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COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / PRESIDÊNCIA - FIOCRUZ ANO II DEZ 2004 6 ESPECIAL SEMENTE DA FIOCRUZ GERMINA NO PARANÁ

ESPECIAL • SEMENTE DA FIOCRUZ GERMINA NO PARANÁ · o comportamento de adolescentes quanto à gravidez na adolescência; as reinternações no SUS; e o vírus sincicial respiratório

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COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / PRESIDÊNCIA - FIOCRUZ

ANO II

DEZ 2004

6

ESPECIAL • SEMENTE DA FIOCRUZ GERMINA NO PARANÁ

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novembro de 20042

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3novembro de 2004

EEEEE D I TD I TD I TD I TD I T O R I A LO R I A LO R I A LO R I A LO R I A L

PresidentePaulo Marchiori Buss

Vice-Presidente de Serviçosde Referência e Ambiente

Ary Carvalho de Miranda

Vice-Presidente deDesenvolvimento Institucional,

Informação e ComunicaçãoPaulo Ernani Gadelha

Vice-Presidente de Ensino eRecursos Humanos

Tânia Celeste Matos Nunes

Vice-Presidente de Pesquisa eDesenvolvimento Tecnológico

Euzenir Nunes Sarno

Chefe de GabineteArlindo Fábio Gómez de Sousa

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 6 - DEZEMBRO/2004

Coordenação: Christina Tavares

Edição: Wagner de Oliveira

Redação e reportagem:Adriana Melo, Fernanda Marques,

Pablo Ferreira, Raquel Aguiar,Ricardo Valverde, Sarita Coelho,

Wagner de Oliveira

Colaboradores:Paula Lourenço (CPqAM), Vivi Fernandes

(EPSJV), Thaís Aguiar (Farmanguinhos),Bruna Cruz (CPqAM)

Edição de arte:Guto Mesquita

Designer assistente:Flávia Masa

Projeto gráfico:Guto Mesquita e Sergio Magalhães

Fotografia: Peter Ilicciev e Agência Tyba

Administração CCS: Beatriz Ayres

Apoio administrativo/Eventos:Assis Santos

Secretaria: Inês Campos e Sílvia Roza

Mensageiro: Daniel Lima dos Santos

O que você achou da novaRevista de Manguinhos?

Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos - Rio deJaneiro - CEP: 21045-900

e-mail: [email protected] | tel: (21) 2270-5343

QAs doenças emergentes e reemergentes assombramo mundo! Numerosos cientistas, a OMS e grandesinstitutos responsáveis pelo controle das doençasinfecciosas e parasitárias apontam, por exemplo, para osriscos de uma pandemia de gripe, mas doenças como ahepatite C, o dengue, a Aids, outras doenças zoonóticas,assim como a velha conhecida tuberculose aí estão,colocando complexas questões para governos, cientistase para a sociedade como um todo. Conheça um poucodesses temas desafiadores e o que a Fiocruz vem fazendoem torno deles, inclusive mapeando a distribuição dashepatites no território brasileiro. Tratamos também neste número do IBMP, nossa unidadecientífica em Curitiba, pequena mas extremamenteprodutiva. Conheça também algumas pesquisas einiciativas para novos medicamentos que estamosfazendo com plantas brasileiras e a partir de derivadosdo petróleo, assim como a associação de medicamentospara facilitar sua utilização, no novo ComplexoTecnológico de Medicamentos de Farmanguinhos. No terreno das vacinas, a Fiocruz corre atrás deuma solução para a ancilostomíase (o “amarelão” donosso Jeca Tatu), junto com a Universidade GeorgeWashington, da capital americana. Doenças pouco conhecidas como as fobias sociais;o comportamento de adolescentes quanto à gravidezna adolescência; as reinternações no SUS; e o vírussincicial respiratório também estão na revista,mostrando o amplo espectro de temas de saúdecom os quais se envolve a Fiocruz. Temos também o artigo do presidente da SBPC, EnioCandotti, grande amigo desta Casa e, para completar, emgrande estilo, os depoimentos de três estudantes denível médio que participam do Programa de VocaçãoCientífica, uma das mais belas contribuições da Fiocruzde hoje para a ciência brasileira do amanhã. Paulo Marchiori BussPresidente da Fiocruz

uerido leitor,

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novembro de 20044

6 Notas

10 AssistênciaHospitalizado de novo?

12 ComportamentoLonge da escola,perto da maternidade

30 PesquisaHepatites mapeadas

32 MedicamentosEstudo de plantas econvênio com a Petrobrasem destaque

36 ImunobiológicosUma vacinacontra o amarelão

42 PesquisaVírus que atinge criançasvira alvo para vacina

46 ResenhasNovos livros eperiódicos da Fiocruz

50 ArtigoOs limites da certeza,por Ennio Candotti

14

Serviços

18

ÍÍÍÍÍ N D I C EN D I C EN D I C EN D I C EN D I C E

Fobia socialem focoPesquisadores criam escala paraavaliar o problema no Brasil

8Comportamento

Despertarpara a ciência

Jovens descobremsegredos dos laboratórios

Ensino

Um olhar sobrea oncocercoseEstudos da Fiocruz são referênciapara a doença que atinge territó-rio ianomami na Amazônia

Capa: “O triunfo da morte”,de Pieter Bruegel (óleo sobrepainel, 1562 - Museu do Prado)

IOC/Fiocruz

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5novembro de 2004

48

Um cientista completoLançados primeiros volumes da obracompleta de Adolpho Lutz

38

22

Fio da História

PesquisaPesquisaPesquisaPesquisaPesquisa

Sementeda Fiocruzno Paraná

Excelência da pesquisa daFundação chega ao sul do país

Epidemias

Emergênciade doençasHepatite c, hantavirose(vírus causador ao lado),febre amarela, raiva silvestre,febre maculosa voltam a ameaçar

Fernanda Marques/Fiocruz

COC/Fiocruz

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novembro de 20046

A Fiocruz renovou, no início deoutubro, o convênio de cooperaçãocom o Instituto Pasteur, da França. Asduas instituições pretendem estreitarrelações e ampliar projetos já existen-tes. Com o acordo, a Fundação passaa integrar o Amsud-Pasteur (progra-ma de integração científica e tecnoló-gica que abrange Argentina, Chile,Paraguai, Uruguai e Brasil) e a RedePasteur, sendo assim designada comoinstituição correspondente à francesa– no mundo, apenas 30 organizaçõesdetêm este privilégio. A Fiocruz é aprimeira da América Latina.

A assinatura ocorreu por tele-conferência. No Brasil, participaramdo evento o ministro da Saúde fran-cês, Philippe Douste-Blazy (em visitaao país), o embaixador da França,O Centro Federal de Educação

Tecnológica de Química de Nilópolis(RJ), o Projeto Portinari e a Fiocruzrealizaram conjuntamente o 2º Simpósio sobre Ciência, Arte e Cidadania,entre 9 e 12 de setembro, com oapoio institucional e operacional daAssembléia Legislativa do Estado doRio de Janeiro, que cedeu o plenáriodo Palácio Tiradentes – sede da Casa– para a maioria das sessões e daEscola Naval, onde ocorreram ofici-nas de trabalho.

O evento reuniu 307 participan-tes, a maioria educadores, que debate-ram a integração entre arte e ciênciacomo meio para alcançar inovaçãocriativa, promover a cidadania e me-lhorar o ensino, em todos os níveis.Nomes como Mauricio de Sousa, ocriador da Turma da Mônica, Aname-lia Buoro, arte-educadora, EnnioCandotti, presidente da SBPC, PauloBarros, carnavalesco da escola de sam-ba Unidos da Tijuca, entre muitos ou-tros, compuseram a equipe de pales-trantes, reunindo sempre em cadaatividade um artista e um cientista.

NNNNN OOOOO TTTTT A SA SA SA SA S

Simpósio reúnearte e ciênciapara promovercidadania

Jean de Gliniasty, o cônsul francês noRio de Janeiro, Richard Barbeyron, eo presidente da Fundação, Paulo Buss.Em Paris, o diretor-geral do Pasteur,Philipe Kourilsky, acompanhado doembaixador brasileiro naquele país,Sérgio Amaral, entre outros.

Além da entrada no Amsud-Pasteur e de tornar a Fiocruz uma insti-tuição correspondente ao instituto fran-cês, a renovação do acordo prevê odesenvolvimento de programas dedoutorado em conjunto. “A ampliaçãoda colaboração entre as duas institui-ções permitirá estreitar ainda mais a pes-quisa de produção. Finalmente, possi-bilitará a capacitação de pessoal,acordos de assessoria, visitas mútuas ecursos”, completa o assessor internaci-onal da Fiocruz, José Roberto Ferreira.

Fiocruz renova convêniocom Instituto Pasteur

A 2ª Olimpíada Brasileira deSaúde e Meio Ambiente recebeumais de 600 trabalhos. O projetoeducacional promovido pela Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pelaAssociação Brasileira de Pós-graduação em SaúdeColetiva (Abrasco) epelo Instituto Brasilei-ro do Meio Am-biente e dos Re-cursos NaturaisRenováveis (Ibama)teve seu processo de ins-crições encerrado em 30 deoutubro. O evento, voltado para es-tudantes do ensino fundamental (5ª a8ª série) e médio, tem como objetivopromover a reflexão sobre temas desaúde e meio ambiente tornandomais próximo do cotidiano escolaro saber científico. São três as modali-dades de premiação: “Arte e ciência”,

“Produção de textos” e “Projeto deciência”. Na primeira, concorrem tra-balhos que relacionem e integrem co-nhecimentos científicos e tecnológicosa manifestações artísticas como pin-

tura, escultura, colagem, mú-sica e teatro. A segunda

é destinada a pro-duções literá-rias em pro-sa ou poesia

e a terceira aprojetos de desen-

volvimento que busquemdinamizar e tornar mais atraente o

aprendizado das diversas disciplinasdo ensino fundamental e médio. Paraa segunda edição da Olimpíada Bra-sileira de Saúde e Meio Ambiente es-tão inscritos 162 trabalhos na moda-lidade “Arte e ciência”, 244 em“Produção de textos” e 147 em“Projetos de ciência”.

Olimpíada de saúde e ambiente

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7novembro de 2004

Polimorfismosgenéticos associadosà hanseníase

A maioria das pessoas que vi-vem em regiões nas quais a hanseníaseé endêmica já estiveram expostas aobacilo Mycobacterium leprae, masapenas algumas delas desenvolvem adoença. Por isso, já há algum tempoconsiderava-se provável que fatoresgenéticos fossem responsáveis pelaresistência ou suscetibilidade à molés-tia. Uma pesquisa que reuniucientistas canadenses, brasileiros,vietnamitas, franceses e holandesesmostrou que polimorfismos em umaregião específica do cromossomo 6estão ligados a uma maior suscetibili-dade para a hanseníase. Os resulta-dos do estudo, que teve a participa-ção da Fiocruz, foram publicados narevista Nature, causando grande re-percussão na comunidade científicainternacional. “É a primeira vez quesão identificadas variantes genéticascom função importante em uma do-ença infecciosa “, diz o biólogoMilton Moraes, do Laboratório deHanseníase da Fiocruz. “A pesquisatambém muda o foco de estudos daresposta imune: será que a imunida-de é conferida apenas por genes clas-sicamente associados ao sistemaimunológico?”

Mais seis vacinas deverão serproduzidas no Brasil no prazo má-ximo de três anos. Essa é a metado Programa Nacional de Com-petitividade em Vacinas (Inovaci-na), que pretende quebrar a de-pendência e reduzir o déficit nabalança comercial pelo investi-mento em produção, desenvolvi-mento e inovação tecnológica paraa produção de imunobiológicos.As seis vacinas, consideradasprioritárias - pentavalente, raivaem cultura celular, meningites B eC, hepatite A e leishmaniose cani-na - estão em fase final de desen-volvimento e deverão estar emuso em no máximo três anos.

A pentavalente, que será pro

duzida em conjunto por Bioman-guinhos, unidade da Fiocruz, e peloInstituto Butantan, vai unir a vacinatríplice bacteriana (contra difteria,tétano e coqueluche) às vacinas con-tra hepatite B e Haemofilus Influenzae(bactéria que causa meningite).“Como todos esses insumos já sãoproduzidos separadamente no Bra-sil, temos competência para uni-losem um só”, diz José Rocha Car-valheiro, coordenador do projeto.“As vantagens são custos menorese o aumento da adesão das pesso-as à imunização”, explica. O Ino-vacina faz parte de um projetomaior, o Inovação em Saúde, quetambém produzirá medicamentose kits para diagnóstico.

Brasil vai produzir mais seisvacinas no prazo de três anos

Estudo comparaprevalência dedoenças crônicas noRecife e na França

O Centro de Pesquisas AggeuMagalhães (CpqAM), unidade da Fi-ocruz em Pernambuco, em parceriacom o Instituto Nacional de Saúde ePesquisa Médica (Inserm) da França,dá início a uma pesquisa que vai com-parar a prevalência de obesidade, dahipertensão arterial e da diabetes tipoII na população do Recife com a de

três regiões da França. A idéia é ob-servar se está ocorrendo no Brasil o quejá se observa na Europa: a mudançade padrões de doenças infecciosas paraas crônicas, nesse caso, especificamen-te, as crônicas não-transmissíveis liga-das à nutrição.

O levantamento que será feito

no Recife deverá verificar as taxas deprevalência das três doenças e consi-derar uma série de variáveis: idade,sexo, precariedade social, prevalênciae mortalidade por grupos de causas,entre outros. O estudo terá como baseos dados fornecidos pelos seis distri-tos sanitários da capital pernambucana.

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novembro de 20048

I CCCCC O M P O RO M P O RO M P O RO M P O RO M P O R TTTTT A M E N TA M E N TA M E N TA M E N TA M E N T OOOOO

Fobia

em foco

socialFobia

em foco

social

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0 a 68, um ponto de corte que defineportadores de fobia social e não porta-dores – já que o limite utilizado nos Esta-dos Unidos (15 pontos) parece não seraplicável para a população brasileira.

Ansiedade e medo

Ir a uma festa, pedir informa-ção na rua, falar em público, comerna frente dos outros, tomar umcafezinho com alguém olhando... Paraum fóbico social, situações como es-sas são encaradas com intensa ansie-dade. As manifestações incluem tre-mor, suor, palpitação, vontade deurinar, náusea e podem até chegar auma perda de controle, caracteriza-da como ataque de pânico. “Três coi-sas são importantes no diagnóstico dadoença: a duração dos sintomas deveser maior do que seis meses em cri-anças e adolescentes; o adulto deveter a percepção de que seu medo nãose justifica; e os sintomas devem pre-judicar a vida da pessoa”, diz a médi-ca Liliane Vilete.

Ela conta que algumas pessoasdeixam de assumir cargos de chefia emuitos se esquivam de relacio-namentos amorosos. Esse é o caso dobrasiliense Rafael*, 23 anos, queparticipa de um grupo de auto-ajudacom outros fóbicos sociais. “Acho quesempre tive fobia social. Sempre fuitímido, tento sempre evitar festas. Opior é que isso foi a vida toda. Nãome lembro de ter realmente medivertido em uma festa. Na frente demeninas, eu sou um fracasso, nuncative uma namorada”, comenta.

Segundo a médica, pessoas comesses sintomas devem procurar umespecialista. A fobia social vem sen-do associada a outros transtornos de-pressivos, ideações suicidas e abusoou dependência de álcool. “Quantomais cedo for o diagnóstico, mas fá-cil será para a pessoa se reintegrar àsociedade”.

* nome fictício

ESarita Coelho

star no centro das atençõesincomoda. Muitos têm receiode serem julgados ou critica-dos quando estão sob o olharde outras pessoas. Mas, quan-

do esse medo passa a interferir navida social do indivíduo, é precisoprocurar um especialista. Cientistaschamam de fobia social o medo acen-tuado e persistente de ser julgado, cri-ticado ou humilhado nas mais diver-sas situações. Atualmente não existemestatísticas sobre a prevalência dessadoença na população brasileira. Asentrevistas diagnósticas disponíveissão muito extensas, consomem mui-to tempo e têm um custo elevado, oque dificulta a realização de estudosepidemiológicos. Mas isso está pres-tes a mudar.

Pesquisadores brasileiros investi-garam a confiabilidade da versão emportuguês do Social Phobia Inventory(Spin), instrumento de auto-preenchi-mento utilizado nos países de línguainglesa para avaliar a fobia social emuma grande população. Os resultados,publicados na revista científica Cader-nos de Saúde Pública, mostraram índicesde confiabilidade semelhantes aos daversão original, o que prova que a ver-são brasileira é aplicável para medirnossa população.

