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EQUIPE MULTIDISCIPLINAR: DESAFIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS LEIS
10.639/03 E 11.645/08 NO COLÉGIO ESTADUAL VICENTE RIJO – LONDRINA.
Eva Maria de Andrade Okawati
Orientadora: Profa. Dra. Renata Schlumberger Schevisbiski
Resumo
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre a atuação da Equipe Multidisciplinar, no que se refere à implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, no âmbito do Colégio Estadual Vicente Rijo, situado em Londrina, Paraná. Tem como objetivo principal analisar, discutir e avaliar o papel desta equipe quanto a implementação dessas leis, as dificuldades em realizar um trabalho interdisciplinar, além de propor ações que promovam avanços para uma efetiva educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena. Também apresenta os resultados de pesquisa desenvolvida em 2016 e 2017, por meio do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, na Universidade Estadual de Londrina. Além de apresentar as contribuições dos participantes dos encontros com professores ocorridos neste colégio, advindas das ações de inserção do projeto na escola, também denominado “Projeto de Intervenção Pedagógica”, realizado por meio de Produção Didática sobre a temática em questão. Também considera as contribuições a partir das discussões realizadas no Grupo de Trabalho em Rede – GTR, do qual participam professores da rede estadual do Paraná, além disso, inclui pesquisas a partir do Projeto Político Pedagógico – PPP, dos planos de trabalho docente, conhecido como planejamento e dos registros de classe dos professores. Como resultado desta pesquisa concluímos que a equipe Multidisciplinar representa um espaço importante de debates e contribui para implementação das Leis 10.649/03 e 11.645/08, no entanto, ainda é preciso muitos avanços para sua real efetivação.
Palavras-chave: Equipe Multidisciplinar; Educação; Étnico-racial;
Interdisciplinaridade.
INTRODUÇÃO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em seu primeiro
artigo, afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade” (ONU,1948). Da mesma forma, a Constituição
Brasileira de1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, possui como princípio
fundamental promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No campo da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
(LDB, 1996), em 2003, passa por alteração por meio da Lei 10.649/03, a fim de
incluir nos “Princípios e Fins da Educação Nacional”, em seu Artigo 3º, o item 12,
que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e cultura africana e afro-
brasileira, o qual será novamente alterado em 2008 pela Lei 11.645/08 que
estabelece em todos os estabelecimentos de ensino, da rede pública e privada,
como obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena (Brasil,
1996).
Dessa forma, a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988 e da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1996, alterada pelas Leis 10.649/03 e
11.645/08, é possível identificar ações de implementação gradativa que buscam
garantir por meio de leis específicas que o ambiente escolar cumpra sua tarefa de
promover uma educação para relações étnico-raciais mais justas e livres de
discriminação.
É importante ressaltar que essas mudanças foram resultado das lutas e
conquistas dos movimentos sociais, especialmente de movimentos negros e
indígenas em prol de uma sociedade igualitária e não excludente e de uma
educação que reconheça toda a constituição da diversidade cultural brasileira o que,
no Brasil, resultaram em ações afirmativas que buscam a reparação de injustiças
sociais históricas contra negros e indígenas.
Como forma de cumprir a legislação no que se refere à inclusão da cultura
africana, afro-brasileira e indígena, a Secretaria Estadual de Educação do Paraná,
implantou por meio da Resolução nº 3399 em 05 de agosto de 2010, e da Instrução
nº 010 do mesmo ano, a Equipe Multidisciplinar, com a finalidade de compor essas
equipes nos Núcleos Regionais de Educação e Estabelecimentos de Ensino da
Rede Estadual de Educação Básica e normatizar o funcionamento e a composição
das mesmas.
Tal Resolução foi pautada pelos seguintes documentos:
Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB n° 9394/96, em seu artigo 26ª,
alterada pela Lei 10.639/03 e Lei 11.645/08 que estabelecem a
obrigatoriedade do ensino de cultura africana, afro-brasileira e indígena
especialmente nas disciplinas de História, Arte e Literatura;
Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004 - CNE - Institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Deliberação n° 04/06 do Conselho Estadual de Educação-CEE que
estabelecem normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana nas unidades escolares da rede estadual de
educação.
Instrução 017 ( PARANÁ, 2006) que estabelece como obrigatório a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana.
Instrução nº 010 (PARANÁ, 2010) - que estabelece como obrigatório a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira, Africana e Indígena obrigatória em todos os níveis e
modalidades dos estabelecimentos de ensino da rede pública estadual de
Educação Básica.
Assim, a partir desses documentos, e como exigência legal, foram criadas no
Estado do Paraná as Equipes Multidisciplinares, que a partir de uma perspectiva
interdisciplinar procuram trabalhar e refletir sobre ações que busquem a
implementação dessas Leis em questão. Portanto, compreendo ser oportuno e
pertinente um estudo sobre o papel que essa equipe vem desempenhando no
ambiente escolar, ao longo dos últimos anos, dessa forma, buscando avaliar o papel
da Equipe Multidisciplinar, durante a realização do PDE, optei por pesquisar sobre o
seu funcionamento e atuação no Colégio Estadual Vicente Rijo.
Neste contexto, essas equipes multidisciplinares surgem como “espaços de
debates, estratégias e de ações pedagógicas que fortaleçam a implementação da
Lei nº 10.639/03 e da Lei nº 11.645/08”(SEED, 2010), bem como um modo de
cumprir as determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira,
Africana e Indígena no currículo escolar das instituições de ensino da rede pública
do Estado do Paraná. Na perspectiva da construção de uma educação de
qualidade, da consolidação da política educacional e da construção de uma cultura
escolar que conhece, reconhece, valoriza e respeita a diversidade étnico-racial, as
Equipes Multidisciplinares têm como prerrogativa articular os segmentos
profissionais da educação, instâncias colegiadas e comunidade escolar.
