja simplificado demais – não devemos esquecer os advo-gados, os outros autores em Topeka e os autores nos outros estados, que acabaram sendo incluídos no caso Brown”.
Zelma Henderson e Vivian Scales, duas pessoas que fazem parte do grupo de autores de Topeka, e que ainda moram na cidade, eram jovens mães no início da década de 50. As duas mulheres estavam ansiosas para entrar no caso. E as duas são muito gratas a McKinley Burnett e aos advogados locais, dizendo que foi a liderança dessas pessoas que tornou possível a luta pela integração.
“Eu tinha que levar meus dois filhos de carro até o outro lado da cidade, passando por duas escolas só para brancos, até uma escola só para negros”, diz Henderson. “Meus filhos sempre tiveram orgulho do papel que tive-mos na história”, ela continua. “Donald Andrew ainda está aqui em Topeka. Ele tem 55 anos. Mas minha filha, Vicki Ann, morreu de câncer em 1984.”
Scales também diz que tinha que levar sua filha, Ruth Ann à escola, “passando por uma escola só para brancos que ficava bem em frente à nossa casa. Minha filha, que ainda mora aqui e está com 57 anos, se sente muito bem devido ao que acon-teceu. Eu acho que fizemos uma coisa muito importante”.
A PrimeirA Decisão
O dia de Burnett e dos autores no tribunal em Topeka foi o dia 28 de fevereiro de 1951. Eles compareceram ao Tribunal Federal de Primeira Instância da Circuns-crição de Kansas [U.S. District Court for the District of Kansas]. Raymond Carter, que atualmente é juiz federal em Nova York, era, na época, advogado do Fundo de Defesa Legal da NAACP [NAACP Legal Defense Fund]. Com a ajuda dos outros advogados locais, ele apresentou o caso e solicitou a emissão de um mandado judi-cial que proibisse a segregação nas escolas primárias públicas de Topeka.
Os juízes se mostraram favoráveis à causa dos autores, dizendo, na sua decisão: “A segregação de crianças brancas e negras nas escolas públicas é prejudicial para as crianças negras”. Mas no final a decisão dos juízes foi contra os autores porque a Suprema Corte havia decretado, em uma decisão de 1896 – no caso Plessy contra Ferguson – que sistemas escolares “separados porém iguais” para negros e brancos eram, na verdade, constitucionais, e essa decisão não havia sido anulada. Portanto, o tribunal de Kansas se sentiu forçado a tomar uma decisão a favor da Secretaria de Educação de Kansas e contra os autores, por causa do episódio de Plessy.
“De certa forma, meu pai, os outros advogados locais e o Sr. Burnett não ficaram decepcionados”, diz Charles Scott Jr. “Eles sabiam que a única forma de derrubar a segregação no país inteiro e não apenas em Topeka, era perder a causa e em seguida entrar com um recurso na Suprema Corte”.
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"Eu tinha que levar meus dois filhos de carro até o
outro lado da cidade, passando por duas escolas só
para brancos, até uma escola só para negros", diz
Henderson. “Meus filhos sempre tiveram orgulho do
papel que tivemos na história”, ela continua. "Donald
Andrew ainda está aqui em Topeka. Ele tem 55 anos.
Mas minha filha, Vicki Ann, morreu de câncer em
1984."
Scales também diz que tinha que levar sua filha, Ruth Ann à escola, "passando por
uma escola só para brancos que ficava bem em frente à nossa casa. Minha filha, que
ainda mora aqui e está com 57 anos, se sente muito bem devido ao que aconteceu.
Eu acho que fizemos uma coisa muito importante."
A Primeira DecisãoO dia de Burnett e dos autores no tribunal em Topeka foi o dia 28 de fevereiro de
1951. Eles compareceram ao Tribunal Federal de Primeira Instância da Circunscrição
de Kansas [U.S. District Court for the District of Kansas]. Raymond Carter, que
atualmente é juiz federal em Nova York, era, na época, advogado do Fundo de Defesa
Legal da NAACP [NAACP Legal Defense Fund]. Com a ajuda dos outros advogados
locais, ele apresentou o caso e solicitou a emissão de um mandado judicial que
proibisse a segregação nas escolas primárias públicas de Topeka.
Os juízes se mostraram favoráveis à causa dos autores, dizendo, na sua decisão: "A
segregação de crianças brancas e negras nas escolas públicas é prejudicial para as
crianças negras." Mas no final a decisão dos juízes foi contra os autores porque a
Suprema Corte havia decretado, em uma decisão de 1896 -- no caso Plessy contra
Ferguson -- que sistemas escolares "separados porém iguais" para negros e brancos
eram, na verdade, constitucionais, e essa decisão não havia sido anulada. Portanto, o
tribunal de Kansas se sentiu forçado a tomar uma decisão a favor da Secretaria de
Educação de Kansas e contra os autores, por causa do episódio de Plessy.
"De certa forma, meu pai, os outros advogados locais e o Sr. Burnett não ficaram
decepcionados", diz Charles Scott Jr. "Eles sabiam que a única forma de derrubar a
segregação no país inteiro e não apenas em Topeka, era perder a causa e em seguida
entrar com um recurso na Suprema Corte."
A Decisão da Suprema CorteNo dia 1 de outubro de 1951, ao ser preparado para ir ao tribunal que tem a posição
hierarquicamente mais elevada no país, o caso Brown foi combinado a outros
processos que desafiavam a segregação nas escolas, na Carolina do Sul, Virgínia,
Delaware e no Distrito de Colúmbia. O nome do conjunto de casos passou a ser,
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
A Decisão DA suPremA corte
No dia 1 de outubro de 1951, ao ser preparado para ir ao tribunal que tem a posição hierarquicamente mais elevada no país, o caso Brown foi combinado a ou-tros processos que desafiavam a segregação nas escolas, na Carolina do Sul, Virgínia, Delaware e no Distrito de Colúmbia. O nome do conjunto de casos passou a ser, oficialmente, Oliver L. Brown e Outros Contra a Secretaria de Educação de Topeka e Outros [Oliver L. Brown et al. v. The Board of Education of Topeka, et al]. Thur-good Marshall, que mais tarde foi o primeiro negro a fazer parte da Suprema Corte, era o diretor jurídico da NAACP no nível nacional. Ele apresentou – com sucesso – o caso, representando os autores.
A decisão unânime declarando que as escolas segregadas eram inconstitucionais foi lida no dia 17 de maio de 1954, pelo juiz-presidente da Suprema Corte Earl Warren. “Concluímos”, ele disse, “que no campo da educação pública não há lugar para a doutrina de ‘separados porém iguais’. Estabelecimentos de ensino separados são inerentemente desiguais. Portanto, declaramos que os autores e outros que se encontram em situação similar, para os quais essas ações foram iniciadas, estão sen-do, devido à segregação da qual reclamaram, privados da proteção igual das leis, garantida pela Décima-Quarta Emenda”.
umA GrAnDe VitóriA LeGAL
O resultado do caso Brown Contra a Secretaria de Educação foi considerado uma grande vitória legal, um caso histórico que serve para mostrar que, nos Estados Unidos, os tribunais existem não apenas para condenar crimes, mas para afirmar direitos. “Trata-se de uma das mais importantes decisões da Suprema Corte”, diz Robert Barker, professor de direito e especialista em direito constitucional na Fa-culdade de Direito da Universidade de Duquesne [Duquesne University School of Law] em Pittsburgh, Pensilvânia.
“É importante observar”, ele acrescenta, “que a Suprema Corte contou com a cláusula de proteção eqüitativa da Décima-Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, ao apresentar a sua decisão. A Corte aplicou a cláusula de proteção eqüitativa com a finalidade a que ela se destina – proporcionar proteção para os negros, em particular”. No entanto, segundo Barker, há um significado mais amplo. “A decisão de 1954 resultou em muitos outros casos nos quais a cláusula de prote-ção eqüitativa foi citada, beneficiando mulheres e outros grupos que achavam que seus direitos eqüitativos lhes estavam sendo negados”.
Ao ser indagado como a Corte pode tomar uma decisão – a favor da segregação no caso Plessy contra Ferguson e contra ela no caso Brown – Barker responde que a Corte dispunha de mais de 50 anos de provas de que a segregação racial, da maneira que era praticada, era, na verdade, um método de se oprimir um grupo racial e não algo “separado porém igual”.
Mark Tushnet ecoa o pronunciamento de Barker no seu livro definitivo, Brown v. Board of Education: The Battle for Integration. [tradução livre: Brown Contra a Secretaria de Educação: A Batalha pela Integração]. “Até hoje”, ele escreve “o caso Brown se destaca como a mais profunda afirmação da Corte sobre a questão central
23FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
da história dos Estados Unidos – como os americanos de todas as raças se tratam entre si. Nesse aspecto, trata-se de uma vitória do constitucionalismo americano”.
Pau Wilson, o procurador-adjunto do estado de Kansas que tratou do caso, no tribunal, a favor da segregação, concorda. “A decisão da Suprema Corte”, ele diz, “ampliou a definição de justiça básica nas relações entre as comunidades”. Wilson, que detalha a história do processo em A Time To Lose: Representing Kansas in Bro-wn v. Board of Education [tradução livre: Hora de Perder: Representando Kansas no caso Brown Contra a Secretaria de Educação], escreve que a decisão também “deu uma nova dimensão ao conceito constitucional de proteção eqüitativa e do devido processo legal”.
DePois DA Decisão A Secretaria de Educação de Topeka não esperou a ordem da Corte para unir as suas
escolas primárias negras e brancas. Antes do caso Brown, a lei de Kansas havia previsto a segregação das escolas primárias das comunidades com população superior a 15.000 pessoas. As escolas de nível médio (equivalentes às sétima e oitava séries do primeiro grau, e às três séries do segundo grau, no Brasil) nunca havia sido segregadas.
Mas em grande parte da nação, a tarefa seria mais difícil. Este é um dos motivos pelos quais a Suprema Corte, em um ato posterior, menos conhecido, emitiu, em 1955, uma decisão judicial, determinando “um início imediato e razoável das pro-vidências para a total conformidade” e a implementação da integração das escolas “com a devida rapidez”.
Mesmo assim, houve muita resistência e a disposição das autoridades do poder executivo de usar a força para implementar a decisão da Corte se fez necessária em alguns lugares. O caso mais famoso ocorreu em 1957, quando o presidente Dwight Eisenhower enviou tropas federais a Little Rock, Arkansas, depois que o governador do estado desobedeceu uma ordem de um tribunal federal para integrar as escolas locais – a primeira vez em que tropas federais entravam em um estado do sul para proteger os negros desde os primeiros anos após a Guerra Civil.
Em outras partes do sul do país, a situação variava de lugar para lugar. Na maio-ria dos lugares, a abolição da segregação ocorreu sem problemas, embora nem sem-pre com rapidez. No ano letivo 1956-1957, “o fim da segregação, afetando 300.000 crianças negras, estava em andamento em 723 distritos escolares”, de acordo com David Godfield, que conta em detalhes a história do fim da segregação em Black, White and Southern [tradução livre: Negros, Brancos e Sulistas].
Por outro lado, diz Goldfield, os legisladores promulgaram 45 leis “com o ob-jetivo de contornar a determinação da Suprema Corte” e até 1960, “menos de um por cento dos estudantes do sul do país estavam freqüentando escolas integradas”. O andamento do processo foi muito mais rápido em Topeka e no meio-oeste, de modo geral; o sul finalmente recuperou o atraso no final da década de 60 e início da década de 70. Embora a luta contra a segregação sancionada pelas leis tenha sido vencida há muito tempo, os tribunais federais, atualmente, ainda estão lidando com questões referentes à segregação nos distritos escolares, que são o resultado das tendências na escolha de áreas residenciais.
24FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
os tribunAis cAusAm muDAnçAs em Posições trADicionAis A luta contra a segregação mostra como é difícil mudar posições e costumes em
qualquer sociedade, especialmente as posições que apresentam raízes profundas na tradição e na história, diz John Paul Jones, professor de direito e especialista em questões constitucionais na Universidade de Richmond [University of Richmond], em Virgínia. “Um fato importante é que as mudanças, quando elas ocorreram, foram, em grande parte, o resultado de atos do judiciário para fazer valer direitos inalienáveis assegurados pela Constituição dos Estados Unidos, e não o resultado de medidas sancionadas por legislaturas e executivos eleitos pelo povo”. Sem um judiciário independente, e sem as garantias da Constituição no que se refere aos direitos das minorias, ele acrescenta, a luta pelo fim da segregação teria sido muito mais difícil.
Gary Orfield e Susan Eaton, concordam. Os tribunais, incluindo a Suprema Corte, tiveram um papel essencial, em comparação com os outros ramos do gover-no; é o que eles escrevem em Dismantling Segregation [tradução livre: Acabando com a Segregação]. Eles acrescentam: “Com a exceção do período de 1964 a 1968, os tribunais – e não o poder legislativo ou o executivo – têm sido os elementos do-minantes na elaboração de políticas no que se refere ao fim da segregação”.
Embora a Suprema Corte somente tenha derrubado a segregação nas escolas públicas, o impacto da iniciativa foi muito mais amplo. Essa ação ajudou a deflagrar uma ofensiva sem trégua contra a segregação em todas as esferas da vida americana, incluindo o serviço público e o mercado de trabalho. Apenas um ano e meio após a determinação da Suprema Corte, em dezembro de 1955, o Dr. Martin Luther King Jr. liderou um bem sucedido boicote aos ônibus em Montgomery, Alabama, em sinal de protesto contra a segregação no sistema de transporte público local.
Nos anos seguintes, mandados contra a segregação foram impetrados, como par-te de um cenário de ações populares iniciadas por um grande número de organiza-ções não-governamentais; essas ações, em conjunto, formaram o movimento pelos direitos civis. Com a promulgação da Lei dos Direitos Civis [Civil Rights Act] em 1964, e da Lei do Direito ao Voto [Voting Rights Act] em 1965, a segregação foi praticamente eliminada.
“Fizemos A coisA certA”Os historiadores dos direitos civis, particularmente, ressaltam a importância do
resultado do caso Brown para o progresso nas relações raciais em geral. “A decisão proporcionou um critério de avaliação de justiça – independente da cor das pessoas – pelo qual os americanos poderiam balizar seu progresso rumo à realização do ideal de oportunidades iguais”, escreve Robert Wiesbrot em Freedom Bound: A History of America’s Civil Rights Movement [tradução livre: Rumo à Liberdade: Uma His-tória do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos].
O fato ainda é motivo de muito orgulho para os autores sobreviventes, quase meio século mais tarde. “Lembro-me como se fosse ontem”, diz Zelma Henderson. “A primeira notícia que vi sobre isso foi no jornal, o Topeka State Journal. Lembro-me bem da manchete, em letras garrafais: ‘Proibida a Segregação nas Escolas’. Senti
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
uma alegria enorme. Pensei, naquele momento, e penso, agora, que fizemos a coisa certa”. Vivian Scales acrescenta, “Isso aconteceu há muito tempo, mas é uma coisa que você nunca esquece, que fica com você para sempre”.
marcus burnett, à esquerda, filho do líder da naacp em topeka, mcKinley burnett, e o ativista po-lítico sonny scroggins, na entra-da da escola primária monroe.
Marcus Burnett não se lembra, especificamente, da reação do seu pai no dia em que a Suprema Corte derrubou a segregação. “Mas ele sempre acreditava que haveria justiça, portanto eu tenho certeza de que ele fi-cou muito feliz”, Burnett diz. “Meu pai acreditava que os tribunais eram o lugar certo para se desafiar a segre-gação. Ele nunca deixou de acreditar que os tribunais, no final, fariam valer a Constituição e a Declaração dos Direitos, e eliminariam a segregação”.
No dia 26 de outubro de 1992, o presidente George Bush sancionou a Lei Pública 12-525 [Public Law 12-525] determinando a criação do Sítio Histórico Nacio-nal do Caso Brown Contra a Secretaria de Educação [Brown v. Board of Education National Historic Site], em memória da decisão da Suprema Corte, de 1954. O sítio fica em Topeka, na Escola Primária de Monroe [Monroe Elementary School], a mesma escola freqüen-tada por Linda Brown, quase meio século atrás, antes do fim da segregação.
O memorial – um trabalho da Fundação Brown [Brown Foundation] e do Comi-tê de Kansas para a Comemoração do Caso Brown Contra a Secretaria de Educação [Kansas Committee to Commemorate Brown v. Board of Education], entre outras entidades e indivíduos – terá materiais áudio-visuais e uma biblioteca para pesquisas, e deverá ser aberto ao público em 2002. “Esperamos que as pessoas visitem o local para compreender melhor a abrangência e a complexidade da decisão sobre o caso Brown”, diz Qefiri Colbert, porta-voz do Serviço Nacional de Parques [National Park Service], órgão que ficará encarregado da manutenção do memorial.
