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ESTÉTICA (IN) VISÍVEL: DIÁLOGOS ENTRE DOCUMENTOS E SUJEITOS A obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe em si.” Deleuze e Guattari. Rosemari Formento Bonickoski 1 Gicele Maria Cervi 2 1.INTENSIDADE Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado em andamento, cuja temática é “A estética (in) visível onde está o sujeito entre documentos e as práticas” o objetivo será problematizar os sentidos de estética que permeiam o cotidiano da Educação Infantil, a partir dos documentos Oficiais (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL, 2009) e dos sujeitos - professores de Educação Infantil de duas Instituições Municipais Públicas, sendo uma Instituição na cidade de Blumenau e outra em Itajaí. Vou utilizar o termo/conceito: escavar, termo que remete arqueologia (FOUCAULT 2008), para remexer o objeto de pesquisa “estética”, ao escavar camadas da história, começa aparecer o sentido de estética que está presente e como ela se atualiza. À medida que a escavação começa as camadas se misturam, aparece a rigidez, a normatização da fábrica também da escola, mostrando um sentido de estética. Uniformização e o asseio das roupas tem haver com jeito de ser e agir naquele momento. 1 Bolsista FUMDES, Coordenadora Pedagógica no Centro de Educação Infantil Emília Piske em Blumenau SC. Cursando Mestrado na Universidade Regional de Blumenau FURB. Grupo de Pesquisa, Politicas de Educação na Contemporaneidade, Orientadora Profª Drª Gicele Maria Cervi . 2 Professora do quadro da Universidade Regional de Blumenau. Professora do Mestrado em Educação - PPGE- FURB. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas de Educação na Contemporaneidade. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí (1988), mestrado em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1998) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010).

ESTÉTICA (IN) VISÍVEL: DIÁLOGOS ENTRE DOCUMENTOS E … · Educação na Contemporaneidade, Orientadora Profª Drª Gicele Maria Cervi . ... de Flaubert “da arte pela arte”

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ESTÉTICA (IN) VISÍVEL: DIÁLOGOS ENTRE DOCUMENTOS E SUJEITOS

“A obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela

existe em si.” Deleuze e Guattari.

Rosemari Formento Bonickoski1

Gicele Maria Cervi2

1.INTENSIDADE

Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado em andamento, cuja temática

é “A estética (in) visível – onde está o sujeito entre documentos e as práticas” o objetivo será

problematizar os sentidos de estética que permeiam o cotidiano da Educação Infantil, a partir

dos documentos Oficiais (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A

EDUCAÇÃO INFANTIL, 2009) e dos sujeitos - professores de Educação Infantil de duas

Instituições Municipais Públicas, sendo uma Instituição na cidade de Blumenau e outra em

Itajaí.

Vou utilizar o termo/conceito: escavar, termo que remete arqueologia

(FOUCAULT 2008), para remexer o objeto de pesquisa “estética”, ao escavar camadas da

história, começa aparecer o sentido de estética que está presente e como ela se atualiza. À

medida que a escavação começa as camadas se misturam, aparece a rigidez, a normatização

da fábrica também da escola, mostrando um sentido de estética. Uniformização e o asseio das

roupas tem haver com jeito de ser e agir naquele momento.

1 Bolsista FUMDES, Coordenadora Pedagógica no Centro de Educação Infantil Emília Piske em Blumenau –

SC. Cursando Mestrado na Universidade Regional de Blumenau FURB. Grupo de Pesquisa, Politicas de

Educação na Contemporaneidade, Orientadora Profª Drª Gicele Maria Cervi . 2 Professora do quadro da Universidade Regional de Blumenau. Professora do Mestrado em Educação - PPGE-

FURB. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas de Educação na Contemporaneidade. Possui graduação em

Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí (1988), mestrado em Educação pela Fundação Universidade

Regional de Blumenau (1998) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (2010).

Ao escavar se leva junto camadas que estão na superfície e remexe no que está

escondido, camadas da história que se misturam e saem da ordem cronológica. O objeto de

pesquisa “a estética” se imbrica no pesquisador e aparece neste remexer da história que vai

sendo problematizada: Abertura politica, a legislação educacional, instituição de infância,

estética.