Dessa forma, entende-se que após sete anos de atuação é de
fundamental importância que se faça uma reflexão e análise sobre a atuação da
Equipe Multidisciplinar (EM). Neste artigo, analisaremos a EM do Colégio Estadual
Vicente Rijo, localizado em Londrina-PR, tendo em vista a necessidade de avaliar
até que ponto esta política pública tem atingido seus objetivos iniciais e também
verificar se as ações desenvolvidas são compatíveis com as propostas apresentadas
pela Secretaria Estadual de Educação - SEED quanto à criação das Equipes
Multidisciplinares.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE-1961), a finalidade básica da avaliação é determinar a
importância e o alcance dos objetivos e isso necessariamente implica em tomada de
decisão no sentido de melhorar e corrigir possíveis falhas, dessa forma entende-se
que não basta implantar uma política pública, é necessário o acompanhamento e
avaliação do processo de implementação. No caso da Equipe Multidisciplinar,
entende-se que se ocorre ou ocorreu avaliação deste processo, a mesma não tem
sido disponibilizada para os seus participantes e comunidade escolar no geral.
Segundo COHEN, 1993, a avaliação de projetos e ou políticas públicas,
dependendo do momento de sua realização, pode ser feita antes de sua
implantação, ex-ante, ou no decorrer ou final de sua implantação, sendo assim
denominada, ex-post, da qual se trata neste artigo, implica num juízo de valor com
relação aos resultados obtidos e a possibilidade de mudanças ou ajustes para fins
de alcançar melhores resultados. (COHEN, 1993, p.108). A avaliação ex-post,
conforme indica Oliveira vem a ser o olhar retrospectivo, que freqüentemente pode
gerar três tipos de ações importantes:
determinar a continuidade do projeto executado e a validade de sua
aplicação em outros campos de trabalho;
colocar luzes sobre os fatores que contribuíram para o êxito ou limitação do
projeto;
elaborar um juízo acerca do custo do projeto. (OLIVEIRA, 1998, p.9).
Neste caso, propõe-se o segundo item, “colocar luzes sobre os fatores que
contribuíram para o êxito ou limitação do projeto”, utilizando para tanto as seguintes
contribuições:
1- apresentadas pelos participantes do curso oferecido na escola, durante a
implementação da produção didática, ação esta desenvolvida como parte obrigatória
do PDE. A produção didática, composta de nove encontros com temáticas referentes
à educação para as relações étnico-raciais, refere-se ao período em que o professor
deve aplicar sua pesquisa na escola em que atua, neste caso, a ação foi
desenvolvida com professores, por entender que os mesmos seriam multiplicadores
em sala de aula das temáticas e discussões desenvolvidas nos encontros;
2 - discussões realizadas no Grupo de Trabalho em Rede (GTR), também
atividade obrigatória do PDE, o GTR refere-se ao momento em que, por meio de
curso a distância, professores de qualquer localidade do Paraná podem se inscrever
e participar do curso oferecido pelo professor PDE, neste caso, discutindo os limites
e possibilidades de atuação da EM em diferentes escolas do Paraná;
3 - pesquisas realizadas a partir dos Diários de Classe, conhecidos como
“Livro de Chamada”, Planos de Trabalho Docente (PTD) – Planejamentos e Projeto
Político Pedagógico sobre a inclusão da temática envolvendo relações étnico-raciais,
cultura africana e afro-brasileira e cultura indígena.
Dessa forma, o presente artigo encontra-se organizado em quatro partes: a
primeira refere-se ao referencial teórico que embasa as discussões sobre a EM, as
Leis 10.639/03 e 11.645/08 e a educação para as relações étnico-raciais; a segunda
trata sobre as contribuições dos participantes do curso previsto no projeto de
implementação pedagógica na escola; a terceira aborda as contribuições dos
professores de Sociologia de várias localidades do Paraná que participaram do
Grupo de Trabalho em Rede - GTR e, por último as considerações finais sobre a
pesquisa realizada.
O papel da Equipe Multidisciplinar na implementação das Leis 10.639/03 e
11.645/08
A questão da implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, constitui-se
uma preocupação nos últimos anos, quer pela cobrança dos órgãos
governamentais, do movimento negro, ou mesmo de profissionais de educação
preocupados em buscar alternativas para a efetivação de uma educação anti-racista,
igualitária e equânime. No entanto, verifica-se que ao longo deste tempo, desde a
aprovação dessas leis, mesmo com todas as possibilidades de formação dos
professores sobre a questão é ainda perceptível à resistência de profissionais da
educação em tratar dos temas em questão. Por outro lado, não se vê, com raras
exceções, um trabalho efetivo e contínuo com os alunos no sentido de discutir e
ampliar os conhecimentos sobre a temática das relações étnico-raciais no ambiente
escolar, sendo que a maioria das ações ocorrem na Semana relacionada ao 20 de
novembro, Dia da Consciência Negra.
Tal situação torna-se um incentivo a realização de uma pesquisa sobre o
que tem ocorrido especificamente no Colégio Estadual Vicente Rijo no que se refere
à implementação das Leis em questão, como também sobre o papel da equipe
multidisciplinar, de que forma a mesma tem contribuído para promover a discussão
sobre a questão da cultura africana e afro-brasileira e também da cultura indígena.
Entende-se que para conseguir de fato implementar as Leis 10.649/03 e
11.645/08 torna-se necessário o combate à visão eurocêntrica e etnocêntrica ainda
recorrente na educação brasileira. Nesse sentido, o professor, para ensinar cultura
afro-brasileira e indígena, precisa conhecer e valorizar a ancestralidade desses
povos e suas culturas, pois só assim será capaz de provocar nos alunos a
consciência de que esses povos são tão sujeitos da história brasileira quanto os
descendentes dos colonizadores europeus.
