Estudo de caso da aplicação da Lei nº 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria das Graças Vieira de Araújo

7/18/2019 Estudo de caso da aplicação da Lei nº 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria das…

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso é relato da execução e resultados de projeto

de intervenção pedagógica realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

Maria das Graças Vieira de Araújo, situada na estrada do Barro Vermelho, no km 22, na zona

rural do município de Rio Branco, capital do Estado do Acre, onde trabalho como professora

de ensino fundamental para classe de 07 alunos, da série 9º ano, ministrando as disciplinas de

artes, espanhol, geografia, história, matemática, português e religião.

Na Escola supracitada o corpo profissional é composto por 03 professores, 01

merendeira/zeladora, enquanto o espaço físico é constituído por 02 salas de aula, sendo uma

equipada com carteiras e quadro de giz, e a outra em que leciono, equipada com carteiras,quadro branco, televisão e aparelho de DVD, com um “cantinho da pesquisa” com livros e

revistas. Além de uma área (varanda) onde os alunos fazem as refeições. A opção pelo uso do

“A jeum”, que significa comida para as religiões de matrizes africanas, como mecanismo de

sensibilização e base para as ações desenvolvidas junto aos alunos da escola, foi feita a partir

do material e condições de trabalho na zona rural. Visto que, devido à localização da escola e

as dificuldades de transporte dos alunos para outras localidades tornava-se difícil realizar

atividades externas aquele local.Assim, pensei em utilizar dos recursos que tinha ao meu alcance, dentre eles os de

maior disponibilidade eram os alimentos para merenda escolar. Então, com o intuito de

elaborar meu trabalho de conclusão de curso como intervenção pedagógica, busquei pensar

sobre a presença africana nos hábitos, tradições e modos de vida dos brasileiros, para

valorizar sua inserção em nossa sociedade. Por isso, o projeto, realizado entre os meses de

setembro à dezembro de 2014, tentou despertar o interesse dos educandos em conhecer a

culinária trazida pelos escravos oriundos da África para o Brasil e que são utilizadas tambémcomo oferenda aos orixás em rituais religiosos, de modo a levar os discentes a reconhecer e a

apreciar as contribuições do negro na formação cultural brasileira, obtendo por consequência

incentivar o interesse pela história afro-brasileira, e o respeito às manifestações da cultura

africana.

Com a Lei Federal nº 10.639/2003, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares, a fim de incentivar seu

reconhecimento, pois, há divergências nas relações socioculturais. No início da trajetória

escolar é ensinado que a formação da cultura brasileira é dividida em três “raças”: branca,

indígena e negra. Entretanto, a ênfase do ensino da história e cultura é direcionada, sobretudo,



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para a cultura de matriz europeia. E em menor quantidade e importância são abordadas as

referentes aos povos indígenas e africanos.

Logo o projeto foi desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

Maria das Graças Vieira de Araújo, com os alunos do 9º ano, onde foram realizadas várias

atividades para promover a sensibilização em relação ao ensino de história e cultura africana e

afro-brasileira. Na oportunidade, foi realizada aula expositiva e dialogada sobre a conexão

entre o cotidiano dos discentes e a temática do ensino de cultura e história afro-brasileira,

conforme detalhado em etapa seguinte do texto. A proposta daquela atividade foi atrair a

atenção deles a fim de compreenderem que o contexto atual é fruto de uma trajetória

decorrente da somatória de elementos culturais e sociais dos modos de vida das populações

que compõe a sociedade brasileira.Por fim, foram apresentados dois pratos típicos da culinária ritualística que são

oferecidos aos orixás, sendo o Milho branco de Oxalá e a Feijoada de Ogun. Tais ações, sua

preparação, desenvolvimento e resultado são apresentados a partir do terceiro capítulo deste

texto, enquanto que nos dois primeiros capítulos são apresentadas reflexões sobre a cultura,

religião e culinária africana e afro-brasileira, somadas a importância da Lei nº 10.639/2003

que criou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas

escolas.



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1 CONTRIBUIÇÕES PARA A PRODUÇÃO E EXECUÇÃO DO PROJETO DE

INTERVENÇÃO

1.1 Reflexões sobre a cultura africana no Brasil

Quando se fala em África em sentido histórico, as primeiras palavras que surgem à

mente remetem a escravidão, submissão e exploração de um povo. Em especial a escravidão

que marcou diversos aspectos da cultura e da sociedade brasileira.

Rainer Souza1, ao falar sobre os escravos no Brasil destaca que o trabalho braçal era

visto como uma atividade inferior, algo destinado ao negro. Embora, a mão de obra estivesse

empregada em atividades que exigiam grande esforço físico, ocorriam diferenças entre ascondições de trabalho tanto entre os escravos das lavouras e os escravos domésticos que

trabalhavam nas casas, quanto se comparados com os escravos de ganho, ou seja, aqueles que

administravam pequenos comércios, ou praticavam artesanato ou ainda prestavam serviços

para seus senhores. O autor ressalta as diversas formas de resistência contra a escravidão: o

conflito direto, as fugas, a formação de quilombos, as manifestações religiosas, a culinária, a

capoeira, o suicídio e o aborto.

Sobre a formação de quilombos no Brasil, Kabengele Munanga2

enfatiza que é reflexodo modelo africano no que diz respeito as suas formas de organização e resistência:

O quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação deuma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos.Escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das plantações eocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de acessodifícil. Imitando o modelo africano, eles transformaram esses territórios em espéciede campos de iniciação à resistência, campos esses abertos a todos os oprimidos dasociedade (negros, índios e brancos), prefigurando um modelo de democracia plurirracial que o Brasil ainda está a buscar.

Ainda é Rainer Souza que nos faz recordar das alternativas criadas para a abolição da

escravatura negra no Brasil, a partir da Lei Eusébio de Queiroz (1850), foi a primeira a proibir

o tráfico de escravos para o Brasil. Contudo, o processo de construção da liberdade dos negros

não foi um presente, mas uma conquista, muitas vezes paga com seu próprio sangue, seja

através das revoltas ou das criações das leis abolicionistas.

