20
555 "Nome da música do grupo Comadre Fulozinha utilizada antes da última cena da peça fórum. A letra é a repetição da se- guinte frase: “Se queres atirar, atira/Eu também sei atirar”. PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2014, 34(3), 555-573 "Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas "I also know how to shoot!": Reflections on Violence against Women and Aesthetic-Political Methodologies “¡Yo también sé disparar!”: Reflexiones sobre Violencia contra las Mujeres y Metodologías Estético-Políticas Érika Cecília Soares Oliveira Universidade Estadual Paulista Artigo http://dx.doi.org/10.1590 / 1982 – 3703000722013

Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

555

"Nome da músicado grupo ComadreFulozinha utilizada

antes da últimacena da peça

fórum. A letra é arepetição da se-guinte frase: “Se

queres atirar,atira/Eu também sei

atirar”.

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência

contra as Mulheres e Metodologias Estético

Políticas"I also know how to shoot!":

Reflections on Violence against Women and Aesthetic-Political Methodologies

“¡Yo también sé disparar!”: Reflexiones sobre Violencia contra las

Mujeres y Metodologías Estético-Políticas

Érika Cecília Soares Oliveira

Universidade Estadual Paulista

Artigo

http://dx.doi.org/10.1590 / 1982 – 3703000722013

Page 2: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra asmulheres dentro de uma relação amorosa heterossexual, bem como conhecer discursos sobregênero, violência, poder, feminilidades e masculinidades dos seguintes grupos de algumascidades do interior paulista: catadoras e catadores de material reciclável, alunas e alunos de umprograma de alfabetização e de um curso profissionalizante e, por fim, profissionais da saúde. Atrajetória metodológica empregada também pretendeu inaugurar um novo dispositivo de inves-tigação e intervenção social dentro da Psicologia: o teatro fórum. Foram construídas cenas quemostravam uma protagonista em situação de violência e pediu-se para que as pessoas subissemao palco e a auxiliassem a resolver aquele impasse. Foram realizadas cinco apresentações paragrupos de 10 a 50 participantes entre mulheres e homens. Durante o fórum, surgiram três tiposde discursos que foram nomeados como discursos reguladores, contradiscursos e discursosjurídicos e que mostravam os posicionamentos assumidos pelos(as) falantes na ordem discursiva.Estes foram analisados por meio da análise foucaultiana do discurso. Além disso, foi possívelrealizar experimentações que tomaram o método do teatro fórum como dispositivo estético epolítico capaz de produzir debates, questionar regimes de verdade e emancipar sujeitas esujeitos envolvidos (as). Palavras-chave: Gênero. Violência contra as mulheres. Teatro. Discurso.

Abstract: This article sought to foster discussions about violence against women in a heterosexualrelationship, as well as getting to know discourses on gender, violence, power, femininities andmasculinities from the following groups of some cities in the State of São Paulo: pickers ofrecyclable material, students of a literacy program and of a vocational college, and finally,health-care professionals. The methodological path laid out also intended to inaugurate a newdevice for research and social intervention within Psychology: Forum Theatre. Scenes wereconstructed that depict a protagonist in situation of violence and we asked for people to go upto the stage and to help resolve that impasse. Five presentations were held for groups of 10 to50 participants of both women and men. During the forum, there were three types of speechesthat were named as regulating speeches, counter discourse and legal discours, which showedthe positions undertaken by (the) speakers in discursive order. These were analyzed thoughFoucaultian analysis of speech. In addition, it was possible to conduct trials who took thetheatre forum method as aesthetic and political device capable of producing debates, questionof truth regimes and emancipate involved subjects.Keywords: Gender. Violence against women. Theatre. Discourse

Resumen: Este artículo tuvo como objetivo fomentar discusiones sobre la violencia contra lasmujeres dentro de una relación amorosa heterosexual, así como conocer discursos sobregénero, violencia, poder, feminidades y masculinidades de los siguientes grupos de algunasciudades del interior paulista: recolectoras y recolectores de material reciclable, alumnas yalumnos de un programa de alfabetización y de un curso de formación profesional y, por fin,profesionales de la salud. La trayectoria metodológica empleada también pretendió inaugurarun nuevo dispositivo de investigación e intervención social dentro de la Psicología: el teatrofórum. Fueron construidas escenas que mostraban a una protagonista en situación de violenciay se pidió que las personas subiesen al escenario y la auxiliasen a resolver aquella situación.Fueron realizadas cinco presentaciones para grupos de 10 a 50 participantes entre mujeres yhombres. Durante el fórum, surgieron tres tipos de discursos que fueron nombrados comodiscursos reguladores, contra-discursos y discursos jurídicos y que mostraban los posicionamientosasumidos por los (las) hablantes en el orden discursivo. Estos fueron analizados por medio del

556

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 3: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Neste artigo analiso os resultados de umapesquisa de doutorado desenvolvida no pe-ríodo de 2009 a 2013* e que teve comoobjetivo discutir a violência contra as mulheresem relações amorosas ou conjugais heteros-sexuais junto a grupos de algumas cidadesdo interior paulista por meio de pequenascenas de teatro fórum (TF). Articulando pes-quisa e intervenção, produção de conheci-mento e transformação da realidade objeti-vou-se refletir o tema junto com a populaçãoem geral e conhecer seus discursos sobregênero, violência conjugal e em parceriasafetivas, poder, casamento, amor, feminili-dades e masculinidades, dentre outros e,concomitantemente, investigar se o TF cons-tituiria um instrumento que auxiliaria tantona pesquisa como na intervenção social po-dendo integrar o campo da Psicologia eáreas afins. Elegi o TF como instrumentopara essa pesquisa por acreditar que essamodalidade permite a participação ativa daplateia, buscando reforçar a autonomia deseus (suas) participantes, colocando-os (as)para agirem, teatralmente, em busca de umasolução para o problema.

A proposta deste artigo é analisar as inter-venções da plateia durante e após o fórum,procurando entender o modo como mulhe-res e homens percebem as posiçõesassumidas pelas mulheres em situação deviolência em parcerias afetivas, as saídassugeridas para a situação da violência e omodo como os autores de violência são con-templados nas intervenções. Pretendoresponder questões como: os discursos pro-duzidos pelos (as) espect-atores/atrizesconstroem mulheres que se subjetivam pormeio de modelos de luta e resistência? Ou,ao contrário, é possível notar discursos quesubjetivam as mulheres como devendo seresignar diante dos papéis e nas formas de serelacionarem que lhes foram atribuídos ao

longo da história como bem demonstram aspesquisas na área? Como a interiorizaçãodos discursos jurídicos são manejadas e uti-lizadas pelos (as) participantes parapensarem em estratégias de enfrentamentoda violência? Que formas concretas assu-mem todos esses discursos?

A seguir, farei uma apresentação sobre asconcepções utilizadas para entender a vio-lência contra as mulheres em relaçõesamorosas ou conjugais, falarei sobre o uso dalegislação e da arena jurídica como espaçode negociações dos conflitos, tensões e vio-lências advindos dessas relações e o modocomo a Lei Maria da Penha contribui para aorganização de práticas discursivas que refe-renciam ainda mais o Judiciário comoespaço de luta pelos direitos das mulheres,bem como sua aplicabilidade seis anos apóssua implantação para, posteriormente, pro-blematizar a prisão do homem autor deviolência como uma, dentre as várias medi-das que devem ser tomadas quando oassunto é este.

Mulherzinhas reguladas e violência anunciada

Discutir a violência contra as mulheres im-plica no exercício de articular diversas teoriase conceitos. Justamente por se tratar de umfenômeno bastante complexo, esse assuntorequer que se debruce sobre temas diferen-tes e, ao mesmo tempo, complementares. Écomo estar diante de um caleidoscópio que,com suas múltiplas figuras e seus incontáveisarranjos, coloca desenhos diversificados epeculiaridades distintas para se entender oproblema. A partir das descobertas feminis-tas, é possível perceber que a própria defini-ção de “mulher” já contém uma miríade depossibilidades de conceituação, não po-

557

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

análisis foucaultiano del discurso. Además de eso, fue posible realizar experimentaciones quetomaron el método del teatro fórum como dispositivo estético y político capaz de producirdebates, cuestionar regímenes de verdad y emancipar a los/las sujetos involucrados (as). Palabras clave: Género. Violencia contra las mujeres. Teatro. Discurso.

*"Esse artigo fazparte da tese intitu-lada Gênero, violên-cia contra a mulhere Teatro do(a) Opri-mido(a): construindonovas possibilida-des de pesquisa eintervenção socialdo programa de

pós-graduação emPsicologia, Facul-

dade de Ciências eLetras, UNESP-Assis. Recebeu

orientação da ProfªDra. Maria de Fá-

tima Araújo e bolsada Fundação de

Amparo à Pesquisado Estado de SãoPaulo (FAPESP).