Nessa perspectiva, o papel da Equipe Multidisciplinar torna-se
fundamental, especialmente considerando que a concepção de uma equipe que se
organize de forma multidisciplinar supõe que os professores, das mais diversas
áreas do conhecimento, e demais profissionais da educação, são responsáveis pela
implementação das leis em questão. Nesse sentido, reporta-se à Domingues (2005)
quando afirma que experiências multidisciplinares têm como principais
características:
aproximação de diferentes disciplinas para a solução de problemas
específicos;
diversidade de metodologias: cada disciplina fica com a sua metodologia;
os campos disciplinares, embora cooperem, guardam suas fronteiras e
ficam imunes ao contato. (DOMINGUES, 2005, p.22).
Congregar essas características não parece ser uma tarefa fácil, haja vista a
dificuldade em reunir professores e demais participantes, fora de seu horário de
trabalho. Dessa forma, procura-se discutir a pauta proposta pela Secretaria Estadual
de Educação (SEED), em horários alternativos, no contra turno dos professores
participantes, o que muitas vezes inviabiliza a participação dos componentes da
equipe.
De todo modo, entende-se como de fundamental importância a participação
dos professores de Sociologia como parte integrante da equipe multidisciplinar,
especialmente se considerarmos o duplo papel da Sociologia como ciência, qual
seja, a desnaturalização e o estranhamento dos fenômenos sociais, no sentido de
confrontar, revolver, desestabilizar aquilo que está acomodado, o que se configura
como um ato educativo e pedagógico, já que leva a mobilização e transformação do
que está posto, contribuindo assim para ampliar a visão de mundo, de si mesmo e
das relações sociais. Conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Estaduais de
Sociologia:
O ensino da Sociologia pressupõe metodologias que coloquem o aluno
como sujeito de seu aprendizado, provocado a relacionar a teoria com o
vivido, a rever conhecimentos prévios e a reconstruir saberes. Espera-se
que seja constante o exercício do “estranhamento”, que leve os educandos
a “desnaturalizar” (pré)conceitos sobre os fenômenos sociais,
compreendendo-os como construções históricas, passíveis de sofrerem
transformações. (PARANÁ, 2008)
Neste caso, refere-se a problematização do racismo presente em nossa
sociedade. Neste sentido, a necessidade de uma educação que reconheça e
valorize a diversidade étnico-racial torna-se um imperativo.
Um papel central que o pensamento sociológico realiza é a
desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais.
Há uma tendência sempre recorrente de se explicarem as relações sociais,
as instituições, os modos de vida, as ações humanas, coletivas ou
individuais, a estrutura social, a organização política etc. com argumentos
naturalizadores. Primeiro, perde-se de vista a historicidade desses
fenômenos, isto é, que nem sempre foram assim; segundo, que certas
mudanças ou continuidades históricas decorrem de decisões, e essas, de
interesses, ou seja, de razões objetivas e humanas, não sendo fruto de
tendências naturais (MORAES, 2010, p. 47).
Ainda nesta perspectiva, a discussão sobre a questão racial não pode ser
escamoteada pela escola, ao contrário, é preciso que haja um sério enfrentamento a
toda e qualquer manifestação de racismo na escola. Em entrevista sobre a questão
racial no Brasil, publicada pela Revista USP, Florestan Fernandes (2005) afirma que
existe no Brasil uma espécie de preconceito reativo:
“O preconceito contra o preconceito de ter preconceito. Segundo este
sociólogo, “entendia-se que ter preconceito seria degradante e o esforço
maior passou a ser o de combater a ideia de que existiria preconceito no
Brasil, sem se fazer nada no sentido de melhorar a situação do negro e de
acabar com as misérias inerentes ao seu destino humano na sociedade
brasileira”. (FERNANDES, 2005)1
Diante de todo arcabouço legal que norteia as ações da Equipe
Multidisciplinar, ao longo de sua trajetória, a SEED procura disponibilizar textos que
subsidiam as ações do coletivo escolar, sendo que a maioria deles versam sobre a
questão étnico-racial. Tais materiais devem ser discutidos nas reuniões da EM
conforme calendário escolar.
Assim, compreendendo a escola, na perspectiva de Saviani (2005) como
o espaço destinado à socialização dos conhecimentos sistematizados, aprender
sobre a diversidade cultural brasileira pode contribuir para uma formação que por
meio do conhecimento possa valorizar, reconhecer e, acima de tudo, respeitar a
cultura africana, afro-brasileira e indígena. Essa idéia é reforçada pelo autor quando
1 Disponível em: Revista USP. São Paulo, nº 68. 2005/2006
afirma que: “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005, p.13).
Portanto, considerando que o processo educativo é um processo de
formação humana, ou seja, um processo em que os seres humanos nascem
inacabados do ponto de vista de suas características humanas e que são
produzidos, construídos, como humanos ao longo de sua trajetória, trata-se de um
processo histórico e social no qual a escola tem um papel fundamental que é o de
tornar humanos os seres humanos.
Colaborando com esta perspectiva, Spósito (2004) compreende que:
Se as relações entre as formas de socialização se estruturam e produzem
nova sensibilidade, é preciso considerar que a vida escolar exige um
conhecimento mais denso dos sujeitos – nesse caso, adolescentes e jovens
– que ultrapasse os limites de sua vida na instituição. Trata-se, desse modo,
de aprofundar o conhecimento sobre as formas e os estilos de vida
experimentados pelos jovens em suas várias práticas, para compreendê-los
e, ao mesmo tempo, produzirmos referências que retomem em chave
democrática a ação socializadora da escola, na especificidade de seus
saberes e práticas (SPÓSITO, 2004, P. 87)
Neste aspecto, entende-se que cabe a Equipe Multidisciplinar a
importante tarefa de organizar um arcabouço teórico para discutir esta questão tão
complexa que tem provocado muitas polêmicas entre os educadores. Para tanto,
busca-se por meio do conhecimento e diálogo com os educadores enfrentar
efetivamente as situações que evidenciem o preconceito racial no ambiente escolar.
