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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 175-179 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Estudo das granadas das marmitas do rio Dande (Angola) Study of pothole garnets from Dande River (Angola) M. Pereira 1* , P. Araújo 1 , J. Ferreira 1 , C. Freitas 1 , F. Guimarães 1 , C. Leal Gomes 1 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: No Norte de Angola, província de Bengo, a jusante da barragem das Mabubas, ocorrem numerosas marmitas de gigante no leito vivo do rio Dande, que funcionaram como armadilhas propícias ao aprisionamento hidrogravítico de minerais densos provenientes de litótipos aflorantes a montante. No presente trabalho é feita uma análise à fracção granatífera dos concentrados de minerais densos do rio Dande, tendo como base a morfoscopia dos clastos, as características cromáticas e composição química das granadas. A variabilidade composicional situa-se próxima da composição da almandina. No entanto ocorrem termos que podem ser encarados como rodolíticos típicos, por vezes, mesmo com qualidade gemológica. Procurou-se estabelecer relações de filiação entre as granadas e as fácies granulíticas que afloram a montante. Palavras-chave: Marmitas, Granada, Morfoscopia, Minero-Química. Abstract: In northern Angola, Bengo province, downstream from the Mabubas dam, in Dande river bed, there are a number of potholes which acted as hydrodynamic traps, arresting dense minerals eroded and transported from upstream outcrops. This paper presents an analysis of the garnet fraction, based on the clasts morphoscopy, chromatic characteristics and mineral chemistry. The distribution of garnet fraction varies between rhodolitic term and almandine species. Attempt was made to establish the affinity between the composition of the garnets and parent upstream lithologies, considering type and distance of transport. Keywords: Potholes, Garnet, Morphoscopy, Mineral chemistry. 1 CIG-R; Escola de Ciências, Universidade do Minho, Gualtar, 4710-057 – Braga. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução A região em estudo situa-se no Norte de Angola - província de Bengo, e é atravessada pela rede hidrográfica do rio Dande. Com a construção da barragem das Mabubas, as águas ficaram sujeitas a regimes de aprisionamento e descarga que ocasionalmente expõem o leito vivo onde surgem numerosas marmitas de gigante, típicas de erosão fluvial (marmitas de refluxo). Muitas destas marmitas funcionaram como armadilhas estruturais de aprisionamento hidrogravítico, retendo abundantes minerais densos com diferentes origens e granulometrias. A granada é um dos minerais que surge em concentração elevada, exibindo características gemológicas com interesse económico. Como tal, o objectivo do presente estudo centrar-se-á na fracção granatífera, com vista a compreender a sua origem, modo de transporte, morfoscopia e composição dos clastos, considerando, adicionalmente, o interesse económico que possam apresentar, dado que o desgaste dos clastos eliminou danos e permitiu realçar qualidades cristalinas compatíveis com a utilização em joalharia e ornamentação. Granadas com características contrastantes do ponto de vista das propriedades físicas, granulometria, morfometria, morfoscopia de clastos e formas cristalinas foram sujeitas a observação óptica em secções polidas e estudo do contraste de fase em microscópio electrónico de varrimento (imagens de electrões retrodifundidos). As fases discriminadas foram sujeitas a análise química pontual em microssonda electrónica. 2. Enquadramento geológico A região de Dande é constituída, essencialmente, por rochas gnaíssicas do Complexo Base (Fig. 1). Este é composto por duas séries características: a dos gnaisses superiores (onde também ocorrem calcários cristalinos) e a dos gnaisses biotítico-granitíferos (ou gnaisses inferiores). A passagem entre as feições litológicas dá-se de modo gradual (Gaspar, 1976). A primeira série inclui bandas espessas de calcários metamórficos, às quais se associam, de modo descontínuo, bandas quartzo-feldspáticas. Quanto à série gnaíssica, propriamente dita, esta é formada por gnaisses biotíticos enriquecidos em granadas que podem ser observados nas margens do rio Dande e nos cortes das estradas de acesso à barragem. A grafite presente nas duas séries sugere que ambas as litologias tiveram uma origem sedimentar (Gaspar, 1976). Todo o complexo é intruído por rochas graníticas e granodioríticas, bem como por intrusões filonianas pegmatíticas e por rochas filonianas básicas que cortam todas as anteriores. Por último, relata-se a ocorrência de filões de quartzo e barite que foram explorados no passado (Gaspar, 1976). Artigo Curto Short Article

