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IPEF, n.37, p.45-50, dez.1987 ESTRUTURA ANATÔMICA, E COMPOSIÇÃO QUÍMICA, DE CAVACOS DE MADEIRA DE EUCAL I PTO INOCULADOS COM FUNGO Thermoascus aurantiacus CELSO GARCIA AUER Fundação de Ensino e Tecnologia de Alfenas Depto. de Engenharia Florestal 37130 - Alfenas - MG MARCIO PINHEIRO FERRARI Freudenberg Agro-Florestal Ltda. & Cia. 17120 - Agudos - SP MARIO TOMAZELLO FILHO e LUIZ ERNESTO GEORGE BARRICHELO ESALQ-USP, Depto. de Ciências Florestais 13400 - Piracicaba - SP ABSTRACT - The effects caused by a thermophilic fungus, Thermascus aurantiacus, on eucalypt chips were studied, based on hot water extractives, total sugars and phenolics substances content. Incubating at 45°C, chips inoculated with spores showed reductions of 16, 40 and 15%, on hot water extractives, total sugars and the content of phenolics substances, respectively. Histological sections showed differences on wood anatomical structure between the chips inoculated with spores and control. Mycelium and brown globulus related with vegetative structures of the fungus were observed inside ray cells and vessels. RESUMO - Este estudo apresenta os resultados do crescimento do fungo Thermascus aurantiacus, em cavacos de eucalipto, sobre os teores de extrativos solúveis em água quente, de açúcares e substâncias fenólicas. A inoculação do fungo na forma de esporas e posterior incubação dos cavacos a 45°C resultou em reduções de 16, 40 e 15% nos teores de extrativos solúveis em água quente, açúcares totais e substâncias Fenólicas, respectivamente. Cortes histológicos mostraram diferenças na estrutura anatômica da madeira de cavacos não-inoculados e inoculados, observados pelo crescimento micelial e pontuações escuras dentro dos vasos e células do raio, devidas às estruturas vegetativas do fungo. INTRODUÇÃO O fenômeno de elevação de temperatura em pilhas de cavacos de madeira, em pilhas de estocagem, tem despertado a atenção devido a possíveis alterações nos rendimentos em celulose. Sua ocorrência é considerada normal, nos países de clima temperado, para cavacos de madeira de coníferas e folhosas e, dependendo da sua intensidade, pode ocorrer a auto-ignição da madeira (SCHMIDT,1969).

ESTRUTURA ANATÔMICA, E COMPOSIÇÃO QUÍMICA, DE … · Nesse período foram realizadas as análises da estrutura anatômica, da madeira dos cavacos inoculados e não-inoculados,

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IPEF, n.37, p.45-50, dez.1987

ESTRUTURA ANATÔMICA, E COMPOSIÇÃO QUÍMICA, DE CAVACOS DE MADEIRA DE EUCAL I PTO INOCULADOS COM

FUNGO Thermoascus aurantiacus

CELSO GARCIA AUER Fundação de Ensino e Tecnologia de Alfenas

Depto. de Engenharia Florestal 37130 - Alfenas - MG

MARCIO PINHEIRO FERRARI

Freudenberg Agro-Florestal Ltda. & Cia. 17120 - Agudos - SP

MARIO TOMAZELLO FILHO

e LUIZ ERNESTO GEORGE BARRICHELO ESALQ-USP, Depto. de Ciências Florestais

13400 - Piracicaba - SP ABSTRACT - The effects caused by a thermophilic fungus, Thermascus aurantiacus, on eucalypt chips were studied, based on hot water extractives, total sugars and phenolics substances content. Incubating at 45°C, chips inoculated with spores showed reductions of 16, 40 and 15%, on hot water extractives, total sugars and the content of phenolics substances, respectively. Histological sections showed differences on wood anatomical structure between the chips inoculated with spores and control. Mycelium and brown globulus related with vegetative structures of the fungus were observed inside ray cells and vessels. RESUMO - Este estudo apresenta os resultados do crescimento do fungo Thermascus aurantiacus, em cavacos de eucalipto, sobre os teores de extrativos solúveis em água quente, de açúcares e substâncias fenólicas. A inoculação do fungo na forma de esporas e posterior incubação dos cavacos a 45°C resultou em reduções de 16, 40 e 15% nos teores de extrativos solúveis em água quente, açúcares totais e substâncias Fenólicas, respectivamente. Cortes histológicos mostraram diferenças na estrutura anatômica da madeira de cavacos não-inoculados e inoculados, observados pelo crescimento micelial e pontuações escuras dentro dos vasos e células do raio, devidas às estruturas vegetativas do fungo.