Page 4: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

dendo ficar fechada em uma explicaçãoúnica e universal, dado seu caráter escorre-gadio. Em Manifesto ciborgue, Haraway(2000) demonstra a necessidade de se esta-belecer a não inocência da categoria mulher,de entendê-la a partir de sua construção pormeio de discursos científicos, sexuais e tam-bém de outras práticas sociais questionáveis.A autora convida as feministas a não aceita-rem matrizes identitárias naturais e constru-ções que sejam totalidades. Criticandotambém um “vínculo comum entre todas asmulheres”, Bell Hooks (2004) chama a aten-ção para o fato de que as identidades de raçae classe criam diferenças na qualidade, estilode vida e status social que se encontram emcima das experiências comuns que as mu-lheres compartilham, denunciando, assim, ofeminismo praticado por mulheres brancasda classe média. Ela aposta na singularidadeda experiência das mulheres, entendendoque fatores associados à classe, à raça, à re-ligião, à orientação sexual, dentre outroseixos de diferenciação e poder, favorecemuma diversidade de experiências que acabapor determinar o alcance no qual o sexismoserá uma força opressiva na vida de mulheresindividuais. Hooks (2004) traz uma impor-tante denúncia sobre o fato de que a análisefeminista da situação das mulheres acaba porconcentrar-se exclusivamente no gênero,não proporcionando uma fundamentaçãosólida ao mistificar a realidade das mulheres,insistindo que o gênero é o único determi-nante do destino delas, sem que se leve emconsideração as opressões de raça ou classeou a interconectividade das opressões.

Avtar Brah (2004) também entende que asestruturas de classe, racismo, gênero e sexua-lidade não podem ser tratadas como “variá-veis independentes” porque a opressão decada uma está inscrita nas outras, é consti-tuída por e é constitutiva das demais. Assim,para ela, o feminismo negro questiona seria-mente qualquer interpretação da mulhercomo uma categoria unitária e entendecomo sendo fundamental abordar a questãosobre quais matrizes ideológicas ou camposde significação e representação estão em

jogo na formação dos sujeitos além de levarem conta os processos políticos, econômicose culturais que inscrevem experiências quesão historicamente variáveis.

Ao se trabalhar com a categoria gênero parao entendimento da violência contra asmulheres, é preciso assumir que esta ocorredentro de relações hierárquicas de poderentre mulheres e homens e que não se devea doenças, problemas mentais, álcool/drogasou características inatas às pessoas (Meneg-hel, Bairros, Mueller, Monteiro, Oliveira, &Collaziol, 2011). A perspectiva de gêneropermite, também, que o gênero seja com-preendido como o aparato de poder pormeio do qual a produção e a normalizaçãodo feminino e masculino tomam lugar a par-tir de formas variadas, construindo verdadese regulações sobre corpos de mulheres e dehomens. Não haveria, portanto, uma ver-dade “interna” da feminilidade consideradacomo uma disposição psíquica ou núcleo doeu. Para Judith Butler (2002), o gênero nãoé nem uma verdade psíquica concebidacomo intrínseca, tampouco pode ser redu-zido a uma aparência superficial. Suacondição, ao contrário, deve ser reconhe-cida como a relação entre psique eaparência e, assim mesmo, essa relação estáregulada por restrições heterossexistas. Essasrestrições podem ser observadas comodemonstra a ex-ministra da Secretaria dePolíticas para as Mulheres, Nilcea Freire(2011), ao falar dos desafios assumidos pormulheres que chegam aos espaços institucio-nais de exercício do poder, questionando,portanto, as expectativas que são direciona-das a elas e que, por isso mesmo,frequentemente são rotuladas como “duro-nas”, “mulherzinhas”, “peruas” ou“machonas”, sendo que muitas vezes essesadjetivos são utilizados por elas mesmas,como é o caso da própria presidenta darepública que afirmou ser uma mulher“dura” no meio de homens “meigos”. Paraela, a inclusão das mulheres como sujeitospolíticos capazes de interferir na formulaçãode um amplo conjunto de políticas públicasa partir do exercício de sua cidadania se faz

558

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 5: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

mediante o questionamento da lógica dopoder, geralmente concentrada nas mãosdos homens. São suas palavras: “Isto porque,no âmbito da gestão pública, o espaço pre-cipuamente destinado às mulheres éfrequentemente esvaziado de poder real”(Freire, 2011, p. 138). A ex-ministra, alémdisso, refere-se ao fato de que a presença demulheres nesses espaços faz com que suapresença e autoridade sejam frequente-mente questionadas, o que confirma opensamento de Joan Scott (1995) quandodiz que a história política é, usualmente, obastião de resistência à inclusão de questõesde gênero e das mulheres. Assim:

A alta política, ela mesma, é um conceito degênero porque estabelece a sua importânciadecisiva de seu poder público, as razões deser e a realidade da existência da sua autori-dade superior, precisamente graças à exclusãodas mulheres do seu funcionamento. (Scott,1995, p. 27)

Dentro da normalização do que uma mulherpode esperar de suas relações, a violênciasurge, muitas vezes implicitamente, comoalgo que sequer é compreendido comoaquilo que realmente é, já que é naturali-zada e banalizada pela sociedade. As velhaspropagandas de cerveja são exemplo dascoerções e regulações de gênero, uma delas,publicizada em 2012, mostra jovens rapazes,brancos, de classe média, procurando ummodo de abusar de mulheres sem seremidentificados: tomam a cerveja e isso ostransforma em homens invisíveis e estepoder – de estarem embriagados e de não seresponsabilizarem por seus atos – lhes dá apossibilidade de entrar no vestiário femininoe fazer o que bem desejarem, prova disso éa saída das mulheres deste vestiário correndoe aos gritos1. Afinal, o que os (as) publicitários(as) que fizeram essa propaganda desejavam,de fato, que a população pensasse e sentisseao assisti-la? Para combater o fenômeno daviolência contra as mulheres é necessárioque eventos como esse sejam denunciadose problematizados.

“Eles vão tomar uma providên-cia sobre isso”: acessando osdireitos por meio de leis

No Brasil, a violência contra as mulheres temsido privilegiada pelos movimentos sociais efeministas como pertencente à esfera da jus-tiça criminal e segurança pública, prova dissosão as Delegacias de Defesa da Mulher cria-das na década de 1980 e, depois, os Juiza-dos Especiais Criminais em meados dos anos1990, que têm se apresentado como institui-ções popularizadas e acionadas para a reso-lução da violência. Para autoras como LeilaBarsted (2011), Guita Debert e Maria Filo-mena Gregori (2008), Maria Cecília Santos(2008) e Lilia Pougy (2010), a revisão das le-gislações e das instituições do sistema de jus-tiça criminal foi uma aposta política dessesmovimentos. Voltadas para a defesa das mi-norias, as delegacias especiais de políciapodem ser vistas como instâncias que ex-pressam a intervenção da esfera política tra-duzindo, dessa forma, em direitos osinteresses daqueles (as) que, de outro modo,não teriam um tratamento justo nos tribu-nais.

Segundo Débora Maciel (2011), a campanhada Lei Maria da Penha aponta para dois fe-nômenos sociopolíticos emergentes nas so-ciedades contemporâneas: o primeiro delesé o uso dos tribunais como estratégia políticapara grupos e movimentos sociais e a im-portância dos efeitos ético-políticos das de-cisões judiciais. Aqui, o uso do direito dá aoportunidade de provocar uma ação res-ponsiva do Estado e de outras autoridades,dramatizando situações sociais problemáticas.O segundo fenômeno demonstra a expansãodo direito, em particular do direito penal,como instrumento de resolução de conflitoe de mudança social. A apresentação de de-núncias ou litígios passa a ser utilizada parapolitizar ou mesmo para legalizar a políticade direitos humanos por meio de casosexemplares. A mudança legal funcionariacomo uma alavanca para o acesso às políticaspúblicas e ao Judiciário.

559

Érika Cecília Soares Oliveira

1 Estou me referin-do à propaganda daNova Schin que foiveiculada em 2012em canais televisi-

vos brasileiros e quetem recebido a rejei-ção de várias usuá-

rias de redessociais.

