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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS – LÍNGUA PORTUGUESA ESPERO QUE ESTA TE VÁ ENCONTRAR EM PERFEITA SAÚDE: A COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM CARTAS PESSOAIS DOS SÉCULOS XX E XXI Leandro Candido Rocha 2018

ESPERO QUE ESTA TE VÁ ENCONTRAR EM …...2.7.2 Padrão de colocação pronominal do PB na família Ottoni 50 2.7.3 Padrão de colocação pronominal do PB em cartas a Rui Barbosa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS – LÍNGUA PORTUGUESA

ESPERO QUE ESTA TE VÁ ENCONTRAR EM PERFEITA SAÚDE: A

COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM CARTAS PESSOAIS DOS

SÉCULOS XX E XXI

Leandro Candido Rocha

2018

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ESPERO QUE ESTA TE VÁ ENCONTRAR EM PERFEITA SAÚDE: A

COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM CARTAS PESSOAIS DOS SÉCULOS XX E XXI

Leandro Candido Rocha

Dissertação de Metrado apresentada ao programa

de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas

– Língua Portuguesa.

Orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante

Rio de Janeiro

Julho 2018

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iii

Espero que esta te vá encontrar em perfeita saúde: a colocação pronominal em cartas

pessoais dos séculos XX e XXI.

Leandro Candido Rocha

Orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante

Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do

Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

Presidente, Prof.ª Dr.ª Silvia Regina de Oliveira Cavalcante (UFRJ)

Prof.ª Dr.ª Maria Eugênia Lammoglia Duarte (UFRJ)

Prof.º Dr.º Marco Antônio Rocha Martins (UFSC)

Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira (UFRJ)

Prof.º Dr.º Leonardo Lennertz Marcotulio (UFRJ)

Rio de Janeiro

Julho 2018

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À Zenith Régulo da Conceição (in memoriam), minha

madrinha amada, que me ensinou o bê-a-bá, a ler e a

escrever e sem a qual essa dissertação não existiria.

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v

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, fonte de vida eterna, cuja graça se faz presente em

todos os momentos da minha vida e que me deu o dom da inteligência para criar, recriar,

inventar, inovar.

À minha mãe, Suzana Candido, fomentadora dos meus sonhos e que sendo humilde e

de pouca instrução, me incentivou desde criança aos estudos e se mostra orgulhosa do filho

que tem.

Aos meus familiares a quem muito admiro e me apoiam incondicionalmente nos

momentos de dificuldade mesmo que a convivência seja difícil.

Aos meus amigos que, na minha ausência, se fizeram compreensivos e interessados

pois acreditam mais na minha capacidade do que eu mesmo. Espero nunca os desapontar

nessa jornada.

Aos peregrinos da F316, companheiros nas tardes cansativas de Fundão e que sempre

me dão incentivo a mais. Agradeço especialmente à Elaine Melo que sempre se mostra

solícita às minhas demandas.

Aos professores Marco Antônio Martins e a Maria Eugênia Duarte, membros da

banca, por empregarem seu tempo na leitura e avaliação do meu trabalho.

A todos os professores da Faculdade de Letras que contribuíram para a minha

formação e sempre me serviram de inspiração.

À CAPES, pelo auxílio financeiro.

A todos que me ajudaram direta ou indiretamente, meu muito obrigado.

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vi

Agradeço especialmente à prof.ª Silvia Rainha, minha orientadora querida, pelas risadas, pela

amizade e pelos momentos de confidência, mas principalmente pelo voto de confiança na

minha capacidade e por todo o ensinamento. Espero que possamos construir muito mais ao

longo dessa minha jornada que está só começando.

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Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,

regular como um paradigma da 1ª conjunção. Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,

ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência. Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome. E ela era bitransitiva.

Tentou ir para os EUA. Não deu.

Acharam um artigo indefinido na sua bagagem. A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,

conectivos e agentes da passiva o tempo todo. Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Paulo Leminski)

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RESUMO

A proposta deste trabalho é analisar o padrão de colocação pronominal em cartas

pessoais escritas nos séculos XX e XXI, tendo como embasamento teórico a Teoria Gerativa

(Lightfoot, 1999), principalmente no modelo de competição de gramáticas (Kroch, 1989,

1994) e o desenvolvimento metodológico da Teoria da Variação e Mudança (Weinreich,

Labov e Herzog, 1968).

Os trabalhos sobre colocação pronominal na história do português brasileiro revelam

um padrão de variação muito diferente do padrão proclítico característico da gramática do PB,

como reporta Pagotto (1998, 2013). Desse modo, ao comparar cartas pessoais escritas a partir

do início do século XX até o início do século XXI, esperamos encontrar nas cartas mais

recentes um padrão mais próximo da gramática internalizada, ou seja, a preferência pela

próclise.

O estudo tem como objetivos: a) determinar os fatores linguísticos e sociais que

condicionam a próclise ou a ênclise em falantes não ilustres; b) analisar as diferenças na

colocação pronominal entre os informantes de cada recorte sincrônico; c) confrontar os dados

dos informantes do século XX e os do século XXI; d) comparar todos os resultados obtidos

aos resultados de demais trabalhos já realizados sobre o tema.

Os resultados confirmaram a coexistência de duas gramáticas atuando na escrita dos

falantes brasileiros. A gramática do PE aparece nos percentuais mais altos para ênclise em

contextos que antes eram de variação, como o contexto XV. E a gramática do PB não deixa

dúvida de sua presença quando o pronome surge proclítico ao verbo em início absoluto de

sentença, nas formas simples, ou quando surge proclítico ao verbo temático nas formas

complexas. Portanto, as hipóteses aqui levantadas são as de que as cartas do século XXI

apresentam um índice de próclise mais alto do que as do meado do século XX, que por sua

vez, apresentam um nível mais alto de próclise do que as missivas do início do século XX.

Além disso, com relação aos missivistas das cartas do século XX, os índices mais altos de

próclise estão condicionados a fatores sociais, como o gênero e escolaridade.

Palavras chaves: Colocação pronominal; Competição de gramáticas; Cartas pessoais.

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ABSTRACT

This thesis aims at analyzing the pattern of clitic placement found in personal letters

written between the 20th and 21st centuries, based on the theoretical framework of Generative

Grammar (Lightfoot, 1999), specially the model of grammar competition (Kroch, 1989, 1994)

allied to the variational methodology (Weinreich, Labov, Herzog, 1969).

Clitic placement in the history of Brazilian Portuguese shows a variational pattern very

different from the proclitic pattern characteristic of Brazilian Portuguese Grammar (Pagotto,

1998, 2013). Thus, when we compare personal letters written in the begging of the 20th and

21st centuries, we expect to find clues for the internalized grammar, i. e., the preference for

proclisis.

In order to show the clitic placement patterns in Brazilian Portuguese, this research

aims at: (a) determining the social and linguistic constraints to proclisis; (b) analyzing the

differences in clitic placement between the authors along the time; (c) comparing the behavior

of the authors between 20th and 21st centuries; (d) comparing these results with previous work

on the subject. By hypotheses, we expect to find higher rates of proclisis in the 21st letters,

compared to the 20th century letters.

Our results confirm the coexistence of two different grammars in the written texts of

Brazilian authors. The European Portuguese grammar appears in the higher rates of enclisis in

variation contexts, such as X-verb. The Brazilian grammar emerges in proclisis in V1

sentences. Regarding the 20th century letters, the higher rates of proclisis are conditioned to

social factors, such as gender and education.

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO 1

1.1Aproblemática 3

1.2Objetivos 4

1.3Hipóteses 5

2REVISÃODALITERATURA 7

2.1Acolocaçãopronominalemformasverbaissimplessegundoatradiçãogramatical 7

2.2Acolocaçãopronominalemformasverbaiscomplexassegundoatradiçãogramatical 13

2.3Ainconsistênciadasgramáticasnormativas 17

2.4Outrasabordagensparaacolocaçãopronominal. 25

2.5LexiasverbaiscomplexaseSubidadoclítico 32

2.6AposiçãodospronomesempesquisasnoPEenoPB. 362.6.1OsclíticosnoPE 362.6.2Mudançanacolocaçãoclítica:doPCaoPEmoderno 42

2.7OsclíticosnoPB 462.7.1ClíticosnoPBemcontextodevariação 462.7.2PadrãodecolocaçãopronominaldoPBnafamíliaOttoni 502.7.3PadrãodecolocaçãopronominaldoPBemcartasaRuiBarbosa 53

2.8Resumindoocapítulo 57

3APORTETEÓRICO 59

3.1Dospronomes 59

3.2ATeoriaGerativa 64

3.3Competiçãodegramáticas 67

4CORPUSEMETODOLOGIA 72

4.1Descriçãodocorpus 724.1.1JaymeeMaria:casaldosanos1930. 724.1.2FamíliaSalgadoLacerdaeamigos 734.1.3MissivistasdoséculoXXI 74

4.2Definindoogênerocarta 75

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4.3Oproblemadosestudosdiacrônicos 76

4.4Etapasdotrabalho:ametodologiaVariacionista 784.4.1Asvariáveis 794.4.1.1Posiçãodoclítico:variáveldependente 794.4.1.2Variáveisintralinguísticas 794.1.1.3Variáveisextralinguísticas 92

4.5Otratamentodosdados:procedimento,recodificaçõeserodadas 94

5ANÁLISEDOSDADOS 96

5.1Resultadosgerais 96

5.2Formassimples 985.2.1AposiçãodosclíticosemcontextoV1 1005.2.2AposiçãodosclíticosemcontextoXV 1025.2.3Aposiçãodosclíticosemestruturaspreposiçãomaisformasnominais 1055.2.4Aposiçãodosclíticoscomoperadordepróclise 1075.2.5Análisederegravariável 110

5.3Lexiasverbaiscomplexas 1155.3.1AposiçãodosclíticosemcontextodeV1:formasverbaiscomplexas 1195.3.2AposiçãodosclíticosemcontextoXV 1225.3.3Aposiçãodosclíticosemcontextosdepreposiçãomaisinfinitivo 1235.3.4Aposiçãodosclíticosemcontextodeoperadordepróclise 125

6CONSIDERAÇÕESFINAIS 129

REFERÊNCIAS 131

LISTADETABELASTABELA1FREQUÊNCIADEPRÓCLISECOMSUJEITOSDPSEPRONOMINAISEMTEXTOSDEBRASILEIROSNASCIDOSENTRE

1829A1969.ADAPTADODEMARTINS2007....................................................................................................................49TABELA2DISTRIBUIÇÃOENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMLEXIASVERBAISSIMPLESPORCONTEXTOANTECEDENTEE

PERÍODO...........................................................................................................................................................................................99TABELA3DISTRIBUIÇÃODOSPRONOMESEMLEXIASVERBAISSIMPLESPORPERÍODOEMCONTEXTOV1......................101TABELA4DISTRIBUIÇÃODOSPRONOMESEMLEXIASVERBAISSIMPLESPORPERÍODOEMCONTEXTOXV......................103TABELA5DISTRIBUIÇÃODOSPRONOMESEMLEXIASVERBAISSIMPLESPORPERÍODOEMCONTEXTOINFINITIVOMAIS

INFINITIVO....................................................................................................................................................................................106TABELA6DISTRIBUIÇÃODOSPRONOMESEMLEXIASVERBAISSIMPLESPORPERÍODOEMCONTEXTODEOPERADORDE

PRÓCLISE.......................................................................................................................................................................................108TABELA71ºFATORSELECIONADOPARAAPRÓCLISE:PERÍODODENASCIMENTOEMFORMASSIMPLES.........................111TABELA82ºFATORSELECIONADOPARAAPRÓCLISE:ESTRUTURAANTECEDENTEEMFORMASSIMPLES.......................112TABELA93ºFATORSELECIONADOPARAAPRÓCLISE:TIPODECLÍTICOEMFORMASSIMPLES..........................................113

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TABELA104ºFATORSELECIONADOPARAAPRÓCLISE:FORMAVERBALEMFORMASSIMPLES.........................................113TABELA11DISTRIBUIÇÃOGERALDOSPRONOMESEMFORMASCOMPLEXAS..........................................................................118TABELA12DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMCONTEXTODEINÍCIOABSOLUTO.......119TABELA13DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMCONTEXTODEINÍCIODEORAÇÃO.....120TABELA14DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMCONTEXTOXV.......................................122TABELA15DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMCONTEXTOPREPOSIÇÃOMAIS

INFINITIVO.....................................................................................................................................................................................124TABELA16DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMCONTEXTOOPERADORDEPRÓCLISE.125TABELA17DISTRIBUIÇÃODEPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASCOMPLEXASEMVERBOSAUXILIARESCOMOPERADORDE

PRÓCLISE.......................................................................................................................................................................................128

LISTADEGRÁFICOSGRÁFICO1DISTRIBUIÇÃOGERALDOSDADOSENTREFORMASSIMPLESEFORMASCOMPLEXAS............................................96GRÁFICO2DISTRIBUIÇÃODOSDADOSENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMFORMASSIMPLES.......................................................98GRÁFICO3USODEPRÓCLISEEMCONTEXTOV1PORPERÍODO..................................................................................................102GRÁFICO4USODEPRÓCLISEEMCONTEXTOXVPORPERÍODO..................................................................................................105GRÁFICO5USODEPRÓCLISEEMCONTEXTOPREPOSIÇÃOMAISINFINITIVOPORPERÍODO.................................................107GRÁFICO6USODEPRÓCLISEEMCONTEXTODEATRATORDEPRÓCLISE..................................................................................109GRÁFICO7DISTRIBUIÇÃOGERALDOSDADOSEMFORMASCOMPLEXAS.........................................................................116GRÁFICO8DISTRIBUIÇÃOENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMCONTEXTODEINÍCIOABSOLUTO.........................................121GRÁFICO 9 DISTRIBUIÇÃO ENTRE PRÓCLISE E ÊNCLISE EM CONTEXTO DE INÍCIO DE ORAÇÃO......................121GRÁFICO10DISTRIBUIÇÃOENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMCONTEXTOXV...................................................................123GRÁFICO11DISTRIBUIÇÃOENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMCONTEXTODEPREPOSIÇÃOMAISINFINITIVO.....................125GRÁFICO12DISTRIBUIÇÃOENTREPRÓCLISEEÊNCLISEEMCONTEXTODEOPERADORDEPRÓCLISE...............................126

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1

1Introdução

Assunto frequentemente retomado por pesquisadores da língua portuguesa, o aspecto

gramatical que se refere à colocação dos pronomes clíticos nas estruturas oracionais é um

tema inesgotável para os estudiosos que tentam de forma total, ou parcial, responder às

diversas perguntas que seu comportamento complexo nos instiga. Embora regida por diversas

regras, a colocação pronominal na língua portuguesa é variável, o que explica a profusão de

assuntos passíveis de investigação científica.

Sobre o tema, pode-se afirmar que o português brasileiro – doravante PB – e o

português europeu – doravante PE – tomaram vias diferentes ao longo de alguns séculos. O

PE sempre inclinado à ênclise quando não forçado à próclise, estrutura semelhante aos

exemplos em (1) enquanto o PB tende à próclise, independentemente da ocorrência de

elementos que levam obrigatoriamente à próclise no PE, como os exemplos em (2).

(1) a. Escreva-me sobre o que voce acha da nossa situação agora (sincera/ e sem

confusão). (A. Carlos - 17/10/1978)1

b. longe de ti minha flor, a alegria foge-me quizera só poder estar ao teu lado, para

poder sufocar as minhas dores, que tanto me crucificam (Jaime - 24/01/1937)

c. Mas conformo-me minha flor, porque sei que para se amar de verdade precisa-se

sofrer, portanto e grande o nosso sofrimento, (Jayme - 20/04/1937)

d. a todo momento pareço ouvir-te falar, [...], pareço vel-a, mas tudo isso não passa

de uma ilusão, porque estas tão longe, e só tenho comigo dentro do peito o teu

pobre coração. (Jayme - 24/09/1936)

e. Eu mando-te dizer que a carta da semana passada não chegou eu acho que

estreviou. (Maria - XX anos - 15/03/1937)

f. O pessoal no boliche não te confunde com a bola? (A. Carlos - 09/11/1978)

g. Quero que me mandes dizer se gostaste do anel, (Jayme - 02/03/1937)

(2) a. Amanhã a noite se eu ficar sosinho em casa, te escreverei uma carta como tu

gostas bem grande e bonita, (Jayme - 13/02/1937) 1 Os exemplos ilustrados nesse trabalho são, em sua maioria, pertencentes ao corpus analisado.

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2

b. Isso me desistressa. (Camila - 09/03/2012)

c. Não te conto a maior, quero dizer te conto sim. (A. Carlos - 02/08/1978)

d. manda me dizer se os teus pais falarão auguma cousa com voce, (Maria -

21/02/1937)

O distanciamento entre as duas variedades da língua portuguesa causa certo

descompasso aos seus usuários, principalmente aos brasileiros que sofrem com a concorrência

de dois padrões de colocação pronominal: o padrão da gramática vernacular e o padrão da

gramática europeia. Cada falante do PB, dependendo de vários aspectos discursivos, como

finalidade, interlocutor, formalidade, ora acessa o “dialeto brasileiro”, ora o purismo lusitano,

e por vezes mistura as duas gramáticas o que veremos posteriormente como a gramática do

letrado.

Sabe-se que a língua portuguesa falada no Brasil, desde que foi trazida pelos

portugueses no século XVI, sofreu mudanças ao longo do tempo. Segundo Mattos e Silva

(2004), o português brasileiro formou-se a partir da interação entre algumas línguas: a do

colonizador, as línguas dos índios brasileiros, as diversas línguas africanas e ainda as línguas

dos emigrantes europeus e asiáticos que foram chegando a partir do século XIX. Fazendo hoje

uma comparação entre o PE e o PB, é possível perceber diferenças significativas,

principalmente em relação aos aspectos fônicos e sintáticos, provocadas por fatores externos e

internos.

Dentro dos aspectos sintáticos encontram-se aqueles relacionados à sintaxe de

colocação dos pronomes clíticos. Segundo Mattos e Silva (2004), os clíticos acusativos,

dativos e o –se indefinido de terceira pessoa estão extintos da fala dos brasileiros, porém, ao

ocorrerem, apresentam alta produção de ênclise pois representam os padrões encontrados no

PE, uma vez que são aprendidos via educação formal (3). Em muitos casos, a utilização da

próclise não corresponde à posição prescrita segundo a gramática tradicional comprovando a

distância entre o português falado na Europa e o falado no Brasil. Isso mostra também que os

falantes do português brasileiro têm caminhado para a aceitação de suas variantes na escrita.

(3) a.Hoje de manhã recebi uma carta tua datada de 1– 1– 936, eu recebi-a muito

tristonho, porque a correspondencia só me traz noticias tuas e mais nada (Jaime -

05/10/1936)

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3

b. Sorrio-lhe e confio-lhe o meu segredo,- esse segredo que estas farta de saber...

(Jaime - 20/04/1937 C)

c. Posso mandar 44 pounds e paga-se 23 dólares. (Marcela - 19 anos - 08/05/1979)

1.1Aproblemática

A gramática tradicional refere-se aos pronomes clíticos como pronomes oblíquos

átonos. Na língua portuguesa, a relação sintática que os pronomes átonos mantêm com o

verbo mostra que, na maioria das vezes, este desempenha o papel de complemento. No

PE, sua colocação primeira, na ordenação das palavras de uma frase, é enclítica, ou seja,

assim como acontece com os demais complementos verbais, está inserido posteriormente

ao verbo. Contudo, vezes há em que o pronome se antepõe a ele ou se intercala ao radical

e sua desinência modo-temporal / número-pessoal como mostram os exemplos em (4).

(4) a. longe de ti minha bela, tudo e diferente para mim; mundo parece-me que vae

acabar a saudade atormenta-me (Jayme - 24/09/1936)

b. so mesmo a morte nos separara. (Jayme - 23/09/1936)

c. por esses dias mandar-te-ei uns dos meus, porque o que tú tens, qualque dia

desaparece de tú tanto beijares, (Jayme - 05/10/1936)

Ao olharmos comparativamente, o PB e o PE, observamos uma diferença na escolha

prototípica da colocação do pronome clítico, seja nas formas verbais simples ou complexas.

No PE, a ênclise é a ordem natural do clítico, em todos os contextos que não possuem

operador, como: verbo em início absoluto ou início de oração (1a), verbo antecedido de

elemento não-atrator (1b), estruturas complexas em início de oração ou período (1c) em

estruturas verbais complexas, tendo ênclise ao verbo finito ou não finito (1d) e (1e). É

facultativa a ênclise em complexos verbais com infinitivo ou gerúndio antecedido de um

operador de próclise (1f), podendo ter como alternativa a próclise ao auxiliar na presença de

um atrator (1g) enquanto no português brasileiro se tem um quadro quase exclusivamente

proclítico: início de oração (2a), verbo antecedido de elemento atrator ou não (2b) e (2c),

próclise ao segundo verbo em complexos verbais (2d). Contudo, diferentemente do que se

pensa, a posição dos clíticos do português brasileiro não é uma inovação na história do

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4

português, mas sim uma continuação da tradição clássica: nenhum elemento verbo-cl (#V1cl)

(5a), elemento não-atrator clítico-verbo (X clV) (5b), atrator clítico-verbo (oper. clV) (5c).

(5) a. Diga-me sua opinião sobre os itens acima. (A. Carlos - 30/01/1977)

b. Mas a música me da ânimo mesmo, hehe. (Wesley - 09/09/2010)

c. eu a recebi a tua carta a do dia 29 que muito me alegrou de ter noticias tuas

(Maria - 01/10/1936)

O fato é que todo falante do PB está em contato com duas gramáticas distintas e

codificadas para a colocação pronominal: a do PB adquirida no período de aquisição e a outra

do PE, aprendida na escola via educação formal. A influência dessas normas concorrentes já

se apresenta no final do século XIX. Isso significa dizer que o comportamento dos pronomes

em questão não se dá arbitrariamente. A posição em que aparecem nas estruturas é

condicionada por um possível grupo de fatores de variação como veremos no Capítulo 5 desse

trabalho.

Para nortear os objetivos da pesquisa, podemos consolidar algumas perguntas, tais

como: Quais são os fatores internos e externos da língua que guiam as variações de colocação

do clítico? Até que ponto os termos diretamente antecedentes aos pronomes, o tipo de oração

que ele se encontra, a forma verbal a qual o pronome se agrega, a posição social do indivíduo,

interferem na colocação pronominal?

1.2Objetivos

Tendo este assunto múltiplas vertentes e sendo impossível contemplar todos os

aspectos passíveis de investigação, é necessário delimitar um recorte do tema escolhido.

Conhecidas as justificativas e os problemas a serem abordados no estudo da ordem, propõem-

se os seguintes objetivos para o tratamento do tema:

Como já mencionado, a colocação pronominal no português é variável, e o falante do

PB possui duas gramáticas concomitantes, selecionando uma ou outra em diferentes

contextos, o que nos leva ao nosso objetivo geral. O interesse principal é fazer um estudo

comparativo da posição dos pronomes ditos clíticos no português brasileiro em cartas da

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5

primeira metade do século XX de missivistas brasileiros – sem prestígio social, de letramento

reduzido apontado por alguns indícios gramaticais e que consideravelmente não se

influenciaram pelas tendências do português europeu, na época, já eleito como norma padrão

do português – e de missivas do início do século XXI de correspondentes brasileiros

igualmente sem distinção social relevante.

Deste objetivo podem-se desmembrar outros objetivos mais focalizados de acordo

com muitos aspectos comportamentais do objeto de estudo.

Os objetivos específicos desta pesquisa estão discriminados abaixo:

(i) estabelecer um panorama da colocação dos clíticos no português nos séculos XX e

XXI, analisando cartas pessoais trocadas entre brasileiros não-ilustres, representante

da classe mais numerosa da população brasileira na época.

(ii) determinar quais os fatores que mais condicionaram uma colocação proclítica ou

enclítica nestes falantes, levando em conta fatores linguísticos e extralinguísticos.

(iii) fazer uma análise comparativa entre os registros encontrados nas cartas das três

sincronias analisadas ao longo dos séculos XX e XXI.

(iv) comparar todos os resultados obtidos nesta empreitada aos resultados dos demais

trabalhos já realizados sobre o mesmo tema, e apontar no que os resultados se

assemelham e no que diferenciam.

1.3Hipóteses

A hipótese levantada é que nas cartas dos séculos XX e XXI, encontremos um padrão

clV nas formas verbais simples como em (2a) à (2c) e V1 clV2 nas formas verbais complexas

como em (2d), evidenciando uma escolha majoritária da próclise no PB em relação à

encontrada nas cartas destinadas a Rui Barbosa (Cavalcante, Duarte & Pagotto, 2011), por se

tratar de cartas escritas por pessoas de alta escolaridade e dirigidas a um falante da norma

lusitana.

Outra hipótese é que a colocação proclítica vá aumentando com o passar do tempo e

que cada sincronia apresentará níveis cada vez mais altos de próclise, se aproximando cada

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vez mais do português falado. Nas cartas da década de 1930 encontraremos um padrão de

colocação em variação entre próclise e ênclise enquanto que nas cartas dos missivistas da

década de 1970 e os missivistas da década de 2010 considero que encontraremos um padrão

totalmente proclítico em contextos de opção normativa entre próclise e ênclise, assim como

próclise ao verbo principal em estruturas de complexo verbais, se aproximando do português

brasileiro falado.

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2REVISÃODALITERATURA

Baseadas em modelos do português europeu do século XIX, as regras de colocação

pronominal apresentadas pelas principais gramáticas tradicionais (GT 2 ) do português

brasileiro, apresentam uma inconsistência e uma carência de informações tanto ao tratarem

dos contextos de lexias verbais simples quanto das lexias verbais complexas.

Esta seção tem como objetivo discutir a fragilidade da visão da gramática tradicional a

respeito da colocação dos pronomes clíticos e contrapô-la com outras propostas. Sobressaem

nesta seção trabalhos de cunho teórico-descritivo, em particular os de caráter formalista, que

se debruçam sobre o assunto e as diferenças entre esse fenômeno no PE e no PB.

2.1Acolocaçãopronominalemformasverbaissimples

segundoatradiçãogramatical

As principais gramáticas normativas da língua portuguesa, ao tratarem da colocação

pronominal, organizam suas explicações a partir da posição do pronome átono em lexias

verbais simples. Se anterior ao verbo, tem-se a próclise; se posterior ao mesmo, tem-se a

ênclise; e se o pronome está intercalado ao radical e sua desinência modo-temporal/ número-

pessoal, tem-se a mesóclise. Para esta revisão, utilizaremos três gramáticas como referência:

Gramática Normativa da Língua Portuguesa – Rocha Lima; Nova Gramática do Português

Contemporâneo – Celso Cunha & Lindley Cintra; Moderna Gramática Portuguesa –

Evanildo Bechara.

Segundo Rocha Lima (2014[1957]), a posição por excelência dos pronomes átonos é

pós-verbal e se configura sempre nos seguintes contextos: quando o verbo abrir o período, ou

iniciar qualquer das orações que o compõem (1a) e (1b); quando o sujeito – substantivo ou

pronome – vier imediatamente antes do verbo, assim nas orações afirmativas como nas

interrogativas (1c) e (1d); nas orações coordenadas sindéticas (1e).

2 Entendemos GT o conjunto de regras, de reflexões e de classificações a respeito da língua aplicado nas salas de aulas, com base nas estruturas gramaticais padronizadas da língua portuguesa do século XIX. A GT tem como característica distinguir o certo do errado. Sua preocupação não está em descrever os usos possíveis da língua, mas em preservar e indicar como corretos e aceitáveis os usos tradicionalmente eleitos como paradigmas.

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(1) a. Conte-me sobre você. (Camila - 01/02/ 2012)

b. se não chegar o dinheiro manda pedir mais, porque irei roubar se for preciso,

porque fiquei limpo, e se sobrar troco, guarda-o para ti. (Jayme - 22/09/1936)

c. longe de ti minha bela, tudo e diferente para mim; mundo parece-me que vae

acabar a saudade atormenta-me (Jayme - 24/09/1936)

d. Eles lembraram-se daquele momento da despedida?

e. Posso mandar 44 pounds e paga-se 23 dólares. (Marcela - 08/05/1979)

Contudo, o autor acrescenta a seguinte observação aos contextos acima apresentados:

“Em qualquer destes casos, pode, contudo (por puro arbítrio, ou gosto), ocorrer a anteposição,

salvo quando se tratar de início de período”. Como mostram as frases do exemplo (2).

(2) a. *Me conte sobre você.

b. Se não chegar o dinheiro manda pedir mais, porque irei roubar se for preciso,

porque fiquei limpo, e se sobrar troco, o guarda para ti.

c. Eles se lembraram daquele momento da despedida?

d. A minha maior aventura nesta vida é te querer e te amar cada vez mais.

e. Posso mandar 44 pounds e se paga 23 dólares.

Dessa forma, Rocha Lima elenca os contextos onde a próclise se institui obrigatória.

São eles: nas orações negativas (não, nem, nunca, ninguém, nenhum, nada, jamais, etc.),

desde que não haja pausa entre o verbo e as palavras de negação (3a); nas orações

exclamativas, bem como nas orações optativas (3b) e (3c); nas orações interrogativas,

começadas por pronomes ou advérbios interrogativos (3d); nas orações subordinadas (3e);

com certos advérbios e pronomes indefinidos, sem pausa (3f) e (3g).

(3) a. Nunca me conformei com minha altura, mas digamos que aceitei essa aberração

(Johnny - 02/01/2011)

b. Oxalá me proteja!

c. Que Deus se compadeça de nosso sofrer.

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d. Há quanto tempo você se corresponde?

e. Que bom q me escolheu entre tantos da comunidade do Orkut, me sinto honrado

(Johnny - 04/10/2010)

f. Avisa-me a hora que imediatamente te busco.

g. Tudo se fez como você ordenou.

No que se refere às formas infinitivas (infinitivo e gerúndio), Rocha Lima, afirma que

é predominante o uso da ênclise. No entanto, considera facultativa a posição do pronome

quando o infinitivo, na forma não flexionada, estiver precedido de preposição (4a), ou palavra

negativa (4b). Caso o infinitivo esteja na forma flexionada, o pronome tende a aparecer antes

do verbo (4c). Destaca-se a seguinte observação de Rocha Lima: “a ênclise é, todavia, de

rigor, se o pronome for o(s) ou a(s), e o infinitivo vier regido da preposição a.” (p.546) (4d).

Desta forma, torna-se agramatical o exemplo (4e).

(4) a. Nas horas vagas eu gosto de me jogar na cama com o Guilherme e ver um bom

filme comendo pipoca, tomando coca, essas coisinhas simples me deixam

extremamente feliz. (Maiara - 13/05/2012) / Nas horas vagas eu gosto de jogar-me

na cama com o Guilherme e ver um bom filme comendo pipoca, tomando coca,

essas coisinhas simples me deixam extremamente feliz.

b. Gosto muito de assistir filmes, poderia ficar horas falando de cinema sem me

cansar, também gosto de ler e de estar com os amigos. (Caco - 31/01/2014) / Gosto

muito de assistir filmes, poderia ficar horas falando de cinema sem cansar-me,

também gosto de ler e de estar com os amigos.

c. Tu disseste numa carta para tua família para te buscarem.

d. queria continuar naquela ilusão, vendo a imagem, que me dá vida e amor, a

santa que com seu amor ensinou-me a ama-la também, e encheu-me de desejo de

possui-la somente para mim, e traze-la sempre bem juntinho de meu coração, que a

muito já pertence ao dela. (Jayme - 22/03/1937)

e. * queria continuar naquela ilusão, vendo a imagem, que me dá vida e amor, a

santa que com seu amor ensinou-me a a amar também, e encheu-me de desejo de

possui-la somente para mim, e traze-la sempre bem juntinho de meu coração, que a

muito já pertence ao dela.

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No caso do gerúndio, será preferida a próclise, somente em dois casos: se o gerúndio

estiver antecedido de preposição em ou de advérbio (que o modifique diretamente, sem

pausa), segundo Rocha Lima, como nos exemplos a seguir:

(5) a. Em se tratando de amor, nada é como queremos.

b. eu é como tu sabes cada vez mais apaixonado sempre te amando como nunca,

(Jayme - 05/10/1936)

Assim como Rocha Lima, Cunha & Cintra (2013[1985]) afirmam que a posição lógica

do pronome átono é posposta ao verbo por desempenhar a função de objeto direto ou indireto

do verbo. Contudo, há casos em que, na língua culta, a colocação enclítica não é uma opção.

Temos a próclise obrigatória nos seguintes contextos segundo os autores: nas orações que

contêm uma palavra negativa; nas orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas

orações que exprimem desejo (optativas); nas orações iniciadas com pronomes e advérbios

interrogativos; nas orações subordinadas desenvolvidas, ainda quando a conjunção esteja

oculta; quando o verbo vem antecedido de certos advérbios ou expressões adverbiais e não há

pausa que os separe; quando o sujeito da oração, anteposto ao verbo, contém algum dos

pronomes indefinidos. Tais contextos podem ser atestados nos exemplos explicitados em (3)

Juntam-se aos contextos acima, as seguintes circunstâncias para o uso da próclise:

quando a oração, disposta em ordem inversa, se inicia por objeto direto ou predicativo (6a);

quando o sujeito da oração, anteposto ao verbo, contém o numeral ambos (6b); nas orações

alternativas (6c).

(6) a. Quando um não quer, dois não brigam; isso te digo eu.

b. Ambos lhe confortaram a ausência da filha.

c. Sem demora: Ou as faça agora, ou as faça imediatamente.

Sobre as formas infinitivas os autores definem apenas como contexto de próclise

obrigatória as orações com gerúndio regido de preposição em, como vimos em (5a). Com os

infinitivos soltos, mesmo quando modificados por negação, é lícita a próclise ou a ênclise e

consoante a análise de Rocha Lima, fazem a mesma observação sobre a forma infinitiva

antecedida de preposição a. “A ÊNCLISE é mesmo de rigor quando o pronome tem a forma o

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(principalmente no feminino a) e o INFINITIVO vem regido de preposição a” (Cunha &

Cintra, op. cit., p. 326). Para as formas de particípio, os autores defendem que não se dá a

ênclise nem a próclise quando este vem desacompanhado de um auxiliar. Usa-se então as

formas oblíquas regidas de preposição.

(7) Dada a mim, a explicação, saiu. (Cunha & Cintra. p. 325)

Um apontamento feito por Cunha & Cintra não encontrado na gramática de Rocha

Lima é o contexto em que é propício o uso da mesóclise3. Quando o verbo está no futuro do

presente ou no futuro do pretérito, dá-se tão somente a próclise ou a mesóclise do pronome.