1 SOUZA, Rainer. Texto: Escravidão no Brasil. Disponível em:

<http://www.brasilescola.com/historiab/escravidao-no-brasil.htm> Acesso em: 12 out. 2014, 14:30:45.2 MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Povo Negro. Revista USP, São Paulo

(28): 56 - 63, Dezembro/ Fevereiro 95/ 96. Disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/28/04-kabe.pdf>Acesso em: 02 mar. 2015, 23:15:12.



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De acordo com Reis3, as incidências das revoltas de escravos representadas nesse

processo de luta pela liberdade ocorreram em vários estados do Brasil, totalizando 25 revoltas,

o autor destaca como os escravos planejavam:

As revoltas eram planejadas para os dias festivos, especialmente as noites festivas,não só porque seus líderes contavam com o relaxamento do controle senhorial, mas porque contavam com a reunião de escravos possuídos por um espírito de redenção.

André de Toral4 discorre sobre a participação compulsória dos escravos na Guerra do

Paraguai e relata o preconceito que os negros sofriam:

A frase dita pelo presidente paraguaio Francisco Solano López depois de receber na barriga o golpe de lança do cabo de ordens do coronel Joca Tavares, seu xaráFrancisco Lacerda – matem a esos diablos de macacos! – , é reveladora da idéia queseu governo queria fazer dos brasileiros no país. Na época da guerra (1864-1870), noParaguai, o negro era, antes de tudo, o inimigo. O exército brasileiro era o exércitomacacuno, e seus líderes, segundo a propaganda lopizta, macacos que pretendiamescravizar o povo paraguaio, conduzindo-os da liberdade à escravidão.

Nesse sentido, Rainer Souza5 afirma que somente em 1888, a Lei Áurea extinguiu o

regime escravista brasileiro. Porém, a abolição não garantiu a integração do negro à sociedade

brasileira. Com isso, a discriminação racial e a exclusão econômica persistiram ao longo dos

séculos. Atualmente, há ações governamentais que buscam minimizar a “dívida histórica”,

mas, será um longo processo para a superação dos resquícios de uma cultura destinada à

exclusão.

Segundo Ribeiro6, a política de separar os escravos enfraquecia sua identidade

cultural. Conforme pode ser observado em suas palavras:

(...) A África era, então, como ainda hoje o é, em larga medida, uma imensa Babel

de línguas. Embora mais homogêneos no plano da cultura, os africanos variavamtambém largamente nessa esfera. Tudo isso fazia com que a uniformidade racial nãocorrespondesse a uma unidade linguístico‐cultural, que ensejasse uma unificação,quando os negros se encontraram submetidos todos à escravidão. A própria religião,que hoje, após ser trabalhada por gerações e gerações, constituiu‐se uma expressão

3 REIS, João José. Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP, São Paulo (28): 14 -39,

Dezembro/Fevereiro 95/96, p.31. Disponível em: < http://www.usp.br/revistausp/28/02-jreis.pdf> Acesso em: 05fev. 2015, 20:38:02. 4 TORAL, André Amaral de. Guerra do Paraguai: Histórica e Polêmica. A participação dos negros escravos

na guerra do Paraguai. Estud. av. vol.9 no.24 São Paulo May/Aug. 1995. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000200015> Acesso em: 05 fev.

2015, 21:24:05.

5 SOUZA, Rainer. Texto: Escravidão no Brasil. Disponível em:

<http://www.brasilescola.com/historiab/escravidao-no-brasil.htm> Acesso em: 12 out. 2014, 14:30:45. 6 RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1995, p. 114 – 115)



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da consciência negra, em lugar de unifica‐los, então, os desunia. Foi até utilizadacomo fator de discórdia, segundo confessa o conde dos Arcos. A diversidadelinguística e cultural dos contingentes negros introduzidos no Brasil, somada a essashostilidades recíprocas que eles traziam da África e à política de evitar aconcentração de escravos oriundos de uma mesma etnia, nas mesmas propriedades, e

até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários queretivessem o patrimônio cultural africano.

Desta forma, os negros perdiam parcialmente sua identidade e eram enfraquecidos,

pois não pertenciam ao mesmo grupo. Contudo, os negros inventaram suas próprias formas de

preservar sua cultura através da religião, música, dança, culinária, língua e outros.

1.2 As religiões de matrizes africanas no Brasil

É sabido que quando se fala em religiões de matrizes africanas há um enorme

preconceito sobre sua prática e rejeição de forma ofensiva e hostil, tanto aos seus ritos quanto

aos seus seguidores.

Como enfatiza Dayane Miranda7, sobre a chegada dos negros ao Brasil e suas práticas

religiosas que eram estritamente proibidas:

Os negros trazidos da África na condição de escravo, geralmente eram

imediatamente batizados e obrigados a seguir o catolicismo. A conversão era apenassuperficial e as religiões de origem africana conseguiram permanecer, geralmenteatravés de prática secreta. Algumas Religiões Afro-Brasileiras ainda mantém quaseque totalmente as suas raízes africanas, como é o caso do Candomblé e Xangô do Nordeste, outras formaram-se através do sincretismo religioso como o Batuque,Xambá e Umbanda. Em maior ou menor grau, as Religiões Afro-Brasileirasmostram influências do Catolicismo e da encantaria européia, assim como da pajelança ameríndia. A Irmandade da Boa Morte e a Irmandade de Nossa Senhorado Rosário dos Homens Pretos são a maior ligação entre o catolicismo e as religiõesafro-brasileiras.

Assim, para os negros não perderem suas crenças e devido à imposição do

catolicismo, estes vincularam os orixás aos santos católicos:

No Brasil, a própria prática do Catolicismo tradicional tem influências africanas quese revelam no culto de santos de origem africana como São Benedito, Santa Efigêniae Santo Antônio de Noto (Santo Antônio do Categeró ou Santo Antônio Etíope); noculto preferencial de santos facilmente associados com os orixás africanos como SãoCosme e Damião (ibejis), São Jorge (Ogum no Rio de Janeiro), Santa Bárbara(Iansã); na criação de novos santos populares como a Escrava Anastácia; e em

7 MIRANDA, Dayane Gusso. Contemporaneidade no Quilombo. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Curitiba, 2009, p; 13.