PSICOLOGIA:CIÊNCIA E PROFISSÃO,

2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 6: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Ainda que as discussões em torno da LeiMaria da Penha confiram nova visibilidadeao assunto, ampliando o debate que atingea população em nível nacional, recons-truindo, assim, práticas e discursos tanto demulheres como de homens sobre esseassunto, alguns estudos e matérias recentesdemonstram que a realidade de sua aplica-ção ainda carrega resquícios daquilo quetanto se criticava nas delegacias e JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais - JECRIMs(Debert & Gregori, 2008; Santos, 2008). Empesquisa realizada com mulheres em situa-ção de violência e operadores (as) deinstituições de combate à violência em PortoAlegre, ao discutir a rota crítica percorridapelas mulheres na tentativa de resolver oconflito, Meneghel et al. (2011) percebemque os três setores mais procurados por elas– policial, jurídico e de saúde – ainda nãoforam reformulados para sustentar e seimplicar na resolução deste problema.Segundo as autoras, nas delegacias, os (as)profissionais continuam focando sua atençãona queixa e na procura apenas do lado cri-minal, além disso as mulheres entrevistadasrelatam entraves tanto na aplicação da LeiMaria da Penha como em deficiências dosistema policial para sua proteção. No setorjurídico, os (as) defensores (as) nem sempreestão por dentro do processo ou sequerconhecem a mulher que irão representarantes da audiência, além de existir muitarotatividade entre eles(as), levando-a a seratendida por vários(as) profissionais duranteo processo. A pesquisa demonstra que elasainda são levadas a tomar decisões rapida-mente na audiência, havendo muita pressãopara que reconsiderem a queixa e retornempara suas casas. Os homens autores de vio-lência, por outro lado, são encaminhadospara organizações não governamentais, taiscomo Amor Exigente ou Alcóolicos Anôni-mos e, o encaminhamento para serviçospsicossociais ou de saúde não implica emsegurança ou proteção para a mulher,gerando, segundo as autoras a “(...) manu-tenção de situações de violência e odescrédito, tanto na lei, quanto nos serviçosjurídicos e policiais” (Meneghel et al., 2011,

p. 748). O setor da saúde, por sua vez, aindainvisibiliza a violência vivenciada pelamulher atendida, encaminhando-a pararesolver o problema em outros locais, dei-xando de se responsabilizar pelo assunto.Ainda que as mulheres desta pesquisa citema Lei Maria da Penha como um fator facilita-dor para o combate da violência, parece queos atendimentos que são acionados durantea rota crítica ainda as vulnerabiliza e, muitasvezes, continua a revitimizá-las e essa preca-riedade dos serviços acaba, muitas vezes,resultando no assassinato dessas mulheres.

Em entrevista realizada em 08/08/2012 parao “Bom dia, Ministro” e disponibilizada pelaAgência Patrícia Galvão, a atual ministra daSecretaria de Políticas para as Mulheres,Eleonora Menicucci, falou da importânciada rede de atendimento nesses casos, nãodevendo se resumir apenas às delegacias.Diz ela: “Quando não existe esta rede, asmulheres denunciam e o Estado, o Poder Pú-blico, não as acolhe. Elas voltam para casa e,ao fazerem isso, estão voltando para uma si-tuação extremamente perigosa e vulnerável”.

Para finalizar este tópico, tomo o artigo pu-blicado na revista Direito e Democracia, daDesembargadora do Tribunal de Justiça doRio Grande do Sul, Maria Berenice Dias(2006). Nele, ela afirma que a existência deum acompanhamento para o autor de vio-lência (acompanhamento que ela definecomo “psicológico ou terapêutico”) permiteà mulher denunciar seu companheiro visandoseu direcionamento neste tipo de programa.A desembargadora aposta na denúncia comoum caminho para levar o autor de violênciapara atendimentos nos quais poderá reversuas concepções a respeito da violência queutiliza em sua relação com a parceira, jáque ela defende que, muitas vezes, a mulhernão quer a separação, dando a entender,em seu texto, que a lei seria um modo derestaurar a harmonia familiar, postura bastantecriticada pelas estudiosas do assunto e quecorrobora a preocupação diante das posiçõesadotadas pelos (as) operadores (as) do Direito.Diz ela:

560

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 7: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Quando a vítima consegue chegar a uma de-legacia para registrar a ocorrência contraalguém que ela ama, com quem convive, é opai de seus filhos e provê o sustento da família,sua intenção não é de que seja preso. Tambémnão quer a separação. Somente deseja que aagressão cesse. É só por isso que a vítimapede socorro. (Dias, 2006, p. 279, grifo meu)

Vê-se, assim, que a desembargadora concebea família de acordo com concepções tradi-cionais: o autor da violência é pai e provedorda família. Para ela, ainda, a mulher emquestão quer apenas que os (as) operadores(as) “deem um jeito” em seu companheiro,ela está somente pedindo socorro, não desejaque ele seja preso ou não deseja separar-sedele. Até que ponto essa fórmula pode es-tender-se para todas as mulheres e será queela pode, de fato, formar a visão de todos(as) aqueles (as) que ali estão atendendomulheres em situação de violência? Presumoque esse posicionamento dificulte o acessodas mulheres a um atendimento esclarecedore eficiente e não permita desconstruçõessobre os binarismos tão caros às construçõesde gênero. Além disso, o tratamento psico-lógico acaba por ser visto também comooutra faceta da pena.

“Mas ele vai ficar longe devocê!”: a prisão do homem au-tor de violência

Como outra face da mesma moeda, encon-tramos como consequência do avanço legale jurídico e da assunção das mulheres napauta dos direitos humanos, a punição doautor de violência como consequência ecomo meio para se coibir atitudes violentas.Reconhecendo a necessidade da responsa-bilização em casos de violência contra asmulheres, é também significativo o númerode autores (as) que acreditam que nem sem-pre apenas a criminalização é a melhor me-dida, sendo que cada caso deveria ser anali-sado em sua singularidade (Beiras, Moraes,Alencar-Rodrigues, & Cantera, 2012; Medrado& Méllo, 2008; Oliveira & Gomes, 2011).

Todos (as) eles (as) apontam para a necessidadede se desconstruir a lógica binária que lançamulheres e homens em duas direções inco-municáveis e que os essencializa em vítimase agressores/algozes numa postura um tantomaniqueísta como bem adverte Oliveira eGomes (2011). Essa dicotomia é herdeira,sobretudo, dos estudos iniciais sobre violênciacontra as mulheres, que compreendiam oshomens como detentores exclusivos do podere os perpetuadores de situações de desi-gualdade, concebendo, assim, a cultura comoalgo imutável, fixo (D´Oliveira, 2000). Nesteestudo, adotarei o conceito de homem autorde violência, ao invés de “agressor”, por en-tender que o uso dele permite afirmar queos sujeitos envolvidos nesse tipo de situaçãopossuem subjetividades cambiantes, fluidase propensas a transformações.

Com relação às ponderações realizadas pelos(as) estudiosos (as) sobre esse tema, BeneditoMedrado e Ricardo Méllo (2008), assinalamlacunas na lei Maria da Penha, com a finalidadede alcançar compreensões que demonstremque, enquanto o homem que pratica violêncianão estiver nas pautas das políticas públicas,dificilmente essa questão atingirá profunda-mente a sociedade. Para eles, a punição nãoserviria como medida plena que inquietariaos autores de violência, impedindo-os de agirpor medo de sofrerem alguma sanção. Sepor um lado é preciso lutar para que as re-construções das feminilidades e masculinidadesnão sejam tão rígidas, por outro, é preciso in-corporar que a dominação dos homens sobreas mulheres não possui um único autor, sendoconstruída por diversos (as) autores (as): oshomens, as mulheres, a mídia, a religião, aeducação e as próprias políticas públicas einstituições sociais.

Cabe lembrar que conhecer a situação doshomens que praticam violência é de vital im-portância para entender ainda mais as situaçõesde violência contra as mulheres, aprofundarquestões e conhecimentos a respeito dopoder, autoridade, masculinidade, só paracitar alguns, e almejar uma sociedade pautadaem princípios éticos em que a violência seja

561

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 8: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

cada vez menos utilizada (D´Oliveira, 2000;Oliveira & Gomes, 2011). Se os discursos ju-rídicos, tal como ensina Foucault (1997), de-terminam para os sujeitos que falam, pro-priedades singulares e papéis preestabelecidos,é necessário então que seja problematizadoo modo como esses sujeitos foram construídoshistoricamente, as coerções experimentadaspara que desenvolvessem um tipo específicode masculinidade, recusando, assim, explica-ções estanques e reducionistas.

Trajetória metodológica

Exemplificarei a seguir o método empregadopara, posteriormente, discorrer sobre o modocomo ele foi utilizado na presente pesquisa:por ser caracterizado por seu criador, AugustoBoal (2005), como um “antimodelo”, o TFgera um conflito ou drama que é apresentadoà plateia por meio de uma pequena cena(esquete) ou peça. Nela, deve existir um (a)antagonista ou opressor (a) e um (a) prota-gonista ou oprimido (a). A condição básicapara sua dramaturgia é que exista um (a)protagonista que deseja livrar-se da opressãoque sofre, que procure maneiras um tantoequivocadas para fazê-lo e que, como con-sequência disso, não consiga. O fórum oudebate se dá justamente nesse momento,com a plateia substituindo-o (a) em cena,colocando-se em seu lugar e tentando resolverseu impasse. Essa capacidade do fórum desuscitar uma pergunta, deixando-a em sus-penso, obrigando as pessoas, por meio desua sabedoria, a buscarem alternativas é, ameu ver, o importante momento em quediscursos e práticas podem ser reconstruídoscoletivamente e posições subjetivas podemser perturbadas e, talvez, remanejadas, poiso corpo passa a estar completamente impli-cado e envolvido na tarefa de colocar-se napele do (a) outro (a).