(8) a. Queres saber porque briguei com Snr. Mario, isto não interessa, agua passada

não volta ao moinho, depois falarte-ei quando for ahi. (Jayme - 26/09/1936)

b. Queres saber porque briguei com Snr. Mario, isto não interessa, agua passada

não volta ao moinho, depois te falarei quando for ahi.

c. Eu comê-lo-ia se não estivesse a jejuar.

d. Eu o comeria se não estivesse a jejuar.

Em sua gramática, Bechara (2015[1999]) faz as seguintes afirmações para a colocação

proclítica dos pronomes pessoais átonos em relação a um só verbo: não se pospõe pronome

átono precedido de palavra de sentido negativo (3a); não se pospõe ou intercala pronome

átono a verbo flexionado em oração iniciada por palavras exclamativas ou interrogativas,

como visto em (3b) e (3d); não se pospõe pronome átono a verbo flexionado em orações

subordinadas (3f); não se pospõe pronome átono a verbo modificado diretamente por advérbio

(3g), bem como verbo antecedido de pronome ou quantitativo indefinidos, enunciados sem

pausa (3h).

Para as formas infinitivas Bechara, brevemente, declara não ser possível antepor

pronome átono a verbos no gerúndio inicial de oração reduzida (9a), mas diz ser possível a

próclise se o gerúndio não estiver iniciando a oração reduzida (9b). Considera obrigatório o

3 Rocha Lima acrescenta uma única nota sobre as formas de futuro: “Nunca se pospõe pronome átono às formas do futuro do presente, nem às do futuro do pretérito”. Mas não deixa claro que a mesóclise é uma opção válida para este contexto.

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uso da próclise se o gerúndio estiver antecedido do verbo em, assim como os demais autores

analisados, Rocha Lima e Cunha e Cintra (9c). Ainda consoante Bechara, o contexto de

infinitivo antecedido de preposição condiciona tanto a possibilidade de próclise quanto a de

ênclise como em (9d) e em (9e) e não tece demais comentários sobre as formas infinitivas:

(9) a. Recebi sua 5ª carta e para variar fiquei muito contente, lendo-a varias vezes. (A.

Carlos - 15/09/1978)

b. Viemos conversando e eles me ensinando várias palavras. (Marcela -

31/07/1978)

c. Ela veio a mim, em me dizendo novidades que eu desconhecia.

d. Muito obrigada por me escrever, amei sua carta, recebi ela no mesmo dia que

meu namorado e ele amou sua carta também. (Maiara - 13/05/2012)

e. A gente pode entrar nas casas para visita-las. (Marcela - 11/02/1979)

A última observação feita pelo autor converge com o que foi dito por Cunha & Cintra

em sua gramática: não se pospõe pronome átono a verbo no futuro do presente e futuro do

pretérito. Se não forem contrariados os princípios anteriormente mencionados (verbo em

início absoluto, por exemplo), ou se coloca o pronome átono proclítico ou mesoclítico ao

verbo.

(10) a. Nós encontrar-nos-emos assim que possível.

b. Nós nos encontraremos assim que possível.

c. Encontrar-nos-emos assim que possível.

d. *Nos encontraremos assim que possível.

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2.2Acolocaçãopronominalemformasverbaiscomplexas

segundoatradiçãogramatical

Com relação à ordem dos pronomes clíticos nas locuções verbais, os gramáticos, em

geral, expõem as posições preferenciais em relação às formas nominais do verbo, mas não

chegam a abarcar diversos tipos de construções verbais complexas. Assim, restringem suas

observações. Nessa seção veremos as quatro posições possíveis do clítico: próclise ou ênclise

ao verbo auxiliar, próclise ou ênclise ao verbo principal.

Rocha Lima (2014 [1957]) também contempla em sua gramática, a colocação

pronominal em estruturas com locuções verbais. No entanto, o gramático apenas mostra

algumas possíveis construções de verbos auxiliares com verbos principais, indicando, para

cada estrutura, a posição ideal do clítico pronominal. Dessa forma, Rocha Lima não se ocupa

de uma descrição de fatores que possam desencadear a opção por quaisquer das formas

descritas. Eis as estruturas por ele discriminadas:

- Auxiliar + infinitivo. Cinco possibilidades são viáveis: próclise ao auxiliar; ênclise

ao auxiliar; ênclise ao infinitivo; ênclise ou próclise ao infinitivo precedido de preposição

(11).

(11) a. Espero que esta te va encontrar em perfeito estado de saude assim como os

teus, (Jayme - 30/09/1936)

b. Sinto-me envergonhado de te escrever a lapis mas se te enfastiares de minhas

letras manda-me dizer, porque eu então não escreverei mais, (Jayme - 15/09/1936)

c. Parece até brincadeira que eu ainda não peguei seu presentinho de volta, mas

vou resgatá-lo... (Amanda - 11/11/2013)

d. Uma menina chegou a declarar-se pra mim, mas nem rolou, daí ela resolveu se

afastar.

e. Uma menina chegou a se declarar pra mim, mas nem rolou, daí ela resolveu se

afastar. (Ananda - 19/10/2010)

- Auxiliar + gerúndio. Tem-se ênclise ao gerúndio; ênclise ao auxiliar; próclise ao

auxiliar (12).

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(12) a. Agora estarei apresentando-me: (Rodrigo - 01/06/2011)

b. As visitas foram-se retirando. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

c. As visitas se foram retirando. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

- Auxiliar + particípio. Apenas duas possibilidades: ênclise ao auxiliar; próclise ao

auxiliar (13).

(13) a. Os alunos tinham-se levantado. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

b. Os alunos se tinham levantado. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

Rocha Lima tece algumas considerações sobre a interposição do pronome átono nas

locuções verbais. Nas palavras do autor: “A interposição do pronome átono nas locuções

verbais, sem se ligar por hífen ao auxiliar, é sintaxe brasileira que se consagrou na língua

literária, a partir (ao que parece) do Romantismo.” (Rocha Lima, 2014:549)

Destaca ainda que tal estrutura não ocorre com o clítico acusativo (a, as, o, os), devido

a seu volume fonético ser mais reduzido do que o de outros pronomes átonos. Segundo ele,

não se usa “estou o esperando”, etc. Esta observação sobre a predileção da pronominalização

no português brasileiro é corroborada por outros gramáticos como Cunha & Cintra (2013

[1985]).

Para Cunha & Cintra (2013 [1985]), no contexto de locução verbal, dá-se próclise ao

verbo auxiliar quando a locução verbal vem precedida de palavra negativa e entre elas não há

pausa (14a); nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios interrogativos (14b); nas

orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo

(optativas) (14c); nas orações subordinadas desenvolvidas, inclusive quando a conjunção está

oculta (14d). Vale lembrar que, segundo os autores, quando não se verificar tais condições de

uso proclítico, o pronome será enclítico ao auxiliar (15).

(14) a. Gostaria de poder contar com sua amizade através das cartas, pois este tipo de

contato via correio não se pode acabar. (Matheus - 21/11/2010)

b. Como te hei de receber sem nenhuma preparação?

c. Que esta te vá encontrar em perfeito estado de saude assim como todos os teus,

(Jayme - 08/10/1936)

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15

d. A condecoração que me vai dar será para mim uma consagração.

(15) porque quando estou junto de ti a emoção embarga-me a voz, faz-me fugir as

palavras, e fico mudo. (Jayme - 02/03/1937)

Nas locuções verbais em que o verbo principal está no gerúndio ou no infinitivo,

apresenta-se sempre ênclise – nunca próclise – a estes verbos (16). Ao verbo principal no

particípio, o pronome átono não pode vir depois dele. Virá então proclítico ou enclítico ao

auxiliar (17), observando as normas expostas para os verbos na forma simples.

(16) a. eu queria ir buscar-te ja que mandas-te a tua mãe s, contento-me em esperar-te

na Central (Jayme - 24/09/1936)

b. Peço-te desculpas desta ser pequena pois não tenho tempo para mais, estou

servindo-me da hora de fazer pagamentos nos bancos, não posso perder tempo.

(Jayme - 16/02/1937)

(17) a. Arrependa-se agora e tudo lhe será perdoado.

b. Tenho-o trazido comigo sempre foi é de onde provem minha sorte.

Quanto à colocação pronominal em estruturas verbais complexas, é característica do

PB a próclise ao verbo principal. Sobre esta nova condição Martinz de Aguiar apud Cunha &

Cintra (op. cit., p. 332) explicita:

Numa frase como ele vem-me ver, geral em Portugal, literária no Brasil, o

fator lógico deslocou o pronome me do verbo vem, para adjudicá-lo ao verbo ver,

por ser ele determinante, objeto direto, do segundo e, não, do primeiro. Isto é:

deixou a língua falada no Brasil de dizer vem-me ver, (fator histórico por ser mera

continuação do esquema geral do português), para dizer vem me-ver, que também

vigia na língua, ligando-se o pronome ao verbo que o rege (fator lógico).

Segundo o autor, torna-se uma colocação estabilizada – vem me-ver –, ocupando o

lugar da forma vem ver-me e trazendo consequências imprevisíveis ao PB: “a junção do

pronome ao particípio procliticamente (18a); a colocação do pronome depois dos tempos

futuros, deixando-se de ligar ao futuro para unir-se ao infinitivo, deixando, igualmente, de

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16

interpor-se aos elementos constitutivos (18b); o abandono da posposição à forma verbal pura,

para antepor-se à nominal (18c)”.

(18) a. Espero que não tenhas te zangado comigo por causa do que houve, (Jayme -

19/01/1937)

b. eu pra semana mandarei te dizer si vou ou não no dia 4 de Outubro.

c. Quando é que você vai me mandar as fotografias da minha festa de despedida?

(Marcela - 08/09/1978)

A visão de Bechara (2015[1999]) para as locuções verbais com infinitivo e gerúndio

são bem parecidas com as propostas pelos autores vistos anteriormente. Tais contextos

possibilitam estes casos: próclise ou ênclise ao auxiliar e ênclise ao verbo principal.

Possibilidade também de próclise ao infinitivo se antecedido de preposição (cf. exemplos (11)

e (12)).

Bechara faz uma observação sobre a posição proclítica aos verbos infinitivos, uma

característica particular do PB moderno. Considera a possibilidade da próclise ao verbo

principal (atestada pela ausência de hífen), na linguagem falada ou escrita. Bechara considera

ainda um certo exagero da gramática clássica não aceitar tal maneira de se colocar o pronome

átono, mesmo sendo largamente usada entre os falantes do PB.

Nas locuções verbais de particípio o pronome pode vir proclítico ou enclítico ao

auxiliar tão apenas como vimos nos exemplos (13) de Rocha Lima. Mas salienta que a

próclise ao particípio é possível nas sentenças do português brasileiro (19).

(19) Voce deve ter ficado tão contente quanto eu de termos nos encontrado. (A. Carlos -

24/02/1977)

Em síntese ao que vimos nesta seção, Rocha Lima e Cunha & Cintra concordam que a

posição por excelência dos pronomes átonos é a posição enclítica, explicitando praticamente

os mesmos contextos motivadores da posição proclítica em lexias verbais simples. Os

gramáticos, neste momento incluindo Bechara, concordam que, se houver pausa que separe o

verbo da palavra atratora, a opção, quanto à ordem do pronome átono, pode ser modificada.

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17

Na visão dos três autores, tem-se o contexto da preposição em antecedendo gerúndio como

altamente favorecedor da posição proclítica.

Em se tratando de complexos verbais, pode-se observar que Bechara e Cunha & Cintra

registram considerações semelhantes ao privilegiarem as variantes enclíticas às formas

auxiliar e principal do verbo como regra geral. Entretanto, ambos os autores salientam que, no

Português do Brasil, o clítico tende a estar ligado ao verbo que o rege. Rocha Lima afirma que

a posição do clítico no meio do complexo verbal sem hífen é sintaxe brasileira. Já em

complexos verbais onde o verbo principal se encontra no particípio, os gramáticos destacam a

não possibilidade da posição enclítica.

2.3Ainconsistênciadasgramáticasnormativas

Podemos dizer que os três gramáticos explicitados nas seções 2.1 e 2.2 convergem, em

sua maioria, quanto à colocação pronominal. Tendo como divergência uma ou outra estrutura

contemplada por um e não contemplada pelos demais. Esta disparidade entre as gramáticas

normativas aponta certa inconsistência ao abordar a colocação dos pronomes clíticos. O

primeiro xeque que se coloca às gramáticas é a superficialidade com que são tratados os

contextos propícios a próclise ou a ênclise.

Os autores supracitados mencionam a presença de um advérbio como desencadeador

de próclise dos pronomes, porém, não especificam quais advérbios desempenham essa

função, colocando-os como iguais num mesmo grupo nada coeso, quando na verdade

apresentam características funcionais distintas. Martins (2013) descreve detalhadamente os

advérbios proclisadores, discriminando-os em grupos e subgrupos. Essa subcategorização é

necessária uma vez que não é todo e qualquer advérbio um atrator proclítico.

A próclise é obrigatória em orações principais afirmativas introduzidas por advérbios

focalizadores inclusivos (também, até, mesmo), exclusivos (apenas, só, somente, logo, antes),

aspectuais (já, ainda, quase, mal (com a interpretação ‘quase não’)) e de modalidade (talvez).

Segundo Martins (2013), os advérbios focalizadores põem em evidência (ou seja, põem em

foco) um certo constituinte ou componente da frase, ao contrastá-lo com alternativas

possíveis.

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18

“Os advérbios focalizadores de inclusão e exclusão denotam e realçam a pertença ou

não pertença de um indivíduo (ou de um evento ou situação) a um conjunto pressuposto ou

previamente mencionado no universo de discurso.” (Martins, 2013. pág. 2251). A autora

acrescenta que os advérbios focalizadores inclusivos/exclusivos assemelham-se aos

quantificadores porque levam a interpretação quantitativa do vocábulo que modificam, em

virtude da implicação de existência ou de inexistência de outros elementos (20).

(20) a. Marcos também te felicita pela a provação no concurso.

b. Mesmo você se alegraria com a novidade.

c. Só aquele concerto me agrada.

d. Apenas isso me irrita: perder a hora.

Por sua vez, os advérbios focalizadores aspectuais põem em evidência a transição

entre fases sucessivas no desenvolvimento de um evento. A focalização implica um contraste

entre a situação afirmada e uma situação alternativa. O advérbio pode ainda por em evidência

uma transição entre fases no desenvolvimento de um evento que não aconteceu, mas

acontecerá em breve ou um evento já acontecido. Os focalizadores aspectuais aproximam-se

dos focalizadores inclusivos/exclusivos na medida em que a interpretação das frases que os

integram pode ser decomposta em duas partes contrastivas: a situação observada e uma

situação alternativa, esperada, desejável ou provável (21).

(21) a. João ainda se interessa pela culinária francesa.

[João se interessa pela culinária francesa] / [ João poderia já não se interessar pela

culinária francesa]

b. Nós quase te encontramos na estreia do novo filme.

[Nós não te encontramos na estreia do novo filme] / [Existiu uma grande

possibilidade de te encontrarmos na estreia do novo filme]

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19

O focalizador de modalidade talvez se aproxima dos focalizadores aspectuais por

afirmar como possível uma situação contrária à situação esperada (quer esta tenha sido

afirmada explicitamente quer seja apenas pressuposta):

(22) Talvez Mariana me visite amanhã. [= É possível que Mariana me visite (ao

contrário do que você pensa)]

Assim como os advérbios focalizadores, são desencadeadores de próclise os advérbios

focalizados. Na visão de Martins, são objeto de focalização contrastiva, ocorrem em posição

pré-verbal e induzem a colocação proclítica dos pronomes átonos. Os exemplos em (23)

mostram como o mesmo advérbio pode ser um foco contrastivo e acarretar próclise ou ser,

pelo contrário, um constituinte topicalizado e associar-se à ênclise (ou à mesóclise). As frases

com advérbios focalizados, contrariamente àquelas em que os mesmos advérbios estão

topicalizados, são geralmente parafraseáveis com recurso às estruturas genericamente

chamadas de clivagem as quais permitem “isolar” o elemento que constitui o foco contrastivo.

Os advérbios focalizados têm ainda a particularidade de poderem ser modificados por

advérbios focalizadores.

(23) a. Depois se saberá a verdade. (= é depois [disso] que se saberá a verdade (não é

agora))

b. Depois, saber-se-á a verdade. (= então saber-se-á a verdade)

c. Certamente o encontrarei lá. (= é certo que o encontrarei lá (não duvido que

será assim))

d. Certamente, encontrá-lo-ei lá. (= tenho um grau alto de certeza de que o

encontrarei lá (mas admito que me possa enganar))

e. Agora te exijo uma resposta. (= é agora que te exijo uma resposta (não é

depois))

f. Agora, exijo-te uma resposta. (= a partir deste momento, exijo-te uma resposta

(e vou continuar exigindo))

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20

Martins (2013) elenca um outro grupo de advérbios responsável pela posição

proclítica dos pronomes clíticos. Certos advérbios podem perder o valor semântico que lhes

está normalmente associado, funcionando antes como um elemento atribuidor de ênfase à

frase. Vários advérbios podem manifestar a propriedade de “enfatizadores”, quando se

apresentam em posição pré-verbal. Nestas circunstâncias são sempre desencadeadores de

próclise e mostram-se despojados da interpretação que geralmente apresentam quando estão

em posição pós-verbal. Em (24) dão-se exemplos ilustrativos, com os advérbios bem, lá, até,

logo, sempre, já enfatizadores. Nestes exemplos, bem não tem valor modal (23a), até e já não

se comportam como focalizadores (24b) e (24c), logo e sempre apresentam-se esvaziados de

conteúdo temporal/aspectual (24d) e (24e) e lá esvaziado de referência locativa (24f).

(24) a. Ele bem se dedica aos seus compromissos, mas não com eficiência.

b. Eu até te contaria, mas não posso.

c. Você quer brigar, já a conversa te desagrada, não é?!

d. Logo me esqueci de regar a planta de que ele mais gostava!

e. Prefiro andar de transportes públicos. Sempre me sai mais barato.

f. Lá se vai todo o trabalho pelo ralo.

Assim como os advérbios, as gramáticas normativas brasileiras não contemplam

elementos não adverbiais também responsáveis pela posição proclítica dos pronomes.

Atestado por Martins (2013), é possível a presença de um foco contrastivo não adverbial

antecedendo o verbo que se associa ao clítico desencadeando assim a próclise, ou ainda as

declarações afirmativas enfáticas, onde a próclise pode ocorrer em sentenças em que não há

focalização contrastiva do constituinte que precede o verbo. Isso acontece quando a ênfase

recai sobre o valor de verdade da asserção, ou seja, quando o falante põe em relevo a sua

convicção de que aquilo que afirma é verdadeiro, ainda que pareça falso ou improvável. As

frases em (25) explicitam os casos de focos contrastivos não adverbiais e a frase em (26)

ilustra o contexto de declarativa enfática.

(25) a. O Gaspar escapou-se para o jardim sem eu me dar conta.

Para a rua o Gaspar se escapou. (Não foi para o jardim)

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b. Atravessando a várzea, chega-se ao mar. (= se se atravessar a várzea, chega-se

ao mar)

Atravessando a várzea se chega ao mar. (= é atravessando a várzea (e não de

qualquer outro modo) que se chega ao mar)

(26) Eu o proíbo de questionar minhas opiniões (= Eu realmente proíbo-o de

questionar minhas decisões.)

Em (25b), as frases, que diferem apenas pela posição do pronome clítico, têm

interpretações diferentes porque na primeira o constituinte oracional atravessando a várzea

está topicalizado, enquanto na segunda o mesmo constituinte se encontra focalizado. Na frase

com próclise, a focalização contém o valor de exclusividade, contrastivamente definida e na

frase com ênclise, esse valor está ausente.

Vemos nos autores brasileiros uma escassez de informações, mesmo quando se trata

da posição dos pronomes clíticos em locuções verbais. Como vimos em Rocha Lima (2014)

(cf. seção 2.2), o autor apenas aponta as possíveis posições dos pronomes clíticos em locução

infinitivas de infinitivo, gerúndio e particípio sem enumerar os contextos de próclise ou

ênclise. Um leitor desavisado pode interpretar as afirmações de Rocha Lima como uma

arbitrariedade na posição dos clíticos, considerando-o proclítico ou enclítico ao auxiliar ou

proclítico ou enclítico ao verbo principal independentemente do contexto que o antecede ou

da forma verbal que seleciona o clítico. Essa premissa é falsa, uma vez que algumas posições

são interditadas pela norma – como a posição proclítica ao verbo principal – e outras posições

são obrigatórias de acordo com o contexto em que se apresentam.

Mais uma vez, Martins (2013) faz uma extensa descrição da posição dos clíticos em

relação aos contextos que os circundam em lexias verbais complexas. Esses contextos estão

diretamente associados ao fenômeno de subida do clítico. Ao elucidar o comportamento do

clítico nas estruturas complexas de infinitivo a autora divide em dois grupos: quando o

pronome clítico vem como complemento e quando vem com função de sujeito. No primeiro

caso a autora afirma que em estruturas completivas infinitivas nas quais a oração é

selecionada por certos verbos e nas perífrases verbais, em geral, um pronome átono

complemento do verbo infinitivo pode cliticizar, opcionalmente, ao verbo finito – subida do

clítico. Extraído do domínio do infinitivo o clítico apresenta-se em ênclise, próclise ou

mesóclise ao verbo finito de acordo com as condições estabelecidas para orações principais e

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orações subordinadas finitas. Ou seja, um clítico pode ser atraído para a posição proclítica ao

auxiliar na presença de uma palavra atratora.

(27) a. Gostaria de poder contar com sua amizade através das cartas, pois este tipo de

contato via correio pode-se acabar.

b. Gostaria de poder contar com sua amizade através das cartas, pois este tipo de

contato via correio não pode acabar-se.

c. Gostaria de poder contar com sua amizade através das cartas, pois este tipo de

contato via correio não se pode acabar. (Matheus - 21/11/2010)

Já em estruturas com orações infinitivas aos verbos causativos deixar, fazer, mandar e

aos verbos perceptivos ouvir, ver, sentir, o pronome átono pode assumir o papel de sujeito

semântico da oração infinitiva e neste caso obrigatoriamente cliticiza ao verbo finito do qual

depende a oração infinitiva. A posição do clítico ao verbo finito também segue as definições

já estabelecidas.

(28) a. As enfermeiras deixaram-nos ir dar um passeio. (Martins, 2013 pág. 2289)

b. O Jorge ouviu-a entrar em casa. (Martins, 2013 pág. 2289)

c. E vendo-as rir, respiramos de alívio. (Martins, 2013 pág. 2290)

Embora para Martins os pronomes átonos apareçam nas mesmas posições descritas

por Cunha & Cintra (2013), nos complexos verbais com gerúndio, os pronomes cliticizam ao

verbo finito (29a). Ocorre, necessariamente, a subida do clítico, diferentemente do que

acontece nas estruturas com infinitivo, nas quais a subida do clítico é opcional. Somente

quando a forma gerundiva se antepõe ao verbo flexionado, o pronome cliticiza

obrigatoriamente ao gerúndio (29c).4 Observação não feita nem por Rocha Lima (2014), nem

por Cunha & Cintra (2013). Vale lembrar que os pronomes obedecem às mesmas

especificações para a colocação nas formas simples de gerúndio. A opcionalidade da subida

do clítico em complexos verbais gerundivos atesta-se em autores dos sécs. XVII à XIX. Já no

4 Também nas estruturas com infinitivo a anteposição da oração infinitiva torna impossível a cliticização do pronome átono à forma finita: Ouvi-lo, quero. *Ouvir, quero-o

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início do séc. XX, nota-se que pouco se usa a cliticização ao gerúndio em complexos verbais.

Possível, contudo, encontrá-la ainda em autores contemporâneos e no português falado.

(29) a. As visitas foram-se retirando. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

b. As visitas se foram retirando. (Rocha Lima, 2014 pág. 548)

c. Atrasando-me ia eu! – que não sabia da greve da Carris. (vs. *atrasando ia-me

eu!) (Martins, 2013)

Tampouco são abordadas, pelos gramáticos brasileiros citados, as estruturas com dois

ou mais verbos não finitos. Martins (2013) pondera que, observando as condições favoráveis

ou obrigatórias à subida do clítico, este dispõe de diversas opções no que diz respeito à

escolha da forma verbal a que cliticiza.

(30) a. Devo poder ir dar-lhe um beijo, pelo menos. (Martins, 2013 pág 2293)

b. Devo poder ir-lhe dar um beijo, pelo menos. (Martins, 2013 pág 2293)

c. Devo poder-lhe ir dar um beijo, pelo menos. (Martins, 2013 pág 2293)

d. Devo-lhe poder ir dar um beijo, pelo menos. (Martins, 2013 pág 2293)

A partir do trabalho realizado por Martins em sua descrição dos pronomes clíticos,

podemos depreender com maior facilidade a falta de refinamento e de importância que os

gramáticos tradicionais dão aos contextos que regem a colocação dos clíticos.

Os problemas da gramática normativa não acabam por aqui. Outra questão que deve

receber nossa atenção é a mistura da prescrição e da descrição que ocorre durante o

desenvolvimento do tema pronominal. Uma vez que não é a intenção destes gramáticos

brasileiros debruçar-se inteiramente sobre as normas estabelecidas pela comunidade de fala,

espera-se destas obras unicamente um manual de regras prescritivas, embora não seja isso que

encontremos.

Reconhece-se fundamentalmente três sentidos para o conceito de gramática (Possenti,

1996): conjunto de regras que devem ser seguidas. Considera-se então a gramática como “um

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manual com regras de bom uso da língua”, isto é, trata-se de um compêndio com normas para

falar e escrever corretamente. Tais normas advêm do uso que os escritores consagrados fazem

da língua; conjunto de regras que são efetivamente seguidas. Refere-se a um conjunto de

padrões que o gramático encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e

método. Nessa concepção, a preocupação do gramático é a de descrever a estrutura e o

funcionamento da língua. Não há noção de certo e de errado, como na concepção anterior,

porque é considerado gramatical tudo o que está em consonância com as regras de

funcionamento da língua em qualquer uma de suas variantes; conjunto de regras que o falante

domina, ou seja, a gramática como sendo o conjunto das regras que o falante de fato domina e

das quais lança mão ao falar. À essa concepção corresponde a gramática internalizada, ou

seja, a competência internalizada do falante decorrente do desenvolvimento gradual das

hipóteses que ele constrói sobre a língua, a partir de suas próprias atividades linguísticas.

Dessa perspectiva, podemos entender a gramática como o conhecimento implícito sobre o que

constitui a língua materna e como ela funciona.

Tendo em vista que as obras de Evanildo Bechara, Rocha Lima e Cunha & Cintra se

classificam como gramáticas normativas, é conflituosa a exposição de regras e padrões da

língua baseadas no uso dos seus falantes, principalmente quando estes vão contra o que é

considerado normativo. Se por um lado os autores Cunha & Cintra mencionam grupo clítico e

a possibilidade de mesóclise, características meramente históricas e comprovadamente em

desuso no PB, os mesmos autores mencionam a possibilidade de se iniciarem frases com os

pronomes átonos, especialmente o pronome me.

(31) Me chamo Alessandra, apelido Danda, tenho 22 anos e sou ariana. (Alessandra -

16/06/2012)

O padrão aqui apresentado, embora seja amplamente usado entre os falantes do PB,

não deveria estar presente na gramática de Cunha & Cintra, já que o intuito da gramática

normativa é apenas expor as regras de bom uso da gramática.

Como já vimos anteriormente, segundo Bechara (2015) e Cunha & Cintra (2013),

quanto à colocação pronominal em estruturas verbais complexas, é característica do PB a

próclise ao verbo principal, torna-se uma colocação estabilizada e trazendo consequências ao

PB: a junção do pronome ao particípio procliticamente; a colocação do pronome depois dos

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tempos futuros, deixando-se de ligar ao futuro para unir-se ao infinitivo, deixando,

igualmente, de interpor-se aos elementos constitutivos; o abandono da posposição à forma

verbal pura, para antepor-se a nominal. Mais uma vez os autores deixam de lado a

normatização e lançam mão da descrição de um fenômeno particular ao PB.

A descrição gramatical é, de fato, necessária para que possamos cada vez mais

compreender os fenômenos que se apresentam na língua da comunidade e sua evolução ao

longo do tempo. Contudo, é necessário que fique claro ao elaborar um trabalho de cunho

descritivo que a abordagem presente evidencia os padrões encontrados numa comunidade de

fala independente do que as gramáticas normativas prescrevem. Quando os gramáticos

normativos começam a evidenciar fenômenos que acontecem em um ou outro dialeto da

língua baseando-se em descrição linguística, eles ferem os princípios da primeira definição

que demos sobre gramática no início dessa seção. Essa mistura de prescrição e descrição

possivelmente confundirá um estudante que faça uma rápida pesquisa em uma dessas

gramáticas para entender o porquê sua professora de língua portuguesa lhe desconsiderou uma

questão já que uma vez contemplado na gramática se torna uma opção válida e consagrada na

língua. Por sua vez, qual seria a justificativa da professora uma vez que a construção

condenada se encontra na gramática normativa?

2.4Outrasabordagensparaacolocaçãopronominal.

O padrão de colocação dos pronomes clíticos é uma das propriedades sintáticas que

distingue as gramáticas de diferentes variedades nacionais da língua portuguesa. Cabe nesta

seção descrever os padrões de colocação característicos da gramática europeia e brasileira do

português moderno por uma perspectiva teórico-descritiva.

As diferenças encontradas entre a posição clítica nas gramáticas do PB e do PE

definem-se como composição de dois sistemas distintos de colocação pronominal no

português que oferecem um contraste impressionante entre as duas variedades. O PB

apresenta próclise generalizada enquanto o PE apresenta próclise e ênclise em domínios

finitos e não-finitos (Kato; Martins, 2016).

Embora os clíticos ocorram no português moderno à esquerda ou à direita de um

hospedeiro, na maioria dos contextos, essas duas posições não se encontram em variação

livre. A variedade europeia do português moderno respeita uma generalização sobre

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colocação de formas clíticas conhecida como Lei de Tobler-Moussafia, que se formula da

seguinte forma: as formas clíticas não podem ocupar a posição inicial absoluta de frase.

Contudo, os restantes contrastes não podem ser descritos por essa generalização.

Apesar de sua diversidade tipológica, os pronomes clíticos têm um comportamento

uniforme quanto aos padrões de colocação. Desse modo, exigem um hospedeiro verbal, o

que se traduz num requisito de adjacência entre o pronome clítico e uma forma verbal, finita

ou não finita, ao menos no português moderno, contrariamente ao que acontecia ao português

antigo e mesmo no português clássico, onde os casos de interpolação de constituintes eram

frequentes. Assim, os exemplos em (32), em que um constituinte negativo, um advérbio, um

sintagma preposicional, um pronome sujeito e um pronome forte objeto direto se interpõem

entre a forma clítica e a forma verbal.

(32) a. * “e se lhas nõ davam”

b. * “Mais dano do que lhy ante fazia”

c. * “Asi como a atá aqui derõ”

d. * “Isto que lles eu mãdo”.

e. * “Poys que lle ysto ouve dito”.

Esta situação de interpolação (de um constituinte entre o clítico e o verbo) tem um

âmbito muito restrito no português padrão contemporâneo, ainda que fosse muito comum no

português antigo. No entanto, o marcador de negação frásica não pode, opcionalmente,

interromper a continuidade entre um clítico pré-verbal e o verbo:

(33) a. O que ele lhe não terá dito!

b. O que ele não lhe terá dito!

Segundo Martins (2013), diferentes variedades dialetais do português admitem,

contemporaneamente, a interpolação de pronomes e advérbios de natureza dêitica (isso já me

ele tinha dito, nunca nos cá vens ver), além da interpolação de não, que partilham com o

português padrão. Mas nenhum dialeto conservou a interpolação generalizada do português

antigo.

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Outra característica do PE que não aparece no PB é a possibilidade dos grupos clíticos.

Quando, numa mesma oração, ocorre mais do que um pronome pessoal complemento, estes

formam um grupo clítico, que se caracteriza pela inseparabilidade dos elementos que o

constituem. Assim, a uma frase como vou devolver o livro ao Antônio corresponde a vou

devolver-lho, em que os dois clíticos, lhe (dativo) e o (acusativo) formam o grupo lho. A

separação entre dois pronomes clíticos complemento de um mesmo verbo infinitivo, obtida

colocando um deles em próclise e o outro em ênclise, não é permitida. Assim, tenho de lho

devolver e tenho de devolver-lho são ambas frases gramaticais, mas *tenho de lhe devolvê-lo

ou *tenho de o devolver-lhe não são opções permitidas pela gramática do português, embora

sejam possíveis tenho de lhe devolver o livro e tenho de devolvê-lo ao Antônio.

A posição dos pronomes clíticos não é sensível a questões morfológicas verbais no

Português, ou seja, apresentam uma independência quanto aos traços morfológicos dos verbos

que os acompanham, o que o diferencia das demais línguas românicas (Kato; Martins, 2016).

A oposição [± finito] não está por de trás da divisão próclise/ ênclise, em contraste com o

espanhol, o catalão e o italiano, nem a oposição [± imperativo] em contraste com o francês.

Embora, como já mencionado diversas vezes e em diversos estudos, a próclise seja geral no

PB, no PE a ênclise e a próclise surgem tanto nos domínios finitos quanto não-finitos

distribuídos em contextos e regido pelo que as autoras chamam de “fatores gramaticais

bastante complexos”. A extensa e rica bibliografia acerca das condições que regem o padrão

de colocação pronominal defende, unanimemente, que a posição enclítica é o padrão básico

não marcado, e que a posição proclítica é induzida por diversos fatores.

A partir disso, Kato e Martins elencam 5 características do português europeu para

“variabilidade de input”5 e mostram como resultado o deslocamento do clítico e a aquisição

tardia da gramática adulta por crianças portuguesas.

(i) No PE há uma correlação entre a polarização sentencial e a posição do clítico. A

dicotomia afirmativa/negativa resulta na oposição próclise/ênclise. Operadores de

negação frásicos e sintagmas negativos constituem um primeiro grupo de palavras

funcionais indutoras de próclise, como se pode observar nos exemplos (34).

(34) a. Maria trouxe-lhe um presente.

b. Maria não lhe trouxe um presente.

c. O João telefonou-me. 5 cf. Costa, Fiéis e Lobo (2014)

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d. O João nunca me telefonou.

(ii) No PE a dicotomia entre sentenças matriz e subordinadas finitas dão origem à

oposição entre próclise e ênclise, que se aplica a todas as sentenças subordinadas

finitas. Os complementizadores simples e complexos, selecionados por uma

preposição ou um advérbio ou que resultam de reanálise, são igualmente palavras

funcionais indutoras de próclise, como se pode ver através do contraste entre os pares

em (35).