Estudo das granadas das marmitas do rio Dande (Angola) · Resumo: No Norte de Angola, província de Bengo, a jusante da ... Fontes: Foto de satélite - Flash Earth; Mapa geológico

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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 175-179 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Estudo das granadas das marmitas do rio Dande (Angola) Study of pothole garnets from Dande River (Angola) M. Pereira1*, P. Araújo1, J. Ferreira1, C. Freitas1, F. Guimarães1, C. Leal Gomes1

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: No Norte de Angola, província de Bengo, a jusante da barragem das Mabubas, ocorrem numerosas marmitas de gigante no leito vivo do rio Dande, que funcionaram como armadilhas propícias ao aprisionamento hidrogravítico de minerais densos provenientes de litótipos aflorantes a montante. No presente trabalho é feita uma análise à fracção granatífera dos concentrados de minerais densos do rio Dande, tendo como base a morfoscopia dos clastos, as características cromáticas e composição química das granadas. A variabilidade composicional situa-se próxima da composição da almandina. No entanto ocorrem termos que podem ser encarados como rodolíticos típicos, por vezes, mesmo com qualidade gemológica. Procurou-se estabelecer relações de filiação entre as granadas e as fácies granulíticas que afloram a montante.

Palavras-chave: Marmitas, Granada, Morfoscopia, Minero-Química. Abstract: In northern Angola, Bengo province, downstream from the Mabubas dam, in Dande river bed, there are a number of potholes which acted as hydrodynamic traps, arresting dense minerals eroded and transported from upstream outcrops. This paper presents an analysis of the garnet fraction, based on the clasts morphoscopy, chromatic characteristics and mineral chemistry. The distribution of garnet fraction varies between rhodolitic term and almandine species. Attempt was made to establish the affinity between the composition of the garnets and parent upstream lithologies, considering type and distance of transport.

Keywords: Potholes, Garnet, Morphoscopy, Mineral chemistry.

1CIG-R; Escola de Ciências, Universidade do Minho, Gualtar, 4710-057 – Braga. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução

A região em estudo situa-se no Norte de Angola - província de Bengo, e é atravessada pela rede hidrográfica do rio Dande. Com a construção da barragem das Mabubas, as águas ficaram sujeitas a regimes de aprisionamento e descarga que ocasionalmente expõem o leito vivo onde surgem numerosas marmitas de gigante, típicas de erosão fluvial (marmitas de refluxo).

Muitas destas marmitas funcionaram como armadilhas estruturais de aprisionamento hidrogravítico, retendo abundantes minerais densos com diferentes origens e granulometrias. A granada é um dos minerais que surge

em concentração elevada, exibindo características gemológicas com interesse económico. Como tal, o objectivo do presente estudo centrar-se-á na fracção granatífera, com vista a compreender a sua origem, modo de transporte, morfoscopia e composição dos clastos, considerando, adicionalmente, o interesse económico que possam apresentar, dado que o desgaste dos clastos eliminou danos e permitiu realçar qualidades cristalinas compatíveis com a utilização em joalharia e ornamentação.

Granadas com características contrastantes do ponto de vista das propriedades físicas, granulometria, morfometria, morfoscopia de clastos e formas cristalinas foram sujeitas a observação óptica em secções polidas e estudo do contraste de fase em microscópio electrónico de varrimento (imagens de electrões retrodifundidos). As fases discriminadas foram sujeitas a análise química pontual em microssonda electrónica.

2. Enquadramento geológico

A região de Dande é constituída, essencialmente, por rochas gnaíssicas do Complexo Base (Fig. 1). Este é composto por duas séries características: a dos gnaisses superiores (onde também ocorrem calcários cristalinos) e a dos gnaisses biotítico-granitíferos (ou gnaisses inferiores). A passagem entre as feições litológicas dá-se de modo gradual (Gaspar, 1976).

A primeira série inclui bandas espessas de calcários metamórficos, às quais se associam, de modo descontínuo, bandas quartzo-feldspáticas. Quanto à série gnaíssica, propriamente dita, esta é formada por gnaisses biotíticos enriquecidos em granadas que podem ser observados nas margens do rio Dande e nos cortes das estradas de acesso à barragem. A grafite presente nas duas séries sugere que ambas as litologias tiveram uma origem sedimentar (Gaspar, 1976).

Todo o complexo é intruído por rochas graníticas e granodioríticas, bem como por intrusões filonianas pegmatíticas e por rochas filonianas básicas que cortam todas as anteriores. Por último, relata-se a ocorrência de filões de quartzo e barite que foram explorados no passado (Gaspar, 1976).