“Não se pode simplesmente pe-gar um instrumento de outro país etraduzi-lo para o português. É precisoavaliar se ele funciona para nossa po-pulação, porque as populações são di-ferentes e as compreensões dos itenstambém são diferentes”, disse o mé-dico Evandro Coutinho, da EscolaNacional de Saúde Pública SergioArouca (Ensp), unidade da Fiocruz,que assina o estudo junto com LilianeMaria Pereira Vilete e Ivan Luiz deVasconcellos Figueira, ambos do Ins-tituto de Psiquiatria da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Inventário de Fobia Social con-siste em 17 itens que abarcam três im-

portantes critérios que definem a fobiasocial: o medo, a esquiva das situaçõese os sintomas de desconforto físico. Paracada item do questionário, solicita-se aoindivíduo que indique o quanto as situ-ações ou sintomas descritos o incomo-daram na última semana, devendo sermarcada uma entre as cinco opções,que variam de 0 a 4. A pontuação totaldo questionário vai de 0 a 68.

Para a versão brasileira, dois psi-quiatras com experiência em fobia so-cial fizeram a tradução do Spin de for-ma independente. Em seguida, doistradutores bilíngües que não conheci-am a versão original em inglês retra-duziram os textos para o inglês, tam-bém de forma independente. Essasnovas versões foram comparadas como texto original, elaborando-se umaversão final de consenso. Por último,foi realizado um pré-teste com 20 ado-lescentes de uma escola e de um am-bulatório de psiquiatria infanto-juve-nil do Rio de Janeiro, para avaliar acompreensão do instrumento. Combase em suas sugestões, foi elaboradaa versão final em português.

O questionário foi aplicado emestudantes de 5ª a 8ª séries de duas es-colas situadas no bairro de Ramos, noRio de Janeiro. Entre os 398 alunos,190 participaram do estudo de confia-bilidade, preenchendo o questionáriouma segunda vez. Descartados 20 alu-nos que cometeram erros ao respon-der o questionário, a pesquisa avaliou170 alunos com idade média de 13 anos.

Os resultados mostraram um bomdesempenho do instrumento no que dizrespeito à confiabilidade teste-reteste, oque sugere que ele apresenta uma estabi-lidade dos dados e pode ser reproduzido.Os cientistas também mostraram que oquestionário pode ser aplicado em dife-rentes subgrupos, já que aparentementeos resultados obtidos não dependem dosexo, da idade ou do histórico de repro-vação dos estudantes. A próxima tarefaserá realizar um estudo de prevalênciaem uma população maior. Também serápreciso identificar, dentro dessa escala de

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novembro de 200410

A S S I S T Ê N C I A

Rehospitalizado

Pesquisainédita revela

porque pacientessão internadosrepetidas vezes

por quê?

E

por quê?

m cada cinco pacientes, detodas as idades, internados noHospital Público Regional deBetim, em Minas Gerais, umjá esteve hospitalizado e, por

algum motivo, precisou ser readmiti-do. É o que mostra uma pesquisa fei-ta pela médica Mônica Silva Monteirode Castro em seu doutorado na Es-cola Nacional de Saúde Pública Ser-gio Arouca (Ensp) da Fiocruz. Comdados das Autorizações de Interna-ção Hospitalar (AIH), disponibiliza-das pelo Sistema Único de Saúde(SUS), Mônica também traçou umperfil desses pacientes que retornama um leito de hospital.

De acordo com os resultadosdo estudo – que acaba de ser aceitopara publicação na revista científica

Cadernos deSaúde Pública, publica-

da pela Ensp–, as crianças in-ternadas repetidas vezes eram mais no-vas, passavam mais dias no hospital etinham maior risco de falecer na hos-pitalização seguinte. No grupo dosadultos, as admissões repetidas forammais comuns entre os mais velhos, in-ternados primeiramente por motivosnão-cirúrgicos, que ficaram mais diashospitalizados e apresentaram maiorrisco de óbito na próxima internação.

“O risco de óbito na hospita-lização subseqüente foi utilizado comouma medida aproximada da gravida-de do paciente”, explica Mônica. Asinternações repetidas de um mesmoindivíduo funcionam como indicado-res da eficiência dos serviços de saú-de. E o tempo transcorrido entre umahospitalização e a seguinte revela as-pectos importantes não só da quali-dade da assistência médica como tam-bém do perfil do paciente. “Intervaloscurtos entre uma internação e a pró-xima podem ser sinal de inadequação

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tem condições deadquirir medicamentos

nem de dar continuidade ao trata-mento em casa. Provavelmente porisso retornam ao hospital com seu es-tado de saúde agravado.

O trabalho de Mônica, portan-to, pode ajudar aos médicos a ofere-cerem um melhor atendimento aos in-divíduos sob risco de reinternação.“Por exemplo, se uma pessoa combaixa escolaridade é internada por in-suficiência renal, ela poderia ser fortecandidata a readmissões hospitalares.Deveria ser dada a ela atenção espe-cial, o que inclui, por exemplo, umacompanhamento médico mais pró-ximo e um número maior de visitasdo Programa de Saúde da Família”,exemplifica Mônica.

O problema é que, para a im-plementação de ações eficientes nocombate às reinternações desneces-sárias, é importante que se tenha aces-so a informações que não estão dis-poníveis nas fichas da AIH. “Oformulário tem um campo para o di-agnóstico secundário, ou seja, para oregistro de um outro problema desaúde além daquele que motivou ahospitalização.Porém, em 80% das fi-chas estudadas, esse campo estavavazio”, lamenta Mônica. A médica re-comenda não só o preenchimentocompleto da AIH como também oacréscimo de mais campos para oregistro de diagnósticos secundáriose para dados como gravidade do

caso ou escolarida-de do paciente.

Em países desenvolvidos, es-tudos realizados com uma faixa etáriaespecífica – a dos idosos – encontra-ram uma proporção de reinternaçõesmaior que a observada no hospital deBetim. No âmbito nacional, a falta deparâmetros de comparação é aindapior, já que não há trabalhos seme-lhantes ao de Mônica publicados nopaís. Por isso, não se pode dizer seaquele percentual de 20% de readmis-sões em Betim é alto ou baixo nemse ele apresenta tendência ao cresci-mento ou à queda. De qualquer for-ma, os dados levantados em MinasGerais pela Fiocruz podem embasarações governamentais para que o Bra-sil planeje adequadamente a oferta deseus serviços hospitalares e otimize aaplicação de seus recursos no sistemapúblico de saúde.

As reinternações desnecessárias,além de desperdiçarem recursos pú-blicos, dificultam o acesso de quem re-almente precisa dos serviços de saúde.Porém, não se pode confundir essassituações com aquelas em que areadmissão do paciente é imprescin-dível, como em geral acontece comportadores de doenças graves. “Nãose pode prejudicar nenhum paciente,mas a necessidade de contenção de des-pesas no sistema público de saúde éuma realidade e, portanto, o desperdí-cio com reinternações desnecessárias éinaceitável”, conclui a médica MariliaSá Carvalho, da Ensp, que, junto coma médica Cláudia Travassos, do Cen-tro de Informação Científica e Tecno-lógica (Cict) da Fiocruz, orientou a tesede doutorado de Mônica.

dos servi-ços de saúde pres-

tados ao paciente durantea primeira admissão”, afirma Mô-

nica. “Intervalos longos, por sua vez,podem sugerir a presença de proble-mas crônicos de saúde ou questõessocioeconômicas que dificultam o tra-tamento ambulatorial”, completa amédica.

Mônica fez um levantamento dasfichas da AIH referentes a todos ospacientes internados no hospital deBetim de julho de 1996 a junho 2000,excluindo as internações apenas nosetor de obstetrícia e os óbitos na pri-meira admissão. Foram, então, estuda-das mais de 31 mil fichas. A médicaconstatou que, entre os pacientes quepassaram por reinternações, o tempomédio transcorrido entre uma admis-são e a seguinte foi de um ano e cincomeses, para as crianças, e de um ano edois meses, para os adultos. Esses tem-pos podem ser considerados bem lon-gos, pois a reinternação precoce é aque-la que ocorre poucos dias depois de opaciente ter deixado o hospital.

É preciso cuidado na análise des-ses intervalos mais longos verificadosem Betim. Eles podem revelar que umnúmero não-desprezível de pacientescarece de acompanhamento médicoadequado após a alta hospitalar e não

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novembro de 200412

os 16 anos e iniciando oensino fundamental, apernambucana Simo-ne* foi mãe pela pri-meira vez. Ela faz par-

te de uma estatística que mostra queo nível educacional influencia no com-portamento sexual e reprodutivo dasadolescentes das regiões Nordeste eSudeste do Brasil. Alunas com me-nos de cinco anos de escolaridade têmmaior probabilidade de ter a primei-ra relação sexual na adolescência,menor propensão a usar métodos an-ticoncepcionais nessa relação e apre-sentam maiores riscos de gerar filhos,quando comparadas a estudantescom cinco ou mais anos de estudo.

Longe da escola,perto da maternidade

CCCCC O M P O RO M P O RO M P O RO M P O RO M P O R TTTTT A M E N TA M E N TA M E N TA M E N TA M E N T OOOOO

AOs resultados são de uma pesquisaque avaliou os fatores associados aocomportamento sexual e reprodutivodas jovens dessas duas regiões.

Publicado na revista Cadernos deSaúde Pública, o estudo tomou comobase três aspectos: a iniciação sexual,o uso de métodos anticoncepcionaisna primeira relação sexual e a fecun-didade. Segundo o estatístico Iúri daCosta Leite, do Programa de Com-putação Científica da Fiocruz, queassina o artigo junto com os pesqui-sadores Roberto do NascimentoRodrigues e Maria do Carmo Fonseca,da Universidade Federal de MinasGerais, houve um aumento das taxasde fecundidade entre as adolescentes

nos últimos 30 anos. Dados da déca-da de 90 revelam que cerca de 30%das adolescentes brasileiras, na faixade 15 a 19 anos, já tiveram um filho.Considerando-se mulheres que aca-baram de entrar na fase adulta, de 20a 24 anos, 32% tiveram pelo menosum filho durante a adolescência.

Para a avaliação, foram utiliza-dos dados da mais recente pesquisademográfica focalizando questões defecundidade, anticoncepção e saúdereprodutiva da mulher realizada noBrasil, a Pesquisa Nacional SobreDemografia e Saúde (PNDS), feitapela Macro International, radicada nosEstados Unidos. Em 1996, a empre-sa coletou informações sobre níveis

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de fecundidade, mortalidade in-fantil e materna, anticoncepção, saú-de da mulher e da criança, conheci-mento sobre DSTs, além de dadossócio-demográficos. Os pesquisado-res optaram por investigar apenas osdados referentes ao Nordeste e Su-deste devido aos diferenciais sócio-econômicos das duas regiões, sendoa primeira a menos desenvolvida e asegunda a mais desenvolvida do país.Do total, 3.035 mulheres com idadesentre 15 e 24 anos foram entrevista-das, sendo 1.174 do Sudeste e 1.861do Nordeste. Para descobrir as vari-áveis que influenciam o comporta-mento sexual, a equipe utilizou ummodelo estatístico conhecido comomodelo de incidência em tempo dis-creto, que permite estimar os dadosde forma mais precisa.

O fator mais determinante nocomportamento sexual e reprodutivodas adolescentes foi o nível educaci-onal. De acordo com os dados ana-lisados, o risco de uma adolescentecom cinco ou mais anos de escolari-dade ter um filho é 58% menor doque o risco de uma adolescente commenos de cinco anos de escolarida-de. Essas adolescentes também sãomenos propensas a ter a primeira re-lação sexual na adolescência e maispropensas a usarem algum métodoanticoncepcional na primeira relação.

A possibilidade de ter a primei-ra relação sexual na adolescência e depassar por uma gravidez precoce au-menta com a idade. Essa também éuma variável importante em relaçãoao uso de métodos contraceptivos.Quanto mais velha é a adolescente,mais chances ela tem de se proteger.A possibilidade de jovens de 19 anosusarem métodos anticoncepcionais é2,4 vezes maior, quando comparadasàs meninas de 15 anos.

As variáveis de cor e exposiçãoà mídia não foram estatisticamente sig-nificativas no que diz respeito à pri-meira relação, ao uso de preservativoe ao risco de gravidez precoce. Quan-to à religião, o risco de uma adoles-

cente católica ter relação sexual é 30%menor do que o observado entre asmeninas que disseram não ter religião.Essa diferença aumenta para 50%quando se compara adolescentes semreligião e aquelas de outras religiões quenão a católica. A iniciação sexual naadolescência também difere em rela-ção ao lugar de residência. Jovens daárea urbana têm uma propensão 33%maior de ter uma relação sexual doque aquelas da área rural.

Só acontececom o vizinho

Os cientistas também chamamatenção para outro fenômeno preo-cupante: a descontinuidade no uso demétodos contraceptivos. Segundo apesquisa, a chance de uma adolescenteque reside no Sudeste usar algum mé-todo anticoncepcional na primeira re-lação é duas vezes maior do que a dasjovens que residem no Nordeste. Seessa chance se mantivesse, pela lógica,adolescentes do Sudeste apresentariamriscos menores de terem filhos. Masisso não se verifica, o que mostra queas jovens não previnem a gravidez emtodas as relações sexuais.

Para Iúri da Costa Leite, pesqui-sas incluindo novas variáveis devemser feitas para tentar explicar os fato-res que levam a essa descontinuidadeno uso de métodos contraceptivos.“Nós utilizamos os dados mais atuaissobre o comportamento sexual dapopulação brasileira, que datam de1996. Seria interessante coletar dadosmais recentes, alem de pesquisar ex-plicações para alguns resultados ob-tidos”, diz.

Residindo em regiões diferen-tes, a mineira Aline* e a baianaRoberta* tiveram histórias parecidasde gravidez precoce. “Eu tinha 19anos, usava pílula anticoncepcional eesquecia com freqüência. Com isso,o meu ciclo mudava todo mês. Tam-bém me sentia muito mal com o re-médio. Quando soube que meu na-morado ia se mudar dentro de um

mês, parei de tomar o remédio poresses motivos e comecei usar camisi-nha. Aí já viu, né, um dia era com,outro era sem. Mas uma coisa é cer-ta. Tanto eu quanto ele sabíamos exa-tamente o risco que corríamos, masa gente sempre acha que só acontececom o vizinho”, conta Aline*.

Para Roberta*, a família tam-bém desempenha um papel impor-tante na orientação da adolescente.“Acho que tudo aconteceu porque euera muito nova e nunca tinha tido aoportunidade de conversar com nin-guém sobre métodos contraceptivos.Hoje penso que a família seria funda-mental nesse processo. Na minha casatodos sempre foram muito fechadospara conversar sobre relacionamen-tos, namoros, sexo etc, tanto que agravidez precoce acabou se repetin-do com a minha irmã. Quando fiqueigrávida, o único método contraceptivoque usava era camisinha e, mesmoassim, não era sempre, talvez porquenão imaginasse o quanto era fácil fi-car grávida”, revela.

Os especialistas chamam a aten-ção para os riscos da gravidez na ado-lescência, que vem sendo associada aaltas taxas de mortalidade materna,maior chance de aborto, complicaçõesno parto e prematuridade. Do pontode vista social, existe a possível perdade oportunidades educacionais e detrabalho entre as que engravidam, oque reforça a inquietação.

Um alerta recente divulgadopela ONU põe a gravidez na adoles-cência como um dos problemas maispreocupantes do Brasil. Dados do Mi-nistério da Saúde e do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE)mostram que o número de adolescen-tes grávidas no país aumentou 15%desde 1980. Atualmente,de cada cemmulheres que têm filhos no Brasil, 28são menores de 18 anos. Levando-seem conta os número de nascidos nopaís, significa que 700 mil meninas bra-sileiras se tornam mães a cada ano.

* nomes fictícios

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novembro de 200414

EEEEE N S I N ON S I N ON S I N ON S I N ON S I N O

Programa de iniciaçãocientífica conquistaadolescentes

acillus cereus e Vibrio choleraesão nomes com os quais

pesquisadores com formação

na área da saúde estão acostumados a

lidar. Mestres e doutores se dedicam a

denominações como essas para

fazerem grandes descobertas. Mas

para as estudantes Aline Fonseca, do

Colégio Pedro II, e Lígia de Almeida,

do Colégio de Aplicação da Uerj, esses

nomes científicos também são comuns.

