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Artigo original/Original Article
Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de CampinasEstimative of absorbable iron in diets of preschoolers living in poverty areasof the city of Campinas
SEMÍRAMIS MARTINS ÁLVARES DOMENE1;
DANIELA DE ASSUMPÇÃO1
1Faculdade de NutriçãoCentro de Ciências da Vida
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Endereço para correspondência:
Semíramis Martins Álvares Domene
Faculdade de Nutrição – PUC-Campinas
Av. John Boyd Dunlop s/nJdim. Ipaussurama
CEP 13060-904Campinas SP
e-mail:semiramis@
puc-campinas.edu.brAgradecimentos:
as autoras agradecem ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico – CNPq, pela concessão
de bolsa de Iniciação Científi ca à Daniela de
Assumpção.
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimative of absorbable iron in diets of preschoolers living in poverty areas of the city of Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
Iron-defi ciency anemia affects many groups, with a prevalence of more than 50% among preschoolers in Brazil. One of the many possible approaches to defeat the problem is the regular and suffi cient offer of dietary iron, combined with absorption agonists in the same meal. The objective of the present work was testing the quality of the diet offered to preschoolers assisted by the National School Meal Program (PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar) in Campinas, in the countryside of São Paulo state. Energy (Kcal), total iron (mg) and absorbable iron (mg) were measured. The sample was composed by 167 children aged 25 to 72 months in 2003. After quality evaluation, only the data from 154 subjects were analyzed. Results showed that iron consumption is higher among girls: 73% of the girls presented a consumption above the RDA value, against 51% of the boys (p<0.05). There were no statistical differences for energy (p = 0.069), total iron (p = 0.395) and absorbable iron (p = 0.353) consumption between the genders. Absorbable iron in preschoolers’ meals is expected to be as much as an average 5% of the total iron intake. However, the main reason for this low absorption is not the poor frequency or the scarcity of dietary iron sources, but the limited offer of agonistic absorption factors (mainly meat and vitamin C) in the meals.
Keywords: Iron. Iron-defi ciency anemia. Nutrient absorption. Absorption agonists.
ABSTRACT
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RESUMORESUMEN
Pre-escolares brasileños son un grupo de riesgo para anemia ferropriva, con prevalencia superior a 50%. Entre las estrategias para combatir el problema está la oferta adecuada del mineral y la presencia concomitante de mejoradores de su absorción. El objetivo del estudio fue evaluar la calidad de la dieta de pre-escolares atendidos por el Programa Nacional de Alimentación Escolar (PNAE) en el municipio de Campinas, estado de São Paulo. Fueron analizadas dietas ofrecidas durante 2003, cuanto al aporte de energía (Kcal) e hierro (mg) así como el hierro absorbido. De un grupo de 167 infantes de 25 a 72 meses de edad, 154 valoraciones fueron consideradas válidas. Los resultados evidenciaron que el consumo de hierro es mejor en niñas, 73% mostraron ingestión adecuada, contra 51% en niños (p<0,05). Los valores encontrados para energía (p=0,069), hierro total (p=0,395) y hierro absorbido (p=0,353) fueron semejantes para ambos sexos. La absorción del hierro de la dieta se mostró baja (5 a 6% del total) y la razón principal no era su ausencia, sino la limitada presencia de mejoradores de la absorción como carne y vitamina C.
Palabras clave: Hierro.Anemia ferropriva.Absorción de nutrientes. Mejoradores de la absorción.
O grupo de pré-escolares brasileiros está entre os considerados de risco para a anemia ferropriva, com uma prevalência superior a 50%. Entre as estratégias para combater o problema, está a oferta adequada e sufi ciente do mineral, e a presença de agonistas de absorção às mesmas refeições. O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade da dieta de pré-escolares atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no município de Campinas, SP quanto ao fornecimento de energia e ferro, por meio da quantifi cação da energia (Kcal), do ferro total (mg), e do ferro absorvido (mg) a partir das refeições consumidas no ano de 2003. A amostra foi composta por 167 crianças de 25 a 72 meses; 154 inquéritos foram considerados válidos. Os resultados mostraram que o consumo de ferro é melhor entre as meninas, uma vez que 73% apresentaram valores de ingestão adequados, contra 51% dos meninos (p < 0,05). Os valores encontrados para energia (p = 0,069), ferro total (p = 0,395) e ferro absorvido (p = 0,353) não diferiram entre os gêneros. A dieta consumida pelas crianças deve resultar em baixa absorção do mineral (estimativa de 5 a 6% do total); a principal razão para isto, contudo, não está na pequena freqüência ou quantidade de alimentos fonte de ferro, mas sim na limitada oferta de agentes agonistas da absorção, como carne e vitamina C.