“Oliver Brown, Zelma Henderson, Vivian Scales e os outros pais poderiam, fa-cilmente, se conformar com a decepção, mas eles transformaram sua raiva em ação”, diz Sonny Scroggins, do Comitê de Kansas para a Comemoração do Caso Brown Contra a Secretaria de Educação. “Naquela época, os pais demonstraram muita coragem”, ele acrescenta. O resultado final foi, não apenas o fim da segregação, mas uma mudança fundamental no pensamento dos americanos em relação à raça e à igualdade, em conformidade com a lei.
“Eu estou muito velha, mas se tivesse que fazer isso de novo, eu o faria”, diz Vi-vian Scales. “Quando você pensa no assunto, a mensagem da decisão do caso Brown e do memorial, na verdade, é que todos os seres humanos e raças nascem iguais”, acrescenta Zelma Henderson. “Fomos à Suprema Corte dos Estados Unidos para afirmar esse fato, e vencemos”.
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determinação da Suprema Corte, em dezembro de 1955, o Dr. Martin Luther King Jr.
liderou um bem sucedido boicote aos ônibus em Montgomery, Alabama, em sinal de
protesto contra a segregação no sistema de transporte público local.
Nos anos seguintes, mandados contra a segregação foram impetrados, como parte de
um cenário de ações populares iniciadas por um grande número de organizações não-
governamentais; essas ações, em conjunto, formaram o movimento pelos direitos
civis. Com a promulgação da Lei dos Direitos Civis [Civil Rights Act] em 1964, e da Lei
do Direito ao Voto [Voting Rights Act] em 1965, a segregação foi praticamente
eliminada.
“Fizemos a Coisa Certa”Os historiadores dos direitos civis, particularmente, ressaltam a importância do
resultado do caso Brown para o progresso nas relações raciais em geral. “A decisão
proporcionou um critério de avaliação de justiça – independente da cor das pessoas –
pelo qual os americanos poderiam balizar seu progresso rumo à realização do ideal de
oportunidades iguais”, escreve Robert Wiesbrot em Freedom Bound: A History of
America's Civil Rights Movement [tradução livre: Rumo à Liberdade: Uma História do
Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos].
O fato ainda é motivo de muito orgulho para os autores sobreviventes, quase meio
século mais tarde. “Lembro-me como se fosse ontem”, diz Zelma Henderson. “A
primeira notícia que vi sobre isso foi no jornal, o Topeka State Journal. Lembro-me
bem da manchete, em letras garrafais: ‘Proibida a Segregação nas Escolas’. Senti
uma alegria enorme. Pensei, naquele momento, e penso, agora, que fizemos a coisa
certa”. Vivian Scales acrescenta, “Isso aconteceu há muito tempo, mas é uma coisa
que você nunca esquece, que fica com você para sempre”.
Marcus Burnett, à
esquerda, filho do líder
da NAACP em Topeka,
McKinley Burnett, e o
Marcus Burnett não se lembra, especificamente, da
reação do seu pai no dia em que a Suprema Corte
derrubou a segregação. "Mas ele sempre acreditava que
haveria justiça, portanto eu tenho certeza de que ele
ficou muito feliz", Burnett diz. "Meu pai acreditava que os
tribunais eram o lugar certo para se desafiar a
segregação. Ele nunca deixou de acreditar que os
tribunais, no final, fariam valer a Constituição e a
Declaração dos Direitos, e eliminariam a segregação."
No dia 26 de outubro de 1992, o presidente George Bush
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 4. lingUagem e Verdade: os soFistas
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A verdade como linguagem na sofística.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca da relação entre verdade e linguagem a partir do pen-samento sofístico.
prepare-se para a aUla
Poucas doutrinas na história do ocidente foram tão atacadas e vitimadas pelo preconceito como a sofística. A maior parte do que nos foi passado acerca dos sofis-tas foi, justamente, pelos seus inimigos. Na pena de Platão e Aristóteles, os sofistas eram apenas demagogos e enganadores. Contudo, a sofística é um movimento bem mais profundo e interessante – donde sofisticado – do que em geral se apresenta. Os sofistas foram pensadores que rumaram das colônias para Atenas e, por isso, conhe-ciam todo o debate entre Heráclito e Parmênides – ser e devir. Além de conhecerem o debate filosófico, dedicavam-se ao estudo e ensino da retórica. Esse incremento da racionalidade argumentativa foi imprescindível ao desenvolvimento e impulso inicial da filosofia.
A questão central dos sofistas (ao menos na sua primeira ge-ração) era a afirmação de que todas as coisas na polis (política, direito, religião etc...) resultavam de uma convenção ou cultura humana. Assim, nada na polis resultava de uma força natural superior e intangível. Como tudo era produto da convenção – nomos –, tudo poderia ser modificado pelo próprio homem. As-sim, na primeira geração de sofistas, a lei e o direito nada tem de natural ou divino, mas são construídos políticamente através do
exercício da retórica na ágora. Daí a importância do discurso convincente – peithó. Assim, o logos é a ferramenta para a construção do legal e do ilegal, do certo e do errado, e tudo dependerá da habilidade lingüística de quem fala. Para comprovar esta idéia, Górgias de Eleontino, um dos principais sofistas, numa obra intitulada Elogio de Helena (que foi condenada por toda a tradição grega por ter provocado a Guerra de Tróia), afirma que Helena não pode ser acusada nem condenada, pois pode ter agido por amor ou por desígnio dos deuses, pela violência do rapto ou pela sedução da palavra. Górgias chega mesmo ao ponto de marcar um dia para fazer
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AULA 4. LINGUAGEM E VERDADE: OS SOFISTAS
NOTA AO PROFESSOR
1. Tema da aula
A verdade como linguagem na sofística.
2. Objetivos da aula
Introduzir o debate acerca da relação entre verdade e linguagem a partir do
pensamento sofístico.
DESENVOLVIMENTO
Poucas doutrinas na história do ocidente foram tão atacadas e vitimadas pelo
preconceito como a sofística. A maior parte do que nos foi passado acerca dos
sofistas foi, justamente, pelos seus inimigos. Na pena de Platão e Aristóteles, os
sofistas eram apenas demagogos e enganadores. Contudo, a sofística é um
movimento bem mais profundo e interessante – donde sofisticado – do que em geral
se apresenta. Os sofistas foram pensadores que rumaram das colônias para Atenas e,
por isso, conheciam todo o debate entre Heráclito e Parmênides – ser e devir. Além de
conhecerem o debate filosófico, dedicavam-se ao estudo e ensino da retórica. Esse
incremento da racionalidade argumentativa foi imprescindível ao desenvolvimento e
impulso inicial da filosofia.
A questão central dos sofistas (ao menos na sua primeira geração)
era a afirmação de que todas as coisas na polis (política, direito,
religião etc...) resultavam de uma convenção ou cultura humana.
Assim, nada na polis resultava de uma força natural superior e
intangível. Como tudo era produto da convenção – nomos –,tudo
poderia ser modificado pelo próprio homem. Assim, na primeira
geração de sofistas, a lei e o direito nada tem de natural ou divino, mas são
construídos políticamente através do exercício da retórica na ágora. Daí a importância
27FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
sua acusação em praça pública e, no dia seguinte, para ele mesmo fazer sua defesa, demonstrando com isso a superioridade da palavra em relação a qualquer conceito convencionado.
Prepare-se para o debate, meditando sobre a seguinte frase do sofista Protágoras de Abdera:
“O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS”
Atéquepontoohomempodeinstituirsuasprópriasverdades?Agora, observe atentamente o quadro de Salvador Dali:
e o direito?
Acreditar na linguagem como campo próprio da verdade significa admitir que as verdades jurídicas não decorrem de planos metafísicos ou transcendentes, mas, antes, dos agentes lingüísticos que a instituem por um ato de fala. Isso implica a conseqüência de que também é pos-sível resignificar a todo momento as categorias das verdade jurídicas.
bibliOGrafia
Obrigatória
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristó-teles. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Capítulo III. Os Sofistas e Sócrates: o Humano como tema e problema: seção 3 Os Sofistas ou a arte de ensinar)
48
Para comprovar esta idéia, Górgias de Eleontino, um dos principais sofistas, numa
obra intitulada Elogio de Helena (que foi condenada por toda a tradição grega por ter
provocado a Guerra de Tróia), afirma que Helena não pode ser acusada nem
condenada, pois pode ter agido por amor ou por desígnio dos deuses, pela violência
do rapto ou pela sedução da palavra. Górgias chega mesmo ao ponto de marcar um
dia para fazer sua acusação em praça pública e, no dia seguinte, para ele mesmo
fazer sua defesa, demonstrando, com isso, a superioridade da palavra em relação a
qualquer conceito convencionado.
Foi o grande Protágoras de Abdera que nos legou a mais conhecida
de todas as sentenças sofísticas: “O HOMEM É A MEDIDA DE
TODAS AS COISAS”; portanto, critério último para o certo e o errado,
o verdadeiro e o falso. Claro que o homem em questão não é o
indivíduo particular, mas o cidadão da polis. Com efeito, não se trata
de mero relativismo individualístico, mas de relatividade histórica, isto
é, uma verdade pode ser convencionada na polis até que outra a substitua em outro
momento histórico.
Essa possibilidade de reinstituir a verdade abre ao homem um extraordinário campo
de possibilidades. No nível mais radical, nada se mantém imune à possibilidade de ser
resignificado pela palavra, desde que esta seja articulada no discurso convincente: a
retórica. A linguagem é, portanto, o instrumento mais eficaz no processo social de
instituição da verdade. Isso graças ao fato da filosofia sofística ter desfeito a
vinculação parmenídica entre realidade e pensamento, ser e pensar. No Tratado do
Não Ser, Górgias faz suas clássicas afirmações:
1. Nada é;
2. Mesmo que seja, não pode ser pensado;
3. Mesmo que seja pensado, não pode ser dito.
Para além da habilidade retórica, fica a distinção entre SER, PENSAR e DIZER, como
três planos autônomos com dignidade e estatuto próprio. Assim, o dizer – linguagem –
possui envergadura filosófica e autonomia para resignificar os entes na sua própria
identidade. Quebra-se o princípio da identidade, pois uma coisa pode ser (tornar-se) o
que não é. Veja-se o seguinte quadro de Salvador Dali:
49
E O DIREITO?
Acreditar na linguagem como campo próprio da verdade significa
admitir que as verdades jurídicas não decorrem de planos
metafísicos ou transcendentes, mas, antes, dos agentes lingüísticos
que a instituem por um ato de fala. Isso implica a conseqüência de
que também é possível resignificar a todo momento as categorias das verdade
jurídicas.
* * *
AULA 4 LINGUAGEM E VERDADE: Os Sofistas
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
28FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
complementar
BARKER, Ernest. Teoria política grega. Brasília: EdUnB, 1978. (Capítulo IV. A Teoria Política dos Sofistas)
29FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 5. ConCeito e Verdade: sÓCrates
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A verdade como conceito abstrato.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca da verdade como conceito puramente racional a partir do pensamento socrático.
prepare-se para a aUla
O mais conhecido divisor de águas da filosofia ocidental é, sem dúvida, Sócrates. Não há comprovação histórica de sua existência, mas a filosofia se vale do arcabouço “Sócrates” para demarcar uma etapa inicial e decisiva do pensamento ocidental. A partir de Sócrates deu-se a clivagem racionalista que nos marca a todos até hoje.
A chamada “reconstrução socrática” recolocou o tema da ver-dade como aletheia no centro de todas as discussões. Trata-se da opção que faz Sócrates pela Razão como fundamento primeiro de tudo que é verdadeiro, certo e justo. A partir desse filósofo, a razão deixa de ser uma prática de comunicabilidade entre os indivíduos para se tornar inteligibilidade do real. Esta guinada representará um dos mais profundos cortes no pensamento de toda a tradição, marcando todos os aspectos da vida humana.
Para Sócrates, o homem é dotado de razão e sentido, sendo este último o que nos dá acesso ao mundo empírico, que, porém, é superficial por modificar-se constan-temente. Já a razão nos possibilita conhecer o mundo inteligível, aquele onde a verdade e a justiça se apresentam de forma definitiva. Verdade e justiça tornam-se sinônimos dentro de uma racionalidade universal, necessariamente válida para to-dos os homens, que reduz os princípios à unidades conceituais.
A verdade não reside na linguagem ou na opinião – dóxa – de cada indivíduo. Da mesma forma, o real fundamento das relações não está nas convenções e normas – nómos – específicas que produzem justiças singulares. O realmente verdadeiro e realmente justo é o que se eleva acima das múltiplas individualidades e somente é alcançado pelo sujeito virtuoso que abandona todos os seus preconceitos. O ponto central do pensamento socrático é que a prática da justiça como virtude apenas será alcançada pelo conhecimento da justiça. Assim, a questão epistemológica será a
52
AULA 5. CONCEITO E VERDADE: SÓCRATES
NOTA AO PROFESSOR
1. Tema da aula
A verdade como conceito abstrato.
2. Objetivos da aula
Introduzir o debate acerca da verdade como conceito puramente racional a partir do
pensamento socrático.
DESENVOLVIMENTO
O mais conhecido divisor de águas da filosofia ocidental é, sem dúvida, Sócrates. Não
há comprovação histórica de sua existência, mas a filosofia se vale do arcabouço
“Sócrates” para demarcar uma etapa inicial e decisiva do pensamento ocidental. A
partir de Sócrates deu-se a clivagem racionalista que nos marca a todos até hoje.
A chamada "reconstrução socrática" recolocou o tema da verdade
como aletheia no centro de todas as discussões. Trata-se da opção
que faz Sócrates pela Razão como fundamento primeiro de tudo
que é verdadeiro, certo e justo. A partir desse filósofo, a razão deixa
de ser uma prática de comunicabilidade entre os indivíduos para se
tornar inteligibilidade do real. Esta guinada representará um dos
mais profundos cortes no pensamento de toda a tradição, marcando todos os aspectos
da vida humana. Para Sócrates, o homem é dotado de razão e sentido, sendo este
último o que nos dá acesso ao mundo empírico, que, porém, é superficial por
modificar-se constantemente. Já a razão nos possibilita conhecer o mundo inteligível,
aquele onde a verdade e a justiça se apresentam de forma definitiva. Verdade e justiça
tornam-se sinônimos dentro de uma racionalidade universal, necessariamente válida
para todos os homens, que reduz os princípios à unidades conceituais.
30FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
chave de leitura para a compreensão do posicionamento que Sócrates assume ante a physis e a pólis. É desta maneira que podemos entender seu lema “conhece-te a si mesmo”: a busca da verdade universal inscrita em conceitos racionais. Para Sócrates, a justiça é este conceito racional que deve ser compreendido por todos os homens. Para tanto, propõe um método que é constituído de dois momentos: o primeiro é a ironia, onde através de perguntas leva seu interlocutor a reconhecer seus preconcei-tos e sua ignorância sobre o tema em debate; o segundo é a maiêutica, onde, tam-bém através de perguntas, leva seu interlocutor a descobrir uma verdade conceitual dentro de si mesmo com a utilização da razão.
e o direito?
Acreditar no conceito como verdade implica admitir que o direito é formado por conceitos unívocos que podem ser depreendidos pela razão. Assim, mais importante que as experiências jurídicas concretas são os centros de referência conceitual do direito. Tais centros, no sistema romano-germânico, são comumente compreendidos como a norma escrita. Daí que é comum o recurso ao texto da lei (ainda que
mediado pela doutrina) para se explicar e entender as categorias jurídicas, mesmo que, muitas vezes, desligado do mundo da vida. Ganha-se em segurança, mas perde-se em adaptatividade que é essencial à realização da justiça.
bibliOGrafia
Obrigatória
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristó-teles. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Capítulo III. Os Sofistas e Sócrates: o Humano como tema e problema: seção 4 Sócrates: o elogio da filosofia)
complementar
BARKER, Ernest. Teoria política grega. Brasília: EdUnB, 1978. (Capítulo V. Só-crates e os Socráticos Menores)
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
31FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 6. inatismo: desCartes
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A verdade como resultado da razão inata.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca da verdade como resultado de uma razão inata a partir do subjetivismo cartesiano.
prepare-se para a aUla
Na revolução epistemológica operada na modernidade, buscou-se novas bases que pudessem ser consideradas seguras e precisas para a fundamentação de uma verdade universal. Não há dúvida de que o principal nome da constituição da mo-derna filosofia da ciência é Immanuel Kant que, com o seu projeto criticista, lançou as bases mais sólidas em termos epistemológicos. No entanto, o pensamento kan-tiano se insere num processo histórico que foi acontecendo por sucessivas rupturas na tessitura ontológica da filosofia e da sociedade, basicamente a partir do século XVI, quando a modernidade afasta-se das especulações metafísicas para empreender uma nova organização geral do saber. A nova perspectiva em construção considera como fundamentos adequados para o conhecimento apenas a abstração racional e a concretude experimental. Assim, o binômio razão e experiência passa a capitanear as investidas do homem sobre as forças naturais, sociais, políticas e individuais. O rumo deste caminho levou a modernidade a uma opção pelo “problema do conheci-mento” – epistemologia – como questão fundamental a ser tratada, o que converteu a teoria do conhecimento em motor da reflexão filosófica do período. Nesse contexto, duas correntes destacaram-se como forma de compreender e responder à questão proposta: o racionalismo e o empirismo. Enquanto os racionalistas acreditam ser a verdade resultado de uma idéia primeira e fundante, os empiristas crêem que a verdade resulta de um fato primeiro e fundante. Eis um esquema comparativo para melhor visualizar as diferenças entre as correntes filosóficas:
raCionalismo empirismoFundamentado numa razão inata Fundamentado na percepção dos sentidosOpera dedutivamente Opera indutivamente
Alcança o mundo externo por meio de uma inferência (representação) lógica
Alcança o mundo externo por meio de uma experiência possibilitada pela percepção sensível e por uma operação mental
32FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Nessa tradição, herdada por Kant, vários filósofos importantes – racionalistas e empiristas – desenvolveram suas teorias epistemológicas. Dois serão destacados: Descartes e Hume.