Alunas do Programa de Vocação

Científica (Provoc) desde 2002, elas

desenvolvem pesquisas que

contribuem para o trabalho da Fiocruz.

B

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15novembro de 2004

Aluna do ensino médio em açãoem laboratório da Fiocruz noVocação Científica, que já formou850 jovens pesquisadores

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novembro de 200416

qual carreira eu iria seguir. Hoje es-tou decidida. Vou fazer medicina”,diz Lígia, que trabalha um projetosobre a caracterização de Vibriocholerae, bactéria causadora do cóle-ra, do Departamento de Bioquími-ca e Biologia Molecular do IOC.Dentre as atividades da aluna no la-boratório, estão a leitura de artigoscientíficos, renovação da coleção debactérias e preparo para a técnica de

eletroforese – técnica utilizada paraseparar DNA. Lígia acredita que oProvoc também é uma ajuda para ovestibular. “Acertei duas questões daprova de biologia, na primeira faseda Uerj, sobre eletroforese. Apren-di isso no laboratório”, afirma a jo-vem pesquisadora.

Para Ronaldo Figueiró, colabo-rador do IOC e ex-aluno do Provoc,os benefícios da iniciação científica vãoalém do vestibular. “Quando eu co-mecei a estudar biologia, na UFRJ,percebi que tinha mais facilidade queoutros colegas para desenvolver tra-

Vivi Fernandes

Provoc, criado em 1986pela Escola Politécnicade Saúde Joaquim Ve-nâncio (EPSJV), da Fio-cruz, promove a inicia-

ção científica de alunos do EnsinoMédio nas diferentes áreas de pesquisaem saúde, como biomédica, saúdepública, história e filosofia da ciência.

O programa conta com a parceria deunidades da Fiocruz, secretarias deEducação e Meio Ambiente do mu-nicípio de Guapimirim (RJ), do Cen-tro de Estudos e Ações Solidárias daMaré e de 14 escolas. Atualmente, ainiciativa conta com 88 alunos e, des-de sua criação, formou 850 jovenspesquisadores na Fiocruz.

Aline Fonseca tem 17 anos eacredita que a passagem pelo Provocconfirmou suas intenções de seguir naárea biomédica. Na maratona do ves-tibular, espera ser aprovada para ocurso de biologia ou medicina veteri-

nária. “De qualquer maneira, preten-do continuar pesquisando. Gosto deme aprofundar em um tema, conhe-cer coisas novas e achar resultados in-teressantes”, diz a aluna, que desenvol-ve o projeto “Isolamento de Bacilluscereus e Bacillus thuringiensis a partir decondimentos e farináceos comerciali-zados na cidade do Rio de Janeiro”,no Departamento de Bacteriologia doInstituto Oswaldo Cruz (IOC).

Os resultados encontrados porAline, que detecta a existência ou nãode toxinas nas bactérias, são regis-trados no laboratório e armazenadospara a contribuição de novas pesqui-sas a serem feitas. Da mesma forma,os estudos de Lígia de Almeida, tam-bém de 17 anos, podem ser úteis atrabalhos futuros em favor da quali-dade de vida da população.

“Eu me interessei pelo Provocporque sempre quis ver como era otrabalho de pesquisa na área de bio-logia. Quando ingressei no progra-ma, ainda estava em dúvida sobre

O

Ronaldo (à esquerda), ex-aluno e hoje orientador do Provoc. Aline (centro) trabalha na Bacteriologia e Lígia (à direita) na Bioquímica

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17novembro de 2004

O que leva um adolescente ase interessar pela pesquisacientífica?

São muitas as razões. Acre-dito que no início trata-se de uminteresse bastante genérico pela pes-quisa científica, mas aos poucos elevai ganhando contornos interessan-tes e o jovem se aproxima de for-ma muito peculiar do mundo daciência e da tecnologia. O aluno doProvoc vive essa experiência únicade aprender ciência fazendo ciên-cia. Logo, ele percebe que é muitodiferente estar aprendendo ciêncianum laboratório e aprender ciên-cia na sala de aula. As duas formasde aprendizagem são essenciais,elas se complementam. Na Fio-cruz, os alunos começam a enten-der que o fazer científico é muitomais complicado e complexo doque imaginavam.

Eles rapidamente compreen-dem que a ciência é uma atividadeque não envolve apenas idéias,pensamentos e coisas abstratas.Essa é a riqueza da experiênciavivida pelos nossos alunos no la-boratório, no campo e até na lei-tura crítica de um texto, que é úni-ca e incomparável. Lembre-se quea iniciação científica na Fiocruznão está relacionada apenas às ci-ências experimentais. Existem hojealunos nas áreas de epidemiologia,história, sociologia, educação e naárea da divulgação científica.

Qual a importância do Provocpara os jovens pesquisadores?

Nós sabemos hoje que mui-tos egressos do Provoc estão in-gressando em equipes de trabalhocom um nível de formação cientí-

fica muito bom. A postura, a ex-periência e até o conhecimento dosrituais existentes são sempreelogiadíssimos nos alunos do pro-grama. Eles têm muita familiarida-de com os processos envolvidosna pesquisa.

Alguns ex-alunos do Provocsão hoje pesquisadores daFiocruz. Pode-se dizer que amaioria dos alunos do progra-ma continuam a carreira depesquisador depois de ingres-sar na universidade?

Não sabemos se a maioria.Precisamos fazer novos levanta-mentos, é verdade. O fato é quetodos ingressam na universidade,o que já é um feito neste país. Alémdisso, um número grande segue acarreira científica, de pesquisadora professor, passando por médi-cos, psicólogos, veterinários, den-tistas e farmacêuticos.

Quais os critériosutilizados para a seleção?

A ênfase maior é dada em ter-mos do interesse pela pesquisa ci-entífica. Depois, procuramos iden-tificar as áreas do conhecimento.A equipe de coordenação discutecom os candidatos alguns itens, taiscomo: se ele gostaria de trabalharcom experimentação, com pesquisade campo, com pesquisa na áreadocumental etc. Se ele gosta de ex-perimentação, nós procuramos co-nhecer melhor os seus interessesespecíficos, por exemplo, se há in-teresse na área de experimentaçãoanimal ou se ele prefere trabalharcom microscópios ou outros equi-pamentos do gênero.

ENTREVISTACristina Araripe, coordenadora do Provoc há um ano

balhos. Muitas vezes, o aluno só tem aoportunidade de delinear um projetona pós-graduação. No programa, oestudante faz isso antes de entrar prafaculdade”, diz Figueiró, que hoje émestre em ecologia pela UFRJ e co-orientador de uma aluna do Provoc,na área de entomologia. “Desde quefui aluno do Provoc, pensei em estar“do outro lado”. Orientar uma estu-dante do Provoc é uma experiênciafantástica. É bom ver sua inquietude etentar fazer pelos outros o que fize-ram por mim”, diz o ex-aluno.

Ritos do Programade Vocação Científica

O Provoc é composto por duasetapas: Iniciação, com duração de 12meses, e Avançada, com 18 meses. Aofinal de cada uma, acontece a Jornadade Vocação Científica, em que os alu-nos apresentam em público relatóriose resultados sobre sua pesquisa, emexposições orais ou em sessões depainéis. A pesquisadora Clara Cavados,do IOC, orienta a estudante Aline Fon-seca e acredita que a participação dosestudantes na Jornada é um passo im-portante para a carreira dos novospesquisadores. “Esse é o futuro deles.Falar em público sobre o seu projetoé essencial para o pesquisador. A Jor-nada possibilita que os alunos vejamcomo é a vida científica. Para quem,futuramente, se apresentará em con-gressos, a experiência de ter participa-do da Jornada, seja como apresenta-ção oral ou pôster, ajuda muito”, dizela, que é orientadora do Provoc hámais de dez anos.

Para a sua orientanda Aline, essaexperiência faz parte do processo depesquisa e colabora para a troca deinformações. “É importante saberapresentar o que você desenvolveu etransmitir os resultados para outraspessoas”, garante Aline, que apresen-tou seu trabalho na Jornada de abril,na sessão de painéis.

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m reconhecimento a um tra-balho desenvolvido desde1998 no território ianomami,no Norte do Brasil, o Minis-tério da Saúde conferiu a um

laboratório do Instituto Oswaldo Cruz(IOC), unidade da Fiocruz, o título deReferência Nacional em Simulídeos eOncocercose. A oncocercose, doençaparasitária comum na África, mas co-nhecida no Brasil há apenas 40 anos,forma uma área endêmica restrita aoterritório ianomami – região que co-meçou a ser visitada naquele ano pelaentomóloga Verônica Marchon Silva.Na época a pesquisadora começava aestudar os simulídeos, gênero de mos-quitos transmissores da moléstia.Verônica, em colaboração com outrosprofissionais do IOC, padronizou paraas espécies de mosquitos que existemna fauna brasileira as técnicas molecu-lares que detectam, no vetor, o parasi-ta causador da doença. Além disso, oscientistas também avaliaram a eficáciado tratamento realizado pela FundaçãoNacional da Saúde (Funasa) na áreaendêmica, a partir de 1995.

A oncocercose é uma doença cau-sada pelo parasito Onchocerca volvulus,transmitido em forma larvar pela pi-cada de simulídeos infectados. Apesarde não ser letal, a oncocercose provo-ca coceira intensa e gerodermia – per-da de elasticidade que causa pregas napele, como em um envelhecimento pre-coce. No Brasil a oncocercose, por seruma doença relativamente nova, nãoapresenta a sua manifestação mais se-vera: a perda de visão, que na África,onde a doença foi verificada pela pri-meira vez, no final do século 19, rendea oncocercose o nome de “cegueira dosrios”. A denominação popular se justi-fica porque a doença é comum em áre-

PPPPP E S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S A

ELaboratório da Fiocruz passa a ser padrão em oncocercose

as ribeirinhas, habitat das formas ima-turas dos simulídeos, e porque as lar-vas de O. volvulus podem se instalar nosolhos, causando infecção que leva àperda da visão.

No Brasil, a oncocercose foidiagnosticada pela primeira vez em 1967em uma menina que vivera na Serra doParima (RR), na fronteira com aVenezuela, em território ianomami. Ali,a doença forma uma área endêmicahabitada atualmente por quase 14 milíndios. Em Minaçu (GO), a oncocerco-se apresentou-se na forma de um pe-queno foco onde 12 pacientes forampositivos. Apesar de ser um dos 35 paí-ses atingidos pela oncocercose, ainda nãohavia no Brasil um protocolo padroni-zado de testagem molecular que permi-tisse identificar, nas espécies de vetoresque existem aqui, aqueles simulídeos queestão infectados com o parasito causa-dor da doença. “Os testes molecularespara detectar a presença de O. volvulusem simulídeos foram desenvolvidos emmeados da década de 80 para espéciesque existem em outros países. Para asespécies que ocorrem no Brasil aindaera preciso padronizar esta técnica, o quefizemos agora”, afirma Verônica.

Para identificar se um mosquitoestá infectado com O. volvulus, o testede PCR utiliza iniciadores molecularesque, de forma simplificada, sãoseqüências de nucleotídeos complemen-tares a regiões do DNA do parasitocapazes de localizar regiões muito es-pecíficas do DNA do mesmo, que nãoseriam encontrados em outras espéci-es e por isso assegurariam o acerto dodiagnóstico. O que Verônica fez, soborientações de Octávio Fernandes, doIOC, e de Rory Post, do NHM (ReinoUnido), foi padronizar o teste molecu-lar usado para diagnóstico em outros

países. No Brasil só estava disponível ométodo parasitológico, que consiste naconstatação da presença das larvas doparasito através da dissecação dos si-mulídeos. Além de ser mais caro e de-morado do que o método molecular,já que exige a dissecação manual dosborrachudos um a um, o teste parasi-tológico pode dar margem a erros, umavez que as larvas de O.volvulus podemser confundidas com larvas semelhan-tes de outros parasitos.

Além de padronizar no Brasil oteste de PCR para detecção de O. vol-vulus, a pesquisadora também avaliouo impacto das ações de controle dadoença em território ianomami atravésdo estudo da evolução da taxa deinfectividade e infecção dos simulíde-os em duas aldeias. “As aldeias de Bala-waú e Toototobi foram selecionadas porindicação da Funasa porque existiamdados anteriores da incidência da do-ença com os quais poderíamos compa-rar com os dados recentes”, justificaVerônica. “As duas aldeias são localiza-das em floresta densa. Balawaú tem 321indígenas e Toototobi, 377. Levanta-mento de 1995, ano em que teve inícioo tratamento da doença, verificou a pre-valência da oncocercose em 75,8% dapopulação em Balawaú, caindo para37%. Já em Toototobi, a oncocercoseatingia 56,2% da população em 1995.Hoje, este número caiu para 20,9%”.Como ela explica, a queda das taxas deprevalência da doença indicam a eficá-cia do tratamento da oncocercose, queconsiste na administração de duas do-ses anuais de um medicamento a basede ivermectina. Como não elimina oparasito adulto, mas apenas afeta a suareprodução e elimina os parasitos emestágio inicial, a ivermectina precisa seraplicada durante períodos de no míni-

Referência nacional

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19novembro de 2004

Médico da Funasa fazexame clínico em ianomami

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novembro de 200420

mo dez anos para que possa recobrir otempo de vida do parasito.

O estudo também avaliou a pre-valência de simulídeos infectados porO. volvulus: a taxa de infecção dos mos-quitos caiu de 8,6% para 0,2% emBalawaú e de 4% para 0,1% em Too-totobi tendo como referência dados de1995. Observou, ainda, a flutuação dadensidade populacional das espécies desimulídeos em Balawaú e Toototobi nodecorrer do ano para determinar quaisseriam as épocas preferenciais para otratamento da população. Além disso,definiu qual o horário preferencial depicada de cada espécie e estimou o nú-mero mensal de picadas por simulídeo.Apenas quatro das 14 espécies de si-mulídeos existentes na região amazônicaforam verificadas como capazes detransmitir oncocercose: S. oyapockense,S. exiguum, S. guianense e S. incrustatum.

“Em Balawaú encontramos pre-valência das espécies S. oyapockense en-tre janeiro e março, enquanto o S.guianense foi encontrado em maior quan-tidade entre agosto e outubro”, apre-senta a pesquisadora. “O horário pre-ferencial de picada do S. oyapockense emBalawaú é entre 15h e 18h, enquantoo S. guianense tem atividade maior noinício da manhã e no final da tarde”.Em Balawaú, a taxa mensal de picadapara S. oyapockense foi de 1.271 picadasao mês e de 898 para o S. guianense.“Já em Toototobi, a espécie S. oyapo-ckense é prevalente, tem grande atividadede picada durante todo o dia e seu picopopulacional acontece em janeiro, fe-vereiro e junho”, completa. A taxamensal de picada encontrada para S.oyapockense em Toototobi foi de 2.065picadas ao mês. “Os dados sobre oshábitos dos vetores indicam que, emBalawaú, existe potencial de transmis-são da oncocercose durante todo o anodevido à alternância na prevalência dasespécies, enquanto em Toototobi o pe-ríodo de maior potencial para trans-missão da doença ocorre em janeiro eem junho, quando, portanto, seria omomento mais indicado para o trata-mento”, sugere a pesquisadora.

os 17 milhões de casos deoncocercose registrados nomundo, 99% ocorrem naÁfrica, de acordo com da-

dos da Organização Mundial de Saúde.Como esta doença, verificada pela pri-meira vez em Gana em 1875, chegouao Brasil? Por que existem casos de on-cocercose em Goiás, a mais de dois milquilômetros de distância do foco origi-nal, em território ianomami? O que ex-plica que, no Brasil, a doença conside-rada a segunda causa infecciosa decegueira no mundo não manifeste estesintoma? Estas e outras perguntas sãoesclarecidas por Marilza Herzog, pes-quisadora do IOC e especialista na dis-persão da oncocercose no Brasil.Entomologista por formação, Marilzaestudou a princípio os vetores da mo-léstia, mas ultrapassou os limites da bi-ologia e hoje domina a doença de for-

A trajetória daoncocercose no mundo

ma integral, nos seus aspectos médicos,epidemiológicos, históricos e culturais.

O primeiro registro da oncocer-cose ocorreu em 1875, quando pacien-tes em Gana, na África, foram diagnos-ticados com o que na época erachamado de forma genérica como craw-craw, nome dado a qualquer lesão crônicana pele. Os estudos sistemáticos da on-cocercose no país começaram em 1974e verificaram a condição endêmica daregião amazônica. Em 1986 foi desco-berto o primeiro caso da doença forado território ianomami: uma jovem dacidade de Minaçu (GO), que nuncahavia estado na área endêmica.