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ladainhas, rezas e festas religiosas (como a lavagem das escadarias da igreja doSenhor do Bonfim em Salvador, Bahia).8

As igrejas, em nossos dias principalmente as evangélicas, discriminam veementemente

as religiões de origem africana, embora tenham influências destas como: o batismo,

incorporação de entidades espirituais. Em contrapartida, o catolicismo não acredita na

existência de orixás, as igrejas evangélicas os demonizam como criaturas maléficas.

1.3 Culinária e comida africana e afro-brasileira

A África é a segunda maior massa de terra do planeta e berço de milhares de tribos,

etnias e grupos sociais. Essa variedade reflete-se também em sua culinária que utiliza uma

combinação de frutas, grãos, vegetais, leite e carne. Na culinária africana9, os vegetais

ocupam uma função primordial, sendo a principal fonte de vitaminas e estando inseridos em

uma variedade de pratos constituídos basicamente por milho, mandioca, inhame e feijão. Em

suma, folhas verdes e hastes jovens são preparadas em combinação com especiarias e outros

vegetais como cebola e tomate. Como tempero utilizavam-se pimentas e óleos vegetais como

o azeite de dendê. Estes alimentos estão presentes até hoje na culinária brasileira que

diariamente se alimenta das iguarias introduzidas pelos negros, mas que igualmente odiscrimina.

A culinária afro-brasileira10 teve como base alimentar durante o processo de

escravidão, duas vertentes: Nas fazendas ricas continha canjica, feijão-preto, toucinho, carne-

seca, laranjas, bananas, farinha de mandioca e o que conseguissem pescar e caçar. Já nas

terras mais pobres incluía farinha, laranja e banana. Os ingredientes utilizados no preparo da

comida eram o açafrão, o azeite de dendê e o leite de coco. Um dos pratos mais conhecidos é

o cuscuz que tem origem no norte da África, entre os berberes. Na nossa sociedade, o cuscuzé feito de farinha de milho e é consumido com leite e leite de coco, o cuscuz paulista é

consumido com ovos cozidos, cebola, alho, cheiro-verde e outros legumes. O cuscuz acreano

é consumido também com carne moída, ovos fritos e cebolinha. O leite de coco é usado para

regar peixes (moquecas), mariscos, arroz-de-coco, cuscuz, mungunzá e outras iguarias.

8 RELIGIÃO..., 12 de setembro de 2008. Religião. Autor desconhecido. Disponível em:<https://www.blogger.com/feeds/9084824692822712836/posts/default> Acesso em: 05 fev. 2015, 22:28:01.

9

Culinária e Comida Africana e Afro-Brasileira. Disponível em:<http://www.copacabanarunners.net/culinaria-africana.html> Acesso em: 01 out. 2014, 20:00:01 10 Culinária Afro-Brasileira. Disponível em:

<http://projetoculturaafro.blogspot.com.br/2008_10_01_archive.html> Acesso em: 06 fev. 2015, 16:14:01



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A religião africana candomblé tem uma relação muito especial com a comida. Os

devotos servem os alimentos preparados para os santos como uma tradição africana. As

comunidades negras se espalharam pelo Brasil, consequentemente a culinária que veio da

África também se propagou por todo o país.

Vale destacar que por muito tempo na nossa história, por estar ligado aos escravos, aos

negros e aos pobres de modo geral, o culto às divindades africanas era proibido e reprimido.

Para sobreviver, houve época em que as religiões afro-brasileiras misturaram-se ao

catolicismo, um fenômeno conhecido como sincretismo. Os praticantes passaram a relacionar

os orixás aos santos católicos. Por exemplo: Oxóssi acabou se identificando com São Jorge,

Ogum foi associado a Santo Antônio, e Iansã assimilada à figura de Santa Bárbara.

No que diz respeito à caracterização dos Orixás11, cada um detém sua própria história, personalidade e contém uma expressão da realidade. Possuem sentimentos como: amor, dor,

tristeza, alegria, raiva, etc. Os orixás estão unidos às forças da natureza (água, ar, fogo, terra).

Além de se saudarem através de palavras formadas em idioma ioruba. Os orixás denominam

Orum o ambiente em que habitam, Aiê é como chamam o mundo dos homens, Olorum é

como nomeiam o Pai criador. Para eles são realizados oferendas e sacrifícios.

O jogo de búzios12 é um oráculo de origem africana, composto por dezesseis conchas.

No jogo, os orixás conduzem o adivinho. É possível notar sobre a mesa um campo sagradocomo o Opon-Ifá13, ou peneira ou toalha. É nesta base onde são jogados os búzios, que podem

cair em duas posições: “fechada” ou “aberta”. Assim, é realizada a leitura do contexto

numérico em relação à quantidade de búzios abertos e fechados.

Conforme entrevista (ver Anexo A), o Pai de Santo Doté Naldo14 D. Olissá, 56 anos,

candomblecista nagô há 37 anos, residente em Nova Iguaçu – RJ, evidencia o significado do

termo orixá enfatizando que está intimamente ligado às forças da natureza. Das quais cada

orixá representa uma divindade.

Orixá pra mim é natureza, é vida. Entendeu? É o ar que a gente respira, né? Cadaorixá tem o seu destino de natureza. Oxum é água que a gente bebe, entendeu? É a

11 Orixás: Divindades das religiões afro-brasileiras. Disponível em:

<http://educacao.uol.com.br/disciplinas/cultura-brasileira/orixas-divindades-das-religioes-afro-brasileiras.htm>Acesso em: 01 out. 2014, 20:30:27. 12 Jogo de Búzios, o que é como funciona. Disponível em: <http://lotusesoterismo.com.br/jogo-de-buzios>Acesso em: 02 mar. 2015, 21:58:04. 13 Opon-Ifá. Tabuleiro de madeira usado para jogo de búzios, candomblé. Disponível em:

<www.dicionarioinformal.com.br/opon-ifá/> Acesso em: 02 mar. 2015, 21:23:02. 14 OLISSÁ, Doté Naldo D. Culinária Ritualística: depoimento [01 de Dezembro de 2014]. Rio Branco: TCC -

UFAC/ Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Entrevistaconcedida a Fabíula Santos de Santana.