“Mas não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de me haver encontrado, desde a juventude, em certos cami-nhos que me conduziram a considerações e máximas, de que formei um método, pelo qual me parece que eu tenha meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de alçá-lo, pouco a pouco, ao mais alto ponto a que a mediocridade de meu espí-rito e a curta duração de minha vida lhe permitam atingir.”1
Este parágrafo, registrado no início do Discurso do Método, sintetiza a perspectiva cartesiana no pensamento moderno. Descartes cria um tipo de construtivismo ali-cerçado sobre duas tarefas básicas: destruir toda forma de conhecimento que haja, ao menos, uma boa razão para não se acreditar; reconstruir um novo e seguro tipo de conhecimento que não se encontre motivo fundamentado para não acreditar nele. Pode-se dizer que Descartes, como o inaugurador da moderna escola raciona-lista ou idealista, teve os mesmo ideais de pessoas em perspectiva oposta, como Ba-con, por exemplo. Também influenciado pelas técnicas e pela matemática, procura lançar as bases de uma nova fundamentação para a própria verdade, através de um tipo de conhecimento seguro e verdadeiro (ciência) que pudesse desvendar as forças e as leis próprias da natureza para que o homem a controlasse definitivamente. É isso que torna a perspectiva cartesiana construtivista, pois não está interessado em, apenas, destruir o tradicional conhecimento sobre o mundo, mas sim em recolocá-lo sobre bases supostamente mais seguras:
“Não que imitasse, para tanto, os céticos, que duvidam apenas por duvidar e afetam por sempre irresolutos: pois ao contrário, todo o meu intuito tendia tão somente a me certificar e remover a terra movediça e a areia, para encontrar a rocha ou a argila.”2
Querendo alcançar tal intento, Descartes propõe um método para conduzir o espírito ao conhecimento verdadeiro, sem ter que submetê-lo às autoridades exte-riores. Trata-se da dúvida metódica como forma de reconstruir em bases seguras e verdadeiras o próprio mundo à nossa volta, ou, como afirma o próprio Descartes, a proposição de um método para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências. Como dito, o método que leva à verdade implica a dúvida como condi-ção epistemológica: “...mas, por desejar então ocupar-me somente com a pesqui-sa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito, que fosse inteiramente indubitável.”3 Praticando este método, segundo Descartes, qualquer pessoa pode-ria conhecer de maneira nítida e clara as idéias que são inatas no espírito e, por
57
verdade resulta de um fato primeiro e fundante. Eis um esquema comparativo para
melhor visualizar as diferenças entre as correntes filosóficas:
RACIONALISMO EMPIRISMO
Fundamentado numa razão inata Fundamentado na percepção dos sentidos
Opera dedutivamente Opera indutivamente
Alcança o mundo externo por meio de uma
inferência (representação) lógica
Alcança o mundo externo por meio de uma
experiência possibilitada pela percepção
sensível e por uma operação mental
Nessa tradição herdada por Kant, vários filósofos importantes – racionalistas e
empiristas – desenvolveram suas teorias epistemológicas. Dois serão destacados:
Descartes e Hume.
“Mas não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de
me haver encontrado, desde a juventude, em certos caminhos
que me conduziram a considerações e máximas, de que
formei um método, pelo qual me parece que eu tenha meio de
aumentar gradualmente meu conhecimento, e de alçá-lo,
pouco a pouco, ao mais alto ponto a que a mediocridade de
meu espírito e a curta duração de minha vida lhe permitam atingir.”2
Este parágrafo, registrado no início do Discurso do Método, sintetiza a perspectiva
cartesiana no pensamento moderno. Descartes cria um tipo de construtivismo
alicerçado sobre duas tarefas básicas: destruir toda forma de conhecimento que haja,
ao menos, uma boa razão para não se acreditar; reconstruir um novo e seguro tipo de
conhecimento que não se encontre motivo fundamentado para não acreditar nele.
Pode-se dizer que Descartes, como o inaugurador da moderna escola racionalista ou
idealista, teve os mesmo ideais de pessoas em perspectiva oposta, como Bacon, por
exemplo. Também influenciado pelas técnicas e pela matemática, procura lançar as
bases de uma nova fundamentação para a própria verdade, através de um tipo de
conhecimento seguro e verdadeiro (ciência) que pudesse desvendar as forças e as
leis próprias da natureza para que o homem a controlasse definitivamente. É isso que
torna a perspectiva cartesiana construtivista, pois não está interessado em, apenas,
destruir o tradicional conhecimento sobre o mundo, mas sim em recolocá-lo sobre
2 - DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 29.
1 DEsCaRTEs, René. Discurso do método. são paulo: abril Cultu-ral, 1979. p. 29.
2 DEsCaRTEs, René. Ob. Cit., p. 44.
3 DEsCaRTEs, René. Ob. Cit., p. 46.
33FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
isso mesmo, superiores àquelas idéias que derivam dos sentidos (adventícias) ou àquelas que são fabricadas pela imaginação (fictícias). As idéias inatas são racionais e existem porque nascemos com elas, o que significa dizer que a razão, como facul-dade inata, é o único lugar possível para as “idéias claras e distintas”, para o verda-deiro conhecimento. Essa é a grande descoberta do “penso, logo existo” – cogito, ergo sum – que verifica que a certeza do conhecimento não vem do objeto exterior, mas reside no próprio cogito como evidência apodíctica, irrefutável:
“Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, no-tando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procura-va.”4
Por isso, somente a razão conduzida logicamente, tendo o cogito como paradig-ma metodológico, poderá decifrar todos os códigos do mundo, e o conhecimento apenas dela pode advir. Conforme se infere da leitura do Discurso do Método, Des-cartes, na busca do conhecimento verdadeiro, toma a realidade à sua volta e se pro-põe a dúvida como método, ou seja, duvidar de tudo aquilo que se tenha ao menos uma razão para duvidar. Através da dúvida metódica ele comprova a falsidade de todo tipo de conhecimento sensível e chega à verdade absoluta do cogito, onde a razão distingue as idéias inatas e faz delas representações seguras e verdadeiras que deduzem o mundo, conhecido com exatidão geométrica, “cientificamente”.
Para o racionalismo cartesiano, a razão é a natureza perfeita existente num ser imperfeito por força da ação de um Ser perfeito: Deus. Embora Deus seja a causa operativa última, mais importante é a razão perfeita, “deusa razão”,que universaliza o conhecimento e torna acessível a verdade tão necessária ao homem e que jamais seria conhecida se estivesse fora dele. Portanto, é o nosso espírito que possui a razão e a verdade e não o mundo externo e é justamente por isso que pode ser conhecida com segurança. O modelo epistemológico das ciências é o matemático, fundado em critérios internos e abstrações, onde o raciocínio lógico é o mestre que conduz o pensamento e evita as contradições e vacilações. Descartes adota, para o alcance da verdade via ciência, quatro preceitos da lógica:
“O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resol-vê-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem 4 Idem.
34FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
entre os que não se procedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse certeza de nada omitir.”5
Como visto, tal método pode ser associado ao procedimento matemático para solução de uma equação. Mas é na base desta razão calculadora que Descartes pensa ter descoberto o novo portal de acesso ao conhecimento verdadeiro. Inaugura-se o moderno princípio epistemológico da razão suficiente, que domina e controla o mundo transformando os fenômenos naturais e/ou sociais em fórmulas e abstra-ções. Diferentemente do indutivismo dos empiristas, Descartes abre o caminho do dedutivismo racionalista moderno.
e o direito?
Acreditar na verdade como representação racional do mundo a partir de uma razão inata implica admitir que também é o direito uma representação, fruto, portanto, de uma idéia fundante. Essa concepção ideal do direito pode manifestar-se tanto na maneira do jusnaturalismo como do formalismo jurídico. Apesar de serem matrizes distintas, ambas são unidas pela idéia de que a razão univer-
sal pode inteligir um direito unívoco, seja da natureza ou da estrutura lógico-formal do próprio direito.
bibliOGrafia
Obrigatória
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. (Parte I – Capítulo VIII. Do Conhecimento Quanto a Origem).
complementar
CUNHA, José Ricardo. Modernidade e ciência: algumas posições epistemológi-cas. In: Direito, Estado e sociedade, Revista do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, n. 16, jan/jul 2000.
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
5 DEsCaRTEs, René. Ob. cit., pp. 37-38.
35FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 7. empirismo: HUme e loCKe
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A verdade como resultado da experiência empírica.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o debate acerca da verdade como resultado da experiência empírica a partir do empirismo inglês.
prepare-se para a aUla
“A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de que não é inato. Consiste numa opinião estabelecida entre alguns homens que o entendimento comporta certos princípios inatos, certas noções primárias, koinaì énoiai, caracteres, os quais esta-riam estampados na mente do homem, cuja alma os recebera em seu ser primordial e os transportara consigo ao mundo. Seria suficiente para convencer os leitores sem preconceito da falsidade desta hipótese se pu-desse apenas mostrar (o que espero fazer nas outras partes deste tratado)
como os homens, simplesmente pelo uso de suas faculdades naturais, podem adqui-rir todo o conhecimento que possuem sem a ajuda de quaisquer impressões inatas e podem alcançar a certeza sem quaisquer destas noções ou princípios originais.”6
Dessa maneira, John Locke inicia seu Tratado sobre o Entendimento Humano e também sua luta contra o inatismo dos racionalistas, que afirmavam existir uma idéia inata nos sujeitos que seria o verdadeiro fundamento para a verdade e o co-nhecimento, acessível apenas pela razão. É contra isso que Locke se insurge, lutan-do contra um dogmatismo já manifesto na tradição do pensamento ocidental. Ao contrário dos racionalistas, Locke, como empirista que era, afirmava que os nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos. É bastante conhecida sua afirmação de que ao nascermos somos como tábulas rasas7, ou seja, como folhas de papel em branco, prontas para serem preenchidas pelas experiências futuras. Locke concorda com Descartes na afirmação de que o conhecimento é constituído por idéias, mas diverge de que estas idéias sejam inatas no espírito humano. Para Locke, há uma categoria de pessoas que não alcançam o verdadeiro conhecimento em função da ausência de um conjunto de vivências suficientemente significativas para dar-lhes as idéias necessárias ao conhecimento, tais como crianças e “idiotas”.
66
AULA 7. EMPIRISMO: HUME E LOCKE
NOTA AO PROFESSOR
Tema da aula
A verdade como resultado da experiência empírica.
Objetivos da aula
Introduzir o debate acerca da verdade como resultado da experiência empírica a partir
do empirismo inglês.
DESENVOLVIMENTO
“A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui
suficiente prova de que não é inato. Consiste numa opinião
estabelecida entre alguns homens que o entendimento comporta
certos princípios inatos, certas noções primárias, koinaì énoiai,
caracteres, os quais estariam estampados na mente do homem, cuja
alma os recebera em seu ser primordial e os transportara consigo ao
mundo. Seria suficiente para convencer os leitores sem preconceito da falsidade desta
hipótese se pudesse apenas mostrar ( o que espero fazer nas outras partes deste
tratado) como os homens, simplesmente pelo uso de suas faculdades naturais, podem
adquirir todo o conhecimento que possuem sem a ajuda de quaisquer impressões
inatas e podem alcançar a certeza sem quaisquer destas noções ou princípios
originais .”12
Dessa maneira, John Locke inicia seu Tratado sobre o Entendimento Humano e
também sua luta contra o inatismo dos racionalistas que afirmavam existir uma idéia
inata nos sujeitos e que seria o verdadeiro fundamento para a verdade e o
conhecimento, acessível apenas pela razão. É contra isso que Locke se insurge,
12 - LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 145.
6 lOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. são paulo: abril Cultural, 1978, p. 145.
7 pequena placa de madeira, marfim ou metal, escavada para conter uma camada de cera, na qual os romanos escreviam com um estilo. Cf. TÁBUla. In HO-lanDa FERREIRa, aurélio Bu-arque (Ed.) Novo Dicionário da Língua Portuguesa. [s.l.] nova Fronteira, 1989.
36FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Assim, mesmo as evidências lógicas mais apodícticas, como os princípios da identi-dade e não-contradição, são desconhecidas por certas pessoas. Tudo por uma única razão: mesmos essas idéias e princípios não são inatos, devendo ser adquiridos pelos indivíduos ao longo de suas vivências e experiências.
Seguindo essa linha de raciocínio, Locke passa a demonstrar que nenhum prin-cípio da vida prática pode ser considerado inato8, ou seja, não há princípio que possa ser considerado universal, já que todos eles dependem de uma experiência prévia dos sentidos que os transforme em idéia real e conhecimento verdadeiro. Mesmo princípios morais basilares, como a justiça, não podem ser considerados inatos e universais, pois dependem de uma aquiescência por parte dos indivíduos, bem como de comprovação, coisas que seriam descabidas caso fossem verdadeira-mente inatos. Tanto é assim, que os homens quando agem virtuosamente o fazem porque costumam tirar benefícios próprios de tal conduta e não porque a tenham inscrita dentro de si; até porque, nem sempre adotam os mesmo princípios práti-cos ou as mesmas virtudes. Nessa esteira,Locke ainda invoca a diversidade cultural como prova cabal de que não há idéia ou princípio inato nos sujeitos, já que nações inteiras chegam mesmo a divergir acerca de certos princípios consagrados em outras nações. Portanto, sujeitos e povos podem convergir ou divergir em suas regras prá-ticas – morais – conforme as experiências e vivências que possuam. Se Locke con-corda que o conhecimento está nas idéias, mas nega que estas sejam inatas, naturais ouuniversais,comoentendê-las?EssaéaquestãoenfrentadanaSegundapartedoEnsaio, que inicia com a seguinte afirmação:
“Idéia é o objeto do pensamento. Todo homem tem consciência de que pensa, e que quando está pensando sua mente se ocupa de idéias. Por conseguinte é indubi-tável que as mentes humanas tem várias idéias, expressas entre outras, pelos termos brancura, dureza doçura, pensamento, movimento, homem, elefante, exército, em-briaguez. Disso decorre a primeira questão a ser investigada: como elas são apreen-didas?Consistenumadoutrinaaceitaqueoserprimordialdoshomenstemidéiasinatas e caracteres estampados sobre sua mente. Já examinei, em linhas gerais, essa opinião, e suponho que o que ficou dito no livro anterior será facilmente admitido quando tiver mostrado como o entendimento obtém todas as suas idéias, e por quais meios e graus elas podem penetrar na mente; com esse fim solicitarei a cada um re-correr a sua própria observação e experiência.”9
Desenvolvendo o pensamento empírico, temos ainda David Hume.
“Todos admitirão sem hesitar que existe uma considerável dife-rença entre as percepções da mente quando o homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de um ar moderadamente tépido e quando relembra mais tarde essa sensação ou a antecipa pela imagi-nação. Essas faculdades podem remedar ou copiar as percepções dos sentidos, mas jamais atingirão a força e a vivacidade do sentimento original.”10
70
poderes do homem, conforme um fim útil); e semiótica (conhecimento dos símbolos e
sentidos lógicos para o entendimento da realidade).21
Desenvolvendo o pensamento empírico, temos ainda David Hume.
“Todos admitirão sem hesitar que existe uma considerável
diferença entre as percepções da mente quando o homem
sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de um ar
moderadamente tépido e quando relembra mais tarde essa
sensação ou a antecipa pela imaginação. Essas faculdades
podem remedar ou copiar as percepções dos sentidos, mas
jamais atingirão a força e a vivacidade do sentimento
original.”22
Neste parágrafo, Hume lança as bases da filosofia que irá associá-lo ao pensamento
empirista, inaugurado por Bacon e continuado por Locke, dentre outros. Contudo,
pode-se dizer que o empirismo de Hume é o mais inovador e radical, colocando-o em
posição de destaque dentre os próprios empiristas. Segundo sua filosofia, não há
conhecimento da realidade que não se inicie com as impressões dos sentidos. Na
verdade, estes são estimulados por dados internos ou externos ao sujeito, dando início
a um processo psicológico que vai, etapa a etapa, produzindo um tipo de “verdade”
sobre os dados da realidade. Por isso, no parágrafo em epígrafe, afirma que somente
a vivacidade do sentimento original é capaz de responder ou explicar uma dada
situação. Nesse sentido, pode-se dizer que Hume compreende a verdade sobre o
entendimento humano (o que Descartes chamaria de cogito) como a própria vivência
imediata do pensar estimulado indutivamente por impressões, ou seja, não existe
consciência mas, apenas, vivências. Numa síntese geral do processo de
conhecimento exposto por Hume na sua Investigação sobre o Entendimento
Humano23, temos que os conhecimentos começam com as sensações (experiência
dos sentidos) estimuladas pelos objetos exteriores. É a reunião das várias e diferentes
sensações que permite perceber um objeto exterior, ou seja, as sensações reunidas
formam a percepção. Na medida em que as percepções vão se repetindo, elas se
combinam, se associam, quer seja porque são semelhantes (semelhança), porque se
repetem no mesmo espaço ou próxima umas das outras (contiguidade espacial) ou
21 - LOCKE, John. Ob. Cit., p. 343. 22 - HUME, David. Investigação Sobre o Entendimento Humano. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 140. 23 - HUME, David. Ob. Cit., pp. 141-157.