E para os objetivos desta pesquisa, analisar o sentido de estética que permeia o

cotidiano da Educação Infantil a partir dos documentos oficiais e dos sujeitos, conceituar

escola, currículo, estética e problematizar sentido de estética que no cotidiano da Educação

Infantil a partir dos documentos e dos sujeitos.

Abordagem utilizada será documental a partir dos documentos oficiais

Diretrizes Curriculares Nacionais e Municipais, com análise de fotografias de duas

instituições públicas das cidades de Blumenau e Itajaí.

O critério de escolha das cidades fora a partir das Universidades que estão

situadas nas duas cidades FURB em Blumenau e UNIVALLI em Itajaí, estas possuem nas

suas universidades curso de mestrado em educação, programas e projetos de extensão, grupos

de pesquisa e iniciação cientifica e formação continuada para as instituições públicas das

cidades onde estão localizadas e regiões próximas. Ambas num contexto que produz e

reproduz práticas discursivas ou como escreve (LOPES, 2006, p. 49) compõem a comunidade

acadêmica. “[...]analisemos como as comunidades epistêmicas atuam na manutenção desses

discursos, produzindo-os, sustentando argumentos favoráveis a eles e fazendo com que eles

circulem em diferentes contextos”.

O critério de escolha das instituições pesquisadas nos municípios, será a partir

de instituições que estejam de acordo com os documentos oficiais, solicitação feita a

Secretaria de Educação dos Municípios.

A pesquisa nestas duas Instituições de Educação Infantil, está em andamento,

utilizar a fotografia como documento de analise, uma fotografia não representativa, atravessa

a escrita e o sujeito que está no emaranhado dos documentos oficiais, (DCNS). Neste artigo a

análise documental está remexendo, sacudindo o sentido de estética, presente nas Diretrizes

Curriculares Nacionais (2009).

Nesta busca de remexer os documentos oficiais e com enunciados,

problematizar os sentidos de estética que permeiam o cotidiano da Educação Infantil, opto

pela busca a partir dos documentos oficiais: RESOLUÇÃO CEB Nº 1, DE 7 DE ABRIL DE

1999, PARECER CNE Nº 22/98 – CEB – Aprovado em 17.12.98, RESOLUÇÃO Nº 5, DE

17 DE DEZEMBRO DE 2009 PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009 APROVADO EM:

11/11/2009.

Estes documentos serão analisados numa visão arqueológica e genealógica,

metodologia arqueológica e genealógica utilizada nesta pesquisa, fundamenta-se em Foucault,

“Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a genealogia é

a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da

sujeição que emergem desta discursividade” (FOUCAULT, 2005, p. 172).

Neste artigo pretendo dançar com as palavras, por que dançar? A dança é

movimento, quando se dança não se fica no mesmo lugar, se rodopia, salta, vibra. Numa

partilha de espaços, faço um convite: começa a dança com a palavra estética. Quando danço

me desloco, com o ritmo, com os movimentos, com o pensamento. O sentido da palavra

estética não se localiza apenas no campo das artes. Para Torres3(2011, p.16) “observam-se

processos de estetização em territórios não artísticos, que vão desde a estetização dos meios

de produção, da circulação de mercadorias, dos ambientes os mais variados como os da

empresa, dos hospitais, das escolas e dos shopping centers.” No rodopio da dança, as cores, os

objetos, os seres, os sons se misturam. Esse artigo tece, entrelaça o tempo, o movimento, as

cores e os sons. Neste espaço de tempo, que o giro tira do lugar os pensamentos, remexem,

atravessam e desmobilizam o centro, por onde ficam os conceitos?

“Os conceitos são centros de vibrações, cada um em si mesmo e uns em

relação aos outros. É por isso que tudo ressoa, em lugar de se seguir ou de se corresponder”

(DELEUZE e GUATARRI, 1992, p.35). Como uma força transbordante, as conversas

emergem para a escrita a respeito da educação, escolarização e estética, um diálogo se inicia,

entra na brincadeira a criança, muita conversa os documentos oficiais neste emaranhado um

encontro de ideias.

3 TORRES, Fabiano Ramos. A Estética da Sensibilidade nas Diretrizes Curriculares Nacionais. 2011.166P.Dissertação. Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. –FEUSP, São Paulo, 2011.

2. EDUCAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO E ESTÉTICA.

A educação localiza a estética como um elo entre o consumo e as práticas

artísticas. Quando visualizo a dança como possibilidade de escrita dançante, busco outra

estética para a escrita, dançar com meus pensamentos é sair dos pensamentos coreografados

que se fixam pelas leituras prescritas de conceitos rígidos. Conceitos esses que olham pra

estética no campo do belo e do feio, da venda e do capital, do certo e do errado. Segundo

Rancière (2012).

práticas estéticas”, no sentido em que entendemos, isto é, como formas de

visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam, do que “fazem” no que diz

respeito ao comum. “As práticas artísticas “maneiras de fazer” que intervêm na

distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com maneiras de ser e

formas de visibilidade.” ( p.17)

Sair desse lugar de olhar a estética como: maneiras de fazer, das práticas

artísticas, será um exercício de deslocamento do pensamento. Deslocamento como

possibilidades de olhar a dança a partir das obras de Edgar Degas e Ricardo Woo.

A Primeira “Bailarina” - Edgar Degas4 sem titulo – Ricardo Woo5

Mas para escavar os documentos oficiais é preciso buscar o sentido de estética

e suas rupturas e entrar na dança com Ranciére6 (2002) onde escreve sobre esses nuances

entre estética e arte, arte e estética. Nos anos de 1840 militantes saem do ciclo de dominação

lendo livros de “alta literatura”. No século XIX , críticos burgueses proclamam que a defesa

de Flaubert “da arte pela arte” é a personificação da democracia. Mallarmé afirma que é a

4 Edgar Hilaire Germain Degas foi um pintor, gravurista, escultor e fotógrafo francês. É conhecido sobretudo pela sua visão particular no mundo do ballet, sabendo captar os mais belos e súbteis cenários. (século XIX) 5 Artista plástico, performer e arquiteto Ricardo Woo, exposição “DANS – O Desenho da Dança, a Dança do Desenho” 6 Disponível http://www.revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/a_revolucao_estetica_jacques_ranciere.pdf acessado em 09/04/15

poesia que da a comunidade a “chancela” que lhe falta. Já Rodchenko ao fotografar por outro

ângulo (àereo) trabalhadores ou ginastas soviéticos constrói uma superfície de equivalência

igualitária entre a arte e vida. Para Adorno a arte deve ser independente, deve aparecer a

sujeira do inconsciente e denunciar a mentira da arte autonomizada. Lyotard afirma que a

tarefa da vanguarda é isolar a arte da demanda cultural para que ela possa testemunhar mais

apuradamente sobre a heteronomia do pensamento.

Rancière (2002) ainda escreve que podemos aumentar a lista até o infinito,

porque todos os posicionamentos revelam a mesma narrativa básica de um e, o mesmo nó

atando autonomia e heteronomia.

Entender a “política” própria do regime estético da arte significa entender a maneira

como autonomia e heteronomia estão originalmente ligadas na fórmula de Schiller

[1]. Isso pode ser resumido em três pontos. Primeiro, a autonomia organizada pelo

regime estético da arte não é a mesma da obra de arte, mas sim a de uma

experiência. Segundo, a “experiência estética” é de heterogeneidade, tanto que para

o sujeito dessa experiência ela também representa a rejeição de certa autonomia.

Terceiro, o objeto dessa experiência é “estético” na medida em que não é – ou pelo

menos não somente – arte. Essa é a relação tripla que Schiller coloca no que

podemos chamar de a “cena original” da estética. (RANCIERE, 2002, p.3 e 4).

Estética não como produto final, como um quadro que ao receber uma

moldura ele está preparado para ser apreciado, deslocar a estética do fazer artístico, mas

perceber como um jeito de viver. Ranciére (2002) acrescenta certa indecibilidade na “política

da estética”. Há uma metapolítica da estética que estabelece as possibilidades da arte.

A arte estética promete uma realização política que não pode satisfazer e prospera

nessa ambigüidade. É por isso que aqueles que querem isolá-la da política estão um

pouco além do ponto. É por isso também que aqueles que querem que a arte cumpra

sua promessa política estão condenados a certa melancolia. (p.29).

Estas escritas são como um convite, dançar com vendas nos olhos, o espaço

não está traçado, o deslocamento não é visível, conceitos rígidos e absolutos não cabem nesta

escrita dançante, ao caminhar com Ranciére o ponto final é um ponto e vírgula. Olhando a

estética como uma partilha do sensível, busco nos documentos os sentidos de estética que

estão presentes nestes, onde está o sujeito entre estes documentos e suas práticas. Em Torres

(2011) há pistas da entrada da estética nos documentos oficiais.