Como a pesquisadora esclarece, ateoria mais aceita para o surgimento dadoença no Brasil indica que a oncocer-cose foi trazida por escravos africanos.“Exames do DNA das espécies de O.volvulus encontradas nos continentes afri-

D

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21novembro de 2004

imulium lobatoi é o nome danova espécie de borrachudodescoberta por pesquisadoresda Fiocruz em viagens aoMato Grosso e a Goiás. A

novidade contribui para o estudo dafauna nacional de simulídeos, gênerode dípteros popularmente conhecidoscomo borrachudos e responsáveis pelatransmissão da Onchocerca volvulus, ver-me causador da oncocercose. A desco-berta da nova espécie é resultado deestudos colaborativos entre os pesqui-sadores da Fiocruz e do Museu de His-tória Natural de Londres, que já per-correram mais de seis mil quilômetrosrealizando capturas de simulídeos paramapear as espécies locais.

Esta nova espécie poderia ser umbom vetor da oncocercose porque apre-senta uma das características que favo-receriam a transmissão de larvas do ver-me causador da doença. “O cibário, queé o órgão do borrachudo responsávelpela sucção, localizado entre a aberturabucal e a faringe, é liso na espécie lobatoi,ao contrário de outros simulídeos queapresentam cerdas cortantes”, observa

Descoberta de nova espécie de simulídeocontribui para estudos da oncocercose

cano e americano, realizados na décadade 1990, indicam que a hipótese maisviável é a da importação da doença atra-vés do tráfico de escravos”, observaMarilza. “Apesar do isolamento dos ia-nomami, houve penetração colonial es-panhola na bacia do Alto Orinoco, prin-cipalmente com vistas à extração deouro. A relação cordial dos índios comos escravos africanos que trabalhavamno garimpo é uma hipótese para expli-car porque os ianomami, um grupo pra-ticamente isolado, teria contraído a do-ença. Acredita-se que alguns escravosjá estariam infectados antes de seremretirados da África e que teriam funci-onado como reservatório para transmis-são da O. volvulus aos índios porque oslocais de garimpo, que são os leitos dos

rios, são criadouros das espécies de si-mulídeos capazes de transmitir o ver-me causador da oncocercose”.

Para a origem dos casos da doen-ça no Centro-Oeste do país, a teoriamais aceita é de que garimpeiros queadquiriram a doença em território ia-nomami durante invasões ilegais da áreaindígena migraram para a região deGoiás disseminando a doença. Isso sófoi possível porque lá existem mosqui-tos do gênero dos simulídeos, capazesde transmitir a oncocerco-se. Recentemente, 12 pes-soas estavam infectadaspor O.volvulus na região.Como a pesquisadora ex-plica, a formação de no-vos focos da doença no

país é difícil. “Para que aconteça a dis-persão da doença não basta que existauma só pessoa infectada e simulídeos.Para o surgimento de um novo foco énecessária a existência de um grupo depessoas infectadas, com carga parasitá-ria significativa em conjunto com umapopulação de vetores com boa capaci-dade de transmissão. Caso contrário, nãoexistirão larvas circulantes no corpo dodoente suficientes para infectar o vetore assim transmitir a doença”.

o entomólogo do IOCAntonio Paulino LunaDias, um dos pesquisa-dores que descobriu oS. lobatoi na cidade deMinaçu (GO).

Conforme com-provado, através de téc-nicas de microscopiaeletrônica, os simulíde-os que possuem cibáriocom dentes, em geral,são maus transmissoresdo verme causador daoncocercose porque es-tas estruturas costu-mam dilacerar as larvas.“Tendo em vista que oS. lobatoi não possui es-tes dentes, ele potenci-almente seria um bom transmissor daoncocercose, mas entre os exemplaresque nós coletamos nenhum estava in-fectado”, conclui Dias.

Uma curiosidade: o nome maisóbvio do S. lobatoi seria S. tangaraensis,já que o primeiro exemplar da espéciefoi capturado em Tangará da Serra (MT).

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Simulium oyapockense: um dos vetoresda oncocercose na região amazônica

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O nome foi dado em homenagem aopesquisador Wladimir Lobato Paraense,conhecido como um dos maiores espe-cialistas em caramujos do mundo. Em1976, quando era vice-presidente da Fi-ocruz, Lobato estimulou e proporcionouas condições para que o laboratório desimulídeos do IOC fosse criado.

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novembro de 200422

Semente da Fiocruzgermina no Paraná

PPPPP E S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S A

Fernanda Marques

esenvolver e aprimorarinsumos para a saúde hu-mana e animal, além dequalificar recursos huma-

nos e estabelecer parcerias com o setorprodutivo, tanto estatal como priva-do: esses são os objetivos dos pes-quisadores da Fiocruz, antes vincula-dos ao Instituto Oswaldo Cruz (IOC),no Rio de Janeiro, que se mudaram

para Curitiba e fizeram germinar a se-mente plantada pela Fundação na ca-pital paranaense. Esses profissionais,sob a direção do biológo SamuelGoldenberg, integram a equipe doInstituto de Biologia Molecular doParaná (IBMP), formalmente criadoem 1999 como resultado de um con-vênio de cooperação firmado entre aFiocruz e o Governo do Paraná.O IBMP ocupa uma área de mil me-tros quadrados no campus do Insti-

Dtuto de Tecnologia do Paraná (Tec-par), na Cidade Industrial de Curiti-ba, e conta com uma moderna infra-estrutura para o desenvolvimento depesquisas de ponta. Hantavirose, he-patite C e dengue, em humanos, as-sim como brucelose e leucose, nogado, são algumas doenças que es-tão na mira do IBMP, que tambémse destaca pelas pesquisas em genô-mica funcional e novos alvos paramedicamentos.

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23novembro de 2004

Fernanda Marques/Fiocruz

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novembro de 200424

Três novos kits paradiagnóstico do dengue

equipe do IBMP tem traba-lhado no desenvolvimentode três novos kits para di-agnóstico da dengue maisbaratos que os importa-

dos e com vantagens técnicas em rela-ção aos kits alternativos já existentes nomercado nacional. Os novos insumosjá passaram com sucesso em ensaiospreliminares e estão, agora, sendo vali-dados no Instituto de Tecnologia emImunobiológicos (Biomanguinhos) daFiocruz, no Rio de Janeiro. Por enquan-to, existe um acordo de sigilo entre oIBMP e Biomanguinhos, pois, se ficarconfirmada a maior eficiência desseskits, a Fiocruz pode até solicitar pedi-dos de patentes.

Alguns anos atrás Biomanguinhoslançou um kit alternativo para diagnós-tico do dengue. Eficiente no diagnós-tico e mais barato que os importados,esse teste apresenta um inconveniente:as proteínas virais usadas na reação sãoobtidas pela maceração de cérebros decamundongos que receberam injeçõescom vírus. Como esse procedimentoenvolve uma série de dificuldades, oideal seria substituí-lo por outras técni-cas de produção das proteínas virais.E foi exatamente isso o que o IBMPcomeçou a fazer, em um projeto co-ordenado pela bióloga Claudia NunesDuarte dos Santos. Produzido para ossorotipos 1, 2 e 3 do vírus da dengue,um dos novos testes, em vez do ma-

cerado, utiliza proteínas virais (antíge-nos) recombinantes. Elas são fabricadasa partir de plasmídeos (DNA circular)contendo o gene correspondente àproteína viral de interesse; esses plas-mídeos são inseridos em bactérias quepassam a expressar a proteína viralrecombinante.

Alvo contra o dengueOs pesquisadores do IBMP con-

seguiram um feito inédito no Brasil:produziram em laboratório umaenzima do vírus do dengue – a protease– biologicamente ativa. Agora, pelaanálise da estrutura tridi-mensional des-sa molécula, podem desenhar e testardrogas específicas que interajam coma protease e inibam a ação da enzima,bloqueando, assim, a infecção provo-cada pelo vírus. Se a protease estiverinibida, o vírus não tem como proces-sar suas outras proteínas para dar con-tinuidade à infecção. Por isso, essaenzima – que é diferente das proteaseshumanas – seria um alvo excelente paranovos medicamentos. Ainda não exis-tem medicamentos específicos (antivi-rais) contra a dengue.

“Foram seis anos de tentativas,mas hoje temos proteases ativas dosvírus da dengue dos sorotipos 1 e 2. Apesquisa com a protease do vírus dafebre amarela também já está em faseadiantada”, conta Claudia, que traba-lha em colaboração com o médicoLuiz Juliano Neto, da Escola Paulistade Medicina (EPM), da UniversidadeFederal de São Paulo (Unifesp).

Neurônios e dengueEmbora o vírus do dengue seja

conhecido por infectar algumas célu-las do sangue, como os macrófagos,certas cepas virais têm demonstradohabilidade para atacar neurônios. NoIBMP, o aluno de doutorado JulianoBordignon comparou quatro cepas devírus do dengue do sorotipo 1: umacepa parental isolada de paciente e, de-rivadas desta, duas artificialmente adap-

A

Mosquito transmissor do dengue em ação:vêm aí três novos kits de diagnóstico da doença

Genilton Vieira/IOC

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25novembro de 2004

hantavirose e a hepatite Ctêm mais em comum do

que o fato de ambas se-rem causadas por ví-rus: as duas doenças

estão prestes a ganhar seus primei-ros kits nacionais de diagnóstico,frutos de pesquisas realizadas noIBMP. Esses novos insumos para asaúde humana são mais adequadosà realidade brasileira não só porquecustam menos que os importados.Feitos a partir de vírus que circu-lam no Brasil, e não com cepas viraisestrangeiras, os novos kits seriammais específicos e sensíveis para di-agnosticar pacientes no país.

Para hantavirose, um teste deNested-RT/PCR, que detecta o ma-terial genético do vírus no sanguedo paciente, já foi desenvolvido e

está em fase de vali-dação. Um outro kit,que usa proteínasvirais produzidas pelatecnologia do DNArecombinante, temproduzido resultadosbastante satisfatóriosem ensaios prelimina-res. O Nested-RT/PCR diagnosticaria ahantavirose em umafase inicial, quandoexistem muitos víruscirculando no sangue.Já o kit de proteínarecombinante pode-ria detectar tanto IgM

(anticorpo característico de uma in-fecção recente) como IgG (anticor-po presente em uma fase mais tar-dia da doença) durante o curso dainfecção.

Atualmente, há três instituiçõespúblicas no Brasil que fazem diag-nóstico de hantavirose. Esses labo-ratórios analisam amostras de san-gue dos pacientes com suspeita dadoença por meio de kits comerciaisimportados ou, então, cedidos pelo

Center for Disease Control (CDC),nos Estados Unidos. Sob orientaçãode Claudia, a médica e aluna de dou-torado Sonia Raboni é responsávelpelo desenvolvimento dos kits naci-onais para diagnóstico da hantaviro-se. “O primeiro passo foi caracteri-zar geneticamente as cepas virais quecirculavam no país”, diz Sonia. An-tes desse trabalho, praticamente nãose fazia idéia do perfil genético doshantavírus que circulavam por aqui.

Para hepatite C, os pesquisa-dores pretendem desenvolver umPCR em tempo real, técnica que,além de detectar o material genéti-co viral, conseguiria estimar a quan-tidade de vírus circulantes no san-gue do paciente. No Brasil, todosos kits usados hoje para diagnósticoda doença são importados. As amos-tras de sangue dos pacientes podemser submetidas a dois tipos de aná-lise: por PCR, que encontra o ma-terial genético viral, e por Elisa, quedetecta anticorpos contra o vírus.

Como o custo do PCR é mui-to alto (chega a R$ 2 mil por teste),fica inviável utilizá-lo na análise dasbolsas nos bancos de sangue. “Opta-se, então, pelo Elisa, mas este tem oinconveniente de só detectar a in-fecção quando há anticorpos. Às ve-zes, o doador se contaminou tão re-centemente que seu organismo aindanão teve tempo de produzir anti-corpos para se defender do vírus.Nesse caso, usando apenas o Elisa,a infecção passa despercebida e osangue doado pode disseminar a do-ença”, explica o médico e aluno demestrado Cesar Duarte, orientadopelo biólogo Marco Aurélio Krieger,pesquisador do IBMP. “Já estamoscom muitos dados de seqüências dogenoma dos vírus da hepatite C quecirculam no Brasil”, adianta Krieger.A idéia é usar esses dados para con-feccionar um kit para diagnósticoda doença específico para as cepasvirais encontradas no país.

tadas para infectar neurônios, além deuma cepa isolada recentemente de umpaciente em Curitiba. Como já era es-perado, os vírus neuroadaptados semultiplicaram in vitro de quatro a cincovezes melhor em neurônios que emmacrófagos, ambos os tipos celulares re-tirados de camundongos. Surpreenden-temente, porém, a cepa selvagem de Cu-ritiba também demonstrou in vitro umacapacidade três vezes maior de se repli-car em neurônios de camundongos.

O paciente do qual essa cepacuritibana foi isolada apresentava ossintomas clássicos do dengue, emborajá tenham sido relatados – na Índia, naChina e até na região Norte do Brasil– casos de pessoas que, com neurôni-os infectados pelo vírus, tiveram para-lisia ascendente ou problemas encefá-licos. Esses sintomas encefálicos podemser revertidos, se a infecção for debe-lada, ou levar ao óbito.

Sob orientaçãode Claudia, Bordignonpretende agora inves-tigar por que os neu-rônios de algumas pes-soas são suscetíveis aovírus da dengue e os deoutras não. “Essa in-vestigação vai envolvera análise dos mecanis-mos de expressão gê-nica da célula deflagra-dos na presença dovírus”, explica ele.

Durante seu pós-doutorado na França,Claudia participou de um projeto emque, a partir de vírus normais dosorotipo 1 da dengue, incapazes deatacar neurônios, foram produzidasem laboratório cepas virais com habi-lidade de infectar o cérebro de camun-dongos. “Mapeamos as mutações queconferiam essa habilidade às cepas. Pelolado do vírus neuro-adaptado já sabe-mos o que acontece. Queremos agoracompreender o lado do neurônio sus-cetível à infecção”, diz a bióloga.

AHantavirose e hepatite C

Estrutura do vírusda hepatite C simuladapelo computador

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novembro de 200426

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ma ferramenta capaz dediagnosticar várias doen-ças de uma só vez: isso épossível e pode se tornarrealidade em breve. “Essa

é uma tecnologia do futuro e nósestamos começando a trabalhar comela aqui”, entusiasma-se Krieger. Pormeio de análises de bioinformática, jáforam identificados alguns marcadoresmoleculares que poderiam ser usadosnessa nova plataforma de diagnósticos.“Acredito que, três meses após termosacesso aos recursos financeiros, já es-taremos fazendo testes em escala-pilo-to”, adianta o biólogo.

O projeto dessa nova ferramentade diagnósticos teve origem no biochip

de Trypanosoma cruzi, desenvolvido pelaequipe do IBMP, de forma pioneira naAmérica Latina, há cerca de dois anos.Esse biochip consiste de uma lâmina devidro onde são fixados milhares de genesdo parasita. Ele é útil ao estudo da ex-pressão gênica do T. cruzi, protozoáriocausador da doença de Chagas, em al-guma situação biológica de interesse: na

crescente o número de plan-tas, animais e microrganismosque já tiveram seu genomaseqüenciado. Mas, depois dedesvendadas as seqüências de

um organismo, é necessário partir paraestudos de genômica funcional, ou seja,investigar a função dos genes e sua ex-pressão em diferentes situações bioló-gicas. Utilizando o biochip de T. cruzi,os pesquisadores do IBMP analisammilhares de genes de uma só vez. As-sim, eles já conseguiram dados inéditossobre o mecanismo de regulação da ex-pressão gênica do parasita – responsá-vel pela morte de pelo menos seis milbrasileiros por ano.

Coordenados por Goldenberg eKrieger, o grupo do IBMP/Fiocruzcomparou o estágio de epimastigota (noqual o T. cruzi se replica no intestinodo barbeiro, o inseto transmissor da do-ença de Chagas) com a fase de dife-renciação para tripomastigota (formaque infecta as células do paciente). Es-ses dois estágios do T. cruzi foram com-parados quanto à totalidade do mRNA(molécula que, produzida a partir do

Biochip de diagnóstico

U

É

Dados inéditossobre a regulaçãogênica do T. cruzi

presença de remédios, durante a dife-renciação celular, no momento em queo parasita infecta a célula hospedeira.