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senhora das águas. Yansã Oyá é o vento que a gente respira, é nossa grande mãeOyá. Orixá é tudo na vida, entendeu? É o ar que a gente respira, é Deus, é aquiloDeus não tem forma, como o orixá também não, são a natureza, são as coisas danatureza.

Atualmente, os orixás integram não apenas os ritos religiosos. Estão presentes também

em vários aspectos da nossa cultura, como as festas populares, o carnaval, a dança, a música,

as artes plásticas, o cinema, o teatro, a moda e a gastronomia. Como exemplificação é

possível observar na música Oxóssi de Toninho Geraes15, como funciona o sincretismo e a

cultura do candomblé em relação às divindades religiosas, a culinária e a moda.

Oxóssi, filho de Iemanjá, divindade do clã de Ogum. É ibualama, é inlé. Que oxumlevou no rio e nasceu Logunedé!. Sua natureza é da lua. Na lua Oxóssi é odé. Odé-odé, odé-odé. Rei de Keto caboclo da mata odé-odé. Quinta-feira é seu ossé. Axoxó,feijão preto, camarão, amendoim. Azul e verde, suas cores. Calça branca rendada,saia curta estampada. Ojá e couraça prateada, na mão ofá, iluquerê. Okê okê, okêarô, okê. A jurema é a árvore sagrada. Okê arô, Oxóssi, okê okê. Na Bahia é SãoJorge. No Rio, São Sebastião. Oxóssi é quem manda, na banda do meu coração.

Atualmente, os pratos e temperos da culinária africana16 compõem parte da nossa

alimentação. São degustados no cotidiano e também nas festas populares. Como exemplo: o

pirão e o angu, caldos extraídos dos alimentos que são misturados respectivamente comfarinha de mandioca e farinha de milho, foram herdados dos africanos.

Comida ritual17, nas religiões afro-brasileiras são as comidas exclusivas de cada Orixá,

demandam como o nome sugere um verdadeiro ritual para o seu preparo. No Candomblé, a

Iyabassê é a pessoa incumbida por executar esse ritual, pois alguns Orixás não aceitam

determinados tipos de condimentos. Os pratos são oferecidos aos Orixás acompanhados de

rezas e cantigas. Durante a festa ou no final, em grande parte são distribuídas para todos os

presentes. A culinária faz parte do axé18.

15 GERAES, Toninho. Música: Oxóssi. Composição Roque Ferreira. Disponível em:

<http://www.vagalume.com.br/toninho-geraes/oxossi.html>. Acesso em: 09 nov. 2014, 15:18:01. 16 Culinária afro-brasileira: Africanos enriqueceram a cozinha brasileira. Disponível em:<http://educacao.uol.com.br/disciplinas/cultura-brasileira/culinaria-afro-brasileira-africanos-enriqueceram-a-cozinha-brasileira.htm> Acesso em: 29 set. 2014, 19:20:03. 17 Comida ritual. Disponível em: <http://jornalkibanazambiaxeecia.com/gpage5.html> Acesso em: 06 fev.

2015, 19:00:01.18 Axé, no idioma ioruba quer dizer poder , energia ou força, que integra tudo. Nas religiões afro-brasileiras, otermo significa a energia sagrada dos orixás. AXÉ. Significados. Disponível em: <http://www.significados.com.br/axe/> Acesso em: 06 fev. 2015, 17:03:01.

http://www.vagalume.com.br/toninho-geraes/oxossi.html




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Ao preparar as comidas de santo, deve-se observar as quizilas19 de cada um deles. Por

exemplo, o azeite de dendê nunca deve ser oferecido a Oxalá, o mel é proibido a Oxóssi, o

carneiro não pode sequer entrar em uma casa consagrada a Iansã etc. Os filhos de santo

devem observar todas as peculiaridades dos seus Orixás e, sendo parte do Orixá, também não

podem consumi-las. Dentre as comidas oferecidas aos orixás, foi destacado neste trabalho o

Milho Branco de Oxalá e a Feijoada de Ogun. O milho branco é uma comida ritual votiva

(homenagem), pertencente aos orixás Oxalá, Oxaguian e Oxalufan. Basta ferver o milho

branco, mas não deixar muito mole, e depois de frio, antes de oferecer ao orixá se acrescenta

os outros elementos (azeite doce e folhas de saião). Entretanto, se for para Oxalufan ainda há

que cobrir com algodão branco. Vale ressaltar, que leva-se a tigela branca três vezes próxima

ao chão antes de colocá-la definitivamente em frente ao orixá. Nas oferendas20 a Ogum são fornecidos inhames assados com azeite de dendê e

feijoada. Inhame também é oferecido ao orixá Oxaguian. Normalmente, a feijoada de Ogum

tem o mesmo preparo das feijoadas tradicionais, Ogum gosta de carnes “gordas” de fartura,

devido a feijoada ser um prato “comunitário”. E em alguns casos específicos somente o Orixá

“come”. A feijoada é feita com feijão “cavalo”, com feijão “fradinho”, mas a maioria das

casas adota o feijão preto, reserva-se uma parte para o Orixá e o restante divide com todos os

presentes na festa de Ogum. No que diz respeito à origem da feijoada, “naquele tempo, essas partes do animal nem

eram consideradas menos nobres. Cabeças, rabos e patas eram disputados como iguarias, até

porque a carne não era alimento comum nem na mesa dos senhores", afirma Paula Pinto e

Silva, autora do livro Farinha, Feijão e Carne-Seca - Um Tripé Culinário no Brasil Colônia.

As comidas e bebidas, depois de oferecidas, ficam durante três dias e então são

suspensas e entregues ao meio ambiente, colocando outra comida apenas quando necessário, e

é o orixá que diz através do jogo do búzio ou quando se tem um evento religioso como umasaída de yao21 ou outra atividade no terreiro.