(35) a. Propositalmente o garoto chutou-me as costas.

b. Foi de propósito que o garoto me chutou as costas.

c. Perguntaram ao Zé se o Pedro lhe entregou o livro.

d. O Pedro entregou-lhe o livro?

(iii) No PE alguns contextos sintáticos permitem variação entre próclise e ênclise. O

padrão variável da posição clítica exibido pelas sentenças infinitivas preposicionadas

abaixo faz parte do PE padrão e dialético.

(36) a. Pensou em casar-se logo.

b. Pensou em se casar logo.

(iv) Em contraste com o espanhol, catalão e italiano, a oposição finito / não-finito não

governa a alternância entre próclise e ênclise no PE. Como exemplificado em (37),

tanto a próclise quanto a ênclise podem ser encontradas no domínio finito e não-finito.

(37) a. Ele encontrou-me pela faculdade.

b. Ele também me encontrou pela faculdade.

c. Esperava encontrá-lo pela faculdade.

d. Esperava também o encontrar pela faculdade.

(v) O conceito de “desencadeador de próclise” é descritivamente útil para lidar com a

colocação clítica em PE, mas não no PB, espanhol, catalão, italiano ou francês.

Apenas no português europeu, a próclise em sentença matriz depende da presença de

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um conjunto de elementos heterogêneos na posição pré-verbal não facilmente

redutíveis a uma classe ou tipo.

(38) a. Eu já lhe disse para fazer suas tarefas.

b. Todos lhe disseram para fazer suas tarefas.

c. Onde se encontram as tarefas da escola?

d. De notícias se faz o mundo.

As palavras funcionais que induzem à próclise no PE moderno distribuem-se por

diferentes classes sintático-semânticas ou prosódicas. Como explicado na seção anterior,

apesar da aparente diversidade dos elementos (ou fatores) que originam o padrão proclítico

nas orações principais, pode se afirmar que a próclise está associada aos processos

gramaticais da negação, da quantificação, da focalização e da ênfase (Martins, 2013).

O padrão encontrado no português europeu moderno é resultado de uma mudança

iniciada em meados do século XVII e consolidada em meados do século XVIII, quando o

padrão proclítico passa à enclítico de forma abrupta. Uma mudança tão significativa que as

gerações mais novas tendem a produzir crescentemente clíticos enclíticos em contextos de

próclise obrigatória do português, como se pode observar em (39).

(39) a. Porque não apercebeu-se que... (12 anos modalidade escrita)

b. Também sabe-se que existe uma certa altura da criança... (estudante

universitário, modalidade escrita)

É possível concluir que a ênclise é o padrão básico de colocação dos pronomes clíticos

na variedade europeia do português moderno e continua em expansão nessa variedade.

Contrariamente ao que acontece nas demais línguas românicas, o padrão enclítico se obtém

em frases finitas de todos os tipos. A ênclise é igualmente o padrão que se obtém em muitas

frases não finitas, em que o pronome enclítico ocorre adjacente a uma forma de infinitivo não

flexionado, infinitivo flexionado e de gerúndio.

Consideremos agora os exemplos em (40):

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30

(40) a. Os alunos também lhe ofereceram flores

b. Todos os alunos lhe ofereceram flores.

As palavras destacadas acima incluem-se entre os chamados atratores de próclise ou

proclisadores. Contudo, a presença de tais elementos não induz por si só próclise como atesta

a aceitabilidade no PE nos exemplos de (41). Para que esses elementos induzam à próclise, é

necessário que c-comandem e precedam o hospedeiro verbal do clítico. Com base nos

paradigmas apresentados em (40) e (41), Frota e Vigário (1996 Apud Brito Duarte e Matos

(2003)) caracterizaram os atratores de próclise como palavras funcionais pesadas e sugeriram

que os enclíticos passam a proclíticos na presença de palavras funcionais pesadas que c-

comandem e precedem o clítico no mesmo sintagma entoacional.

(41) a. ? Os alunos lhe ofereceram também flores.

b. ? Os alunos lhe ofereceram todos flores.

É a complexidade do sistema de colocação pronominal que induz à sua aquisição

tardia pelos falantes, provendo marcas residuais de variação marginal na gramática dos

adultos em variedade geolinguísticas e ao longo do tempo. A variação da colocação clítica

pode ser encontrada em textos de modalidade escrita literária e/ou jornalística no PE assim

como em dialetos do PE e as variedades africanas do português em que todos compartilham

com o PE o padrão de colocação clítica.

Curiosamente, o PB oral, em oposição ao PB escrito, apresenta também uma variação

entre a colocação pronominal em alguns contextos sintáticos seja com formas finitas ou

infinitas e a partir disso, Kato e Martins (2016) afirmam o seguinte:

“So, maybe, written BP is not merely an artificial system (as has been

usually thought of) but an elaboration of some earlier stage of historical

development that precedes the emergence of generalized proclisis. In fact, the stable

low level of variability that seems to be intrinsic to the EP system could have risen

significantly in a historical situation favoring incomplete acquisition due to

particular social conditions and broad language contact.”6

6 Então, talvez, o PB escrito não seja apenas um sistema artificial (como costumava ser pensado), mas uma elaboração de um estágio anterior de desenvolvimento histórico que precede o surgimento de próclise

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31

O pronome clítico no português brasileiro antecede o verbo que o seleciona

independentemente da morfologia verbal ou tipo de sentença. O sistema de colocação dos

clíticos no PB também não mostra restrição quanto a um clítico apresentar-se na posição

inicial de uma sentença ou a cliticização a um verbo em suas formas nominais. Segundo as

autoras, a subida do clítico é uma opção válida dentro do sistema de colocação clítica do PE e

não validada no PB onde o clítico se associa procliticamente ao verbo temático. Os exemplos

a seguir, ilustram tais afirmações feitas sobre o PE (42) e o PB (43).

(42) a. Você não me pode esconder a verdade.

b. Ele me está procurando.

c. Você ainda não me tinha contado.

(43) a. Você não pode me esconder a verdade.

b. Ele está me procurando.

c. Você ainda não tinha me contado.

A conclusão que Kato e Martins (2016) chegam é que a posição do clítico no PB é

invariável, e que os clíticos objeto se comportam como elementos semelhantes aos prefixos

verbais, na medida em que sempre ocorrem na margem esquerda do verbo temático. A

comparação relevante para estabelecer parece ser com prefixos pesados, chamando atenção

para a semelhança entre a distribuição dos clíticos no PB e a distribuição do prefixo "recém".

Ambos são adjacentes ao verbo e não devem preceder um auxiliar (como em (44)), exceto em

orações passivas (como em (45)).

(44) a. Nós recém casamos.

b. *Nós casamos recém.

c. Nós tínhamos recém casado.

d. *Nós recém tínhamos casado.

generalizada. De fato, o baixo nível estável de variabilidade que parece ser intrínseco ao sistema de PE poderia ter aumentado significativamente em uma situação histórica, favorecendo aquisições incompletas devido a condições sociais particulares e amplo contato entre línguas ". (Tradução livre)

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(45) a. Ele foi recém encontrado.

b. Ele recém foi encontrado.

Se os clíticos no PB são como os prefixos pesados, ou seja, entidades que se ligam a

uma palavra (e não ao radical do verbo) configurando uma palavra prosodicamente complexa,

espera-se que os clíticos e o prefixo recém podem alternar em suas posições relativas, como

no exemplo abaixo.

(46) a. Nós recém nos conhecemos.

b. Nós nos recém conhecemos.

Para concluir, as autoras afirmam que embora os prefixos pesados tenham também um

certo grau de independência no PE, não há casos do tipo de variação de ordem de letras

atestada em (46), o que sinaliza que os clíticos são entidades de natureza diferente em PB e

PE.

2.5LexiasverbaiscomplexaseSubidadoclítico

O fenômeno conhecido como subida do clítico está diretamente relacionado ao

contexto de lexia verbais complexas e consiste na seleção do verbo do qual o pronome clítico

não é dependente para o hospedeiro verbal e apresentam comportamento distintos nas

variedades portuguesa e brasileira do português. As frases seguintes exemplificam este

fenômeno, encontrando-se nelas sublinhado o verbo principal de que o clítico depende.

(47) a. O João ia-se esquecendo do convite.

b. O João não a vai provavelmente convidar.

c. O João não a quer convidar

d. O João não os viu entregar o convite.

e. O patrão mandou-lhes lavar o chão antes de saírem.

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Os exemplos (48) ilustram casos de subida de clítico com verbos auxiliares que

selecionam formas participiais e gerundivas. Nestes casos, não existe alternativa à subida do

clítico no PE, devendo o pronome clítico ocorrer obrigatoriamente proclítico ou enclítico ao

verbo auxiliar enquanto que no PB a próclise ao verbo principal é sempre a opção mais

produtiva.

(48) a. O convite finalmente foi lhe enviado. (*PE/PB)

b. O convite finalmente lhe foi enviado. (PE/*PB)

c. Vou deixar de tanto blá blá blá e vou me despedindo por aqui... (Tarciana -

23/01/2012)

d. Vou deixar de tanto blá blá blá e me vou despedindo por aqui... (PE/*PB)

A obrigatoriedade de Subida do Clítico nestes contextos no PE pode ser atribuída à

estrutura funcional deficitária dos complementos participiais e gerundivos selecionados pelos

verbos auxiliares em questão: com efeito, estes complementos respondem negativamente a

todos os testes que identificam núcleos funcionais frásicos, em particular, núcleos contendo

informação temporal.

Os exemplos (49) mostram que, em construções com verbos semiauxiliares aspectuais

que selecionam complementos infinitivos preposicionados, na presença de um proclisador no

domínio superior, pode ocorrer subida do clítico com as preposições a e de, mas não com

preposição por. Na ausência de um atrator de próclise no domínio superior, os clíticos podem

ocorrer no domínio superior ou no domínio encaixado, quando a preposição é a, preferencial e

obrigatoriamente adjacentes à forma verbal encaixada, quando as preposições são,

respectivamente, de e por.

(49) a. O João começou-lhe a ensinar russo. (PE/*PB)

b. O João começou a ensinar-lhe russo. (PE/? PB)

c. O João deixou-lhe de falar. (? PE/*PB)

d. o João deixou de falar-lhe (PE/? PB)

e. O João acabou-se por esquecer da festa. (*PE/*PB)

f. O João acabou por esquecer-se (PE/?PB)

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O comportamento dos verbos semiauxiliares que selecionam complementos

preposicionados distingue-se do de outros semiauxiliares que selecionam complementos não

preposicionados, pois estes admitem tanto a subida do clítico como a permanência do clítico

no domínio encaixado para o PE e a variação entre próclise e ênclise ao verbo principal no

PB, como os exemplificados em (50).

(50) a. O João não a vai provavelmente convidar. (PE/*PB)

b. O João não vai provavelmente a convidar. (*PE/PB)

c. O João não vai provavelmente convidá-la (PE/PB)

Embora num caso ou noutro nos encontremos perante construções de elevação, a

diferença de comportamento observada pode ser atribuída à maior ou menor facilidade que

estes verbos têm de entrar nas construções de reestruturação, combinando-se com o verbo do

seu complemento infinitivo para com ele formarem um predicado complexo. Quando tal

acontece, o complemento infinitivo é estruturalmente deficitário, não contendo a informação

funcional de tempo gramatical ativo que permite que os clíticos dependentes da forma

infinitiva ocorram no domínio encaixado, pelo que a subida do clítico é obrigatória. Pelo

contrário, quando estes verbos selecionam verbos infinitivos com tempo gramatical ativo, não

se dá a formação do predicado complexo e os clíticos dependentes da forma infinitiva

ocorrem no domínio encaixado.

Como mostra o paradigma (49) (50) acima, a possibilidade de formação de um

predicado complexo está mais limitada com verbos de elevação que selecionam

complementos preposicionados: enquanto a preposição a a admite, a preposição de só a

permite marginalmente e a preposição por a bloqueia, o que sugere que os complementos

infinitivos encabeçados por de e, especialmente por por, têm maior autonomia sintática do

que os encabeçados por a.

Os exemplos (51) ilustram casos de subida de clítico com verbos de controlo do

sujeito, também estes são verbos que admitem a construção de reestruturação, pelo que,

quando existe a formação de um predicado complexo, se obtém subida do clítico, e, em caso

contrário, os clíticos são legitimados no domínio encaixado, ao menos no PE.

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(51) a. O João não lhe quer convidar. (PE/*PB) (Brito, Duarte e Matos, 2003. p. 857)

b. O João não lhe ousa telefonar. (PE/*PB) (Brito, Duarte e Matos, 2003. p. 857)

Os exemplos (52) ilustram o fenômeno de subida de clítico em construções de

Marcação de Caso Excepcional. Nestas construções, o sujeito do complemento infinitivo

recebe caso do verbo superior, pelo que, quando se realiza como um pronome clítico, ocorre

adjacente ao verbo superior e não à forma infinitiva da qual depende. Assim, nessas

construções, a subida do clítico é obrigatória para o pronome clítico sujeito do domínio

encaixado no PE, como mostra o contraste entre (52 a, b) e (52 c, d), ocorrendo, contudo, os

restantes clíticos adjacentes à forma verbal infinitiva de que dependem.

(52) a. O João não viu entregar-los o convite. (*PE/*PB)

b. O João não mandou entregar-los o convite. (*PE/*PB)

c. O João não os viu entregar o convite. (PE/?PB)

d. O professor não os deixou sentar-se no chão. (PE/?PB)

Finalmente os exemplos apresentados em (53) ilustram o fenômeno da subida do

clítico na construção de União de Orações. Nesta construção, dá-se a forma de um predicado

complexo e o domínio encaixado não tem autonomia sintática, pelo que todos os pronomes

clíticos ocorrem obrigatoriamente adjacentes ao verbo causativo ou perceptivo.

(53) a. O patrão mandou-o lavar aos empregados antes de saírem. (PE/*PB)

b. O patrão mandou lavá-lo aos empregados antes de saírem. (*PE/*PB)

Em síntese o fenômeno de subida do clítico é determinado pela defectividade

funcional do domínio frásico encaixado: quanto maior for tal defectividade, tanto menor será

a autonomia sintática do domínio encaixado e, portanto, tanto menor será a possibilidade de

legitimação de pronomes clíticos no interior desse domínio. Os complementos participiais e

gerundivos de verbos auxiliares e os complementos infinitivos na construção de União de

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Orações representam os casos extremos de defectividade funcional, com subida do clítico

obrigatória para todos os pronomes clíticos no PE. Os complementos infinitivos dependentes

de verbos causativos e perceptivos em construções de marcação de Caso excepcional, por

serem defectivos quanto aos traços de concordância e aos traços relevantes de Tempo, exigem

que os pronomes clíticos sujeito sejam legitimados no domínio frásico superior. Finalmente,

com verbos de elevação e de controle que admitem a construção de Reestruturação, as

estruturas em que existe formação de um predicado complexo exigem subida de Clítico.

2.6AposiçãodospronomesempesquisasnoPEenoPB.

Pesquisas relacionadas ao tema, no Brasil e em Portugal, saem do campo do abstrato e

descrevem empiricamente as realizações pronominais dos falantes dentro de sua variedade.

Nesta seção vamos expor alguns dos trabalhos que focam a colocação pronominal no PE e

consecutivamente, no PB.

2.6.1OsclíticosnoPE

Os clíticos no teatro Vicentino

Martins (2011) repensa o tema da colocação pronominal na história do português a

partir das obras de Gil Vicente em seu artigo “Clíticos na história do português à luz do

teatro Vicentino” O estudo do teatro Vicentino no português quinhentista nos aporta, segundo

o autor, um panorama onde a próclise é a opção prototípica no PE. A gramática quinhentista

em questão decorre de um caminho evolutivo que parece ter sido comum a todos as línguas

ibéricas, mas que não teve continuidade no PE.

A colocação dos pronomes clíticos no português europeu mudou ao longo do tempo

em dois aspectos centrais: na distribuição (e proporção) da ênclise e da próclise nas frases

matriz afirmativas; e na possibilidade, ou não, de um clítico ocorrer separado do verbo em

contextos de próclise obrigatória – interpolação. Depois de três séculos de evolução gradual e

consistente no sentido da generalização da próclise em frases finitas, que alinharia o

português europeu com a maioria das línguas românicas, parece produzir-se uma súbita e

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radical inversão de rumo com um crescimento da ênclise que levará à sua generalização na

ausência de indutores de próclise.

A proposta feita por Martins (2011), considera ilusória tal evolução. Um erro de

percepção resultante de uma análise dos dados textuais ilegitimamente apoiada no cálculo de

valores quantitativos médios. Estes valores médios podem esconder um percurso evolutivo

muito mais complexo, com duas gramáticas evoluindo divergentemente a partir de uma

mesma situação inicial e competindo na comunidade de falantes até ao ponto em que uma

delas se torna dominante e, por fim, exclusiva.

Mais concretamente, num setor da sociedade portuguesa medieval, a sintaxe dos

clíticos evoluiu na mesma direção que em outras línguas ibéricas, como o espanhol e o

catalão; num outro setor da sociedade portuguesa medieval, evoluiu no sentido da atual

gramática do português europeu. A gramática “proclítica”, a que a autora chama de “pan-

ibérica”, era a das classes social e culturalmente dominantes (tipicamente, alfabetizadas e

produtoras de escrita), a gramática mais especificamente portuguesa era a das classes

populares (tipicamente, não alfabetizadas e com acesso muito limitado à produção escrita).

São fatores socioculturais os que determinam que no português quinhentista seja

extremamente reduzida a visibilidade da gramática em que a ênclise terá se mantido

essencialmente estável ao longo do tempo.

Tomando como termo de comparação o português europeu contemporâneo, Martins

mostra que a próclise aparece nos textos de Gil Vicente em estruturas em que poderia ocorrer

também no português contemporâneo, nomeadamente na presença de focos contrastivos

antepostos ao verbo e em frases que expressam afirmação enfática. Uma e outra estrutura

parecem, no entanto, ser mais produtivas no português quinhentista do que no português

contemporâneo, o que se traduz numa maior frequência de uso.

Os dados apresentados no artigo e que conduziram aos resultados de 72,2% de ênclise

para 27,8% de próclise, foram obtidos a partir de nove peças e 48 personagens populares de

Gil Vicente.

A delimitação dos dados foi feita afastando todas as frases finitas com o verbo em

posição inicial (estruturas V1), pois nelas a ênclise é categórica. Foram igualmente ignorados

os casos em que a próclise em frases finitas é obrigatória, excluindo-se assim não só as frases

negativas e as orações subordinadas, mas também as frases raiz introduzidas por

quantificadores, sintagmas qu- e advérbios proclisadores. Nos dados do corpus foram

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desconsideradas as frases introduzidas por agora, asinha e samica que parecem ser, à época,

desencadeadores de próclise. Sendo a mesóclise uma mera variante morfológica da ênclise,

como revela o fato de mesóclise e ênclise ocorrerem exatamente nas mesmas configurações

sintáticas, as ocorrências de mesóclise foram quantificadas juntamente com a ênclise.

A pergunta que norteia o trabalho é: a gramática dos personagens populares de Gil

Vicente é a do português contemporâneo? A resposta a esta pergunta é negativa, não só

porque os textos vicentinos revelam uma frequência da próclise em contextos marcados

(focalização contrastiva e afirmação enfática) muito superior à que poderemos encontrar nos

textos portugueses contemporâneos, mas também porque a interpolação em Gil Vicente é

ainda, claramente, a do português antigo.

Se a interpolação em Gil Vicente se restringisse ao marcador de negação predicativa e

aos dêiticos pessoais, locativos, temporais e modais teríamos uma gramática semelhante à dos

atuais dialetos do português europeu. Mas isso seria totalmente inesperado depois de Magro

(2007) ter demonstrado que a interpolação dialetal contemporânea é uma inovação do século

XIX e não a continuação da interpolação do português antigo.

Os exemplos em (54), por si só, não permitiriam distinguir a interpolação vicentina da

interpolação dialetal contemporânea, mas os exemplos em (55) separam os dois tipos de

interpolação com toda a clareza. De fato, nem as palavras negativas nunca e ninguém, nem os

sintagmas nominais sujeitos Deos, o cura, o demo, nem o complemento preposicional

anteposto em tal pressa poderiam ocorrer entre o clítico e o verbo nos atuais dialetos

portugueses, que restringem a interpolação aos dêiticos e ao marcador de negação predicativa.

(54) a. Ò diabo que t’eu dou / que tam má cabeça tens (QTF, Apariço)

b. Sapatos me daria ele / se me vós désseis dinheiro. (FIP, Moço)

c. Que prazer / quem vos isso ouvir dizer / cuidará que estais vós vivo (VDH,

Moça)

d. Nam senhora / eu virei logo ness’hora / se m’eu lá nam detiver. (IND, Moça)

(55) a. Quero fiar e cantar / segura de o nunca ver. (IND, Ama)

b. Porém pude-me valer / sem me ninguém acudir (FIP, Lianor Vaz)

c. Determino de partir / ante que venha o Inverno / porque vós nam dais governo /

pera vos ninguém servir. (FIP, Moço)

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d. Nom há mercê que me Deos faça? / Isto u xiquer irá. (BIN, Sapateiro)

A gramática dos personagens populares de Gil Vicente é a do português antigo?

Tomando como base o português antigo na sua acepção mais restritiva, Martins, mais uma

vez, responde negativamente a esta pergunta. O português vicentino não se comporta como o

português dos textos duocentistas e trecentistas no que diz respeito à chamada “restrição V1”,

apresentando antes o tipo de atenuação desta restrição que caracteriza os séculos XV e

seguintes.

No português dos primeiros textos só a ênclise era permitida em estruturas com o

verbo em posição inicial, de acordo com a restrição que exclui os pronomes clíticos da

primeira posição na frase (a chamada lei Tobler-Mussafia). No século XIII, a restrição aplica-

se não só à posição inicial absoluta, mas também à primeira posição depois de uma conjunção

copulativa (em estruturas de coordenação frásica), depois de uma oração subordinada

anteposta e depois de um tópico retomado pelo pronome clítico (na construção de Deslocação

à Esquerda Clítica).

A partir da segunda metade do século XIV, a próclise passa a ser possível na posição

inicial de uma frase coordenada, como mostram os exemplos em (56). A partir do final do

século XV passa a encontrar-se também nas estruturas com anteposição de uma oração

subordinada e ainda nas configurações de Deslocação à Esquerda Clítica, como mostram os

exemplos em (57) e (58) respectivamente.

(56) a. E eu dicto Giral Dominguiz uos dou pera senpre eno dicto preço a dicta casa que

chamã Camara que sta no dicto eyxido que eu cõprey ao dicto Domĩgos do Monte

e ffacades dela o que uos aprouger E a tapedes eu e uós pera nõ aueren sayda

contra a dicta mha casa e eyxido (doc. notarial de 1353. Martins 2001: 209)

b. E fficou o dito Affonsso Martĩjz e sa molher por tornar ao dito Rodrigo cem

libras as quaes partições os ssobreditos outorgarõ que cada hũu ouuesse a sa

partiçõ cõ todas sas entradas e saidas e derejtos e pertẽẽças e cõ todos seus

ẽcarregos pera todo senpre E as ouuerõ por firmes e estaujs pera senpre e

prometerõ de nõ hir contra elas (doc. notarial de 1370. Martins 2001: 448)

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(57) a. E visto por mjm seu dizer e pedir porquanto fuj certo (...) que o dicto prazo he

fecto a proueito do dicto Mosteiro lhe dey e dou mjnha autoridade ordinarja (doc.

notarial de 1489. Martins 2001: 287)

b. E visto per mjm seu dizer e pedir porquanto ffuj certo (...) que o dicto prazo he

fecto em proueito do dito mosteiro ho confirmo e mando que se conpra como em

elle faz mencom (doc. notarial de 1499. Martins 2001: 293)

c. Aa quall Catarjna Periz eu taballjam lly o prazo atras esprito e lljdo lhe fiz

pergunta se o outorgaua ella asy e da manejra que em elle se cõtem (doc. notarial

de 1522. Martins 2001: 307)

(58) a. Aos que imda lá sam, lhe tenho dado seguros e lhe mando agora noteficar ho

voso perdam (Afonso de Albuquerque ca.1462-1515. In Pato 1884: 94)

b. Algũas cousas mevdas de quaa da Imdia, que será necessareas sabelas

vossalteza, as esprevo aquy nesta carta gramde (Idem. In Pato 1984: 29).

Pode se pensar que o progressivo estreitamente do âmbito da restrição V1 seria um

traço caracterizador da gramática “proclítica”, identificando a sua progressiva evolução no

sentido da generalização da próclise. No entanto, o corpus vicentino estudado mostra que não

é assim. Apesar de a ênclise ser dominante nos contextos de potencial variação

ênclise/próclise, a próclise atesta-se nas falas dos personagens populares de Gil Vicente tanto

na primeira posição de frases coordenadas como em estruturas de Deslocação à Esquerda

Clítica:

(59) Amen por tua grandeza / e nos livre tua alteza / da tristeza sem medida (VDH,

Velho)

(60) a. E ũa manta d’Alentejo / que na minha cama tinha / manta já usadazinha / ma

levou com tal despejo / como s’ela fora minha (JDB, Escudeiro)

b. Dum que põe polas trincheiras / lhe merquei eu dez salseiras / que lh’avondarão

um mês. (AGR, Apariç’Eanes)

Pode se concluir a partir das respostas às perguntas A) e B) que a gramática “enclítica”

evoluiu ao longo do tempo, ainda que não tenha mudado de forma tão dramática como a

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gramática “proclítica”. A sintaxe dos clíticos nos personagens populares de Gil Vicente

apresenta assim traços característicos, e diferenciadores quer em relação aos textos

portugueses mais antigos quer em relação ao português contemporâneo. Não deixa, contudo,

de revelar a linha de continuidade entre os primeiros textos e o português contemporâneo.

Com resultados reportados em diferentes estudos, observa-se uma margem de variação

na colocação dos clíticos em contextos tipicamente proclíticos que se caracteriza por ser, ao

mesmo tempo, quantitativamente muito pouco expressiva e diacronicamente estável. Ou seja,

não há ao longo do tempo alteração, diminuição ou qualquer tipo de estreitamento dos

contextos sintáticos da próclise, mas há de forma constante uma pequeníssima margem de

permeabilidade desses ambientes proclíticos à ênclise. A hipótese que se coloca no trabalho

de Martins (2001) é que este seja, e tenha sido sempre, um traço característico da gramática

“enclítica” do português europeu, mas não da gramática “proclítica” que floresceu até ao

século XVI e entrou num processo de progressiva e lenta extinção a partir daí, esperando

encontrar nos textos mais “enclíticos” dos séculos XV, XVI e XVII exemplos de ênclise fora

dos seus contextos típicos. Os exemplos (61) a (63) nos mostram que, de fato, isso se verifica

nos textos vicentinos, nas orações subordinadas completivas, em subordinadas causais e em

orações matrizes com proclisadores. Nas frases de (61) observa-se a ênclise em orações

completivas, mesmo em configurações de adjacência entre o complementador e o verbo. Na

frase (63) há ênclise apesar da presença em posição pré-verbal do advérbio proclisador já.

(61) a. E mais digo: / digo que benza-vos Deos / que vos fez de tam bom jeito (FIP,

carta de Pero Marques)

b. Ora escutade lá / seredes João de Tomar / que depois de morto já / diz que

punha-se a mijar? (Auto dos Físicos, Brásia)

c. Ora assi que de maneira / minha hóspeda Inês Pereira / Deos a benza sabe ler / e

quanto me faz mister / pera eu ir pola carreira / de que eu contente sam / soma

avonda que assi / lê-me ela o caderno ali / onde sé a ordenação / de cabo a rabo em

par de mi. (JDB, Juiz)

(62) olhade cá filha amiga / feiticeira haveis mister / porque quereis que vos diga / ver-

vos-edes em fadiga / se vosso pai cá vier. (RUB, Parteira)

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(63) Já fizessem-me ora bispo, / siquer do ilhéu de Peniche, / pois sam frade pera isso

(AGR, Narciso)

Através de seu trabalho Martins mostrou que no português quinhentista, época de

predomínio esmagador da próclise em frases finitas nos textos portugueses, o teatro vicentino

testemunha que uma outra gramática mais enclítica, e, portanto, mais afim quer do português

antigo quer do português europeu contemporâneo, tinha também existência.

A desigual visibilidade das duas gramáticas nos textos quinhentistas decorrerá do seu

diferente estatuto sociolinguístico. É a menos visível delas que se pode encontrar nas falas dos

personagens populares de Gil Vicente, e é essa a gramática que constitui o “elo (quase)

perdido” do percurso evolutivo do português antigo ao português europeu contemporâneo. A

gramática quinhentista que domina a produção textual decorre, por sua vez, de um caminho

evolutivo que parece ter sido comum a todas as línguas ibéricas, mas que não teve

continuidade em Portugal e na Galiza. Esta gramática a que poderemos chamar “pan-ibérica”

foi perdendo espaço a partir do século XVII, até se extinguir, apesar da posição de vantagem

que durante séculos manteve relativamente à gramática mais “enclítica” e popular.

Concluindo o que vimos até então, Martins reflete sobre os caminhos necessários a

serem percorridos para uma nova visão das mudanças linguísticas. O cenário para a história

da colocação dos pronomes clíticos sugerida permite repensar a evidência textual numa nova

perspectiva onde o primeiro passo do trabalho a ser desenvolvido seria identificar textos que

claramente reflitam a gramática “enclítica” durante o período em que tem menor expressão

textual, ou seja, entre o século XV e o século XVII.

2.6.2Mudançanacolocaçãoclítica:doPCaoPEmoderno

Veremos agora a abordagem proposta por Galves, Britto e Paixão de Sousa (2005) em

seu trabalho “The Change in Clitic Placement from Classical to Modern European

Portuguese: resultats from the Tycho Brahe Corpus” quanto à colocação pronominal no PE.

Inicia-se a discussão das mudanças da língua portuguesa a partir da pergunta: quando começa

o português europeu moderno? Elas respondem a essa pergunta a partir da observação das

mudanças ocorridas historicamente na posição dos pronomes clíticos.

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Em pesquisas anteriores, duas propostas diferentes foram feitas, com base na evolução

da colocação pronominal em contextos de variação de ênclise / próclise (ou seja, frases

afirmativas não dependentes XP-V, XP sendo uma frase [+ referencial]). Nesses contextos, a

predominância da próclise, típica dos textos do século XVI, cede à generalização da ênclise -

que se tornou obrigatória, sendo o verbo-clítico a ordem gramatical no Português Europeu

Moderno. Por um lado, Martins (1994 [apud Galves; Britto; Paixão de Sousa, 2005]) alega

que a nova gramática começa no século XVII; por outro lado, Galves e Galves (1995 [apud

Galves; Britto; Paixão de Sousa, 2005]) e Galves et al. (1998 [apud Galves; Britto; Paixão de

Sousa, 2005]) afirmam que a mudança ocorre apenas no final do século XVIII.

Os motivos empíricos para a proposta em Martins (1994) foram os padrões de

variação de ênclise versus próclise em nove textos dos séculos XVI a XIX. Isso incluiu dois

textos do século XVII: nas cartas de Francisco Manuel de Melo (1608-1666), ocorre uma

frequente maior de próclise perante a ênclise. Da totalidade das ocorrências de próclise, 7,7%

ocorrem em contextos de variação; e os Sermões de Antonio Vieira (1608-1697), com ênclise

predominante (68,4%). Com base nessa comparação, Martins (1994) argumenta que os

sermões são representativos da gramática moderna e o texto de Melo segue um modelo

conservador. De acordo com ela, Vieira deve ser então considerado como um falante moderno

do PE.

No entanto, Galves e Galves (1995) e Galves e al. (1998), com base no trabalho de

Salvi (1990) e Torres Moraes (1995) sobre a colocação pronominal em autores dos séculos

XVIII e XIX, propuseram uma periodização diferente para a mudança para o português

europeu moderno, alegando que a mudança gramatical começou no final do século XVIII.

Enquanto isso, Britto (1999 [apud Galves; Britto; Paixão de Sousa, 2005) investigou o padrão

de colocação pronominal nas cartas de Antonio Vieira - que revelaram um padrão

marcadamente proclítico (com 81% da próclise em contextos de variação). Isso mostrou que o

padrão de colocação clítica nos Sermões contrastava não apenas com o padrão de Melo (como

Martins já havia mostrado), mas também com outros escritos pelo próprio Vieira.

Nesse novo artigo, Galves, Britto e Paixão de Sousa apresentam uma descrição

exaustiva da colocação clítica em 20 textos escritos por autores nascidos entre 1542 e 1836,

sustentando a hipótese de que a mudança ocorreu mais tarde do que argumentou Martins

(1994), mas mais cedo do que o reivindicado por Galves e Galves (1995) e Galves et al.

(1998).

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44

As autoras mostram que os Sermões de Vieira ainda podem ser considerados

representativos da gramática que precede o PE - que, seguindo a tradição, chamaram de

Português Clássico (PC). Como mostrado por Galves (2001/2003), a sintaxe enclítica dos

Sermões está consistentemente correlacionada com um efeito estilístico da contrastividade na

frase pré-verbal. Isso é coerente com a hipótese defendida por Galves e Galves (1995) e

Galves (2000) que, no PC, as configurações de encerramento em XV correspondem a uma

estrutura na qual a frase pré-verbal X é externa à cláusula. Portanto, a alta taxa de ênclise nos

Sermões por si só não pode ser tomada como um argumento para localizar a mudança

gramatical no início do século XVII.

Propõem, portanto, que, para marcar com precisão a mudança até o PE, é importante

não só considerar a diminuição da frequência da próclise, como também detectar quando a

ênclise não é mais derivada exclusivamente de estruturas V1 mais um sintagma externo pré-

verbal. A partir deste ponto, a variação entre ênclise e próclise deixa de ser produzida por uma

única gramática e as ocorrências da próclise observadas nos textos são efeito da competição

de gramáticas.

Como mencionado, uma alta taxa de ênclise nos Sermões de Vieira já havia sido

documentada por Martins (1994) e foi tomada como prova de que já era um falante do PE. No

entanto, deve se notar que, nenhum dos textos dos autores do século XVII, analisados no

estudo, nascidos depois de Vieira, mostra o mesmo padrão: a ênclise nesses textos é

consistentemente inferior a 12%. Somente após o primeiro quarto do século XVIII,

encontram-se textos que exibem uma taxa de ênclise comparável à documentada nos Sermões.

É somente nesse período que a taxa de ênclise aumenta sistematicamente. Portanto, o corpus

das autoras, o maior produzido para este período do idioma até hoje, fornece evidências

quantitativas de que a alta taxa de ênclise nos Sermões de Vieira não é o efeito de mudança

gramatical.

