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Zoologia Zoologia P oucas coisas nos confortam mais do que chegar em casa e sentir o aconchego que um lar oferece. Aquela sensação de bem-estar, tendo a nossa volta tudo que apreciamos, nossa família, objetos companheiros, um sofá, uma cama confortável, e uma confiança de que estamos protegidos e seguros. No entanto, muitas vezes, temos mais com- panhias do que imaginamos. Além de acon- chegante para nossa família, nossa casa pode ser também o ambiente perfeito para outros moradores, que gostam de se proteger da luz, do ar mais seco, de inimigos naturais, e ain- da encontram ali alimento em abundância. Para isso vale qualquer espaço, embaixo de móveis, como sofás, camas, armários, em calçados, se enrolam em nossas roupas de cama, e até se guardam em nossos bolsos. E com tanta proximidade assim, o inevitá- vel quase sempre acontece – o encontro. E pode ser um encontro doloroso, a dor é uma marca registrada do ataque desses nossos inimigos, já bem íntimos. De tão íntimos são chamados de animal sinantrópico, que vive junto ao homem, assim como as baratas já o fazem há muito tempo, aliás essas são seu prato predileto. Mas nem sempre foi assim. Tempos atrás viviam apenas em ambientes naturais, abri- gados em tocas subterrâneas, sob troncos em decomposição e serapilheira de florestas. Ainda até vivem por lá nos poucos fragmen- tos desses ambientes que ainda persistem. Mas receberam um convite irrecusável, um ambiente com tudo o que eles gostam, capaz de oferecer uma infinidade de abrigos aconchegantes, e comida, muita comida. Assim se espalharam pelo ambiente urbano em abundantes refúgios, como redes de esgoto, pilhas de materiais de construção, entulhos, entre outros. E de vez quando saem de suas tocas, para se alimentar, ou para procurar um novo abrigo, caso alguma coisa os incomode, como inseticidas, fumaças, pouca umidade, excesso de luz e calor... e aí eles se revelam, e cada vez mais encontramos mais e mais escorpiões por aí, e em nossas casas. Desses encontros surgem os acidentes. São mais de noventa mil aci- dentes anuais. É o animal peçonhento que mais mata no Brasil, são 130 mortes anuais, e há uma clara tendência de aumento desses números, haja vista que quinze anos atrás a ocorrência de acidentes e mortes era dez vezes menor, e os números avançam progressiva- mente ano a ano, o que oferece um prognós- tico bem mais alarmante para os próximos anos se nada for feito. Esse inimigo oculto, que se es- conde bem ao nosso lado, é uma figura muito constante em nosso imaginário, que se transfigura em diversas simbologias relacionadas à mitologia, à astrologia e ao fol- clore, mas, do ponto de vista real e prático, é simplesmente fatal. PROFESSOR LOFEGO FALA SOBRE O NÚMERO ELEVADO DE ACIDENTES COM ESCORPIÃO DURANTE O ANO Escorpião, esse inimigo oculto SÃO MAIS DE NOVENTA MIL ACIDENTES ANUAIS NO BRASIL Antonio Carlos Lofego, professor-doutor do Departamento de Zoologia e Botânica da Unesp - Câmpus de São José do Rio Preto. 30 31 UNESPCIÊNCIA | ABRIL 2018 ABRIL 2018 | UNESPCIÊNCIA ANTONIO CARLOS LOFEGO

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P oucas coisas nos confortam mais do que chegar em casa e sentir o aconchego que

um lar oferece. Aquela sensação de bem-estar, tendo a nossa volta tudo que apreciamos, nossa família, objetos companheiros, um sofá, uma cama confortável, e uma confiança de que estamos protegidos e seguros.

No entanto, muitas vezes, temos mais com-panhias do que imaginamos. Além de acon-chegante para nossa família, nossa casa pode ser também o ambiente perfeito para outros moradores, que gostam de se proteger da luz, do ar mais seco, de inimigos naturais, e ain-da encontram ali alimento em abundância.

Para isso vale qualquer espaço, embaixo de móveis, como sofás, camas, armários, em calçados, se enrolam em nossas roupas de

cama, e até se guardam em nossos bolsos. E com tanta proximidade assim, o inevitá-vel quase sempre acontece – o encontro. E pode ser um encontro doloroso, a dor é uma marca registrada do ataque desses nossos inimigos, já bem íntimos. De tão íntimos são chamados de animal sinantrópico, que vive junto ao homem, assim como as baratas já o fazem há muito tempo, aliás essas são seu prato predileto.

Mas nem sempre foi assim. Tempos atrás viviam apenas em ambientes naturais, abri-gados em tocas subterrâneas, sob troncos em decomposição e serapilheira de florestas. Ainda até vivem por lá nos poucos fragmen-tos desses ambientes que ainda persistem.

Mas receberam um convite irrecusável,

um ambiente com tudo o que eles gostam, capaz de oferecer uma infinidade de abrigos aconchegantes, e comida, muita comida.

Assim se espalharam pelo ambiente urbano em abundantes refúgios, como redes de esgoto, pilhas de materiais de construção, entulhos, entre outros. E de vez quando saem de suas tocas, para se alimentar, ou para procurar um novo abrigo, caso alguma coisa os incomode, como inseticidas, fumaças, pouca umidade, excesso de luz e calor... e aí eles se revelam, e cada vez mais encontramos mais e mais escorpiões por aí, e em nossas casas. Desses encontros surgem os acidentes.

São mais de noventa mil aci-

dentes anuais. É o animal peçonhento que mais mata no Brasil, são 130 mortes anuais, e há uma clara tendência de aumento desses números, haja vista que quinze anos atrás a ocorrência de acidentes e mortes era dez vezes menor, e os números avançam progressiva-mente ano a ano, o que oferece um prognós-tico bem mais alarmante para os próximos anos se nada for feito.

Esse inimigo oculto, que se es-conde bem ao nosso lado, é uma figura muito constante em nosso imaginário, que se transfigura em diversas simbologias relacionadas à mitologia, à astrologia e ao fol-clore, mas, do ponto de vista real e prático, é simplesmente fatal.

PROFESSOR LOFEGO FALA SOBRE O NÚMERO ELEVADO DE ACIDENTES COM ESCORPIÃO DURANTE O ANO

Escorpião, esse inimigo oculto

SÃO MAIS DE NOVENTA MIL ACIDENTES ANUAIS NO BRASIL

Antonio Carlos Lofego, professor-doutor do Departamento de Zoologia e Botânica da Unesp - Câmpus de São José do Rio Preto.

30 31UNESPCIÊNCIA | ABRIL 2018 ABRIL 2018 | UNESPCIÊNCIA

ANTONIO CARLOS LOFEGO