Pensar a distinção entre o estético e o artístico é imprescindível, uma vez que o

campo de constituição apresenta o artístico e o estético justapostos, mas nunca como

sinônimos. O estético nos documentos da reforma é, inicial e genericamente,

compreendido como tudo aquilo que se refere à sensibilidade, diz respeito não

apenas ao artístico mas a tudo que envolve percepção, sentimentos, afeto: objetos,

sonoridade, formas, linhas, cores variadas, sentimentos, emoções, intuição,

criatividade, delicadeza. È preciso compreender como e porque o estético passa a ter

autonomia em relação ao artístico bem como adquire tamanha importância no

cenário da reforma educacional dos anos 90. (...) é possível identificar que a eleição

da estética como um dos princípios que fundamentam a Diretriz Curricular nacional

está inserida num processo maior: é o momento em que a educação também ela,

passa a ser investida por esse processo de estetização generalizada. (p.24.)

Nos Documentos Oficiais, DCNS, o conceito de estética, se mostra, como um

princípio que unifica e articula esta união de conceitos de beleza e justiça, autonomia e

emancipação, razão e sensibilidade, presentes nestes.

Os Documentos oficiais atualizam os discursos e se apresenta como um

dispositivo de poder, que para além dos documentos delineia, normatiza e generaliza.

[...]A história mudou sua posição acerca do documento: ela considera como sua

tarefa primordial, não interpretá-lo, ao determinar se diz a verdade nem qual é o seu

valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e elaborá-lo: ela o organiza, recorta,

distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do

que não é, identifica elementos, define unidades, descreve relações. (FOUCAULT,

2002, p. 7).

Os documentos tem outro lugar nesta escrita, saem de compartimentos

restritos, não se necessita de luvas para manusear, as palavras anunciam e lucidam outras

possibilidades de aventuras, no mesmo capitulo vários são os discursos. É com esse olhar

para os documentos que ele apresenta a abertura política como um documento que no seu

discurso representa isso. A constituição cidadã.

2. PÉS DE CRIANÇA USAM SAPATOS?

Sapatos protegem, de objetos cortantes, pedregulhos... “põe sapato menino pra

não ficar doente”, quem já não ouviu esta fala? Ou já não fez essa fala? De onde vem esse

discurso? Gondra (2010) escreve sobre essa captura, do saber, por jogos de poder, nos

moldamos às “representações fabricadas no interior do campo médico-higiênico”.

No cuidado com a criança, opera um discurso prescritivo, o saber médico se

“institucionalizou”, a criança é vista como objeto e controle do estado, esse controle se faz

por cuidados médicos, jurídicos e assistenciais.

A “criança deixa de ser objeto de interesse, preocupação e ação no âmbito

privado da família e da Igreja para tornar-se uma questão de cunho social, de competência

administrativa do Estado” (Rizzini, 1997, p. 24-25).

O ato de colocar o sapato aqui remete a proteção, cuidado, controle e captura

um sentido de estética, o que se quer desta criança, quais os terrenos que ela pode caminhar,

o que é seguro para ela, o calçado anuncia por onde ela andou.

Para KRAMER e LEITE, (1996),” a infância mobilizou diversos

movimentos da sociedade civil, que reconheceu a criança como cidadã”. O que implica para

criança ser cidadã? Sujeito de direitos e deveres?

(CRAIDY 2001), comenta: a criança é um cidadão em desenvolvimento. E a

Lei de Diretrizes e Bases da educação – LDB, fruto da Constituição Federal de 1988, que

definiu uma nova doutrina em relação à criança, que é a doutrina da criança como sujeito de

direitos”.

Que sapato ela precisa colocar? Igual para todos, mesmo que crianças com

a mesma idade tenham pés maiores ou menores, o discurso está na oportunidade oferecida.

A estética da padronização operando em favor da oportunidade de direitos.

OLIVEIRA (2002) afirma que a Lei nº 9394/96 “estabelece a educação

infantil como etapa inicial da educação básica. As crianças brasileiras são tiradas de seu

confinamento em instituições de cunho assistencialista”.