As autoras interpretam o padrão revelado por seus dados como indicativo de que os

textos escritos pelos autores dos séculos XVI e XVII representam uma gramática onde ênclise

e próclise correspondem a estruturas distintas, sendo a opção entre elas sujeita a

condicionamentos estilísticos e textuais. Próclise é neutra e a ênclise está marcada. Em

contraste, nos textos escritos por autores nascidos a partir de 1700, encontra-se sinais de que

essa opcionalidade não está mais ativa e que ênclise já não corresponde a uma construção

marcada - pelo contrário, ela se apresenta como a forma generalizada em contextos X-Verbo.

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45

A história da colocação clítica em textos escritos por autores portugueses nascidos do

século XVI ao século XIX evidencia dois tipos diferentes de variação. Até o final do século

XVII, a variação entre ênclise e próclise é produzida por uma gramática. Exceto quando a

ênclise é usada para fins estilísticos, a taxa de ênclise nos contextos X-Verbo (Contexto de

Variação I segundo as autoras), permanece inferior a 15%. As autoras argumentam que isso se

deve à sua estrutura subjacente marcada.

Esta análise explica diretamente o contraste entre textos contemporâneos

representativos dos textos dos séculos XVI e XVII - em particular, entre os Sermões de Vieira

e seus textos contemporâneos (incluindo as Cartas do mesmo autor). Nos Sermões, a posição

dos clíticos evidencia que o sintagma pré-verbal deve ser interpretado como um tópico

contrastivo. Os Sermões são obras-primas de estilo oratório barroco, que usa oposições entre

termos como recurso estilístico fundamental. É por isso que a ênclise é tão frequente neste

texto. Em contraste, as Cartas (que não são peças de oratória barroca) exibem muito menos

ênclise, consistentemente com o que é observado para outros escritores no mesmo período.

Em conclusão, o trabalho de Vieira fornece um caso raro de correlação profunda e visível

entre sintaxe e estilo.

Em outros contextos sintáticos, chamados contextos de variação II, a ênclise é muito

mais frequente neste período. Ao evidenciar o papel da Lei Tobler-Mussafia no contexto

clítico, esse tipo de contexto ainda apoia a análise da estrutura das frases enclíticas nesse

período. A diferença na frequência de ênclise em Contextos de Variação I e Contextos de

Variação II pode estar relacionada ao fato de que no primeiro, há duas posições sintáticas

disponíveis para o sintagma pré-verbal (uma delas marcada); enquanto no último, apenas a

posição sintática externa está disponível, e a colocação dos clíticos dependerá da presença ou

ausência de um limite IntP entre o elemento pré-verbal e o verbo. No início do século XVIII,

as coisas mudam. Uma grande variação ainda é comprovada nos textos; mas temos várias

provas de que essa variação não é mais produzida por uma única gramática. Em vez disso, é o

reflexo da competição gramatical (no sentido de Kroch, 1994). Isso significa que uma

mudança gramatical já ocorreu.

Com base em outros efeitos quantitativos desta mudança, que afetam a posição dos

sujeitos, Galves, Britto e Paixão de Sousa argumentam que o ponto de inversão no corpus se

situa entre o último autor do século XVII e o primeiro autor do século XVIII. É interessante

enfatizar que, deste ponto de vista, a mudança gramatical não acontece no final, mas no início

da curva de mudança e o que se observa empiricamente não é o curso da mudança no tempo,

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mas o efeito da mudança nos textos. Isso é compatível com a afirmação gerativista de que a

mudança paramétrica é abrupta (veja, entre outras, Lightfoot, 1999).

2.7OsclíticosnoPB

2.7.1ClíticosnoPBemcontextodevariação

O fenômeno de colocação dos pronomes clíticos no PB pode ser compreendido através

de inúmeros trabalhos já realizados. Começaremos nossa explanação por Martins (2012) em

seu livro “A colocação de pronomes clíticos na escrita brasileira: para o estudo das

gramáticas do Português”. Seguindo a descrição em muitos estudos sobre a sintaxe da

ordenação de clíticos e considerando resultados empíricos apresentados ao longo de seu

trabalho, Martins (2012) faz uma síntese dos padrões de ordenação dos clíticos nas gramáticas

do português ao longo dos séculos XIII a XX. Antes de seguirmos, se faz necessário salientar

que Martins assume a análise de Paixão de Sousa (2004) e de Galves; Britto; Paixão de Sousa

(2005), entre outros, que afirmam que a mudança hoje atestada na gramática do PB não seria

fruto de uma mudança ocorrida na variante brasileira em relação à gramática do PE, mas sim

que ambas as gramáticas teriam origem numa mesma base comum, o português Clássico.

A partir da análise de textos portugueses escritos entre os séculos XIII e XVI, a sintaxe

da ordem dos clíticos no Português Antigo (PA) apresenta próclise categórica em orações com

operadores de negação, com quantificadores, com determinados advérbios em posição pré-

verbal e em orações iniciadas por constituintes focalizados. Por sua vez, a ênclise é categórica

nos contextos de V1, há variação entre próclise e ênclise, com aumento progressivo da

próclise ao longo desses séculos em orações finitas não dependentes e ainda apresenta

interpolação de constituintes.

Na gramática do PC, compreendido entre os séculos XVI e XVIII, os textos escritos

por portugueses apresenta próclise categórica em orações com operadores de negação

predicativa, com quantificadores, com determinados advérbios e em orações iniciadas por

constituintes focalizados e próclise largamente majoritária em orações finitas não

dependentes. A ênclise se mostra categórica em contexto V1 e a interpolação no PC é

reduzida.

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47

Em textos portugueses dos séculos XVIII e XIX há próclise e ênclise categóricas nos

mesmos contextos descritos para o PA e o PC e variação entre próclise e ênclise, com

aumento progressivo da ênclise em orações finitas não dependentes e interpolação residual

Quanto aos textos de brasileiros entre os séculos XVIII e XX, Martins (2012) observa

um padrão de colocação pronominal bem complexo, sobretudo no século XIX. A próclise, de

fato, é o padrão de ordenação do clítico nessa variedade do português. Segundo o autor, as

análises dos textos escritos no Brasil no século XIX, tem mostrado que a próclise é categórica

em orações com operadores de negação, com quantificadores, com determinados advérbios e

em orações iniciadas por constituintes focalizados, porém, apresenta alguns casos de ênclise

nesse contexto, interpretados como hipercorreção. Há aumento progressivo da próclise em

contextos V1, variação entre próclise ou ênclise, com aumento progressivo da próclise nas

orações finitas não dependentes e interpolação residual até o século XIX.

Na analise realizada por Martins (2012) foram utilizadas peças de teatro escritas por

brasileiros e por portugueses, nascidos nos séculos XIX e XX, com o interesse, por um lado,

de diagnosticar os padrões de variação, e de não variação, na ordem linear verbo-clítico assim

como as gramáticas do português subjacentes em textos escritos no Brasil nesses séculos e por

outro, é diagnosticar padrões de variação na ordem linear verbo-clítico em textos escritos por

brasileiros e a influência do padrão da gramática do PE na escrita desses textos.

Para sua análise das orações finitas com verbos simples, foram excluídos os dados

extraídos dos textos escritos por portugueses por não apresentarem variação. Também foram

posteriormente desconsiderados os contextos em que se verificou próclise categórica e ênclise

categórica. Sobrando como foco da análise os contextos que mostraram variação entre

próclise e ênclise: orações com verbos em primeira posição absoluta; orações com verbo

precedido por sujeito não focalizado, por advérbio não modal ou por sintagma preposicional.

Segundo Martins (2012), a sintaxe de colocação de clíticos em estruturas verbais

complexas tem propriedades particulares. O autor entende por construção complexa a

sequência V1 finito + V2 não finito em que um clítico pode estar enclítico ou proclítico tanto

ao verbo finito quanto ao verbo não finito. As possibilidades da posição do clítico nesses

complexos verbais estão associadas ao alçamento (subida do clítico) ou não do clítico ao

verbo finito. De acordo com o alçamento ou não do clítico ao verbo finito, os dados extraídos

das peças brasileiras foram classificados tendo em vista duas variáveis: construções com

alçamento e construções sem alçamento.

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É importante salientar que os resultados estatísticos apresentados em Martins (2012)

se referem apenas à análise unidimensional que disponibiliza as frequências de distribuição

das variantes em relação aos contextos observados.

Nesse sentido, seus resultados vêm corroborar uma asserção há muito conhecida: a

próclise é a opção generalizada na gramática do PB. No entanto, e considerando que o

objetivo deste trabalho é mapear a distribuição da ordem linear clítico/verbo em peças escritas

por brasileiros no curso os séculos XIX e XX em orações finitas não-dependentes com

sujeitos pré-verbais, uma análise particularizada da correlação entre a alternância cl-V/V-cl, a

natureza do sujeito em posição pré-verbal e o ano/século de nascimento dos autores revela

que a evolução da próclise no curso dos séculos apresenta certas particularidades.

Sobre a variação nos contextos em que se atesta variação da posição do pronome na

história do português, Martins (2012) encontra um aumento significativo nas taxas de próclise

de uma média de 28,5% em textos escritos por brasileiros nascidos no século XIX para uma

média de 95% em textos daqueles nascidos no século XX. A próclise é categórica na presença

de sujeito pré-verbal no século XX e nos textos dos nascidos no século XIX está

correlacionada à natureza dos sujeitos: mais recorrente em orações com sujeitos pronominais

pessoais e não o é em orações com sujeitos DPs simples.

A próclise à V1 e a próclise ao verbo não finito em complexos verbais já aparecem,

mas não frequentemente, nos textos dos autores nascidos no século XIX e aumentam

gradativamente nos textos dos nascidos no século XX. Esses dois contextos são

característicos da gramática do PB, por não serem encontrados em nenhum outro estágio ou

variedade do português.

Na tabela a seguir vemos a sistematização dos padrões de ordenação de clíticos

encontrados nos textos estudados por Martins.

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Tabela1PadrõesempíricosgeraisdeordenaçãodeclíticosnaescritabrasileiradosséculosXIXeXX.AdaptadodeMartins2012.

Autor/ano de nascimento

% de DPclV e de XclV

variáveis e inferiores a

50%

Interpolação de Próclise a

Hiper- correção

não eu V1 V2 em com

plexos

Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865) SIM SIM Não Não Não SIM

José Cândido de Lacerda Coutinho (1841-1902) SIM SIM SIM Não SIM Não

Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897) SIM SIM Não SIM SIM SIM

Antero dos Reis Dutra (1855-1911) SIM Não Não Não SIM SIM

Horácio Nunes (1855-1919) SIM SIM Não Não SIM SIM

Joaquim Antonio de S. Thiago (1956-1916) SIM SIM Não Não SIM SIM

Ildefonso Juvenal (1894-1965) SIM SIM Não SIM SIM SIM

Nicolau Nagib Nahas (1898-1934) SIM Não Não SIM SIM Não

Ody Fraga (1927-1987) Não Não Não Não SIM Não

Mário Júlio Amorim (1939-) Não Não Não SIM SIM Não

Ademir Rosa (1949-1997) Não Não Não SIM SIM SIM

Antônio Cunha (1961-) Não Não Não SIM SIM Não

Sulanger Bavaresco (1969-) Não Não Não SIM SIM Não

Observa-se que as percentagens variáveis e inferiores a 50% de DPclV e de XclV e a

interpolação de não, de um lado, são encontradas na maioria dos textos de autores nascidos no

século XIX. De outro lado, há próclise a V1 no texto de Arthur Cavalcanti do Livramento e

nos dois últimos representantes do século XIX e próclise ao verbo não finito nos textos de

todos os demais autores, com exceção de Carvalho.

A instabilidade dos padrões de colocação oriundos de diferentes gramáticas pode ser

verificada nos casos de hipercorreção, encontradas em quase todos os textos do século XIX.

Em textos de autores nascidos no século XX, a próclise é categórica em construções

com sujeitos DPs, e a interpolação não é atestada. Há ainda um aumento progressivo do uso

da próclise a V1 e da próclise ao verbo não finito nas estruturas de complexos verbais. Isso

refletiria, na visão de Martins (2012), uma estabilização da gramática atual do PB e uma

menor influência do padrão enclítico da gramática do PE.

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Perante tais resultados Martins chega as seguintes conclusões: os padrões empíricos de

ordenação dos clíticos na escrita catarinense, sobretudo do século XIX, em consonância com a

proposta de Carneiro (2005) e de Galves e Carneiro (2006) em relação aos padrões de

ordenação dos clíticos em cartas da Bahia, refletem um caso de complexo de competição de

três gramáticas do português: PC, PB e PE; quer em textos do século XVI a XX quer em

textos catarinenses dos séculos XIX a XX, há um aumento significativo nas construções V1cl

V2 na passagem do início para o final do século XX (de 11% para 69% e de 23% para 84%

respectivamente).

2.7.2PadrãodecolocaçãopronominaldoPBnafamíliaOttoni

Por se tratar de um trabalho de colocação pronominal utilizando-se de cartas pessoais,

é pertinente e de extrema relevância observarmos dois trabalhos que, assim como este,

também se ocupam da posição dos pronomes em cartas pessoais no português brasileiro.

O primeiro é escrito por Duarte e Pagotto (2005), “Gênero e Norma: Avós e Netos,

classes e clíticos no final do século XIX” in A Norma Brasileira em Construção: fatos

linguísticos em cartas pessoais do século 19 onde se propõem a escrever um artigo sobre o

tema na variedade brasileira. Segunda metade do século XIX, entre os anos de 1879 e 1892, o

casal de avós escreve aos netos, que se encontravam com os pais em Paris. Christiano e

Bárbara Ottoni viviam no Rio de Janeiro, exatamente na rua Farani, no bairro de Botafogo.

Ele, nascido em 1811 em Vila do Príncipe, atual Cidade do Serro, Minas Gerais. Era

engenheiro, foi deputado, senador duas vezes, tinha entre 68 e 81 anos quando escreveu a

carta. A avó era dona de casa, de quem pouco se sabe, além do fato de ter nascido em 1822,

na cidade de Valença, Rio de janeiro e descender de uma família influente no interior

fluminense. Suas cartas foram escritas quando tinha entre 61 e 67 anos.

O objetivo dos autores neste artigo é investigar como reagiram os dois falantes, no

registro escrito, no século XIX assim como verificar até que ponto o gesto de escolha entre o

normativo e o não normativo não seria governado pelos mesmos processos de hoje em dia.

Tanto Lobo et alli (1991) quanto Schei (2000) mostram que as estruturas de colocação do

clítico são diferentemente permeadas pela norma, passando eventualmente por escolhas de

cunho pessoal. No século XIX talvez essa escolha fosse mais dramática uma vez que a norma

clássica estava sendo abandonada em prol da norma lusitana moderna, o que coloca para os

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falantes escolarizados um problema mais complexo: escapar do português popular tendo que

optar entre duas normas.

O que se pretende é observar como dois falantes século XIX, com um grau de contato

entre si muito grande e numa mesma situação comunicativa, podem interagir diferentemente

com processos linguísticos diversos. Verificar até que ponto o gesto de escolha entre o

normativo e o não normativo nas cartas de Christiano e Bárbara Ottoni não seriam governados

pelos mesmos processos de hoje em dia. Ou seja, levantar subsídios para discutir de que

maneira os sujeitos falantes reagem aos processos linguísticos de mudança e normatização.

Duarte; Pagotto (2005) levantam uma pergunta pertinente para a época: será que

haveria alguma diferença entre significativa entre o senador e sua esposa, no que diz respeito

à posição dos clíticos? No caso do senador, se poderia esperar dois comportamentos: um

senador excessivamente conservador a ponto de utilizar a norma do começo do século (e por

tanto mais próximo do português clássico) ou um senador antenado nas novas tendências

linguísticas, adotando o moderno padrão enclítico lusitano. Quanto a sua esposa, à falta de

informação mais precisa, em se supondo uma senhora de pouca circulação social, já em idade

avançada ou igualmente esperava-se um padrão de colocação próximo ao PC ou uma

despreocupação com a norma, apresentando uma forte influência do português brasileiro.

Baseados em algumas hipóteses linguísticas levantas por Schei (2000), Duarte e

Pagotto chegam a seguinte conclusão: há escritores que fazem próclise em todos os contextos

e aqueles que só a incorporam quando se trata de verbo antecedido pelo sujeito; outros há que

são mais ou menos permeáveis segundo certos contextos estruturais. Isso mostra que ainda há

uma relativa influência normativa na literatura atual, mas sua atuação é filtrada pelos

contextos estruturais.

Em estruturas simples, ocorre uma diferença significativa entre o avô (53%

próclise/47% ênclise) e a avó (93% próclise/7% ênclise) indicando que, das possibilidades

apresentadas, a que vinga é a de que os papeis atribuídos ao gênero, ao menos no século XIX,

interferem de alguma maneira nas escolhas feitas por eles. Porém, um comportamento

linguístico como o da avó era comum em português clássico e não necessariamente poderia

ser debitado da conta de um suposto reflexo do PB.

No português brasileiro atual, é questionável se a presença dos operadores de próclise

tem de fato alguma atuação sintática, já que há uma tendência generalizada à próclise. De

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modo geral, o trabalho de Duarte e Pagotto mostra que o avô se apresenta sensível a tais

operadores, enquanto a avó, não. Apesar desse estatuto diferenciado, constata-se um uso

categórico da próclise na presença de: i) pronomes relativos e interrogativos; ii) conjunções

subordinativas; iii) operadores de negação; iv) operadores de foco; v) quantificadores.

Além da hipótese previamente levantada de que os papéis atribuídos ao gênero

interferem nas escolhas feitas pelo senhor e pela senhora Ottoni assim como o nível de

escolaridade de cada um. Levanta-se também a hipótese de que haveria algum

condicionamento fonético-fonológico atuando nas escolhas do Sr. e da Sra. Ottoni,

possivelmente um verbo monossilábico aceitando mais facilmente uma sílaba pretônica do

que uma forma verbal trissílaba e possivelmente uma dissílaba oxítona.

Nos contextos em que não há um elemento atrator de próclise os autores encontraram

uma oposição no padrão dos avós. Nas estruturas coordenadas simples, ela prefere a próclise

(86%) enquanto ele prefere a ênclise (86%). Em estruturas iniciadas por um SN lexical ou

pronominal, a avó manifesta ainda preferência pela próclise (80%) enquanto o avô se

apresenta neutro.

Nos contextos aqui considerados – coordenação e SN sujeito – tem-se a mesma opção

normativa que Schei (2000) detecta nos escritores estudados no seu trabalho. O avô senador

do império, cioso do seu papel na educação dos netos, procurando imprimir nos seus textos

uma marca linguística modelar, a fim de que eles aprendessem a “boa linguagem”. Já a avó

apresentar em suas cartas uma gramática mais próxima do português coloquial. Outra

possibilidade para a interpretação dos dados da sra. Ottoni seria imaginar que ela estaria

refletindo um padrão mais antigo, do português clássico, onde esse tipo de próclise era

frequente.

Avô e avó parecem novamente diferenciar-se quanto à posição dos clíticos nas

construções complexas com dois verbos. Não há casos de ênclise ao verbo principal nas cartas

da avó e que os casos de próclise ao verbo principal, grande inovação do português do Brasil,

totalizam 50% para a avó e 10% para o avô. Assim evidencia-se que se por um lado o avô se

manifesta extremamente enclítico, por outro lado não resiste ao apelo do PB e à sua

construção típica.

Em suas considerações finais os autores ressaltam que as cartas analisadas do casal são

um testemunho muito interessante das reviravoltas linguísticas que o séc. XIX passou. O

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século XIX se torna especial pois o plano normativo e o não normativo caminham em

direções opostas. Para além das questões sociais, os fatores estruturais também determinam

como as formas oriundas da fala penetram e se incorporam no texto escrito normatizado. Os

dados mostram que o senador opta por uma forma linguística mais lusitana enquanto sua

esposa deixa transparecer mais fortemente as formas do PB. Contudo, no contexto familiar,

com os netos, parece abrir-se a rigidez linguística do avô, despontando em alguns momentos

um registro mais brasileiro, sem lhe derrubar o forte viés normativo. Há ainda a diferença

entre o senador e sua esposa que os leva a pensar a relação com os papéis sociais do homem e

da mulher no processo histórico do PB, uma vez que parece não haver em estudos precedentes

muita menção à distinção de gênero e sua relevância para a história do PB. Percebe-se então

que em um casal como o Sr. e a Sra. Ottoni, pertencente à elite política e econômica, poderia

haver uma sensível diferença entre homens e mulheres. No caso dos clíticos, parece que

homens e mulheres, não seguiam pelos mesmos caminhos, pelo menos no que se refere à

modalidade escrita.

2.7.3PadrãodecolocaçãopronominaldoPBemcartasaRuiBarbosa

Partindo da leitura de Cavalcante, Duarte e Pagotto (2011), segundo trabalho, aqui

apresentado, a tratar dos pronomes clíticos na variedade brasileira do português em cartas, in

A Norma Brasileira em Construção: Cartas a Rui Barbosa, capítulo que discute se a posição

dos clíticos no século XIX é uma questão de posição social, analisando cartas ao ilustre Rui

Barbosa, os autores dizem o seguinte:

Este trabalho estende a análise de Pagotto e Duarte (2004) a uma amostra de cartas

escritas a Rui Barbosa no mesmo período em que os Ottoni escreveram a seus netos. O

interesse principal desse artigo é trazer subsídios para uma descrição do português brasileiro,

sob a hipótese de que, tal como se observou nas cartas dos avós Ottoni, os remetentes de Rui

Barbosa buscarão reproduzir o estilo lusitano que lhes foi ensinado através do ensino formal.

Entretanto, esperava-se que os missivistas mais ligados a Rui Barbosa deixariam transparecer

uma gramática mais brasileira, permitindo identificar os contextos de maior resistência às

mudanças que se procediam.

Com base em Pagotto (1998), o padrão de colocação pronominal preconizado em

nossas gramáticas tradicionais, que espelha a norma europeia, é um padrão que não

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corresponde à gramática nenhuma. Não se refere nem a gramática do português clássico. Isso

pode ser depreendido da maneira como a gramática tradicional seleciona os contextos em que

se deve utilizar a próclise ou a ênclise. Desse modo, segundo os autores, mesmo que o falante

culto siga com rigor as regras de padrão normativo, ele não estará nunca seguindo uma

gramática, seja a do PC, a do PB ou a do PE.

Levando em consideração estruturas de formas verbais simples, o PE moderno

apresenta ênclise obrigatória em contextos que podem ser divididos em V1 e V2. Ou seja, no

primeiro caso, contextos em que o verbo finito vem na primeira posição absoluta ou início de

oração, orações subordinadas reduzidas e orações justapostas ou coordenadas sem conectivo e

no segundo caso, orações matrizes afirmativas, em que o elemento que precede o verbo pode

ser o sujeito, um sintagma preposicional ou um advérbio, além das orações coordenadas

sindéticas.

Já o PC apresenta variação nos contextos considerados de V1 tanto quando nos de V2.

No caso de V1, o PC manifestava diferentemente a posição os clíticos quando em início

absoluto e quando em início de sentença precedida de outra sentença e no caso das

coordenadas. Nesses dois últimos casos, o PC apresentava próclise preferencialmente o que

mostra que o PE moderno mudou na direção de implementar ênclise nesses contextos. No PC

também ocorre variação nos contextos de V2, com forte tendência à próclise.

Por sua vez, no português brasileiro mantém a ordem proclítica nos mesmos contextos

atestados no PC e acrescenta uma inovação, na medida que se encontra a próclise em contexto

de V1 em início absoluto.

Na presença de um operador, tem-se sempre a próclise. Esse contexto revela-se como

um contexto que não sofre mudança na história do português, desde de o português antigo até

o PE moderno.

Em se tratando das formas verbais complexas, no PE, os clíticos aparecem nos

mesmos contextos explicitados para as formas verbais simples. Na presença de um operador,

pode-se ter próclise ao verbo flexionado, ou ênclise ao verbo infinitivo. Sem o operador, tem-

se ênclise ao verbo finito ou ênclise ao último verbo no infinitivo ou no gerúndio. Esse

comportamento revelado pelas cartas é semelhante ao do PC, no qual a cliticização ao

primeiro verbo era muito frequente.

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O PB apresentará, nas construções complexas, uma grande inovação em relação ao PE

e às demais línguas românicas. A posição de próclise ao segundo verbo passa a ser o local de

ocorrência preferencial do clítico, tendo-se restringido fortemente a cliticização ao primeiro

verbo.

Foram levantados por Cavalcante, Duarte e Pagotto (2007) 454 dados dos quais 366

estruturados por formas verbais simples e 88 por formas verbais complexas. Das formas

simples utilizadas no trabalho, 59% delas exibem próclise enquanto que 41% a ênclise,

distribuídos entres os contextos de variação e de próclise obrigatória o que não permite aos

autores fazerem grandes considerações sobre a colocação pronominal no PB.

Para explicar os fenômenos pertinentes ao PB nas cartas a Rui Barbosa, os autores

partem da análise das cartas do missivista Carlos Nunes de Aguiar, amigo de Rui Barbosa,

pois sua amostra revela um comportamento que o distingue significativamente dos demais,

fazendo emergir a gramática do PB.

Carlos é o único entre os missivistas a utilizar a próclise em início absoluto: 8 das 28

sentenças com verbo em primeira posição, o que os autores consideram uma forte

manifestação do português brasileiro. Os autores ressaltam, entretanto, que existe variação

entre o uso da próclise e da ênclise em Carlos nesses contextos, enquanto os demais autores se

restringem à ênclise.

Levando em conta que os documentos analisados são cartas dirigidas a um ilustre

político, jurista e jornalista, tem-se resultados que poderiam ser julgados surpreendentes.

Embora as construções de V1 exibam um comportamento majoritariamente enclítico, assim

como o PE, as ocorrências de próclise nesses contextos não podem ser ignoradas. O fato de

as oito ocorrências de próclise em início absoluto terem sido produzidas por Carlos, amigo e

correspondente mais assíduo de Rui Barbosa, é certamente revelador de menor cuidado na

“mudança de norma”. A eventual preocupação do missivista com a colocação pronominal

pode ser observada na correção que faz em uma das suas cartas.

(64) Mande a Bahia e o Bahianos a aquella parte, procure se tratar-se é isto que me

inquieta e o que me causou profunda tristeza e certa aprehenção, te conheço bem

(Carta 14 C. N. de Aguiar)

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Nas cartas do Carlos a próclise é preferida quando o elemento em primeira posição é

um SN, um SP ou advérbio; com uma conjunção coordenativa, o autor fica entre a próclise e a

ênclise. Ele também proporciona um equilíbrio entre próclise e ênclise no contexto de orações

infinitivas antecedidas de preposição, contexto que há variação no PE e no PC, embora nesse

a frequência de próclise superasse a de ênclise. Os demais correspondentes de Rui Barbosa

utilizam a ênclise em 11 dos 12 casos de clíticos com infinitivo, o que denota uma opção

estilística que vai em direção contrária à tendência à próclise do PB.

Com operadores de próclise os autores encontram um alto índice de próclise, o que é

absolutamente esperaado em um sistema linguístico que preconiza a próclise independente de

um atrator. Chamam atenção aqui, as ocorrências de ênclise apesar da presença do operador.

No PB pode-se pensar nessas ocorrências como hipercorreção ou falta de familiaridade com

as regras que levam a uma outra escolha de colocação pronominal. É interessante observar

que Carlos apresenta 4% de uso de ênclise nesse contexto, enquanto os demais apresentem

24%.

Nas formas verbais complexas, enquanto Carlos prefere o clítico ligado ao verbo

temático, seja em próclise, seja em ênclise, os demais autores optam pela cliticização ao verbo

flexionado. Na presença de operador de próclise, todos os missivistas, incluindo Carlos,

optam pela próclise ao V1, Já na ausência do operador, tem-se a opção pela ênclise pelos

autores, mas nota-se que Carlos de Aguiar é o que menos se utiliza dessa posição em suas

cartas. No padrão cl-V2 é que se confirma o papel de Carlos como um portador da gramática

brasileira. Ele é o único a utilizar próclise ao V2, esteja o verbo no particípio, gerúndio ou

infinitivo. E por fim, os casos de ênclise ao V2, concentrados nas ocorrências com verbo no

infinitivo, contexto que se concentra a segunda escolha de Carlos nos contextos de lexias

verbais complexas.

Em sua conclusão os autores chegaram ao seguinte resultado: a forte presença de

ênclise em todos os contextos indicaria uma aproximação com as formas do PE moderno,

especialmente nos contextos em que o verbo se encontra em segunda posição na sentença; a

emergência do PB em menor escala numérica, mas não menos significativa, é especialmente

percebida em contextos inovadores na história da língua: em início absoluto de sentença e em

construções verbais complexas. Aqui, a gramática do falante irrompe nos contextos de uso em

que se quer reprimir; os casos de próclise ao verbo em segunda posição podem ser vistos

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como a manifestação do português brasileiro ou como a continuidade do português clássico.

Da perspectiva da elaboração normativa, a próclise em tais casos é referendada por um sem-

número de autores clássicos, que autorizavam a forma. Em termos gramaticais, já seriam a

manifestação da gramática do PB.

Considerando a natureza social dos interlocutores de Rui Barbosa, a ocorrência de

próclise em início absoluto e a próclise ao segundo verbo de locuções verbais é surpreendente

nestes documentos. Do mesmo modo, a próclise em início de oração não deixa de ser

surpreendente. Tal fato só se dá pelo grau de intimidade com seu interlocutor. O que seria

extraordinário em se tratando de Rui Barbosa cuja circunspecção fazia questão de imprimir à

sua figura pública e que emanava para os contextos íntimos.

Sintetizando as conclusões de Cavalcante, Duarte e Pagotto, fica claro que o

funcionamento social da posição dos clíticos, no final do séc. XIX, parece obedecer a uma

lógica segundo a qual, dentre os mais escolarizados, o grau de intimidade governava as

escolhas quanto a qual gramática acionar. A passagem da norma do português clássico para a

norma do PE moderno que os falantes escolarizados experimentavam no séc. XIX coloca em

questão a próclise em primeiro verbo de sentenças precedidas de sentenças adverbiais, assim

como manifestam uma opção pela forma do português europeu refletida na frequência de uso

de ênclises em contextos no quais antes a norma apresentava opção. Ao mesmo tempo, as

construções com próclise em primeira posição absoluta e com próclise ao segundo verbo em

locuções verbais permaneceram interditadas, aparecendo apenas como um registro familiar,

nas conversas de rua ou nas rodas de bar.

2.8Resumindoocapítulo

Vimos nesse capítulo diversas visões da colocação pronominal no português brasileiro

e no português europeu. Partindo da visão tradicional, passando por teorias descritivas e

debruçando-nos, por fim, em trabalhos teóricos-descritivos de resultados empíricos no PE e

no PB.

Das gramáticas normativas, que se baseiam em regras e modelos do PE do século

XIX, observamos alguns autores e como eles sistematizam a posição dos pronomes em vários

contextos sintáticos, seus pontos fracos e como estas não satisfazem plenamente a descrição

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da colocação pronominal no Brasil, sequer conseguem passar de forma detalhada e satisfatória

as regras de “bom uso” do PE.

Assim como previsto inicialmente, visitamos nesse capítulo trabalhos de cunho

teórico-descritivo, em particular os de caráter formalista, que se debruçam sobre o assunto, e

que se utilizam de corpora semelhantes ao proposto por esse trabalho, podendo assim

observar as diferenças entre esse fenômeno no PE e no PB.

A partir de então, começamos a compreender os mecanismos de posicionamento dos

clíticos nos falantes do PB. Contrapondo as visões tradicionais e os trabalhos empíricos,

pudemos perceber que a posição dos pronomes no português brasileiro não condiz com a

recomendada pela tradição normativa, embora a colocação pronominal no PB seja

frequentemente afetada, sobretudo no registro escrito, pelas regras veiculadas pelas

gramáticas tradicionais. Isso significa dizer que cada falante possui (ao menos) duas

gramáticas distintas que são ativadas de acordo com o grau de formalidade da interação, como

registro – oral ou escrito, intimidade entre os interlocutores – formal ou informal, entre

outros. A tradição normativa, adquirida tardiamente, compete com a gramática internalizada.

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3AporteTeórico

Neste capítulo abordaremos alguns conceitos e teorias dos quais esse trabalho se

apropria para desenvolver-se. Esta pesquisa será realizada à luz da Teoria Gerativa (Chomsky

1986, Lightfoot 2006), principalmente no modelo de Competição de Gramáticas (CG) (Kroch,

1989, 1994), segundo a qual o processo de mudança sintática reflete sempre a tensão, num

ambiente heterogêneo, entre uma gramática inovadora e uma gramática conservadora. Se faz

necessário também, e antes de qualquer coisa, explicar e elucidar as principais características

do nosso objeto de estudo, os pronomes clíticos.

3.1Dospronomes

Coube ao filósofo Aristóteles, introduzir as chamadas “categorias de pensamento”

(Castro & Silva, 2017) que se tornaram, hoje, conhecidas como classes de palavras.

Logicamente as classes de palavras não se resumem às estabelecidas por Aristóteles, pois com

o passar do tempo foram sendo identificadas novas classes de palavras. Dionísio de Trácia

criou a primeira definição de gramática grega adicionando às classes de palavras existentes

advérbio, particípio, pronome e preposição.

O termo pronome nos remete, etimologicamente, ao latim pronomen em que há a

junção da preposição pro mais o substantivo nomen e cujo significado é: “em lugar do nome”.

Segundo Rumeu, 2008, é possível constatar que as gramáticas do português elaboradas em

1957, por Rocha Lima, antes da instituição da Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB10

– (1959), e por Celso Cunha, em 1985, preservam da tradição gramatical desenvolvida por

Apolônio Díscolo no séc. II, ainda, subcategorizações dos pronomes em pessoais, possessivos

e demonstrativos. Enquanto Rocha Lima incluiu as formas de tratamento de reverência dentre

os pronomes pessoais, admitindo assim seis classificações para o rótulo pronome, Celso

Cunha subcategoriza os pronomes de tratamento separadamente, apresentando ao invés de

seis, sete classificações para a classe pronome. A definição de pronome e as suas

subcategorizações em pessoais (primitivos), demonstrativos e possessivos (derivados)

perduram até o séc. XXI como uma herança da tradição clássica, isto é, como indícios das

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produtivas reflexões linguístico-filosóficas acerca da língua grega formuladas por Dionísio de

Trácia (séc. II a.c) e por Apolônio Díscolo (séc. II d.c).

Nos dias atuais, podemos assim defini-lo: “pronome é a palavra que denota o ente ou a

ele se refere, considerando-o apenas como uma pessoa do discurso” (SAID ALI, 1985 [1923],

p. 61 apud ROCHA LIMA, 2014[1957], p. 156). Entende-se como pessoas do discurso o

indivíduo que fala, o indivíduo com quem se fala e a o indivíduo ou a coisa de quem se fala.