O TF é entendido por Boal como um “mo-delo para a ação futura” e isso se dá pela en-trada no palco dos (as) espectadores (as)que se transformam em “espect-atores/atrizes”,demonstrando que todo mundo pode ser

ator/atriz e estar na plateia ao mesmo tempoe ensaiar ações para o futuro. O (a) facilitador(a) desse diálogo entre palco/plateia é o (a)curinga, que além de fazer a mediação entrepalco e plateia, organiza o espetáculo ecoordena o grupo. Aqui, parto do pressupostode que o TF permite a produção de conhe-cimento sobre a realidade dos sujeitos pes-quisados e, baseada em Donna Haraway(1995), associo a ideia de que esse métodopode possibilitar pesquisas posicionadas nocampo da Psicologia e nas investigaçõessobre violência as mulheres. Haraway (1995)defende que somente se produz ciência pormeio de uma “postura crítica” do (a) pesqui-sador (a), acreditando em uma visão objetiva,fundamentada em uma perspectiva parciale localizada, ela propõe uma relação emque se estabeleçam conversas “nada ino-centes” sobre o poder, nas quais se possaperceber, por meio do ponto de vista dos(as) subjugados (as), que eles (as) tambémnão podem escapar das relações de poder,estando sujeitos a desejar, em algumas oca-siões, a posição de dominador (a).

Para elaborar a peça-fórum, formei um grupocomposto por estudantes universitários (as)interessados (as) no fazer teatral para discu-tirmos gênero e violência contra as mulheres,grupo que durante o período de março de2010 a dezembro de 2011 participou sema-nalmente de encontros, realizando oficinasde jogos e exercícios teatrais. Junto a isso,realizei capacitações em TF (leitura da obrade Boal, participação em algumas oficinasno Centro de Teatro do Oprimido, dentreoutras). Passado um ano, o grupo começoua montar o esquete de TF que viria a recebero nome de “Segura meu coração” e quetinha uma duração média de 10 minutos.Nas três primeiras apresentações, participaramseis atores/atrizes e, ao final de cada cena, aprópria protagonista atuava como curinga econvidava alguém da plateia para auxiliá-laa resolver seu conflito. Nas duas últimasapresentações, participaram cinco atores/atri-zes e a mediação entre palco e plateia foirealizada por mim. Ainda que as paradaspara que as pessoas entrassem no palco

562

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 9: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

fossem definidas por nós, também nessasapresentações finais, as pessoas puderamentrar espontaneamente no palco, bastandomanifestar seu desejo para isso.

Para a montagem do esquete foram utiliza-das junções de textos de minha autoria etambém de outros (as) autores (as) e suasobras. Usualmente, a dramaturgia de um es-petáculo de TF é construída pelo própriogrupo, mas, neste caso, a opção de levar tex-tos de outros (as) autores (as) foi uma decisãoque visava a assegurar que nascesse dali umtexto que produzisse indagações nas pessoase, ao mesmo tempo, inaugurasse uma lin-guagem poética, não cotidiana, para se dis-cutir tema tão duro. Como resultado finaldessa junção de textos, foi possível construiruma dramaturgia que contemplava uma si-tuação de violência conjugal vivida porBranca e praticada por seu marido, José Pás-saro Volante2 que trazia a seguinte pergunta:o que vocês fariam se estivessem no lugar daprotagonista? Construíram-se três cenas queabordavam a violência sofrida por Branca ea opinião de duas vizinhas que se posiciona-vam contra a protagonista ou a favor. Na pri-meira cena, as vizinhas Jesuína eEsperancinha comentam a situação deBranca e Jesuína, que se posiciona a favor dePássaro, chega a concordar que ele impeçaa esposa de sair de casa. Nessa cena, a pro-tagonista também se apresenta para a plateiae conta a todos (as) o seu drama: ela bordauma colcha interminável com um dragão emseu centro. A eficácia de seu trabalho é me-dida pelo marido que a castiga caso note queas escamas do dragão cresceram. Na se-gunda cena, Jesuína diz para Esperancinhaque não se mete em briga de marido e mu-lher e que Branca deve saber muito bem porque está apanhando. Ainda nessa cena, Pás-saro manifesta seu desejo de ter uma esposaobediente e conta para a plateia como pre-tende fazer sexo com ela, mesmo contra suavontade. Na terceira e última cena, Esperan-cinha, preocupada com a vizinha, diz-lhepara ela sair daquela colcha (e daquela his-tória) e fazer alguma coisa seja com palavra,faca ou tiro.

Foram feitas cinco sessões de TF em três ci-dades do interior do oeste paulista para osseguintes grupos composto por mulheres ehomens com idade igual ou superior a 18anos: uma cooperativa de material reciclável,uma associação de material reciclável, alunos(as) de um programa de alfabetização parajovens e adultos, alunos(as) de um curso pro-fissionalizante para camareiro(a) e, por fim,para profissionais da saúde. Os grupos variavamentre 10 e 50 pessoas e o critério de escolhafoi o pouco acesso que possuíam a intervençõesartísticas como essa. As apresentações acon-teciam nos locais de trabalho ou estudo dos(as) participantes, sendo que o grupo chegavacom antecedência a esses lugares para montara estrutura que serviria como base para aapresentação do esquete (telão, projetor, fil-madora etc.). Antes disso, uma das atrizesfazia contato com os (as) representantes dosgrupos que haviam sido escolhidos, agendandoreunião para explicar o projeto, combinarhorários e dias compatíveis e tudo o quefosse necessário. Além das intervenções rea-lizadas no fórum (isto é, com a entrada dos(as) espect-atores/atrizes no palco), tambémabri para discussão após as apresentações.Essa abertura, que acontecia posteriormenteà encenação e ao fórum, foi cunhada por“roda de conversa” e o tempo médio dos en-contros variou entre uma hora e uma hora emeia. O registro dos dados foi feito por meiode gravação e filmagens das falas e/ou imagensdos (as) participantes e, também, em obser-vações feitas por mim no diário de campo. Aparticipação na pesquisa foi espontânea etodos (as) os (as) participantes assinaram otermo de consentimento, conforme ResoluçãoCNS nº 196/96.

Análise dos resultados

No caso deste estudo, foi utilizada a AnáliseFoucaultiana do Discurso (AFD) para analisaras falas dos (as) participantes durante o fórumou na roda de conversa. A preocupação daAFD é a linguagem e o papel que ela tem naconstituição da vida social e psicológica daspessoas, bem como o papel do discurso em

563

Érika Cecília Soares Oliveira

2. As personagensforam retiradas dolivro O dia dos pro-dígios da escritoraportuguesa Lídia

Jorge.

PSICOLOGIA:CIÊNCIA E PROFISSÃO,

2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 10: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

processos sociais mais amplos de legitimaçãoe poder, pois parte do pressuposto de queos discursos hegemônicos privilegiam versõessobre a realidade que, por sua vez, legitimamas relações de poder existentes e as estruturassociais, daí seu foco ser tais relações.

Para Foucault (1997), o discurso não é sim-plesmente aquilo que traduz as lutas ou ossistemas de dominação, mas aquilo peloqual, e com o qual se luta, o poder do qualas pessoas querem se apoderar. Assim, é ne-cessário considerá-lo como um jogo estratégicode ação e reação, de perguntas e respostas,de dominação e esquiva (Foucault, 1973).Segundo ele, os discursos são acontecimentos,têm forma de regularidade e sistemas decoerção, possuem materialidade e constituemum conjunto de estratégias que fazem partedas práticas sociais, engendrando domíniosde saber que fazem aparecer novos objetos,conceitos e técnicas e também formas inéditasde sujeitos e de subjetividades.

Desse modo, para a análise de um texto énecessário ter em vista quem fala, isto é, ostatus dos indivíduos que têm o direito deproferir o discurso; os lugares de onde sefala, que implica em compreender os lugaresinstitucionais dos quais as pessoas obtêmseus discursos e, por último, as posições desujeito, que são definidas pela situação queé possível ocupar em relação aos diversosdomínios ou grupos de objetos. É possível,assim, tentar desvelar os regimes de verdadeproduzidos pelos discursos, já que cada so-ciedade tem o seu regime ou modelo deverdade, sua “prática geral” de verdade, istoé, os tipos de discursos que ela acolhe e fazfuncionar como verdadeiros. Verdade aquideve ser entendida como o conjunto deregras segundo as quais se distingue o ver-dadeiro do falso e, se atribui ao verdadeiro,efeitos específicos de poder, desempenhando,portanto, um papel econômico e político(Foucault, 1979). Segundo Foucault(1969/2008), o sujeito que fala não mostranunca um discurso genuíno, mas constróiseu discurso e sua identidade discursiva pormeio de um trabalho de relações.