Palavras-chave: Ferro. Anemia ferropriva. Absorção de nutrientes. Agonistas de absorção.
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
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DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
INTRODUÇÃO
A despeito das tentativas para combater a defi ciência de ferro, estudos apontam que
a anemia ainda afeta aproximadamente metade dos pré-escolares brasileiros - cerca de
4,8 milhões de crianças - com a prevalência alcançando 67,6% nas idades entre 6 e 24 meses
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram
que 2 milhões e 150 mil crianças na idade pré-escolar estão em risco de defi ciência em ferro,
com possíveis danos sobre o desenvolvimento, incluindo apatia, irritabilidade, redução
da capacidade de concentração e do aprendizado. Além disso, redução na capacidade de
trabalho físico, modifi cações histológicas como atrofi a muscular, que são cumulativas e
não reversíveis, reduzida porcentagem de linfócitos T, reação positiva diminuída na pele
por antígenos comuns e diminuição da capacidade antimicrobiana tem sido demonstrados
(WHO, 2000).
É importante ressaltar o considerável aumento da ocorrência deste distúrbio
nutricional em todos os estratos socioeconômicos, ao contrário do que ocorre com a
desnutrição, que apresenta tendência de declínio nas últimas décadas e cuja prevalência
se concentra na população pobre, que tem menor acesso a saneamento, a equipamentos
públicos e a consumo (DURA TRAVE; DIAZ VELAZ, 2002; HAWKES; RUEL, 2006). Em estudo
desenvolvido por Brunken, Guimarães e Fisberg (2002), foi verifi cado que a prevalência de
anemia superou em seis vezes a de desnutrição energético-protéica, considerando apenas
o défi cit estatural; em relação ao défi cit ponderal, a proporção de anêmicos foi 12 vezes
maior. Com base em dados coletados por dois inquéritos na cidade de São Paulo, Monteiro,
Szarfarc e Mondini (2000) destacam a dramática ascensão da anemia por defi ciência de
ferro, que decorre, principalmente, de quantidade insufi ciente de ferro na dieta para
atender às necessidades nutricionais individuais.
As principais fontes de ferro dietético ou alimentar são as carnes e as vísceras, mas
o mineral está presente também em alimentos de origem vegetal, tais como leguminosas,
nozes, grãos, cereais, vagens e folhas, com menor biodisponibilidade (BIANCHI; SILVA;
OLIVEIRA, 1992; HURRELL, 2003).
O ferro dietético quando protegido pelo núcleo hematínico é chamado de ferro
heme, e responde por cerca de 40% do ferro provindo de alimentos de origem animal que
contém hemoproteínas, notadamente as carnes; comparado ao ferro não heme, apresenta
taxa de absorção superior, próxima a 30% (MONSEN, 1988; HUNT, 2001), relativamente
independente da composição da refeição e pouco afetada por fatores facilitadores e/ou
inibidores da absorção. Além de ser bem absorvido, o ferro heme melhora o aproveitamento
do pool de ferro não heme (QUEIROZ; TORRES, 2000). São esperadas, para o ferro não
heme, taxas de absorção variáveis e menores, entre 5 e 20%, o que inclui todo o ferro
presente em grãos, vegetais, frutas, nozes, ovos e produtos lácteos, bem como os 60%
restantes do ferro (não heme) das carnes (MONSEN; BALINTFY, 1982; MONSEN, 1988).