8 lOCKE, John. Ob. Cit., pp. 150-152.
9 lOCKE, John. Ob. Cit., p. 159.
10 HUmE, David. Investigação Sobre o Entendimento Humano. são paulo: abril Cultural, 1980. p. 140.
37FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
Neste parágrafo, Hume lança as bases da filosofia que irá associá-lo ao pensa-mento empirista, inaugurado por Bacon e continuado por Locke, dentre outros. Contudo, pode-se dizer que o empirismo de Hume é o mais inovador e radical, colocando-o em posição de destaque dentre os próprios empiristas. Segundo sua filosofia, não há conhecimento da realidade que não se inicie com as impressões dos sentidos. Na verdade, estes são estimulados por dados internos ou externos ao sujei-to, dando início a um processo psicológico que vai, etapa a etapa, produzindo um tipo de “verdade” sobre os dados da realidade. Por isso, no parágrafo em epígrafe, afirma que somente a vivacidade do sentimento original é capaz de responder ou explicar uma dada situação. Nesse sentido, pode-se dizer que Hume compreende a verdade sobre o entendimento humano (o que Descartes chamaria de cogito) como a própria vivência imediata do pensar estimulado indutivamente por impressões, ou seja, não existe consciência mas, apenas, vivências. Numa síntese geral do processo de conhecimento exposto por Hume na sua Investigação sobre o Entendimento Hu-mano11, temos que os conhecimentos começam com as sensações (experiência dos sentidos) estimuladas pelos objetos exteriores. É a reunião das várias e diferentes sensações que permite perceber um objeto exterior, ou seja, as sensações reunidas formam a percepção. Na medida em que as percepções vão se repetindo, elas se combinam, se associam, quer seja porque são semelhantes (semelhança), porque se repetem no mesmo espaço ou próxima umas das outras (contiguidade espacial) ou porque se repetem sucessivamente no tempo (sucessão temporal). O fato é que, com esta repetição, ocorre o hábito da associação das percepções, fazendo com que, assim, surjam as idéias. Em outras palavras, as idéias correspondem à associação das percepções trazidas pela experiência sensível, que são levadas à memória, onde a razão forma os pensamentos. É a experiência que inscreve as idéias em nosso espí-rito e a razão as arranja (combinando ou separando), formando, desta maneira, os pensamentos. Assim, Hume afirma que a razão nada mais é que o hábito de associar idéias, seja por semelhança, seja por diferença.
Negando fundamentos abstratos e metafísicos, Hume encerra a Investigação cri-ticando a idéia do apriorismo como meio de acesso ao conhecimento verdadeiro dos acontecimentos do mundo real, dos fatos; bem como criticando a resposta da velha teologia de que um Ente Supremo precisa ter sido a causa de tudo que foi criado e do que será criado, já que a relação de causalidade depende de uma expe-riência pessoal não universalizável sobre bases seguras. Assim, a causa corresponde à imaginação do sujeito afetada por uma determinada experiência dos sentidos.12 Com efeito, para Hume, não pode haver conhecimento pleno e cientificamente válido fora do campo meramente conceptual, como é o caso da matemática, já que em relação aos fatos, não há demonstração possível, na medida em que “tudo que é pode não ser”13, acusando mesmo de enganação e ilusão qualquer tentativa de levar o raciocínio das ciências abstratas de quantidade e número para os fatos concretos.
11 HUmE, David. Ob. Cit., pp. 141-157.
12 HUmE, David. Ob. Cit., p. 204.
13 HUmE, David. Ob. Cit., p. 203.
38FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
e o direito?
Acreditar na verdade como produto de uma experiência empírica implica admitir que também é o direito produto de uma experiência empírica, fruto, portanto, de um fato fundante. Essa concepção em-pírica do direito é corrente na common law e da origem ao chamado realismo jurídico.
bibliOGrafia
Obrigatória
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. (Parte I – Capítulo VIII. Do Conhecimento Quanto a Origem).
complementar
CUNHA, José Ricardo. Modernidade e Ciência: algumas posições epistemológi-cas. In: Direito, Estado e sociedade – Revista do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, n. 16, jan/jul 2000.
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
39FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 8. Formalismo JUrÍdiCo e realismo JUrÍdiCo
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Formalismo e Realismo Jurídico.
ObjetivOs da aUla
Apresentar como Inatismo e Empirismo influenciaram as principais matrizes epistemológicas do direito.
prepare-se para a aUla
É necessário recordar que razão e experiência foram elevadas às categorias centrais do conhecimento na modernidade. Portanto, todas as áreas do saber passaram a se-guir uma ou outra matriz. Vejamos, novamente, o esquema apresentado na aula 6:
raCionalismo empirismoFundamentado numa razão inata Fundamentado na percepção dos sentidosOpera dedutivamente Opera indutivamente
Alcança o mundo externo por meio de uma inferência (representação) lógica
Alcança o mundo externo por meio de uma experiência possibilitada pela percepção sensível e por uma operação mental
No direito, o racionalismo influenciou tanto o jusnaturalismo do século XVIII, mas, sobretudo, o formalismo positivista do século XX. Já o empirismo está na base dos realismos jurídicos.
fOrmalismO jUrídicO
Luiz Alberto Warat apresenta alguns postulados que podem ser úteis na compreensão do formalismo jurídico. Prepare-se para o debate refletindo sobre tais postulados:
1. A única fonte do direito é a Lei;2. As normas positivas constituem um universo significativo auto-suficiente do
qual se pode inferir , por atos de derivação racional, soluções para todos os tipos de conflitos jurídicos;
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Luiz Alberto Warat apresenta alguns postulados que
podem ser úteis na compreensão do formalismo jurídico:
1) A única fonte do direito é a Lei;
2) As normas positivas constituem um universo significativo auto-
suficiente, do qual se pode inferir , por atos de derivação racional, soluções para todos
os tipos de conflitos jurídicos;
3) Os códigos não deixam nenhum arbítrio ao intérprete. Esse
não faz o direito porque já o encontra realizado;
4) As determinações metajurídicas não tem valor jurídico,
devendo-se encontrar todas as soluções dentro do próprio sistema jurídico;
FUNDAMENTO NO
PRINCÍPIO DA RACIONALIDADE
DIREITO POSITIVO COERENTE
Método de abstração conceitual que confere plenitude de sentido às prescriçõesnormativas.
Ordenamento jurídico preciso e completo.
FUNDAMENTO NA LEI
Procedimentos de decidibilidade que subsumem o valor justiça ao valor segurança,materializado no conceito de legalidade.
40FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
3. Os códigos não deixam nenhum arbítrio ao intérprete. Esse não faz o direito porque já o encontra realizado;
4. As determinações metajurídicas não têm valor jurídico, devendo-se encon-trar todas as soluções dentro do próprio sistema jurídico;
5. A linguagem jurídica é formal e, portanto, precisa: possui um unívoco senti-do dispositivo;
6. O juiz é neutro;7. A Ciência Jurídica deve estudar, sem formular juízos valorativos, o direito
positivo vigente.
realismO jUrídicO
Novamente Luiz Alberto Warat apresenta alguns postulados que podem ser úteis na compreensão do realismo jurídico. Continue sua preparação refletindo sobre os novos postulados:
1. A ordem jurídica não oferece segurança. As leis não solucionam todos os casos concretos;
2. As normas jurídicas e os conceitos dogmáticos constituem um conjunto de afirmações metafísicas;
3. A linguagem jurídica não é hermética nem auto-suficiente. O sentido das normas dependerá do uso que os juízes dêem as mesmas; Não há significados abstratos claramente definíveis;
4. A Ciência do direito constrói-se elaborando teses sobre os comportamentos judiciários. Os conceitos teóricos devem ter base empírica, razão porque só possuem valor se refletem as condutas judiciais e as conseqüências sociais das relações jurídicas.
e o direito?
Quais seriam os principais problemas possíveis resultantes dessas matrizesepistemológicas?
bibliOGrafia
Obrigatória
TEIXEIRA, Antonio Braz. Sentido e valor do direito: introdução à filosofia jurídi-ca. Lisboa: Casa da Moeda, 2000. (Parte I. Ontologia do Direito. Capítulo I. Perspectivas contemporâneas da ontologia jurídica – Seções 17, 18, 19 e 20).
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então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
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EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
complementar
WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito I: interpretação da lei, temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994. (Capítu-lo 4: Formalismo, Realismo e Interpretação da Lei).
42FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 9. CritiCismo: Kant
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A síntese crítica de inatismo e empirismo.
ObjetivOs da aUla
Apresentar a síntese crítica entre inatismo e empirismo como formulada no pen-samento kantiano.
prepare-se para a aUla
Para desenvolver plenamente seus estudos, sem dar margens a nenhum tipo de inconsistência, Kant se propôs um saber críti-co. Daí sua filosofia também ser conhecida como criticismo, que consiste no exame de valor que se pode fazer sobre uma teoria, uma conduta ou uma experiência, a fim de buscar suas condições de possibilidade, de validade e os seus limites. Podemos afirmar que o criticismo surge do movimento realizado por Kant dian-te daquilo que considera como dois erros, a saber: a) o erro do
dogmatismo racionalista, que confia cegamente na razão, caindo, por isso mesmo, numa metafísica ilusória; b) o erro do empirismo, que reduz tudo à mera experiên-cia subjetiva, caindo, por isso mesmo, num ceticismo quanto ao conhecimento e a verdade. Dessa forma, o criticismo kantiano irá buscar as verdadeiras bases para um uso correto da razão, investigando o que ela pode e o que ela não pode, em outras palavras, suas possibilidades e limites. É por isso que comumente se fala sobre o “tri-bunal da razão” na filosofia kantiana, onde a razão ocupa, curiosamente, um duplo papel: de juiz e de réu, ou seja, ela está sendo julgada por ela mesma. É a razão que se submete às suas próprias leis. Assim, a razão crítica é aquela da qual nada escapa a um minucioso exame; até mesmo seu agente e operador é visto e analisado por ela, para que nada fique à mercê de respostas dogmáticas e sem fundamento racional. O conhecimento como ciência é, exatamente, esse que é submetido ao império da razão para se apresentar de forma verdadeira e sistemática, segundo as características de um sujeito autônomo, posto que também submetido à razão. A razão crítica é, antes de tudo, a razão que se critica a si mesma, impedindo seus delírios megaloma-níacos e reconhecendo, humildemente, suas possibilidades:
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AULA 9. CRITICISMO: KANT
NOTA AO PROFESSOR
Tema da aula
A síntese crítica de inatismo e empirismo.
Objetivos da aula
Apresentar a síntese crítica entre inatismo e empirismo como formulada no
pensamento kantiano.
DESENVOLVIMENTO
Para desenvolver plenamente seus estudos, sem dar margens a
nenhum tipo de inconsistência, Kant se propôs um saber crítico. Daí
sua filosofia também ser conhecida como criticismo, que consiste no
exame de valor que se pode fazer sobre uma teoria, uma conduta
ou uma experiência, a fim de buscar suas condições de
possibilidade, de validade e os seus limites. Podemos afirmar que o
criticismo surge do movimento realizado por Kant diante daquilo que considera como
dois erros, a saber: a) o erro do dogmatismo racionalista que confia cegamente na
razão, caindo, por isso mesmo, numa metafísica ilusória; b) o erro do empirismo que
reduz tudo à mera experiência subjetiva, caindo, por isso mesmo, num ceticismo
quanto ao conhecimento e a verdade. Dessa forma, o criticismo kantiano irá buscar as
verdadeiras bases para um uso correto da razão, investigando o que ela pode e o que
ela não pode, em outras palavras, suas possibilidades e limites. É por isso que
comumente se fala sobre o “tribunal da razão” na filosofia kantiana, onde a razão
ocupa, curiosamente, um duplo papel: de juiz e de réu; ou seja, ela está sendo julgada
por ela mesma. É a razão que se submete às suas próprias leis. Assim, a razão crítica
é aquela da qual nada escapa a um minucioso exame; até mesmo seu agente e
operador é visto e analisado por ela, para que nada fique à mercê de respostas
43FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
“Em todos os seus empreendimentos a razão tem que se submeter à crítica, e não pode limitar a liberdade da mesma por uma proibição sem que isto a prejudique e lhe acarrete uma suspeita desvantajosa. No que tange à sua utilidade, nada é tão importante nem tão sagrado que lhe seja permitido esquivar-se a esta inspeção atenta e examinadora que desconhece qualquer respeito pela pessoa. Sobre esta liberdade repousa até a existência da razão; o veredicto desta última, longe de possuir uma autoridade ditatorial, consiste sempre em nada mais do que no consenso de cidadãos livres dos quais cada um tem que poder externar, sem constrangimento algum, suas objeções e até seu veto.”14
A forma como Kant responde os problemas colocados à teoria do conhecimento pelas correntes racionalista e empirista ficou conhecida como uma espécie de re-volução copernicana. Copérnico já havia demonstrado que o universo é infinito e, por isso mesmo, a Terra não poderia ser o centro do cosmo e que o Sol não é um planeta, mas uma estrela, sendo a Terra que gira ao seu redor, e não o contrário, como acreditavam os antigos e medievais. Para Kant, racionalistas e empiristas es-tavam buscando um centro falso e inexistente, quando afirmavam ser a realidade racional em si mesma e, assim, inteligível. Dessa maneira, “colocaram a realidade exterior ou os objetos do conhecimento no centro e fizeram a razão, ou o sujeito do conhecimento, girar em torno deles”15. É aí que surge a revolução proposta por Kant, quando este afirma que é o sujeito de conhecimento – razão crítica – que deve ser o centro do conhecimento e não o contrário:
“Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori so-bre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que se deve estabelecer sobre os mesmos antes de nos serem dados.”16
Assim sendo, todo o processo de produção do conhecimento, a partir de Kant, passa a ser visto como o resultado da relação entre sujeito cognoscente e objeto cog-noscível, onde existe uma sobreposição do primeiro em relação ao segundo, quer dizer, da razão em relação à realidade, uma vez que é aquela que legisla sobre esta ao instituí-la como objeto para sua cognição, para seu conhecimento. Em outras palavras, cabe ao sujeito o papel de instituir seus objetos cognitivos para afirmar-se como hegemonia da razão sobre o real. Como podemos ver, a teoria do conheci-mento de Kant não é exatamente um discurso científico, mas um discurso sobre a ciência, sobre como é possível produzir conhecimentos ditos científicos e, por isso, com pretensão de universalidade e precisão. No prefácio da Crítica da Razão Pura, diz ser esta “um tratado do método e não um sistema da ciência mesma; não obstante traça como que todo o seu contorno, tendo em vista tanto os seus limites como também toda a sua estrutura interna.”17 Temos, assim, que o conhecimento
14 KanT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. são paulo: abril Cultural, 1980, p. 363.
15 CHaUÍ, marilena. Convite à Filosofia. são paulo: atica, 1994, p. 77.
16 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 12.
17 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 14.
44FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
científico se opera na forma de uma relação entre sujeito e objeto, conforme as características e determinações próprias do sujeito racional, que é o fundamento último do próprio conhecimento. No entanto, já sabemos que este sujeito cognos-cente é tomado criticamente, ou seja, reconhecido nos seus limites como limites da própria razão. Este reconhecimento dos limites da razão implica numa crítica kan-tiana ao dogmatismo do racionalismo antigo, medieval e moderno, que pretendia desvendar metafisicamente os atributos ontológicos da natureza primeira do ente, o númeo, ou seja, a coisa em si. Esta, não pode ser conhecida, mas apenas a maneira como se apresenta ao homem. Em outras palavras, não se conhece racionalmente o númeno, mas pode-se conhecer o fenômeno, que significa a maneira pela qual um ente faz-se conhecer, não o ente em si, pois este é incognoscível, mas sim a forma de sua apresentação.18 O númeno é a coisa em si; este não pode ser conhecido cien-tificamente. O fenômeno é a coisa na maneira como se apresenta ao sujeito; este pode ser conhecido cientificamente. Portanto, somente há conhecimento científico quando o objeto de conhecimento é tomado na sua dimensão fenomênica, ou seja, o objeto cognoscível é sempre um fenômeno.