O que guia esse tipo de análise são as pro-blematizações, isto é, a prática de colocarem dúvida tudo o que está configuradocomo inquestionável ou indubitável (Iñiguez,2005a). Nem todos os textos podem ser con-siderados discursos e nem todos osconjuntos de enunciados podem revelardeterminadas posições, sendo que “só ofazem aqueles que possuem valor para umacoletividade, que envolvem crenças e con-vicções compartilhadas. Ou seja, os textosque claramente incluem um posicionamentoem uma estrutura discursiva” (Iñiguez,2005b, p. 129). Para realizar a análise dessematerial, foram seguidas as indicações apro-priadas para essa pesquisa realizadas porautores (as) como Iñiguez (2005a, 2005b),Parker (1996) e Willig (2008). Assim, o textofoi colocado em linguagem escrita, asso-ciando livremente com ele e detalhandosistematicamente os objetos que ali aparece-ram. Como dispositivo para explorar odireito à fala no seio dos discursos, recons-truiu-se o que cada pessoa tinha a dizerdentro do marco de regras propostas pelotexto, tentando visualizar os direitos e res-ponsabilidades da plateia, suas redes derelações e seus posicionamentos.

Discussões

Como assinalado anteriormente, interessaaqui analisar os discursos produzidos pormeio das intervenções realizadas pelos (as)espect-atores/atrizes durante o fórum, sejapor meio de sua entrada no palco e que de-nominei como teatro fórum (TF) ao longodeste artigo, seja por meio da contribuiçãoque deram sentados(as) em suas cadeirasou, ainda, no final da apresentação, quandoabri para debater o tema e que aqui chamarei,ambas, de roda de conversa (RC). Nessesdois últimos casos, os (as) participantes (as)serão denominados (as) de espectadores (as),por não terem emprestado seu corpo à açãoteatral. Os nomes escolhidos para represen-tá-los (as) são fictícios, retirados de livros daliteratura escritos por João Guimarães Rosa,Hilda Hilst e Mia Couto.

564

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 11: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Cabe lembrar que, em razão desse espaçoser limitado, foi escolhido um número redu-zido de exemplos para ilustrar cada tipo dediscurso e que, neste caso, todos são discur-sos de mulheres. Houve, contudo,participação dos homens durante as apre-sentações e esta foi discutida em outroslugares. No grupo de profissionais da saúde,por exemplo, alguns chegaram a entrar nopalco e substituir as atrizes. A análise dessesdiscursos, em virtude do tipo específicodesse grupo, ficou bastante atrelada a refle-xões sobre o modo como a violência éenfrentada no contexto da saúde.

Discursos reguladores: entresafadas e santas

Representando esses discursos, no TF ouRC, aparecem aqueles que apontam a relaçãoentre mulheres e homens permeada porobri gações e papéis tradicionais que devemser seguidos rigidamente, caso contrário, amulher é merecedora de violência por partede seu companheiro. Além desses, há a pre-valência de discursos que veiculam a ideiade que muitas mulheres que sofrem violênciao fazem por não terem vontade de trabalhar,estarem acomodadas nas relações ou, ainda,por não terem autoestima, autoconfiançaou atitude, promovendo uma verdadeiraculpabilização da mulher que vive em situaçãode violência.

A seguir, um exemplo desse tipo de discursoque foi pronunciado na roda de conversapor Maria Mutema, espect-atriz que entrouno palco várias vezes substituindo Branca etentando ajudá-la na resolução do conflito eRosa´uarda que não entrou no palco ne-nhuma vez, mas que esteve o tempo todoincentivando a protagonista:

Mas existe mulher também que é atentada,viu? Tem mulher atentada, viu? Ruim! [MariaMutema fala para a colega que está ao seulado, Rosa’uarda. Continua]: - Não é verdade?(...). Tem mulher pilantra, sem-vergonha, safada,tem muitas que faz cada coisa que eu vejo!

Olha, há 13 anos que eu sou viúva e hoje eunão vejo... tem mulher aí que tem marido,sai bagunçar e larga os filhos em casa, sai ba-gunçar... e quer que o marido chegue e nãometa o cacete! [Rosa’uarda responde]: Temque bater, essa tem que apanhar” (Maria Mu-tema e Rosa’uarda, RC, alunas de programade alfabetização, grifo meu).

No discurso de Maria Mutema e Rosa’uarda,um regime de verdade é construído: mulhe-res atentadas, pilantras, sem-vergonhas,safadas são aquelas que, tendo marido, saempara bagunçar, deixando filhas e filhos emcasa e, ao que tudo indica, ainda esperamque seus maridos não lhes deem um cacete.Esse tipo de mulher, na opinião delas sãojustamente aquelas que têm que apanhar,que o marido tem que bater. Note-se aí queo verbo ter é usado como um imperativo,uma norma que define, fixa e organizapapéis, pois se existe uma mulher que temque apanhar é porque existe um homemque tem que lhe bater, havendo, portanto,funções designadas e expectativas distribuí-das para a manutenção de papéistradicionais: mulheres devem cuidar de suascasas, de seus maridos e de seus filhos (as),homens devem corrigir seus excessos. Aescolha pelo castigo físico como forma decontrolar e coagir a mulher que se desviouda norma é a proposta feita pelas duas.Butler (2005) ensina que as pessoas sãoreguladas pelo gênero e esse tipo de regula-ção opera como uma condição deinteligibilidade cultural para elas. Assim, des-viar das normas de gênero é produzir oexemplo aberrante que os poderes regulató-rios podem explorar rapidamente paraapontar a justificativa de seu próprio zeloregulador continuado.

Operando como fenômeno psíquico, anorma restringe e produz o desejo, regendotambém a formação do sujeito e circunscre-vendo o âmbito da sociabilidade visível. Ofuncionamento psíquico dela oferece aopoder regulador um caminho mais insidiosodo que a coerção explícita e o êxito dissopermite seu funcionamento dentro do social

565

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 12: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

(Butler, 2010). É possível ver por meio dodiscurso das espect-atrizes que as normas degênero às quais Butler (2002) se refere ope-ram exigindo a encarnação de certos ideaisde feminilidade e masculinidade que, quasesempre, estão ligados à idealização deuniões heterossexuais.

Dessa maneira e segundo a autora, o enun-ciado performativo iniciador “É uma menina!”antecipa a sanção “Eu os declaro marido emulher”. Assim, nomear a “menina” é tran-sitivo e inicia o processo pelo qual impõeuma certa “feminização”, governada pelopoder simbólico desse termo que toma formano corpo e que nunca se aproxima, total-mente, da norma. A feminilidade não seriao produto de uma eleição, mas sim da repe-tição forçosa de uma norma cuja historicidadeé inseparável das relações de disciplina, re-gulação e castigo. O modo como a feminili-dade é construída socialmente resulta emuma prática que confere à mulher um lugartangenciado pelo preconceito dado o caráternatural – e não político – que é conferido àsua existência

Cabe, então, a pergunta: por que mulheresque possuem uma vida não conformadaaos preceitos morais – elas bagunçam –mereceriam ser espancadas? O desvio ou abagunça das regras heterossexuais estipula-das dentro das relações as transformariamem mulheres “meramente matáveis”usando expressão de Sandra Azerêdo emconversa com Donna Haraway? (Haraway& Azêredo, 2011). É interessante e, aomesmo tempo assustador, constatar queMaria Mutema e Rosa´uarda, cada uma aoseu modo, tentaram auxiliar Branca na ces-sação da violência vivida por esta, mas énecessário lembrar que essa personagemera uma dona de casa responsável, que cui-dava de sua casa e de seu filho, não sendo,portanto, moralmente repreensível. Comoseria se a protagonista apresentasse “des-vios”? Seria ela defendida pela plateia?

Discursos de resistência ou con-tradiscursos: sobre homens erepolhos

Os contradiscursos encontrados durante ofórum ou na roda de conversa aparecemprincipalmente questionando as noções tra-dicionais de amor, casamento e poder, mos-trando a necessidade da partilha e liberdadenas relações, por um lado e, por outro, a ne-cessidade da mulher se colocar frente aohomem em pé de igualdade, mesmo quepara isso utilize da violência como forma decessar os abusos cometidos pelo companheiro.Esse tipo de discurso costuma ser caracterizadopor ser polêmico e mostrar um sujeito dis-cursivo que destoa das vozes normativas,caracterizando-se por negações de definiçõesreguladoras, recusa de obrigações etc. (Llom-bart, 1993).

E ele mesmo [o marido da espectadora]falou pra mim, porque ele não rela a mãoem mim, eu falei você não rela mesmo,eu sei que no soco não vou bater emvocê, mas você vai dormir, na hora emque você dormir eu te “lanho” inteirinho.Só isso, eu faço ele virar um repolho. Semessa, eu nunca apanhei do meu pai, vouapanhar de macho? (Matamouros, RC,catadora de material reciclável).