O sociólogo Oracy Nogueira, atenta para a problemática que perpassa
pela educação para uma possível atenuação do problema racial no Brasil:
Antes de qualquer coisa, devemos chamar a atenção para a complexidade
do problema, que não pode ser resolvido por nenhuma medida simplista. De
qualquer modo, uma série de medidas poderá contribuir para melhorar a
situação, pelo menos a longo termo. Entre essas medidas, incluir-se-iam as
de caráter educativo, como esclarecimento de crianças, jovens e da
população em geral em relação ao problema” (NOGUEIRA, 2005;2006,
p.168)
Tais reflexões também encontram respaldo nos dizeres de Munanga
(2005) quando afirma que:
“(...) a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a
possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e
inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela
cultura racista na qual foram socializados. O resgate da memória coletiva e
da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de
ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências
étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada
pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas
afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela
pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos
quotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das
condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de
seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade
nacional.”. (MUNANGA, 2005 p.16-17).
Isto posto, entende-se que, analisar, discutir e avaliar o papel da EM no
contexto escolar, após 7 anos de sua existência, é de fundamental importância para
que se possa interferir na construção de uma educação para a diversidade que
possa expandir os conhecimentos sobre as culturas africanas, afro-brasileiras e
indígenas e por meio do conhecimento superar atitudes de preconceito que ainda
persistem no ambiente escolar.
2- A Produção Didático-Pedagógica
A Produção Didático-Pedagógica trata-se de uma elaboração do
professor PDE com a intenção de organizar um material didático como estratégia
metodológica para o desenvolvimento do Projeto de Intervenção Pedagógica na
escola. Assim, como parte da implementação deste projeto, no período de abril a
julho de 2017, ocorreram nove encontros com 22 professores do Colégio Estadual
Vicente Rijo, totalizando 40 horas de estudos e reflexões sobre a atuação da Equipe
Multidisciplinar organizados da seguinte forma:
Quadro 1 – Temas abordados no curso
Encontro Tema
1º A equipe multidisciplinar como mecanismo de combate aos estereótipos,
preconceitos e discriminação.
2º Equipe Multidisciplinar: seus desafios e possibilidades.
3º África ou Áfricas?
4º O mito da democracia racial no Brasil.
5º A questão indígena no Brasil.
6º O povo Kaingang.
7º História e Vida Kaingang: Visita à Terra indígena Apucaraninha.
8º Políticas afirmativas: as cotas raciais em discussão
9º Reflexões: Avaliação dos encontros e troca de experiências
É importante salientar que no grupo contávamos com uma professora de
Sociologia, uma de Educação Física, uma de Língua Portuguesa, quatro professores
de História, dois de Geografia, quatro de Matemática, dois de Química, quatro de
diferentes disciplinas do curso técnico e três pedagogas.
Conforme a tabela seguinte a equipe contou com vinte e dois participantes:
Tabela 1: participantes conforme área de atuação.
Função/área de atuação Nº de Participantes
Professor(a) História 4
Professor(a) Curso Técnico - Diversos 4
Pedagogo(a) 3
Professor(a) Geografia 2
Professor(a) Química 2
Professor(a) Sociologia 1
Professor(a) Língua Portuguesa 1
Professor(a) Educação Física 1
TOTAL 18
Além das discussões, previstas em cada encontro, os professores
responderam a um questionário com as seguintes perguntas:
Quadro 2- Questionário
Questionário
1º Você considera que as leis 10.639/03 e 11.645/08 são necessárias?
Justifique.
2º Você percebe ou reconhece situações envolvendo preconceito e
discriminação racial no ambiente escolar? Se a resposta for sim
exemplifique.
3º Em sala de aula quais ações você desenvolve que colaboram para
implementação dessas leis?
4º A criação da E.M. tem contribuído para o enfrentamento de situações
envolvendo preconceito e discriminação racial? Justifique.
5º As ações desenvolvidas pela EM têm ocorrido de forma interdisciplinar?
Todos os participantes foram unânimes em afirmar que houve avanços na
implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 a partir da constituição da Equipe
Multidisciplinar e reconheceram a importância e mesmo a necessidade da aplicação
dessas leis no contexto escolar, sendo que apenas um considerou que tais leis
acabam sendo discriminatórias, pois em sua opinião existem outros grupos e mesmo
nacionalidades que também são vítimas de preconceito e não dispõem de nenhuma
lei que os protejam. Nos dizeres de um professor(a):
“Acredito que a Equipe Multidisciplinar é o primeiro passo para implementar
as propostas das leis 10.639/03 e 11.645/08 que estabelecem o ensino e
discussão dos temas referentes às culturas afro-brasileira e indígenas, tão
necessários no currículo escolar. Estes e outros temas devem ser discutidos
amplamente e levados para a sala de aula para que nossos alunos possam
melhor compreendê-los como desafios da sociedade contemporânea. Por
mais que ainda não se tenha obtido grandes resultados, a Equipe
Multidisciplinar é um avanço no sentido de atender à essas demandas”.
(Professor(a) “A”)
Quanto à existência de preconceito e discriminação racial, os
participantes, em sua maioria, entenderam que isto ainda ocorre, para tanto, nos
dizeres dos professores, basta verificar o número de estudantes negros em sala de
aula, o que visivelmente é inferior ao número de brancos. Também relataram
situações de estudantes negros que encontram dificuldades de relacionamento com
os demais e acabam ficando isolados no ambiente escolar. Também foi pontuado
que não é disponibilizado por parte da escola informações sobre o número de
estudantes negros e sobre possíveis casos de preconceito e discriminação, o que na
opinião de alguns facilitaria a intervenção dos professores no sentido de resolver
esta questão.