Quando se debruça sobre o problema do conhecimento, Kant não se preocupa em descobrir se é possível a construção de um saber de base universal, tido como científico, vez que as ciências da natureza já estavam constituídas como um fato, ou seja, já existia o conhecimento universal, científico. Sua questão era, então, saber como eram possíveis tais ciências. Rapidamente, a resposta dada por Kant foi a se-guinte: o que torna possível o conhecimento científico são os juízos sintéticos a priori. O que remete a outra questão: como é possível um juízo sintético a priori?Poisbem,sabendo que o centro do conhecimento é o sujeito cognoscente, a resposta somente poderia resultar da análise da faculdade de conhecer do sujeito, o que é feito na Cri-tica da Razão Pura. Partindo dos aportes oferecidos tanto por empirismo como por racionalismo, Kant observa e distingue duas formas de conhecimento: 1) o empírico ou a posteriori, sendo o que resulta de nossas experiências sensíveis; e 2) o puro ou a priori, sendo o que independe de nossas experiências sensíveis. Temos, destarte, que o conhecimento empírico, embora seja concreto e enriquecido pelo dado real dos sentidos ou de nossa experiência pessoal, não pode ser tomado de maneira universal ou necessária, o que já se torna possível no caso do conhecimento puro, tal qual ocorre nas proposições da matemática.19 Por outro lado, Kant distingue dois tipos de juízo: 1) o analítico, sendo aquele cujo predicado já está contido no sujeito; e 2) o sintético, sendo aquele que o conceito admitido no predicado representa uma informação nova em relação ao sujeito. Vejamos que os juízos analíticos são sempre universais e necessários, válido em qualquer tempo ou lugar, exatamente como deve ser o conhecimento científico. Entretanto, estes não fazem o conhecimento em nada avançar, já que aquilo que informam do sujeito já estava contido na própria idéia do sujeito, sendo sabido por todos.20 Tomemos, como exemplo, o juízo a porta abre e fecha. Ora, embora esta seja uma proposição universal, todos sabem que porta abre e fecha, pois, caso contrário, não seria porta. Agora, vejamos o juízo a porta está aberta. Esta proposição realmente acrescenta um dado novo sobre o sujeito que não era conhecido anteriormente, fazendo o conhecimento avançar. Contudo, este
18 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 39.
19 KanT, Immanuel. Ob. Cit., pp. 24-26.
20 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 27.
45FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
conhecimento somente pode ser considerado válido para aquele sujeito especifica-mente, não podendo se dizer por que esta porta está aberta, que todas as portas do mundo estão abertas. Dessa forma, o juízo porta abre e fecha é analítico, tal qual o juízo o triângulo têm três lados ou todos os corpos são extensos; já o juízo a porta está aberta é sintético, tal qual todos os corpos se movimentam.
Acontece que, isoladamente, estes conceitos ainda não respondem ao problema do conhecimento científico, pois os juízos sintéticos são empíricos e fazem avançar o conhecimento, mas não são universais e necessários, não servido, portanto, para explicar o funcionamento das ciências. Já o conhecimento a priori é universal e ne-cessário, mas apenas traduz juízos analíticos, onde não se revela nenhuma novidade sobre o sujeito, de forma que não faz avançar o conhecimento e, também, não serve para explicar o funcionamento das ciências. A resposta está numa categoria empíri-ca, onde o predicado não esteja contido no sujeito mas que, ao mesmo tempo, seja universal e necessária: trata-se do juízo sintético a priori.21 Somente os juízos sintéti-cos fazem a ciência avançar, na medida em que acrescentam uma informação sobre o sujeito; contudo, é necessário, para que haja ciência, que a informação não se restrinja a uma única observação específica de um fenômeno, mas possa ser tomada como atributo universal e necessário de dado objeto cognoscível.
Os juízos sintéticos a priori representam o conhecimento científico porque são universais e crescentes, ao mesmo tempo:
“Ora, se os juízos analíticos trazem em si a universalidade e são, por isso, sempre a priori, e se os juízos sintéticos da experiência oferecem somente a possibilidade do crescimento do conhecimento – dado que naqueles o conhecimento é universal, mas não avança, e nestes o conhecimento é crescente, mas não universal – é preciso que existam juízos sintéticos a priori que tenham as duas características, já que sem eles não seria possível a física pura, nem a matemática, as quais, entretanto, são um fato. O juízo ‘todo acontecimento tem uma causa’ é um juízo sintético a priori. É a priori porque vale universalmente, de modo necessário, não provindo pois da expe-riência; é sintético porque no conceito acontecimento não está contido o conceito de causa.”22
Ainda o conceito de juízo sintético a priori revela a hipótese central da filosofia kantiana da ciência: o conhecimento começa com a experiência, mas não surge todo ele da experiência, já que é universal e necessário. Kant faz uma espécie de síntese entre postulados do racionalismo e do empirismo, propondo o conhecimento na forma do resultado de um processo complexo que parte dos dados empíricos forne-cidos pela intuição sensível processando-os na forma transcendental das categorias do entendimento, através de um esquematismo transcendental, que promove a síntese do próprio conhecimento.
Assim descreve Kant:
“Denominamos sensibilidade a receptividade de nossa mente receber representa-ções na medida em que é afetada de algum modo; em contrapartida, denominamos
21 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 28.
22 salGaDO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: Edi-tora UFmG, 1995, p. 87.
46FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
entendimento ou espontaneidade do conhecimento a faculdade do próprio entendi-mento produzir representações. A nossa natureza é constituída de um tal modo que a intuição não pode ser senão sensível, isto é, contém somente o modo como somos afetados por objetos. Frente a isto, o entendimento é a faculdade de pensar o objeto da intuição sensível. Nenhuma destas propriedades deve ser preferida à outra. Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são cegas. Portanto, tanto é necessário tornar os conceitos sensíveis (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) quanto tornar as suas intuições compreensíveis (isto é, pô-las sob conceitos). Estas duas faculdades ou capacidades também não podem trocar as suas funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada pensar. O conheci-mento só pode surgir da sua reunião.”23
Como diz Kant, o conhecimento resulta da reunião das faculdades da sensibili-dade – intuição sensível – e do entendimento. Pela primeira, entramos em contato com o mundo e, pela segunda, pensamos este mesmo mundo. O conhecimento não é, pois, um momento estático dos sentidos ou da razão, mas, antes, um processo com-plexo que opera através de sínteses que conduzem a diversidade dos dados empíricos à unidade das categorias do entendimento, na forma do sujeito de conhecimento, sujeito transcendental.
Dessa forma, o juízo sintético a priori, que caracteriza o conhecimento concreto e universal das ciências, resulta, como dito anteriormente, desse complexo processo de sínteses que acolhe a multiplicidade de percepções dos sentidos e as eleva à forma de conceitos inteligíveis e universais. No entanto, todas as sínteses tem como centro o sujeito cognoscente que institui, à sua escolha, os objetos de sua investigação, a fim de pensá-los racionalmente. De efeito, o ato de pensar, para Kant, é sempre uma postura racional que impõe à realidade bruta as regras ou leis que a torna inteligível. Por isso se dizer que na filosofia kantiana é a razão que legisla, ou seja, que fornece as condições últimas de possibilidade do conhecimento ou da verdade, sendo, por isso, a mais alta faculdade do conhecimento.24 Assim, o sujeito racional é a própria unidade do conhecimento na forma do eu penso, ou, como diz Kant, é a unidade racional transcendental.25
Não resta dúvida que a epistemologia kantiana radicaliza a aventura moderna do empreendimento científico ao lançar as bases mais sistemáticas e sólidas de uma nova fundamentação da verdade, tomada como verdade epistemológica. Embora o tribunal da razão tenha limitado a arrogância da razão onipotente da metafísica dogmática, ele elevou ao mais alto pedestal a glória da razão teorética ou científi-ca, como último reduto da verdade mesma. Essa perspectiva racionalista kantiana serviu de base para a sustentação de uma sociedade que busca a legitimação de suas instituições e do comportamento de seus agentes em postulados racionalistas. Mo-dernizar passou a significar racionalizar e racionalizar passou a significar estar mais perto da verdade e da liberdade intelectual. Contudo, ocorre que o racionalismo kantiano foi convertido em racionalidade instrumental, ou seja, meio eficaz para a consecução de um fim qualquer. Muito rapidamente, os meios se autonomizaram
23 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 74.
24 salGaDO, Joaquim Carlos. Ob. Cit., p. 129.
25 KanT, Immanuel. Ob. Cit., p. 85.
47FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
em relação aos fins, degenerando na forma de certas condutas consideradas mera-mente técnicas, isoladas de fundamentos éticos. Mesmo a moral foi transformada em moralismo, como instrumento de dominação de certos grupos sociais. Esse pro-cesso de embrutecimento da racionalidade científica e de autonomização da ciência em relação ao mundo da vida, que retirou de boa parte dos cientistas a sensibilidade social e os fundamentos éticos da busca da verdade, atingiu seu ápice com a hege-monia absoluta do positivismo, a partir do século XIX, que acabou por determinar o modo de produção do conhecimento em todas as áreas do saber.
e o direito?
Acreditar na verdade como produto de uma síntese entre enten-dimento e sensibilidade admitir que também o direito é produto de tal síntese, sendo, pois, constituído concomitantemente por fatos concretos e proposições abstratas que interagem reciprocamente.
Para a aula, pesquise a chamada dialética de integração-po-laridade na Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e comente sua relação com o criticismo kantiano.
bibliOGrafia
Obrigatória
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. (Parte I. Capítulo VIII. Do Conhecimento Quanto a Origem).
complementar
CUNHA, José Ricardo. Modernidade e Ciência: algumas posições epistemoló-gicas. Direito, Estado e Sociedade – Revista do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, n. 16, jan/jul 2000.
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então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
48FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 10. o positiVismo: Comte
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
O positivismo filosófico.
ObjetivOs da aUla
Apresentar o positivismo filosófico conforme desenvolvido por Augusto Comte.
prepare-se para a aUla
A força filosófica de maior influência na modernidade foi, sem dúvida, o positivismo. O seu maior formulador, Augusto Comte, afirmou a filosofia como uma espécie de denominador comum de todo tipo de conhecimento, teórico ou prático, dando a ela também um papel político para a manutenção da ordem. Isso quer dizer que, por um lado, o positivismo se apresenta como uma teoria do conhecimento capaz de apreender e desvendar a ordem natural dos acontecimentos histórico, descobrindo leis ge-
rais válidas para todos os indivíduos e todas as sociedades, supondo uma evolução intrínseca na base dessa ordem natural; por outro lado, o positivismo se apresenta como uma coordenação das ações políticas necessárias para a manutenção dessa or-dem que traz o desenvolvimento e para uma eventual correção de possíveis desvios. Nesse sentido, o positivismo pode ser considerado como uma espécie de filosofia das filosofias, pois fornece a regra geral de entendimento e interpretação de todos os acontecimentos históricos, ao mesmo tempo em que delimita os campos de in-tervenção da ação humana e fornece as regras de como fazê-la. Para tanto, se opõe a qualquer tipo de saber que não esteja amparado em condições reais, demonstráveis e históricas de fundamentação, negando qualquer ontologia absoluta e transcendente que não surja da história e não se afirme nela. No lugar dessa ontologia de caráter metafísico, o positivismo, embalado pelo otimismo moderno, apresenta a ciência como verdadeira redentora e realizadora da promessa do conhecimento e do pro-gresso. Comte acredita ter encontrado a filosofia natural a que Bacon tanto se referia sem, contudo, ter descoberto suas verdadeiras regras de funcionamento. Observar e descobrir o funcionamento da natureza é o ponto de partida para uma ação racional sobre a própria natureza que assegure ao homem um lugar privilegiado no mundo, isto é, um lugar de domínio que propicie uma natural evolução. Portanto, a filosofia
99
AULA 10. O POSITIVISMO: COMTE
NOTA AO PROFESSOR
Tema da aula
O positivismo filosófico.
Objetivos da aula
Apresentar o positivismo filosófico conforme desenvolvido por Augusto Comte.
DESENVOLVIMENTO
A força filosófica de maior influência na modernidade foi, sem dúvida, o positivismo. O
seu maior formulador, Augusto Comte, afirmou a filosofia como uma espécie de
denominador comum de todo tipo de conhecimento, teórico ou
prático, dando a ela também um papel político para a
manutenção da ordem. Isso quer dizer que, por um lado, o
positivismo se apresenta como uma teoria do conhecimento
capaz de apreender e desvendar a ordem natural dos
acontecimentos histórico, descobrindo leis gerais válidas para
todos os indivíduos e todas as sociedades, supondo uma
evolução intrínseca na base dessa ordem natural; por outro lado,
o positivismo se apresenta como uma coordenação das ações políticas necessárias
para a manutenção dessa ordem, que traz o desenvolvimento, e para uma eventual
correção de possíveis desvios. Nesse sentido, o positivismo pode ser considerado
como uma espécie de filosofia das filosofias, pois fornece a regra geral de
entendimento e interpretação de todos os acontecimentos históricos ao mesmo tempo
em que delimita os campos de intervenção da ação humana e fornece as regras de
como fazê-la. Para tanto, se opõe a qualquer tipo de saber que não esteja amparado
em condições reais, demonstráveis e históricas de fundamentação, negando qualquer
ontologia absoluta e transcendente que não surja da história e não se afirme nela. No
49FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
positivista de Comte concede à ciência lugar de fundamental destaque, na medida em que a ela cabe fornecer o conhecimento do mundo e o plano de ação adequado ao seu manejo. Eis a síntese da perspectiva cientificista da filosofia positivista: ver para prever e prever para controlar. Afirma Comte:
“Sem dúvida, ao tomar o conjunto completo de toda sorte de trabalhos da es-pécie humana, deve-se conceber o estudo da natureza, destinando-se a fornecer a verdadeira base racional da ação do homem sobre ela. O conhecimento das leis dos fenômenos, cujo resultado constante é fazer com que sejam previstos por nós, evi-dentemente pode nos conduzir, de modo exclusivo, na vida ativa, a modificar um fenômeno por outro, tudo isso em nosso proveito... Todas as vezes que chegamos a exercer uma grande ação, é somente porque o conhecimento das leis naturais nos permite introduzir, entre as circunstâncias determinadas sob a influência das quais se realizam os diversos fenômenos, alguns elementos modificadores que, em que pese sua própria fraqueza, bastam, em certos casos, para fazer reverter, em nosso proveito, os resultados definitivos do conjunto das causas exteriores.”26
Apesar dessa apresentação dos postulados e das pretensões do positivismo, ainda é necessário um esforço de definição. Usemos o seguinte conceito: positivismo é a doutrina que afirma o real em detrimento do transcendente absoluto. É uma doutrina porque é um conhecimento organizado a partir de um corpo teórico próprio e definido. A substância dessa doutrina filosófica é o paradoxo entre o real e o trans-cendente, onde o primeiro deve ser entendido como uma exterioridade observável e o segundo como a própria metafísica. Assim, o positivismo rejeita a cientificidade, ou seja, o caráter de verdade, de qualquer explicação baseada em argumentos me-tafísicos, rejeitando, por conseguinte, todas as idéias totalizantes e que não estejam fundamentadas no observável. Portanto, apenas no plano do real fenomênico é possível praticar a ciência e descobrir a verdade. Deve-se ter em conta que não basta a pura observação, o fenômeno observado deverá ser racionalizado para que possa ser apresentado na forma de enunciados, prognósticos e prescrições.
Considerando a realidade como uma exterioridade observável, Comte entende que os fenômenos podem ser vistos, previstos e subsumidos por uma lei geral de funcionamento, de modo a ser controlado ou, pelo menos, passível de controle pela razão humana. Por isso mesmo, estrutura sua filosofia positivista em três momen-tos fundamentais: uma filosofia da história (momento filosófico), uma teoria ou classificação das ciências (momento epistemológico) e uma reforma das instituições políticas e morais (momento sociológico). Todos estes momentos devem ser sub-metidos à Lei Fundamental do Progresso do Espírito Humano, consubstanciada na evolução dos três estados que marcaram a existência dos homens: estado teológico, estado metafísico e estado positivo, sendo este último a grande expressão da natu-reza e cultura humanas:
“No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas inves-tigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os
26 COmTE, augusto. Curso de Fi-losofia Positiva. são paulo: abril Cultural, 1983, p. 23.
50FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.
No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação ge-ral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verda-deiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos obser-vados, cuja explicação consiste, então, em determinara para cada um uma santidade correspondente.