No discurso de Matamouros, a violência étida como intolerável. Como forma de com-batê-la, essa espectadora procura soluçõesque lhe coloquem em uma relação simétricacom seu companheiro. Ainda que não tenhaforça suficiente para entrar em uma briga“eu sei que no soco não vou bater em você”,ela encontra uma estratégia que a colocaem pé de igualdade caso sofra algum tipode violência dele: espera ele dormir e trans-forma-o em um repolho, se necessário. Anão aceitação da violência se estende paraqualquer tipo de homem, seja pai, maridoou substituto dessas figuras que representama autoridade e o poder de dominação. A es-

566

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 13: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

pectadora interpela e polemiza: “sem essa(...) vou apanhar de macho?”. Constrói-se,assim, uma nova subjetividade na qual a re-sistência e a autoafirmação passam a figurare atuar nas formações discursivas. O gêneroassume outra dimensão apontada por Butler(2005): ele é o mecanismo no qual se natu-ralizam noções de feminilidade e masculini-dade, mas também pode ser o aparato me-diante o qual tais termos são desconstruídose desnaturalizados, provocando uma per-mutação de gênero, uma dúvida sobre osbinarismos com os quais se está habituado(a), afinal, essa mulher “lanha”, rasga o seucompanheiro inteirinho e este deixa de serum homem e vira um vegetal, atitude poucoesperada em se tratando de uma mulher equando se pensa nos modos corriqueiroscom que a noção de mulher e feminilidadesão construídas.

Matamouros foge da norma nesse aspecto,ainda que estar fora da norma signifique serdefinido(a) em relação a ela, como demons-tra Butler (2005), não ser feminino oumasculino por completo é ser, ainda assim,compreendido(a), exclusivamente, em ter-mos da relação que se tem com esses doistermos. Ela cria uma mulher que não aceitaser tratada como um “ser inumano” ou,ainda, um corpo abjeto (Butler, 2010), suavida é “digna de valer a pena” (Butler, 2006).A espectadora faz valer, por meio de estraté-gias, sua igualdade frente ao homem.Abjeção significa literalmente lançar parafora, longe. Se a materialidade do sexo éconstruída por meio da repetição ritualizadadas normas, essa mesma construção produzcorpos inteligíveis e corpos abjetos. A noçãode abjeto designa um status degradado ouexpulso em termos de sociabilidade. Aindaque a igualdade preconizada por Matamou-ros tenha que brotar por meio da mediçãode forças e da troca de violências, ela conse-gue colocar a espectadora como alguém quefaz parte do contrato social, cria regras epautas para o convívio com o outro, faz comque seu corpo seja pensável e, sobretudo,vivível. Mas cabe lançar uma pergunta e nãose contentar com uma solução aparente-

mente fácil: ainda que existam mulheres quefaçam uso da violência para se defendereme até mesmo transgredirem normas degênero, é possível acreditar que a utilizaçãodesse expediente as irresponsabiliza por essaescolha?

Optei por chamar aqui de contradiscurso atransgressão das normas de gênero – mulherespodem ser violentas, mas poderia continuara chamá-lo assim acreditando que a violênciavinda de mulheres provoca linhas de fraturase inaugura novos arranjos afetivos entre oscasais? Acredito que não. Tomo aqui a ideiade Butler (2006) ao avaliar o papel da violênciana vida das pessoas e da análise de que, pa-radoxalmente, o fato de alguém ter sido ex-posto (a) à violência vinda de outrem aumentasua responsabilidade perante ela. Alguémque sofre uma violência é eticamente obrigadoa perguntar-se como deve responder ao danosofrido, sobre seu papel frente à manutençãodele, em que se converterá ao respondê-lode um ou de outro modo e sobre o desejo dese estender ou impedir que a violência sepropague pela resposta que se pretende dar.Portanto, ainda que a intenção de Matamouros– a autodefesa – seja legítima e até mesmocompreensível, o modo como escolhe pararevidar não lança luz alguma quando o assuntoé o enfrentamento da violência e, concomi-tantemente, a construção de uma sociedadejusta e igualitária.

Discursos jurídicos: a produçãode seres humanos e inumanos

De modo geral, esses discursos foram utili-zados durante os encontros em ummovimento duplo: ora para apontar que amulher poderia procurar o sistema de jus-tiça como forma de ser protegida e, aomesmo tempo, conhecer seus direitos, oracomo forma de punir o homem autor deviolência. Abaixo, colocarei a fala de Ernes-tina, espect-atriz que nesse momento doFórum substitui a amiga e vizinha deBranca, Esperancinha e tenta acionar solu-ções junto à protagonista:

567

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 14: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Cê já pensou em procurar uma delegacia damulher, denunciar ele? [...]. Vai, pega uma ca-rona, eu sou sua vizinha aqui do lado, euposso ir com você, eu te acompanho [...].Você vai dizer [na delegacia] que ele é umapessoa agressiva, que ele te agride, fisicamente,moralmente e eles vão tomar uma providênciasobre isso. [...]. ele vai ter que ficar longe devocê ou vão prender ele, mas ele vai ficarlonge de você! (Ernestina, TF, aluna de cursotécnico).

Para entender a importância dos discursosjurídicos utilizados pela plateia, é precisolembrar, tal como ensina Foucault (1973),que os discursos são “jogos estratégicos” ouum conjunto de estratégias que fazem partedas práticas sociais e que são justamente aspráticas judiciárias as maiores responsáveispor produzir novas formas de subjetividade,de saber e de relações entre os sujeitos e averdade, já que é a partir delas que certonúmero de “regras de jogo” são definidas ese estabelecem. Tais práticas, também co-nhecidas como práticas regulares, são res-ponsáveis pelos “modelos ou regimes deverdade” que circulam nas sociedades, seimpõem e valem não somente no campo dapolítica, mas também no campo do cotidiano,tornando-se constitutivas do sujeito. Cadasociedade tem seu “regime de verdade” e écomposta por tipos de discursos que acolhee que funcionam como verdadeiros, isto é,desempenham papéis econômicos e políticos.Cabe, então, tentar entender como a pro-dução de leis e de penalidades alinhava osdiscursos construídos pelas pessoas sobre omodo de se enfrentar a violência, ora ten-dendo para discursos em prol da equidadepela via dos direitos, ora na penalização,pura e simples, do homem autor de violência.

Já antes da Lei Maria da Penha ser sancionada,alterações no Código Penal brasileiro, emvigor desde 1940, tentavam revisitar discursosum tanto prescritivos, próprios do sistemapenal (Foucault, 1973), que ditavam formasde regularidade e sistemas de coerção sobreas mulheres. Assim, a expressão “mulherhonesta” contida nos artigos 215 e 216, porexemplo, foi retirada do Código somente

em 2005 (Barsted, 2011). Aqui, o enunciadohonesta dava à lei um caráter moralizante edemarcava um certo tipo de conduta que asmulheres deveriam ter, delineando sob quaiscondições e de acordo com quais compor-tamentos seriam ou não defendidas pela lei.Seus efeitos discursivos ainda hoje são pul-verizados na sociedade por meio de suportesinstitucionais de tal modo que, em casos deestupro, o passado da vítima é utilizado parase tentar justificar o crime cometido contraela e a mídia, sobretudo aquela especializadaem divulgar pormenorizadamente a conduçãodesses casos para a população, sempre foium instrumento bastante contundente nestetipo de divulgação. Como reação a isso, épossível ver nos movimentos sociais con-temporâneos, como é o caso da Marcha dasVadias, a contraposição do enunciado honesta,pelo que seria então o seu oposto - vadia - ea crítica contida no uso dessa palavra utilizadapara denunciar machismos e crimes.

Ernestina traça um plano junto à Branca noqual se disponibiliza a levá-la à delegacia econstrói para ela uma defesa na qual avizinha e amiga explica que o marido é umapessoa agressiva, que a agride física e moral-mente e, com isso, acredita que uma provi-dência será tomada, seja uma medida pro-tetiva (“ele vai ficar longe de você”) ou entãoa prisão de Pássaro (“ou vão prender ele”). Aincorporação da instância jurídica como localde proteção e da violência como um crimepassível de punição resulta em um modo desanar os abusos cometidos pelo homem.Branca é legitimada social e discursivamentea procurar defender-se como um sujeito do-tado de direitos.

Convém ressaltar que, conjuntamente coma procura de direitos e proteção, foi possívelencontrar, talvez de modo um tanto inevitável,a prisão do autor da violência nos discursostanto de espect-atrizes como de espect-atores. A prisão do autor de violência, écerto, auxilia no entendimento de que aviolência é um crime e não deve ser tolerada.Isso não implica, contudo, em dizer que avida dos autores de violência não seja digna

568

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 15: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

de valer a pena e que estes não devam serhumanizados e contemplados nas políticaspúblicas voltadas para discutir suas masculi-nidades e a incorporação da violência comoum atributo dos homens.

Deste modo, fecho este tópico utilizandodois discursos de Ernestina para mostrar que,no seio de uma contradição sentida por essaespect-atriz, há o germe para se olhar esteproblema de modo humanizado e ético. Aotentar convencer Branca a deixar o José Pás-saro, ela diz: “(...) ele [José Pássaro] não me-rece nem ser chamado de homem. Elemerece ser chamado como um animal, umbicho. Os próprios animais às vezes têm ca-rinho, são companheiros de suas fêmeas, eele não tem [carinho] por você”. Depois, naroda de conversa, ela pondera e torna-se aprimeira e única espect-atriz a mencionaressa saída:

Por isso até que tem um trabalho com psicó-logos, os homens, tem uma cidade que euassisti os homens que agridem as mulheres,eles passam por tratamento psicológico praresolver isso. Acho que deveria ter isso emmais lugares, porque é uma coisa tambémque as pessoas desabafam, porque talvez temum problema entre a gente que sofreu umaviolência também (Ernestina, RC).