O biochip possibilitou o estudosimultâneo de milhares de genes. An-tes, as pesquisas ficavam restritas apoucos genes. Agora que a equipe doIBMP já adquiriu bastante experiênciacom essa tecnologia, a idéia é confecci-onar um biochip que, em vez de genesdo T. cruzi, contenha seqüências espe-cíficas do genoma de outros microrga-nismos causadores de doenças em hu-manos. Mas o princípio da técnica é omesmo: o material genético de patóge-nos eventualmente presentes, por exem-plo, em uma amostra de sangue do pa-ciente, é extraído, marcado com

fluorescência e hibri-dizado com obiochip de diagnóstico. As regiões queficarem coloridas na lâmina correspon-dem às infecções apresentadas pelo pa-ciente. “É possível ainda descobrir seas bactérias responsáveis por essas in-fecções são resistentes a antibióticos ouqual é o sorotipo do vírus causador dadoença”, acrescenta Krieger.

Trypanosoma cruzi, causadorda doença de Chagas: novosestudos sobre o papel dosgenes do parasita que mata seismil pessoas por ano no Brasil

Máquina usada paraexperimentos com biochips,que no futuro podem sercapazes de diagnosticar váriasdoenças ao mesmo tempo

Fernanda Marques/Fiocruz

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parasita naquela situação biológica éencaminhado para os ribossomos e uti-lizado na síntese protéica. Ter à disposi-ção a totalidade do mRNA, provavel-mente, facilita a vida do T. cruzi. Se, poracaso, ele for submetido a algum estressee, para se defender, precisar usar prote-ínas diferentes, ele não precisará perdertempo transcrevendo genes: bastará queele direcione o mRNA de que precisapara os ribossomos.

Alvo contraa doença de Chagas

As enzimas topoisomerases do T.cruzi parecem ser um bom alvo para odesenvolvimento de drogas contra adoença de Chagas, que atinge cerca de16 a 18 milhões de pessoas só na Amé-rica Latina e permanece um desafio paracientistas de todo o mundo. É o quesugere estudo coordenado pelo biológoStenio Fragoso, pesquisador do IBMP.

As topoisomerases são enzimasenvolvidas, por exemplo, na duplicação esegregação das moléculas de DNA. NoT. cruzi, a organela responsável pela pro-dução de energia (mitocôndria) chega ater 20 mil moléculas de DNA circularesumas ligadas às outras. Se as topoisome-rases estivessem inibidas, a mitocôndriaentraria em colapso e, conseqüentemen-te, o parasita também não resistiria.

Como as topoisomerases do T.

cruzi são diferentes das humanas, dro-gas que inibissem essas enzimas do pa-rasita, provavelmente, seriam menostóxicos para os pacientes que os remé-dios usados hoje contra a doença deChagas. Por outro lado, as topoisome-rases do T. cruzi têm características quese assemelham às encontradas em bac-térias. “E foi por isso que decidimostestar o efeito de medicamentos inibi-dores de topoiso-merases bacterianas(tipos de antibióticos já comercialmen-te disponíveis) contra o parasita da do-ença de Chagas”, conta Fragoso.

Os antibióticos, adicionados aculturas in vitro de T. cruzi, reduziram amultiplicação do parasita e a sua dife-renciação em formas infectivas. O nú-mero de células infectadas pelo T. cruzitambém foi diminuído. Mas ainda nãoforam feitos experimentos in vivo.

Os pesquisadores tentam, agora,obter frações ativas das topoiso-merasesdo T. cruzi, usando a tecnologia do DNArecombinante, de modo que a estrutu-ra tridimensional das enzimas e seusmecanismos de ação sejam esclareci-dos. “A partir desses dados, pode serpossível redesenhar os medicamentos,melhorando a interação deles com astopoisomerases do parasita e, quemsabe, criando uma alternativa terapêu-tica eficiente contra a doença de Cha-gas”, conclui Fragoso.

DNA, carrega as informações de umgene para a síntese de proteína). Em-bora as duas formas do parasita apre-sentem diferenças significativas, foramidentificados menos de 20 genes dife-rencialmente expressos.

Fez-se, então, uma análise apenasdo mRNA polissomal (aquele que, liga-do a organelas chamadas ribosso-mos,está sendo traduzido em proteína). Des-sa vez, foram encontrados quase milgenes com expressão diferenciada nosdois estágios do T. cruzi. Comparaçõesentre as outras formas do parasita che-garam à mesma conclusão: durante oprocesso de diferenciação do T. cruzi,o que varia não é o mRNA total, e simo mRNA polissomal.

“Nossos dados sugerem que 98%da regulação da expressão gênica do T.cruzi correspondem a um mecanismonovo de mobilização polis-somal, ouseja, de seleção do mRNA que será con-vertido em proteína”, explica Krieger.A grande maioria dos organismos deque se tem notícia faz regulação gênicana etapa da transcrição, e não depoisdela, como no T. cruzi.

Ao que parece, o mRNA produ-zido, mesmo sem ser usado para a sín-tese de proteína, não é degradado. Elecontinua no citoplasma da célula. E, pormeio de mecanismos ainda desconheci-dos, apenas o mRNA necessário para o

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Vacina anti-rábica aperfeiçoadaTransgênicoscertificados írus da raiva eram injeta-

dos no cérebro de camun-dongos, onde se multiplica-

vam. Em seguida, o cérebroera macerado, as partículas virais pas-savam por um processo de inativaçãoe o produto obtido era purificado. Ba-sicamente, era assim que se fabricavaa vacina anti-rábica humana. Mas aOrganização Mundial da Saúde(OMS) passou a condenar esse tipode produção, alegando impureza davacina e reações adversas a ela associ-adas. No Brasil, o Ministério da Saú-de também passou a rejeitar a vacinaproduzida dessa forma. Isso exigiuque o Tecpar, maior produtor brasi-leiro de anti-rábica, se atualizasse. Coma assessoria científica do IBMP, o Tec-par já domina a técnica mais moder-na de produção da vacina, em cultu-ras de células in vitro, o que dispensa osacrifício de animais.

“Na nova técnica, as células sãocultivadas in vitro e, depois de um cer-to tempo, são infectadas com o vírusrábico, que começa a se multiplicar.As partículas virais liberadas das célu-las para o meio de cultivo são, então,recolhidas, inativadas, concentradas epurificadas”, explica Fra-goso. “A vacina anti-rábicahumana é produzida emculturas de células que con-taminam facilmente e têmdificuldade de se reprodu-zir in vitro, além de exigi-rem uma variedade de mi-cronu-trientes e cuidadosmuito especiais. Para ven-cer esses obstáculos, a co-laboração do IBMP temsido fundamental”, co-menta o farmacêutico Re-nato Rau, diretor de pro-dução do Tecpar.

Sem o macerado decérebros, o produto final é

mais puro e, portanto, produz menosefeitos indese-jados, como vermelhi-dão e prurido. O uso do maceradotambém poderia ser responsável poruma reação adversa neurológica, asso-ciada à possível presença na vacina deresíduos de mielina, substância que en-volve os neurônios. Mas esse assunto éainda muito controverso e polêmico.

Dominar uma nova técnica deprodução de um insumo para a saú-de é um processo demorado. Mas, noque depender do trabalho em con-junto do IBMP e do Tecpar, já noinício de 2007 a vacina anti-rábicahumana estará sendo produzida emculturas de células in vitro. “No finalde outubro deste ano, devem come-çar as obras para a construção de umaplanta de protótipo, semi-industrial,que terá capacidade para produzircerca de 300 mil doses. Coloco 2007como prazo-limite para o início daprodução, mas pode até ser antes”,afirma Rau. A demanda do Ministé-rio da Saúde é 1,2 milhão de doses deanti-rábica humana por ano.

om a autorizaçãodo Conselho Regi-onal de Biotecno-logia, o Tecpar tem

hoje um laboratóriode certificação da soja. Certifi-car significa monitorar as eta-pas de produção, como colhei-ta, transporte, armazenagem eprocessamento, assim comoanalisar a composição do pro-duto que chega ao consumidor.Para esta análise, o Tecpar contacom a colaboração do IBMP,que domina a técnica de detec-ção e quantificação de transgê-nicos na soja.

“Até onde eu tenho notí-cia, a análise de transgênicos jáera feita por alguns laboratóri-os nacionais, públicos e priva-dos, mas a certificação aindaestava limitada a certas empre-sas multinacionais no Brasil.Hoje, a parceria entre o IBMPe o Tecpar, ambos públicos,oferece um sistema de certifi-cação que não deixa nada a de-sejar”, diz Krieger.

V

CO IBMP incorporouconhecimentos para detecçãode soja transgênica

Rau, do Tecpar: trabalho em parceria como IBMP para domínio de técnica de produ-ção moderna da vacina anti-rábica

Fernanda Marques/Fiocruz

Flávia Masa

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carne brasileira, muito com-petitiva no exterior, temdeixado os concorrentesestrangeiros preocupa-dos. Depois do impasse

da febre aftosa, vencido pelo Brasilcom programas de erradicação imple-mentados pelo Ministério da Agricul-tura há mais de uma década, o país seprepara para enfrentar outras duas do-enças que afetam cerca de 30% dosnossos rebanhos: a brucelose e a leucoseenzoótica bovina, que têm sido alvode estudos no IBMP.

O Tecpar, com a ajuda do IBMP,otimizou a produção de um teste dediagnóstico barato, simples e rápido, quepode ser feito nas próprias fazendas.Hoje, o Tecpar tem capacidade de fa-bricar anualmente dez milhões de tes-tes, quantidade suficiente para cobrir100% da demanda do Ministério. Alémdisso, já está em fase de validação umkit mais sofisticado para diagnóstico dabrucelose. Esse novo insumo, mais sen-

sível e específico, vai permitir ao Minis-tério da Agricultura monitorar de for-ma mais minuciosa as ações do pro-grama para a erradicação da brucelose.

O governo brasileiro também jámanifesta preocupação em controlar aleucose enzoótica bovina, embora ain-da não tenha lançado nenhum progra-ma oficial para erradicar a doença. OIBMP se antecipou e, mais uma vezem colaboração com o Tecpar, desen-volve os primeiros kits nacionais paradiagnóstico da leucose. Um deles já tevemais de 100 mil unidades vendidas eos outros dois, após passarem com su-cesso pelos testes preliminares, estãoagora em fase de validação.

A brucelose é uma doença causa-da por bactérias do gênero Brucella, queacometem homens e animais. A princi-pal delas, a B. abortus, associada a umainfecção no aparelho reprodutivo dogado, provoca aborto e, conseqüente-mente, grande prejuízo para os pro-dutores de carne brasileiros. A conta-minação dos rebanhos ocorre durante

Saúde animalo próprio manejo. “O veterinário,muitas vezes, usa uma mesma luvapara fazer o exame clínico em váriosanimais e, assim, a bactéria se dissemi-na”, explica Krieger. O homem, quese contamina ao lidar com os animais,apresenta, em geral, lesões na pele, masos sintomas variam bastante.

A leucose enzoótica bovina éuma doença causada por um retroví-rus chamado BLV. Este, que não causadoença no ser humano, infecta oslinfócitos do gado, produzindo umaespécie de leucemia bovina. O uso deuma mesma seringa para aplicarinjeção em vários animais e outrosproblemas semelhantes no manejo dorebanho são responsáveis pela disse-minação da leucose. O BLV tambémé transmitido da mãe para os filhotese contra ele não existe vacina. “Antes,devido à carência de um kit para di-agnóstico da leucose, só se descobriaque o gado tinha a doença quandoele morria”, lamenta Krieger.

A

A Fiocruz/Paraná colaborouno desenvolvimento de testesdiagnósticos rápidos e baratospara a brucelose e a leucosedo gado, que vai ajudar nasexportações brasileiras

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novembro de 200430

Bruna Cruz

hepatite viral é uma doen-ça infecciosa que leva à

inflamação do fígado,podendo causar a mor-te. Segundo a Organi-

zação Mundial de Saúde (OMS), maisde 700 milhões de pessoas no plane-ta estão infectadas pela doença. NoBrasil, embora não existam dados ofi-ciais que demonstrem a abrangênciada infecção pelos diferentes tipos devírus (A, B, C, D, E e G), a OMSestima em dois milhões os portado-res crônicos de hepatite B e em trêsmilhões os de hepatite C. Esse nú-mero representa quase oito vezes aquantidade de pessoas portadoras dovírus HIV e vem preocupando mé-dicos e autoridades sanitárias de todoo país, já que os tipos B e C podemlevar a quadros crônicos e evoluirpara cirrose e ou câncer. Para conhe-

P E S Q U I S A

Numa epidemia silenciosa,a doença pode estar atingindocinco milhões de pessoas no Brasil

Mapeamentodas hepatites

Acer a prevalência da doença em todoterritório brasileiro, a Secretaria de Vi-gilância em Saúde (SVS) do Ministé-rio da Saúde (MS) está realizando omapeamento nacional das hepatites.O inquérito é conduzido pela Univer-sidade de Pernambuco (UPE) e con-ta com a participação de pesquisado-res do Centro de Pesquisas AggeuMagalhães (CPqAM), unidade da Fi-ocruz em Pernambuco.

Segundo a coordenadora dapesquisa, Leila Beltrão (UPE), com osdados o Ministério da Saúde poderácriar um melhor cronograma para aprevenção, o controle e o tratamentoda doença. Ela conta ainda que, ape-sar da notificação obrigatória, os ca-sos registrados oficialmente estãomuito aquém dos números reais.“Num futuro próximo, poderemosestabelecer estimativas mais precisasem relação aos portadores de hepa-tite em todo o país”, assegura. No

Pesquisadora recolhe dadosde morador do Recife

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Recife, o número de contaminadospela hepatite C pode chegar a 25 milpessoas, cerca de 1,5% da população.

PioneirismoO inquérito investiga, pela pri-

meira vez, a ocorrência dos tipos A,B e C (os mais comuns) de hepatiteem todas as capitais brasileiras e noDistrito Federal. Cerca de 32 milamostras de sangue de pessoas en-tre 5 e 69 anos serão colhidas emtodo o país. Em residências pré-se-lecionadas, os pesquisadores aplicamum questionário para obter informa-ções socioeconômicas da população,como grau de escolaridade, acessoa saneamento básico, à água tratadae à coleta de lixo. “Quando encon-tramos uma pessoa da faixa etáriaselecionada, além de coletarmos san-gue, aplicamos outro questionário,mais específico, com o intuito dedescobrir quais os hábitos de riscoque determinam o contágio pelo ví-rus da hepatite e as áreas de maiorincidência”, explica a pesquisadorado Departamento de Parasitologiado CPqAM e coordenadora epide-miológica da pesquisa no Recife,Zulma Medeiros.

Na capital pernambucana, a pes-quisa começou em agosto. “A recep-tividade da população é ótima. A mai-or dificuldade é encontrar as pessoasem casa no horário comercial. Às ve-zes precisamos voltar quatro, cincovezes, em horários alternativos. Quan-do não as encontramos, os vizinhospedem para participar”, comenta acoordenadora de campo da pesquisano Recife, Kirte Teixeira. Todas aspessoas que tiverem o diagnósticopositivo serão encaminhadas para re-alizar o tratamento gratuitamente. Omapeamento também começou nosdemais estados do Nordeste e doCentro-Oeste. O cronograma para asoutras regiões está sendo elaborado.

O estudo, que conta com oapoio da Organização Pan-america-

na de Saúde (Opas), tem duração pre-vista de dois anos e deve apresentar,até fevereiro, os primeiros resultadosdas regiões Nordeste e Centro-Oes-te. Cerca de R$ 3 milhões serão in-vestidos na pesquisa. Em Pernambu-co, o mapeamento recebe o apoio daSecretaria Estadual de Saúde e da Se-cretaria de Saúde da capital. O diag-nóstico é feito pelo Laboratório Cen-tral de Pernambuco (Lacen-PE).

Epidemia silenciosaMal-estar febre, cansaço, urina

escura, fezes esbranquiçadas e peleamarelada (icterícia). Estes são osprincipais sintomas da hepatite e quepodem ser confundidos com mani-festações clínicas de outras doenças.“A maioria dos pacientes é assinto-mática. Apenas de 20% a 30% apre-sentam icterícia”, alerta Leila Beltrão.A transmissão varia de acordo como tipo do vírus. O tipo A, mais con-tagioso e menos grave, pode ser ad-quirido na ingestão de alimentos oubebidas contaminados. A prevençãopode ser feita evitando-se a ingestãode alimentos de origem desconheci-da, lavando-os bem e comendo-ossempre com as mãos limpas. Desti-no adequado para o lixo e saneamentobásico também são fundamentais.