“No ano passado tive uma aluna negra que ficou totalmente isolada durante
o ano todo e nunca conseguia realizar trabalho em equipe, então sempre
fazia tudo sozinha. Era uma aluna muito tímida, então não tenho certeza se
a discriminação ocorria pelo fato dela ser negra ou ser tímida, mas essa
situação me incomodou bastante.” (Professor(a) “B”)
Sobre as ações desenvolvidas em sala de aula visando a implementação
das leis, apenas os professores de Língua Portuguesa, História, Geografia e
Química, relataram atividade e conteúdos relacionados a cultura africana e indígena.
Os demais relataram da dificuldade e falta de tempo em cumprir os conteúdos
específicos de sua área do conhecimento.
“Desenvolvi com os alunos do 3º ano um trabalho sobre mulheres negras
que tiveram uma grande importância no cenário nacional e mesmo no
mundo. Os alunos pesquisaram e depois colocaram em murais para que
todos pudessem ver. Foi muito interessante.”. (Professor(a) “C”)
Quanto às ações da Equipe Multidisciplinar os professores concordam
que a mesma tem contribuído para o enfrentamento de situações envolvendo
preconceito e discriminação racial, sendo que dois professores do curso técnico
desconheciam o papel desta equipe.
“Sim, acredito que há uma forte influência da Lei nº 10.639/2003 como
ponto inicial da inserção da temática do ensino da questão racial e história e
cultura africana. O papel da equipe vai além do assunto da cultura afro-
brasileira, tocando em temáticas centradas na discussão da diferença e
diversidade, e também a relação com a Lei nº 11.645/08 que trata da
obrigatoriedade do ensino da cultura indígena. Eu vejo que muita coisa tem
sido feita, principalmente na semana da consciência negra, quando são
feitos vários trabalhos, então houve avanços, pois quando estudei ninguém
tocava nesse assunto.” (Professor(a) “D”)
“Acredito que sim, pois com a promulgação dessas duas leis gerou no meio
acadêmico um engajamento na luta pela 'falação' contra uma “Verdade” que
nos foi contada de forma não muito clara. Assim, todo conhecimento da
história negra e indígena, adquirida nos livros didáticos, tem se restringido a
informações já um tanto conhecidas e muitas vezes distorcidas, e que agora
tem sido reveladas e exploradas pela implementação dessas Leis.”
(Professor(a) “E”).
Sobre a questão do trabalho interdisciplinar desenvolvido pela Equipe
Multidisciplinar, todos concordam que deveria ser desta forma, no entanto relataram
da imensa dificuldade de reunir todos os participantes para o desenvolvimento de
ações conjuntas.
“Os professores estão sobrecarregados, falta formação específica sobre a
história e cultura africana e indígena. Não tivemos esta formação quando
estudamos e em que momento vamos discutir com os colegas para fazer
um trabalho interdisciplinar? Não temos este espaço de discussão. Quando
temos a formação pedagógica o material já vem pronto da SEED e não trata
sobre isto. Assim fica difícil.” (Professor(a) “C”)
“Apesar das tentativas de se trabalhar o tema de forma interdisciplinar nota-
se que os professores encontram dificuldades de articular com seus pares,
não são flexíveis, relutam por mudanças. Um dos problemas está na
fragmentação que existe entre os conteúdos e as disciplinas. Assim, o
professor (a) para trabalhar de maneira interdisciplinar precisa querer
mudar. A escola necessita de estratégias de ensino inovadoras, criativas,
visando romper com o conhecimento fragmentado Infelizmente são poucos
os professores com essa visão.” (Pedagogo(a) “F”)
Ainda como parte da implementação do projeto na escola foram
realizadas pesquisas nos diários de classe, também denominados “livro de
chamada” no ano de 2015, em todas as disciplinas do Ensino Médio, sendo uma
turma do 1º ano, uma do 2º ano e uma do 3º ano para verificação de possíveis
registros sobre a temática relativa a cultura africana, afro-brasileira e indígena. Nesta
pesquisa verificou-se nos diários da disciplina de arte, vagas citações de forma
genérica sobre arte africana e arte indígena no 1º ano, 2º ano e 3º ano.
Nos diários de Geografia não houve em nenhuma das séries referências a
história e cultura africana, afro-brasileira e ou indígena, apenas no 3º ano registrou-
se o conteúdo “continente africano” de forma vaga e generalizante.
Nos diários de História, no 1º ano houve registros sobre o trabalho
escravo no Brasil, no 3º ano sobre revoltas de escravos no Brasil, formação de
quilombos e revoltas indígenas.
Nos diário de Sociologia, foi registrado no 1º ano conteúdos referentes ao
mito da democracia racial e discussão sobre as cotas raciais. Nas demais
disciplinas não foi encontrado conteúdos referentes a cultura africana, afro-brasileira
e indígena.
Dando sequência a pesquisa, nas mesmas turmas, verificou-se também
os Planos de Trabalho Docente, conhecidos como Planejamento, os quais eram
compatíveis com os registros dos diários de classe.
Por último foi analisado o Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual
Vicente Rijo2 do ano de 2017, onde verificou-se algumas incongruências, como por
exemplo, no item: Comunidade Atendida: perfil sócio econômico - Identifica-se a
ausência de informações sobre raça identificando apenas os locais de moradia,
tipos e condições de residência, salário base das famílias, acesso a internet, saúde,
emprego e escolaridade, entre outros, verificou-se que a Lei 10.645/03 é citada no
item Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educação Básica no Estado do Paraná,
onde também é citada a Lei 11.645/08 pela única vez. na pg. 19 e também na pg.
