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Um panorama do exame que avalia e favorece o ingresso no Ensino Superior Evolução do Enem revista ANO 03 | Nº 03 | 2017 Uma conversa com a presidente do Inep sobre a importância do Enem Entrevista O que esperar e os desafios das mudanças do Ensino Médio Reforma Aprendizado constante permite ao professor inovar em sala de aula Formação

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Um panorama do exame que avalia e favorece o ingresso no Ensino Superior

Evolução do Enem

revista Ano 03 | nº 03 | 2017

Uma conversa com a presidente do Inep sobre a importância do Enem

EntrevistaO que esperar e os desafios das mudanças do Ensino Médio

ReformaAprendizado constante permite ao professor inovar em sala de aula

Formação

Esperamos que vocês apreciem este trabalho. Nosso objetivo é prover conteúdo que possa apoiá-los como educadores, dentro e fora da sala de aula.

> Temos o prazer de oferecer a vocês esta edição da Educar Transforma, direcionada aos educadores do Ensino Médio. A revista foi criada para ser um canal de discussão e esclarecimento e uma ferramenta de apoio para o dia a dia de professores e gestores de escolas.

Como vão notar, buscamos trazer um conteúdo rico e bastante amplo. Entrevistamos a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, para esclarecer as principais questões neste momento de grandes

mudanças no Ensino Médio e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – além de fazer um raio X do exame, que está prestes a completar 20 edições.

Trazemos exemplos e reflexões sobre as principais mudanças nos modelos de aprendizagem hoje: a educação socioemocional, o ensino híbrido, a formação integral, além da digitalização da sala de aula. São abordagens que buscam o foco no aluno para garantir uma boa formação em sala de aula em um mundo que se transforma rapidamente. Além disso, também exploramos o desafio de quebrar as barreiras entre a sala de aula e o mundo fora dos muros da escola – como falar de assuntos que estão

FErNANdo ShAyEr,VicE-PrEsidENtE dE Educação Básica da soMos Educação

Prezado(a) Professor(a),

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em destaque na mídia, nas redes sociais e nas conversas? Como abordar a diversidade em classe?

Esperamos que vocês apreciem esse trabalho. Nosso objetivo é prover conteúdo que possa apoiá- -los como educadores, dentro e fora da sala de aula. Essencialmente, esta é a nossa missão: estabelecer uma parceria valiosa com vocês, educadores, para que, juntos, possamos transformar a educação do país. Aguardamos seus comentários e sugestões, e estamos à disposição.

Bom proveito!

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Sumário

Presidente SOMOS Educação: Eduardo Mufarej VP de Educação Básica: Fernando Shayer Diretora Comercial: Fabyana Carvalho Desidério Diretor de Marketing: Antônio César Cunha Gerente de Assessoria Pedagógica: Renata Siqueira Gerente de Marketing: Decio Andrasy Gerente de Produto: Fernanda Barbosa Gerente de Treinamento: Eny Muniz Coordenador de Business Intelligence: Rodolfo Ferreira Coordenador de Marketing: Leo Harrison Analistas de Marketing: Thaís Marques e Pedro Saggioro Assessoras de Treinamento: Katia Queiroz e Renata Moraes

Realização: Coordenadora de conteúdo: Fabiana Lopes Gestora de clientes: Mariana Moreno Editoras: Mila Vanícola e Maíra Termero Redatores: Ana Karla Rodrigues, Cíntia Marcucci, Paulo Darcie, Rakal Daddio, Verônica Mambrini Revisora: Laura Folgueira Produtoras: Priscilla Lam e Simone Paiva Jorge Diretor de arte: Luiz Felipe Gualtieri Monteiro Designers: Andrea Chang e Mônica Acatauassu Tratamento de imagens: Álvaro Zeni

Ano 03 | nº 03 | 2017

50A vida real na escola

Formação de professores

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Sala de aula mais digital

44

Ensino híbrido

42

Projeto de literatura

58Diversidade em sala de aula

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EnemA história e as principais perspectivas para o exame

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Reforma do Ensino Médio

26Brasileiro chega à final do Global Teacher Prize

Educação socioemocional

Os benefícios da formação integral

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revista

EntrevistaUma conversa com Maria Inês Fini, presidente do Inep, sobre Enem e o novo Ensino Médio

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As histórias cruzadas das famílias Vicentino e Salvador