INTRODUÇÃO

O fenômeno de elevação de temperatura em pilhas de cavacos de madeira, em pilhas de estocagem, tem despertado a atenção devido a possíveis alterações nos rendimentos em celulose. Sua ocorrência é considerada normal, nos países de clima temperado, para cavacos de madeira de coníferas e folhosas e, dependendo da sua intensidade, pode ocorrer a auto-ignição da madeira (SCHMIDT,1969).

Os microorganismos termófilos são causadores da elevação da temperatura, estando relacionados às condições de umidade, temperatura e nutrientes dos cavacos formadores de pilhas (HAJNY,1966). A principal preocupação relaciona-se com os fungos celulóliticos que causariam, com as alterações na parede das fibras, perdas na produção de celulose. Por outro lado, existem estudos mostrando que a presença de certos microorganismos refletem em benefícios no processo industrial, pela diminuição do teor de extrativos dos cavacos de madeira estocada, com conseqüente diminuição no consumo de álcalis durante o cozimento (ASSARSSON, 1969).

Pelo exposto, o presente trabalho visa a determinar os efeitos do fungo termófilo Thermoascus aurantiacus, isolado de pilhas de cavacos de madeira de eucalipto com auto-aquecimento, sobre os teores de extrativos solúveis em água quente, açúcares totais e fenóis. As alterações na estrutura anatômica da madeira dos cavacos colonizados pelo fungo foram também estudadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Cavacos de madeira de eucalipto foram coletados no pátio da fábrica da Champion

Papel e Celulose Ltda., logo após a picagem das toras. Em seguida, os cavacos foram colocados para secagem ao ar, até atingirem umidade ao redor de 40%. Os cavacos foram transferidos para frascos de 20 litros, previamente desinfestados pela aplicação de 20 cm3

de brometo de metila, durante 72 horas. Em seguida os frascos permaneceram abertos, sob condições assépticas, para permitir a total dissipação do gás. Cerca de 180g de cavacos tratados foram colocados em frascos esterilizados, com capacidade de 1,6 litros.

Culturas puras do fungo Thermoascus aurantiacus, em placas de Petri com meio BDA, obtidas a partir de cavacos provenientes de pilhas com auto-aquecimento, foram utilizadas nas inoculações. A inoculação dos cavacos foi efetuada com esporos e micélio, retirados das placas de Petri. No tratamento com esporos, os cavacos foram inoculados com 1 ml de suspensão padronizada contendo 108 ascosporos, em água destilada esterilizada, por frasco. No tratamento com micélio, os cavacos foram inoculados com 5 discos de meio BOA com micélio vegetativo ativo, com 9 mm de diâmetro, por frasco. Os frascos com cavacos inoculados e não inoculados Foram colocados em estufa controlada a 45°C por 30 dias, para incubação, com 3 frascos por tratamento.

O reisolamento dos fungos dos cavacos foi feito após 15 e 30 dias de incubação, pela implantação de fragmentos internos dos cavacos em meio BOA e incubação por 72 horas a 45°C, segundo AUER (1986).

As análises químicas dos cavacos efetuadas após 30 dias de incubação compreenderam: teores de extrativos solúveis em água quente (Norma da Associação Técnica Brasileira de Celulose e Papel); teores de açúcares totais (Método de Solmogy -Nelson) e teores de substâncias fenólicas (Método foto-calorimétrico do tungstato de sódio e ácido fosfomolíbdico).

Nesse período foram realizadas as análises da estrutura anatômica, da madeira dos cavacos inoculados e não-inoculados, através do exame de cortes histológicos segundo metodologia de PRINCES RISBOROUGH LABORATORY (1976). Os cavacos foram mantidos sob vácuo, por 12 horas, em solução de EDTA a 4%, aquecidos a temperatura de 70-75°C por 30 minutos e obtidas seções finas dos planos transversal, tangencial e radial, com 18 um de espessura. As seções finas foram coradas através de três diferentes colorações, a saber: (i) safranina, por 1 minuto, lavagem em água destilada; picroanilina, por 2 minutos, com leve aquecimento; lavagem com água destilada; lavagem com álcool

absoluto e xilol; (ii) mesmo procedimento do tratamento (i), mas substituindo-se a picroanilina por lactofenol; (iii) mesmo procedimento do tratamento (i), mas retirando-se a safranina (CARTWRIGHT, 1929; QUINARO & CAMPOS, 1979). Das seções coradas foram feitas as montagens das lâminas permanentes, usando-se o meio Permount. Essas lâminas foram utilizadas nas análises microscópicas visando a analisar as alterações na estrutura anatômica da madeira dos cavacos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