Enfim, no estado positivo, o espírito humano reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em desco-brir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabe-lecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.”27
Em linhas gerais, pode-se afirmar que, no estado positivo, a crença (in)fundada em agentes sobrenaturais e forças abstratas, próprias dos estados teológico e me-tafísico, desaparece para dar lugar a uma nova crença: o poder da observação e da razão que, combinadas, formam a base da ciência. Note-se a influência de Hume e de Kant, conforme admite o próprio Comte, na descrença em torno de um ab-soluto ontológico ou mesmo na apropriação crítica da ciência, estabelecendo seus limites e possibilidades, ou, ainda como quer Kant, na compreensão da ciência como o resultado da articulação entre sentido e razão, com primazia normativa desta última, pois é ela que determina o significado dos dados empíricos absorvidos pelos sentidos. No estado positivo, é o conhecimento científico que determina a verdade e os seus meios de produção. Por isso, Comte afirma dois postulados epis-temológicos básicos: 1) a negação de uma unidade absoluta intrínseca à realidade; 2) a afirmação de uma relatividade histórica do conhecimento que está sempre em progresso e se liga a dadas situações sociais.28 Com base nesses postulados, afirma três regras metodológicas essenciais para a ciência: 1) A busca do conhecimento implica a delimitação de um objeto específico de conhecimento; 2) O objeto – fe-nômeno – deve ser estudado sistematicamente nas suas relações constantes de con-comitância e sucessão, até que se encontre sua lei geral de funcionamento; e 3) A descoberta científica da lei de funcionamento de um fenômeno, permite a previsão racional de seu comportamento, como forma de controle, segundo o dogma da invariabilidade das leis naturais.29 Assim, o positivismo produz uma filosofia da ciência que possui como fundamento a observação que, no entanto, pressupõe: 1) a possibilidade da objetividade do conhecimento; 2) uma organicidade própria dos fenômenos que são sustentados por funções naturalmente determinadas; e 3) uma harmonia intrínseca da realidade que decorre da organicidade dos fenômenos. Em
27 COmTE, augusto. Ob. Cit., p. 4.
28 COmTE, augusto. Discurso So-bre o Espírito Positivo. são paulo: abril Cultural, 1983, p. 63.
29 COmTE, augusto. Discurso Preliminar Sobre o Conjunto do Positivismo. são paulo: abril Cultural, 1983, pp. 108-110.
51FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
outras palavras, se tudo estiver em ordem, haverá o progresso, donde a crença que o progresso decorre da ordem. Para garantir a ordem que produz progresso, a ciência – com sua pluralidade de objetos e unidade metodológica – descobre as leis gerais imutáveis da estática (ordem) e da dinâmica (progresso).30 Segundo o positivismo, é exatamente isso que ocorre nas sociedades. Por isso a definição da sociologia como uma física social que investiga o fenômeno social como um dado objetivo e natural, chegando às suas leis gerais imutáveis. No lugar da democracia, considerada por Comte como sendo anarquista, e da aristocracia, considerada por ele reacionária, propõe uma sociocracia fundada no conhecimento científico da sociedade e, por isso, capaz de conduzir o espírito humano numa trajetória moral evoluída e verda-deiramente livre. Para tanto, basta compreender que, consoante concepção positi-vista, toda sociedade é formada por uma estática social e por uma dinâmica social, sendo a primeira uma condição constante da sociedade que lhe garante a harmonia: ordem; e sendo a segunda o resultado de suas leis gerais de evolução que lhe garante o desenvolvimento: progresso. Nesse sentido, para uma boa existência da sociedade e sua respectiva evolução, bastaria a implantação de um Estado sociocrata interven-cionista que garantisse o funcionamento dos órgão sociais, assegurando a vitalidade do organismo e evitando as disfunções socialmente patológicas que pudessem ou impedir o progresso. Essa acepção positivista, que torna a política dependente da ciência, também produz a idéia de que a política pode ser vista como uma técnica de arranjo social, ocultando a questão fundamental das correlações de força e de busca pelo poder, como se ciência e política fossem neutras, isentas de influências ideoló-gicas na busca e na realização de uma “verdade pura”. Michael Lövy explica como as ciências sociais foram tomadas por este modelo epistemológico, sendo conduzidas basicamente pelos seguintes princípios: 1) A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural; 2) A sociedade pode, portanto, ser epistemologica-mente assimilada pela natureza e ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza; 3) As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as prenoções ou preconceitos.31 Todos esses aspectos foram, de tal forma, enraizados na consciência epistemológica moderna que se expandiram por todas as formas de conhecimento, inclusive pelo direito.
e o direito?
De muitas formas o positivismo influenciou o direito. Todo o século XIX ,e a maior parte do século XX, foram hegemonizados por conceitos positivistas de direito. Isso é o que será aprofundado nas aulas seguintes.
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
30 COmTE, augusto. Ob. Cit., p. 113.
31 lÖWY, mchael. As Aventuras de Karl Marx Contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do co-nhecimento. são paulo: Cortez, 1994, p. 17.
52FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
bibliOGrafia
Obrigatória
VERDENAL, René. A Filosofia Positivista de Augusto Comte. In: CHÂTELET, François. História da filosofia. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
complementar
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. (Capítulo I. Principais Doutrinas da Fi-losofia do Direito – Seção VIII A modernidade: positivismo e formalismo).
53FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUla 11. modernidade e ideologia CientiFiCista
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
Delimitações para a modernidade.
ObjetivOs da aUla
Introduzir o problema da modernidade no contexto do marco epistemológico a partir da influência do positivismo.
prepare-se para a aUla
Embora não seja pouco comum o recurso ao conceito de modernidade para explicar ou mesmo adjetivar certas situações ou fenômenos, ainda não existem con-sensos sólidos quanto ao significado da palavra. De um ponto de vista mais acadê-mico, há muita diversidade quanto à definição do que seja moderno ou moderni-dade, sem embargo de certos elementos de análise que são comuns ao tema.32 De um ponto de vista do senso comum, o moderno costuma se ligar ao conceito de “modernização” (modernizar ou modernizado) que, por sua vez, se articula com a idéia de eficiência, traduzindo uma intuição de que o moderno ou modernizado é melhor do que aquilo que lhe antecedia. É assim, por exemplo, quando se fala em modernizar o Estado ou modernizar uma empresa. Passa-se a idéia de que o Estado terá uma administração mais eficiente e a empresa uma produção mais eficiente. Por si só, isso já oferece uma noção da força da modernidade que, como qualquer outra história, é sempre contada pelos vencedores. Trata-se, evidentemente, de um conceito profundamente ideologizado.
Buscando marcos para delimitar o período moderno, a historiografia costuma apontar alguns acontecimentos históricos considerados como verdadeiras balizas. Os fatos mais citados são a Reforma Protestante, a Revolução Industrial e a Revolu-ção Francesa. Uma reforma e duas revoluções, conforme os nomes já consagrados, evidenciam que a modernidade surge de uma profunda vocação para a ruptura e a mudança. A Reforma Protestante rompe com o tradicional monopólio da Igreja Católica na formulação da doutrina cristã e institui uma nova relação entre os ho-mens e Deus, manifestando a implicação teológica da modernidade. A Revolução Industrial rompe com a base produtiva do feudalismo e institui uma nova relação entre produção e comércio, manifestando a implicação econômica da moderni-dade. A Revolução Francesa rompe com a estrutura estamental do Ancien Régime e institui uma nova relação entre Estado e sociedade civil, manifestando a impli-cação política da modernidade. Portanto, falar de modernidade é falar também
32 Cf. TORaInE, alain. Crítica da Modernidade. petrópolis: Vozes, 1994; BaUman, Zygmunt. Mo-dernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999; GIDDEns, anthony. As Consequências da Modernida-de. são paulo: Unesp, 1991; BERman, marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. são paulo: Cia das letras, 1986; HaBERmas, Jürgen. O Discur-so Filosófico da Modernidade. lisboa: Dom Quixote, 1990; CasTORIaDIs, Cornelius. As En-cruzilhadas do Labirinto I. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1987; san-TOs, Boaventura de souza. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. são paulo: Cortez, 1997; ROUanET, sergio paulo. Mal-estar na Moderni-dade. são paulo: Cia das letras, 1993. para uma instigante visão psicanalítica da modernidade cf. plasTInO, Carlos alberto. O Primado da Afetividade: a crítica freudiana ao paradigma mo-derno. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
54FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
e a um só tempo de teologia, economia e política, como conceitos que lhe são fundamentais.
No entanto, Hannah Arendt33, ao analisar a era moderna, aponta outros dois fatos que considera determinantes: a des-coberta da América e a invenção do telescópio. O primeiro encarna, em teoria, aquele otimismo cultural próprio da mo-dernidade, agora desnudado sob a forma de um violento eu-rocentrismo que buscou subjugar o Novo Mundo imaginando poder reconstruir o paraíso terreno sem cometer os mesmos erros já praticados no Velho Mundo. Entre o sonho de Co-
lombo e a realidade da colonização/invasão, muitas vidas se perderam no quetalvez tenha sido o maior genocídio da humanidade. O outro fato apontado por Hannah Arendt, a invenção do telescópio, é sim o ícone maior e principal fundamento da modernidade. Evidentemente, não se trata da invenção do telescópio isoladamente, mas do seu desenvolvimento por Galileu Galilei e de todas as grandes transforma-ções que se sucederam a partir daí. Dessa maneira, o telescópio é tomado como a grande metáfora do pensamento que realmente revolucionou a tessitura ontológica da sociedade ocidental a partir do século XVII: a ciência.
Portanto, se a idéia de modernida-de está ligada às novas compreensões em torno de conceitos teológicos, po-líticos e econômicos, é na categoria de ciência/tecnologia que ela encontra seu mais alto padrão de definição, repre-sentação ou expressão. Evidentemente, toda essa euforia epistemológica só foi
possível graças às sucessivas rupturas que foram se produzindo, sobretudo a partir do século XVI, onde o humanismo renascentista produziu uma nova crença na importância e na centralidade do ser humano. Se o próprio mundo não é mais visto como um cosmo fechado, mas como um universo infinito, então o centro pode estar em qualquer lugar, inclusive em cada indivíduo. Em todas as áreas do conhecimento – economia, política, artes, medicina, geografia – o homem passa a ser reconhecido como um protagonista que vai, paulatinamente, saindo da condi-ção de “estar sujeito a” para situar-se na condição de “ser sujeito de”. Na verdade, trata-se do próprio conceito de sujeito que é reinventado para designar aquele que pratica a ação. Pratica a ação porque controla a ação, controla os fenômenos sociais e, inclusive, os naturais. Tudo isso é possível porque o homem se destaca não apenas como ser animal mas, sobretudo, como ser racional. É na racionalidade que reside o poder do sujeito que, uma vez “esclarecido”, pode se libertar de todas as amarras obscurantistas. Trata-se do próprio credo Iluminista, tão bem exposto por Kant:
“A ilustração é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele é o próprio responsável. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do entendimento sem a condução de um outro. O homem é o próprio culpado dessa menoridade quando
111
uma noção da força da modernidade que, como qualquer outra história, é sempre
contada pelos vencedores. Trata-se, evidentemente, de um conceito profundamente
ideologizado.
Buscando marcos para delimitar o período moderno, a historiografia costuma apontar
alguns acontecimentos históricos considerados como verdadeiras balizas. Os fatos
mais citados são a Reforma Protestante, a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa. Uma reforma e duas revoluções, conforme os nomes já consagrados,
evidenciam que a modernidade surge de uma profunda vocação para a ruptura e a
mudança. A Reforma Protestante rompe com o tradicional monopólio da Igreja
Católica na formulação da doutrina cristã e institui uma nova relação entre os homens
e Deus, manifestando a implicação teológica da modernidade. A Revolução Industrial
rompe com a base produtiva do feudalismo e institui uma nova relação entre produção
e comércio, manifestando a implicação econômica da modernidade. A Revolução
Francesa rompe com a estrutura estamental do Ancien Régime e institui uma nova
relação entre Estado e sociedade civil, manifestando a implicação política da
modernidade. Portanto, falar de modernidade é falar também e a um só tempo de
teologia, economia e política, como conceitos que lhe são fundamentais.
No entanto, Hannah Arendt75, ao analisar a era moderna, aponta
outros dois fatos que considera determinantes: a descoberta da
América e a invenção do telescópio. O primeiro encarna, em
teoria, aquele otimismo cultural próprio da modernidade, agora
desnudado sob a forma de um violento eurocentrismo que buscou
subjugar o Novo Mundo imaginando poder reconstruir o paraíso
terreno sem cometer os mesmos erros já praticados no Velho
Mundo. Entre o sonho de Colombo e a realidade da colonização/invasão, muitas vidas
se perderam no que talvez tenha sido o maior genocídio da humanidade. O outro fato
apontado por Hannah Arendt, a invenção do telescópio, é sim o ícone maior e principal
fundamento da modernidade. Evidentemente, não se trata da invenção do telescópio
isoladamente, mas do seu desenvolvimento por Galileu Galilei e de todas as grandes
transformações que se sucederam a partir daí. Dessa maneira, o telescópio é tomado
como a grande metáfora do pensamento que realmente revolucionou a tessitura
ontológica da sociedade ocidental a partir do século XVII: a ciência. Para
compreender melhor a questão, voltemos a Galileu e ao telescópio. É sabido que este
cientista sofreu duro processo inquisitório por parte dos Tribunais do Santo Ofício,
75 - ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 260.
112
linhas básicas de suas teorias se sustentavam na defesa da astronomia de Copérnico
que, anteriormente, já havia negado o geocentrismo. Então, por que tanta dureza no
tratamento com Galileu se o que ele afirmava (heliocentrismo x geocentrismo) já não
era assim tão original ? Porque coube a ele não apenas falar, mas também provarsuas teorias através do Telescópio. A partir de Galileu, a ciência passou a combinar
uma linguagem matemática, portanto exata e quantificadora, com experimentos que
pudessem demonstrar empiricamente suas teorias. É importante frisar este novo
fundamento epistemológico matematizado, para o qual o conhecer deve ser associado
ao quantificar, “negligenciando as qualidades intrínsecas dos objetos, substituídas por
quantidades, as quais podem, eventualmente, ser traduzidas.”76 Com efeito, houve um
radical deslocamento do lugar da verdade, que deixou de ser a religião para se instalar
na ciência. Dito de outra maneira, a verdade saiu da revelação e foi para a razão.
Portanto, se a idéia de
modernidade está ligada às
novas compreensões em torno
de conceitos teológicos,
políticos e econômicos, é na
categoria de ciência/tecnologia
que ela encontra seu mais alto
padrão de definição,
representação ou expressão. Evidentemente, toda essa euforia epistemológica só foi
possível graças às sucessivas rupturas que foram se produzindo, sobretudo a partir do
século XVI, onde o humanismo renascentista produziu uma nova crença na
importância e na centralidade do ser humano. Se o próprio mundo não é mais visto
como um cosmo fechado, mas como um universo infinito, então o centro pode estar
em qualquer lugar, inclusive em cada indivíduo. Em todas as áreas do conhecimento –
economia, política, artes, medicina, geografia – o homem passa a ser reconhecido
como um protagonista que vai, paulatinamente, saindo da condição de “estar sujeito a”
para situar-se na condição de “ser sujeito de”. Na verdade, trata-se do próprio conceito
de sujeito que é reinventado para designar aquele que pratica a ação. Pratica a ação
porque controla a ação, controla os fenômenos sociais e, inclusive, os naturais. Tudo
isso é possível porque o homem se destaca não apenas como ser animal mas,
sobretudo, como ser racional. É na racionalidade que reside o poder do sujeito que,
uma vez “esclarecido”, pode se libertar de todas as amarras obscurantistas. Trata-se
76 - PLASTINO, Carlos Alberto. O Primado da crítica freudiana ao paradigma moderno. Afetividade: a
33 aREnDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Foren-se Universitária, 1995, p. 260.
55FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
sua causa reside não na falta de entendimento, mas na falta de resolução e coragem para usá-lo sem a condução de um outro. Sapere aude! ‘Tenha coragem de usar seu próprio entendimento’ – esse é o lema da ilustração.”34
Com o poder da razão, o sujeito passa a ser entendido como aquele que pode conhecer e controlar a realidade mesma. A razão possibilita o cálculo e o discerni-mento, tornando o sujeito livre e capaz, tanto no campo da ciência (cálculo) como no campo da moral (discernimento). É a grande aspiração da autonomia que parece realizar-se. O sujeito autônomo é capaz de responder por si mesmo e conduzir sua vontade conforme seus interesses. Surge a figura do “sujeito de direito”, capaz para exercer direitos e deveres inerentes à sua natureza e posição social. Impulsionada por esse otimismo cultural, a modernidade começa a alicerçar as fundações de uma nova ordem. Se num primeiro momento foi caracterizado pelo seu poder revolu-cionário, neste segundo momento o pensamento moderno pode ser caracterizado por um profundo conservantismo. Conservar é garantir a ordem, a nova ordem, tomada como expressão maior das conquistas modernas. Na perspectiva da ordem moderna, a sociedade é vista como um conjunto de conhecimentos que, uma vez dominados pelo homem, garantem um caminho previsível e necessário aos acon-tecimentos. Trata-se de uma espécie de sociedade epistemológica que “naturaliza” a ordem social, controlando as ações humanas e fazendo com que os fenômenos so-ciais-históricos sejam analisados como fenômenos naturais. Alain Touraine enfatiza a dimensão ordenadora da ideologia modernista:
“Porque as sociedades onde se desenvolveram o espírito e as práticas da moder-nidade procuravam mais pôr em ordem que pôr em movimento: organização do comércio e das regras de câmbio, criação de uma administração pública e do Estado de direito, difusão do livro, crítica das tradições, das proibições e dos privilégios. É a razão, mais que o capital e o trabalho, que desempenha então o papel principal. Esses séculos são dominados pelos legistas, filósofos, escritores, todos homens do livro, e as ciências observam, classificam, ordenam para descobrir a ordem das coisas.”35
A metafísica da ordem não é apenas a base das ideologias políticas ou econômicas mais conhe-cidas, mas é o próprio fundamento da sociedade moderna, estando presente desde as atividades científicas ou técnicas até os modos de produção da cultura, difundindo-se por toda a vida social, buscando a idéia mais ampla de uma socieda-de racional, comandando também a forma de administrar os bens e as relações humanas. No-vamente, Alain Touraine explica como a razão
tornou-se a viga mestra de toda a atividade moderna, fazendo da racionalização o único princípio de organização da vida pessoal e coletiva: “Às vezes, ela (a moder-nidade) imaginou a sociedade como uma ordem, uma arquitetura baseada sobre
114
liberdade e da felicidade.79 Trata-se de uma concepção de bem estar que irá
perpassar toda a modernidade, especialmente os séculos XIX e XX, através de um
crescente e sofisticado processo de industrialização e juridicização. Numa ponta
(econômica), a produção ancorada em técnicas científicas produz em massa para
satisfazer, com custos reduzidos, as necessidades materiais da população; noutra
ponta (política), os indivíduos se crêem livres por estarem submetidos, apenas, ao
império da lei, onde o direito é apresentado como único instrumento legítimo de
mediação dos conflitos. Com efeito, a ordem social é, antes de mais nada, uma
ideologia de bem estar que promete conforto e segurança. Forma-se, assim, um
luminoso retrato modernista: a produção potencializada pela tecnologia numa
sociedade de indivíduos livres e iguais perante a lei. Essa fórmula esteve
identicamente presente nas duas principais ideologias modernas de emancipação dos
indivíduos: capitalismo e comunismo.80 Sem recair em análises quanto às suas
respectivas bifurcações internas e subtendências, é possível afirmar, em linhas gerais,
que tanto capitalismo como comunismo se ampararam na mesma promessa de
realização de liberdade, abundância e felicidade. O capitalismo pretendeu a liberdade
metaforizada na idéia de livre iniciativa, já o comunismo pretendeu a liberdade
metaforizada na idéia de igualdade universal. Quanto à abundância, esta esteve
presente no centro da corrida industrial travada pelas maiores potências capitalista e
comunista, apostando a primeira no livre mercado e a segunda no planejamento
econômico. Já a felicidade seria uma conseqüência inevitável da liberdade e da
abundância. Para a garantia da realização desta promessa, os dois sistemas (ou as
duas ideologias) adotaram distintos instrumentos estratégicos: no caso do capitalismo
caberia ao mercado garantir o sonho de liberdade, abundância e felicidade, já no caso
do comunismo o mesmo sonho deveria ser garantido pelo Estado.
A metafísica da ordem não é apenas a base das ideologias políticas ou econômicas
mais conhecidas, mas é o próprio fundamento da sociedade moderna, estando
presente desde as atividades científicas ou técnicas até os modos de produção da
cultura, difundindo-se por toda a vida social, buscando a idéia mais ampla de uma
sociedade racional, comandando também a forma de administrar os bens e as
relações humanas. Novamente, Alain Touraine
explica como a razão tornou-se a viga mestra de toda
a atividade moderna, fazendo da racionalização o
78 - TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 36. 79 - TOURAINE, Alain. Ob. Cit., p. 38. 80 - As expressões “capitalismo” e “comunismo” são aqui empregadas buscando uma conotação mais econômica do que política, reservando as expressões “liberalismo” e “socialismo” para uma designação mais acentuadamente política do que econômica. 34 KanT, Emanuel. O que é a
ilustração in WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. Vol. 2, são paulo: Ática, 1993, pp. 83-84.
35 TOURaInE, alain. Crítica da Modernidade. petrópolis: Vozes, 1994, p. 36.
56FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
o cálculo; às vezes ela fez da razão um instrumento ao serviço dos interesses e do prazer dos indivíduos; e às vezes, finalmente, ela a utilizou como uma arma crítica contra todos os poderes, para libertar uma ‘natureza humana’ que havia esmagado a autoridade religiosa.”36 Entretanto, ocorre que, muito rapidamente, a lógica da ordem transformou-se em ordem da lógica, e um certo logicismo passou a predo-minar na visão de mundo moderna que, se por um lado desencantou a sociedade do sagrado divino e da mão salvadora de Deus, por outro lado reencantou o mundo com um tipo de “sagrado profano” produzido pelas mãos salvadoras do homem. Essa espécie de divinização do homem é, na verdade, um tributo à deusa razão que foi adotada como fundamento da ordem da lógica. Hegel, certamente, ainda é um dos que melhor nos oferece uma boa compreensão do racionalismo típico da modernidade,quando nos debruçamos, no prefácio do livro Princípios da Filosofia do Direito, sobre sua famosa afirmação: “o que é racional é real e o que é real é racio-nal.”37 Nessa esteira de pensamento, toda ordem existente na sociedade só pode ser racional, já que somente a razão é capaz de consubstanciar-se na história, como o “eterno que é presente.”38 Eis que a razão se apresenta como consumadora de uma ordem historicamente irresistível.
e o direito?
Prepare-se para o debate estudando as formas possíveis de asso-ciação entre direito e ordem. Leve em consideração a importância da epistemologia positivista no âmbito da modernidade.
bibliOGrafia
Obrigatória
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994. (Primeira Parte – A Modernidade Triunfante: Capítulo 1 – As Luzes da Razão.)
complementar
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
PLASTINO, Carlos. O Primado da Afetividade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. (Capítulo 1. A Psicanálise e a Questão do Paradigma).
20
então o que lê diz “é falso”. Contudo, se o que ele diz é falso, então o que lê diz “é
verdadeiro”.
Claro que, na verdade, não há paradoxo, pois o fato de alguém ser mentiroso não quer
dizer que tudo que ele diz é mentira. Mas o problema aponta para o paradoxo real que
pode ser apresentado pela frase: Esta sentença é falsa. Se a sentença é falsa, então
ela é verdadeira, mas se for verdadeira, então ela é falsa. Pode-se desqualificar este
paradoxo dizendo-se ser ele sem sentido e autoreferenciado. Mas podemos dar uma
versão que não é auto-referente e tem pleno sentido gramatical:
A SENTENÇA SEGUINTE É FALSA
A SENTENÇA ANTERIOR É VERDADEIRA
Estamos diante de uma inconsistência lógica que vem sendo discutida e enfrentada há
muito tempo pela filosofia.1 Independente dos resultados a que se chegue, o fato é
que mesmo em relação à verdade, não há apenas várias correntes ou definições, mas
limites ontológicos e lógicos com os quais devemos conviver, a despeito da sensação
de insegurança que possa gerar em nós.
E O DIREITO? Como o problema da verdade se relaciona
com o Direito? A todo tempo somos confrontados com
expressões do tipo: “verdade dos fatos”, “verdade das
leis”, “verdade do processo” ou “verdade do intérprete”. É
possível falar-se em verdade ou seriam verdades? Como
lidar com os problemas de insegurança jurídica?
Aqui, deve-se apresentar aos alunos as categorias trabalhadas por autores como
Jerzy Wróblewski e Manuel Atienza: contexto da descoberta e contexto da justificação. No direito não basta a verdade pura e simples. Como fenômeno da
cultura o direito importa valores, sentido moral ou ético. Por isso, suas normas –
genéricas ou concretas – devem ser justificadas. O justo está para o campo cultural
como o verdadeiro está para o campo natural. No direito, verdadeiro e justo se
imbricam no campo ético.
1 - Para uma boa síntese cf. KIRKHAM, Richard L. Teorias da Verdade. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
CONTEXTODA
DESCOBERTA
Formas pelas quais chega-se à decisão.
36 TOURaInE, alain. Ob. Cit., p. 18.
37 HEGEl, Georg W. F. Princípios da Filosofia do Direito. lisboa: Guimarães Editores, 1990, p. 13.
38 HEGEl, Georg W. F. Ob. Cit., p. 14. para uma boa análise cf. VaZ, Henrique de lima. Escritos de Filosofia II: ética e cultura. são paulo: loyola, 1993, pp. 183-184.
57FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
aUlas 12 e 13. os positiVismos JUrÍdiCos e a CiÊnCia do direito
NOTA AO ALUNO
tema da aUla
A influência do positivismo na ciência moderna do direito.
ObjetivOs das aUlas
Apresentar as diferentes formas pelas quais o positivismo se apresenta no direito e na idéia de “ciência do direito”.
prepare-se para as aUlas
A ciência do direito, conforme as premissas positivistas, se enquadra exatamen-te nesse esquema, já que o próprio positivismo jurídico pode assim ser definido. Da mesma forma que o termo positivismo enseja confusões semânticas, a expressão positivismo jurídico também é sujeita a ambigüidades. A primeira delas resulta da sua contextualização no sistema jurídico. Para entender melhor: como é sabido, o direito ocidental estrutura-se na forma de duas grandes famílias, ou sistemas jurí-dicos: 1) o Sistema Romano-Germânico ou Civil Law; e o 2) Sistema da Common Law. O primeiro se desenvolveu na Europa continental e hoje está presente na maior parte do mundo, inclusive em alguns países orientais, como o Japão. Está baseado essencialmente nas normas legisladas, tendo tomado impulso maior através da técnica da codificação. O segundo desenvolveu-se na Inglaterra e está presente em boa parte dos países de língua inglesa. Está baseado nas decisões judiciais ou no reconhecimento das cortes de justiça dado aos costumes e princípios praticados na sociedade.39 Como foi dito, uma das ambigüidades do positivismo, no campo do direito, resulta de um vício intelectual de muitos juristas do sistema romano-ger-mânico, que tendem a confundir positivismo jurídico com legalismo. Donde muitos ao ouvirem a palavra positivismo, logo pensam em “aplicação exata da lei”. Não que esteja errada tal concepção, contudo, por ser reducionista, ela não explica correta-mente o conceito e os avatares do positivismo jurídico.
Com efeito, diante das ambigüidades do positivismo jurídico, e para uma me-lhor compreensão da idéia de ciência do direito – que se liga ao conceito de po-sitivismo – o melhor é refazer os passos percorridos na definição do positivismo. Assim, se positivismo é a doutrina que afirma o real em detrimento do transcendente absoluto,positivismo jurídico é a doutrina do direito que afirma a realidade jurídi-ca em detrimento do transcendente absoluto. Caracteriza-se, aqui, uma dicotomia inicial que é o cerne da abordagem positivista: a diferença entre um direito real e
39 Cf. DaVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contem-porâneo. são paulo: martins Fontes, 1996; lEaDER, sheldon. Common Law. In aRnaUD, an-dré-Jean. (Org.) Dicionário En-ciclopédico de Teoria e de Socio-logia da Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 104.
58FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
um direito ideal: “O direito, objeto da ciência jurídica, é aquele que efetivamente se manifesta na realidade histórico-social; o juspositivista estuda tal direito real sem se perguntar se além deste existe também um direito ideal (como aquele natural), sem examinar se o primeiro corresponde ou não ao segundo e, sobretudo, sem fazer depender a validade do direito real da sua correspondência com o direito i deal.”40 Nestes termos, a realidade jurídica corresponde ao “direito real”, enquanto o trans-cendente absoluto corresponde ao “direito ideal”. Antes de qualquer coisa, o positi-vismo jurídico é empirista e antimetafísico.41
Na definição proposta para positivismo jurídico – doutrina do direito que afirma a realidade jurídica em detrimento do transcendente absoluto – destacam-se, pois, os termos dicotômicos: realidade jurídica como direito real versus transcendente abso-luto como direito ideal. Este direito ideal é assim considerado num sentido moral, portanto, como um direito perfeito e, por isso, superior ao direito real. Na tradição jurídica, este direito eticamente superior é reconhecido como o direito natural, sen-do considerado pelos positivistas como questão filosófica, não podendo ser objeto do trabalho dos juristas “científicos”. Temos, assim, uma clara e sólida perspectiva do positivismo jurídico: trata-se, antes de mais nada, de uma doutrina antitética ao direito natural ou jusnaturalismo.
Determinado que a realidade jurídica corresponde a uma exterioridade obser-vável que deve ser objetivamente constatada, resta saber qual é, exatamente, esta realidade ou exterioridade, pois a sua explicação precisa também define o objeto de estudo da ciência do direito. Esse objeto deve ser isolado dos demais aspectos da realidade social e estudado profundamente para que possam ser conhecidas suas características intrínsecas, independentemente de influências externas. O que está em questão é a própria concepção do jurídico que deve conformar o campo do cientista do direito, tornando-o autônomo em relação ao filósofo, ao economista, ao sociólogo etc. Evidentemente, o jurídico deve ligar-se às normas do direito, seu funcionamento e sua aplicação, de tal maneira que revele uma lógica inerente ao direito que possa ser convertida pelo cientista em enunciados e prognósticos que conformem uma técnica jurídica aplicável pela prática do direito.
Essa busca pelo jurídico como objeto da ciência do direito rendeu muita po-lêmica entre os próprios positivistas, que nem sempre concordaram quanto à sua delimitação exata. A única resposta capaz de pacificar os ânimos e manter coerência doutrinária, foi a seguinte: o objeto de estudo da ciência do direito é o fenômeno ju-rídico. Apesar de vaga, a resposta se mantém firme na idéia de que a realidade jurídi-ca deve ser uma exterioridade observável, ou seja, um fenômeno; no caso, fenômeno jurídico. António Manuel Hespanha fala em “várias escolas positivistas”, alegando que cada uma delas entendeu de uma forma determinada o fenômeno jurídico como objeto positivo de estudo.42 De qualquer maneira, todos os positivismos ju-rídicos43 convergem para o entendimento de que o fenômeno jurídico corresponde ao direito vigente e aplicável, determinado no tempo e no espaço.
O positivismo jurídico, como doutrina cientificista acerca do direito – ou a ciên-cia do direito como manifestação metodológica do positivismo jurídico – reúne as seguintes premissas básicas: a) recusa a toda forma de subjetivismo ou moralidade;
40 BOBBIO, norberto. O Positivis-mo Jurídico: lições de filosofia do direito. são paulo: Ícone, 1995, p. 136.
41 Cf. TROpER, michel. Positivis-mo. In aRnaUD, andré-Jean. (Org.). Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia da Di-reito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 607.
42 HEspanHa, antónio manuel. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia. portugal [s.l.]: publicações Europa-américa, 1998, p. 174.
43 Cf. BaTIFFOl, Henri. Ob. Cit., pp. 7-50.
59FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
b) cultivo de métodos objetivos e verificáveis; c) exclusão de considerações valora-tivas de caráter político ou ético; d) produção de um corpo próprio de enunciados técnicos para aplicação específica em situações pertinentes.44 Destarte, todos os teó-ricos do positivismo jurídico se ajustam a estas premissas, ao mesmo tempo em que aceitam que o fenômeno jurídico corresponde ao direito vigente, ao direito positi-vo. Todavia, o conceito de direito, resultante da observação do fenômeno jurídico,não é consenso. Em outras palavras, todos os positivismos jurídicos concordam que o fenômeno jurídico corresponde ao direito positivo. Mas o que conforma o direito positivo?Historicamente, foramvárias as correntes positivistas que se formarama partir de concepções específicas acerca da idéia de direito e fenômeno jurídico, algumas com maior outras com menor projeção. Porém, quatro correntes podem ser apontadas como as mais importantes: legalismo, historicismo, sociologismo e nor-mativismo.
Embora bem distintas entre si – basta imaginar como, mesmo em casos seme-lhantes, seria a diferença entre a sentença prolatada por um juiz sociologista e aquela outra por um juiz legalista, por exemplo – todas essas correntes são positivistas, pois se enquadram naquela definição geral onde se destacam dois critérios: 1) afirmação da realidade jurídica como fenômeno jurídico; 2) negação do direito natural como transcendência metafísica. Além disso, todas esta correntes se sustentam sobre os dois princípios básicos e fundantes do positivismo jurídico: força e forma, isto é, o direito (positivista) visto na sua maneira pura de manifestação, o fenômeno jurí-dico, corresponde a uma ameaça ou imposição real de uma força que se apresenta sob determinada forma. Em outras palavras, o direito é um constrangimento que se impõe a indivíduos e grupos, sendo aceito na medida em que se expressa dentro de formas, rituais ou procedimentos socialmente estabelecidos, quer espontaneamente pela coletividade, quer artificialmente pelo Estado.