As hepatites B e C são transmi-tidas nas relações sexuais sem o usode preservativo, no contato com san-gue contaminado, de mãe para filhodurante o parto e por meio deobjetos cortantes contaminados,como seringas, agulhas, lâminas debarbear e alicates de unha. A preven-ção do tipo B pode ser feita com aaplicação da vacina oferecida nospostos de vacinação para pessoas até20 anos. Ainda não existe forma deimunização para a hepatite C. Paraevitar os tipos mais graves, recomen-da-se, também, o uso de materiaisesterilizados, seringas e agulhasdescartáveis e a garantia de sanguetestado nas transfusões.

Ascom/CPqAM

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M E D I C A M E N TE D I C A M E N TE D I C A M E N TE D I C A M E N TE D I C A M E N T O SO SO SO SO S

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33novembro de 2004

Petrorio e Farmanguinhos firmam parceria para impulsionar indústria

Impulso àfarmoquímica

O Jamelão temação antiinflamatóriae antialérgica

A sabedoria popular diz que ojamelão (Syzygium cumini) tem proprie-dades antiinflamatórias. E a ciência con-firma. Pesquisa realizada no Instituto deTecnologia em Fármacos (Farmangui-nhos) da Fiocruz revela que o extratoaquoso (chá) da folha da planta não sócombate à inflamação como tambémtem ação antialérgica. “Nossos dadossugerem que as propriedades antialér-gicas do extrato aquoso de jamelão seassemelham às da dexametazona, ocorticóide mais comumente usado notratamento das alergias”, comenta a bi-óloga Maria das Graças Henriques. Umadas vantagens é que o jamelão é muitomais barato e amplamente encontradono território brasileiro. Tanto é que aplanta utilizada nas pesquisas foi coletadano próprio campus da Fiocruz emManguinhos, no Rio de Janeiro.

Os pesquisadores estudaram,além do jamelão, outras quatro espé-cies da família Myrtacea: Eugenia aquea(um tipo de jambo), E. involucatra (ce-reja-do-Rio-Grande), E. brasiliensis(grumixama) e E. sulcata (tipo depitanga). “Esta última coletamos narestinga de Carapebus, no nortefluminense. As pesquisas que fazemostambém são uma forma de valorizare preservar a flora dessa região”, afir-ma o químico Antonio Carlos Siani.

A família Myrtacea é formada porárvores frutíferas que têm usos varia-dos na medicina popular e são de gran-

Instituto de Tecnologiaem Fármacos (Farman-guinhos) da Fiocruz e aPetrorio, da Petrobras,

estão firmando parceria para a execu-ção de um projeto que impulsionará aincipiente indústria farmoquímica na-cional, produtora de princípios ativos(fármacos) para fabricação de medi-camentos. O objetivo é produzir me-dicamentos mais baratos para a redede saúde pública a partir da reduçãodos gastos com farmoquímicos, resul-tado do fortalecimento da indústrianacional e diminuição das importações.

Os farmoquímicos representamcerca de 60% dos custos de produ-ção de um medicamento fabricadonos laboratórios estatais. Esse altocusto explica-se pela dependência bra-sileira do mercado externo: aproxi-madamente 80% dos farmoquímicosutilizados no país são importados,principalmente da Índia e China.

A indústria farmoquímica bra-sileira, apesar do potencial para pro-dução de princípios ativos, conta comcerca de dez empresas nacionais, queatendem apenas 22% do mercado in-terno e exporta U$ 130 milhões defarmoquímicos por ano. As duasgrandes referências do setor públiconacional – Farmanguinhos, o princi-pal laboratório farmacêutico oficial desuprimento de medicamentos para oSUS, e a Petrobras –, pretendem forta-lecer a produção de derivados do pe-tróleo e a indústria que processa essesderivados, fabricando fármacos deorigem petroquímica. Um exemplo

é a xilocaína obtida a partir do deri-vado petroquímico meta-xileno.

“Com essa visão estratégica, Far-manguinhos mostra a importância daatuação de um laboratório estatal que,além de desenvolver e produzir me-dicamentos para a saúde da popula-ção brasileira, preocupa-se em irradi-ar esse desenvolvimento para indústrianacional brasileira”, ressalta a diretorade Farmanguinhos, Núbia Boechat.

O projeto Fabricação de inter-mediários para as indústrias química e far-moquímica a partir de frações do petróleo,que está na fase inicial, focalizará aredução de custos de fabricação dosmedicamentos mais prescritos e dealto custo, principalmente daquelespertencentes à Relação Nacional deMedicamentos Essenciais (Rename).Embora o foco esteja na área far-macêutica, a prospecção de merca-do e demandas também se estende-rá para identificação de derivados dopetróleo utilizados em outros seg-mentos da indústria química, comoa agroquímica, tintas e corantes, po-límeros e cosméticos.

Após a identificação dos prin-cipais medicamentos e fármacos uti-lizados no mercado nacional, as par-ceiras investirão na pesquisa edesenvolvimento tecnológico dosderivados de petróleo de interesse es-tratégico. Farmanguinhos, que já atua natransferência de tecnologia da produ-ção de fármacos para empresas públi-cas e privadas, espera ampliar sua açãoem parceria com a Petrobras, produ-tora nacional de petróleo e derivados.

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novembro de 200434

Pé de jamelão no campus de Mangui-nhos e o extrato da planta prepara-do para testes em Farmanguinhos

Medicamentosinovadores paraa rede SUS

Novos medicamentos paraAids, tuberculose e maláriafacilitarão adesão aotratamento. Para criançascom HIV positivo, está emdesenvolvimento umaformulação inédita

OInstituto de Tecnologiaem Fármacos (Farman-guinhos) da Fiocruz seprepara para lançar, até

início de 2005, medicamentos inova-dores para Aids, tuberculose e malá-ria. São formulações em doses fixascombinadas, que concentram em umasó dose ou comprimido dois ou maisprincípios ativos. Os medicamentos

de interesse para os químicos,já que suas folhas produzemóleos essenciais. “O jamelão,por exemplo, tem sido alvode muitas pesquisas por seus

efeitos relatados no controleda no sentido de analisar suas

propriedades antiinflamatórias eantialérgicas”, completa Siani.

Foi injetada na pata de camundon-gos uma substância química que induza um processo de inflamação, o que pro-vocou um inchaço no local. Porém, emquatro horas, o extrato aquoso da fo-lha de cada uma das cinco plantas estu-dadas se mostrou capaz de reduzir otamanho do inchaço em cerca de 50%.

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35novembro de 2004

Em outro experimento, os pes-quisadores injetaram na pata das cobai-as uma substância indutora de um qua-dro que simula uma reação alérgica, oque também gerou um inchaço. Nesteensaio, a administração oral dos extratosnão surtiu efeito benéfico significativo,exceto no caso do jamelão, cujo chá,depois de 30 minutos, permitiu umaredução de cerca de 80% do inchaço.

Para confirmar esse achado so-bre a ação antialérgica do jamelão, fo-ram feitos outros testes, desta vez comcamundongos alérgicos à albumina(tipo de proteína comumente encon-trada no ovo, por exemplo). Esses ani-mais receberam injeções de albuminana pata e na cavidade torácica. O usooral do extrato aquoso de jamelão no-vamente garantiu, em meia hora, cercade 80% de redução do inchaço na pata.

Os resultados se repetiram na

análise da cavidade torácica, na qual,24 horas após os animais beberem ochá da folha de jamelão, os pesquisa-dores também encontraram em tor-no de 80% menos indicadores deprocesso alérgico, como células e subs-tâncias produzidas pelo sistema imu-nológico. Em tempo: a alergia é uma

resposta imunológica exagerada con-tra a presença de algum elemento con-siderado estranho, nesse caso aalbumina. O trabalho é parte das pes-quisas de mestrado de Fabíola deAlmeida e Lucilene de Azevedo Lima,orientadas por Maria das Graças eSiani, respectivamente.

devem ser adotados pelo Ministérioda Saúde que disponibilizará para apopulação através do Sistema Únicode Saúde (SUS).

“Os medicamentos em doses fi-xas combinadas são cada vez mais re-comendados pelos organismos inter-nacionais de saúde por simplificar aprescrição médica, aumentando a ade-são dos pacientes ao tratamento”, afir-ma a diretora de Farmanguinhos,Núbia Boechat. Com um número me-nor de comprimidos para ingerir, ficamais fácil para o pacientes seguir o tra-tamento. Além disso, os medicamen-tos em dose fixa proporcionam gastosmenores de produção, armazenamen-to, distribuição e transporte.

Um dos laboratórios estatais pi-oneiros na produção de anti-retrovi-rais, Farmanguinhos avança aindamais no desenvolvimento de novasformulações para Aids. O novo anti-retroviral 3 em 1, a ser lançado noinício do próximo ano, será uma con-

quista para o programa brasileiro deAids. Além de facilitar o tratamentodo paciente, a nova combinação res-gata para o tratamento da Aids me-dicamentos que caíram em desuso ouforam substituídos por novas paten-tes. Isso permitirá reduzir custos sig-nificativos com a aquisição de medi-camentos distribuídos no SUS.

Além do 3 em 1 para Aids, Far-manguinhos está desenvolvendo tam-bém um anti-retroviral especial parao público infantil, cuja formulaçãoserá apresentada em sachês com póreconstituível. “Eles serão dissolvidosem água e terão sabor agradável paraas crianças”, explica Núbia. Com es-sas inovações no tratamento da Aids,

Farmanguinhos atende aos pedidosde organizações internacionais feitosmundialmente, nesse ano, na Confe-rência Internacional de Bangcoc.

Para o tratamento da tuberculo-se, Farmanguinhos lançará formula-ções que combinam 2 princípios em1 comprimido, 3 em 1 e 4 em 1. Nocombate à malária, a novidade é a com-binação 2 em 1, desenvolvida comoparte do projeto Fixed Artesunate-basedCombination Treatment for Malaria (Fact)ou Combinação Fixa à Base de Arte-sunato para Tratamento da Malária,que reúne instituições internacionaissob a coordenação da recém-criadaIniciativa para Drogas para DoençasNegligenciadas (DNDi).

Nos laboratórios da Fiocruz estão sendo estudadas novasformulações de medicamentos para Aids, tuberculose e malária

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novembro de 200436

Jeca saudável

IIIII M U N O B I O L Ó G I C O SM U N O B I O L Ó G I C O SM U N O B I O L Ó G I C O SM U N O B I O L Ó G I C O SM U N O B I O L Ó G I C O S

APablo Ferreira

Fiocruz, juntamente com oInstituto Butantan, fechouem 1º de setembro umconvênio com a Univer-sidade George Washing-

ton (GW) e o Instituto de Vacinas Sabin,ambos dos Estados Unidos,

para produzir uma inéditavacina contra a ancilos-tomose. Desenvolvidopelas instituições ameri-canas com colaboração

brasileira, o imunizante já secomprovou eficiente em ani-

mais de laboratório e agora serátestado em voluntários humanos. Seaprovado, em 2006 começará a suaaplicação e posterior produção noBrasil. Finalmente, como parte doacordo, a tecnologia será repassadaintegralmente para o Instituto de Tec-nologia em Imunobiológicos (Bioman-

guinhos) da Fiocruz.A vacina foi elaborada a partir do

estudo de uma proteína chamadaNaASP2, que induz a secreção deimunoglobulinas E (IgE) pelo indivíduoinfectado. Esta é uma resposta imunecontra outra proteína presente na for-ma larval do verme, controlando ou eli-minando assim a sua presença. A vaci-nação em modelos experimentais obteve50% de eficácia em animais de labora-tório e espera-se o mesmo resultado emhumanos. “Isso significará que metadedos vacinados estará completamenteimune à ancilostomose, e a outra meta-de desenvolverá uma resistência, o quemanterá controlado o número de ver-

Vacina inédita contra a doença de Jeca Tatuchega ao Brasil em 2006

Mazaropi, o atorque consagrou opersonagem Jeca Tatu

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37novembro de 2004

mes em seu organismo, impedindo adoença de expressar seus sintomas,como a anemia (leia box)”, explica Ro-drigo Correa, imunologista do Centro dePesquisas René Rachou (CPqRR), uni-dade da Fiocruz em Minas Gerais e umdos pesquisadores envolvidos na cola-boração entre as instituições.

Já aprovado em animais, o pro-duto será avaliado em voluntários nosEUA. Esta parte do estudo chamada defase 1 será repetida no Brasil a partir demeados do próximo ano. Se tudo funci-onar, a vacina será aplicada em regiõesendêmicas, como o nordeste de MinasGerais, onde a prevalência da doençachega até 80% de infectados. Nesse mo-mento os pesquisadores poderão deter-minar esquemas e dosagens e avaliar, sehouver, a toxidade do produto. Final-mente, em 2007, Biomanguinhos pas-sará a produzir a vacina em larga escala.

O entendimento com os america-nos começou quando Correa, que pes-

AncilostomoseSegundo dados da Organização

Mundial de Saúde relativos a 2002, 1,3bilhão de pessoas no planeta (sobre-tudo nas regiões tropicais e subtropicais)estão infectadas pelo ancilostoma e 65mil morrem devido à anemia associa-da à doença. Popularmente conhecidacomo amarelão, a enfermidade tornou-se célebre graças a Monteiro Lobato,quando este criou o personagem JecaTatu - caipira considerado por todospreguiçoso e idiota, mas que ao se des-cobrir doente de amarelão, trata-se,cura-se e torna-se fazendeiro rico.

A ancilostomose é causada portrês tipos de vermes: o Necator americanuse outros dois do gênero Ancylostoma, oA. duodenalis e o A. ceylanicum. A fêmea,de acordo com a espécie, põe entre qua-tro e 30 mil ovos por dia. Esses ovossão liberados nas fezes, se as condiçõesclimáticas forem propícias, eclodem eentre cinco e dez dias tornam-se larvasinfectantes.

quisa outras verminoses além da ancilos-tomose, contatou o professor PeterHotez, da GW, para trocar algumas in-formações. Ao tomar conhecimento dapesquisa avançada do cientista em anci-lostomose, o brasileiro tentou estabele-cer parcerias. Hotez então se interessoupelo Brasil, pois percebeu que o país mes-clava altos números da enfermidade - co-mum nos trópicos e em localidades desaneamento precário - e uma forte capa-cidade produtiva (Biomanguinhos). “OBrasil se tornou ideal devido à excelenteinfra-estrutura proporcionada pela Fio-cruz e pela experiência dos pesquisado-res da mesma na condução de estudosclínicos”, completa o cientista da GW.

Os brasileiros contribuíram paraa pesquisa ao realizarem, no CPqRR,estudos epidemiológicos em indiví-duosresistentes ao verme – por terem natu-ralmente a presença de anticorpos con-tra a proteína investigada pelos cientis-tas em seus organismos, algumas

pessoas não se infectam com a ancilos-tomose. “Eles também têm conduzidocom sucesso estudos sobre as taxas dereinfecção”, afirma Hotez. Esses estu-dos contam com a participação ativado pesquisador visitante do CPqRRJeffrey Bethony. Os remédios são ca-pazes de eliminar o verme do organis-mo, mas não tornam seus usuários imu-nes. Assim, ao entrar novamente emcontato com o parasito, o indivíduo,mesmo curado, pode voltar a adquirira ancilostomose. “A vacina poderá aca-bar com esse problema, pois uma vezutilizada, a pessoa poderá desen-volverresposta imune contra o verme para oresto de sua vida”, diz Correa.

O projeto para a vacina, que éinédito no mundo, é conduzido por trêsinstituições: a GW, o Instituto de Vaci-nas Sabin e a Fiocruz. O financiamen-to partiu da Fundação Bill & MelindaGates, que investiu mais de US$ 18 mi-lhões no projeto.

A infecção ocorre quando a lar-va atravessa a pele do indivíduo pormeio do contato direto com solo con-taminado (por exemplo, ao se andardescalço na terra). De ciclo complexo,o verme se estabelece no intestino del-gado, onde prende seus dentes na pa-rede intestinal e passa a sugar o sanguede sua vítima. O parasito também podeser ingerido com água ou alimentos con-taminados, o que facilita o seu ciclo.