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editoras.somoseducacao.com.br

facebook.com/aticascipionefacebook.com/editorasaraiva

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extremamente positivo: era uma prova única com 63 questões objetivas e uma redação. Havia cinco competências estruturais e 21 habilidades, que são os processos mentais, os domínios cognitivos. Queríamos saber se o jovem, ao final do Ensino Médio, conseguiria usar o conhecimento da escola e buscar resolução de problemas baseado nesses conhecimentos, construir argumentos consistentes para defender seu ponto de vista e elaborar intervenções na realidade para resolver esses problemas respeitando os direitos humanos e a diversidade sociocultural. Era amigável. Os alunos gostavam, nós só divulgávamos o resultado para o próprio aluno, interpretávamos

O Enem em 1998 causou um impacto extremamente positivo: era uma prova única com 63 questões objetivas e uma redação

de problemas. Era fundamental que a escola pudesse responder aos desafios de uma sociedade cada vez mais digitalizada e democratizada naquilo que diz respeito ao acesso à informação. Então, as escolas deveriam contemplar uma organização por áreas de conhecimento, ou seja, a perspectiva da interdisciplinaridade. As disciplinas passam a se chamar componentes curriculares e a proposta era tirar o conhecimento da prateleira para que ele não tivesse mais valor em si mesmo, mas fosse usado para ajudar as pessoas a compreender melhor o mundo. Nesse clima, o Enem nasce atrelado à perspectiva de ser o indicador do perfil de saída dos alunos do Ensino Médio.

> Como era o exame no começo?A proposta foi que ele contemplasse mais estruturas e processos mentais do que especialmente conteúdo de memória. Ele se organiza em três dimensões fundamentais. Na primeira, reconhece que informação não é conhecimento; depois, que memória não é inteligência; e, por fim, que tecnologia não é pedagogia. Organizamos uma matriz de referência de avaliação para poder montar uma prova única que atendesse a essa perspectiva da aplicabilidade dos conhecimentos, da contextualização em torno da resolução de problemas, que fizesse o aluno refletir sobre um problema proposto e não necessariamente repetir respostas decoradas para problemas conhecidos. O Enem em 1998 causou um impacto

Doutora em educação e pedagoga, Maria Inês Fini assumiu a presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em maio do ano passado. Nesta entrevista exclusiva concedida à Educar Transforma, ela fala sobre a reforma do Ensino Médio, a importância do Enem – que ajudou a criar em 1998 –, o que muda já em 2017 e qual o papel dos professores na evolução da educação no Brasil.

> Como foi a criação do Enem em 1998? Em que se baseou e quais eram os intuitos do exame?O Enem nasceu em 1998 bastante vinculado à reforma do Ensino Médio daquele ano e muito influenciado pelas discussões internacionais acerca da educação e do que deveria ser um conceito mais abrangente de aprendizagem. Também foi muito marcado, como todas as reformas da década de 1990, pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de Jomtien, na Tailândia. Nesse documento, do qual o Brasil é signatário com mais de 150 países, foram propostos diversos compromissos, sendo os três mais importantes erradicar o analfabetismo, incluir todas as pessoas diferentes e ampliar o conceito de aprendizagem. Naquela ocasião, já se sabia que a tradição do ensino instrutivo, ou seja, aquele que passa a informação para o aluno e depois cobra para ver se ele a reteve, não tinha mais lugar no mundo. Por isso, a reforma trabalhou com a perspectiva da interdisciplinaridade, de contextualização e de resolução

Maria Inês Fini, que fez parte da equipe criadora do Enem, retorna ao Inep no cargo de presidente na iminência da implementação da reforma do Ensino Médio

A mudança na mão dos professores

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o resultado em cada uma das cinco competências e oferecíamos a média daquele ano para ele ter um critério de autoavaliação. As escolas em que 90% dos alunos fizessem o exame recebiam um boletim – desde que os alunos concordassem – analisando as cinco competências e comparando o resultado com a média de todas as escolas que preenchessem 90% de alunos no exame.