19 Quizilas. Religião. Repulsa por motivos supersticiosos a alguns alimentos ou comportamentos.(Etm. do quimbundo: kijila) Quizilas. Disponível em: < http://www.dicio.com.br/quizila/> Acesso em: 06 fev.2015, 19:27:01.20 Oferendas de orixás – segundo o candomblé. Disponível em:<http://www.umbandadochico.com.br/blog/2009/01/05/oferendas-de-orixas-segundo-o-candomble/> Acesso em:

06 fev. 2015, 17:28:21. 21 Yao. Designa os filhos de santo no candomblé já iniciados na feitura de santo mas que ainda não completaram

o período de 7 anos da iniciação. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Iaô> Acesso em: 02 mar. 2015,23:01:04.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Filho_de_santo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9

http://pt.wikipedia.org/wiki/Inicia%C3%A7%C3%A3o

http://pt.wikipedia.org/wiki/Feitura_de_santo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Feitura_de_santo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Inicia%C3%A7%C3%A3o

http://pt.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9

http://pt.wikipedia.org/wiki/Filho_de_santo



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Vale mencionar que as comidas22 não são ofertadas todas em uma única vez, sendo

algumas em determinadas ocasiões. No candomblé, após o término de xirê23, são distribuídas

aos assistentes e há a degustação quando os eres estão incorporados nos filhos de santo. Na

umbanda, as comidas são dadas aos guias incorporados que as consomem. Assim, os

alimentos feitos com ingredientes que os médiuns estão habituados a comer. Via de regra, é

oferecida em dias festivos ou evento especial de cada templo.

Maria Manuela24 salienta que “dividir o alimento com os deuses é ter a insigne hora de

comer com eles, garantindo, dessa forma, a presença dos Orixás em nossas vidas e da refeição

em nossa mesa”, ou seja, é uma honra dividir refeições com os mesmos.

A Culinária ocupa um lugar fundamental na vida dos terreiros de Candomblé, pois é

entendida como força vital, energia, princípio criativo e doador de algo. Na comida, encontra-se a energia máxima de uma oferta, mas, acima de tudo, ela é a força que fortifica os

ancestrais. Então, é um meio através do qual, civilizações se sustentaram durante milênios

fazendo contato com o Sagrado.

De acordo com o Pai de Santo Doté Naldo25, as oferendas realizadas nos cultos aos

orixás têm como principal objetivo um elo de comunicação entre esses mundos, além de

representar os desejos que as pessoas buscam alcançar. Neste sentido, a comida:

Representa uma carta, na verdade é uma carta. O orixá ele lê nosso pedido, nossaintenção, através da folha, através da comida. Quando você “arriar” 5, 6 qualidadesde comida nos pés daquele orixá aquilo representa uma carta, cada comida daquelarepresenta um caminho, um desejo que você quer, então é aquilo que representa acomida para os orixás.

Para o Pai de Santo Doté Naldo26, as oferendas são utilizadas para contribuir na

melhora do mundo e da qualidade de vida das pessoas.

22 Comidas de Santo / Ebós. Disponível em: http://cantodoaprendiz.wordpress.com/2008/09/06/comidas-de-

santo-ebos/> Acesso em: 29 set. 2014, 19:31:25.23 Xirê. Religião. No candomblé, umbanda e seitas afins significa ordem em que são realizadas as invocações

aos orixás, para que desçam a Terra. Xirê. Significados. Disponível em: <http://bemfalar.com/significado/xire.html> Acesso em: 06 fev. 2015, 18:03:34. 24 MANUELA, Maria. A comida dos orixás. Disponível em: <https://ocandomble.wordpress.com/2008/05/13/a-

comida-dos-orixas/> Acesso em: 06 fev. 2015, 17:44:34. 25 OLISSÁ, Doté Naldo D. Culinária Ritualística: depoimento [01 de Dezembro de 2014]. Rio Branco: TCC -

UFAC/ Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Entrevistaconcedida a Fabíula Santos de Santana. 26 Idem, 2014.



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Fazemos as oferendas pedindo caminho, pedindo saúde, pedindo paz, pedindoharmonização para o nosso mundo, principalmente para o que vivemos agora. Entãoa gente se curva perante essas energias, pedindo a ela, esses caminhos de felicidade,de harmonia, de tranquilidade para a humanidade.

O Pai de Santo Doté Naldo27, aborda a relação entre a culinária do dia-a-dia com as

oferecidas aos orixás durante os rituais religiosos, destacando o que as diferenciam,

principalmente no que diz respeito à utilização dos temperos.

Por que na antiguidade ela era o dia-a-dia, era o omolucum, era o feijão de azeite,era o acarajé, o caruru, o amalá. Isso tudo era feito no dia-a-dia tanto para arriar nos pé do orixá quanto pra gente comer. Então hoje tem a diferença das pessoas “ah nãovou comer azeite, ah não gosto disso”. A diferença que tem da parte dos orixás é quenão leva alho, a comida não leva alho. Só cebola, camarão defumado, dendê, esse é

o tempero realmente do orixá, gengibre, noz-moscada. No dia-a-dia não se usa tantogengibre, tanta noz-moscada, ataquim. É muito complicado por que é o costume doser humano, do carioca, do acreano. Por que o costume do baiano, do nordestino eleusa muito esses temperos que diferenciam.

2 DA IMPORTÂNCIA DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 10.639/2003

Em 2003, foi promulgada a lei nº 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB), exigindo que as escolas de ensino fundamental e médio insiram nocurrículo o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. Cinco anos mais tarde, com a Lei nº

11.645 de 2008, a redação da Lei nº 10.639/2003 foi modificada, inserindo o art. 26-A, no

qual se lê que:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicose privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira eindígena.§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectosda história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partirdesses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,

a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suascontribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povosindígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, emespecial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

Assim, somando-se a Lei nº 10.639/2003 e Lei nº 11.645/2008, que juntamente com o

texto “Contribuições para Implementação da Lei 10.639/2003” produzido pelo Grupo de

Trabalho Interministerial Instituído por Meio da Portaria Interministerial Mec /Mj/SEPPIR Nº

27 OLISSÁ, Doté Naldo D. Culinária Ritualística: depoimento [01 de Dezembro de 2014]. Rio Branco: TCC -

UFAC/ Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Entrevistaconcedida a Fabíula Santos de Santana.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm#art26a.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm#art26a.