Como visto acima, o grupo dos pronomes são tradicionalmente subdivididos em grupos

menores levando-se em conta suas características particulares. Entre os grupos postulados

pela Gramática Tradicional encontram-se os pronomes pessoais.

Os pronomes pessoais destinam-se a retomar discursivamente as pessoas estritamente

relacionadas ao ato de fala, sem a necessidade de nomeá-las e variam sua forma de acordo

com o caso que desempenham nas estruturas sintáticas. Os pronomes subjetivos ou retos –

Assim intitulados por Rocha Lima (2014 [1957]) – são de caso nominativo e desempenham

papel de sujeito das orações enquanto que os pronomes objetos ou oblíquos podem ser de

caso acusativo ou dativo e desempenham respectivamente as funções de complemento direto

e complemento indireto do verbo.

Pronomes oblíquos são itens lexicais simples, quase sempre monossilábicos, existentes

nas línguas naturais. São elementos linguísticos que compartilham certas características de

palavras independentes, assim como certas propriedades de afixos. Como já mencionado, os

pronomes oblíquos se comportam sintaticamente como os próprios argumentos verbais

podendo se classificar em formas átonas e tônicas.

São de interesse dessa pesquisa apenas o que a tradição gramatical evoca como

pronomes oblíquos átonos. A ausência de acento dos pronomes oblíquos átonos faz com que

tais pronomes dependam necessariamente de uma palavra adjacente acentuada. A palavra à

qual o oblíquo se liga é um verbo e é geralmente chamado de palavra hospedeira ou

hospedeiro. Essa ligação entre o pronome átono e o verbo caracteriza-se como um processo de

cliticização, por isso os pronomes oblíquos átonos são também chamados pronomes clíticos.

Embora prosodicamente dependente de uma palavra acentuada, o pronome oblíquo goza de

autonomia no plano morfológico (por oposição aos afixos, presos a uma base).

São formas oblíquas objetivas diretas átonas: me; te; o; a; os; as; se; nos; vos.

São formas oblíquas objetivas indiretas átonas: me; te; lhe; lhes; se; nos; vos.

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Crystal (2008[1980]) em seu dicionário linguístico define clítico da seguinte forma:

Um termo usado na gramática para se referir a uma forma que

se assemelha a uma palavra, mas não se sustenta sozinha como um

enunciado normal, sendo fonologicamente dependente de uma palavra

vizinha (seu hospedeiro) em uma construção. (O termo 'clítico' vem da

palavra grega para 'inclinar'.)7

A definição apresentada acima contempla não somente os clíticos pronominais, mas

também as demais categorias de partículas átonas como os artigos, as preposições e

conjunções. Abaurre & Galves (1996) separam os clíticos em duas classes: clíticos sintáticos

e clíticos fonológicos. Os clíticos fonológicos constituem uma classe mais abrangente no qual

os clíticos sintáticos encontram-se inseridos. Isto significa dizer que nem todo clítico

fonológico é um clítico em sintaxe, mas todo clítico sintático é um clítico fonológico pois

corresponde a um item lexical não prosodicamente acentuado.

No universo das línguas românicas, encontramos dois comportamentos distintos ao

que diz respeito à colocação pronominal: línguas em que o pronome clítico assume uma

posição fixa, caso do francês, que é uma língua obrigatoriamente proclítica – com exceção do

modo imperativo afirmativo, no qual os pronomes se apresentam enclíticos ao verbo – e as

línguas de colocação pronominal variável. Neste segundo grupo, enquadra-se a língua

portuguesa que possibilita contextos de variação entre próclise e ênclise.

A maior parte dos clíticos do português se posiciona à palavra acentuada que ocorre

imediatamente à sua direita (como acontece com o artigo definido o no sintagma nominal o

livro), sendo, portanto, proclíticos. Os pronomes pessoais apresentam um comportamento

particular entre as formas clíticas. Diferentemente dos demais clíticos, estes são ora

proclíticos à palavra lexicalmente acentuada que os segue, ora enclíticos à palavra que os

precede, sendo sua posição condicionada por fatores gramaticais do nível frásico, como por

exemplo, o fato de a oração em que ocorrem ser subordinada ou principal (1).

7 A term used in grammar to refer to a form which resembles a word, but which cannot stand on its own as a normal utterance, being phonologically dependent upon a neighbouring word (its host) in a construction. (The term ‘clitic’ comes from the Greek word for ‘leaning’.)

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(1) a. No sabado eu te espero no nosso ponto na rua Uruguaiana esquina com Buenos

Aires, (Jayme - 06/04/1937)

b. No sábado eu espero-te no nosso ponto na rua Uruguaiana esquina com Buenos

Aires.

c. eu com a graça de Deus vou bem, emora seja a terceira vez que te escrevo hoje.

(Jayme - 16/03/1937)

Outra característica dos pronomes pessoais clíticos é a de selecionarem a categoria

gramatical do seu hospedeiro, que é, em geral, o verbo. Recebem, por isso, a designação de

clíticos verbais. Às condições estruturais do domínio da frase que determinam a colocação

pré-verbal ou pós-verbal dos pronomes clíticos, acresce uma condição morfológica: quando

têm como hospedeiro uma forma verbal do futuro ou do condicional, estes pronomes podem

ser mesoclíticos, ocorrendo então numa posição interna ao verbo como em (2).

(2) a. Dir-me-ás depois.

b. Encontrar-te-ia ao final da tarde.

Sobre a posição dos clíticos sintáticos no português, Martins (2013) ressalta outras

especificidades:

- Quebra da adjacência entre o clítico e o verbo (interpolação);

(3) a. A aldeia e o que ela representa já lhe não servem. (Martins, 2013 pág. 2295)

b. O que ele lhe não terá dito!

c. E depois vou com eles para o médico que é para se eles lembrarem. (Martins, 2013

pág. 2295) d. Todos os dias se para lá ia achar túbara. (Martins, 2013 pág. 2296)

e. Ainda os ontem tirei do carroço. (Martins, 2013 pág. 2296)

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Sendo clíticos verbais, os pronomes pessoais usualmente seguem adjacentes ao verbo.

No entanto, como nos exemplos (3a) e (3b), o marcador de negação frásica não interrompeu a

continuidade entre um clítico pré-verbal e o seu hospedeiro. Não se limita a este marcador os

elementos aptos à interpolação no português antigo. Os elementos interpoláveis têm como

propriedade serem dêiticos e são dispostos em três grupos: pronomes pessoais que expressam

dêixis pessoais como em (3c); pronomes demonstrativos e advérbios que expressam dêixis

espaciais (3d); advérbios que expressam dêixis temporal (3e).

Magro (2007, p. 87-99) defende que é possível encontrar interpolação em quase todos

as variedades do PE mapeados por ela em sua tese. Diferentemente do que se apresenta em

outros autores que habitualmente atestam que o fenômeno de interpolação está restrito ao

norte do país. Contudo, Magro ressalta que os valores percentuais da interpolação são mais

elevados no norte do país. Para além da interpolação da partícula de negação (não), ocorrem

no PE contemporâneo a interposição de pronomes, advérbios e sintagmas preposicionais.

Ainda assim, esta situação de interpolação tem um âmbito muito restrito na língua

portuguesa em geral. A interpolação de constituintes entre o clítico e o verbo é um fenômeno

frequente no português antigo, onde era possível encontrar uma grande diversidade de

elementos interpoláveis, e verificável no PE padrão moderno, onde suas variedades dialetais

admitem a interpolação de pronomes e advérbios de natureza dêitica, além da interpolação de

não, porém, torna-se obsoleto no PB contemporâneo.

- Grupos clíticos

Outra característica que diz respeito tão somente aos clíticos sintáticos é a

possibilidade de eles se combinarem entre si, formando uma única unidade fônica ainda

dependente de um hospedeiro. Quando, numa mesma oração, ocorre mais de um pronome

pessoal complemento, estes formam um grupo clítico, caracterizado pela inseparabilidade dos

elementos que o constituem. Desse modo, podemos ter uma frase como (4) em que os dois

clíticos, me (dativo) e os (acusativo), formam o grupo mos. Essa coesão dos grupos clíticos

pode ser avaliada nos domínios infinitivos que admitem variação entre próclise e ênclise. A

separação entre dois pronomes clíticos complemento de um mesmo verbo infinitivo, obtida

colocando um deles em próclise e o outro em ênclise, não é permitida. Assim, (4a) e (4b) são

orações gramaticais, mas (4c) ou (4d) não são opções permitidas pela gramática da língua

portuguesa.

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(4) a. Deves dar-mos o quanto antes.

b. Deves mos dar o quanto antes.

c. *Deves me dar-lo.

d. *Deves o devolver-me.

Há ainda a possibilidade da não formação de um grupo clítico em perífrases verbais,

de modo que um dos clíticos suba e associe-se ao verbo finito enquanto o outro associe-se ao

verbo infinito. Esta configuração não é consensualmente aceita como uma forma normativa,

porém, é possível encontrar esse registro no PE seja em corpora de caráter oral, como no de

caráter escrito.

(5) Encontrei meu guarda-chuva perdido e posso-te emprestá-lo.

3.2ATeoriaGerativa

O Gerativismo teve início nos Estados Unidos, em meados do século XX, e tem como

nome principal o linguista Noam Chomsky. Em 1957, Chomsky publica seu livro “Estruturas

sintáticas” (do inglês, Syntactic Structures), que marca o início do Gerativismo e promove

uma revolução nos estudos linguísticos. Vale ressaltar que a Teoria Gerativa é uma das mais

influentes abordagens a respeito da gramática das línguas humanas passou, ao longo dos anos,

por uma série de reformulações, chegando, na década de 1990, ao Programa Minimalista

(PM). Grande parte dos estudos em sintaxe das últimas quatro décadas parte da Sintaxe

Gerativa, seja para desenvolvê-la em modelos gerativistas mais específicos, seja para fazer-

lhe oposição teórica.

Chomsky se preocupa com uma tarefa fundamental: explicar o caráter gerativo das

línguas naturais. O Gerativismo recebe esse nome, pois, segundo ele, a partir de um conjunto

limitado de elementos constitutivos, é possível produzir um número ilimitado de estruturas

linguísticas. Os gerativistas buscam descrever e explicar, abstratamente, o que é e como

funciona a linguagem humana. Por isso, propõem-se a elaborar um modelo teórico formal,

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inspirado na matemática. Chomsky, no Gerativismo, parte do pressuposto de que é possível

descrever algebricamente a língua humana, a partir de esquemas abstratos. Por isso, pode-se

dizer que a base filosófica da teoria é o RACIONALISMO, que vê no pensamento, na razão, a

principal fonte do conhecimento humano.

Segundo Chomsky (1986), pelo fato de ser uma capacidade humana inata, ou seja, de

fazer parte da constituição cerebral de todos os seres humanos sem patologias, as línguas

devem apresentar características universais. Para entender a proposta gerativista, é preciso

conhecer o modo como Chomsky e seus seguidores compreendem a mente/cérebro do

homem. Da mesma maneira como sistemas complexos ou ‘órgãos do corpo’ – como o córtex

visual e o sistema circulatório – têm suas propriedades exclusivas e são estudados

separadamente, com suas teorias próprias, também os diferentes sistemas cognitivos ou

‘faculdades’ da mente – como a faculdade da visão e a faculdade da linguagem – devem ser

estudados separadamente. (cf. Chomsky, (1986) Knowledge of language: its nature, origin

and use.)

Chomsky (1986) considera que a mente humana é composta por sistemas cognitivos,

organizados em módulos. Assim, a faculdade da linguagem estaria em um desses módulos.

Parte-se da ideia de que há um módulo específico para a linguagem, que faz parte do aparato

genético do homem, distinguindo-o dos outros animais. Seguindo a tese da modularidade da

mente, tem-se a hipótese do inatismo, segundo a qual há uma estrutura mental inata ou estado

inicial que possibilita aos seres humanos adquirirem sua língua natural. Essa estrutura mental

inata é chamada na teoria gerativista de Gramática Universal (GU).

Com a evolução da linguística gerativa, no início dos anos 80 a ideia da

competência linguística como um sistema de regras específicas cedeu lugar à hipótese

da GU. Deve-se entender por GU o conjunto das propriedades gramaticais comuns

compartilhadas por todas as línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são

previsíveis segundo o leque de opções disponíveis na própria Gramática Universal. A hipótese

da GU representa um refinamento da noção de Faculdade da Linguagem, sustentada pelo

gerativismo desde o seu início: a Faculdade da Linguagem é o dispositivo inato presente em

todos os seres humanos, como herança biológica, que nos fornece um algoritmo, isto é, um

sistema gerativo, um conjunto de instruções passo-a-passo, como as inscritas num programa

de computador, o qual nos torna aptos para desenvolver (ou adquirir) a gramática de uma

língua. Esse algoritmo é a GU.

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Para procurar descrever a natureza e o funcionamento da GU, os gerativistas

formularam uma teoria chamada de Princípios e Parâmetros. Os Princípios são comuns a

todas as línguas, apresentam caráter universal e são responsáveis por explicar a organização

das línguas naturais. Já os Parâmetros são específicos de uma língua e reconhecidos a partir

dos dados linguísticos do ambiente do indivíduo em fase de aquisição de linguagem. Ou seja,

no processo de aquisição de uma língua, o indivíduo vai, gradativamente, fixando os valores

dos parâmetros a partir do contato com os dados linguísticos da sua língua nativa. À medida

que os valores desses parâmetros são fixados pelo indivíduo durante a aquisição, uma

gramática é construída. Quando usamos o termo “gramática” aqui, estamos nos referindo aos

conhecimentos que um falante tem de sua língua materna, aos mecanismos de funcionamento

de uma língua. Não estamos nos referindo a gramática normativa ou a gramática tradicional.

Essa teoria possui pelo menos duas fases: a fase da Teoria da Regência e da Ligação (TRL),

que perdurou por toda a década de 80, e o Programa Minimalista (PM), em desenvolvimento

desde o início da década de 90 até o presente.

No Programa Minimalista atual, entendemos por Princípio as propriedades gramaticais

que são válidas para todas as línguas naturais, ao passo que Parâmetro deve ser compreendido

como as possibilidades) de variação entre as línguas. Tais possibilidades são por muitas vezes

descritas sempre como limitadas e de maneira binária. Apresentam-se com o valor positivo

(+) ou negativo (-). O valor (+) indica que aquele parâmetro está presente na língua, já o valor

negativo (-) sinaliza a ausência daquela característica. Todavia, Kenedy (2013. p.106) afirma

que essa característica binária é apenas uma simplificação teórica:

“A caracterização do Parâmetros da GU como binários, isto é, meramente

instanciados como negativos e positivos, é uma simplificação teórica – um artifício

descritivo. Na verdade, os Parâmetros são o resultado de um grande conjunto de

variáveis linguísticas que são marcadas arbitrariamente no Léxico de uma

determinada língua. Por exemplo, se uma língua possui vários morfemas verbais

para indicar a pessoal gramatical dos sujeitos das frases, é provável que ela seja

marcada como [+ sujeito nulo]. Já se essa língua não dispõe de morfemas desse tipo,

é mais provável que ela seja marcada como [- sujeito nulo]. Caracterizar os

Parâmetros da GU por oposições binárias é descritiva e didaticamente útil, mas, de

fato, o Léxico das línguas é algo muito mais complexo e sutil. De uma maneira mais

precisa, poderíamos dizer que o conjunto das convenções do Léxico das línguas

humanas irá provocar certos outputs sintáticos previsíveis, os quais podemos

descrever esquematicamente na forma de parâmetros binários.”

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67

As pesquisas da teoria de Princípios e Parâmetros foram e são desenvolvidas

principalmente na área da sintaxe. A possibilidade de estudar a sintaxe isolada dos demais

componentes da gramática (léxico, fonologia, morfologia, semântica) é consequência de um

conceito fundamental do gerativismo, o de gramática modular. Segundo ele, os componentes

da gramática devem ser analisados como módulos autônomos, independentes entre si, no

sentido de que são governados por suas próprias regras, que não sofrem influência direta dos

outros módulos. Isto é, o funcionamento de um módulo como a sintaxe é cego em relação às

operações da fonologia, por exemplo.

Uma vez explicitados os princípios que fomentam a teoria gerativa, passemos para

uma breve discussão de como a variação e a mudança ocorrem pela perspectiva da GG, já que

nos utilizaremos dela para explicar a variação encontrada na Língua-E.

3.3Competiçãodegramáticas

Como vimos anteriormente o conceito de Gramática está diretamente associado à

possibilidade de se gerarem as estruturas e não a determinado inventário de estruturas. A

Gramática Universal oferece Princípios imutáveis e Parâmetros que podem ser fixados

diferentemente em gramáticas particulares. Nesse sentido, cada gramática particular

representa uma determinada parametrização dos Princípios universais (Chomsky, 1986). A

gramática do falante, ou língua-I, na Gramática Gerativa será uma gramática individual e

internalizada de cada falante, adquirida a partir da interação dos princípios da GU do

indivíduo e a experiência linguística e exposição a dados produzidos por cada falante da

geração anterior.

Assim Galves, Namiuti e Paixão de Sousa (2006) definem e norteiam os estudos de

variação e mudança sob a ótica Gerativista:

Neste quadro teórico, a Mudança Gramatical é uma função da relação entre

a capacidade inata e a experiência linguística vivenciada pelas sucessivas gerações

de falantes. O estudo da mudança depende, fundamentalmente, de uma teoria de

aquisição de linguagem. As perguntas centrais da teoria da mudança serão: “Quais

são as condições que levam, na aquisição, a determinada fixação paramétrica?”; e

“Como e por que essas condições podem mudar, levando determinada geração a

fixar um parâmetro de modo oposto ao que acontecia na geração anterior?”

(Galves, Namiuti e Paixão de Sousa, 2006)

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Para entender os estudos da mudança no quadro gerativo e seus desafios

metodológicos, é preciso salientar que nessa perspectiva, a gramática é um objeto teórico,

enquanto que os dados de língua são objetos empíricos que carecem de interpretação. Ao

levantar hipóteses sobre a gramática, os linguistas gerativistas buscam interpretar

teoricamente os dados de Língua-E disponíveis. Desse modo, a metodologia gerativa, conta-

se sobretudo com a intuição do falante. Essa ferramenta, obviamente, não se encontra

disponíveis para estudos diacrônicos da gramática, restando então aos linguistas gerativistas,

pistas reveladas pela documentação de registro escrito da Língua-E, onde observa-se a

marcação paramétrica pela análise de um determinado conjunto de dados.

Os dados documentados relativos a mudanças apresentam-se, tipicamente, como dados

de variação entre formas antigas e formas novas nos textos. Note-se, entretanto, que

diferentemente da Teoria da Variação e Mudança (TVM), preconizada por Weinreich; Labov;

Herzog (1968), na Teoria Gerativa, quando se admite que a mudança de uma gramática para

outra envolve a fixação diferente dos parâmetros via aquisição da linguagem pela criança, esta

mudança deverá ser conceituada, por necessidade teórica como um evento abrupto; é o que

salienta, entre outros, Lightfoot (1999).

A princípio, essa visão é aparentemente contraditória: a mudança gramatical é, em

tese, um evento abrupto, mas manifesta-se nos dados como um evento de variação gradual.

Assim, a interpretação dos dados históricos num estudo de mudança gramatical precisa contar

com um quadro metodológico que permita abordar o problema da variação diacrônica.

Kroch (1989), aponta que a variação nos textos não deve ser confundida com variação

nas gramáticas. Ou seja: as mudanças nas línguas, instanciadas nos documentos históricos

como variação gradual, são reflexos de mudanças gramaticais que ocorreram de modo abrupto

no período de aquisição. Nos casos de mudança gramatical, poderemos observar que a

variação entre a forma antiga e a forma nova nos textos resulta no estabelecimento da nova

forma na língua. Esta variação entre formas antigas e novas na linha do tempo (a variação

diacrônica), em alguns casos, não pode ser conceituada como uma “oscilação” produzida por

uma única gramática particular. Ao contrário, cada forma parece corresponder a diferentes

fixações de um parâmetro (Galves, Namiuti e Paixão de Sousa, 2006). Podemos compreender

variação nestes textos como fruto da convivência, no plano do uso, de formas geradas por

diferentes gramáticas. É o que Kroch (1994) chama de “Competição de Gramáticas”, processo

no qual as formas antigas são gradualmente expulsas do uso pelas formas inovadoras.

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É consensual entre os linguistas o fato de que as línguas naturais se modificam no

curso do tempo. No que se refere às mudanças linguísticas, em específico as mudanças

sintáticas, para o modelo de Competição de Gramáticas (CG) (KROCH, 1989; 2001), o

processo de mudança sintática reflete sempre a tensão, num ambiente heterogêneo, entre uma

gramática inovadora e uma gramática conservadora.

Quando se atestam formas inovadoras em uso variando com formas conservadoras,

não significa que a mudança está acontecendo naquele momento. Na verdade, a mudança

paramétrica já aconteceu na Língua-I nos primeiros anos de vida, no período de aquisição, e é

possível observar esse fato por meio das inovações refletidas na Língua-E das gerações mais

novas. Nesse sentido, a mudança gera variação. Com isso, chega-se a um conceito importante,

que é a Hipótese da Taxa Constante. Segundo a HTC a Língua-E é reflexo da modificação de

um parâmetro gramatical, que foi fixado de outra maneira, e não a mudança propriamente

dita.

Tal abordagem diferencia-se da clássica Teoria da Variação e Mudança (TVM)

(WEINREICH, LABOV E HERZOG, 1968), para a qual, a variação pode (ou não) gerar

mudança, que ocorre gradualmente, conforme a forma inovadora vai se implementando nos

diversos contextos linguísticos e sociais. A gradação abordada pela CG resulta na evolução da

variação no eixo temporal e se reflete, nesse sentido, como um período de variação entre

formas variantes ocasionadas pela mudança ocorrida na marcação de um parâmetro.

O modelo de Competição de Gramáticas surge com a proposta de reordenar a visão

Gerativista e a visão da Teoria da Variação e Mudança, apropriando-se da primeira, conceitos

basilares como a Teoria de Princípio e Parâmetros e da segunda, a metodologia variacionista

para reinterpretar a mudança a partir de seus problemas empíricos (implementação, restrição,

encaixamento, transição, avaliação). O modelo de Competição de Gramáticas diferencia-se da

teoria de Variação e Mudança por propor uma variação sempre ambientada no Interlinguístico

e não no Intralinguístico como prevê a TVM. Por estar inserida no âmbito do Gerativismo, a

CG adota como um de seus pressupostos a questão do locus da variação. Segundo o

Gerativismo, a variabilidade está no sistema linguístico, e não na gramática.

Na perspectiva do modelo de Competição de Gramáticas, pressupomos que a mudança

linguística está intrinsicamente relacionada à aquisição de linguagem. Por isso se faz

necessário nos debruçarmos sobre esse processo, pois é no período crítico de aquisição que os

parâmetros da gramática interna são fixados, a partir do input recebido. Como é na fase de

aquisição que a fixação paramétrica acontece, é também nesse momento que se configura a

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mudança, diferenciando-se da TVM por apresentar-se como um fenômeno abrupto e não

gradual.

A pergunta que se instaura é como ocorre a mudança na fixação paramétrica,

ocasionando a variabilidade ordenada definida pela TVM e apresentada pelos documentos

históricos de registro escrito. Segundo Roberts e Roussou (2013, p. 13 apud Martins, Coelho e

Cavalcante 2015),

O problema lógico da mudança linguística interage com o problema lógico

da aquisição da linguagem. Para o último, a questão é como as crianças têm êxito

em fixar os parâmetros corretamente na base do input que elas recebem, dado que

esse input pode ser insuficiente e degenerado [...]. Se por “corretamente” estamos

querendo dizer uma combinação completa com a fixação do adulto, então os

problemas lógicos da aquisição da linguagem e a mudança linguística se tornam

contraditórios. Entretanto, se por “corretamente” queremos dizer simplesmente fixar

um valor consistente com a experiência detonadora, como sugerido acima, então não

há contradição. Chamemos isso de visão da aquisição da linguagem fracamente

determinística: o objetivo da aquisição é fixar os valores dos parâmetros na base da

experiência – todos os valores paramétricos devem ser fixados, mas não há nenhum

requerimento para convergência com a gramática do adulto (apesar de isso ocorrer

na maioria dos casos).

A mudança linguística via competição de gramática ocorre pela “falha” no processo de

aquisição, no sentido de um ou mais parâmetros serem marcados diferentemente de uma

geração para outa de falantes (Kroch, 2001). Esta “falha” nada mais é do que a marcação

paramétrica diferente da gramática dos pares. Tendo um falante fixado os parâmetros e

chegado a um estado estável da língua, sua gramática interna, ou seja, sua língua-I permanece

inalterada e blindada à novas mudanças. Aqui apresenta-se outra grande diferença entre a

visão de mudança proposta pelas duas teorias mencionadas: a Teoria de Princípios e

Parâmetros e a TVM. Para os sociolinguistas, diferentemente do que acontece na gramática do

indivíduo pela perspectiva gerativa, a mudança pode ser capturada em andamento.

Nos trabalhos de abordagem gerativa, uma mudança linguística pode ser atestada na

curva em S apresentada nos estudos diacrônicos, revelando o espraiamento dessa mudança. O

pequeno percentual da estrutura inovadora aparece representado no início da linha e mostra o

período em que uma mudança começa a surgir. Ao longo do tempo, os percentuais aumentam

e a curva se acentua à medida que a nova gramática vai sendo implementada e adquirida pelas

gerações mais novas deixando transparecer durante o percurso da mudança, uma variação

entre duas ou mais gramáticas. Quando a mudança linguística é interpretada dessa maneira,

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devemos entender que as formas inovadoras não substituem simplesmente as formas já

existentes na língua, mas passam por um longo período de coexistência até que a

implementação da nova forma seja totalmente concluída.

Uma mudança paramétrica repercutirá também em outras mudanças superficiais de

estruturas gramaticais que aparentemente não estão relacionadas umas às outras, mas que se

relacionam ao parâmetro que mudou. O encaixamento proposto pela TVM aplica-se também à

mudança ocasionada pela marcação paramétrica em desacordo com os pares. Ainda sobre o

encaixamento de mudanças sintáticas, Martins (2013) afirma que:

a observação na alteração na frequência de uso de um determinado

fenômeno sintático não pode ser interpretada como uma mudança gramatical em si e

por si. Tal alteração pode ser o reflexo de uma mudança na gramática, no sentido de

quando um parâmetro na gramática for alterado, a mudança pode se refletir em

diferentes fenômenos superficiais. (Martins, 2013, p. 20)

Em síntese, a adoção do modelo de Competição de Gramáticas para fundamentação

teórica do presente trabalho se justifica na medida que na língua que se apresenta no período

compreendido entre os séculos XX e século XXI, verifica-se pelo menos dois padrões para a

colocação pronominal. Thomaz (2017) ressalta que a competição entre gramáticas não se

atesta apenas nos estudos sobre colocação pronominal, mas em vários fenômenos sintáticos

no mesmo período. Cabe também dizer que “de acordo com o quadro teórico da gramática

gerativa, quando falamos em PB, PE e PC estamos nos referindo a um conjunto de

propriedades (paramétricas) que estão associadas a um estado específico de Língua-I”

(Martins, 2013). A hipótese que tem se defendido é de que os diferentes padrões em variação

observados ao longo do século são reflexos de construções geradas pelas diversas variedades

do português como o PE e até mesmo o PC.

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4Corpusemetodologia

Este capítulo destina-se à descrição detalhada do corpus e as dificuldades impostas aos

que se dedicam aos estudos diacrônicos. Cabe também neste capítulo elucidar os

procedimentos metodológicos dos estudos quantitativos variacionistas. Segue nesta parte do

trabalho a descrição das variáveis controladas e dos procedimentos que foram necessários ao

tratamento dos dados, relativos a rodadas computacionais, junções de fatores, cruzamentos de

variáveis, dentre outros.

4.1Descriçãodocorpus

O corpus constitui-se de duzentos e vinte duas missivas distribuídas em três períodos

ao longo dos séculos XX e XXI. O primeiro recorte sincrônico é formado por noventa e sete

cartas amorosas, trocadas entre um casal de noivos residentes do Rio de Janeiro, entre os anos

de 1936 e 1937. Já o segundo período é construído por noventa e duas cartas trocadas entre

seis missivistas, membros e amigos da família salgado Lacerda, da cidade de Cataguases,

Minas Gerais, no período de 1977 a 1983. Juntam-se a essas mais trinta e oito cartas pessoais,

datadas de 2010 a 2014 de dezenove missivistas de todas as cinco regiões do Brasil.

A escolha desse corpus deve-se principalmente a uma característica social comum a

todos os missivistas. Diferentemente dos trabalhos vistos anteriormente, em nossa Revisão da

Literatura (cf. capítulo 2) que apresentavam um corpus constituído praticamente de pessoas

ilustres, os remetentes que compõem a amostra que utilizamos para esse estudo são falantes

não-ilustres do português brasileiro.

4.1.1JaymeeMaria:casaldosanos1930.

As noventa e sete cartas que compõem essa amostra foram encontradas em um

descarte domiciliar no subúrbio do Rio de Janeiro e hoje fazem parte do acervo de cartas do

Laboratório de História da Língua (HistLing) da Faculdade de Letras da UFRJ. Do total das

cartas desse período, vinte nove têm como remetente Maria e as outras sessenta e oito são de

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autoria de Jayme. Para este trabalho, contudo, foram descartadas sete cartas ao todo já que

duas são poemas de procedência desconhecida e outras sete são cópias.

Por se tratar de pessoas não-ilustres, apesar das pesquisas e buscas sobre os

missivistas, pouco se sabe sobre Jayme e Maria, além do que é explicitado nas cartas. Jayme

morava em Ramos, subúrbio da antiga capital federal com os pais e Maria encontrava-se em

Petrópolis na companhia da irmã, cunhado, sobrinha e filha.

Não temos informações concretas da idade dos missivistas em questão, mas podemos

fazer uma estimativa relacionando as informações das cartas e o hábito social do início do

século XX. Desse modo, Silva (2012) traça o perfil sociolinguístico do casal Jayme e Maria

baseando-se nos fenômenos linguísticos presente nas cartas em relação ao que se sabe sobre

as características sociolinguísticas da época, uma vez que suas pesquisas de campo em

cartórios, igrejas e arquivos históricos, sedes administrativas e até mesmo nos endereços que

constavam nas cartas, não tiveram resultados.

Através da leitura das cartas, Silva (2012) percebe diferença quanto ao grau de

instrução dos missivistas. De fato, Jayme não domina plenamente a norma padrão (aquela

aprendida na escola) devido a desvios recorrentes quanto a norma esperada, todavia,

comparativamente, suas cartas apresentam uma proximidade maior com os modelos de

escrita. Maria, por sua vez, possui uma escrita de sintaxe mais simples e com maior número

de erros grafemáticos. Contudo, enquadra-se no grupo de falantes alfabetizados por saber ler e

escrever, mesmo portando muitos desvios da norma padrão escrita.

4.1.2FamíliaSalgadoLacerdaeamigos

Esse segundo conjunto de cartas também faz parte do acervo do Laboratório de

História da Língua (Letras / UFRJ) e foi cedido por um membro da família e ex-aluna da

instituição. As cartas foram escritas enquanto o filho Bernardo encontrava-se a serviço das

Forças Armadas Brasileiras em Joaquim Gomes – Alagoas e a filha Marcela fazia intercambio

nos Estados Unidos. Das noventa e duas cartas, sessenta e sete têm como autoria Marcela

Lacerda, as outras pertencem aos demais familiares (cinco de Bernardo Lacerda, quatro de

Camila Lacerda) e aos amigos da família (treze de Antonio Carlos, duas de Carlos Ferraz e

uma de Lício). Os temas das cartas se desenrolam em torno de fatos cotidianos e amenidades

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da família. Como um grande número de cartas foi escrito por Marcela, enquanto no

intercambio, o corpus, em sua maioria, são relatos de viagens.

Por serem cartas relativamente recentes, traçar o perfil sociolinguístico dos missivistas

dessa sincronia se torna uma tarefa menos árdua já que temos acesso quase que completo

sobre a biografia dos missivistas. A família de Cataguazes-MG pertence à classe média e

emprega com grande domínio a norma aprendida na escola e esperada em documentos

escritos. Fica claro que os membros da família em questão, responsáveis pela autoria das

cartas, tiveram instrução formal, pois apresentam pouco desvio da norma que lhes é esperada.

O mesmo se pode dizer dos remetentes que não pertencem a família. As estruturas sintáticas

apresentadas chegam muito próximo do padrão apresentado por brasileiros letrados.

4.1.3MissivistasdoséculoXXI

As cartas do início do século XXI foram trocadas entre o autor desse trabalho e

pessoas de todas as regiões do Brasil. Os correspondentes pertenciam a uma comunidade de

trocas de cartas da extinta rede social Orkut e de um grupo da rede social Facebook. Ambos

os grupos surgiram com o mesmo intuito de seus membros se comunicarem exclusivamente

através de cartas. Em sua maioria, os grupos são formados por jovens e adultos do Brasil, mas

possuem membros portugueses também.

Essa amostra foi escrita por dezenove falantes do português brasileiro do grupo “A

Arte de Escrever Cartas” do Facebook criado por mim no ano de 2010 e operante até o

momento. Das trinta e oito cartas obtidas, quatro cartas foram descartadas por serem pequenas

e não apresentarem nenhum pronome clítico. A amostra pode assim ser distribuída: cinco

cartas da região Norte (Celso Bruno – 5 cartas); uma carta da região Centro-Oeste (Jéssica – 1

carta); seis cartas da região Nordeste (Johnny – 3 cartas, Tarciana – 2 cartas, Amanda – 1

carta); três cartas da região Sul (Mariana – 1 carta, Aline Sopelsa – 1 carta, Bruna – 1 carta);

dezenove cartas da região Sudeste (Matheus – 1 carta, Raissa – 1 carta, Wesley – 1 carta,

Rodrigo – 1 carta, Aline Lívia – 1 carta, Maurício – 1 carta, Alessandra – 1 carta, Caco – 1

carta, Clarice – 1 carta, Flávia – 3 cartas, Camila – 3 cartas, Ananda – 4 cartas).

As cartas as quais me foram endereçadas traziam conteúdo informativo de caráter

pessoal dos missivistas e outros assuntos triviais do cotidiano de cada um. Todos os

remetentes tiveram acesso à educação formal em níveis satisfatórios. Suas cartas apresentam

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um registro claro e coerente que, embora repleto de marcadores discursivo do registro oral,

aproxima-se com eficiência das convenções de escrita e assim como os demais autores dos

outros recortes sincrônicos, os meus interlocutores classificam-se como pessoas não-ilustres.