A criança sair de um regime assistencialista garante sua saída do regime

disciplinar? Foucault (2004 a, p. 218) escreve: “na torre poderia haver um vigia ou não. O

importante é que o sujeito vigiado jamais tinha a certeza disso. Ele sabia que poderia estar

sendo vigiado e isso era suficiente para mantê-lo disciplinado”.

A disciplina que marca o corpo se mostra, quando a criança mesmo sem o

elástico atrás do chinelo, ele não tirar do pé, adaptou-se. “Estamos entrando nas sociedades

de controle, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e

comunicação instantânea” (DELEUZE, 1992, p. 215).

“A criança contemporânea é descoberta pelo mercado, a criança vive o

paradoxo de ser consumidora e objeto de consumo ao mesmo tempo”, comenta JOBIM e

SOUZA et al (apud KRAMER E LEITE, 1998).

Os calçados cada vez mais imitando o sapato do adulto, limitando

movimentos, a estética que circula é a do consumo, os interesses se esvaziam rapidamente,

o que esta no pé do outro é o melhor, nada é suficiente para satisfazer os desejos.

Lins (2005), que apresenta “saberes como sabores”, compartilha com

Deleuze e Guattari a ideia, a criança como acontecimento.

Para Deleuze e Guattari, as crianças são acontecimentos. Devir, acontecimento, as

crianças são dissidentes de um decalque traçado para elas, muitas vezes exterior

aos seus desejos, o que as motiva a resistir a modelos pedagógicos, embora

“legítimos”, ancorados, contudo, na pedagogia voltada para o futuro, atrelada à

tentação permanente que atravessa a história dos homens e assimila com

obstinação parentesco e causalidade, sob o signo de uma ciência régia que se erige

em supostos modelos estáveis. (p. 1230 ).

Pés de crianças mergulhados na tinta usam sapatos? A ideia de criança como

acontecimento apresena outra estética elas se encontra nos documentos oficiais?

3. MUITA CONVERSA: OS DOCUMENTOS OFICIAIS.

Com processo de redemocratização no Brasil na década de 1980 eram anos de

luta em torno da Constituição da República Federativa do Brasil que, aprovada em 05 de

outubro de 1988, foi a primeira no país a afirmar o direito das crianças à Educação Infantil em

creches e pré-escolas, o dever do Estado de assegurar as vagas e a opção da família.

A volta das eleições estaduais e municipais inicia os debates em torno dos direitos das

crianças, e o inicio de políticas de Educação Infantil e de formação de professores, a

necessidade de criação de um Fundo para assegurar o cumprimento dos direitos, a relevância

de a aprovação de Diretrizes Curriculares Nacionais. Iniciam também as pesquisas, e os

movimentos sociais tiveram uma importância neste momento. A LDB, aprovada e sancionada

em dezembro de 1996, e, a partir delas, a normatização da escola e de inserção da democracia

no interior da educação escolar.

Em 1993, o MEC propõe pela primeira vez uma Política Nacional de Educação

Infantil (MEC/ SEF/COEDI, 1993) diretrizes norteadoras de propostas pedagógicas voltadas

ao desenvolvimento da criança, às interações entre as crianças, à auto-estima e à identidade,

ao respeito à diversidade de expressões culturais, ao brincar como modo privilegiado de

aprendizagem e desenvolvimento, ao trabalho cooperativo.

Em 1995, o documento Critérios para um atendimento em creches que respeite

os direitos fundamentais das crianças (MEC/SEF/ COEDI, 1995) estabelece critérios para

garantir a qualidade na Educação Infantil, particularmente nas creches: critérios de

organização e funcionamento, focalizando as práticas com as crianças; critérios relativos à

definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches.

Em 1998, foi publicado o documento do Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil. Em três volumes, o documento contendo recomendações para as práticas

pedagógicas.

ANO Resoluções e Pareceres do Conselho Nacional de

Educação que Dizem Respeito à Educação Infantil

1998 Parecer CNE/CEB nº 22/98 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

1999 Resolução CNE/CEB nº 1 Institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil.

2009 Parecer: CNE/CEB n°20/09 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

2009 Resolução CEB Nº 05 Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil

3.1 Quando a conversa vira conversação?

De 1993 a 2009 muitos foram os documento que permearam as discussões em

torno da Educação Infantil. Mas interessa neste artigo a Resolução Nº 5, de 17 de dezembro

de 2009 Parecer CNE/CEB Nº: 20/2009 Aprovado Em: 11/11/2009.