Dependendo da quantidade devermes, o infectado pode ou não de-senvolver a doença. Esta é detectadaquando o sangue perdido devido a in-fecção começa a interferir na vida doenfermo. Os primeiros sintomas são apalidez (o que caracteriza o nome po-pular de amarelão), desânimo, dificul-dade de raciocínio, cansaço e fraqueza.Tudo causado pela falta de ferro (ane-mia) no organismo. Com o tempo, asituação pode progredir e se agravar,aparecendo dores musculares, abdomi-

nais e de cabeça, hipertensão, sopro car-díaco, tonturas e ausência das menstru-ações nas mulheres. A ancilostomose éparticulamente perigosa para as grávi-das, pois pode afetar o desenvolvimentodo feto, e para as crianças, retardando(por vezes de modo irreversível) seudesenvolvimento mental e físico.

Ancylostoma duodenalis, um dos trêstipos de vermes que causam o amarelão

OMS

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novembro de 200438

Doenças queemergem nos jornaise reemergem dapobreza

o início deste ano,mais de 20 pessoasmorreram na Ásia emdecorrência de uma

gripe que, nos últimos doisanos, surgiu em patose galinhas. O supervírusresponsável por essa gripeteve origem no sul da Chinae ainda se mantém longe doBrasil. Mas 2004 pode ficarmarcado como um ano emque doenças relativamentedesconhecidas da populaçãofreqüentaram bastanteas manchetes dosjornais brasileiros.

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39novembro de 2004

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novembro de 200440

m março, após contraírem ovírus da raiva transmitido pormorcegos hematófagos (quese alimentam de sangue), 15pessoas faleceram no muni-

cípio de Portel, na Ilha de Marajó, noPará. A região Centro-Oeste do paístambém não escapou ilesa. Entremaio e junho, outra doença – a han-tavirose – espalhou medo entre osmoradores da cidade de São de Se-bastião, no Distrito Federal, e dos mu-nicípios de Cristalina e Pirenápolis, emGoiás, onde foram registrados óbi-tos causados por essa moléstia. Emseguida, foi a vez da população deMauá, na Grande São Paulo, viverdias de apreensão, depois que três pes-soas de uma mesma família morre-ram de febre maculosa.

Gripe aviária, raiva transmitidapor morcegos hematófagos, hantavi-rose e febre maculosa: essas enfermi-dades, assim como o dengue, a febreamarela e a hepatite C, pertencem aum grupo denominado doençasemergentes ou reemergentes. “Doen-ças emergentes são aquelas que não ti-nham significado no passado e em de-terminado momento surgem comonovas, pois são causadas por agentesetiológicos desconhecidos. Foi o casoda Aids: o vírus HIV era diferente detudo o que já se tinha visto”, diz omédico Luciano Medeiros de Toledo,professor da Escola Nacional de Saú-de Pública Sergio Arouca (Ensp), uni-dade da Fiocruz na capital amazonen-se, Manaus. Nesta cidade, inclusive,foram registrados, nos últimos trêsanos, 50 casos de uma pneumoniaatípica. Como ainda não se sabe qualé a origem da doença nem o micror-ganismo causador, tudo leva a crer quese trata de uma doença emergente.

Doenças emergentes são causa-das por bactérias ou vírus nunca an-tes descritos, gerados por mutaçõesem microrganismos já conhecidos ouque passaram a ter novas distribui-ções – como os que só parasitavam

animais e se tornam nocivos para hu-manos ou aqueles que acometiamapenas as crianças e começam a afetartambém os idosos. “Definir doençasemergentes não é tarefa das mais fá-ceis. Trata-se de um conceito amploe dinâmico”, comenta o médicoEduardo Costa, assessor da Presidên-cia da Fiocruz e ex-secretário de Saú-de do Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com Costa, a gripeespanhola é um exemplo clássico dedoença emergente. “Até hoje não sechegou a um consenso sobre sua ori-gem. Tudo o que se sabe é que, emum intervalo de mais ou menos trêsanos, ela fez um número enorme devítimas em várias partes do mundo.E depois desapareceu”, explica. Nun-ca mais foram registrados casos degripe espanhola. Mas existem enfer-midades que vão e voltam. São as

doenças reemergentes: elas aparecem,são controladas e, passado um tem-po, ameaçam novamente a popula-ção. “Um exemplo é a malária nasregiões Norte e Nordeste. Ela se tor-nou um problema na época do cicloda borracha, ficou sob controle porum período e depois ressurgiu de for-ma intensa nos anos 70”, lembraToledo. Conhecidas de longa data, asmoléstias reemergentes voltam a tersua incidência aumentada por causade uma série de fatores, entre os quaisse destacam a degradação do meioambiente, a urbanização desenfreadae a desigualdade social.

Ocupação desordenadado espaço

O município de Portel, ondeforam registrados casos de raivatransmitida por morcegos hemató-

E

O deslocamento de trabalhadorespara atividades como o garimpocontribui para a disseminação de doenças

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41novembro de 2004

fagos, é um dos maiores produtoresde madeira do Pará e tem sofrido asconseqüências do desmatamento de-senfreado. “A raiva em Portel se ca-racteriza como uma doença reemer-gente que se manifesta sob a formade um surto epidêmico. A doençanão está sendo transmitida pela mor-dida de cães. As graves modifica-ções ambientais que vêm ocorren-do nesse município, possivelmente,explicam o aumento dos ataques demorcegos à população humana”,afirma Toledo.

Ainda no Norte, a destruição dacobertura vegetal da Amazônia temprovocado desequilíbrios na faunaresponsáveis, por exemplo, pela dis-seminação de mosquistos silvestrescapazes de transmitir para o homemmicrorganismos causadores de doen-ças. “A expansão humana para áreas

de floresta, devido a atividadeseconômicas como o extrativismo, fazcom que o ciclo de determinados pa-rasitas, antes restrito a animais silves-tres, passe a englobar o homem, cri-ando-se um novo ciclo associado adoenças emergentes ou reemergen-tes”, completa Toledo.

O cenário já se tornou comum:nas periferias das metrópoles, o lixose acumula nas ruas e na frente dascasas, o esgoto corre a céu aberto eágua potável é artigo de luxo. E, emmeio à tamanha falta de infra-estru-tura, proliferam ratos, insetos e ou-tros vetores de doenças. “A misériapotencializa a emergência e reemer-gência de moléstias”, resume Costa.

As precárias condições de vidada população são especialmentepreocupantes no caso de enfermida-des cujo contágio se dá pelo contato

interpessoal, como ocorre em umasérie de doenças respiratórias. “É claroque, se em uma família de seis pesso-as, todas dormem num mesmocômodo, elas ficam vulneráveis a es-sas moléstias”, comenta o assessor daPresidência da Fiocruz.

Fluxos migratóriosEmbora tivesse surgido na

China, havia o risco de ela chegar aqualquer canto do planeta, o queexigiu a intensificação da vigilânciasanitária nos portos e aeroportos.Trata-se da síndrome respiratóriaaguda grave (SRAG), popularmen-te conhecida como pneumonia asi-ática, que demonstrou que na vidareal, e não só no cinema, micróbiosperigosos poderiam se disseminarrapidamente, pegando carona nosmeios de transporte cada vez maismodernos e velozes.

Se hoje é fácil viajar de leste aoeste e de norte a sul, também não édifícil que vírus e bactérias se espa-lhem por aí. Mas não se pode con-denar a modernização dos meios detransporte nem o progresso de modogeral. Até porque êxodos ocorremdesde os tempos mais remotos. “Agripe espanhola, em uma época emque não havia transportes tão rápi-dos quanto os atuais, conseguiu, emcerca de três anos, afetar uma parcelasignificativa da população mundial.Isso ocorreu porque, depois de umaguerra, os soldados voltavam paracasa, e essa movimentação ajudou aespalhar a gripe”, exemplifica Costa.

O médico lembra ainda que,assim como os transportes, as co-municações também passaram porrevoluções tecnológicas. “Assim, asinformações necessárias para o con-trole das doenças chegam a qualquerlugar em um curto intervalo de tem-po. E a educação é uma das melho-res formas de combate às enfermi-dades emergentes e reemergentes”,conclui Costa.

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Raiva silvestrePela primeira vez no Brasil, a

transmissão da raiva para humanospor morcegos supera a por cães. Onúmero de casos de raiva humanaregistrados no país caiu de 74 em1990 para dez em 2002. Porém, sóno primeiro semestre de 2004, já fo-ram registrados 23 casos, sendo queem 20 deles a doença foi transmitidapor morcegos hematófagos da espé-cie Desmodus rotundus (que mordemmamíferos). A invasão de ambientessilvestres pelo homem e a falta de vi-gilância por parte dos sistemas de saú-de podem explicar esse aumento datransmissão da doença por morcegos.

Embora já existam estratégiaseficientes para controlar a raiva urba-

na – transmitida por cães e gatos, araiva silvestre – transmitida por ani-mais como morcegos, raposas esagüis – permanece e ainda constituium grave problema de saúde públi-ca, mesmo em países desenvolvidos.A população, em geral, não sabe queoutros mamíferos além de cães e ga-tos podem transmitir raiva. Por isso,ao serem mordidas por um morce-go, por exemplo, não procuram as-sistência médica e, assim, correm sé-rios riscos. Os vírus rábicos costumaminfectar células nervosas e muscula-res. Se o animal está infectado e, logoapós a mordida, a vítima não recebea vacina anti-rábica, ela desenvolveum quadro de encefalite aguda queleva à morte.

O ciclo urbano da raiva é man-tido sob controle graças aos progra-mas de vacinação do homem e dosmamíferos domésticos. No entanto,o combate da raiva silvestre ainda édeficiente. Como, pelo menos porenquanto, não há como implementara vacinação dos mamíferos que vi-vem nas matas, a melhor solução paracontrolar a raiva silvestre no país ain-da é investir em educação e nomonitoramento dos animais envolvi-dos nesse ciclo da doença.

Fonte: Nélio Morais, da Secretaria deSaúde do Estado do Ceará, e PhyllisRomijn, do Laboratório de BiologiaAnimal da Empresa de Pesquisa Agro-pecuária do Estado do Rio de Janeiro

HantaviroseA síndrome cardiopulmonar

por hantavirus teve seu primeiro casono Brasil em 1993, em Juquitiba (SP).Até hoje, 405 casos foram confirma-dos e houve 177 óbitos. Neste ano,até agosto houve a confirmação de68 casos e 25 mortes por hantaviro-se. Desses casos de 2004, 47 foramregistrados em apenas duas unidadesda Federação: Minas Gerais e o Dis-trito Federal. Não houve ocorrênciano Nordeste. Para verificar se a han-tavirose já atinge a região, a Secretariade Vigilância em Saúde (SVS) do Mi-nistério da Saúde busca, no InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Iba-ma), uma licença para que o Centrode Pesquisas Aggeu Magalhães(CPqAM), unidade da Fiocruz emPernambuco, possa capturar roedo-res silvestres, que são os reservatóri-os do hantavirus e da peste. A per-missão do Ibama, associada àinstalação do Laboratório de Nívelde Biossegurança 3 (NB 3), em mar-ço deste ano, e à capacitação de pes-quisadores na área de diagnóstico

Técnicos trabalham em laboratório de segurança: alguns agentesde doenças requerem total cuidado em sua manipulação

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43novembro de 2004

Febre maculosaA febre maculosa é causada por

diversas bactérias, sendo a espécieRickettsia rickettsii a mais importante doBrasil. A doença é transmitida por car-rapatos, que, como vetores de doen-ças, só perdem para os mosquitos.Descrita pela primeira vez em 1899,nos Estados Unidos, a febre maculo-sa chegou ao Brasil em 1929, em SãoPaulo, mas de lá para cá já foi registradano Rio de Janeiro, Minas Gerais, Es-pírito Santo e Santa Catarina.

A febre maculosa é mais co-mum entre abril e outubro, períodoem que predominam as formas jo-vens do carrapato. Como elas sãomenores que os adultos, passam des-percebidas, conseguem ficar fixadasà pele das pessoas por mais tempo e,portanto, têm mais chance de trans-mitir as bactérias.

Entre os sintomas da doençaestão febre alta, dor de cabeça e le-sões na pele semelhantes às do saram-po ou da meningite meningocócica.Porém, como a R. rickettsii infecta cé-lulas do endotélio (revestimento in-

terno) de vasos sangüíneos, a febremaculosa pode se manifestar de di-ferentes formas. Já que existem va-sos por todo o corpo, praticamentequalquer órgão pode ser afetado. Opaciente pode apresentar, por exem-plo, um quadro clínico que simulapneumonia, apendicite ou meningite.

Devido a essa variedade de ma-nifestações clínicas, a febre maculosacostuma ser confundida com outrasdoenças. É comum a espera pelo di-agnóstico correto ser longa, o queatrasa o tratamento adequado e podetrazer conseqüências graves. O trata-mento é simples: consiste basicamen-te na administração de antibióticosbaratos. Mas, se ele não for iniciadoaté uma semana após o início dos sin-tomas, é grande o risco de os remé-dios não surtirem o efeito desejado.Em tempo: se a doença não for de-vidamente tratada, a letalidade podechegar a 80%.

sorológico e molecular da do-ença, fará com que o CPqAMse torne também colaboradordo Programa de VigilânciaEcoepidemiológica das Han-taviroses da SVS.

As infecções por hanta-virus ocorrem por meio dainalação de aerossóis forma-dos a partir de urina, fezes esaliva de roedores silvestresque contenham as partículasvirais. O período de incuba-ção do vírus dura, em média,14 dias, variando de quatro a42 dias. Numa primeira fasemais branda, a doença se ma-nifesta por meio de febre, tos-se seca, dores muscularesprincipalmente na região dor-so-lombar, dor abdominal,náusea, vômito e cefaléia inten-sa. Essa etapa dura de três acinco dias, podendo evoluir para in-suficiência respiratória aguda grave echoque circulatório, que apresenta altataxa de letalidade, quase 50%.

Correm mais risco de contraira hantavirose os trabalhadores agrí-colas, os profissionais que trabalhamna captura de animais e pessoas queacampam ao ar livre. Ainda não exis-te tratamento comprovadamente efi-caz para a doença.

O Guia de Vigilância Epidemi-ológica da Fundação Nacional deSaúde (Funasa) recomenda instrumen-tos para o controle, entre eles a elimi-nação de resíduos que possam servirpara a construção de tocas e ninhosde roedores e evitar entulhos e objetosno interior e no entorno das residên-cias, realizando limpeza do local dia-riamente. O nome do vírus provémdo rio Hantaan, na Coréia, onde foiidentificado em 1978.

Fonte: Alzira de Almeida, coordenado-ra do Serviço de Referência em Peste eHantaviroses do CpqAM, e dados da SVS.

Fonte: Elba Lemos, coordenadora doLaboratório de Hantaviroses e Rickett-sioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)

Bactérias do gênero Rickettsia causam a febre maculosa,com alguns sintomas parecidos aos da meningite

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novembro de 200444

Fiocruz estuda vírus considerado pela OMS prioridade para o desenvolvimento de vacina

os dias frios, as emergên-cias e as UTIs dos hospi-tais ficam repletas de me-ninos e meninas cominfecções respiratórias

agudas causadas por vírus. De 50% a70% dessas infecções, principalmenteem crianças menores de 5 anos, são pro-vocadas pelo vírus respiratório sincicial(VSR). Para a Organização Mundial deSaúde (OMS), o desenvolvimento deuma vacina contra o VSR é uma prio-ridade, mas todas as tentativas feitas até

hoje fracassaram. Pesquisador-visitan-te da Fiocruz desde fevereiro deste ano,o doutor em ciências biológicas JuanRamón Arbiza, da Universidade da Re-pública do Uruguai, em parceria comMarilda Siqueira, do Instituto OswaldoCruz (IOC), tem estudado a variabili-dade genética das cepas de VSR quecirculam no Brasil. Os resultados des-sa pesquisa, junto com outros dadosmoleculares e genéticos do VSR já ob-tidos por Arbiza, podem auxiliar no de-senvolvimento da vacina.

Desde o início da década de 80 oVSR é alvo de pesquisas da Fiocruz. Asazonalidade da infecção causada poresse vírus foi o foco inicial dos estudoscoordenados por Marilda, que trabalhaem cooperação com Arbiza há mais de20 anos. Os resultados mostraram queno Rio Grande do Sul o VSR é encon-trado, sobretudo, no inverno, enquantono Rio de Janeiro o vírus é mais co-mum entre o final do outono e o inícioda estação fria. Foi somente alguns anosatrás que Marilda e Arbiza iniciaram aanálise genômica das cepas de VSR en-contradas no Brasil. “Nosso objetivo écompreender a dinâmica desse vírus,para que outros grupos tentem desen-volver vacinas”, diz Marilda.