4.2Definindoogênerocarta

O gênero carta é um dos mais aplicados na comunicação cotidiana. A principal

característica desse gênero é a existência de um emissor (remetente) e um receptor

(destinatário). Com os avanços da tecnologia, as cartas evoluíram, adaptando-se aos novos

hábitos modernos. O tradicional papel foi substituído por novos meios de transmissão. Na

atualidade, a forma de transmissão mais utilizada é o e-mail (eletronic-mail – correio

eletrônico). Embora haja uma larga discussão quanto ao e-mail, gênero por si só ou veículo de

comunicação (cf. Ribeiro, 2009), é indiscutível que o correio eletrônico se assemelha à carta

pessoal pois preserva os mesmos componentes textuais e extratextuais presentes nas cartas

físicas.

Há vários tipos de correspondência, independente do meio de transmissão utilizado:

cartas oficiais (ofício, memorando); cartas comerciais (cartas promocionais, cartas de

cobrança) e cartas pessoais. “A carta pessoal é uma produção de linguagem, socialmente

situada, que engendra uma forma de interação particular” (Silva 2002). Estas não seguem um

modelo pronto e seu texto reflete as intenções do remetente para com o destinatário. Nesse

estilo de correspondência, a coerência textual é recomendável como forma de clareza da

mensagem enviada. Quando enviadas pelo correio físico – em papel – esse tipo de carta exibe

um cabeçalho com a cidade e a data em que foi escrita, seguida de uma saudação inicial ou

captação da benevolência, corpo da carta, onde é desenvolvido o tema/assunto, despedida e

textos extraoficiais como o post scriptum (P.S.).

Do ponto de vista do plano formal do texto, as cartas pessoais possuem como estrutura

básica delineada, ou seja, captação de benevolência, corpo da carta e despedida e

opcionalmente o gênero apresenta um post scriptum. As partes de captação de benevolência e

de despedida do evento são compostas de sequências discursivas, prototípicas, altamente

recorrentes, provenientes de uma tradição discursiva. Já a etapa que compreende o corpo da

carta (ou da interação) não apresenta marcas estereotipadas, em termos discursivos e

interativos, que sinalizem o seu início ou o seu fim. A rigor, as etapas de captação da

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benevolência e de despedida, que emolduram a interação, acabam cumprindo o papel de

indicar o momento quando se inicia e finda o corpo da carta.

É importante neste ponto explicar o conceito de Tradição Discursiva (TD). Johannes

Kabatek (2006) argumenta que o estudo da mudança linguística deve contar com a relação

entre a evolução da língua e a Tradição Discursiva, já que, quando se estuda a história de uma

língua, o que se estuda não é a língua, mas os textos de diferentes épocas.

De acordo com o autor, TD é um conceito que nasceu dentro da Linguística românica

alemã, particularmente na orientação de Eugênio Coseriu. Kabatek e colaboradores refinaram

esse conceito, mostrando que a atividade do falar (uma finalidade comunicativa concreta),

atravessaria dois filtros concomitantes até chegar ao produto do ato comunicativo, sendo que

um dos filtros corresponde à língua e o outro, às tradições discursivas.

Uma finalidade comunicativa de saudação não se limita apenas ao filtro léxico-

gramatical. Se assim fosse, a frase “eu te cumprimento” seria adequada e aceitável. Contudo,

essa frase não corresponde ao modo tradicional e convencionalizado de emitir uma saudação

enquanto que “bom dia” ou “como vai” o são. Essas expressões repetidas em situações de

cumprimento são consideradas tradições discursivas, já que a intenção comunicativa

encontrou solução não só no acervo gramatical e lexical do português, mas também em uma

tradição, ou seja, um “modo de dizer” que extrapola as regras da língua. Dessa maneira, uma

Tradição Discursiva seria a repetição de uma maneira particular de dizer ou escrever que

adquire valor de signo.

Kabatek (2006) afirma que as TDs podem ser desde uma fórmula simples até um

gênero ou uma forma literária complexa. Desse modo, o gênero carta, segundo ele, é

considerado uma TD complexa, pois é um modelo particular de se escrever,

convencionalizado social e historicamente, dentro do qual podemos encontrar outras TDs, ou

seja, diferentes estruturas formulaicas utilizadas para diversos propósitos comunicativos. As

TDs não se limitam apenas à capitação de benevolência, mas aparecem também

frequentemente na despedida e em menor quantidade no corpo da mesma.

4.3Oproblemadosestudosdiacrônicos

A dicotomia sincronia-diacronia tem importância para o conhecimento da língua e

lançou as bases para a compreensão da língua em dois eixos: o histórico e aquele que

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representa a língua num momento específico. O estudo sincrônico é o estudo da língua em seu

tempo. Através dele se pode observar o funcionamento de uma língua numa comunidade de

fala. Já o estudo diacrônico, mostra a evolução da língua, assim, pode-se descobrir, por

exemplo, as mudanças que a língua vai sofrendo ao decorrer do tempo e os possíveis fatores

que fizeram com que elas chegassem ao seu estado atual. Além disso, esse tipo de estudo

carece frequentemente que suas lacunas temporais sejam preenchidas a fim de que se possa

ter uma visão ampla do processo de mudança de um estágio para o outro da língua.

Apesar de sua importância nos estudos linguísticos, o trabalho com a diacronia esbarra

em dificuldades de diversas ordens. Uma delas é o fato de a reconstituição dos períodos

históricos sofrer de uma aguda escassez de material linguístico apropriado. A execução dos

objetivos da Linguística Histórica depende da possibilidade de se recuperar os feitos

linguísticos do passado a partir de texto que sobreviveram as avarias temporais (Conde

Silvestre, 2007).

Os dados históricos são deficientes por diversos motivos. O primeiro deles é a

impossibilidade de recorrer à material de registro oral, uma vez que em sincronias passadas

não havia recursos tecnológicos de captação de dados por meio oral. Logo, os trabalhos

diacrônicos limitam-se ao registro escrito. O segundo xeque imposto aos linguistas históricos

é o caráter fragmentado dos textos que chegaram até o presente, muitas vezes desprovidos de

componentes do texto e a situação em que se originaram. E por fim, os registros que resistem

a toda sorte de desventuras não representam todas as esferas sociais de outras épocas, visto

que até bem pouco tempo apenas os homens das classes sociais mais privilegiadas tinham

acesso a educação formal e cultuavam o hábito da escrita. É fato também a resistência e a

preservação de material de pessoas ilustres enquanto o material produzido por pessoas não-

ilustres se perde ao longo do tempo.

As mesmas limitações que se observam com relação ao material de investigação

afetam as variáveis do contexto social. Enquanto que o pesquisador que se dedica ao estudo

da sociolinguística sincrônica normalmente tem um conhecimento de fatores como a

estratificação social da comunidade. Já o pesquisador da sociolinguística diacrônica deve

reconstruir essa informação guiando-se por dados históricos de caráter fragmentado e

tendencioso, como já mencionado.

Considerando isso, conclui-se que reconstruir a língua vernácula tal como ela era em

determinado momento histórico torna-se uma tarefa impossível, porém pode-se, através dos

textos recolhidos, resgatar certos aspectos linguísticos. Nessa perspectiva, a Língua-E

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manifestada nos textos é utilizada na tentativa de teorizar sobre a Língua-I dos indivíduos. Os

textos podem refletir diferentes padrões sintáticos que correspondem a diferentes gramáticas

que se apresentam em competição e o que possibilitará a identificação dessas gramáticas é o

estudo empírico de um grande número de dados.

4.4Etapasdotrabalho:ametodologiaVariacionista

Apresento a partir de agora questões concernentes à metodologia utilizada para o

desenvolvimento do trabalho. Tendo em vista o compromisso aqui assumido, desenvolvem-se

todos os estágios característicos da investigação da Teoria da Variação e Mudança, quais

sejam:

(i) Estabelecimento do fenômeno a ser explorado por meio da determinação da variável

dependente;

(ii) Composição de corpora criteriosamente selecionados a partir de cartas pessoais

brasileiras escritas ao decorrer dos séculos XX e XXI;

(iii) Recolhimento dos dados concernentes às variantes esperadas no âmbito das lexias

verbais simples e complexas;

(iv) Estabelecer as variáveis de cunho linguístico e extralinguístico com seus respectivos

fatores, os quais, possivelmente, podem motivar o evento em variância;

(v) Codificação dos registros colhidos nas amostras examinadas de acordo com os grupos

de fatores linguísticos e extralinguísticos;

(vi) Tratamento estatístico dos dados submetido ao pacote de programas Goldvarb X;

(vii) Interpretação analítica e sistematização dos resultados obtidos.

Nesta sessão, proponho discursar sobre a variável dependente e cada grupo de fatores

diretamente relacionado à estrutura da língua que se mostrou relevante para a análise da

colocação pronominal. Além dos condicionamentos internos, há fatores de natureza

extralinguística, que embora não se relacionem diretamente com a estrutura da língua, podem

influenciar de algum modo as escolhas linguísticas. Esses contextos também serão abordados

na sequência.

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4.4.1Asvariáveis

4.4.1.1Posiçãodoclítico:variáveldependente

A variável dependente é o valor (fenômenos ou fatos) a ser descoberto ou explicado,

em virtude de ser influenciado, determinado ou afetado pela variável independente. Ou seja, é

a propriedade ou fator que é efeito, resultado, consequência ou resposta a algo que foi

manipulado como variável independente. Esse fator aparece, desaparece, aumenta ou diminui

à medida que o pesquisador modifica as suas variáveis independentes.

Todos os questionamentos desse trabalho giram em torno da colocação pronominal do

PB, dessa forma, nada mais lógico e esperado do que ter como variável dependente a posição

do pronome, sobretudo a próclise, uma vez que o objetivo principal desse trabalho é mostrar

como a próclise vem ocupando um lugar de excelência na escrita dos brasileiros nos mais

diversos contextos. Quanto aos casos de mesóclise, por se tratarem de dados muitos escassos

e comprovadamente em desuso no português serão apresentados e retirados do tratamento

estatístico.

4.4.1.2Variáveisintralinguísticas

Para este grupo de variáveis foram considerados os fatores diretamente relacionados

com a estrutura da língua. Apresento nesse momento os fatores que se mostraram relevantes

para a análise da colocação pronominal.

Forma verbal, padrão de colocação e tipo de auxiliar

Quando falamos de forma verbal como variável, estamos nos referindo a estruturas de

lexias verbais simples como vemos no exemplo (1) e estruturas de lexias verbais complexas

como vemos no exemplo (2):

(1) Hontem fui buscar a tua apolice esta na minha escrivaninha lá no escritorio sabado talvez

te faça uma surpreza. (Jayme - 28/04/1937)

(2) Dad e eu fomos levá-la na rodoviária em Bloomington. (Marcela - 01/10/1978)

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Para as formas de lexias verbais complexas temos quatro possibilidades de colocação

pronominal, descritas a seguir:

cl-V1 V2

(3) Gostaria de poder contar com sua amizade através das cartas, pois este tipo de contato via

correio não se pode acabar. (Matheus - 21/11/2010)

V1-cl V2

(4) Manda-me dizer se já enxeste a proposta da linha de tiro, (Maria - 06/10/1936)

V1 cl-V2

(5) A Mônica tem me escrito, mas ela não me falou nada que não está gostando. (Marcela -

02/09/1978)

V1 V2-cl

(6) Hoje é que vou conhece-los. (Marcela - 22/07/1978)

Quando olhamos para as estruturas de lexias verbais complexas, temos que entender

que estas não totalizam um grupo homogêneo e apresentam características distintas com

estruturas distintas, isso quer dizer, cada tipo de auxiliar influencia a colocação pronominal

por apresentarem propriedades únicas e inerentes a cada um deles. Duarte (2003) os tipos de

verbos auxiliares e semiauxiliares que constituem os complexos verbais. Além disso,

consideramos os tipos de construção com dois verbos predicadores.

Verbos auxiliares

Enquadram-se nesse primeiro grupo os verbos auxiliares que não selecionam

argumentos, ou seja, não possuem grelha temática. Os verbos auxiliares caracterizam-se então

por não possuírem grelha temática. Como demonstra Duarte (2003, p.303), o complemento de

um verbo auxiliar é de natureza verbal e não frásico. Seguem os critérios de auxiliaridade os

verbos auxiliares de tempos compostos ter/haver mais particípio passado; os verbos auxiliares

aspectuais andar, estar, ficar, ir e vir mais gerúndio; e o verbo auxiliar de passiva ser mais

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particípio. Nas estruturas em que aparecem esse tipo de verbo, ocorre a atração obrigatória do

clítico pelo auxiliar no PE. Uma vez que correspondem a critérios semelhantes de

auxiliaridade, tais verbos estão separados no grupo V1auxiliar + V2, como nos exemplos em

(7).

(7) a. Sinto muito ter te perdido por um simples pensamento besta meu. (A. Carlos -

19/09/1977)

b. Vou me despedindo com beijos em voce toda, Carlinhos (A. Carlos - 17/10/1978)

c. Uma nova oportunidade me foi dada.

Verbos semiauxiliares

Os verbos semiauxiliares, assim como os verbos auxiliares, são esvaziados de

significado lexical e não possuem grelha argumental, porém, não respondem afirmativamente

a todos os critérios de auxiliaridade válidos para o primeiro grupo, podendo alguns selecionar

uma projeção frásica. Pertencem a esse grupo as estruturas: verbo ir mais infinitivo; os

semiauxiliares aspectuais que se constroem com preposição a mais infinitivo no PE, como

chegar a, começar a, estar, continuar a e tornar a; os semiauxiliares aspectuais que se

constroem com de mais infinitivo no PE como deixar de, acabar de, parar de; os verbos

modais dever e poder.

(8) a. Falando nisso, vou te indicar algumas músicas. (Wesley - 09/09/2010)

b. o pobre do meu coração que esta tão ferido que chega a medar pontadas (Maria -

19/01/1937)

c. Quanto ao teu namorado, não estou exigindo que deixe de se comunicar com ele.

(A. Carlos - 25/08/1978)

d. ela pode trazer-lhe a refeição.

Dos semiauxiliares listados acima, aproximam-se mais dos auxiliares os verbos ir mais

infinitivo e os verbos aspectuais seguidos de preposição a. embora respondam

afirmativamente aos três critérios de auxiliaridade descritos para os auxiliares “puros”

(Duarte, 2003), não atraem obrigatoriamente o pronome clítico como vimos em (8a) e (8b). Já

os verbos aspectuais seguidos da preposição de bloqueiam a subida o clítico tornando

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obrigatória a adjacência do clítico ao verbo principal (8c). Duarte (2003) acrescenta que a

impossibilidade da subida do clítico nessas construções sugere que a foram de tem um

estatuto híbrido nelas entre preposição e complementador. Quantos aos verbos modais, estes

só respondem positivamente a dois dos critérios estabelecidos por Duarte (2003) para os

verbos auxiliares e diferentemente desse grupo, em construções com os verbos modais não há

a obrigatoriedade da subida do clítico.

Esse segundo grupo é composto apenas de construções com semiauxiliares que

selecionam complemento infinitivo preposicionado V1 prep + V2. A estrutura com o

semiauxiliar ir mais infinitivo será agrupado aos verbos auxiliares e os verbos modais serão

agrupados no próximo grupo explicitado.

Verbos de controle e alçamento

No terceiro grupo, encontram-se os verbos de controle (9) e verbos de alçamento (10)

que possibilitam construções de reestruturação nas quais se dá um processo de formação de

predicados complexos em que o verbo encaixado possui pouca autonomia sintática (Ferreira,

2011).

(9) A família me adorou, pois não queriam me deixar voltar. (Marcela - 06/02/1979)

(10) pareço ver-te numa imagem a chamar-me e eu na minha triste ilusão quero alcançar-te

mas tú desapareces, e deixa-me os olhos arrasados d’agua, e o coração parece ser uma

chaga, sinto-o como se estivesse durmente, (Jayme - 24/01/1937)

Não existe um consenso entre os pesquisadores quanto aos verbos de controle que

podem formar predicados complexos, porém são frequentemente considerados com tais os

verbos querer, saber, tentar, desejar, ousar, conseguir, fundamentalmente. Os principais

indícios de formação de predicado complexo são o alçamento do clítico e o movimento longo

do objeto, respectivamente. Aplicando ambos os critérios para verificar a formação de

predicado complexo, fica atestado que sobre o processo de reestruturação, alguns verbos de

controle formam predicados complexos, ao passo que outros, não.

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Todas as estruturas com verbos de controle selecionam um complemento infinitivo,

mas em apenas alguns casos ocorre a formação de predicado complexo. As estruturas em que

não há um predicado complexo pode ser atestada pela agramaticalidade da subida do clítico

como no exemplo (11). Segundo Ferreira (2011), a classificação de um verbo como de

controle não é determinante para sua inserção na classe de predicados que desencadeiam o

processo de reestruturação, sendo necessário separar em subgrupos, a partir de suas

propriedades particulares, os verbos de controle que formam predicados complexos e os que

não os formam.

(11) a. Eu vi seu anúncio numa comunidade de cartas no facebook e então eu decidi te

escrever em esperança de ser seu mais novo correspondente. (Maurício - fev/2012)

b. *Eu vi seu anúncio numa comunidade de cartas no facebook e então eu te decidi

escrever em esperança de ser seu mais novo correspondente.

Há uma conformidade entre os pesquisadores que se dedicam ao estudo da

reestruturação com verbo de alçamento. Inserem-se nesse grupo verbos modais, aspectuais e

de movimento como dever, ter de, poder, tender, começar, continuar, costumar, estar por,

terminar, ir, vir, entre outros. Esse tipo de verbo também seleciona um complemento no

infinitivo. A estrutura complexa resulta do movimento do argumento externo da oração

encaixada para a posição de sujeito da sentença.

(12) a. Devemos dar-lhes vida, para que possam bater um pelo outro eternamente (Jayme

- 30/09/1936)

b. nos somos a raiz de nos proprios, jamais poderemos, nos separar, (Jayme -

16/03/1937)

Assim como no grupo de verbos de controle, as estruturas complexas com verbos de

alçamento só se atestam na possibilidade de subida do clítico ou movimento longo do objeto.

Sendo as demais estruturas, casos de estruturas simples.

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Verbos causativos e perceptivos

Os verbos causativos (deixar, fazer, fazer com, mandar, permitir) e os verbos

perceptivos (ver, ouvir, sentir, perceber) selecionam completivas em que o verbo da

completiva ocorre no infinitivo não flexionado, por o sujeito da completiva ocorrer no caso

acusativo e por a ordem de palavras interna à completiva ser SVX.

A segunda propriedade acima referida denomina-se Marcação Excepcional de Caso e

se caracteriza quando o argumento externo do verbo de uma oração encaixada sobe para o

domínio da sentença superior na forma de um clítico e recebe desse, caso acusativo. O fato de

atribuição de caso acusativo do sujeito ser assegurada pelo verbo superior evidencia que a

completiva não é um domínio com plena autonomia sintática (Duarte, 2003).

(13) a. Eu quero ir a praia somente para não ver tudo isso, porque faz-me pensar em

bobagens (Jayme - 13/02/1937).

b. É tão bom me ver falando inglês. (Marcela - 08/09/1978)

Os casos de União de Orações, orações caraterizadas pela formação de um predicado

complexo através da união do verbo do domínio superior com o verbo do domínio encaixado

que deve ser sempre intransitivo ou inacusativo (Duarte, 2003), também foram alocadas nesse

quarto e último grupo por apresentarem características semelhantes aos casos de verbos

causativos e perceptivos, ou seja, marcação excepcional de caso.

Modo verbal a qual se liga o verbo

Para esta variável foi verificado a posição dos clíticos em relação aos modos verbais

infinitivo, gerúndio, indicativo, subjuntivo, imperativo e o particípio. Os clíticos aparecerão

sempre adjacentes a uma dessas formas, seja em lexias verbais simples ou complexas. Embora

alguns estudiosos caracterizem inaceitável a cliticização ao partitivo, como já vimos

anteriormente, a configuração V1 cl-V2 característica do PB licencia a presença do pronome

clítico a este modo verbal, por isso foi incluído na análise tanto para as lexias verbais simples

como para as complexas.

As formas de infinitivo e gerúndio podem apresentar-se como lexias verbais simples

regidas de preposição. Nesse contexto, encontraremos variação da posição clítica junto ao

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infinitivo e no âmbito do gerúndio tendência a próclise. Com relação tanto ao indicativo

quanto ao subjuntivo espera-se a próclise independentemente de contexto anterior apresentar

um elemento proclisador. Para as formas imperativas, a colocação esperada tende a variar

principalmente nos contextos de #V, devido a competição das gramáticas do PB e do PE.

Tipo de clítico

O fator tipo de clítico tem como objetivo principal controlar a relação entre a

colocação pronominal e a forma dos pronomes átonos (me, te, se, lhe...). Embora cada clítico

tenha sido considerado separadamente, o pronome se apassivador e se indeterminador foram

codificados juntos, não tendo este trabalho a intenção de discutir as diferenças entre ambos.

Abaixo seguem os exemplos de cada um dos clíticos controlados no trabalho.

(14) a. Então, fiquei muito curiosa para saber o porquê que você me escolheu. (Bruna -

26/01/2011).

b. Não te conto a maior, quero dizer te conto sim. (A. Carlos - 02/08/1978)

c. Gostaria de vê-la. (A. Carlos - 17/10/1978)

d. Sorrio-lhe e confio-lhe o meu segredo - esse segredo que estas farta de saber...

(Jayme - 20/04/1937 C)

e. Vamos nos encontrar la! (Marcela - 22/04/1979)

f. Sinto muito não ver-vos logo (Fernando Pedreira – 27/06/1926)

g. Divinópolis é uma cidade legal, tem bastante coisa para se fazer aqui. (Wesley -

09/09/2010)

h. Mas você se lembra daquele casal que me deu aquele casaco? (Marcela -

16/11/1978)

O controle desta variável se mostra bastante pertinente, sobretudo na análise das

estruturas complexas. Muitas hipóteses giram em torno de certos pronomes, como o caso do

pronome o(s), a(s) e o pronome se. Quanto ao primeiro caso, dos pronomes acusativos,

espera-se uma posição enclítica ao infinitivo ou enclítica ao verbo finito, quando a forma

nominal for um gerúndio ou particípio. E no segundo caso, a forma pronominal se que pode

assumir tanto a função de pronome reflexivo quanto de pronome apassivador/indeterminador.

Essas funções apresentam comportamentos diferentes pois são adquiridos de maneira

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diferente: os reflexivos, na aquisição e o indefinido, via escolarização. Para o pronome

reflexivo, a posição esperada é aquela em que o pronome se liga ao verbo que o seleciona, ou

seja, o verbo não flexionado. Já em relação ao pronome indeterminador/apassivador se, a

posição esperada é aquela em que o pronome se realiza adjacente ao primeiro verbo por se

tratar de um clítico nominativo.

Contexto e tipo de estrutura da oração

A influência (ou não) exercida por elementos que antecedem o verbo é um fator de

extrema importância na investigação da posição dos clíticos. Os diversos tipos de estruturas

que antecedem o verbo e o clítico foram agrupados em seis contextos distintos.

O primeiro contexto refere-se aos elementos considerados desencadeadores de próclise

no PE. Fazem parte desse grupo as cinco estruturas descritas e exemplificadas abaixo.

Operadores de foco e termos topicalizados ou focalizados

Os advérbios focalizadores e focalizados põem em evidência um certo constituinte ou

componente da frase, ao contrastá-lo com alternativas possíveis. São considerados aqui os

advérbios focalizadores exclusivos e inclusivos os advérbios focalizadores, bem como o

focalizador de modalidade talvez. Quando ocorrem em posição anterior ao verbo, todos os

advérbios focalizadores determinam, obrigatoriamente, o padrão proclítico.

(15) a. Mas eu já me costumei com o frio, aos sábado e domingo nevando ou não eu corro,

mas nos dias de semana corro dentro da escola. (Marcela - 13/01/1979)

b. Eu talves vou menbora no dia 4 de Outubro si não for vou só no dia 17 por causa

do aniverçario da minha irman (Maria - 22/09/1936)

Conjunção subordinativa e coordenativa “ou”

As conjunções subordinativas são aquelas que ligam duas orações, sendo uma delas

dependente da outra. A oração dependente, introduzida pelas conjunções subordinativas,

recebe o nome de oração subordinada. Juntamente a essas, acrescentamos a conjunção

coordenativa ou que também desempenha o papel de atrator do pronome clítico.

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(16) a. Me chamo Celso Bruno, mas prefiro que você me chame de Bruno (Celso -

07/12/2011)

b. Ele não percebeu o acontecido ou se acovardou diante o perigo.

Pronomes relativos e interrogativos

Os pronomes relativos que, quem, o qual, (a qual, os quais, as quais), onde

(equivalendo a em que), quanto (quanta, quantos, quantas) e cujo (cuja, cujos, cujas) é um

pronome que, no período composto, retoma um antecedente (palavra ou expressão anterior a

ele), representando-o no início de uma nova oração e podem ser precedidos ou não por

preposições.

Os formuladores de perguntas diretas ou indiretas, os sintagmas-Q interrogativos,

também procedem como elemento que obriga a posição proclítica do pronome. Vejamos

alguns exemplos abaixo.

(17) a. Estou com vontade de dar um presente para a Debbi, uma menina que me ajuda nas

aulas de História. (Marcela - 30/10/1978).

b. A despedida em japonês eu fico te devendo, aliás, quando você vai me ensinar?

(Wesley - 09/09/2010)

Operadores de negação frásicos/ sintagmas de negação

Fazem igualmente parte do contexto de elementos atratores todos os operadores de

negação frásicos e sintagmas negativos descritos por Brito, Duarte e Matos (2003).

(18) a. Fala com Ismenia que não dei o recado ao Dalves porque ainda não o vi nem sei

quando o verei. (Jayme - 07/10/1936)

b. Nem me fala em goiaba. (Marcela - 19 anos - 17/02/1979)

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Quantificadores

O termo quantificador, na linguística, designa as palavras que exprimem quantidade

total ou parcial de um SN. De acordo com a classificação de Brito (2003) os quantificadores

incluem os seguintes tipos:

I) Os que exprimem a quantificação existencial: um/uns, algum/alguns.

II) Os quantificadores discretos, que incluem:

- numerais cardinais (um, dois, três, etc.) e ordinais (o primeiro, o segundo, o terceiro, etc.);

- quantificadores que indicam indicam pluralidade, como inúmeros, muitos, vários, diversos,

bastantes, poucos, raros (no singular, com nomes massivos: «ela bebe muita água»).1

III) Os quantificadores universais: todos e ambos.

(19) a. A família toda se reuniu lá para um almoço (42 pessoas). (Marcela - 14/08/1978)

b. Eles são super amigos e cada um me deu uma lembrança. (Marcela - 16/04/1979)

No segundo grupo de estruturas antecedentes ao processo de cliticização, explicitamos

os elementos não considerados atratores segundo a tradição.

Sintagma preposicional e outros advérbios

O conceito que norteia a ideia de Sintagma Preposicional (SP), demarcado pelos

elementos que, inseridos na oração, mantêm entres si relações de dependência e de ordem,

uma vez organizados em torno de um elemento fundamental denominado núcleo, no caso, a

preposição. Constitui-se da locução prepositiva, servindo para modificar qualquer outro

sintagma.

Diferentemente dos advérbios focalizadores e focalizados, as outras classes de

advérbios não determinam a posição proclítica do pronome, dessa forma, destinamos esses

elementos a esse grupo.

(20) a. No sábado vamos leva-la de volta e depois seguimos para Wisconsin. (Marcela -

06/02/1979)

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b. Eu na noite de terça feira para quarta eu tive um sonho com voçe eu depois

tecomto. (Maria - 07/10/1936)

Sujeito pronominal ou Sintagma nominal

Entram nesse grupo os elementos que desempenham geralmente o papel de sujeito da

oração seja na forma pronominal, seja na forma de um sintagma nominal (SN).

(21) a. Eu o encontrei em Chicago. (Marcela - 01/05/1979)

b. Mom me deu uma calça comprida e um colar, pulseira e broche, mas eu não

gostei. (Marcela - 02/12/1978)

Conjunção coordenativa

Excetuando a conjunção coordenativa ou, que desempenha o papel de atrator de

próclise e listada juntamente com as conjunções subordinativas, esse grupo comporta as -

conjunções coordenativas. Chama-se de conjunção coordenativa o tipo de conjunção usada

para ligar duas orações ou sintagma que têm a mesma função gramatical. Tais orações

independentes são chamadas de coordenadas e elas são autônomas, pois não perdem o sentido

quando é removida a conjunção.

As conjunções coordenativas recebem diferentes classificações, baseadas nas

diferentes relações de sentido que elas dão às orações coordenadas. São elas: aditivas,

adversativas, alternativas ou disjuntivas, conclusivas e explicativas.

(22) a. Quero que voce saiba que estou esperando voce desde agora, desde quando voce

partiu mesmo sabendo que talvez voce não fique comigo mas quero te receber como

uma menina que veio só para ficar comigo. (A. Carlos - 02/08/1978)

b. Saí do ônibus e eles me abraçaram. (Marcela - 31/07/1978)

Oração intercalada

A princípio, oração intercalada é um conceito que não faz parte do nosso cotidiano

linguístico, contudo ainda se apresenta na língua, principalmente no registro escrito. As

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orações intercaladas são assim chamadas pelo fato de não estabelecerem nenhuma

dependência sintática entre os demais termos que compõem a oração, diferentemente do que

ocorre com as orações subordinadas, mas se interpõem entre seus termos. Elas existem no

sentido de fazer uma advertência, inserir uma opinião, observação ou ressalva.

A oração intercalada como contexto anterior ao processo de cliticização pode

despontar um padrão enclítico, já que aparentemente esse contexto assemelha-se aos

contextos de início de oração V,X.

(23) a. Ontem Mônica, a brasileira que encontrei, me telefonou e ela vem passar sexta feira

aqui em casa. (Marcela - 06/02/1979)

b. À noite o grupo de jovens que Mon e Dad são líderes se reuniram aqui para um

jantar e organizar as atividades para fazerem durante o ano todo. (Marcela -

04/08/1978)

Preposição mais forma nominal

Junta-se a esse grupo as estruturas de preposição + forma nominal. Embora não seja

estrutura que atraia obrigatoriamente a próclise, esse contexto nos despertam um interesse

especial pois configura-se um contexto de variação de colocação pronominal no PB.

(24) a. Sua carta chegou semana passada, não tive tempo de responde-la. (Marcela -

13/09/1978)

b. Divinópolis é uma cidade legal, tem bastante coisa para se fazer aqui. (Wesley -

09/09/2010)

Se por um lado a presença de um elemento pode desencadear a próclise, por outro, a

ausência de um elemento pode ser um contexto propício a ênclise, embora o PB licencie a

próclise em contexto de #V1 e X,V. Veremos agora mais dois contextos que antecedem o:

início de período e início de oração.

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Início Absoluto

Esse contexto caracteriza-se pela ausência de qualquer elemento, sintagma ou oração

antecedendo o verbo hospedeiro, deixando-o na posição um da sentença.

(25) a. Sinto-me envergonhado de te escrever a lapis mas se te enfastiares de minhas letras

manda-me dizer, porque eu então não escreverei mais, (Jayme - 15/09/1936)

b. Me conte as novidades. (Flávia - 02/02/2012)

Início de oração

Diferentemente do contexto anterior, o verbo hospedeiro, nesse contexto, ocupa a

primeira posição da sentença, mas é antecedido por outra oração sintaticamente independente,

um vocativo ou por um sintagma deslocado para a periferia esquerda.

(26) a. Se for possível, me manda uma foto. (Celso - 12/05/2012)

b. Mas se ficar muito caro mandá-los me escreva rápido avisando. (Marcela -

02/09/1978)

Tipo sintático da oração

Para esta variável, considero as orações subordinadas, as orações não subordinadas

(orações matrizes, orações principais, orações coordenadas), orações absolutas e orações

interrogativas.

Nas orações subordinadas assim como nas orações interrogativas levanto a hipótese de

que encontraremos uma posição mais proclítica já que ambos tipos de oração se apresentam

frequentemente com elemento desencadeador de próclise, como apresentado nos exemplos em

(27). No primeiro caso, na presença de uma conjunção subordinativa ou pronome relativo

(27a) e no segundo caso, na presença de pronomes interrogativos (27b).

(27) a. Acredito que a pessoa do correio que lhe atendeu implicou com o envelope, certo?

(Ananda - 22/11/2010)

b. Como começou a se corresponder? (Caco - 31/01/2014)

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Por sua vez, as orações absolutas, não subordinadas apresentariam próclise

independentemente do contexto que o antecede, uma vez que estamos trabalhando com cartas

escritas por falantes do PB como verificável em (28). Em contexto de posição inicial, a

posição proclítica entrará em variação com a ênclise por imposição da competição de

gramáticas (29).

(28) a. Eu te conheço pela letra. (A. Carlos - 15/09/1978)

b. Até eu me sinto importante por voce se sentir importante. (A. Carlos - 27/09/1978)

(29) a. Conte-me TUDO! (Aline Lívia - 12/04/2012)

b. Me diga alguma coisa sobre o inglês. (Camila - 24/03/1981)

4.1.1.3Variáveisextralinguísticas

Para este grupo de variáveis foram considerados os fatores que não se relacionam

diretamente com a estrutura da língua, mas que podem influenciar de certa maneira a

colocação dos pronomes clíticos. Apresento nesse momento os fatores que se mostraram

relevantes para a análise da colocação pronominal.

Local de ocorrência na carta

Os locais de ocorrência dos clíticos nas cartas foram divididos em captação da

benevolência, corpo da carta, despedida e outros lugares (epígrafe, P.S., ao lado da folha).

Considerando o conceito de Tradição Discursiva (Kabatek, 2006), abordado anteriormente, e

a possível manutenção de estruturas formulaicas, é possível que encontremos uma colocação

pronominal diferente da esperada para falantes do PB, tendo em vista que tais estruturas sem

perpetuam na língua e demoram a desaparecer da escrita, mesmo já tendo desaparecido da

língua falada. Tais estruturas aparecem principalmente na capitação da benevolência e da

despedida da carta.