Artigo Curto Short Article

176 M. Pereira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 175-179

Fig. 1. Enquadramento geográfico e geológico da região em estudo; Imagem de satélite da barragem das Mabubas e canal fluvial do rio Dande (a jusante), com área de ocorrência das marmitas destacada. Fontes: Foto de satélite - Flash Earth; Mapa geológico - Gaspar, 1976. Fig. 1. General geology and geographical framework of the study area. Satellite image of Mabubas dam and downstream river Dande fluvial channel, with potholes occurrence area highlighted. Sources: Satellite image - Flash Earth; Geological map - Gaspar, 1976.

3. Resultados

3.1. Morfoscopia de clastos e características da fracção granatífera

As granadas ocorrem frequentemente em grãos rodados de forma elipsoidal, cor rósea e elevada transparência compatível com uma aplicação nobre, em joalharia.

Os resultados das medições realizadas ao eixo maior dos elipsoides clásticos encontram-se apresentados na figura 2. Estes exibem uma distribuição normal e as medições efectuadas demonstram que a variação granulométrica é muito reduzida (2-7 mm), salientando-se que o intervalo granulométrico entre 3 e 5 mm inclui cerca de 84% os clastos medidos e a granulometria mais frequente é de 4mm - medições em análise de imagem de concentrados densos.

A análise da morfoscopia dos clastos foi realizada tendo em conta a classificação proposta por Powers (1953) para a esfericidade. Os clastos observados exibem alguma esfericidade embora os elipsoidais sejam predominantes. Quanto ao desgaste, os grãos variam entre muito arredondados a muito angulosos (MacLeod, 2002).

Os resultados desta análise (Fig. 3), mostram que as granadas são maioritariamente arredondadas. A baixa esfericidade é mais frequente, com 56,7% da frequência relativa, contrastando com os 43,7% correspondentes a partículas com elevada esfericidade.

As amostras de baixa esfericidade são dominadas pela categoria “sub-arredondado” que representam cerca de 23% do total analisado. Relativamente à elevada esfericidade, os resultados obtidos demonstram que os clastos que apresentam um carácter arredondado correspondem a cerca de 16% da amostra analisada.

Fig. 2. Frequência relativa das diferentes granulometrias dos clastos (mm). Fig. 2. Relative frequency of clasts different grain sizes (mm).

Relativamente à fracção granatífera, importa ainda

referir que esta surge associada aos seguintes minerais densos:

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- Distena – segunda fracção mais abundante a seguir à granada;

- Escapolite abundante, incluindo meionite e marialite; - Feldspatos densos- hyalofana, celsiana, Pb-microclina; - Barite + columbite-tantalite + monazite + turmalina

(schorl) + topázio + crisoberilo. As granadas menos transparentes apresentam inclusões

de ilmenite, rútilo, biotite, hematite, magnetite e fosfatos (especialmente de Ca, de Terras Raras e de Y).

Fig. 3. Frequência relativa das diferentes categorias de desgaste, tendo em conta a esfericidade das amostras (mm). Fig. 3. Relative frequency of wear rate different categories, taking into account the samples sphericity (mm).

3.2. Características cromáticas

Os clastos em estudo exibem uma variação cromática situada no intervalo do rosa-escuro - vermelho. A essa variação correspondem os seguintes índices de Munsell para a “new-color-chart”: 2.5R5/14, 2.5R5/18 e 5R5/16.

3.3. Composição Minero-química e classificação das granadas

Os resultados da análise química pontual em microssonda electrónica encontram-se representados na tabela 1, bem como a sua normalização a 12 O (Tabela 2). De modo a sintetizar os resultados obtidos, optou-se por apresentar apenas as composições dos espécimes de granada representativos da maior variabilidade composicional obtida.

Tabela 1. Composições químicas selecionadas e representativas da fracção granada. Legenda: A – Granada com maior percentagem em

molécula espessartite (Mn); B – Granada com maior percentagem em molécula piropo (Mg); C – Granada com maior percentagem em

molécula grossulária (Ca); D – Granada com maior percentagem em molécula almandina (Fe).

Table 1. Selected chemical compositions representative of the garnet fraction. Legend: A – Garnet with the highest spessartine (Mn), B –

Garnet with the highest pyrope proportion (Mg), C – Garnet with highest grossular proportion (Ca), D – Garnet with the highest

almandine proportion (Fe).

Tabela 2. Número 4 átomos por fórmula unitária nas granadas normalizados a 12 O. Legenda: A – Granada com maior percentagem de espessartite (Mn); B – Granada com maior percentagem de piropo (Mg); C – Granada com maior percentagem de grossulária (Ca); D –

Granada com maior percentagem de almandina (Fe).