NO reisolamento aos 15 e 30 dias de inoculação foram obtidas colônias puras de fungo somente a partir dos cavacos inoculados com a suspensão de esporas de T. aurantiacus. Este método de inoculação parece ser o mais eficiente na colonização dos cavacos, simulando, em parte, o que ocorre na natureza, pela disseminação do fungo através de esporos, sua posterior germinação na superfície da madeira e conseqüente colonização. A não recuperação do fungo, a partir dos cavacos inoculados com micélio, indica que através desse tipo de propágulo não houve colonização da madeira. A fragilidade do micélio transferido com o meio de cultura para a superfície dos cavacos e a temperatura de incubação, na fase inicial da colonização, podem explicar os resultados obtidos. Por outro lado, essa técnica de inoculação foi empregada com sucesso por OFOSU-ASIEDU & SMITH (1973), ao estudarem a perda de peso causada por micélio de fungos termófilos em blocos de madeira, sob condições assépticas. A partir dos cavacos não inoculados, não foi isolado nenhum fungo, mostrando assim a eficiência da fumigação.

As análises químicas da madeira de cavacos mostraram alterações para os tratamentos testemunha e com inoculação de esporos de T. aurantiacus (Tabela 1). Para os três parâmetros químicos estudados, notou-se uma redução nos teores de extrativos em água quente, açúcares totais e substâncias fenólicas, da ordem de 16, 40 e 15%, respectivamente, nos cavacos inoculados com esporos em relação à testemunha. Esses resultados têm sido registrados por vários autores, demonstrando inclusive a capacidade degradativa de arabinoses, xiloses e pectatos (FL.ANNIGAN & SELLARS, 1972; ADAMS & DEPLOY, 1978 e OBERT, 1979). Nos cavacos de madeira inoculados com micélio de T. aurantiacus, não fora verificadas diferenças significativas em relação a testemunha, indicando, conforme os resultados obtidos no reisolamento, a falta da colonização pelo fungo.

Outro aspecto a ser discutido relaciona-se às alterações químicas da madeira a temperaturas iguais ou superiores a 50oC (FEIST, HAJNY & SPRINGER, 1973), pelo aumento no teor de extrativos solúveis em água quente. Em conseqüência, ocorre maior disponibilidade de arabinose e outros açúcares da madeira para a utilização pelos fungos termófilos. Isto contribuiria para a eliminação desses componentes que causam aumento no consumo de álcalis durante o processo de deslignificação da madeira (HULME & HATTON, 1976 e FOELKEL & ZVINAKEVICIUS, 1979).

Os cortes anatômicos da madeira de cavacos inoculados com esporos, quando comparados com os não inoculados, mostraram diferenças marcantes na estrutura da madeira. Para os vários corantes utilizados. Essas alterações ocorrem durante o processo de colonização, quando após a germinação dos esporos do fungo inicia-se a penetração da hifa, através do parênquima radial ou raios da madeira. O crescimento da hifa ocorre às expensas das reservas acumuladas nas células do parênquima, atingindo, desta forma, o interior da madeira e destruindo a parede dessas células. A hifa do fungo desenvolve-se no interior dos vasos a partir das Células do parênquima radial, colonizando todo o cavaco e

produzindo novas frutificações que irão disseminá-lo na pilha de cavacos. O fungo foi visualizado através, de sua massa micelial e substâncias produzidas pelo seu metabolismo e posteriormente depositadas nas células da madeira (BLANCHETTE et alii, 1985). Dessa forma, as alterações a nível químico (Tabela 1) são conseqüência das alterações da madeira a nível estrutural. Essas alterações na estrutura anatômica são coincidentes com as observadas por WILCOX (1965) e ESLYN (1967). Nos cavacos testemunha e inoculados com micélio não foram verificadas as alterações descritas, sendo que a madeira apresentou a estrutura anatômica típica da espécie (TOMAZELLO FILHO, 1985). A Ausência de crescimento micelial e de alterações químicas significativas no tratamento inoculação com micélio explicam a não recuperação do fungo no processo de reisolamento.

AGRADECIMENTOS

Os autores expressam seus agradecimentos à Companhia Champion Papel e Celulose Ltda. e à Secretaria de Tecnologia Industrial STI..MIC, que possibilitaram a realização deste trabalho. A FAPESP através do Projeto 86/1506-6.