21, sendo que nas páginas seguintes percebe-se a ausência da Lei 11.645/08 no
Projeto Político Pedagógico -PPP da escola.
Percebe-se também que em todas as áreas do conhecimento ocorre a citação
da referida lei, em nota de rodapé, ao final de cada conteúdo estruturante abordado,
mesmo quando os conteúdos relacionados, aparentemente não tenham relação com
2 PPP – Disponível em:
http://www.ldavicenterijo.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/10/arquivos/File/PPP_2015.pdf .
Acesso 01.08.2017
história e cultura africana, afro-brasileira ou mesmo indígena, como por exemplo, na
disciplina de Matemática, no 1º ano do Ensino Médio quando trabalha conteúdos
estruturantes números, álgebras, grandezas e medidas; funções e geometria, ou
ainda em Física no 2º ano do ensino médio nos conteúdos referentes a movimento;
termodinâmica; eletromagnetismo. A Lei 10.639/03 é citada juntamente com outras
leis como: Prevenção ao uso Indevido de Drogas; Lei 9.799/95 – Educação
Ambiental; Educação Fiscal; Sexualidade Humana; Educação Ambiental;
Enfrentamento a Violência Contra a Criança e o Adolescente; Gênero e Diversidade
Cultural; Lei – 07/06 – História do Paraná. Lei nº 9503/97– Educação para o Trânsito
Da mesma forma, a Lei é citada em todas as séries e em todas as disciplinas,
mesmo quando não encontramos uma relação plausível com o conteúdo a ser
desenvolvido o que leva a crer que essas Leis foram citadas apenas para cumprir a
Legislação e não porque serão efetivamente trabalhadas.
As contribuições do GTR
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) constitui uma das atividades do
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e se caracteriza pela interação a
distância entre o professor PDE e os demais professores da rede pública estadual
de ensino. Durante o período de realização do Grupo de Trabalho em Rede - GTR,
de 22 de abril a 22 de junho, dos vinte professores inscritos, obteve-se a
participação de quinze cursistas que puderam contribuir com apontamentos, críticas
e sugestões de encaminhamentos para um trabalho mais efetivo da Equipe
Multidisciplinar, destes, relacionam-se os que foram mais discutidos pelos
participantes, sendo que os apontamentos normalmente foram feitos por um cursista
e discutido pelos demais:
Gráfico 1:
Gráfico elaborado pela autora.
Conforme podemos verificar no gráfico, a maioria dos professores
cursistas, ressaltam a importância da E.M. para o enfrentamento ao racismo e
reconhecem avanços expressos em práticas mais inclusivas no ambiente escolar,
nos dizeres de um professor cursista:
”O racismo é um fenômeno que se manifesta no espaço escolar e na
sociedade brasileira como um todo. Ele vem sendo recriado e realimentado
no âmbito das relações sociais: desde piadas de mau gosto contra o negro,
expressões e situações racistas nas redes sociais, discriminação policial na
hora da revista, invisibilidade na mídia e, o mais grave, a exclusão social e a
dificuldade de acesso a boas condições de vida, educação, saúde e
trabalho para a população afrodescendente e indígenas. Nesse último
aspecto, basta comparar os dados socioeconômicos do IBGE entre a
população negra e a população branca. Diante desse quadro, faz-se
necessário operacionalizar ações que reflitam sobre a discriminação étnica,
preconceito e exclusão, no sentido de viabilizar ações no âmbito da escola
que mudem o quadro das relações étnico-raciais no Brasil.” (Professora A ).
No que se refere à constituição da EM, houve por parte dos professores
cursistas algumas observações e críticas que devem ser consideradas:
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A EM constitui-se num dos caminhos para oenfrentamento ao racismo.
A EM representou avanços significativos econtribuiu para práticas mais inclusivas no
ambiente escolar
Sobre a importância da EM no ambiente escolar
Gráfico 2:
Gráfico elaborado pela autora.
Pelo gráfico percebe-se que os cursistas, apesar de reconhecerem a
importância da E.M. no ambiente escolar, não deixam de registrar críticas ao seu
funcionamento, especialmente no que se refere a falta de compromisso de alguns
dos seus participantes que estão interessados apenas na certificação, além da falta
de alternância entre os participantes que compõem a equipe, também observaram
que a maioria dos projetos desenvolvidos não tem continuidade em razão da
freqüente mudança dos professores de local de trabalho.
“Considero que o maior desafio da Equipe Multidisciplinar é deixar de ser
um “curso” que atribui horas para o plano de carreira e se tornar um
compromisso coletivo de combate às diversas formas de preconceito e
discriminação. Então, fica a pergunta, se a participação na Equipe
Multidisciplinar não contasse horas para cerificação, quantas escolas
paranaenses teriam EM?” (Professor(a) “B”).
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Muitos participam apenaspelo certificado, semcompromisso com a
necessidade de promoverações em defesa de umaeducação que valorize erespeite a diversidade
étnico-racial;
Não existe alternância nacomposição da EM
Dificuldade em darcontinuidade ao trabalho
ou projetos visto que acada ano muitos
componentes da EMmudam de escola
A maioria dos participantessão da área de humanas
Sobre a Construção da EM no Ambiente Escolar
GRÁFICO 3
Gráfico elaborado pela autora.
Mesmo reconhecendo que a atuação da EM provocou mudanças no
comportamento de alunos e comunidade escolar, muitos cursistas salientaram que a
resistência em discutir temas relacionados à questão étnico-racial e a cultura
africana, afro-brasileira e indígena ainda é muito grande.