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Missivistas e Acervo

A amostra utilizada para esta pesquisa está dividida em três recortes sincrônicos,

separados entre sim por um hiato de aproximadamente quarenta anos e reflete, cada um, uma

fase particular do PB. Essa divisão leva em conta a época em que as missivas foram escritas e

remetidas. Representam as cartas da década de trinta os missivistas Jayme e Maria, um casal

de namorados. Dos anos setenta, temos cartas de Marcela, Bernardo Lacerda, Camila Lacerda,

membros da família Lacerda e Antonio Carlos, Carlos Ferraz e Lício Vieira, amigos da

família. O terceiro período, contendo as missivas do século XXI, está representado pelos

remetentes Matheus, Alessandra, Tarciana, Maurício, Rodrigo, Aline, Aline Lívia, Amanda,

Raíssa, Mayara, Caco, Johnny, Wesley, Celso Bruno, Flávia, Camila, Ananda, Bruna e

Jéssica, correspondentes de Leandro Candido.

Período de Nascimento do remetente

Tendo em vista que do ponto de vista da Teoria Gerativa a mudança linguística ocorre

nos primeiros anos de vida, ainda na fase de aquisição, temos que considerar a data de

nascimento de cada missivista. Em relação a data de nascimento dos missivistas, foi feito um

recorte de 100 anos, de 1901 a 2000, que compreende todo o século XX, dividido em quatro

períodos de 25 anos cada um: período I (1901-1925), período II (1926-1950), período III

(1951-1975) e período IV (1976-200). Infelizmente, não temos com precisão a data de

nascimento de todos os missivistas, mas podemos estimar com certa garantia o período em

que cada remetente nasceu.

Tomemos como exemplo o caso de Jayme e Maria. As cartas foram trocadas entre os

anos de 1936 e 1937, apenas oito anos depois de se ter iniciado o período II, segundo nossa

divisão. É improvável (na verdade é inviável) que os missivistas em questão tenham nascido

depois do ano de 1925. Por outro lado, levando-se em conta questões de cunho social para

época, é duvidoso crer que os missivistas tenham nascido antes de 1901 o que significaria que

eles já teriam mais de 37 anos de idade quando vivenciavam esse amor quase juvenil.

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94

4.5Otratamentodosdados:procedimento,recodificaçõese

rodadas

Após a etapa de coleta das ocorrências de pronomes clíticos em lexias verbais simples

e complexas, o tratamento dos dados se dá a partir da codificação de cada entrada de acordo

com as variáveis anteriormente descritas. Desse modo, cada sentença foi codificada, fator a

fator, para que fosse submetido ao programa estatístico. Utilizou-se a ferramenta estatística do

pacote de programas computacional Goldvarb X, que constitui instrumento de suma

importância para a investigação sociolinguística, fornecendo, dentre outras informações, as

variáveis relevantes para o condicionamento do fenômeno.

A análise estatística inicia-se por meio da constituição do arquivo de células, o qual

concede os valores de frequência percentual e absoluta das variantes em face dos fatores

integrantes das variáveis independentes. É por meio dessa etapa inicial que se constatam em

quais contextos o evento sob análise se revela variável, categórico, semicategórico, ou

manifestação exclusiva (knockout) de certa variante em determinado contexto.

A fim de obter valores capazes de informar a real influência dos fatores controlados

em conjunto, promove-se o tratamento dos dados segundo os pesos relativos. Para que tais

pesos possam ser gerados, torna-se imprescindível nova constituição do arquivo de células

sem os contextos de manifestação exclusiva. Assim, realiza-se a recodificação dos fatores da

variável independente para a eliminação dos domínios de Knockouts, segundo alguns

procedimentos, tais como: desconsideração dos fatores categóricos na leitura da próxima

rodada (“não se aplica”), exclusão dos dados categóricos do arquivo de dados, ou

amalgamação de fatores, de modo a eliminar os knockouts.

Solucionadas as questões provenientes de knockout, dá-se continuidade à análise dos

resultados referentes ao novo arquivo gerado. Nessa fase, objetiva-se ter acesso ao conjunto

de todos os possíveis condicionamentos sobre a variável dependente. Consoante a ponderação

estatística realizada pelo programa computacional – que, em se tratando de variáveis binárias,

analisa todas as possíveis influências em conjunto, a um só tempo –, reconhecem-se os grupos

de fatores estatisticamente significativos para o condicionamento do fenômeno e eliminam-se

os grupos não relevantes.

No decorrer da pesquisa, alguns tipos de rodadas foram realizados, para que se

chegasse aos resultados que são expostos no presente trabalho. No que concerne à análise do

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clítico pronominal nas lexias verbais simples, foram realizados os seguintes: (i) rodada geral

com todos os dados, para obtenção de percentuais; (ii) rodada sem a variável dependente

mesóclise; (iii) rodada apenas com as lexias verbais simples; (iv) rodada eliminando os grupos

em que se apresentava apenas uma variável (singleton group). A partir de então foram feitos

alguns cruzamentos de fatores que nos pareciam necessários: (i) cruzamento dos fatores

missivistas e contexto anterior ao clítico; (ii) cruzamento dos fatores período de nascimento e

contexto anterior ao clítico; (iii) cruzamento dos fatores missivistas e estruturas detalhadas

antecedente; (iv) período de nascimento e estruturas detalhadas antecedente. Ainda nas lexias

verbais simples foram feitas várias rodadas isolando cada contexto anterior: (i) rodada apenas

com os contextos de V1, seguido do cruzamento dos fatores período de nascimento e estrutura

detalhada anterior; (ii) rodada apenas com os elementos atratores, seguido do cruzamento dos

fatores período de nascimento e estrutura detalhada anterior; (iii) rodada apenas com os

elementos não atratores, seguido do cruzamento dos fatores período de nascimento e estrutura

detalhada anterior; (iv) rodada apenas com contexto anterior de preposição. E por fim, rodada

dos dados de lexias verbais simples para a obtenção dos pesos relativos.

Depois de esgotado todo o trabalho com as formas simples, voltamo-nos para as

formas verbais complexas. Ainda sem considerarmos na análise a variável mesóclise

seguimos os seguintes passos: (i) rodada apenas com as lexias verbais complexas; (ii)

cruzamento dos fatores tipo de auxiliar e contexto anterior; (iii) cruzamento dos fatores

período de nascimento e tipo de auxiliar.

A análise detalhada dos índices absolutos, percentuais, quando possível, associada à

observação dos pesos relativos a cada fator permitiu a interpretação fundamentada dos

resultados.

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96

5Análisedosdados

Este capítulo dedica-se à análise dos resultados da colocação pronominal obtidos

através do conjunto de cartas selecionadas para a formação do corpus, com a finalidade de

descrever a gramática, ou gramáticas, implícita, ou implícitas, nos textos. O capítulo divide-se

em seções de acordo com os tipos de lexias verbais e os contextos antecedentes ao verbo ou

complexo verbal.

5.1Resultadosgerais

Nesse primeiro momento, faremos uma descrição geral dos dados sem nos

preocuparmos em contextualizar as estruturas em que se apresentam os pronomes clíticos.

Para esse trabalho foram coletadas 2039 ocorrências com clíticos, das quais 2025 ocorrências

foram codificadas e submetidas ao programa estatístico. Os quatorze dados extraídos da

amostra foram descartados por serem casos de orações com redobro de clítico. Dos dados

relevantes para a análise, 1546 são de formas verbais simples e 479 dados de formas

complexas distribuídos entre próclise e ênclise e apenas dois casos de mesóclises.

Gráfico1Distribuiçãogeraldosdadosentreformassimpleseformascomplexas.

76%

24%

Formassimples Formascomplexas

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97

Segundo Haffner (2009), a mesóclise tem sua origem na perífrase verbal quando as

formas de futuro e condicional eram ainda construídas pela forma infinitiva do verbo principal

e pelo auxiliar latino habere (haver e haber no português e no espanhol respectivamente). Ao

longo dos séculos houve um processo que culminou a reanálise do verbo auxiliar como afixo.

Desse modo, a posição anteriormente enclítica ao verbo principal do pronome passa à

mesoclítica uma vez que não há mais perífrase verbal e sim formas sintéticas dos tempos

futuro e condicional.

No espanhol e no português antigo atestam-se próclise ou mesóclise com o futuro e o

condicional e em relação à mudança posterior ao século XVI Haffner (2009) afirma que:

“a mesóclise em português ocorre menos frequentemente com o

progressivo aumento da anteposição dos clíticos. A partir do século XVIII a próclise

deixa de ser dominante e deste modo, o uso da mesóclise apresenta-se bastante

próximo do português atual. Na versão moderna do português há uma distribuição

complementar entre ênclise e mesóclise porque a opção é morfologicamente

determinada mesmo se os contextos sintáticos forem iguais. Tanto no português

brasileiro, como no castelhano, entretanto, esta opção perde-se gradualmente e a

próclise torna-se dominante.” (Haffner, 2009 p. 9)

Foram encontrados apenas dois casos de mesóclises em todo o corpus, feitas por um

único missivista, Jayme Saraiva, ainda na década de 1930. Eis os casos de mesóclises

encontrados:

(1) a. Queres saber porque briguei com Snr. Mario, isto não interessa, agua passada

não volta ao moinho, depois falarte-ei quando for ahi. (Jayme - 26/09/1936)

b. por esses dias mandar-te-ei uns dos meus, porque o que tú tens, qualque dia

desaparece de tú tanto beijares, (Jayme - 05/10/1936)

Uma vez exemplificados os casos de mesóclise encontrados, continuaremos nossa

análise considerando apenas as duas posições que ainda se verificam em produção

significativa no século XX e XXI e apresentam variação: a próclise e a ênclise. A opção por

retirar a mesóclise da análise se deu pelo fato de que a posição mesoclítica se configura uma

estrutura em desuso no português brasileiro, mesmo na escrita, registro onde as formas

conservadoras se perpetuam por mais tempo (Vieira, 2003; Haffner, 2009; Thomaz, 2017).

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98

A partir de agora, a análise será organizada da seguinte forma: trabalharemos

separadamente as formas simples das formas complexas.

5.2Formassimples

Depois de apresentados e retirados os casos de mesóclise, passamos a ter 1544 dados

de ocorrências de clítico em lexias verbais simples, já que os dois casos de mesóclise

apareceram em formas simples. Essa seção dedica-se a análise dessas ocorrências e de todos

os contextos que as envolvem.

Das 1544 ocorrências, já mencionadas, de pronomes clíticos em lexias verbais

simples, 1177 casos correspondem à posição proclítica e apenas 367 casos à posição enclítica,

76% e 24% respectivamente (gráfico 2). Para as lexias verbais simples, a próclise se mostra,

de forma geral, uma preferência na escrita dos brasileiros ao longo do século XX e início do

século XXI.

Gráfico2Distribuiçãodosdadosentreprócliseeêncliseemformassimples.

Não obstante, as estruturas e contextos que comportam os pronomes clíticos e seus

verbos hospedeiros exercem, em teoria, grande influência na colocação pronominal. Tendo

em vista que certos elementos, os chamados atratores, desencadeiam a próclise, restringindo o

uso da ênclise nas orações em que se apresentam (operadores de negação, conjunção

subordinativa e advérbios focalizadores) e certos contextos propiciariam o uso da ênclise

76%

24%

Prócliseemformassimples Êncliseemformassimples

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(contexto de início absoluto e início da oração). Analisaremos separadamente cada grupo de

elementos que antecede o pronome e seu hospedeiro relacionando-o com o período de

nascimento dos missivistas já que é na fase de aquisição em que ocorre a mudança linguística.

Os elementos mencionados acima, tais como explicados no Capítulo 4, foram

dispostos em cinco grupos de acordo com suas características em relação ao posicionamento

do clítico. Sob essa perspectiva, apresentamos os seguintes grupos: operadores de próclise no

PE (Op.V); início de oração (X,V); início absoluto (#V); preposição mais infinitivo

(prep.+inf.); elemento não atrator no PE (XV). Os pronomes são assim distribuídos segundo

o período de nascimento dos missivistas:

Tabela2Distribuiçãoentreprócliseeêncliseemlexiasverbaissimplesporcontextoantecedenteeperíodo

Período Operador de

próclise Início de oração

Início absoluto

Prep. + infinitivo

Elemento não atrator

Período I clV Vcl

231 (84%) 44 (16%)

9 (13%) 62 (87%)

3 (5%) 54 (95%)

36 (49%) 37 (51%)

101 (53%) 91 (47%)

Período II clV Vcl

8 (100%) -

- -

1 (50%) 1 (50%)

1 (50%) 1 (50%)

4 (100%) -

Período III clV Vcl

251 (96%) 10 (4%)

45 (78%) 13 (22%)

51 (78%) 14 (22%)

34 (62%) 21 (38%)

287 (97%) 9 (3%)

Período IV clV Vcl

42 (100%) -

9 (90%) 1 (10%)

21 (84%) 4 (16%)

12 (86%) 2 (14%)

30 (91%) 3 (9%)

Total clV Vcl

532 (91%) 54 (9%)

63 (45%) 76 (55%)

76 (51%) 73 (49%)

83 (58%) 61 (42%)

422 (80%) 103 (20%)

Os resultados observados na tabela de contextos por período de nascimento dos

missivistas mostram variação em todos os contextos, com preferência pela próclise em quase

todos os contextos e períodos, tanto os contextos em que a próclise se faz obrigatória, tanto

nos contextos em que, segundo a tradição, há variação entre próclise e ênclise. Excetua-se

dessa preferência pela próclise o contexto de início de oração, com 45% de próclise no total.

Outra característica que desponta ao confrontarmos os resultados obtidos em cada um

dos períodos é que há aumento da ocorrência de próclises em todos os contextos o que

significa uma larga implementação da próclise na Língua-E escrita. o intervalo de apenas 25

anos entre um período e outro mostra uma velocidade impressionante dessa implementação, já

que ocorre um salto significativo no percentual da frequência de próclise ao longo do século

XX e XXI.

Passemos agora para a análise da produção dos pronomes em seus respectivos

contextos e estruturas como verificados com o auxílio da tabela 1.

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5.2.1AposiçãodosclíticosemcontextoV1

O contexto V1 é concebido quando o verbo assume a primeira posição de uma oração.

Essa posição pode ser desmembrada em dois contextos. O primeiro delas é o contexto de

início absoluto em que o verbo encabeça um período simples ou um período composto. A

posição V1 sempre foi um contexto de ênclise na história da língua portuguesa (Cavalcante,

Duarte & Pagotto 2011), e é um dos contextos que diferencia a gramática do PB das demais

gramáticas do português, já que frequentemente apresenta próclise nesta posição, como

mostram os exemplos em (2).

(2) a. Me escreve bastante que eu tam bei ti escrevo (Maria - 05/10/1936)

b. Me explica como foi o acampamento do dia da Independencia no qual menino

dormiu com menina e vice-versa. (A. Carlos - 09/11/1978)

c. Me chamo Aline Sopelsa (pode me chamar de ali, Li ou Line), (Aline -

29/07/2012)

O segundo contexto refere-se à posição inicial de uma oração antecedido por uma

outra oração (geralmente coordenadas assindeticamente ou justaposta) (3a) e (3b), antecedido

por um vocativo (3c) ou ainda por uma oração encaixada movida para a periferia esquerda

(3d). Embora as gramáticas normativas insistam que em início de oração deve-se usar a

ênclise, esse contexto era de próclise no PC e também apresenta com bastante regularidade de

próclise no PB atual.

(3) a. Estes pobres bilhetes que te mando, peço-te que não mostres a nimguem,

guarda-os contigo, esconde-os sempre e quando não os quizeres mais, queima-as

meu bem, (Jayme - 13/09/1936)

b. Bom, primeiro eu vou me apresentar: Me chamo Maurício do Santos e tenho 25

anos de idade. (Maurício - XX/02/2012)

c. Minha querida noivinha amar-te e o meu dever. (Jayme - 16/02/1937)

d. Se for possível, me manda uma foto. (Celso - 12/05/2012)

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101

Vejamos agora na tabela 2, como é o comportamento linguístico dos missivistas com

relação aos contextos sintáticos explicitados.

Tabela3DistribuiçãodospronomesemlexiasverbaissimplesporperíodoemcontextoV1.Contexto V1 Período I Período II Período III Período IV Total

#V clV Vcl

3 (5%) 54 (95%)

1 (50%) 1 (50%)

51 (78%) 14 (22%)

21 (84%) 4 (16%)

76 (51%) 73 (49%)

X, V clV Vcl

9 (13%) 62 (87%)

- -

45 (78%) 13 (22%)

9 (90%) 1 (10%)

63 (45%) 76 (55%)

Conforme indicam os resultados, há um aumento da próclise ao longo do tempo. No

contexto de verbo em início absoluto, a ênclise foi a opção preferida entre os missivistas do

período I, apresentando 95% de ênclise contra apenas 5% de próclise. Mostra-se interessante

que a frequência da próclise vá aumentando de período para período. Em um intervalo de

menos de 100 anos, os resultados mostram que a próclise começou a ocupar uma posição de

destaque passando de 5% no período I para 50% no período II, 78% no período III e

alcançando 84% no período IV em posição #V, despontando como posição preferencial dos

missivistas, enquanto que a ênclise Passou de 95% a 16% das ocorrências.

Na história do português, os pronomes clíticos começam a despontar na primeira

posição no período em que que surge a gramática do PB, datado por volta do século XVIII

segundo Galves (2007). Essa posição não diz respeito nem a gramática do PC nem a

gramática do PE. O que significa que essa posição é característica exclusivamente do PB.

Entretanto, a inovadora gramática do português brasileiro atestada principalmente nos

períodos III e IV através da posição dos pronomes vêm acompanhadas de alguns casos

conservadores de ênclise, reflexo de competição de gramáticas na escrita dos indivíduos,

nascidos no século XX. O mesmo pode-se dizer dos períodos I e II onde a posição

conservadora para esse contexto já divide espaço com a posição inovadora, mesmo que em

menor percentual do que nas demais sincronias. Observa-se nesse contexto a presença de pelo

menos duas gramáticas agindo: uma gramática que permite que o clítico venha antecedendo o

verbo na posição 1, a gramática do PB e uma gramática enclítica para essa posição que pode

ser a gramática do PE moderno ou a resquícios da gramática do PC que também não permitia

próclise nesse contexto.

Com o verbo em início de oração temos algo similar na distribuição de próclise e

ênclise nos quatro períodos. Os missivistas do período I ainda preferem a ênclise com um

total de 87% dos casos. Já os missivistas dos períodos III e IV preferem a próclise (78% e

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102

100% respectivamente em detrimento da ênclise (22% e 0%). A diferença entre esse contexto

e o anterior é que o PC admitia o uso da próclise em contexto de início de oração. O PE, por

outro lado, ao generalizar o uso da ênclise, expande-a também para esse contexto. Desse

modo, as ênclises presentes nesse contexto nos fazem levantar a hipótese de que os

missivistas em questão estão sensíveis aos padrões lusitanos que lhes são ensinados na escola,

por isso a competição de gramáticas.

Abaixo um gráfico representativo do percurso da implementação do uso da próclise ao

longo do século XX e XXI nas cartas pessoais nos contextos de #V e X,V.

Gráfico3UsodeprócliseemcontextoV1porperíodo

5.2.2AposiçãodosclíticosemcontextoXV

O próximo grupo de contextos apresentado será o dos elementos não considerados

atratores no PE. Temos assim quatro contextos: conjunção coordenativa, com exceção da

conjunção ou; oração intercalada sobretudo as orações subordinadas adjetivas; sujeito de

oração podendo ser um SN ou um sujeito pronominal; sintagma preposicional; advérbios não

focalizadores ou focalizados.

Segundo as gramáticas tradicionais, esses elementos são contextos de variação entre

próclise e ênclise. Ou seja, não há, segundo a visão destas gramáticas, nenhum

condicionamento que interfira na colocação pronominal do falante do português, atribuindo a

posição do pronome quase que exclusivamente a um critério estilístico de cada falante.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PeríodoI PeríodoII PeríodoIII PeríodoIV

Prócliseem#V prócliseemX,V

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103

Como já vimos em capítulos anteriores desse trabalho e facilmente atestado em outros

trabalhos de cunho formalista, a posição do clítico não está relacionada exclusivamente a um

critério estilístico, tampouco tais contextos apresentam variação seja no português brasileiro,

seja no português europeu. Acontece que no PB, dando continuidade às características de

colocação do PC, a marcação paramétrica é de próclise, enquanto que no PE houve uma

mudança na marcação paramétrica, o que resultou na passagem do uso da próclise para a

ênclise nesses contextos. A variação existente na Língua-E, percebida nas cartas é fruto,

reitero, de uma competição de gramáticas.

Vejamos na tabela abaixo como essa competição de gramáticas resulta em variação em

contextos em que não há variação no PB e o aumento da próclise ao longo dos períodos em

todos os contextos.

Tabela4DistribuiçãodospronomesemlexiasverbaissimplesporperíodoemcontextoXV.

Período Conjunção

coordenativa Oração intercalada

Sujeito SN ou pronominal

SP e advérbios

Período I clV Vcl

18 (40%) 27 (60%)

2 (50%) 2 (50%)

65 (58%) 47 (42%)

15 (50%) 15 (50%)

Período II clV Vcl

1 (100%) -

- -

3 (100%) -

- -

Período III clV Vcl

39 (91%) 4 (9%)

9 (100%) -

193 (99%) 2 (1%)

46 (94%) 3 (6%)

Período IV clV Vcl

5 (83%) 1 (17%)

- 1 (100%)

17 (94%) 1 (6%)

8 (100%) -

Total clV Vcl

63 (66%) 32 (34%)

11 (79%) 3 (21%)

278 (85%) 50 (15%)

69 (79%) 18 (21%)

Mais uma vez encontramos uma diferença significativa entre o período I e os períodos

II, III e IV. Enquanto que nesses períodos temos a preferência significativa pela próclise em

quase todos os contextos, no período I, vemos uma variação mais equilibrada da frequência

entre próclise e ênclise.

As conjunções coordenativas introduzem orações independentes sintaticamente e não

são consideradas elementos atratores. No período I, encontramos 40% de próclise e 60% de

ênclise o que indica que a preferência para esse contexto ainda é enclítica, nos missivistas do

início do século XX. Já para os falantes dos períodos II, III e IV, é indiscutível a preferência

pela próclise, pois apresentam respectivamente 100%, 91% e 83% dos casos em próclise

contra 0%, 9% e 17% dos dados que aparecem enclíticos. Seguem alguns exemplos de clíticos

antecedidos de conjunção coordenativa representando os quatro períodos em análise.

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104

(4) a. Este teu amado não se cança de te amar, e te amará eternamente, (Jayme -

15/10/1936)

b. eu tenho muita fé em Deus e na santa Teresinha e pesso-te para teres tam bem.

(Maria - 12/02/1937)

(5) Eu, sua mãe, D. Wilma e o Fernando, fizemos a procissão do Ofertório, levando

para o altar o cálice, o vinho e as óstias. Foi muito bonito, mas nos pegou de

surpresa, pois não sabiamos de nada. (Lício - 11/12/1979)

(6) a. E mando um beijão bem grande para voce é claro, pois te quero muito. (A.

Carlos - 24/02/1977)

b. Vou comprar uma fita amanhã e grava-la para vocês. (Marcela - 02/12/1978)

(7) a. Pois e bruno e um nome comum mais me acostumei a ser chamado por ele.

(Celso - 28/02/2012)

b. Espero que goste e sinta-se à vontade para perguntar. (Aline - 29/07/2012)

Para as orações intercaladas que não desempenham função de atratores de próclise e

assemelham-se ao contexto de X,V, temos variação no período I e uso categórico da próclise

no período III. No período IV temos apenas uma ocorrência de oração intercalada como

contexto anterior ao processo de cliticização. Esta ocorrência encontra-se na posição enclítica.

E quanto ao período II não há ocorrências de clíticos nesse contexto. Vejamos os exemplos:

(8) a. eu javi as chapas parece que estam boas aquela que tu bateste em belei estragou-

se e a da minha irman que bateste no otel também (Maria - 26/09/1936)

b. Espero que, ao receberes esta, te encontres de perfeito estado de saúde, bem

disposta. (Jayme - 15/02/1937)

(9) Hoje aquele vestido verde que foi da Daniela me entrou. (Marcela - 02/05/1979)

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105

(10) Sem falar que muitos pais brasileiros, conhecidos nossos, avisaram-nos que

quando colocaram seus filhos em escolas japonesas, muitas vezes ficavam

sabendo depois que seu filho(a) apanhava. (Camila - 15/05/2012)

Os casos de pronome clítico antecedido por sujeito pronominal ou SN sujeito

caracterizam variação no período I, com ligeira preferência pela próclise, 58% contra 42% de

ênclise e, mais uma vez, podemos constatar o aumento significativo da próclise nos períodos

II, III e IV. Para visualizar melhor a implementação do uso da próclise ao longo do século XX

e XXI em cartas pessoais no contexto de XV, apresenta-se o gráfico a seguir.

Gráfico4UsodeprócliseemcontextoXVporperíodo.

5.2.3Aposiçãodosclíticosemestruturaspreposiçãomaisformas

nominais

A estrutura preposição + infinitivo sempre foi um contexto de variação na história do

português. Contudo, assim como nos demais contextos que não são de próclise obrigatória, o

português europeu moderno passou a apresentar ênclise com mais frequência enquanto que o

português brasileiro passou a apresentar próclise majoritariamente. A tabela 5 mostra o

comportamento linguístico dos missivistas diante desse contexto.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PeríodoI PeríodoII PeríodoIII PeríodoIV

ConjunçãoCoord. Oraç.Intercalada SujeitoSNePronom. SPeadvérbios

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106

Tabela5Distribuiçãodospronomesemlexiasverbaissimplesporperíodoemcontextoinfinitivomaisinfinitivo.Contexto Período I Período II Período III Período IV Total

Prep. +

infinitivo

clV

Vcl

36 (49%)

37 (51%)

1 (50%)

1 (50%)

34 (62%)

21 (38%)

12 (86%)

2 (14%)

83 (58%)

61 (42%)

Embora a posição do pronome em contexto de preposição mais infinitivo ainda

apresente variação no PB do século XX e XXI, não podemos deixar de notar um ligeiro

aumento da próclise que passa de 49% no Período I e chega a 86% no período IV. Esse

aumento de próclise em um contexto de variação confirma o caráter proclítico do PB. Nos

exemplos de (11) a (14) vemos exemplos de próclise e ênclise nesse contexto.

(11) a. Este teu amado não se cança de te amar, e te amará eternamente, (Jayme -

15/10/1936)

b. Hoje não sahi de casa, toda a minha ambição era escrever-te, e contar-te a minha

saudade, mas não julgues que o que eu escrevi foi para encher a carta, e sim toda a

verdade para aliviar-me um pouco. (Jayme - 20/04/1937 C)

(12) a. Mas eu estava tão nervoso por ter sido ela quem atendeu e eu tinha que

responder, que não deu condição de me acalmar e tentar conversar com ela um

pouquinho só que fosse, e então eu desliguei. (Lício - 11/12/1979)

b. Dê um abraço nestes dois aí, diga para eles que gostamos muito deles, mesmo

sem conhece-los de perto. (Lício - 11/12/1979)

(13) a. Cheguei a pensa até que ela foi mandada por não sei quem para me vigiar. (A.

Carlos - 02/08/1978)

b. Quando chegamos em Chicago eu já não aguentava mais de aflição. Tive

vontade de encontra-los de uma vez e ir em frente. (Marcela - 31/07/1978)

(14) a. Aqui a cidade e pequena com um pouco mais de 100 mil habitantes, e bom de se

viver aqui. (Celso - 12/01/2012)

b. Pratico atletismo (corrida de rua) e amo este esporte que cada vez mais me

proporciona prazer em praticá-lo. (Matheus - 21/11/2010)

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107

Para complementar as informações observadas sobre a posição do pronome em

estruturas de infinitivo precedido de preposição, vejamos o gráfico 5 a seguir com percentual

de próclise ao longo do século XX.

Gráfico5Usodeprócliseemcontextopreposiçãomaisinfinitivoporperíodo.

5.2.4Aposiçãodosclíticoscomoperadordepróclise

Nesta seção, passaremos para análise dos elementos atratores de próclise. Diante de

elemento atrator, o padrão de colocação pronominal é a próclise. São consideradas estruturas

que atraem o clítico para a posição anterior ao verbo os elementos de subordinação, as

conjunções subordinativas juntamente com a conjunção coordenativa ou, os pronomes

relativos e interrogativos, os operadores de negação, os quantificadores e os operadores de

foco, que incluem advérbios focalizadores juntamente com os advérbios focalizados (Martins,

2003), como nos exemplos em (15).

(15) a. Ele falou que te adora. (Marcela - 14/08/1978)

b. Ontem escutei uma musica maravilhosa que me lembra muito voce devido à

letra. (A. Carlos - 17/10/1978)

c. Quando nos encontraremos para um tomarmos um café?

d. Fui procurar aulas de nihongo esses dias atrás, mas nenhum me convenceu que o

ensino é bom. (Camila - 15/05/2012)

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

PeríodoI PeríodoII PeríodoIII PeríodoIV

Prep.+infinitivo

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108

e. A família toda se reuniu e depois do almoço fomos jogar voley. (Marcela -

30/11/1978)

f. Sempre me chamaram por Fábio ou Johnny, nunca por apelidos (Johnny -

30/11/2010)

Veremos a seguir o que acontece nos textos escritos pelos brasileiros na presença de

um operador de próclise. A tabela 5 apresentará os contextos e a posição dos pronomes.

Tabela6Distribuiçãodospronomesemlexiasverbaissimplesporperíodoemcontextodeoperadordepróclise.

Período Conj.

subordinativa Pron. Relativo/ Interrogativo

Negação Quantificador Operador de

foco

I clV Vcl

41 (85%) 7 (15%)

71 (76%) 22 (24%)

75 (96%) 3 (4%)

23 (79%) 6 (21%)

22 (79%) 6 (21%)

II clV Vcl

2 (100%) -

5 (100%) -

- -

- -

1 (100%) -

III clV Vcl

40 (87%) 6 (13%)

90 (100%) -

63 (94%) 4 (6%)

13 (100%) -

45 (100%) -

IV clV Vcl

11 (100%) -

9 (100%) -

14 (100%) -

2 (100%) -

6 (100%) -

Total clV Vcl

94 (88%) 13 (12%)

175 (89%) 22 (11%)

152 (96%) 7 (4%)

38 (86%) 6 (14%)

74 (92%) 6 (8%)

Como já mencionado, os contextos apresentados na tabela 5 são contextos de próclise

obrigatória seja no PE seja no PB. No período I vemos variação entre próclise e ênclise, com

exceção do operador de negação que apresenta 96% de ocorrências de próclise. Vemos a

próclise categórica no missivista do período II e nos missivistas do período IV. Quanto ao

período III, tem-se a posição proclítica categórica nos contextos pronomes relativos /

interrogativos, quantificadores e foco e apresenta variação nos contextos de conjunção

subordinativa e operadores de negação.

O gráfico 6 a seguir representa a o percentual de próclise com todas as estruturas

consideradas atratoras de próclise no PE por período.

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109

Gráfico6Usodeprócliseemcontextodeatratordepróclise.

Se na presença de um atrator ocorre a obrigatoriedade da próclise e sendo o PB uma

língua por excelência proclítica em todas as circunstâncias, como explicar os casos de ênclise

encontrados no período I (15% na presença de conjunção, 24% na presença de pronomes

relativos e interrogativos, 4% com negação, 21% na presença de quantificadores e 21% com

foco) e no período III (13% com conjunções e 6% na presença de negação)? Esses casos

apresentam casos de hipercorreção, processo que leva a corrigir também quando não se deve

ou não precisa corrigir.

Recorremos novamente à questão da competição de gramáticas para explicar o

fenômeno de hipercorreção que se apresenta na tabela 5. A gramática enclítica lusitana se

mostra um padrão de prestígio face à próclise característica do PB. Esse prestígio é tão forte

que podemos verificar ênclise em um contexto que não é de ênclise nem no PE. Nos exemplos

a seguir, alguns casos de hipercorreção encontrados nas cartas.

(16) a. Espero que guarde-os e se não quizer mande-os na proxima carta. (A. Carlos -

02/08/1978)

b. Irei visitar-te no dia 4, pois não suporto mais tempo sem ver-te, (Jayme -

26/09/1936)

c. Voce é quem mostrou-me o verdadeiro amor! (Jayme - 29/01/1937)

d. Eu recebi mais uma carta a do dia 6 no dia 7, eu ja mandei-te com esta 3. (Maria

- 07/10/1936)

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PeríodoI PeríodoII PeríodoIII PeríodoIV

Conj.Subordinativa Pron.RelativoqInterrogativo Negação

Quantificador Operadordefoco

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110

Uma vez finalizada a análise da colocação pronominal em lexias verbais simples,

constatamos que próclise e ênclise no PB nos textos escritos analisados, estão em variação.

Trago Labov (2003 [apud Brandão, 2016]) para fomentar nossa análise. Para o linguista,

haveria três tipos de regras linguísticas: as categóricas, com 100% das ocorrências; as

semicategóricas, que se apresentam com 95% a 99% de frequência e as variáveis, que têm

entre 5% a 95% de frequência. Ou seja, baseando-me na classificação de Labov, afirmo que

no século XX e XXI a regra é variável e não categórica pois a maioria dos contextos, exceto

na negação (96% de próclise), não temos 95% de ocorrência de próclise. Dessa forma,

precisamos verificar o que faz aparecer a próclise nesses textos.

A hipótese levantada é que se trata de um fenômeno que é marcado por questões de

pressão normativa. Porém, como estamos diante de cartas pessoais podemos ver emergir a

gramática do PB, pois a gramática vernacular é 100% próclise em todos os contextos, embora

não seja o que verificamos nas cartas. Faremos agora uma análise de regra variável para ver o

fator que pesa mais para aparecer a próclise nesses textos escritos diante desses contextos.

5.2.5Análisederegravariável

Como mostrado até aqui, no desenvolvimento deste trabalho, através da análise das

formas simples, mostramos que há variação em todos os contextos sintáticos do início do

século XX até o início do século XXI. Um corpus escrito formado por cartas pessoais vai

mostrar uma variação interlinguística (Tarallo & Kato, 1989), evidência de uma competição

de gramáticas. Em outras palavras, apresenta variação entre a gramática do indivíduo e a

gramática que ele acredita ser a certa. Desse modo, quando nos propomos a fazer uma análise

de peso relativo, podemos verificar quais fatores estão contribuindo mais empenhadamente ao

aparecimento da próclise, que assumo ser a gramática do indivíduo.

Voltando ao programa estatístico e seguindo todos os procedimentos adequados para a

rodada de peso relativo, obtivemos um input de próclise de 0.762 e os grupos selecionados, na

ordem do mais relevante para o menos relevante, foram:

I. Período de Nascimento;

II. Tipo da estrutura antecedente;

III. Tipo de clítico;

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111

IV. Modo verbal.

Foram descartados os fatores, Acervo, Contexto anterior simplificado, Tipo sintático

da oração e Posição na carta. Apresento neste momento as tabelas com os grupos de fatores

que se mostraram mais relevantes para o aparecimento da próclise na ordem em que foram

selecionados. Organizo a tabela da seguinte forma: na primeira coluna, será exposto o fator

em análise, na segunda coluna, o número de ocorrências com próclise, na terceira coluna, o

número total de ocorrências nesse contexto em formas simples, a porcentagem de próclise e

por fim o peso relativo. Os fatores serão ordenados de acordo com sua relevância para a

próclise, de maior peso relativo para o de menor peso relativo.