Cerca de 80 a 90% do ferro presente nas dietas ocidentais estão na forma de
ferro não heme. Os alimentos de origem vegetal contribuem com 90% do total de ferro
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ingerido nos países desenvolvidos e até 100% nos países em desenvolvimento (BIANCHI;
SILVA; OLIVEIRA, 1992).
O aleitamento materno exclusivo atua como fator de proteção mantendo níveis
adequados de ferro durante os 4-6 primeiros meses de vida, embora o teor do mineral no leite
humano seja muito baixo: alguns autores encontraram teores de 0,41mg/L de ferro (ITRIAGO
et al., 1997) e até 0,86mg/L (FEELEY et al., 1983), menores do que o encontrado no leite
de vaca, de 5,0mg/L (TACO, 2006). Contudo, o mineral no leite humano apresenta elevada
biodisponibilidade, devido à presença de lactoferrina que potencializa sua absorção em cerca
de 50%, enquanto no leite de vaca a absorção é de apenas 10% (OSÓRIO, 2002; HENRIQUES;
COZZOLINO, 2005). A introdução precoce de outros alimentos à dieta do lactente faz com
que esta alta efi ciência de absorção seja reduzida em até 80% (OSÓRIO, 2002).
Em estudo desenvolvido por Souza, Szarfarc e Souza (1999), os autores verifi caram
que após os seis meses de idade a dieta continua sendo predominantemente láctea, com o
leite de vaca muitas vezes substituindo ou complementando a refeição salgada.
O ácido ascórbico e a carne são os dois maiores promotores alimentares da disponibilidade
de ferro. O ácido ascórbico, como agente redutor, mantém o ferro dos alimentos no estado ferroso,
que é mais solúvel. Segundo Davidsson (2003), a adição de ácido ascórbico em cereal infantil
baseado em trigo e leite de vaca na razão molar 2:1 (ácido ascórbico: ferro), resultou em uma
biodisponibilidade de ferro mais alta tanto para o cereal infantil quanto para o ferro contido nos
produtos com teor reduzido de fi tato. É importante destacar que a vitamina C deve ser associada
à refeição principal, na qual se concentram as principais fontes alimentares de ferro. As carnes
aumentam de duas a quatro vezes a absorção do ferro não heme (DeMAEYER, 1989).
Os fatores que modulam a absorção de ferro podem ser resumidos em favorecedores
(como a carne bovina, ácido ascórbico) que aumentam a absorção de 3,7 para 10,4%, ou
inibidores (ácido oxálico, ácido fítico, fi bra, taninos, cafeína, íons metálicos). O efeito dos
agentes favorecedores sobre o ferro não heme, segundo Monsen (1988), aumenta o percentual
de absorção de 3 para 8%, o que já foi adotado para estudos de composição de dieta no
Brasil (COLUCCI; PHILIPPI; FISBERG, 2001).
Este trabalho objetivou quantifi car o ferro total e absorvível da dieta de pré-escolares
residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas, São Paulo, de modo a contribuir
para a proposta de intervenções, visando reduzir as altas prevalências de anemia na infância.
Uma destas importantes intervenções é a obrigatoriedade da fortifi cação das farinhas de trigo e
milho produzidas no Brasil, por meio da RDC n. 344 (ANVISA, 2002); a partir do ano de 2004.
MÉTODOS
Consumo
A medida do consumo foi feita por meio da pesagem direta dos alimentos
fornecidos nas escolas, localizadas nos bolsões de pobreza de Campinas, identifi cados
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
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segundo renda familiar per capita, existência de moradias em construções subnormais e
contigüidade (DOMENE et al., 1999). Foram avaliadas, em dois dias não consecutivos, as
cinco refeições diárias subsidiadas pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, no
ano de 2003, bem como as eventuais repetições, para quantifi cação do consumo total.
Empregou-se balança Filizola com sensibilidade de 0,1g para pesar alimentos ofertados
e não consumidos durante a permanência da criança na escola, e aplicou-se recordatório
de 24h para a quantifi cação do consumo complementar feito no domicílio, por meio de
entrevista com o responsável pelo pré-escolar, realizada no dia seguinte à pesagem. O
cálculo dietético foi feito por meio do software Nutwin (Versão 1.5, 2002), e os dados
comparados com os valores propostos pelas Dietary Reference Intakes (INSTITUTE OF
MEDICINE, 2002).