A primeira das correntes positivistas citadas, o historicismo jurídico, consubstan-ciado, basicamente, na Escola Histórica do Direito, sob a liderança de Savigny, é
sem dúvida a mais polêmica quanto ao seu caráter positivista. Há aqueles que chegam a negar que seja uma forma de posi-tivismo, como Norberto Bobbio, ao afirmar que “escola histó-rica e positivismo jurídico não são a mesma coisa”45; todavia, no mesmo passo, Bobbio reconhece uma espécie de vinculação entre ambos: “...contudo, a primeira [escola histórica] preparou o segundo [positivismo jurídico] através de sua crítica radical do direito natural.”46
No início do século XIX, mais preci-samente na França em 1804, entrou em vigor o novo Código Civil, conhecido como Código de Napoleão. Este fato históri-co foi o marco para o surgimento da nova corrente positivista: o legalismo jurídico. A sua forma básica é a lei manifestada sob o rótulo de “código jurídico”. Como afirmado, o paradigma desta forma de positivismo foi o Código de Napoleão, que pretendeu regular de maneira absoluta a totalidade das situ-
125
A primeira das correntes positivistas citadas, o historicismo
jurídico, consubstanciado, basicamente, na Escola Histórica do
Direito, sob a liderança de Savigny, é sem dúvida a mais polêmica
quanto ao seu caráter positivista. Há aqueles que chegam a negar
que seja uma forma de positivismo, como Norberto Bobbio, ao
afirmar que “escola histórica e positivismo jurídico não são a
mesma coisa”102; todavia, no mesmo passo, Bobbio reconhece
uma espécie de vinculação entre ambos: “...contudo, a primeira [escola histórica]
preparou o segundo [positivismo jurídico] através de sua crítica radical do direito
natural.”103 A forma básica do historicismo jurídico, que também corresponde ao seu
aspecto fenomênico, é a tradição, considerada por Savigny como o “espírito do povo”
ou, em alemão, volksgeist.
No início do século XIX, mais precisamente na
França em 1804, entrou em vigor o novo Código
Civil, conhecido como Código de Napoleão. Este fato
histórico foi o marco para o surgimento da nova
corrente positivista: o legalismo jurídico. A sua forma
básica é a lei manifestada sob o rótulo de “código
jurídico”. Como afirmado, o paradigma desta forma
de positivismo foi o Código de Napoleão, que
pretendeu regular de maneira absoluta a totalidade
das situações juridicamente relevantes na sua área
de abrangência. Isto gerou no legalismo a
expectativa de um sistema jurídico completo,
coerente e sem lacunas, possível de ser aplicado de
maneira mecânica, conforme a vontade exata do legislador que foi a autoridade
competente que o elaborou e promulgou. Assim, para o legalismo jurídico, direito é lei
e não há direito fora da lei, por isso, mesmo que dura a lei deve ser aplicada, donde a
expressão dura lex, sed lex. A principal forma de consubstanciação do legalismo foi a
Escola da Exegese, na França do século XIX.
101 - HESPANHA, António Manuel. Ob. Cit., p. 175. 102 - BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 45. 103 - Idem.
125
A primeira das correntes positivistas citadas, o historicismo
jurídico, consubstanciado, basicamente, na Escola Histórica do
Direito, sob a liderança de Savigny, é sem dúvida a mais polêmica
quanto ao seu caráter positivista. Há aqueles que chegam a negar
que seja uma forma de positivismo, como Norberto Bobbio, ao
afirmar que “escola histórica e positivismo jurídico não são a
mesma coisa”102; todavia, no mesmo passo, Bobbio reconhece
uma espécie de vinculação entre ambos: “...contudo, a primeira [escola histórica]
preparou o segundo [positivismo jurídico] através de sua crítica radical do direito
natural.”103 A forma básica do historicismo jurídico, que também corresponde ao seu
aspecto fenomênico, é a tradição, considerada por Savigny como o “espírito do povo”
ou, em alemão, volksgeist.
No início do século XIX, mais precisamente na
França em 1804, entrou em vigor o novo Código
Civil, conhecido como Código de Napoleão. Este fato
histórico foi o marco para o surgimento da nova
corrente positivista: o legalismo jurídico. A sua forma
básica é a lei manifestada sob o rótulo de “código
jurídico”. Como afirmado, o paradigma desta forma
de positivismo foi o Código de Napoleão, que
pretendeu regular de maneira absoluta a totalidade
das situações juridicamente relevantes na sua área
de abrangência. Isto gerou no legalismo a
expectativa de um sistema jurídico completo,
coerente e sem lacunas, possível de ser aplicado de
maneira mecânica, conforme a vontade exata do legislador que foi a autoridade
competente que o elaborou e promulgou. Assim, para o legalismo jurídico, direito é lei
e não há direito fora da lei, por isso, mesmo que dura a lei deve ser aplicada, donde a
expressão dura lex, sed lex. A principal forma de consubstanciação do legalismo foi a
Escola da Exegese, na França do século XIX.
101 - HESPANHA, António Manuel. Ob. Cit., p. 175. 102 - BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 45. 103 - Idem.
44 HEspanHa, antónio manuel. Ob. Cit., p. 175.
45 BOBBIO, norberto. O Positivis-mo Jurídico: lições de filosofia do direito. são paulo: Ícone, 1995, p. 45.
46 Idem.
60FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
ações juridicamente relevantes na sua área de abrangência. A principal forma de consubstanciação do legalismo foi a Escola da Exegese, na França do século XIX.
Transportada para o mundo jurídico, a investigação socio-lógica identifica o direito na forma do fato ou costume que brota diretamente do seio social.47 Para o sociologismo jurí-dico, o direito corresponde às práticas sociais que se formam espontaneamente, cabendo à lei refletir tais práticas.
O sociologismo jurídico enfrentou fortes críticas, especial-mente daqueles que identificavam o direito como um fenô-meno normativo, portanto, não passível de ser procurado no mundo dos fatos, na medida em que estes dizem respeito às coisas como elas são e não, necessariamente, como devem ser. Esse foi o caso de Kelsen, fundador e representante maior de uma das formas mais influentes do positivismo jurídico: o normativismo. Para esta corrente, a forma bási-ca do direito é a norma, que não se reduz à lei, como disposta nos códigos. A norma jurídica é ato de vontade da autoridade estatal competente e vai desde a Constitui-ção até as sentenças judiciais que configuram norma jurídica aplicável ao caso con-creto. As normas são válidas desde que promulgadas pela autoridade competente em concordância com outras normas hierarquicamente superiores do ordenamento jurídico.
Essas quatro formas de positivismo reivindicam para si, cada uma a seu modo, o estatuto de ciência, acreditando te-rem elaborado uma teoria científica do direito capaz de forne-cer enunciados, previsões e prognósticos acerca do conjunto das situações juridicamente relevantes. Apesar de todas serem positivistas, no sentido aqui descrito, e se enquadrarem na mesma obsessão cientificista, existem significativas diferenças entre elas. Talvez a principal destas diferenças resida no fato do legalismo e do normativismo buscarem o fundamento de validade do direito na idéia de vigência, ou seja, é válida a
norma jurídica desde que tenha entrado em vigor conforme determinado no pró-prio ordenamento jurídico. Isso porque o historicismo e o sociologismo buscam o fundamento de validade do mesmo direito na idéia de efetividade ou eficácia social, ou seja, é válida a norma jurídica quando conforme as tradições e costumes da sociedade. No primeiro caso – legalismo e normativismo – podemos falar numa epistemologia mais idealista ou formalista e no segundo caso – historicismo e so-ciologismo – numa epistemologia mais realista ou materialista. Enquanto para os primeiros os legisladores ocupam papel de destaque na cena jurídica, para os segun-dos são os juizes que desempenham esse papel, pois traduzem nos casos concretos o direito que emerge da sociedade. Esse aspecto coincide com a vinculação dessas for-mas de positivismo com os sistemas jurídicos romano-germânico e da common law: enquanto o legalismo e o normativismo são típicos do primeiro sistema, o histori-cismo e o sociologismo são mais afeitos ao segundo. Já em termos de flexibilidade, temos uma mudança nos pares, pois enquanto o historicismo e o legalismo tendem
126
num determinado momento histórico, vão sendo mais praticadas
e toleradas num certo espaço territorial, gerando para os
indivíduos a convicção de que tal prática corresponde a uma
necessidade jurídica, como dever ou direito subjetivo.
O sociologismo jurídico enfrentou fortes críticas, especialmente
daqueles que identificavam o direito como um fenômeno
normativo, portanto, não passível de ser procurado no mundo dos
fatos, na medida em que estes dizem respeito às coisas como elas são e não,
necessariamente, como devem ser. Esse foi o caso de Kelsen,
fundador e representante maior de uma das formas mais
influentes do positivismo jurídico: o normativismo. Para esta
corrente, a forma básica do direito é a norma, que não se reduz
à lei, como disposta nos códigos. A norma jurídica é ato de
vontade da autoridade estatal competente e vai desde a
Constituição até as sentenças judiciais que configuram norma
jurídica aplicável ao caso concreto. As normas são válidas desde
que promulgadas pela autoridade competente em concordância com outras normas
hierarquicamente superiores do ordenamento jurídico. Em síntese, o normativismo
identifica o direito a partir da estrutura lógica do dever ser – sollen – que impõe
determinadas sanções no caso de descumprimento de suas prescrições, como forma
de garantia da ordem social.
Essas quatro formas de positivismo reivindicam para si, cada uma a seu modo, o
estatuto de ciência, acreditando terem elaborado uma teoria científica do direito capaz
de fornecer enunciados, previsões e prognósticos acerca do conjunto das situações
juridicamente relevantes. Apesar de todas serem positivistas, no sentido aqui descrito,
e se enquadrarem na mesma obsessão cientificista, existem significativas diferenças
entre elas. Talvez a principal destas diferenças resida no fato do legalismo e do
normativismo buscarem o fundamento de validade do direito na idéia de vigência, ou
seja, é válida a norma jurídica desde que tenha entrado em vigor conforme
determinado no próprio ordenamento jurídico. Isso porque o historicismo e o
sociologismo buscam o fundamento de validade do mesmo direito na idéia de
efetividade ou eficácia social, ou seja, é válida a norma jurídica quando conforme as
tradições e costumes da sociedade. No primeiro caso – legalismo e normativismo –
podemos falar numa epistemologia mais idealista ou formalista e no segundo caso –
historicismo e sociologismo – numa epistemologia mais realista ou materialista.
126
num determinado momento histórico, vão sendo mais praticadas
e toleradas num certo espaço territorial, gerando para os
indivíduos a convicção de que tal prática corresponde a uma
necessidade jurídica, como dever ou direito subjetivo.
O sociologismo jurídico enfrentou fortes críticas, especialmente
daqueles que identificavam o direito como um fenômeno
normativo, portanto, não passível de ser procurado no mundo dos
fatos, na medida em que estes dizem respeito às coisas como elas são e não,
necessariamente, como devem ser. Esse foi o caso de Kelsen,
fundador e representante maior de uma das formas mais
influentes do positivismo jurídico: o normativismo. Para esta
corrente, a forma básica do direito é a norma, que não se reduz
à lei, como disposta nos códigos. A norma jurídica é ato de
vontade da autoridade estatal competente e vai desde a
Constituição até as sentenças judiciais que configuram norma
jurídica aplicável ao caso concreto. As normas são válidas desde
que promulgadas pela autoridade competente em concordância com outras normas
hierarquicamente superiores do ordenamento jurídico. Em síntese, o normativismo
identifica o direito a partir da estrutura lógica do dever ser – sollen – que impõe
determinadas sanções no caso de descumprimento de suas prescrições, como forma
de garantia da ordem social.
Essas quatro formas de positivismo reivindicam para si, cada uma a seu modo, o
estatuto de ciência, acreditando terem elaborado uma teoria científica do direito capaz
de fornecer enunciados, previsões e prognósticos acerca do conjunto das situações
juridicamente relevantes. Apesar de todas serem positivistas, no sentido aqui descrito,
e se enquadrarem na mesma obsessão cientificista, existem significativas diferenças
entre elas. Talvez a principal destas diferenças resida no fato do legalismo e do
normativismo buscarem o fundamento de validade do direito na idéia de vigência, ou
seja, é válida a norma jurídica desde que tenha entrado em vigor conforme
determinado no próprio ordenamento jurídico. Isso porque o historicismo e o
sociologismo buscam o fundamento de validade do mesmo direito na idéia de
efetividade ou eficácia social, ou seja, é válida a norma jurídica quando conforme as
tradições e costumes da sociedade. No primeiro caso – legalismo e normativismo –
podemos falar numa epistemologia mais idealista ou formalista e no segundo caso –
historicismo e sociologismo – numa epistemologia mais realista ou materialista.
47 Uma interessante manifes-tação do sociologismo jurídico aparece na obra de Eugen Ehr-lich, importante sociólogo do direito alemão, ao afirmar no prefácio de seu livro que “tam-bém em nossa época, como em todos os tempos, o fundamental no desenvolvimento do direito não está no ato de legislar nem na jurisprudência ou na aplica-ção do direito, mas na própria sociedade.” EHRlICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: EdUnb, 1986, p. 7.
61FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
a maior dureza e conservadorismo, o sociologismo e o normativismo já admitem maior mobilidade no conteúdo das normas jurídicas. O conservadorismo do histo-ricismo se explica pelo fato das tradições serem sempre muito arraigadas na cultura dos povos, só mudando após firme e convicta resistência de muitos anos. Já no caso do legalismo, resulta da figura dos “códigos”, que são sempre promulgados como obras acabadas e completas para terem longa estabilidade. Na situação inversa, de maior grau de flexibilidade, o sociologismo é sem dúvida o mais dinâmico já que as práticas sociais estão em constante mutação. A dinamicidade do normativismo se explica pela liberdade da vontade do legislador que pode a todo momento modificar as normas jurídicas, além de serem reconhecidos os diversos níveis hierárquicos do Estado competentes para legislar.
Com efeito, a questão da “ciência do direito” foi enfrentada durante os séculos XIX e XX sob a influência maior do positivismo e, por isso mesmo, essas formas de positivismos jurídicos apresentadas foram as respostas mais veementes já produzidas no âmbito da epistemologia jurídica e da filosofia do direito. Todas negam o direito natural e afirmam a realidade jurídica como um fenômeno observável,mas diver-gem quanto à explicação em torno do que seja, exatamente, o fenômeno jurídico, isto é, a forma observável do direito.
bibliOGrafia
Obrigatória
BATIFFOL, Henri. A Filosofia do Direito. Lisboa: Editorial Notícias, [s.d.]. (Ca-pítulo I. Os Positivismos.)
HESPANHA, António Manuel. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Euro-péia. Portugal: Publicações Europa-América, 1998. (Capítulo 8. O Direito na Época Contemporânea – Seção 8.2.3. Positivismo e Cientismo; e Seção 8.3. As Escolas Clássicas do século XIX).
complementar
MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. (Primeira Parte – Epistemologia e Direito).
62FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
JosÉ riCardo CUnHaDoutor em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de santa Catarina. mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela pUC-Rio e Bacharel em Direito pela UFRJ. professor adjunto e Coordenador da Graduação da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. professor adjunto da Faculdade de Direito UERJ, onde leciona na graduação, mestradoe doutorado. leciona e pesquisa nas áreas de Filosofi a do Direito eDireitos Humanos. membro da associação Brasileira de Ensino doDireito; do Conselho nacional de pesquisa e pós-Graduação em Direito;e da associação nacional de pós-Graduação e pesquisa em DireitosHumanos. autor de livros e artigos em revistas especializadas nastemáticas de Filosofi a e Teoria do Direito, Direitos Humanos e Direitosda Criança e do adolescente.
63FGV DIREITO RIO
EpIsTEmOlOGIa E mODERnIDaDE
FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE
FGV DIREITO RIO
Joaquim FalcãoDIRETOR
Fernando PenteadoVICE-DIRETOR aDmInIsTRaTIVO
Luís Fernando SchuartzVICE-DIRETOR aCaDÊmICO
Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE pÓs-GRaDUaÇÃO
Luiz Roberto AyoubpROFEssOR COORDEnaDOR DO pROGRama DE CapaCITaÇÃO Em pODER JUDICIÁRIO
Ronaldo LemosCOORDEnaDOR DO CEnTRO DE TECnOlOGIa E sOCIEDaDE
Evandro Menezes de CarvalhoCOORDEnaDOR aCaDÊmICO Da GRaDUaÇÃO
Rogério BarcelosCOORDEnaDOR DE EnsInO Da GRaDUaÇÃO
Tânia RangelCOORDEnaDORa DE maTERIal DIDÁTICO
Ana Maria BarrosCOORDEnaDORa DE aTIVIDaDEs COmplEmEnTaREs
Vivian Barros MartinsCOORDEnaDORa DE TRaBalHO DE COnClUsÃO DE CURsO
Lígia Fabris e Thiago Bottino do AmaralCOORDEnaDOREs DO nÚClEO DE pRÁTICas JURÍDICas
Wania TorresCOORDEnaDORa DE sECRETaRIa DE GRaDUaÇÃO
Diogo PinheiroCOORDEnaDOR DE FInanÇas
Milena BrantCOORDEnaDORa DE maRKETInG EsTRaTÉGICO E planEJamEnTO