7O “princípio estético”, da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da

liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. Apresenta

no parecer 20/2009 este sentido pedagógico. O trabalho pedagógico na unidade de

Educação Infantil, em um mundo em que a reprodução em massa sufoca o olhar das

pessoas e apaga singularidades, deve voltar-se para uma sensibilidade que valoriza

o ato criador e a construção pelas crianças de respostas singulares, garantindo-lhes a

participação em diversificadas experiências. As instituições de Educação Infantil

precisam organizar um cotidiano de situações agradáveis, estimulantes, que

desafiem o que cada criança e seu grupo de crianças já sabem sem ameaçar sua

autoestima nem promover competitividade, ampliando as possibilidades infantis de

cuidar e ser cuidada, de se expressar, comunicar e criar, de organizar pensamentos e

ideias, de conviver, brincar e trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar

soluções para os problemas e conflitos que se apresentam às mais diferentes idades,

e lhes possibilitem apropriar-se de diferentes linguagens e saberes que circulam em

nossa sociedade, selecionados pelo valor formativo que possuem em relação aos

objetivos definidos em seu Projeto Político Pedagógico. (p. 8, 9).

A análise da Resolução Nº 5, de 17 de dezembro de 2009 Parecer CNE/CEB

Nº: 20/2009 , será a partir de Deleuze e Guatarri (2004), Ranciere (2012), Lins (2009),

Canário (1996), Varela (1992) , Sibilia (2008), Silva (1999) e Ferraço (2008).

Neste artigo a análise acontece de algumas palavras retiradas do parecer

(20/2009). “O parecer (20/2009) apresenta o princípio estético a partir do “trabalho

pedagógico”.

7 Parecer CNE/CEB Nº: 20/2009 Aprovado Em: 11/11/2009.

O “princípio estético”, análise do documento será a partir do que esta grifado, grifo das autoras do artigo.

Objetivo é olhar para esse princípio trazendo os autores para conversar junto,

Lins (2009), nos faz mergulhar na estética como acontecimento, uma estética por vir, sem o

objetivo de dar a luz, parir, a “estética do acontecimento existe como invenção, criação”. O

que se quer ensinar?

“Sensibilidade que valoriza o ato criador , esse ato criador” refere se ao fazer

artístico,? Ranciere (2012), apresenta as “práticas estéticas, como formas de visibilidade de

práticas de arte, práticas artísticas são maneiras de fazer”, trazer sensibilidade para o trabalho

pedagógico não seria reduzir o sentido de estética ?

Para o princípio estético o que seria ter [...]“iniciativa e buscar soluções para

problemas e conflitos”? O que significa uma criança ter iniciativa? Está ligado a

competência? E buscar soluções para problemas e conflitos? Está se falando aqui em gerir sua

vida? O princípio estético entrou nas diretrizes curriculares com um caráter preparatório?

Apresenta-se uma produção de uma subjetividade, que possibilita ao sujeito criar-se e

inventar-se permanentemente. Deleuze (1992, p.224), “ o homem da disciplina era produtor

descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita,

num feixe contínuo. Sociedade de controle operando na infância, como um princípio estético?

5. ENCONTRO DAS IDEIAS

Neste encontro das ideias os pensamentos se chocam, se misturam, seus

respingos grudam em tudo que encontraram. Transbordar pensamentos, para uma partilha do

sensível, com um sentido de estética que se mistura com a vida. Ao olhar para a Resolução

Nº 5, de 17 de dezembro de 2009 Parecer CNE/CEB Nº: 20/2009 objetivo pedagógico esta

presente, aparece o molde, o decalque, segundo Deleuze (2011, p.30) “um mapa é uma

questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma presumida

competência” alguém ensina e o outro aprende, no caso a criança.

À medida que o documento vai se mostrando, o princípio estético apresenta-se

como e um sentido estético pedagógico, como maneiras de fazer, das práticas artísticas.

Escavando mais opera o regime empresarial, sociedade de controle como apresenta Deleuze

(1992), cada um se sinta responsável por inovar, criar, inventar, trabalhando assim na

efetivação do poder e do saber.

Compreender os diálogos que atravessam a estética, os documentos e os

sujeitos e como esses discursos se reproduzem na prática, pesquisa que encontra-se em

andamento, busca na fotografia não apenas como um documento de análise, mas como uma

cuidadora de sentidos.

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