Estimativa do ferro absorvível
Empregou-se o método proposto por Monsen et al. (1978) que considera a quantidade
de ácido ascórbico e carne na refeição e classifi ca os indivíduos de acordo com o seu estado
nutricional de ferro.
O consumo alimentar das crianças foi analisado para a quantifi cação do ferro ingerido
e do ferro absorvível em ambas as formas, heme e não heme. Os resultados foram então
classifi cados segundo a metodologia de Monsen et al. (1978), que caracteriza a dieta como
de baixa, média ou alta biodisponibilidade, e propõe percentuais de absorção de ferro não
heme segundo o estado nutricional do consumidor. Considerou-se 30% de absorção para
o ferro heme. O consumo de energia entre as crianças distribuídas segundo o gênero foi
avaliado para eliminar vieses de eventual insufi ciência energética. As variações segundo
gênero foram testadas por meio do teste “t”, considerando-se α = 0,05.
Aspectos éticos
O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos da PUC-Campinas, e apenas foram incluídas as crianças que receberam
autorização dos pais ou responsáveis por meio da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Atenderam aos critérios de inclusão 148 dos 167 questionários, sendo 74 meninos e
74 meninas, com 41 ± 9 meses e 38 ± 8 meses de idade, respectivamente (p > 0,3482). Os
motivos para exclusão foram: inconsistência do dado por difi culdades na etapa de pesagem
(repetição da refeição ou descarte de restos sem o conhecimento do pesquisador) e não
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais dos menores.
Encontrou-se inadequação do consumo de ferro para 14,8% dos meninos (consumo < EAR),
com diferença signifi cante do percentual de 5,4% observado entre as meninas (p < 0,05).
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
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Entre os agonistas ou favorecedores de absorção de ferro, nota-se baixo consumo
de vitamina C para 31% dos meninos e 17,8% das meninas, mas não há preocupação com
o consumo de proteína, uma vez que 97,3% dos meninos e 94,6% das meninas (p > 0,05)
apresentam bom consumo do nutriente, como demonstra-se por meio da tabela 1.
Tabela 1 – Distribuição dos pré-escolares quanto ao atendimento às necessidades de ferro, vitamina C e proteína, segundo gênero. Campinas, 2003
25 a 72 meses
FerroMasculino Feminino
n % n %
< EAR * 11 14,8 4 5,4
EAR -RDA 25 33,7 16 21,6
> RDA* 38 51,3 54 72,9
Total 74 100 74 100
Vitamina C n % n %
< EAR * 23 31,0 13 17,6
EAR -RDA 4 5,4 0 0
> RDA* 47 63,5 61 82,4
Total 74 100 74 100
Proteína n % n %
< EAR 1 1,3 3 4,1
EAR -RDA 1 1,3 1 1,4
> RDA 72 97,3 70 94,6
Total 74 100 74 100
* p < 0,05.
Na tabela 2 estão organizados os resultados quanto ao fornecimento de energia e ambas
as formas de ferro avaliadas no estudo. Não houve diferença para o consumo de energia
(p = 0,069), ferro total (p = 0,395) ou ferro absorvível (p = 0,353) entre meninos e meninas.
Tabela 2 – Valores médios para consumo de energia, ferro total e estimativa de ferro absorvível, segundo gênero entre pré-escolares. Campinas, 2003
Energia (Kcal) Ferro Total (mg) Ferro Absorvível (mg)
Média DP IC Média DP IC Média DP IC
Sexo Masculino 1337 44,36 1249,78 1423,69 10,59 0,549 9,52 11,67 0,6 0,038 0,525 0,675
Sexo Feminino 1223 44,15 1136,85 1309,92 9,94 0,546 8,87 11,01 0,55 0,038 0,475 0,624
p = 0,069 p = 0,395 p = 0,353
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Considerando-se almoço e jantar, as fontes protéicas de origem animal estiveram
presentes em 593 das 616 refeições, o que mostra a elevada ocorrência destes alimentos
na dieta da população estudada. As quantidades de carnes e ovos consumidas estão
apresentadas na tabela 3, que contém também a quantidade média de proteína consumida,
segundo a fonte de origem animal. A carne bovina é a fonte mais prevalente, e, especialmente
na forma cozida; em seguida, a carne de frango e os ovos. A soma de peixes, carne suína,
sopa com carne de frango e embutidos totalizou 19 ocorrências, ou 3,2% das fontes protéicas.