Table 2. APFu normalized to 12 O per formula. Legend: A – Garnet with the highest spessartine proportion (Mn), B – Garnet with the highest pyrope proportion (Mg), C – Garnet with highest grossular proportion (Ca), D – Garnet with the highest almandine proportion

(Fe).

Assim, são apresentados quatro espécimes que representam os extremos da variação obtida:

A – Granada com maior percentagem em molécula espessartite (Mn)

B – Granada com maior percentagem em molécula piropo (Mg)

C – Granada com maior percentagem em molécula grossulária (Ca);

D – Granada com maior percentagem em molécula almandina (Fe);

Utilizando a fórmula de cálculo estrutural específica para a família das granadas (X3Y2(SiO4)3), procedeu-se à sua classificação, utilizando dois diagramas ternários distintos (Grew et al., 2013), que quantificam a percentagem de ocupação de cada catião na posição X da fórmula estrutural, representados na figura 4.

No que diz respeito aos resultados obtidos, as amostras analisadas mostram que o Fe2+ constitui o principal catião que ocupa a posição X da fórmula química das granadas (Grew et al., 2013). Salienta-se que todas as amostras que se encontram próximos do pólo da Almandina não apresentam composição pura - dificilmente observada no estado natural.

Fig. 4. Projecção do conjunto de amostras nos diagramas ternários Almandina-Piropo-Espessartite (A) e Piralspite-Grossulária-Andradite (B). No diagrama A, encontram-se representados os domínios atribuídos ao termo rodolítico (R) e à espécie Almandina (A). Fig. 4. Projection of the samples set in the ternary diagrams Almandine-Pyrope-Spessartine (A) and Pyralspite-Grossular-Andradite (B). In the diagram are shown the rhodolitic domains (R) and almandine species domains (A).

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Na tabela 3 indicam-se as designações composicionais baseadas no diagrama Fe-Mg-Mn (Fig. 4–A, segundo nomenclatura de Hanneman (2000)). De um modo geral, constata-se que as granadas correspondem ao termo rodolítico (almandina – piropo) e à espécie almandina (Hanneman, 2000).

Tabela 3. Classificação atribuída aos espécimes representativos da maior variabilidade da fracção granada; Legenda: R- Rodolite/ A-

Almandina. Table 3. Classification assigned to the representative specimens of the

greater variability of garnet fraction; Legend: R-rhodolite / A-almandine.

No diagrama ternário Piralspite – Grossulária – Andradite (Fig. 4–B) representam-se composições (Espécime C), que se encontram enriquecidas em Ca quando comparadas às restantes, apresentando alguma tendência de evolução composicional no sentido do pólo da grossulária.

Ambas evidenciam valores percentuais muito próximos, com 25% de Ca, 55% de Fe e 18 a 19% de Mg. Isto significa que em ambas as amostras o Ca é o segundo catião com maior representação no locci X. As restantes amostras apresentam baixas percentagens de Mn e Ca, raramente atingindo os 10% em peso dos respectivos óxidos.

4. Discussão

Na geologia regional distinguem-se diferentes corpos que podem ter contribuído para a diversidade mineralógica observada nos clastos. Segundo Gaspar (1976), muitas litologias aflorantes na área em estudo apresentam granada como mineral acessório ou mesmo como mineral essencial. As séries que constituem o Complexo de Base, e que afloram extensivamente, apresentam granada frequentemente. Os filões pegmatíticos que recortam as séries anteriores e algumas rochas de fácies granulíticas aflorantes nesta região também mostram granada por vezes em quantidades modais muito elevadas (> 70%) (Gaspar, 1976).

Tendo em conta as afinidades geoquímicas para cada litologia representada a montante das colheitas, espécimes classificados como rodolites, podem ter origem em rochas de metamorfismo de alto grau tais como os granulitos e alguns micaxistos (Deer et al., 2000). A petrologia proposta em Gaspar (1976) é coerente com o proposto uma vez que este autor descreve a ocorrência de piropo-almandina em fácies granulíticas piroxénicas que afloram nas proximidades destas ocorrências. Algumas bancadas destas formações apresentam abundante distena.

As granadas classificadas como almandinas, podem ter uma origem mista, atribuída à série dos gnaisses biotítico-

granatíferos, bem como aos filões pegmatíticos aflorantes na área. Também os estudos de Gaspar (1976) corroboram esta afirmação na medida em que o autor caracteriza as granadas da série dos gnaisses inferiores como “granadas-vermelho escuro a vermelho – róseo, presentes nas bancadas de biotite”.