23

605 de 20 de Maio de 2008, destaca-se os seguintes eventos que foram primordiais para a

concretização da cultura africana na formação da sociedade brasileira:

(...) a Constituição Federal Brasileira de 1988 (Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, § 1º doArt. 242, Art. 215 e 216); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(9.394/1996); a Lei n. 10.639/2003; a Resolução CNE 01/2004 e o Parecer CNE/CP03/2004; a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); as Declarações e osPlanos de Ação das Conferências Mundiais de Educação para Todos (Jontiem, 1990e Dacar, 2000) e da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,Xenofobia e Intolerâncias Correlatas Durban (2001) constituem os principaissuportes legais e compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiroreferentes ao enfrentamento das desigualdades raciais na educação. Tais marcos são basilares para a efetivação de políticas educacionais que permitam aos brasileiros emgeral e, em especial, aos afro-brasileiros conhecerem a contribuição da culturaafricana para formação do país e se reconhecerem como sujeitos desse processodinâmico que se realiza nas práticas cotidianas.28

Ainda, sobre as ponderações do Grupo de Trabalho Interministerial ressaltam a luta

histórica da população negra pelo acesso à educação, pois é necessário modificar de forma

drástica a estrutura dos currículos escolares, para que assim a participação africana não seja

omitida ou desconsiderada na História do Brasil.

A Lei n. 10.639/2003 pode ser considerada um ponto de chegada de uma lutahistórica da população negra para se ver retratada com o mesmo valor dos outros povos que para aqui vieram, e um ponto de partida para uma mudança social. Na política educacional, a implementação da Lei n. 10.639/2003 significa ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferençasresultantes do nosso processo de formação nacional. Para além do impacto positivo junto à população negra, essa lei deve ser encarada como desafio fundamental doconjunto das políticas que visam a melhoria da qualidade da educação brasileira paratodos e todas.29

O Grupo de Trabalho Interministerial identifica três abordagens sobre diversidade nas

políticas desenvolvidas pelo Ministério da Educação - MEC: 1ª inclusão/exclusão, que

pretende incorporar os excluídos a um padrão estabelecido de política a partir da visão

socioeconômica, sem levar em consideração suas identidades particulares; 2ª ação afirmativa

ou na discriminação positiva, abrange a condição de pobreza e/ou desigualdade social em que

se apresentam certos grupos sociais como os negros, índios e mulheres; 3ª reconhecimento

28 Grupo de Trabalho Interministerial Instituído por Meio da Portaria Interministerial Contribuições para

Implementação da Lei 10.639/2003. Mec/Mj/SEPPIR Nº 605 de 20 de Maio de 2008. Disponível em:<http://www.acordacultura.org.br/sites/default/files/documentos/contribuicoes_para_implementacao_da_lei.pdf>Acesso em: 12 out. 2014, 17:16:26. 29 Idem, 2008.



24

irredutível da contribuição dos diferentes povos e culturas para sua conformação como nação,

de forma a ressaltar a pluralidade étnico-racial como um valor.30

Vale ressaltar que a educação tem papel fundamental no processo de desenvolvimento

sustentável do país sem excluir, sem discriminar, sem hierarquizar qualquer indivíduo, ou

grupo, com base em seu pertencimento étnico-racial. Conforme, a Resolução Nº 1, de 17 de

Junho de 2004 do Conselho Nacional de Educação institui:

Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanasconstituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento,execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação decidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do

Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de naçãodemocrática.§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquemcidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e denegociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais evalorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo oreconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízesafricanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. (CNE/CPResolução 1/2004)

30

Grupo de Trabalho Interministerial Instituído por Meio da Portaria Interministerial Contribuições paraImplementação da Lei 10.639/2003. Mec/Mj/SEPPIR Nº 605 de 20 de Maio de 2008. Disponível em:<http://www.acordacultura.org.br/sites/default/files/documentos/contribuicoes_para_implementacao_da_lei.pdf>Acesso em: 12 out. 2014, 17:16:26.



25

3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA:

A intervenção foi realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria

das Graças Vieira de Araújo, situada na estrada do Barro Vermelho km 22, na zona rural do

município de Rio Branco, capital do Estado do Acre, onde trabalho como professora de

ensino fundamental para classe de 07 alunos, da série 9º ano, ministrando as disciplinas de

artes, espanhol, geografia, história, matemática, português e religião.

Na Escola supracitada o corpo profissional é composto por 03 professores, 01

merendeira/zeladora, enquanto que o espaço físico é constituído por 02 salas de aula, sendo

uma equipada com carteiras e quadro de giz, e a outra em que leciono, equipada com

carteiras, quadro branco, televisão e aparelho de DVD, com um “cantinho da pesquisa” com

livros e revistas. E uma área (varanda) onde os alunos fazem as refeições, o público alvo é de

adolescente na faixa etária dos 13 aos 17 anos, a escola funciona de segunda a sexta-feira nos

turnos matutino e vespertino.

A estrutura física da escola comporta ainda, 03 banheiros, 01 dormitório, 01 cozinha,

todos os ambientes em madeira. Devido a sua localização ser um pouco distante da zona

urbana e o ramal ser de difícil acesso não temos internet o que dificulta o trabalho de pesquisa

dos alunos, que tem que ser de acordo com os meios possíveis e que a escola dispõe. Por isso, priorizei utilizar dos recursos acessíveis, dentre eles o mais abundante eram os alimentos

disponibilizados para cardápio escolar. Então, com o intuito de elaborar meu trabalho de

conclusão de curso como intervenção pedagógica, busquei refletir sobre a presença africana

nos hábitos, tradições e modos de vida dos brasileiros, para valorizar sua inserção em nossa

sociedade. durante três momentos, a saber: 1° - Dia da Consciência Negra: porque os alunos

nunca vislumbraram algo semelhante apresentado na escola, desconheciam o motivo da data

comemorativa e principalmente, em virtude de relacionar o processo de escravidão com otema desse trabalho; 2º - Relações Étnicas Raciais: a partir da construção de bonecos que

disseminam a questão das desigualdades raciais e aplicação de uma questão sobre

discriminação racial; 3º - Amostra de Degustação: para que os alunos conhecessem as

comidas, a história de cada prato típico e também para saberem que existe uma relação da

culinária com as religiões de matrizes africanas.