> De lá para cá, como evoluiu? Como a senhora enxerga as mudanças?Em 2002, quando deixei o Inep, tínhamos mais de 500 instituições usando os resultados. Usavam em fase única para entrada em alguns cursos e usavam como uma primeira fase, como chegou a fazer a Fuvest. Em 2009, o então ministro da Educação Fernando Haddad criou o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e houve uma grande modificação depois do acordo com as universidades. As competências passam a se chamar eixos cognitivos

e passa a se usar uma matriz criada para o Exame Supletivo para Jovens e Adultos (Enseja). O Enem passa a ter quatro matrizes para cada área de conhecimento e 30 habilidades. Mas, a meu ver, o grande problema é que foi acrescida uma lista de conteúdos por disciplina. A rigor, as habilidades de ciências da natureza já têm em si os conteúdos, mas, quando você adiciona a lista, o que passa a valer é essa lista de informações, não mais de conhecimento. Além disso, houve a associação da avaliação das escolas, a cada dez alunos fazendo a prova. Não dá para ser assim, dez alunos não mostram a realidade e, além do mais, é um exame individual, não uma avaliação institucional.

> Com a nova reforma do Ensino Médio, o que deve mudar? A reforma nos dá uma nova arquitetura; hoje, a de 1998 não serve mais. Serão 1.800 horas comuns da Base Curricular Nacional, língua portuguesa e matemática serão obrigatórias em todos os anos e haverá cinco itinerários curriculares além das 1.800 horas comuns. A rigor, a nova arquitetura está desenhada. O Enem vai se adequar a essa estrutura.

> Quais são as mudanças deste ano para o Enem? Uma das mudanças é sobre a gratuidade. Ela continuará existindo para todos os que têm direito, mas cerca de 1,3 milhão de pessoas requereram a gratuidade da inscrição, mas sequer consultaram onde deveriam fazer a prova ou deram satisfação pela falta. Isso gera custos. Por isso, quem não justificar a falta após ter gratuidade concedida perderá o direito em uma próxima vez. A prova será realizada em dois domingos, pois não fazia sentido

obrigar quem professa religiões que guardam os sábados a ficar confinado em uma sala para fazer a prova a partir do pôr do sol. O cansaço registrado também foi muito alto, de acordo com a consulta pública feita pelo Ministério da Educação, e isso não faz sentido, já que o exame não consiste em pegadinhas, é para cada um ter a oportunidade de demonstrar tudo o que sabe. Também não haverá a certificação do Enem por escola. Para as escolas, existe o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

> Como os professores devem encarar o Enem e as reformas do Ensino Médio?Acredito que os professores precisam se preocupar com a reforma e sua implementação. É importante as instituições como a SOMOS Educação prepararem as atualizações de seus profissionais e adaptarem seus currículos à reforma, que eu acredito que será amigável para os materiais didáticos e o sistema. Até porque ninguém inventou a roda. A matemática continua sendo a mesma, afinal. O sucesso da reforma está na mão dos professores, pois, se eles não se apropriarem dessa nova maneira de garantir os direitos de crianças e jovens, nós não avançaremos. E o Brasil está muito atrasado por isso. Nos inspiramos pela crença de que informação não é conhecimento. O professor vai precisar abrir mão da sua segurança, se sentir desafiado e estimulado a sair do conforto do que ele ensina todos os anos e olhar mais para os seus alunos reais, desafiá- -los a desenvolver essas estruturas de pensamento a desenvolver sua criatividade. O mundo está adiante da escola e precisamos contextualizá--la na vida dos jovens e crianças.

O sucesso da reforma está na mão dos professores, pois, se eles não se apropriarem dessa nova maneira de garantir os direitos de crianças e jovens, nós não avançaremos

10 Artigo

Está na tabela periódica, mas ninguém viu!* Por Eduardo Leite do Canto

O astato, elemento 85, foi sintetizado em 1940, bombardeando bismuto com partículas alfa. O promécio, elemento 61, foi o último dos quatro a ser obtido, em 1947

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Em 1937, havia na tabela periódica 88 elementos químicos. Eram os de números

atômicos 1 (hidrogênio) a 92 (urânio), exceto quatro. Apesar dos esforços de pesquisadores, os elementos com 43, 61, 85 e 87 prótons no núcleo não tinham sido encontrados na natureza. Seus lugares na tabela eram lacunas a serem preenchidas se, algum dia, fossem descobertos.

Naquele ano, foi preenchida a primeira das lacunas com a produção em laboratório do elemento 43, o tecnécio (do grego tekhnetós, artificial). Essa produção requereu o uso de um cyclotron, dispositivo em que campos elétricos são empregados para acelerar partículas eletricamente carregadas, fazendo-as atingir altíssimas velocidades. Esse e outros aceleradores de partículas inventados posteriormente permitiram realizar colisões entre partículas aceleradas e núcleos atômicos.