“Sempre que trabalho com essa temática tenho ótimos resultados,
principalmente com alunos afrodescendentes. Já passei pela experiência de
acabar uma aula e uma aluna vir me abraçar dizendo que, pela primeira vez
na escola, sentiu-se representada. Acredito que resgatar essa história
enfatizando a resistência pode estimular a auto-estima e contribuir na
construção da identidade do aluno afro e da consciência histórica dos
demais” (Professor(a) “E”).
Ainda relataram que a maioria das ações ocorrem de forma isolada, mais
comumente na semana da consciência negra, não havendo oportunidades de
socialização com a comunidade escolar, sendo que não existe oportunidades para o
debate e a discussão, o que dificulta a realização de um trabalho interdisciplinar.
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As ações da EM temprovocado mudanças no
ambiente escolar
Ainda percebe-seresistência por parte deprofessores, direção e
equipe pedagógica quantoà aplicação das Leis
10.639/08 e 11.645/08;
As ações ocorrem deforma isolada, sendo
muito raro desenvolverações de formainterdisciplinar;
As ações, na maioria dasvezes, ocorrem apenas na
semana da consciêncianegra;
Sobre a Atuação da EM no ambiente escolar
Gráfico 4:
Gráfico elaborado pela autora.
É interessante observar que os professores de várias cidades
paranaenses que se inscreveram no curso, de certa forma, se identificaram com a
temática e demonstraram interesse e preocupação quanto a necessidade de
efetivação da Equipe Multidisciplinar, no entanto, apresentaram críticas e sugestões,
sendo que muitos observaram que o material encaminhado pela SEED, não passa
por consulta e que muitas vezes não interessam à maioria dos participantes das
Equipes Multidisciplinares. Também consideraram a necessidade de encontros entre
as equipes para troca de experiências, ou apresentação de relatórios sintetizando as
principais ações da EM em todo Paraná, bem como ressaltaram as dificuldades
para realização dos encontros, especialmente após a redução da hora atividade dos
professores.
Disponibilizamos a seguir alguns comentários feitos pelos professores
cursistas que que demonstram questões importantes sobre a temática afim:
“Inclusive a SEED solicita as equipes multidisciplinares relatórios das ações
nos colégios e eu me pergunto, o que esta sendo feito desses relatórios?
-1
1
3
5
7
9
11
13
15
Não existe consulta aosparticipantes sobre os
conteúdos e materiais quedeveriam ser abordados
nos encontros da EM e osmateriais encaminhados
muitas vezes não sãointeressantes
Deveriam ocorrer encontrospara troca de experiênciasentre as EM de diferentes
escolas
Os professores acumulammuitas atividades e, alémdisso, a hora atividade foireduzida, assim fica difícildesenvolver ações e ou
projetos que contribuampara uma educação para as
relações étnico-raciais
A SEED deveria organizartodo o material que tem
sido apresentado ao final decada ano, em forma de
relatório, pela EM edisponibilizar para todas asescolas para a socialização
desse material.
Dificuldades, Sugestões ou Críticas
Há ações previstas em conjunto e pela SEED? Há uma sistematização
desses dados da várias equipes multidisciplinares? De fato seria muito
interessante o acesso e pesquisa a esses dados”. (Professor(a) “C”).
“Enfrentar o racismo, o machismo e a homofobia é um papel da escola sim,
pois essas formas de discriminação são impeditivos do processo de
escolarização e, consequentemente, de humanização. A direção, a equipe
pedagógica, os professores e os agentes educacionais devem se
posicionar, de forma homogênea, contra todas as formas de preconceito,
todavia, muitas vezes são esses os atores das práticas preconceituosas e
discriminatórias, dentro e fora do ambiente escolar”. (Professor(a) “A”).
“Na atualidade as equipes multidisciplinares muitas vezes não conseguem
se reunir, falta informação, falta interesse de docentes, pedagogos(as),
funcionários(as) em participar de seu quadro. Seus planos de ação muitas
vezes se transformam em papéis burocráticos, vazios na sua execução”.
(Professor(a) “B”)
“Sempre que trabalho essa temática tenho ótimos resultados,
principalmente com alunos afrodescendentes. Já passei pela experiência de
acabar uma aula e uma aluna vir me abraçar dizendo que, pela primeira vez
na escola, sentiu-se representada. Acredito que resgatar essa história
enfatizando a resistência pode estimular a auto-estima e contribuir na
construção da identidade do aluno afro e da consciência histórica dos
demais” (Professor(a) “D”).
Essas observações demonstram que existe por parte dos professores, o
reconhecimento da importância e necessidade de uma equipe que se propõe a
discutir temáticas referentes à questão étnico-raciais e que ao longo de sua
existência foi possível pensar criticamente sobre a atuação da Equipe
Multidisciplinar e seus problemas e dificuldades.
Por outro lado, muitos cursistas teceram críticas às ações da SEED no
que se refere ao suporte necessário para o desenvolvimento de práticas que tornem
efetiva uma educação para as relações étnico-raciais, assim, nos dizeres de um
professor:
“Nos últimos 3 anos tenho participado da EM em minha escola, e em todos
os anos o suporte da Secretaria foi apenas na questão do subsídio teórico.
Todas as atividades que desenvolvemos fizemos com recursos e materiais
próprios. Mesmo os palestrantes que trouxemos, vieram por espontânea
vontade. Um caminho importante seria aproximar Universidade da escola,
fazendo trabalhos conjuntos e formativos, mas para isso há que se ter
meios e recursos, que, infelizmente, não existem no momento”. (Professor
(a) “G”).