Reflexões finais

Ao analisar os discursos dos (as) participantesfoi possível reconstruir os direitos e respon-sabilidades dos sujeitos que ali estavam, bemcomo de suas redes de relações, identificando,a partir daí, as distintas versões do mundoque coexistem nos discursos emitidos (Parker,1996). Os resultados da pesquisa aqui reali-zada dialogam com a literatura produzidana área, que demonstra como as violênciasmuitas vezes surgem justamente diante dasindagações que são colocadas frente às re-gulações de gênero e cujas permutações,como bem demonstra Butler (2005), têmaltos custos para sujeitas e sujeitos. Custosesses que podem redundar na disciplinari-zação de mulheres como forma de normali-

zá-las e silenciá-las ou, ainda, com a emer-gência de uma posição também violenta porparte de algumas, na tentativa de não seremviolentadas ou de acabarem com os abusoscometidos contra elas.

Além disso, a procura por direitos por parteda plateia demonstra o quanto as mulheressão vistas como sujeitos de direitos e a vio-lência como algo que não deve ser sustentado.Outras formas de lidar com o problema,como a abertura para a discussão junto à so-ciedade sobre feminilidades e masculinidadesquase não foram acessadas. Alguns dessesresultados mostram que o cenário das políticaspara o enfrentamento da violência, por meiode sua ampla divulgação, acaba por influenciaropiniões, construir discursos e práticas juntoà população, permitindo que esta reconstruaseus posicionamentos a partir daí.

Ademais, as implicações e desenvolvimentodo estudo ora realizado para a Psicologiapodem ser resumidas na tentativa de consi-derar a violência contra as mulheres emuma perspectiva que leve em consideraçãoos aspectos políticos da existência por meioda análise de eixos de poder e diferenciaçãoque contribuem para que ela seja vivenciadade maneiras específicas por cada mulher,dependendo do lugar que ela ocupa na so-ciedade.

Foi possível também assinalar que essa dis-ciplina precisa respaldar-se em um amploconhecimento para lidar com esse tema,não podendo estar encerrada em explicaçõesreducionistas, individualizadas e que reviti-mizam as mulheres. São necessárias inter-venções que garantam a interdisciplinaridadee que procure, ao mesmo tempo, elucidarqual o papel que o (a) psicólogo (a) podeadotar nas redes de enfrentamento à violência,o objetivo de sua atuação, a importância desua escuta e intervenção e seu posicionamentodentro desse campo de atuação.

O presente estudo também permitiu a com-preensão da importância da historicidadena produção das posições que puderam ser

569

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 16: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

visualizadas nas práticas discursivas da plateiapara a qual o esquete foi apresentado. Nesseponto, é possível refletir que o estudo empíricorealizado permitiu que se acessassem taisdiscursos, demonstrando que o teatro fórumé um dispositivo que produz ações muitasvezes contraditórias por parte de quem assisteao espetáculo, pois pode ser que a mesmapessoa que se levanta e assume o lugar do(a) protagonista, transformando-se em es-pect-ator/atriz e defendendo-o(a), é aquelaque, nesse mesmo lugar, pode, implicita-mente, acusá-lo(a) ou contribuir para a ma-nutenção das opressões vivenciadas.

Pensando no uso dessa metodologia dentrode pesquisas participativas ou interventivasnas universidades, faz-se necessário criar ummecanismo que provoque a continuidadedos encontros quando o objetivo é levar oproduto (peça-fórum) para as pessoas, ten-tando garantir uma problematização maiorsobre o tema que será debatido: como mos-trar as contradições contidas nos discursosda plateia e o quanto elas contribuem paraa manutenção do status quo? Os próprioapontamentos do(a) curinga durante o fórumconseguem evidenciá-las? É possível provo-car fissuras nas formações discursivas daplateia, de forma a não apenas levantar umaprofusão de ideias, mas também permitir areflexão sobre seus posicionamentos e aconsequente responsabilidade que se posi-cionar implica? Uma única apresentação deuma peça-fórum permite esse tipo de ação?Ou seria o objetivo de uma peça-fórum ape-nas disparar opiniões, tal como um filme ououtro dispositivo semelhante o fariam? Se forisso apenas, por que escolher o TF e não umfilme ou uma palestra? Ou, diferente deassistir um filme ou uma palestra, passiva-mente, o corpo ativado durante o fórum éele também produtor de novos significadose, se sim, como o (a) pesquisador (a) podeinscrever e inaugurar narrativas sobre essecorpo mobilizado, acionado e em rede comoutros corpos?

Parece-me, então, que da apresentação deuma peça-fórum devem resultar várias outras

intervenções que desvelem o quanto a própriaplateia contribuiria para situações como asapresentadas pela protagonista, neste caso,a violência no interior de uma parceriaafetiva e discussões sobre poder devem fazerparte desse momento. Cabe acentuar queparece mais enriquecedor, quando isso épossível, que a peça seja construída compessoas da própria população e que estaspossam levar o espetáculo para a comunidadeem geral.

Esse processo de construção coletiva, de en-saios e apresentações, de diálogo com pessoasde diferentes segmentos populacionais, po-deria permitir um reposicionamento signifi-cativo diante do tema, ao menos por partedos (as) integrantes do processo de construçãoda peça. O caráter processual de uma cons-trução de uma peça de teatro fórum, portanto,não deve ser perdido de vista em nenhummomento da pesquisa. Chamo a atençãopara isso por acreditar que uma produçãovinda da população pode ser mais impactantedo que uma produção feita e apresentadapor pessoas da própria universidade. Nessesentido o Teatro do (a) Oprimido (a) seriauma metodologia inovadora dentro da uni-versidade, por permitir o desenvolvimentode um processo grupal de desconstrução ereconstrução a respeito de um determinadoassunto, destinado a atingir não apenas ogrupo pesquisado, mas também outros estratosda sociedade.

Seguindo essa linha de raciocínio, é possívelpensar que esse dispositivo, diferente deuma entrevista ou grupo focal, por exemplo,tem a possibilidade de alcançar um númerosignificativo de pessoas, além daquelas queestiverem fazendo parte do processo de ela-boração da peça-fórum. Ao levá-lo para asdemais parcelas da população, aposta-se namultiplicidade e disseminação do debate,realizado pela comunidade e para a comu-nidade, do modo previsto por Boal. Faz-se,assim, com que as próprias pessoas que vi-venciam as diversas realidades de opressãosocial, uma vez tendo tomado consciênciadelas, possam comunicar para outras pessoas,

570

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 17: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

por meio de sua própria linguagem, sua in-satisfação diante disso.

Nesse sentido, o TF é mobilizador de ações,criador de conscientização, revelador denovas possibilidades discursivas. Claro estáque, consoante a isso, é necessário que seacompanhe as decisões políticas que afetamdiretamente o tema estudado pelo grupo,tarefa primordial para o (a) curinga, quedeve fornecer todo o material disponível eatualizado sobre o assunto que está sendoinvestigado, o que significa iniciar um sérioestudo, caso contrário, o trabalho perde suaveracidade e carga política, não podendocontribuir com debates importantes queestão acontecendo na sociedade.

Além disso, acredito que uma contribuiçãonecessária para o estudo e aprofundamento

dessa ferramenta resida na análise crítica deseus binarismos – opressor (a) versus oprimido(a) – e o quanto eles servem para auxiliar namanutenção das regulações de gênero (nocaso específico da violência contra as mulhe-res). É preciso pesquisar junto aos grupos querealizam esse tipo de trabalho se estes estãolevando em consideração discussões comoas que foram realizadas nesta pesquisa, estandoatentos (as) para o modo como a plateiareage às personagens que são apresentadas ese o gênero tem sido tratado em sua dimensãorelacional. Caso contrário, há que se ter in-vestigações sobre o modo como esse tipo dedebate tem sido veiculado e se tem, de fato,provocado transformações nas pessoas e agidocomo um “modelo para a ação futura” con-tribuindo para a reflexão não apenas de umasociedade sem violência mas também deuma mulheres e homens mais emancipados.

571

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Érika Cecília Soares OliveiraDoutora em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista, São Paulo – SP.BrasilE-mail: [email protected]

Endereço para envio de correspondência:Rua Ricardo Pinto, 195 apartamento 13 – Aparecida. CEP: 11035-171. Santos - SP. Brasil

Recebido 27/03/2013, Aprovado 29/08/2013.

Page 18: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Azerêdo, S. M. da M. (2002). O político, opúblico e a alteridade como desafios para aPsicologia. Psicologia: Ciência e Profissão. Bra-sília, 22(4), 14-23. doi: 10.1590/S1414-9893200 200 0400003

Bandeira, L. (2009). Três décadas de resistênciafeminista contra o sexismo e a violência femi-nina no Brasil: 1976 a 2006. Sociedade e Es-tado. Brasília, 24(2), 401-438. doi:10.1590/S0102-69922009000200004.