Ao bombardear núcleos com partículas, podem ocorrer transmutações nucleares, processos em que o núcleo atômico sofre alteração do número de prótons e se transforma no núcleo de outro elemento. A produção de tecnécio envolveu bombardeamento de molibdênio com núcleos de deutério.

O elemento 87, frâncio, foi descoberto em 1939, isolado em pequeníssima quantidade dos

produtos do decaimento radioativo (transformação nuclear espontânea) do actínio; sem a utilização, portanto, de bombardeamento. O astato, elemento 85, foi sintetizado em 1940, bombardeando bismuto com partículas alfa (núcleos de hélio). O promécio, elemento 61, foi o último dos quatro a ser obtido, o que ocorreu em 1947.

Hoje, sabe-se que quantidades ínfimas de frâncio e de astato existem em alguns minerais, mas estima-se que a quantidade total de cada um em toda a crosta terrestre não ultrapasse 30 gramas. Se fosse possível processar toda a crosta do planeta para

extrair o que nela existe desses dois elementos, a quantidade de cada um caberia em uma xícara de chá!

O que se sabe a respeito das propriedades desses quatro elementos deve-se a estudos feitos com amostras sintetizadas em laboratório. No caso do astato, a quantidade total produzida artificialmente pela humanidade até hoje é inferior a um milionésimo de grama. E, sendo um elemento instável (o nome vem do grego ástatos, instável), praticamente a totalidade do que foi sintetizado já se transformou em outro elemento devido ao decaimento radioativo. O isótopo menos instável do astato tem meia-vida de 8,3 horas. Isso significa que, a cada 8,3 horas, metade da amostra se transforma em outro elemento por decaimento radioativo.

Até hoje, nenhuma amostra de astato produzida foi grande o suficiente para ser vista a olho nu por um ser humano. Ficou claro, agora, o título deste artigo?

Para finalizar, é importante mencionar que os elementos com número atômico superior ao do urânio não existem na natureza e foram produzidos artificialmente. O primeiro deles a ser obtido foi o netúnio, elemento 93, em 1940.

*Eduardo Leite do Canto é doutor em Físicoquímica Orgânica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de Química e mantém páginas nas redes sociais.

décadas de Enem

Prestes a completar 20 edições, o exame passa por mudanças com a perspectiva da iminente reforma do Ensino Médio

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Odesafio sempre foi grande: avaliar a qualidade do Ensino Médio em um país populoso

e com uma extensa variedade de realidades para, a partir daí, propor mudanças e melhorias. Foi com essa proposta que, em 1998, o Ministério da Educação (MEC) iniciou a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a primeira iniciativa de avaliação geral do sistema de ensino no Brasil. De lá para cá, o Enem foi ganhando importância, visibilidade e grandeza: se pouco mais de 157 mil alunos fizeram a prova na primeira edição, em 2016 foram mais de 8 milhões de participantes (8.356.215), de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação da prova.

Com esses números, a avaliação brasileira é a segunda maior do mundo, atrás apenas do Gaokao,

o exame chinês que também dá acesso a universidades e existe desde 1952. Hoje, no Brasil, o Enem é feito principalmente por alunos que querem uma vaga nas universidades públicas ou privadas, já que a nota vale para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Financiamento Estudantil (Fies).

Na edição de 2017, o exame passará por mudanças, a partir dos resultados da consulta pública realizada pelo Inep no início do ano, respondida por mais de 600 mil pessoas. “Confirmamos com a população a necessidade de dividir o exame em dois domingos, buscando torná-lo menos exaustivo e também resolvendo a questão das religiões que guardam o sábado, e tivemos uma surpresa sobre a resposta negativa à possibilidade de se fazer o exame por computador”,

No ano de sua criação, a prova contemplou 63 questões e uma redação. Realizada em apenas um dia, avaliava cinco competências e 21 habilidades. Os resultados eram divulgados individualmente, e o coletivo ia somente para instituições que obtivessem 90% de alunos participantes.

Houve um salto de participantes. Mais de 1 milhão de alunos (1.624.131) realizam a avaliação. Várias instituições de Ensino Superior passam a usar a nota do Enem como soma ao resultado obtido pelo candidato no vestibular. Também serviu como acesso ao Prouni a partir de 2004.

O exame passou pelas principais mudanças. As provas passaram a ser realizadas em dois dias, com 180 questões mais a redação, seguindo a Teoria de Resposta ao Item (TRI). O exame se tornou porta de acesso ao Ensino Superior, junto ao Prouni, ao Sisu e ao Fies. As instituições passaram a obter acesso a uma classificação, o ranqueamento das escolas de acordo com os resultados.