Primeiro momento - Dia da Consciência Negra: foi realizado no dia 20 de

Novembro, data em que é comemorada o Dia da Consciência Negra, as apresentações com os

temas referentes à cultura africana. Na oportunidade foi utilizada a sala de aula, como



26

ambiente de exposição, e ainda uso dos seguintes recursos: TV, DVD, filme, cartolina, xérox

e quadro branco.

Para intensificar ainda mais a compreensão dos assuntos abordados, foram expostos

nas cartolinas os textos explicativos sobre o Dia da Consciência Negra para difundir a

importância da cultura afro-brasileira, a saber: Escravidão no Brasil (autora: Cristiana

Gomes); Quem foi zumbi (autor desconhecido); 20 de Novembro – Dia Nacional da

Consciência Negra (autor: Cláudio Fernandes); Consequências: Racismo e Discriminação

racial (autora: Gláucia Matos).

Dando continuidade, foi exibido para a turma, o filme “DJANGO” devido seu teor

histórico, para que visualizassem melhor como os negros eram tratados, comercializados,

abrangendo também todo sofrimento, as torturas a que eram submetidos, e as condições

precárias que vivenciavam, como por exemplo, quando os escravos lutavam um contra o outro

até a morte para a diversão dos seus proprietários. Dessa forma, possibilitando para os alunos

uma maior compreensão do assunto.

Fig. 01: Exposição dos cartazes sobre Cultura Afro-Brasileira.

Fig. 02: Exibição do Filme DJANGO.



27

Segundo momento - Relações Étnicas Raciais: no dia 21 de Novembro foram

confeccionados pelos alunos os bonecos, foi utilizada a sala de aula, como ambiente de

criação e também a partir dos seguintes materiais: balões, trigo, tesoura, cola, copos

descartáveis, garrafa pet e barbantes coloridos. Para que os alunos percebessem através dessa

atividade que por mais que haja diferenças nas características dos bonecos, cada aluno o fez a

sua maneira, com os seus gostos, com mais ou menos detalhes ou enfeites, não deixavam de

ser bonecos. Para que assim pudessem associar aos nossos atributos físicos como cor de pele,

formato de cabelo, de rosto e de corpo. E compreender que as diferenças não nos

desfavorecem, e sim motivam as pessoas a ter sua própria identidade, isto é, sua personalidade

única e intransferível. Que todos nós pertencemos à singularidade de uma única raça, a

humana.

Dia 26 de Novembro foi entregue xérox do texto “Consequências: Racismo e

Discriminação racial (autora: Gláucia Matos)” que engloba de forma geral o tema relacionado

à Cultura Africana. E que deve ser bastante discutido para incentivar a consciência negra. A

fim de estimular o senso crítico dos alunos, e promover um conceito sobre os valores morais

como o respeito ao outro, independente de sua cor. Foi entregue apenas uma pergunta

subjetiva para que cada aluno produzisse sua reflexão sobre o tema: O que é necessário deação prática para mudar o quadro de Racismo e Discriminação Racial existente na sociedade?

Fig. 03: Relações Étnicas Raciais.

Fig. 04: Entrega do Texto.



28

Terceiro momento – Amostra de Degustação: no dia 19 de Dezembro foi utilizada a

área da escola e os seguintes recursos: notebook, celular e alimentos. Sendo apresentados os

seguintes pratos: pipoca, cuscuz, bolo de fubá, farofa, milho branco e feijoada. Esses pratos,

com a exceção da pipoca e a feijoada, foram preparados na cozinha da escola com auxílio da

merendeira Maria Erlândia. A escolha destes foi por fazerem parte da merenda escolar.

Porém, o milho de pipoca e a feijoada, eu comprei. Foi apresentada uma amostra de

degustação de algumas comidas típicas afro-brasileiras, que são comumente consumidas e que

carregam a herança africana em seus temperos e sabores. Além de ter sido exposto o livro de

receitas elaborado por mim, através de pesquisa na internet, especificamente para demonstrar

a variedade da culinária africana e contar um pouco da história de cada iguaria descrita. Essa

degustação proporcionou além do sabor, o conhecimento. Evidenciou a relação das comidasque estão presentes nas religiões de matrizes africanas e que fazem parte do nosso paladar

habitual. Nesse sentido, mostrei que essas comidas são oferendas aos orixás em forma de

agradecimentos e pedidos. Dando prosseguimento, foram exibidos slides contando a história

da influência dos negros na culinária brasileira.

Durante a intervenção pedagógica constatou-se que os alunos estavam dispostos acontribuir para o bom andamento do trabalho, participando e interessados em aprender o

conteúdo. Entretanto, quando foi informado ao professor coordenador da escola que seria

realizado esse projeto de intervenção, o mesmo não demonstrou interesse e criticou dizendo

“Ah! Por que tanta importância pro negro? Se houve contribuição dos índios, dos europeus. E

o foco é só o negro agora”. E também no dia da apresentação da culinária para os alunos. Ele

falou sarcasticamente “Só faltou à galinha preta!”. Os alunos ficaram olhando um paro o outro

e para mim. É a partir dessas visões deturpadas e preconceituosas que faz-se necessário

incentivar mais ainda a conscientização da importância dos negros na formação e cultura do

povo brasileiro.

Fig. 05: Degustação da Culinária Afro-brasileira.



29

4. RESULTADOS DAS OBSERVAÇÕES OBTIDAS NA INTERVENÇÃO

PEDAGÓGICA:

Foi percebido na intervenção o fator de que os alunos conheciam o mínimo sobre a

história da África, foi necessário iniciar com uma breve introdução para que eles

compreendessem melhor o tema. Por ser uma turma concluindo o Ensino Fundamental, é

preocupante o fato de que eles até aquele momento não conheciam muito sobre a História da

África, embora seja uma matéria aprovada por lei desde 2003. Com isso, fica evidenciado que

a lei de inserir o conteúdo africano no currículo escolar não passa do papel, a realidade é que

são lembrados apenas em virtude do Dia da Consciência Negra.