Em 4 refeições nos horários de almoço e jantar houve leite.
A quantidade de carne consumida apresenta grande variação, com valores médios
per capita de 27 a 55g por refeição, sendo os valores mais altos observados quando a carne
bovina é apresentada como bife, na forma grelhada.
Tabela 3 – Quantidade média per capita/dia das fontes protéicas e de proteína de origem animal consumidas por pré-escolares. Campinas, 2003
Alimento n %Consumo per capita Proteína per capita
média DP média DP
Carne bovina cozida 176 29,7 27,3 25,8 7,0 7,2
Sopa de legumes com carne bovina 146 24,6 135,22 120,5 8,0 7,5
Frango 104 17,5 33,4 25,0 9,3 6,9
Carne bovina grelhada (bife) 99 16,7 54,9 33,3 16,0 9,7
Canja 25 4,2 120,33 75,2 7,7 4,8
Ovo 24 4,0 61,7 36,6 7,9 4,7
Outros1 19 3,2
593 100,0
1 Outras fontes protéicas de origem animal e número de ocorrências: sopa de frango: 8; salsicha: 5; mortadela: 2; carne suína: 2; peixe: 2.2 Peso da preparação; quantidade de carne bovina: 25% do peso líquido dos ingredientes.3 Peso da preparação; quantidade de frango: 50% do peso líquido dos ingredientes.
Houve correlação positiva e forte entre a energia da refeição e o conteúdo de ferro
total (R2 = 0,72824; p = 0,0074), não observada entre energia e ferro absorvível (R2 = 0, 47118;
p = 0,1013), como mostram as fi guras 1 e 2.
A partir da avaliação da quantidade de ácido ascórbico e de carne das refeições,
estimou-se que a absorção de ferro seja próxima a 6,3% do total ingerido pelos meninos,
e a 5,5% do ingerido pelas meninas.
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
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R = 0,85337; R2 = 0,72824; p = 0,0074.
Figura 1 – Correlação entre Energia (kcal) e Ferro total (mg) consumidos em cada refeição por pré-escolares de Campinas, 2003
R = 0,68643; R2 = 0, 47118; p = 0,1013.
Figura 2 – Correlação entre Energia (kcal) e Ferro absorvível (mg) consumidos em cada refeição por pré-escolares de Campinas, 2003
Energia Total kcal
Fer
ro t
ota
l (m
g)
100
6
5
4
3
2
1
0200 300 400 500 6000
Fer
ro a
bso
rvív
el (
mg)
100
5
4
3
2
1
0200 300 400 500 6000Energia Total kcal
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DISCUSSÃO
O consumo de ferro é melhor entre meninas (p< 0,05), uma vez que 72,9% apresentam
valores de ingestão superiores ao valor de RDA, contra 51,3% dos meninos, embora não
tenha sido observada diferença signifi cante para o consumo médio; a ausência de diferença
entre valores médios deve-se à grande variabilidade interindividual observada.
Os valores encontrados para energia total (Kcal), ferro total (mg) e ferro absorvível
(mg) foram superiores entre os meninos, mas sem diferença daqueles observados para
meninas. A energia presente na dieta ingerida pelas crianças apresentou uma média
de 1223Kcal e 1337Kcal para as meninas e meninos respectivamente, com 113Kcal de
diferença entre os gêneros (p = 0,069). Para o ferro total (mg) foram observados os valores
médios de consumo de 9,94mg para as meninas e 10,60mg para os meninos, ambos
suprindo a recomendação diária do mineral (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002), e com
diferença de 0,65mg, não signifi cante (p = 0,395). O ferro absorvível variou 0,04mg entre
gêneros, também sem diferença signifi cante (p = 0,353) e apresentou 5,71% do ferro total
para meninos, e 5,53% para meninas.