Novas mudanças: o exame passará a ser realizado em dois domingos e o resultado das escolas e o ranqueamento deixam de existir (confira entrevista na página 6).

1998 ...... ...... ......2001 2009 2017 DEstaquEs Da Evolução Do EnEm

explica Mendonça Filho, ministro da Educação. Na opinião dele, os ajustes a serem realizados são sempre bem-vindos. “Estamos prestes a iniciar a reforma do Ensino Médio e o Enem continuará a contemplar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a ser a porta de entrada para as universidades brasileiras”, destaca o ministro.

A iniciativa é uma maneira de entender o que pode ser aprimorado. O modelo atual do exame já recebeu críticas, desde por ter voltado a privilegiar o conteúdo – mesmo tendo eliminado a “decoreba” – em função do raciocínio até por não avaliar o ensino em si e acabar sendo apenas uma moeda de troca, ou seja, que presta apenas a quem quer entrar em uma universidade. Isso tornaria a avaliação do ensino enviesada, já que não consegue medir o

conhecimento de quem não deseja seguir caminho no Ensino Superior.

Mudanças nas escolasÉ fato, porém, que uma avaliação como o Enem, bem como qualquer alteração nela, influencia o dia a dia da sala de aula. “Eu acredito que existe, sim, um trabalho em cima dos resultados desses quase 20 anos, prova disso é a reforma do Ensino Médio. Leva tempo, é preciso observar e estruturar a mudança”, comenta Renata Ribeiro de Moraes, professora de Língua Portuguesa, assessora pedagógica e consultora da SOMOS Educação, sobre a redação do Enem. Para ela, debates sobre o exame e suas consequências contribuem para a educação. “O Enem se firma, a cada ano, como um instrumento importante para alunos e professores, e esse envolvimento é necessário.”

A conexão do professor com o mundo e a realidade do aluno é outro ponto fundamental para que o Ensino Médio no país seja bem-sucedido. “Claro que o exame em si e entrar em uma universidade são importantes. E é preciso trabalhar isso. Mas educação é visão de mundo, não apenas aquisição de conteúdo”, opina Ivan Guedes, professor de Pedagogia e consultor de conteúdo e revisão de materiais para o Ensino Médio. “Mais importante do que preparar o aluno para resolver uma questão é fazer com que ele apreenda as habilidades não só da matriz de referência, mas do currículo em si e, assim, as provas todas que fizer na vida serão uma consequência disso”, defende Ivan.

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A avaliação brasileira é a segunda maior do mundo e influencia o dia a dia da sala de aula

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O Scholastic Aptitude Test (SAT) é feito por cerca de 75% dos jovens que saem do ensino secundário. Tem questões dissertativas e de múltipla escolha, com sete edições ao ano, e também usa a TRI, como o Enem. Avalia competências básicas, como leitura crítica, matemática e escrita.

O Le Bac ou Baccalaureát teve origem na Idade Média e é uma mistura de modelo de avaliação e vestibular, como o Enem. O exame é dividido em três categorias, de acordo com os interesses do candidato: profissional, geral e tecnológica.

A Prova de Acesso à Universidade faz parte da reforma educacional dos anos 1980. As instituições têm autonomia para adotar o exame, aplicado duas vezes por ano, na seleção. Há uma fase geral, obrigatória, e outra voluntária, que pode melhorar a nota e as opções de cursos para os candidatos.

O Gaokao dura mais de um dia e é diferente de território para território. A China tem um sistema unificado de vagas, e o candidato pode escolher uma faculdade de qualquer lugar do país.

Estados Unidos

França

Espanha

China

outros ExamEs pElo munDo

DEsvEnDanDo a rEDaçãoUm dos pontos mais polêmicos de quase todas as edições do Enem é a prova de redação. Ao longo dos anos, foi a parte do exame que menos mudou em termos de formato: começou apenas com um tema e um texto curto, depois teve acrescidos mais textos de base e referência, mas segue sendo uma dissertação entre sete e 30 linhas, que precisa demonstrar o domínio da língua culta, estar dentro da proposta, organizar fatos e informações, defender argumentos e propor soluções, tudo isso respeitando valores humanos e diversidade sociocultural. “Redação é treino. O professor pode ajudar muito quando pede que o aluno refaça um texto após a correção e vê como ele assimila essa correção”, diz Carolina Assis, autora da obra Português contemporâneo: diálogo, reflexão e uso e que já participou de correções do Enem.