As apresentações foram iniciadas explicando que este era um projeto de intervenção,como pós-graduanda da UFAC, e que o tema escolhido foi “ A Culinária Afro-Brasileira como

foco de sensibilização e reflexões sobre as influências negras na Cultura Nacional ” e foi

perguntado de forma oral aos alunos se eles sabiam dizer o porquê se comemorava o dia 20 de

Novembro? Se haviam alguma contribuição deixada pelos negros? Se eles tinham

conhecimento sobre Zumbi dos Palmares? O que sabiam sobre cultura afro-brasileira, e se

eles sabiam da existência da Lei 10.639, exigindo o ensino de História da África. As respostas

em relação a todos esses questionamentos foram negativas, o que evidencia a falta deinformação referente à Cultura Afro-brasileira como conteúdo na Educação Escolar. É fácil

perceber que até nos livros didáticos, é trabalhado de forma reduzida, a História do

Continente Africano e suas influências no nosso cotidiano.

Foram selecionados quatro alunos com as respostas decorrentes da pergunta: O que é

necessário de ação prática para mudar o quadro de Racismo e Discriminação Racial existente

na sociedade? Estes absorveram com mais ênfase a mensagem abordada no texto, a saber: O

aluno 1 diz que é preciso “acabar com as desigualdades, porque nesse meio existe preconceito, ser mais tolerante com as diferenças, por que somos diferentes sim! Não só na

cor da pele, e sim no modo de agir, de falar, etc.” O aluno 2 destaca que “devemos ter

consciência da influência dos negros, por que os mesmos contribuíram para a formação do

nosso país através de sua cultura como a dança, a culinária, a religião” O aluno 3 aborda que

“os negros sofrem muito em todos os aspectos da sociedade” O aluno 4 afirma que “para

acabar com o preconceito tem que ser transmitido conhecimento de forma correta, tem que ter

mais possibilidades para os negros, por que todos nós devemos ter as mesmas oportunidades.”

Pelas respostas acima colhidas no questionamento em anexo, é fácil perceber que os

alunos compreendem a importância da inclusão do negro na sociedade, e reconhecem que a



30

História da África deveria receber mais destaque no ambiente escolar, além de enfatizarem de

forma sensata que as pessoas devem aprender a respeitar as diferenças, e não julgar ninguém

pela cor da pele. E que todos merecem os mesmos direitos e oportunidades.

Portanto, essa intervenção possibilitou que os alunos adquirissem uma nova visão

sobre as religiões como candomblé e a umbanda, para minimizar ou reduzir o preconceito

sobre a cultura africana, mostrando que ela está presente no nosso dia-a-dia e que as

diversidades devem ser respeitadas e conhecidas em sua essência.



31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste Trabalho de Conclusão de Curso como Projeto de Intervenção para obtenção do

Título de “Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” AJEUM: Estudo de

caso da aplicação da Lei nº 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

Maria das Graças Vieira de Araújo, concluímos que há uma escassez de conteúdo que

abordem sobre a História da África, pois o assunto é relatado de forma estritamente reduzido

nos livros didáticos, embora haja lei que determine a obrigatoriedade do ensino no currículo.

Contudo, fizemos o possível para nortear os alunos com as informações disponíveis a respeito

da cultura africana, em especial ao tema abordado neste trabalho. E conseguimos uma ótima

interação e adquirimos conhecimentos para difundir melhor a relação da culinária com asreligiões de matrizes africanas.

Enfatizamos que a sensibilização pela comida se deu por conta da sua situação de

escola rural e de que os alimentos são sagrados e usados como oferendas para as religiões de

matrizes africanas. Despertamos também, o conhecimento crítico e analítico da relação dos

diversos pratos típicos oferecidos aos orixás e que são comuns a nossa alimentação cotidiana,

sendo alguns destes pratos, parte do cardápio escolar, além de integrar a culinária tradicional

brasileira. Contribuímos assim, para o combate ao preconceito e a intolerância religiosasofrida pelos adeptos das religiões de matrizes africanas.

Essa intervenção proporciona um dado relevante de que o ensino de História da

África, não tem a aplicabilidade que a Lei 10.639 exige. Visto que, se na cidade onde há

gestão e um acompanhamento amplo em relação ao currículo, percebemos que existem

dificuldades, conforme as apresentadas pelos colegas da pós-graduação que relatam o fato das

escolas trabalharem apenas o 20 de Novembro – Dia da Consciência Negra. Então, na zona

rural, que é de difícil acesso, onde a maioria das escolas não tem gestores, alguns professoresnão tem conhecimento da Lei, não são formados na área, trabalham com a unidocência e não

tem apoio como coordenador pedagógico, coordenador administrativo, quando há formação é

nas áreas de português e matemática, logo o descaso com a Lei é ainda maior.

Por isso, o conhecimento dos alunos sobre a cultura africana é reduzido. Mas, com

essa intervenção, eles tiveram interesse em aprender, gostaram de produzir os bonecos para

trabalhar a igualdade racial, ficaram impressionados com o filme que retratava a escravidão.

Surpreenderam-se com as comidas que são sagradas para as religiões de matrizes africanas e

faziam parte da alimentação escolar, e que são utilizadas como forma de pedido e

agradecimento aos orixás. Dessa forma, os alunos vislumbraram uma nova perspectiva sobre



32

a história e cultura da África, com suas contribuições na culinária, dança, religião, dentre

outros aspectos que foram primordiais para a formação da sociedade brasileira.

Entretanto, algumas dificuldades percebidas durante a execução deste trabalho,

denotam o preconceito enraizado na nossa sociedade, como o ocorrido quando o coordenador

da escola teve um posicionamento infeliz, fazendo piada de mau gosto durante a aplicação das

temáticas. Deste modo, enquanto houver a desvalorização do conteúdo e a ausência da

formação continuada dos professores, coordenadores e gestores em História da África, a

discriminação permanecerá fazendo parte do nosso país.

Portanto, essa intervenção foi importante na realização deste TCC, pois permitiu na

prática entender como funciona esse tema no âmbito escolar. Assim, como pós-graduanda em

História e Cultura Africana e Afro-brasileira, fica marcada a responsabilidade de inserir esseconteúdo nas escolas de forma eficaz.



33

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

Documents

Estudo de caso da aplicação da Lei nº 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria das Graças Vieira de Araújo