Tabela71ºfatorselecionadoparaapróclise:Períododenascimentoemformassimples.Período de Nascimento N Total % P.R.

Período IV (1976-2000) 114 124 92% 0.832

Período II (1926-1950) 14 16 88% 0.813

Período III (1951-1975) 668 735 91% 0.800

Período I (1901-1925) 380 668 57% 0.135

A tabela 6 nos traz os resultados de peso relativo considerando o período de

nascimento dos missivistas. Os remetentes foram agrupados ao longo do século XX em

períodos de 25 anos cada. É interessante notar que a probabilidade de próclise nesse contexto

vai aumentando de acordo com o avançar do tempo. O período II (PR. 0.813) e o período III

(PR. 0.800) e período IV (PR. 0.832) podem ser considerados fatores de relevância similares

pois seus pesos relativos são próximos. Opondo-se assim, ao período I (PR. 0.135) que não se

apresenta como um fator propício à posição proclítica.

Seguimos agora para o segundo fator selecionado pelo programa como o mais

relevante para uso da próclise: tipo de estrutura antecedente. Vejamos a tabela 7.

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Tabela82ºfatorselecionadoparaapróclise:Estruturaantecedenteemformassimples.Estrutura antecedente N Total % P.R.

Operador de negação 152 159 96% 0.930

Operador de foco 74 80 93% 0.744

Pronome relativo 175 197 89% 0.672

Conj. Subordinativa 94 107 88% 0.671

Quantificador 38 44 86% 0.647

Preposição 83 144 58% 0.586

Suj. pronominal e SN 278 328 85% 0.494

Outros advérbios 69 87 79% 0.414

Conj. Coordenativa 64 96 67% 0.290

Oração intercalada 11 14 79% 0.144

Início de oração 63 139 45% 0.137

Início absoluto 76 149 51% 0.070

A tabela de estruturas antecedentes nos apresenta resultados interessantes, embora não

surpreendentes. Os cinco primeiros fatores que se apresentam como os mais favorecedores à

próclise pertencem ao mesmo grupo de elementos atratores considerados neste trabalho

(Brito, Duarte e Matos, 2003). A tabela é encabeçada pelos operadores de negação que são o

único contexto em que não se apresentou variação nas cartas dos missivistas brasileiros do

século XX. Seus 96% de próclise os caracterizam como um contexto de regra semi-categórica

(cf. Labov, 2003).

Seguindo os elementos atratores, aparece a preposição como estrutura favorecedora de

próclise. A preposição faz parte do único contexto de variação no português brasileiro:

preposição mais infinitivo. Dos 144 dados de próclise como contexto que antecede o clítico

em lexias verbais simples, ele vem acompanhado da forma nominal infinitivo em 143 dados.

Depois dos operadores de próclise, a preposição é o contexto antecedente que mais favorece à

próclise.

O segundo grupo mais favorecedor à próclise são os elementos não considerados

operadores de próclise no PE. Segundo a tradição, são contextos de variação, embora,

saibamos que da perspectiva gerativa, esse contexto é proclítico no PB, de forma que, mais

uma vez temos a gramática lusitana “barrando” o uso categórico da próclise nos missivistas

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113

brasileiros. Percebam que nesse grupo, o contexto com maior peso relativo é o de sujeito

pronominal e SN (PR. 0.494). Embora não seja um atrator, segundo a literatura, apresenta

altos índices de próclise na história do português (Martins, 2010) e o elemento precedente

com menor peso relativo (PR. 0.144) é as orações intercaladas pois assemelham-se aos

contextos de V1.

Por fim, os contextos de V1 início de oração e início absoluto enceram a lista

mostrando-se contextos pouco relevantes para a próclise. Um resultado esperado pelo caráter

totalmente enclítico no PE.

Passemos para o terceiro fator selecionado: o tipo de clítico. A tabela abaixo

representa a relevância das formas pronominal para o surgimento da próclise.

Tabela93ºfatorselecionadoparaapróclise:Tipodeclíticoemformassimples.Tipo de clítico N Total % P.R.

Nos 54 61 89 0.845 Se reflexivo 126 139 91 0.589

Me 639 781 82 0.546 Te 229 355 65 0.531

Se apassivador/indeterminador 73 80 91 0.524 Lhe(s) 9 14 64 0.355

O(s), a(s) 47 114 41 0.047

Vemos com o auxílio da tabela 8 que o pronome mais favorecedor da próclise é o nos,

seguido do se reflexivo, me, te e se apassivador/indeterminador. Com relação aos baixos

valores de peso reativo dos pronomes lhe(s) e o(s), a(s) levanto a hipótese de que tais

pronomes não fazem parte do quadro pronominal do PB falado e quando presentes em textos,

apresentam-se como ênclise, pois carregam intrinsicamente um caráter mais formal.

Tabela104ºfatorselecionadoparaapróclise:Formaverbalemformassimples.Forma verbal N Total % P.R. Subjuntivo 44 48 92% 0.895 Indicativo 862 1045 82% 0.562 Imperativo 104 156 67% 0.496 Gerúndio 21 43 49% 0.258 Infinitivo 146 252 58% 0.223

O quarto e último grupo de fatores selecionados foi a forma do verbo ao qual o clítico

se liga. O modo verbal subjuntivo se mostra o mais adequado ao aparecimento da próclise

com peso relativo 0.895, o que não nos desperta nenhuma estranheza, uma vez que o modo

subjuntivo se apresenta em orações encaixadas antecedido por elemento atrator. No caso do

indicativo, o segundo modo da tabela de fatores relevantes, temos PR. 0,562. Essa forma

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114

verbal pode ser encontrada no corpus em qualquer tipo sintático de oração podendo ser

antecedido de atrator ou não, de forma que a confluência desses três fatores pode favorecer o

uso da próclise com verbos indicativos.

Em contrapartida ao que vimos na tabela 7, onde apontamos a estrutura preposição

[mais infinitivo] como favorecedora para o uso da próclise, perdendo apenas para os atratores

canônicos, a forma nominal infinitiva não foi considerada um fator propício para a próclise.

Vale lembrar que a presença do infinitivo no corpus não vem sempre acompanhada de

preposição – diferentemente do que vimos quanto às preposições, que pressupunha quase que

categoricamente a presença de infinitivo. Ocorre com frequência orações reduzidas de

infinitivo sem preposição

Em suma. vimos ao longo da análise das formas verbais simples que a próclise se

consolida como a posição preferencial dos missivistas nascidos no século XX. A próclise está

presente em todos os contextos linguísticos controlados, atratores, não-atratores, início de

período, início de oração e preposição mais infinitivo. Não obstante, se apresenta em variação

com a ênclise independente da estrutura que antecede o processo de cliticização, exceção dos

operadores de negação. Essa variação é originada pelo embate de duas gramáticas em

competição: a gramática do português vernacular e a gramática lusitana aprendida na escola, e

pode ser atestada mais notoriamente pelas ocorrências de ênclise, casos de hipercorreção, em

contextos que são de ênclise até mesmo no PE.

Como discutido até então, considerando o contexto imediatamente anterior para as

formas simples, os resultados gerais apontam para taxas maiores de próclise quando precedido

de um operador de negação. Ainda em presença de operador de próclise, foi observado um

pequeno índice de ênclise, que revela que as normas gramaticais de colocação pronominal do

PE – a preferência pela posposição do pronome átono – estão sendo generalizadas pelo

indivíduo na escrita, mesmo que esse contexto não seja enclítico no PE.

Outro contexto que apresenta tensão entre duas gramáticas é o contexto V1. Nesse

cenário de verbo em primeira posição, a marcação paramétrica no PB falado é próclise.

Contudo apresenta variação na escrita por conta da pressão normativa exercida pela gramática

lusitana. É importante destacar a presença da próclise encontrada em V1, início absoluto,

porque é o contexto que caracteriza a gramática do PB e que não é atestado em outros estágios

gramaticais da nossa língua.

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115

A partir dos resultados, vemos que o comportamento linguístico dos missivistas do

início do século XX, nascidos dentro do período I, se opõem em muitos contextos ao

comportamento dos missivistas do período II, III e IV. Há um aumento significativo no uso da

próclise entre esses períodos. O que evidencia que a tensão exercida pela norma lusitana vem

perdendo força ao longo do tempo, mesmo na escrita.

5.3Lexiasverbaiscomplexas

Depois de concluída a análise das formas verbais simples, passemos agora para a

análise da colocação pronominal das 479 ocorrências de clíticos em contexto de formas

complexas. Essa seção dedica-se à análise dessas ocorrências e de todos os contextos que as

envolvem assim como os apresentados para as formas simples.

Iniciaremos nossa análise pela apresentação dos resultados gerais de próclise e ênclise

para as formas complexas. Quanto a posição do clítico em lexias verbais complexas pode

haver próclise ao verbo auxiliar (clV1 V2) ou ao verbo principal (V1 clV2) e, assim como a

próclise, dá-se ênclise tanto ao auxiliar (V1cl V2) quanto ao verbo principal (V1 V2cl), como

podemos ver nos exemplos a seguir.

(17) a. Fiquei chateado com a sua preguiça pois não te permitiu dizer o mais importante

da carta que recebi. (A. Carlos - 15/08/1978)

b. Deixe-me apresentar: (Ananda - 20/09/2010)

c. Bom, 2 dias depois que eu tive o método, a australiana viajou e o diretor me

pediu para dar aula, que um americano ia me ensinar como se dava aulas de

determinados capítulos. (Marcela - 30/09/1979)

d. Devemos dar-lhes vida, para que possam bater um pelo outro eternamente

(Jayme - 30/09/1936)

Os resultados gerais, como podemos ver no gráfico 7, mostram que as quatro posições

possíveis para as lexias verbais complexas estão representadas no corpus analisado. A taxa de

próclise a V1 é de 20%, a ênclise ao V1 é de 12%. A próclise ao V2 representa 50% dos

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dados encontrados no corpus e a ênclise ao V2 os 18% restantes. A grande frequência de

próclise ao V2 atestada nesse primeiro resultado revela uma característica particular do PB.

Cabe a nós analisar mais detidamente os dados para vermos a que formas verbais os pronomes

estão proclíticos ou enclíticos bem como em que contextos sintáticos se inserem as

ocorrências. Confira na tabela abaixo a distribuição dos pronomes nas formas complexas.

Gráfico7DistribuiçãoGeraldosdadosemformascomplexas.

Analisar as formas complexas sem considerar o tipo de estruturação e das relações

semântico-sintáticas ocorridas entre as lexias verbais é deixar escapar detalhes

consideravelmente sensíveis ao processo de cliticização. Para os fins dessa análise foi feita a

separação das estruturas que servem de auxiliares baseando-se nas descrições sobre o

comportamento dos tipos de estruturas verbais tecidas por Martins (2003) e apresentadas no

Capítulo 4.

Interessam-nos especialmente:

i. os verbos auxiliares que seguem os critérios de auxiliaridade tais como os auxiliares

de tempos compostos ter/haver mais particípio passado os verbos auxiliares aspectuais andar,

estar, ficar, ir e vir mais gerúndio e o verbo auxiliar de passiva ser mais particípio.

ii. os verbos de controle e de alçamento que possam configurar construções de

reestruturação. Nem todos os verbos de controle formam predicados complexos. A presença

de um verbo de reestruturação no domínio da oração matriz possibilita o alçamento do clítico

20%

12%

50%

18%

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

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117

argumento interno do verbo encaixado para esse domínio formando um único domínio

funcional (Ferreira, 2011). Quando se trata de aplicar o teste do alçamento do clítico no PB,

alguns verbos não permitem a subida do clítico sem alteração do significado da oração,

vejamos as diferenças entre os dois casos no exemplo em (18).

(18) a. Além do dinheiro pode se comer à vontade, mas acabei não comendo nada.

(Marcela - 01/10/1978)

b. Além do dinheiro se pode comer à vontade, mas acabei não comendo nada.

c. Eu vi seu anúncio numa comunidade de cartas no facebook e então eu decidi te

escrever em esperança de ser seu mais novo correspondente. (Maurício -

XX/02/2012)

d. *Eu vi seu anúncio numa comunidade de cartas no facebook e então eu te

decidi escrever em esperança de ser seu mais novo correspondente.

A agramaticalidade de (18d) mostra a impossibilidade da subida do clítico para o

domínio da oração matriz. Dessa forma, as sentenças (18a) e (18b) comportam-se diferente

quanto a reestruturação da sentença. Interessa-nos especialmente os verbos de controle que

permitem a subida do clítico. Os casos que não permitem alçamento do clítico tratamos como

formas simples.

iii. verbos acusativos e perceptivos. Para esse grupo de verbos, interessam-nos apenas

os que atribuem caso via marcação M.E.C. ao pronome clítico. Comparemos os exemplos em

(19).

(19) a. Marcela, fato que aqueles dois dias em que saimos fez-me ver que sempre gostei

de voce. (A. Carlos - 02/08/1978)

b. Mande-me dizer se recebeu esta carta pois não devolveram. (A. Carlos -

15/08/1978)

Em (19a) o argumento externo do verbo encaixado sai do seu domínio e une-se ao verbo

da oração matriz na forma de um pronome clítico e recebe deste caso acusativo. Já em (19b)

embora haja alçamento do pronome clítico, não ocorre a marcação excepcional de caso

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118

(M.E.C) Já que o pronome alçado é argumento interno do verbo encaixado. A sentença pode

ser reescrita sem o alçamento do pronome, como mostra o exemplo (20).

(20) a. Mande me dizer se recebeu esta carta pois não devolveram. (A. Carlos -

15/08/1978)

b. Mande dizer-me se recebeu esta carta pois não devolveram. (A. Carlos -

15/08/1978)

Portanto, concluímos que são estruturas de natureza diferentes embora ambas se

apresentem com o mesmo verbo causativo. Interessa-nos principalmente as estruturas que

recebem marcação excepcional de caso. Os casos em que não há marcação excepcional de

caso serão tratados como construção de reestruturação.

iv. estruturas V1 preposição + V2. Tais estruturas geralmente são formadas por

verbos semiauxiliares (Ferreira, 2011).

Segue a primeira tabela da distribuição dos pronomes clíticos de acordo com cada tipo

de estrutura verbal.

Tabela11Distribuiçãogeraldospronomesemformascomplexas.Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares 69 (27%) 1 (1%) 156 (61%) 29 (11%)

Construções de Reestruturação 14 (8%) 44 (26%) 66 (39%) 47 (27%)

Marcação excepcional de caso 11 (44%) 10 (40%) 3 (12%) 1 (4%)

V1 Prep. V2 1 (4%) 1 (4%) 17 (60%) 9 (32%)

Total 95 (20%) 56 (12%) 242 (50%) 86 (18%)

Todos os quatro tipos de construções apresentam variação no posicionamento dos

pronomes e uma generalização da próclise ao V2. Enquanto que as estruturas de Marcação

Excepcional de Caso apresentam uma tendência à próclise ao V1 com 44% das ocorrências

desse tipo estruturas, as estruturas com verbo auxiliar, Construção de Reestruturação e V1

prep. +V2 apresentam preferência pela próclise ao V2, o que é um padrão associado ao PB, e

apresentam frequência de 61%, 39% e 60% respectivamente nesta posição. Mais refinamento

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119

dos resultados é requerido, no entanto, os resultados gerais já nos mostram que há diferença

na colocação pronominal entre as estruturas verbais complexas.

5.3.1AposiçãodosclíticosemcontextodeV1:formasverbais

complexas

Nesta seção, nos dedicaremos à análise dos resultados para o contexto de V1 em início

absoluto e início de oração separadamente, assim como procedemos para as formas simples.

Em contexto de início absoluto, como mostra a tabela 11, de modo geral, o pronome pospõe-

se preferencialmente ao V2. Não há ocorrências de próclise ao V1. A ausência de próclise

nesta posição, demonstra que essa não é uma opção válida para esse contexto no português

brasileiro do século XX, mesmo sabendo que nessa variedade, a próclise em início absoluto

não está totalmente restrita. Também não há ocorrência de estruturas V1 prep. + V2 nesse

contexto inicial.

Nas construções de reestruturação temos 15% de próclise e 18% de ênclise ao V2. Nas

sentenças em que há M.E.C. temos 1 caso de próclise ao V2, representando 33% dos casos.

No entanto, tanto nos casos de reestruturação como nos de marcação excepcional de caso há

preferencialmente a subida do clítico, posicionado encliticamente a este e apresentam

igualmente 67% de casos de ênclise ao V1.

Aos verbos auxiliares, a posição preferida pelos escritores brasileiros é a próclise ao

V2 com 69% dos casos e apresenta ainda 8% de ênclise ao V1 e 23% de ênclise ao V2.

Tabela12Distribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemcontextodeinícioabsoluto.Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares - 1 (8%) 9 (69%) 3 (23%)

Construções de Reestruturação - 22 (67%) 5 (15%) 6 (18%)

Marcação excepcional de caso - 2 (67%) 1 (33%) -

V1 Prep. V2 - - - -

Total - 25 (51%) 15 (31%) 9 (18%)

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120

Mostrarei abaixo exemplos em contexto #V1 com verbos auxiliares, construções de

reestruturação e marcação de excepcional de caso na ordem dos contextos como apresentados

na tabela 11.

(21) a. Está me fazendo tanta falta slades carnaval. (Marcela - 30/12/1978)

b. manda-me dizer se tua mãe falou au guma cousa com voçe do paseio (Maria -

21/09/1936)

c. Deixe-me apresentar. (Ananda - 20/09/2010)

Quanto a cliticização em contexto X,V tem-se preferência pela próclise ao V2

apresentando 50% dos casos encontrados nas cartas dos missivistas brasileiros. Essa posição é

a posição preferencial nas formas complexas com verbo auxiliar, marcação excepcional de

caso e V1 prep. + V2, mas não para as construções de reestruturação onde temos a preferência

pela ênclise ao V1.

As formas complexas formadas por verbos auxiliares apresentem 75% de próclise ao

V2 e 25% de ênclise ao V2. Já as construções de reestruturação se mostram propícias à subida

do clítico, colocando-se enclítico ao V1 (38%). Essas construções também apresentam 31%

de próclise e de ênclise ao V2. Em construções com M.E.C. temos 20% de próclise ao V1e as

demais ocorrências distribuem-se igualmente entre ênclise ao V1 e próclise ao V2, 40% de

frequência em cada caso. E por fim, as sentenças de V1 prep. V2 apresentam 25% de ênclise

ao V1 e 75% de próclise ao V2.

Tabela13Distribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemcontextodeiníciodeoração.Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares - - 6 (75%) 2 (25%)

Construções de Reestruturação - 5 (38%) 4 (31%) 4 (31%)

Marcação excepcional de caso 1 (20%) 2 (40%) 2 (40%) -

V1 Prep. V2 - 1 (25%) 3 (75%) -

Total 1 (3%) 8 (27%) 15 (50%) 6 (20%)

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121

Depois de expostos os resultados nesse primeiro contexto, seguem os exemplos (22)

que representam casos da posição do clítico em relação em cada uma das estruturas em

formas complexas.

(22) a. Falando nisso, vou te indicar algumas músicas. (Wesley - 09/09/2010)

b. Mas conformo-me minha flor, porque sei que para se amar de verdade precisa-

se sofrer, portanto e grande o nosso sofrimento, (Jayme - 20/04/1937 B)

c. Mas tudo que facam minha querida, não faz esquecer-me de ti, pelo contrario,

fazem-me gostar cada vez mais de ti, (Jayme - 13/02/1937)

d. Mamãe, estou demorando a te escrever, pois as minhas aulas começaram e não

tenho tempo mais para escrever, só nas sextas, que me dedico as cartas. (Marcela -

08/09/1978)

É necessário ressaltar que a posição do clítico no exemplo em (22c) na construção

“não faz esquecer-me” não é uma posição esperada para construções com marcação de caso,

onde o clítico deve obrigatoriamente subir e cliticizar o verbo finito. Contudo, constata-se que

me é argumento externo do verbo encaixado e permanece encaixado no domínio do verbo

flexionado.

Para encerrar essa seção, apresento dois gráficos que representam a distribuição entre

próclise e ênclise com contextos de V1.

Gráfico8Distribuiçãoentreprócliseeêncliseemcontextodeinícioabsoluto.

Gráfico9Distribuiçãoentreprócliseeêncliseemcontextodeiníciodeoração.

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

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122

5.3.2AposiçãodosclíticosemcontextoXV

Na presença de um elemento não operador de próclise (seja SN sujeito, sujeito

pronominal, sintagma preposicional, advérbio não-modais ou oração intercalada), os 131

dados encontrados estão distribuídos da seguinte forma: 2% de próclise ao V1, 12% de

ênclise ao V1, 67% de próclise ao V2 e 19% de ênclise ao V2. Mas uma vez vemos a

preferência dos brasileiros do século XX pela próclise ao V2. Caso o missivista estivesse

acessando aa gramática do português lusitano, era esperado que encontrássemos ênclise a V1

e ênclise a V2, essa segunda opção é excluída quando o verbo finito é um particípio. Embora

a gramática do PE não seja a opção preferencial dos missivistas, as opções que a caracteriza

ainda se fazem presente nos textos escritos no Brasil no século XX.

Tabela14DistribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemcontextoXV.Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares - - 66 (84%) 13 (16%) Construções de Reestruturação - 13 (32%) 18 (44%) 10 (24%) Marcação excepcional de caso 2 (40%) 3 (60%) - - V1 Prep. V2 - - 4 (67%) 2 (33%) Total 2 (2%) 16 (12%) 88 (67%) 25 (19%)

Nas lexias verbais complexas com verbos auxiliares não ocorre subida do clítico. 84%

dos casos estão proclíticos ao V2 e 16% enclíticos a este. As construções de reestruturação

apresentam 32% de ênclise ao V1, 44% de próclise ao V2 e 24% de ênclise ao V2. Em todos

os casos de marcação excepcional de caso houve subida do clítico. A preferência se dá pela

ênclise ao V1 com 60% das ocorrências e os outros 40% dos casos se dá em ênclise ao V1.

Igualmente às orações com verbos auxiliares, as construções com V1 prep. + V2 não ocorre

subida do clítico e apresenta 67% de próclise e 33% de ênclise ao V2.

Em (23) vemos alguns exemplos de formas complexas antecedidos de elementos não

atratores.

(23) a. Tenho feito o melhor que posso e tenho me saído bem. (Marcela - 01/10/1978)

b. É tarde, o relogio já badalou as vinte e tres horas e meia, e no entanto, eu não

tenho somno e quero te escrever. (Jayme - 12/10/1936)

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123

c. Eu quero ir a praia somente para não ver tudo isso, porque faz-me pensar em

bobagens (Jayme - 13/02/1937)

Como vimos nos resultados acima, o comportamento linguístico dos missivistas é

diferente para cada tipo de estrutura na presença de elementos não atratores. Quando em

sentenças com verbos auxiliares e V1 prep. + V2, não ocorre a subida do clítico, quando em

sentenças com M.E.C., ocorreu, em 100% dos casos, alçamento do clítico. As construções de

reestruturação apresentam subida do clítico, mas a preferência é pela adjacência do pronome

ao verbo encaixado. Essas observações podem ser melhor visualizadas no gráfico 10.

Gráfico10DistribuiçãoentreprócliseeêncliseemcontextoXV

5.3.3Aposiçãodosclíticosemcontextosdepreposiçãomaisinfinitivo

Nesse contexto, em que o complexo verbal está precedido por uma preposição, o

infinitivo – flexionado ou não – é a forma do primeiro verbo enquanto o segundo pode estar

no infinitivo, no particípio ou no gerúndio. Temos um total de 17 dados, distribuídos entre as

quatro possibilidades. Há 12% de próclise ao V1 e igualmente 12% de ênclise ao V1. Temos

ainda 41% de próclise a V2 e 35% de ênclise ao V2, ou seja, os percentuais são maiores para

a cliticização do pronome ao segundo verbo, sobretudo na posição proclítica.

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

Auxiliar Reestruturação ECM V1prep.+V2

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

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124

Tabela15DistribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemcontextopreposiçãomaisinfinitivoTipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares - - 6 (75%) 2 (25%)

Construções de Reestruturação 1 (20%) 2 (40%) - 2 (40%)

Marcação excepcional de caso 1 (100%) - - -

V1 Prep. V2 - - 1 (33%) 2 (67%)

Total 2 (12%) 2 (12%) 7 (41%) 6 (35%)

Apesar das poucas ocorrências registradas nessa amostra de cartas do século XX e

XXI, constatamos a preferência da subida do clítico nas construções de reestruturação, 20%

de próclise ao V1 e 40% de ênclise ao V1 contra 40% de ênclise ao V2 e nas estruturas de

M.E.C. A única ocorrência nesse contexto apresenta-se proclítico ao V1. Por outro lado, nos

verbos auxiliares e V1 prep. + V2 os pronomes aparecem cliticizados aos verbos que o

selecionam. Nas sentenças com verbos auxiliares temos 75% de próclise e 25% de ênclise ao

V2, em se tratando de V1 prep. + V2 temos preferência pela ênclise ao V2, 67% das

ocorrências contra 33% das próclises, como podemos ver nos exemplos em (24).

(24) a. Eu falei tanto com ela, que acho que ela se arrependeu de ter me perguntado

uma coisa tão ignorante. (Marcela - 31/07/1978)

b. o teu amor minha santa, é quem me da vida e forças para poder viver, e para

poder amar-te cada vez mais. (Jayme - 01/10/1936)

c. Eles estão loucos por me verem esquiando. (Carlos - XX anos - 18/08/1978)

d. sinto o coração bater numa ansiedade louca aguardando o momento de tornar a

ver-te. (Jayme - 20/04/1937 B)

Abaixo temos o gráfico da distribuição dos pronomes entre próclise e ênclise em suas

respectivas estruturas antecedidas de preposição mais infinitivo, onde mais uma vez vemos a

preferência pela posição de próclise ao verbo encaixado.

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125

Gráfico11Distribuiçãoentreprócliseeêncliseemcontextodepreposiçãomaisinfinitivo

5.3.4Aposiçãodosclíticosemcontextodeoperadordepróclise

O contexto de atrator de próclise se mostra o mais representativo para as formas

complexas pois apresenta 252 ocorrências. Aposição preferida pelos missivistas ainda é a

próclise ao V2 (46%), característica do PB, seguida da próclise ao V1 (36%). Esse resultado

surpreende, uma vez que essa posição não é produtiva entre os falantes do PB moderno.

Verifica-seainda2%deêncliseaoV1e22%deêncliseaoV2.

Tabela16Distribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemcontextooperadordepróclise.Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares 69 (47%) - 69 (47%) 9 (6%)

Construções de Reestruturação 13 (16%) 2 (3%) 39 (49%) 25 (32%)

Marcação excepcional de caso 7 (64%) 3 (27%) - 1 (9%)

V1 Prep. V2 1 (7%) - 9 (60%) 5 (33%)

Total 90 (36%) 5 (2%) 117 (46%) 3 (22%)

As sentenças de verbos auxiliares apresentam uma posição clítica bem equilibrada

entre próclise ao V1 e próclise ao V2 e cada uma das opções apresentam 69% dos casos. Os

outros 6% restantes posicionam-se encliticamente ao V2. Nas construções de reestruturação

os missivistas preferem a próclise ao V2 nos contextos de atratores antecedendo as lexias

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

Auxiliar Reestruturação ECM V1prep.+V2

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

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verbais complexas e apresentam, portanto, 16% de próclise ao V1, apenas 3% de ênclise ao

V1, 49% de próclise ao V2 e 32% de ênclise ao V2. Quanto a marcação excepcional de caso

dá-se a subida do clítico (excetuando um caso que ocorre como ênclise ao V2 e representa 9%

dos casos) como previsto para esse tipo de construção. Dessa forma, os resultados mostram

64% de próclise e 27% de ênclise ao V1. As estruturas de V1 prep. +V2 também apresentam

variação nesse contexto em um dado (7%) houve alçamento do clítico para a posição de

próclise ao V1, as demais ocorrências permaneceram no domínio da oração encaixada: 60%

de próclise ao V2 e 33% de ênclise ao V2. Os exemplos desse contexto seguem abaixo.

(25) a. Até o final do cursinho tomara que já tenha me decidido. (Camila - 09/03/2012)

b. P.S. Você não quer me dar mesmo aquela blusa bordada? (Marcela -

30/09/1979)

c. Esse mal que nos machuca cantando e que nos faz sorrir com os olhos cheios

degua. (Jayme - 11/10/1936)

d. Peço-te que tenhas confiança em mim, e que não me esqueças, porque jamais te

esquecerei, nem poderei deixar de te amar, (Jayme - 27/06/1936)

Assim como os demais contextos de lexias complexas, abaixo, encontra-se o gráfico

da distribuição dos pronomes em formas complexas antecedido de atratores.

Gráfico12Distribuiçãoentreprócliseeêncliseemcontextodeoperadordepróclise.

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

Auxiliar Reestruturação ECM V1prep.+V2

clV1V2 V1clV2 V1clV2 V1V2cl

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127

Antes de avançarmos para a próxima seção, se faz necessário explicar os casos de

ocorrência de próclise ao V1 diante de operador de próclise que se igualam aos casos de

próclise ao V2. Essa frequência se mostra muito superior a esperada para uma posição em

desuso no português brasileiro moderno. Por isso, precisamos olhar cuidadosamente para este

fenômeno.

Os dados que representam a maior parte, quiçá todas as ocorrências de próclise ao V1

referem-se a estrutura “espero que essa te vá encontrar...” que se repete em quase todas as

cartas da década e 30 trocada entre os namorados Jayme e Maria. Em (26) alguns exemplos.

(26) a. Que esta te vá encontrar boa de saude assim como aos teus, espero que já estejas

boa de domingo, (Jayme - 24/09/1936)

b. Almejo que esta te vá encontrar em franco estado de repouso e saude, assim

como todos os teus. (Jayme - 22/09/1936)

c. Desejo que esta te vá encontrar em fraco repouso, e boa de saude, que este meu

desejo seja extensivo a todos o teus. (Jayme - 23/09/1936)

d. Espero que esta te vá encontar em perfeita saude junto aus teus (Maria -

22/09/1936)

e. Que esta te vá encontrar em perfeita saude assim como todos os teus (Maria -

29/09/1936)

f. Que esta te vá encontrar um pouco melhor do resfriado que e que todos os teus

estejão passando bem, (Maria - 13/10/1936)

Esses exemplos foram retirados da capitação de benevolência das cartas do início do

século XX e, como bem observado nos exemplos, são praticamente idênticas em formato e

conteúdo, deixando claro que a posição proclítica ao V1 não faz parte da gramática dos

indivíduos, mas sim de uma tradição discursiva (cf seção 4.2). Dessa forma, retiro da análise

as estruturas tais como as mostradas em (26) e apresento a tabela 16.

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Tabela17Distribuiçãodeprócliseeêncliseemformascomplexasemverbosauxiliarescomoperadordepróclise.

Tipos de Estrutura clV1 V2 V1cl V2 V1 clV2 V1 V2cl

Verbos auxiliares 7 (8%) - 69 (81%) 9 (11%)

Resumindo, o padrão de colocação pronominal encontradas nas formas complexas nas

cartas pessoais dos missivistas brasileiros do século XX e XXI apresentam de modo geral a

preferência pela próclise ao V2. Essa característica diz respeito tão somente à gramática do

PB, não se apresentando em outros estágios da língua e nem em outras variedades do

português. Mesmo as construções que demandam alçamento do clítico, como as estruturas de

marcação excepcional de caso e sentenças com auxiliares, apresentam o pronome cliticizados

ao verbo encaixado em frequências significativas.

A gramática do PB não aceita subida de clítico, mas algumas vezes o pronome se

apresenta ligado ao primeiro verbo do complexo verbal por ser objeto de V1, como em alguns

casos de construção de reestruturação com verbo poder mais se indeterminador/apassivador.

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129

6Consideraçõesfinais

Neste trabalho, debruçamo-nos sobre a colocação dos pronomes clíticos em lexias

verbais simples e complexas em cartas pessoais de falantes não-ilustres do português

brasileiro nascidos no século XX.

Para fundamentar nossa análise, utilizamos os princípios da Teoria Gerativa

desenvolvida por Chomsky (1986), sobretudo o modelo de Competição de Gramáticas

proposto por Kroch (1989; 2001), para o qual a variação linguística se dá inter-

linguisticamente e não intra-linguisticamente, ou seja, a variação ocorre diante de um

contexto linguístico heterogêneo e de tensão entre duas ou mais gramáticas. Quanto aos

procedimentos científicos, seguimos a metodologia utilizada para as pesquisas variacionistas

labovianas (1972), utilizando-se de um total de duzentas e vinte e duas cartas pessoais escritas

em três sincronias distintas: década de 1930, década de 1970 e década de 2010.

Nosso objetivo principal foi verificar o comportamento linguístico da colocação

pronominal, determinando os fatores favorecedores de próclise, de falantes brasileiros em um

contexto tão complexo de gramáticas conflitantes quanto o do território brasileiro, onde a

gramática lusitana aprendida na escola se entrepõe à gramática vernacular dos falantes

adquirida nos primeiros anos de vida.

Os resultados mostram a competição de gramáticas no sentido de que nos missivistas

do início do século XX, Jayme e Maria, temos mais notoriamente uma competição de

gramáticas, já que nas cartas dos dois missivistas temos variação entre próclise e ênclise até

mesmo em contexto em que a próclise é obrigatória devido a pressão da norma. Nos

missivistas dos períodos II, III e IV, embora ainda haja variação em todos os contextos

analisados, vemos um aumento significativo da frequência de ocorrências de próclise entre

esses missivistas. O único contexto em se verifica uma regra semi-categórica para o uso da

próclise é o contexto de operadores de negação, onde há uma frequência de 96% de próclise.

Nos textos escritos desses falantes brasileiros, vemos emergir a gramática do PB

vernacular, uma vez que a próclise desponta em contextos antes inexistente em outros

estágios e outras variedades do português, como, por exemplo, a próclise ao V1 absoluto nas

formas simples e próclise ao verbo não-finito nas formas complexas.

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130

Dessa forma, posterior a todas as observações atestadas ao longo desse trabalho,

consideramos que a colocação pronominal no PB é, por excelência, proclítica, apesar de se

apresentar claramente em variação por interferência de uma gramática que não a do falante

brasileiro.

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131

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