O fato de termos apenas 0,55 e 0,6mg de absorção para um consumo de 9 e 10mg
decorre da pequena quantidade de fontes alimentares de carnes e frutas, conseqüentemente
com poucos agonistas de absorção. Utilizando o método empregado neste estudo para
estimativa de ferro absorvível, Osório, (2000) estimou haver baixa biodisponibilidade de
ferro em dietas de crianças de 6-59 meses, em todos os grupos etários e áreas geográfi cas
do Estado de Pernambuco. Os resultados do presente estudo mostram que apesar da
elevada freqüência de oferta de carnes, as quantidades efetivamente consumidas pelos
escolares são pequenas para garantir seu efeito promotor sobre a efi ciência na absorção
do ferro.
Depois dos seis primeiros meses de vida, quando as reservas de ferro do período
intra-uterino estão bastante baixas, é preciso suprir com ferro adicional por meio da dieta em
virtude da rápida expansão do volume sangüíneo e para a reposição das perdas do mineral
(DALLMAN, 1992; DAVIDSSON, 2003). A OMS/OPAS (2002) recomenda a introdução de
alimentos complementares, em adição ao leite humano, a partir desta idade.
Monteiro, Szarfarc e Mondini (2000) já registraram que o risco de defi ciência do
mineral aumenta muito ao longo do primeiro ano de vida (de 33,7% para 71,8% entre o
primeiro e o segundo semestre), permanece elevado no segundo ano de vida (65,3%) e
retrocede de forma gradual a partir do terceiro (26% no quinto ano de vida).
Segundo Stoltzfus e Pillai (2002), a identifi cação dos fatores causais da anemia
ferropriva é um dos passos propostos para o equacionamento das soluções necessárias
ao combate desta carência nutricional. Na infância, a alimentação excessivamente láctea
e o uso de leite de vaca no primeiro ano de vida são fatores predisponentes à elevação
da prevalência de anemia (WHARTON, 1999). De acordo com Henriques e Cozzolino
(2005), a causa mais comum da anemia na infância pode ser devida à superconfi ança no
leite, fonte pobre de ferro, associada à pequena quantidade de carne ingerida.
DOMENE, S. M. A.; ASSUMPÇÃO, D. Estimativa de ferro absorvível em dietas de pré-escolares residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 75-86, ago. 2008.
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Os resultados deste estudo mostram também que a adequação energética das dietas
não garante a adequação do consumo de ferro, uma vez que não se encontrou associação
entre o VET das refeições e o ferro absorvível, e que o atendimento às recomendações
pode não ser sufi ciente para garantir a qualidade nutricional de cardápios pobres em ácido
ascórbico e carne.
CONCLUSÕES
Apesar de fornecer ferro em quantidades superiores aos valores de recomendação
para o estágio de vida do grupo atendido, as refeições servidas aos pré-escolares assistidos
pelo PNAE em Campinas, resultam em baixa taxa de absorção do mineral.
A freqüência de oferecimento de carne nos cardápios dos escolares atendidos pelo
PNAE em Campinas é elevada. Contudo, dada a expectativa de alta prevalência de anemia
até os cinco anos de idade, é necessário aumentar a oferta de fatores agonistas (maiores
porções de carne, fontes de vitamina C) nas refeições principais dos pré-escolares, a fi m de
contribuir para a otimização do aproveitamento do ferro alimentar, e como estratégia para
o combate à anemia ferropriva. O uso de farinhas fortifi cadas com ferro e ácido fólico no
país a partir de 2004 para o preparo de massas e produtos panifi cáveis, empregados em
todas as refeições do cardápio da alimentação escolar, deve ser considerado em estudos
futuros dada a expectativa de sucesso desta intervenção sobre os indicadores de anemia
ferropriva.
REFERÊNCIAS/REFERENCES
ANVISA. Resolução RDC n. 344. Dispõe sobre o regulamento Técnico para Fortifi cação das farinhas de trigo e das farinhas de milho com ferro e ácido fólico. Brasília, 2002.
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Recebido para publicação em 16/10/07.Aprovado em 07/07/08.
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