Barsted, L. L. (2011). O progresso das mulheresno enfrentamento da violência. In L. L. Barsted,& J. Pitanguy. O progresso das mulheres noBrasil 2003-2010 (pp. 346-381). Rio de Janeiro:CEPIA; Brasília: ONU Mulheres.

Beiras, A., Moraes, M., Alencar-Rodrigues, &Cantera, L. M. (2012). Políticas e leis sobreviolência de gênero: reflexões críticas. Psicologia& Sociedade. Belo Horizonte, 24(1), 36-45.doi: 10.1590/S0102-71822012000100005

Boal, A. (2005). Teatro do Oprimido e outraspoéticas políticas. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira.

Butler, J. (2002). Criticamente subversiva. In Ji-ménez, R. M. (Org.). Sexualidades transgresoras:una antologia de estúdios queer (pp. 55-79).Barcelona: Editorial Icaria.

Butler, J. (2005). Regulaciones de género. La ven-tana, 23, 7-35. Recuperado de http://www.re-dalyc.org/articulo.oa?id=88402303

Butler, J. (2006). Vida precaria: el poder del dueloy la violência. Buenos Aires: Paidós.

Butler, J. (2010). Corpos que pesam: sobre oslimites discursivos do “sexo”. In Louro, G.L. O corpo educado: pedagogias da sexualida-de (pp. 151-172). Belo Horizonte, MG: Au-têntica Editora.

Brah, A. (2004). Diferencia, diversidad y diferen-ciación. In B. Hooks, A. Brah, C. Sandoval,G. Anzaldúa, A. L. Morales, K. K. Bhavnani,M. Coulson, M. J. Alexander, & C. T. Mohan-ty. Otras inapropiables: feminismos desde lasfronteras. (pp. 107-136). Madrid: Editorial Tra-ficantes de Sueños.

Debert, G. G., & Gregori, M. F. (2008). Violênciae gênero: novas propostas, velhos dilemas. Re-vista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo,23(66), 165-211. doi: 10.1590/S0102-6909200800 0100011

Dias, M. B. (2006). A violência doméstica na Jus-tiça. Direito e Democracia: revista do Centrode Ciências Jurídicas/Universidade Luteranado Brasil, Canoas: Ed. ULBRA, 7( 2), 271-280. Recuperado de http://www.ulbra.br/di-r e i t o / f i l e s / d i r e i t o - e - d emo c r a c i a -v7n2.pdf?26082013

D´Oliveira, A. F. P. L. (2000). Violência de gênero,necessidades de saúde e uso de serviços ematenção primária. Tese doutorado, Faculdadede Medicina, Universidade de São Paulo.São Paulo.

Foucault, M. (1973). A verdade e as formas jurídi-cas. Rio de Janeiro: NAU Editora.

Foucault, M. (1997). A ordem do discurso. Portugal:Relógio D´Água Editores.

Foucault, M. (2008). A arqueologia do saber. Riode Janeiro: Forense Universitária, (Trabalhooriginal publicado em 1969).

Foucault, M. (2012). Verdade e o poder. In M.Foucault. Microfísica do poder. (pp. 1-14).Rio de Janeiro: Edições Graal (Trabalho originalpublicado em 1979).

Freire, N. (2011). Mulheres e poder uma relaçãodelicada? In Barsted, L. L., & Pitanguy, J. Oprogresso das mulheres no Brasil 2003-2010 (pp.137-139). Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília, DF:ONU Mulheres.

Haraway, D. (1995). Saberes localizados: a questãoda ciência para o feminismo e o privilégio daperspectiva parcial. Cadernos Pagu. Campinas,5, 7-41. Recuperado de file:///C:/Users/fami-lia/Downloads/cadpagu_1995_5_2_HARA-WAY.pdf

Haraway, D. (2000). Manifesto ciborgue: ciência,tecnologia e feminismo-socialista no final doséculo XX. In T. T. Silva. Antropologia do ci-borgue: as vertigens do pós-humano. (pp. 38-129). Belo Horizonte, MG: Autêntica.

Haraway, D., & Azerêdo, S. M. da M. (2011).Companhias multiespécies nas naturezacul-turas: uma conversa entre Donna Haraway eSandra Azerêdo. In M. E. Maciel (Org.), Pen-sar/escrever o animal: ensaios de zoopoéticae biopolítica. (pp. 389-417). Florianópolis,SC: Editora da UFSC.

572

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Referências

Page 19: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

Hooks, B. (2004). Mujeres negras: dar forma a lateoría feminista. In B. Hooks, A. Brah, C.Sandoval, G. Anzaldúa, A. L. Morales, K. K.Bhavnani, M. Coulson, M. J. Alexander, &C. T. Mohanty. Otras inapropiables: feminismosdesde las fronteras. (pp. 33-50).Madrid: Edi-torial Traficantes de Sueños.

Iñiguez, L. (2005a). A linguagem nas ciências so-ciais: fundamentos, conceitos e modelos. In

L. Iñiguez. Manual de análise do discurso emciências sociais (pp. 50-104). Petrópolis, RJ:Vozes.

Iñiguez, L. (2005b). A análise do discurso nasciências sociais: variedades, traduções e práticas.In .L. Iñiguez Manual de análise do discursoem ciências sociais (pp. 105-160). Petrópolis,RJ: Vozes.

Llombart, M. P. (1993). Mujer, relaciones degénero y discurso. Revista de Psicología Social.8(2), 201-215. Recuperado de file:///C:/Users/fa-milia/Downloads/Dialnet-MujerRelacionesDe-GeneroYDiscurso-111788.pdf

Maciel, D. A. (2011). Ação coletiva, mobilizaçãodo direito e instituições políticas: o caso dacampanha da Lei Maria da Penha. RevistaBrasileira de Ciências da Sociais, São Paulo,26(77), 97-111. doi: 10.1590/S0102-69092011000300010

Medrado, B., & Méllo, R. P. (2008). Posiciona-mentos críticos e éticos sobre a violênciacontra a mulher. Psicologia & Sociedade. BeloHorizonte, 20(Spe.), 78-86. doi:10.1590/S0102-71822008000400011

Meneghel, S. N., Bairros, F., Mueller, B., Monteiro,D., Oliveira, L. P., & Collaziol, M. E. (2011).Rotas críticas de mulheres em situação deviolência: depoimentos de mulheres e ope-radores em Porto Alegre, Rio Grande do SulState, Brazil. Cad. Saúde Pública. Rio de Ja-neiro, 27(4), 743-752. doi: 10.1590/S0102-311X2011000400013

Menicucci , E. (2014, 07 ago.). Avanços da LeiMaria da Penha são destacados por ministrana 8ª Jornada do CNJ. In Jornada de Traba-lhos da Lei Maria da Penha, 8, Brasília, DF:Conselho Nacional de Justica.

Oliveira, K. L. C. de & Gomes, R. (2011). Homense violência conjugal: uma análise de estudosbrasileiros. Ciência & Saúde Coletiva. Rio deJaneiro, 16(5), 2401-2413. doi: 10.1590/S1413-81232011000500009

Parker, I. (1996). Discurso, cultura y poder en lavida cotidiana. In Gordo-López, A. J., & Linaza,J. (Eds.). Psicología, discurso y poder: metodo-logias cualitativas, perspectivas críticas (pp. 79-92). Madrid: Visor.

Pougy, L. G. (2010). Desafios políticos em temposde Lei Maria da Penha. Rev. Katálysis, Floria-nópolis, 13(1), 76-85. doi: 10.1590/S1414-49802010000100009

Santos, C. M. (2008). Da delegacia da mulher àLei Maria da Penha: lutas feministas e políticaspúblicas sobre violência contra mulheres noBrasil. Oficina do CES, Centro de Estudos So-ciais, 301, 1-38. Recuperado dehttp://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/fi-cheiros/301.pdf

Scott, J. W. (1995). Gênero: uma categoria útil deanálise histórica. Educação e Realidade, PortoAlegre, 2(20), 71-99.

Willig, C. (2008). Foucauldian discourse analysis.In: C. Willig. Introducing qualitative researchin psychology (pp. 112-131). London: OpenUniversity Press.

573

Érika Cecília Soares OliveiraPSICOLOGIA:

CIÊNCIA E PROFISSÃO,2014, 34(3), 555-573

"Eu também sei atirar"!: Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético Políticas

Page 20: Eu também sei atirar!: Reflexões sobre a Violência contra as … · 2017-03-14 · Resumo: Este artigo teve como objetivo fomentar discussões sobre a violência contra as mulheres

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO,

http://dx.doi.org/10.1590/1982–3703000022015

Errata 1. Na edição 34.3, página 555, cujo artigo é “Eu Também sei atirar”! Reflexões sobre a Violência contra as Mulheres e Metodologias Estético-Políticas, a imagem de ilustração foi escolha exclusiva do periódico e não da autora do artigo Érika Cecília Soares Oliveira.

573a