Tabela 1 - Efeito da inoculação de Therooascus aurantiacus sobre a composição química dos cavacos de madeira de eucalipto.

Tratamento Extrativos em Água quente (%)

Açúcares Totais (%)

Substâncias Fenólicas (%)

Sem inoculação Inoculação c/ micélio Inoculação c/ esporos

3,65(1)

3,53 3,06

0,92 0,68 0,55

0,46 0,44 0,39

(1) Média de 3 repetições (frascos)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ADAMS, P.R. & DEPLOEY, J.J. Enzymes produced by thermophilic fungi. Mycologia,

New York, 70: 906-10, 1978. ASSARSSON, A. Some reactions during storage and how to control them. Pulp and

Paper Magazine of Canada, Westmount,70: 74-9, 1969. AUER, C.G. Levantamento de fungos termófilos associados a pilhas de cavacos de

Eucalyptus spp. Piracicaba, 1986. 87p. (Tese-Mestrado-ESALQ). BLANCHETTE, R.A. et alii. Changes in structural and chemical components of wood

delignified by fungi. Wood Science and Technology, New York, 19: 35-46, 1985. CARTWRIGHT, K.S.G. A satisfactory method of staining fungal mycelium in wood

sections. Annals of Botany, London, 43: 412-3. 1929. ESLYN, W.E.. Outside storage, of hardwood chips in the northeast: 2. Microbiological

effects. Tappi, Atlanta, 50(6): 297-303, 1967.

FEIST, W.C.; HAJNY, C.J. & SPRINGER, E.L. Effect of storage green wood chips at elevated temperatures. Tappi, Atlanta, 56: 91-5, 1973.

FLANNIGAN, B. & SELLARS, P.N. Activities of thermophilous fungi from barley

kernels against arabinixylan and carboxymethyl cellulose. Transactions of the British Mycological Society, London, 58: 338-41, 1972.

FOELKEL, C.E.B. & ZVINAKEVRCIUS, C. Estudo da influência da deterioração de

cavacos de eucalipto nas propriedades da celulose kraft. O Papel, São Paulo, 40: 40-8, 1979.

HAJNY, G.J. Outside storage of pulpwood chips. A review and bibliography. Tappi,

Atlanta, 49: 47-105, 1966. HULME, M.A. & HATTON, J.V. Influence of high temperatures during chip pile storage

on hardwood fiber yields. Tappi, Atlanta, 59:154-5, 1976. OBERT, F. Sulmetabolismo di mono-, oligo-, e polisaccaridi in Thermoascus aurantiacus

Miehe. Allionia, Turin,23: 79-83, 1979. OFOSU-ASIEDU, A. & SMITH, R.S. Some factors affecting wood degradation by

thermophilic and thermotolerant fungi. Mycologia, New York, 65: 87-98, 1973. PRINCES RISBOROUGH LABORATORY. The preparation of wood formicroscopical

examination. London, 1976. 5p. QUINARD, R.S. & CAMPOS, M.G.M.. Técnicas anatomomicroscópicas para detectar

microorganismos associados com descortezadores (Dendroctonus sp) produtores de la mancha azul. Ciencia Forestal, México, 4(20): 3-13, 1979.

SCHMIDT, F.L. Observations on spontaneous heating toward combustion of commercial

chip piles. Tappi, Atlanta, 52: 1700-1, 1969. TOMAZELLO FILHO, M. - Estrutura anatômica da madeira de oito espécies de eucalipto

cultivadas no Brasil. IPEF, Piracicaba, (29): 25-36, 1985. WILCOX, W.W. Fundamental characteristics of wood decay, indicated by a sequential

microscopical analysis. Forest Products Journal, Madison, 15(7): 225-9, 1965.

Figura 1 - Seção transversal da madeira de cavacos de eucalipto testemunha (1A, 1B) e inoculados com esporos de T. aurantiacus (1C, 1D), mostrando o parênquima radial com pontuações escuras e crescimento micelial do fungo.

Figura 2 - Seção tangencial da madeira de cavacos de eucalipto testemunha (2A, 2B) e inoculados com esporos de T. aurantiacus (1C, 1D), mostrando o parênquima radial com pontuações escuras e crescimento micelial do fungo.

Figura 3 - Corte radial da madeira de cavacos de eucalipto testemunha (3A, 3B) e inoculados com esporos de T. aurantiacus (3C, 3D), mostrando o parênquima radial com pontuações escuras e crescimento micelial do fungo.