Foram vários comentários que apontaram críticas à falta de estrutura para o
desenvolvimento de ações que fortaleçam o combate ao racismo e outras formas de
discriminação racial, como também muitas sugestões de parcerias com outras
instituições afins para formação de professores, especialmente considerando que
muitos não tiveram a formação necessária para desenvolver conteúdos relacionados
à cultura africana, afro-brasileira e indígena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante todo o processo de estudo e pesquisa buscou-se respostas à
seguinte problemática: as Equipes Multidisciplinares têm efetivamente contribuído
para implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 que instituem a
obrigatoriedade do ensino da História da África e das culturas africanas e indígenas
no Brasil? Quais são os limites e possibilidades de atuação da Equipe
Multidisciplinar?
A escolha desta temática de pesquisa parte do princípio de que ninguém
nasce racista, as pessoas tornam-se racistas aprendendo por meio de processos de
socialização a que são submetidas em suas relações sociais e experiências vividas
e presenciadas. Nesse sentido, compreende-se que a escola tem um papel
fundamental de promover entre seus alunos o aprendizado de como relacionar-se
com as diferenças a partir do reconhecimento, valorização e respeito a toda
diversidade.
Ainda nesta perspectiva, a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação – LDB de 1996, muito se avançou para garantir por meio de leis
específicas, que o ambiente escolar cumpra sua tarefa de promover uma educação
para relações étnico-raciais mais justas e livres de qualquer tipo de discriminação.
É importante ressaltar que esta compreensão é fruto também da luta dos
movimentos sociais, especialmente do movimento negro, por maior igualdade social
e respeito às diferenças, o que tem resultado em várias ações e políticas afirmativas,
por parte do poder público, que buscam promover o fim da discriminação e
preconceitos em relação a outras etnias e outras manifestações culturais.
Ao final dessa pesquisa, com amparo nas discussões teóricas sobre a
temática em questão e nas contribuições dos participantes do curso previsto na
produção didática com vistas à implementação do projeto na escola, bem como nas
contribuições dos cursistas participantes do Grupo de Trabalho em Rede – GTR,
pode-se afirmar que a reflexão, a discussão e a avaliação sobre a atuação da EM é
importante e necessária, visto que ainda temos um longo caminho a percorrer,
embora tanto no processo de implementação do projeto na escola, realizado no
formato de curso com os educadores, quanto no GTR, que contou com a
participação de professores de diferentes municípios do Paraná, nota-se que houve
avanços significativos, dependendo do interesse e motivação da comunidade
escolar. Assim pode-se afirmar que as Leis 10.639/03 e 11.645/08, têm por meio da
Equipe Multidisciplinar, se tornado uma temática que permeia as discussões
curriculares no ambiente escolar.
No entanto, verifica-se também, que o interesse pela temática em
questão, muitas vezes fica restrito a alguns participantes da EM, sendo perceptível,
nas contribuições dos profissionais envolvidos, relatos sobre as dificuldades
encontradas em envolver toda a comunidade escolar, sendo comum a resistência
em discutir a temática étnico-racial. Dessa forma, mesmo com o empenho por parte
daqueles que se envolvem e acreditam na necessidade e importância de uma
educação para as relações étnicas-raciais, os projetos e ações sempre são
desenvolvidos pelas mesmas pessoas. Mesmo assim, entende-se que é de
fundamental importância a continuidade dessa equipe, porém seria necessário rever
alguns procedimentos, entre os quais, considera-se:
Por parte da SEED:
Consultar os profissionais da educação que atuam no “chão da escola” sobre
os conteúdos relativos à educação para as relações étnico-raciais;
Socializar as ações desenvolvidas pelas escolas que são apresentadas em
forma de relatório final pela EM ao final de cada ano;
Propor um evento anual/bianual para o diálogo e troca de experiências entre
as equipes;
Avaliação periódica sobre o trabalho desenvolvido, isto contribuiria para
melhores resultados nas próximas ações.
Por parte da escola:
Inserir a temática “Educação para a Diversidade” no Projeto Político da
Escola e oferecer as condições necessárias para o desenvolvimento de projetos e
ações afins;
Adotar e disponibilizar práticas que favoreçam o conhecimento da realidade
escolar, como por exemplo, informações sobre o número de alunos negros, pardos,
brancos e outros;
Constar no planejamento dos professores de forma a garantir um trabalho
sistemático ao longo do processo de ensino e não apenas em datas específicas,
como 19 de abril e 20 de novembro;
Consulta e diálogo com o movimento negro e com representantes indígenas,
sempre que houver qualquer dúvida, especialmente na elaboração do projeto
Político Pedagógico.
Por parte da Equipe Multidisciplinar:
Reunir-se para estudo e discussão de temas afins;
Diagnosticar na realidade atual possíveis problemas e dificuldades e discutir
coletivamente formas e estratégias de ação para o enfrentamento desses
problemas;
Socializar as decisões tomadas pela EM com a comunidade escolar,
buscando assim maior envolvimento de todos e todas;
Estabelecer parcerias com núcleos presentes nas Universidades (NEAB);
Avaliação periódica sobre o trabalho desenvolvido, isto contribuiria para
melhores resultados nas próximas ações.
Por fim, é necessário que a escola como um todo, perceba que a
educação para as relações étnico-raciais é um DIREITO dos estudantes, e por isso,
todos os esforços são necessários para sua efetivação. Assim, os professores
devem ser preparados em sua formação para agirem frente às situações de tensão
produzidas por racismo, discriminação ou preconceito, com estratégias adequadas
que estimule nos estudantes a valorização e o respeito a toda diversidade e que
busque superar a desigualdade étnico-racial que ainda teima em persistir em nosso
país, garantindo assim que as diferenças existentes não se transformem em
desigualdade.
É preciso que efetivamente a escola se torne uma instituição social que
garanta o direito à educação para todos e todas, independente de sua origem social,
étnico-racial e cultural e para tanto, é necessário empreender uma luta contínua
contra o racismo, a discriminação e o preconceito.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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