Em relação às granadas enriquecidas em Ca, do tipo B (Fig. 4-B), sugere-se, que estas tenham origem nas séries metamórficas aluminosas com intercalações de calcários cristalinos, ou gnaisses superiores, onde o ambiente rico em Ca, também referenciado pela presença de diópsido e escapolite de algum modo explicaria a existência de termos granatíferos mais ricos em Ca.

No que respeita às granadas com origem em filões pegmatíticos, estas devem ter sido resultado da recristalização das anteriores devido ao tipo de implantação do campo pegmatítico, possivelmente relacionado com anatexia direta - os tipos pegmatíticos variam entre abissais e micáceos de anatexia. Deste modo também seria possível justificar as dimensões observadas (<1 cm - 30 cm) bem como o baixo conteúdo em Mn - pólo da espessartite, típico de granadas, pelo menos parcialmente, dependentes de fraccionação granito-pegmatítica.

Em relação ao transporte sofrido e à distância em relação às fontes primárias principais, admitindo que as marmitas promovem um maior desgaste dos clastos que se depositam no seu interior, favorecendo a esfericidade e arredondamento, a presença de partículas angulosas aí sugere que a distância da fonte primária dos clastos ao local de deposição é reduzida. De facto as granadas menos roladas parecem ser do tipo mais almandínico em coerência com o afloramento próximo dos gnaisses granatíferos.

No que concerne aos clastos com maior desgaste seria necessário um estudo mais abrangente, para esclarecer se este se deve à interacção do tempo de residência na marmita, do transporte fluvial ou da conjugação de ambos.

Em primeira análise, o carácter rodolítico, típico das granadas mais roladas e transparentes, estaria correlacionado com distâncias mais significativas de transporte que medeiam entre a ocorrência estudada a posição de leitos muito biotíticos com distena e piroxena os quais especulariam protólitos mais ferromagnesianos sujeitos a metamorfismo nas fácies granulíticas.

5. Conclusões

Do conjunto de minerais concentrados no fundo das marmitas destacam-se três fracções clásticas e composicionais de granadas: rodolite, almandina e almandina rica em Ca. Considerando as composições químicas de granadas, por afinidade química, é possível sugerir fontes primárias de proveniência.

Admite-se assim que a rodolite provém de fácies de alto metamorfismo, do tipo granulítico piroxénico e de alguns leitos de micaxistos biotíticos com distena. Por sua vez, as almandinas têm uma maior afinidade com os gnaisses biotítico-granatíferos e com os pegmatitos que

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cortam estas unidades. Finalmente, as almandinas enriquecidas em Ca, provavelmente, representam uma assinatura mineroquímica relacionada com a componente carbonatada presente nos gnaisses superiores, dado o maior conteúdo de Ca destas unidades.

Numa tentativa de determinar as condições e tempos de transporte aos quais a fracção granada foi sujeita, foi realizada uma análise da morfoscopia dos clastos. O intervalo granulométrico dominante nas granadas em geral é compreendido entre 3 e 5 mm, onde as maiores se encontram mais arredondadas e as mais pequenas mais angulosas.

A dimensão (3-5 mm), a cor e a transparência tornam estas granadas, sobretudo as de feição rodolítica, lapidáveis e portanto com interesse gemológico. Como a quantidade existente nas marmitas é considerável, justifica-se que este segmento do canal fluvial principal do

rio Dande seja encarado como um potencial depósito aluvionar de granadas rodolíticas com valor gemológico.

Referências

Deer, W., Howie, R., Zussman, J., 2000. Minerais constituintes das rochas – Uma introdução. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 45-60.

Gaspar, A., 1976. Nota prévia sobre os pegmatitos graníticos da região das Mabubas. Separata do Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, XX, 1-24.

Grew, E., Locock, A., Mills, S., Galuskina, I., Galuskin. E., Hålenius, U., 2013. Nomenclature of the garnet supergroup. IMA Report. American Mineralogist, 98, 785-811.

Hanneman, W., 2000. Naming Gem Garnets. Ph.D. Thesis. Hanneman Gemological Instruments. Castro Valley, California.

MacLeod, N., 2002. Geometric morphometrics and geological form-classification systems. Earth-Science Reviews, 59, 27-47.

Powers, M., 1953. A new roundness scale for sedimentary particles. Journal of Sedimentary Petrology, 23, 117-119.