O VSR tem duas proteínas princi-pais: a glicoproteína G (responsável pelaadesão do vírus à célula hospedeira) e aglicoproteína F (que garante a fusão dapartícula viral com a membrana celular).A velocidade com que a glicoproteína Gsofre mutações é tanta que anticorposproduzidos contra ela, dentro de poucosanos, já não são capazes de reconhecê-la. “Em uma mesma epidemia, além dehaver mais de uma cepa do VSR, circu-lam vírus de linhagens evolutivas com-pletamente diferentes. Por isso é tão difí-cil criar uma forma de imunizar apopulação”, afirma Arbiza.

A glicoproteína F, por sua vez,varia menos. Algumas de suas seqüên-cias de aminoácidos, reconhecidas pelosistema imunológico do paciente, setornam alvo para anticorpos. Estes, aose ligarem à glicoproteína, bloqueiama infecção, já que impedem a fusão dovírus à célula hospedeira. Arbiza des-cobriu as seqüências de aminoácidosàs quais os anticorpos se ligam, o quepode impulsionar o desenvolvimento demedidas profiláticas

Infecções respiratórias provocadas pelo vírus sincicial atingemem sua maioria crianças menores de 5 anos

PPPPP E S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S AE S Q U I S A

Para as criançasrespirarem aliviadas

N

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RRRRR E S E N H A SE S E N H A SE S E N H A SE S E N H A SE S E N H A S

É em boa hora que a EditoraFiocruz publica Etnicidade naAmérica Latina: um debate so-bre raça, saúde e direitos reprodu-tivos. O livro vem preencher

uma conhecida lacuna, que é aquelaque diz respeito às diferenças entre gê-nero, raça, etnia ou orientação sexual -que por anos estiveram relegados a se-gundo plano, tendo em vista o espaçoque a luta política pela redemocratiza-ção ocupava durante o sombrio perío-do ditatorial e também nos anossubseqüentes ao fim do arbítrio. Orga-nizada pela psicóloga e doutora emsaúde pública Simone Monteiro e peloantropólogo Livio Sansone, a obra édividida em quatro partes (Perspectivashistórica e contemporânea, Etnicidade e saú-de, Saúde reprodutiva e população indígenae Saúde reprodutiva e população negra), quese subdividem em capítulos.

O livro investe na multidiscipli-naridade: são 20 capítulos escritos porprofissionais das mais diversas áreas,da medicina à economia, da biologia

Etnicidadena AméricaLatina:Um debate sobre raça,saúde e direitos reprodutivos

Simone Monteiro e Livio Sansone (orgs.)344 p. R$ 38

à sociologia, passando pela história, apedagogia, a filosofia, a psicologia e aantropologia. Há ainda a contribuiçãode líderes comunitários e integrantesde movimentos sociais. A participaçãode pesquisadores estrangeiros é forteentre os autores, que estiveram reu-nidos em um seminário sobre o tema,no Rio de Janeiro, em 2001. Etnicida-de na Améria Latina é fruto desse se-minário, organizado pelo InstitutoOswaldo Cruz (IOC).

O enfoque principal do livro é aquestão da desigualdade, analisada sobmúltiplos pontos de vista e vivências,para o que ajuda bastante a diversifi-cada formação acadêmica dos colabo-radores. Para os organizadores, eranecessário fazer uma reflexão sobre asdesigualdades sociais e seus desdobra-mentos na área da saúde, um tema ain-da bastante raro de ser encontrado nocatálogo das editoras brasileiras. A op-ção por um time de colaboradores deformação ampla e heterogênea, deacordo com eles, serviu para demons-

trar não apenas as dificuldades em su-perar problemas de desigualdade quesão seculares nos países latino-ameri-canos como também avaliar a riquezade propostas existentes, visando a ela-boração de políticas públicas.

Em um capítulo dedicado à saú-de reprodutiva das mulheres negras noBrasil, o médico Francisco Inácio Bas-tos, do Centro de Informação Científi-ca e Tecnológica (Cict), comenta a par-ticipação de outro pesquisador sobreuma maior ocorrência de esterilizaçõesentre mulheres pardas e/ou negras emrelação às brancas. Bastos aponta as di-ficuldades que as diferentes abordagenssobre tema já exibiram, pois em suaopinião o assunto tende a ser tratado,em geral, de maneira bastante emocio-nal. O autor se debruça sobre umapreocupante questão levantada por aca-dêmicos: a de que estaria ocorrendo umprocesso de esterilização que proporci-onaria um novo recorte populacional doBrasil, de maneira desfavorável a de-terminados grupos étnicos/raciais.

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Revista Trabalho,Educação e Saúde

[email protected]

A quarta edição da revista científicaTrabalho, Educação e Saúde apresenta,como um de seus temas, asconcepções e práticas inovadoras nocampo da educação dos

trabalhadores. Estão presentes discussões acerca da formaçãoestética da classe trabalhadora, da regulação da profissão deagente comunitário de saúde. O periódico trata também doprocesso de trabalho hospitalar e de seus impactos naqualificação e formação dos profissionais de saúde.

Alcoolismo no trabalho

Magda VaissmanEditora Fiocruz220 páginas

A ingestão excessiva de álcool é aterceira causa de mortes no mundo,atrás somente do câncer e dasdoenças cardíacas. Por isso o

alcoolismo é hoje considerado um grave problema de saúdepública. A autora enumera os problemas que a doença podeacarretar no ambiente de trabalho e analisa os métodosassistenciais empregados no seu tratamento.

Flebotomíneos do Brasil

Nenhum país no mundo tem tantasespécies de flebotomíneos como oBrasil. Por isso, os pesquisadoresbrasileiros estão na vanguarda deestudos sobre esses mosquitos esobre a leishmaniose. Flebotomíneos doBrasil traz dados atualizados sobre aimportância desses mosquitos para a

medicina, sua morfologia, biologia, distribuição geográfica einteração com os agentes patológicos que transmitem.

História, Ciências, Saúde:Manguinhos

Volume 11, número 2

O novo número da revistaHistória, Ciências, Saúde - Manguinhostraz um perfil de Miguel Ozoriode Almeida, um dos maioresdivulgadores científicos brasileirosda primeira metade do século 20.A revista, cujas edições também

podem ser consultadas na internet, é uma publicação daCasa de Oswaldo Cruz, centro de documentação e pesquisaque é parte da Fundação Oswaldo Cruz.

Memórias do Instituto

Oswaldo Cruz

O primeiro suplemento de 2004 darevista Memórias do Instituto OswaldoCruz é dedicado à esquistossomose,doença milenar que ainda hoje é umdesafio para cientistas de todo omundo. O suplemento é compostopor 22 artigos científicos assinados

por pesquisadores do Brasil e de outros países, comoEstados Unidos, Inglaterra, Nova Zelândia e Quênia.

Uma Escola para a Saúde

O livro Uma Escola para a saúde fazparte das comemorações pelocinqüentenário da Escola Nacional deSaúde Pública Sergio Arouca (Ensp).Composto por diferentesperspectivas, o livro reúne artigosescritos por pesquisadores que

atuaram nesta história. Dividido em duas partes, o livro tem oobjetivo de refletir sobre os 50 anos da Escola e tratar dosrumos da instituição.

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FFFFF I O D A H I S T Ó R I AI O D A H I S T Ó R I AI O D A H I S T Ó R I AI O D A H I S T Ó R I AI O D A H I S T Ó R I A

Precursor das modernas cam-panhas sanitárias e dos estu-dos epidemiológicos envol-vendo, sobretudo, o cólera,a febre tifóide, a peste

bubônica e a febre amarela, AdolphoLutz começou sua carreira médicaem Limeira (SP), onde inaugurou osestudos sobre doenças animais, ine-xistentes no país. Um dos mais im-portantes cientistas que o país já teve,Adolpho Lutz (1855-1940) era filhode pais suíços que emigraram para oBrasil em 1850, no auge da epidemiade febre amarela que devastou a en-tão capital do império brasileiro.

Em homenagem ao pesquisadore à sua trajetória, a Editora Fiocruz lan-çou em outubro os primeiros volu-mes da Obra completa de Adolpho Lutz,uma caixa contendo quatro livros: Pri-meiros trabalhos: Alemanha, Suíça e Brasil(1878-1885); Hanseníase; Dermatologia &micologia; e ainda um suplemento comglossário, índices e resumos. A obra foiorganizada pelo historiador Jaime Ben-

chimol e pela historiadora daciência e bióloga MagaliRomero Sá. A dimensão e oalcance da publicação são iné-ditos no Brasil, pois não háoutro pesquisador cuja obra

Um cientista completoPioneiro em diversas áreas da ciência, Adolpho Lutz éhomenageado com o lançamento dos primeiros volumes de sua obra

O jovem Adolpho Lutz e,no destaque, o cientista aolado de Oswaldo Cruz(4º a partir da esquerda)

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tenha recebido um tratamen-to editorial semelhante.

Considerado o cientistamais versátil e completo dopaís, obtendo destaque em to-das as áreas em que atuou –entre outras, parasitologia, ve-terinária, zoologia médica, bac-teriologia, dermatologia e bo-tânica –, Lutz era um homemrecluso, avesso à publicidade. Aose transferir para o InstitutoOswaldo Cruz (IOC), em 1908,ele estava no auge de sua carreiraprofissional. Lutz foi um dos pes-quisadores que se reuniram comAlbert Einstein quando o físico ale-mão esteve no Instituto, em 1925. Eletambém cavalgou com o rei Alberto,da Bélgica, que veio ao Brasil para ascomemorações do centenário da In-dependência, em 1922. E chegou amorar no Castelo de Manguinhos,atual sede da Fiocruz, durante a 1ªGuerra Mundial, ocasião em que a suafamília estava na Europa.

Antes de se mudar para o Rio etrabalhar no Instituto de Manguinhos,Lutz esteve à frente do Instituto Bac-teriológico de São Paulo (atual Insti-tuto Adolfo Lutz) de 1893 a 1908,um período de intensas atividades emlaboratório combinadas com açõesde grande envergadura na saúde pú-blica. Antes disso, em 1889, ele chefi-ara o serviço médico do famosoleprosário criado na Ilha de Molokai,no Havaí. O acervo ao qual os orga-nizadores dos livros tiveram acesso écomposto também por fotografias,mapas e belíssimos desenhos dos es-pécimes que o cientista estudou e foireunido pela filha de Lutz, Bertha,com a ajuda do irmão do pesquisa-dor, Gualter Adolpho Lutz. Militan-te do movimento feminista, Berthalutou pela extensão do voto às mu-lheres e por seu engajamento foi elei-ta deputada federal, em 1936.

Benchimol e Magali recupera-ram o arquivo pessoal do cientista e

de sua filha até o falecimento desta,em 1976. Sob a guarda do MuseuNacional – onde foi montada umasala de trabalho –, no Rio, o acervode Lutz é constituído por numero-sos documentos manuscritos, datilo-grafados e impressos: relatórios, no-tas de laboratório, protocolos denecrópsias, receitas médicas, anota-ções pessoais e quase quatro mil car-tas que põem em evidência as váriasredes formadas pelos profissionais einstituições que deram vida à medici-na e saúde pública nas regiões geo-

gráficas e do conhecimento percor-ridas pelo pesquisador.

Os livros recém-lançados sãoprefaciados por especialistas nas áre-

as em que Lutz atuou e os tra-balhos contextualizadoshistoricamente em intro-

duções de Benchimol eMagali, ambos da Fiocruz.

Eles começaram a trabalharjuntos em 2001, vinculados a

outro projeto, denominadoColeções Científicas. Além da du-

pla, uma equipe de dez profissi-onais, reunindo historiadores, so-

ciólogos e tradutores, fez parte doprojeto. Há quase 50 anos previa-

se a publicação da obra.Os livros contêm as versões

fac-similares dos trabalhos que o ci-entista publicou na Alemanha, prin-cipalmente, junto com as traduçõespara o português. O glossário, emportuguês e inglês, reúne verbetes queprocuram combinar a conceituaçãoatual dos termos técnicos seleciona-dos com o uso que tinham à épocaem que foram publicados os traba-lhos de Lutz. No suplemento o lei-tor encontrará, ainda, índices remis-sivos em português, alemão e inglês;e sumário com resumos bilíngüesdos trabalhos reproduzidos no vo-lume. Por falar em idiomas, é im-portante lembrar que era Lutz quem,em Manguinhos, traduzia para o ale-mão os trabalhos que seus colegasescreviam para a revista Memórias doInstituto Oswaldo Cruz.

Quando concluída, a Obra com-pleta de Adolpho Lutz consistirá numacoleção de 21 livros, acondicionadosem cinco caixas (cinco volumes). Acorrespondência do cientista será dis-tribuída nos cinco livros, que forma-rão uma das caixas. A próxima cai-xa deverá ser lançada em março de2005. E até o final deste ano deveráser inaugurada a Biblioteca VirtualAdolpho Lutz, em parceria com aBireme/Opas.

O que sempredesejei em criança e,

sem refletir devidamente,ainda o desejo agora, é serpesquisador em ciênciasnaturais. (...) contentar-

me-ei em viver muitomodestamente

se puder ser umbom pesquisador

(trecho de carta de Lutz)

Capas dosquatro primeiroslivros da coleção

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S

AAAAA R T I G OR T I G OR T I G OR T I G OR T I G O

Ennio Candotti (*)

Os limites das certezas

empre que divulgamos certezas sugeridas pelas te-orias científicas deveríamos contar também em quecondições as verdades enunciadas valem, quais sãoos limites destas certezas. O leitor leigo muitas ve-zes é levado a acreditar que “as verdades da ciên-

cia” são universais e que se a natureza, por vezes, não secomporta como a ciência determina é ela, natureza, queestá equivocada ou nossas observações são “imprecisas.

Diz a física, por exemplo, que um corpo cai coma mesma aceleração em qualquer ponto da superfície daTerra, mas se fizermos essa simples experiência verifica-mos que uma folha e uma pedra não caem do mesmomodo. A física está errada? Não, apenas faltou dizer queo mesmo comportamento ocorre quando a experiênciada queda é realizada de modo a minimizar o efeito do arsobre o movimento dos corpos...

De fato, quando estudamos uma mudança no com-portamento da natureza ou os efeitos de um determinadoagente de transformações naturais é recomendável, sem-pre que existam aspectos desconhecidos na caracterizaçãodesse fenômeno, adotar uma postura crítica, cautelosa,quando se apresentam certezas conclusivas sobre causas eefeitos estudados, sejam eles positivos ou negativos.

Isso vale tanto quando estudamos as leis da natu-reza como quando examinamos os efeitos de suas apli-cações nos ambientes e organismos vivos – particular-mente nos seres humanos.

Exemplos são os efeitos colaterais dos medicamen-tos ou da exposição de células a doses fracas de radiação(fracas em relação a quê?) ou ainda quando tratamos doimpacto da transferência de um inseto ou de uma plantade um ambiente a outro. Seja ela transgênica ou não.

Dizer o que não se sabe, descrever os limites devalidade de nossos conhecimentos é sem dúvida maisdifícil do que dizer o que se sabe, mas é de fundamentalimportância se desejamos persuadir o leitor leigo – ou oconsumidor – e preservar os laços de credibilidade queunem as instituições científicas e a sociedade.

Uma confiança em que, em nossos tempos, o te-mor e a admiração se revezam, em graus distintos. Cabe-nos zelar por essa credibilidade e impedir que omissõesde informação ou conclusões apressadas a respeito defatos da ciência e suas repercussões no ambiente e nasociedade alimentem tensões.

Cabe às instituições e sociedades científicas a funçãode cultivar em seus laboratórios e publicações o bom sen-so, o rigor na avaliação da confiabilidade e da responsabi-lidade social das informações – seus limites – divulgadas.

Cabe sobretudo a elas a responsabilidade de zelarpara que os órgãos e comissões de avaliação e controlede produtos e resultados das pesquisas, básicas ou aplica-das, estejam protegidos, formal e financeiramente, dosseus promotores e realizadores, e sejam efetivamente in-dependentes em seus juízos e recomendações.

Ao observar que é cada vez mais curta a distân-cia entre a verificação, em bancada de laboratório, douso destes resultados e sua circulação nas prateleiras dosmercados, a responsabilidade ética das instituições cien-tíficas é crescente.

A sociedade nos observa com esperança. E aoavaliar os riscos e vantagens das aplicações das ciências,ainda nos oferece algum crédito. Creio eu porém, queesse crédito também tem limites e não podemos traí-lo.Toda omissão será julgada com severidade. Ainda há al-gum tempo – e bom senso – para refletir sobre nossamissão. Falta apenas refletir.

* Ennio Candotti é físico e presidente da SBPC.

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