O que o estudante precisa assimilar, e o professor pode ajudar muito, é que a redação não reflete só o que que ele aprendeu na aula de língua portuguesa. Elementos

de tudo o que lhe foi ensinado na vida escolar e referências culturais também são muito bem-vindos. A resolução de problemas, por exemplo, ocorre em todas as disciplinas.

DEsafios à frEntEProgramada para ter início em 2018, a reforma do Ensino Médio colocará em prática a BNCC, que será obrigatória para todas as instituições de Ensino Infantil, Fundamental e Médio, e a parte do currículo flexível (com cinco vertentes possíveis). “Esse momento da implementação vai ser bem importante e o Enem vai estar muito em evidência”, diz Letícia Albernaz Guimarães Lyle, pesquisadora da área de educação que trabalha com avaliação e formação de professores e consultoria de currículo na SOMOS Educação. “A avaliação influencia muito a prática das escolas. Se não há um cuidado pedagógico para entender o que essa prova está propondo, corre-se o risco de a BNCC cair em uma prática antiga conteudista, e não de assimilação por competências e habilidades”, comenta. Para ela, uma avaliação não é só para ver o quanto ou o que

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um aluno aprendeu. “É, sim, uma maneira de ajudar o professor a reconhecer no que seus alunos estão demonstrando a própria prática do ensino. Por isso, conhecer a matriz de onde vêm as avaliações é essencial para o professor”, explica Letícia.

A interdisciplinaridade e a capacidade de compreender o aluno e suas necessidades são os pontos de atenção dos professores nos próximos anos, segundo os especialistas ouvidos pela Educar Transforma. “Acredito que o professor precisa muito olhar para si mesmo. Ele conhece o modelo da prova? Já a realizou alguma vez? Uma sugestão seria simular um dia do Enem, com professores e alunos fazendo uma prova de anos anteriores, com tempo cronometrado, inclusive trocando de lugares, com os alunos simulando serem os fiscais, por exemplo”, sugere Renata Ribeiro. “Eu consigo passar melhor para alguém aquilo que já vivenciei. Além disso, precisamos nos questionar se estamos lendo o suficiente assuntos além da disciplina que lecionamos, se estamos incentivando a leitura, pois o Enem é multidisciplinar”, completa ela. iS

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De pais para filhosO interesse do historiador,

escritor e professor Cláudio Vicentino pela docência

surgiu no final dos anos 1960. Naquela época, era estudante de curso pré-vestibular e se encantava com as análises e interpretações de alguns mestres. Um deles era Fernando Perillo, cujas lições de história geral o fascinavam. “A partir daí, fui para o curso de Ciências Sociais e para as salas de aulas do Ensino Fundamental, Médio e pré-vestibulares”, relembra.

Durante a carreira, Vicentino comprovou que se relacionar com os educandos nem sempre é simples, mas é uma habilidade que se pode desenvolver. Muitas vezes, ele conta, surgiram atritos entre ele e os adolescentes, muito por sua inexperiência e inabilidade em mediar conflitos. Felizmente, o passar do tempo trouxe tranquilidade e maturidade para conduzir essas questões e se tornar mais próximo de muitos de seus alunos. “Depois de anos, adquiri mais ferramentas para lidar com os conflitos, claro, errando outras vezes e aprendendo. E, cada vez mais, centrando o foco na valorização do estudante.”

Foi nesse ambiente de diálogos e questões relacionadas à educação que cresceu José Bruno, hoje com 38 anos. Em casa, as conversas entre o pai e a mãe, a bibliotecária Célia Regina, sempre foram um

convite à reflexão e ao pensamento crítico. Entretanto, na hora de optar pela carreira, ele seguiu o caminho da Engenharia.

Por algum tempo, o amor pelas ciências humanas ficou adormecido. Mas quando estava no quarto ano, Bruno migrou para o curso de história. A decisão pegou o pai de surpresa. “De início, foi um susto e fiquei sem entender”, relembra Vicentino. “Porém, vendo o quanto ele era feliz com a escolha, sentindo--se satisfeito como profissional, só tive alegrias”, diz o pai, que hoje conta com o filho como coautor das obras Mosaico e Múltiplo história, da SOMOS Educação. “Ele é meu grande amigo, companheiro de leituras,

Acho que esses laços tornam a educação mais humana, em um universo onde os alunos são muitos e o tempo do professor, tão escasso KAthyA SAlVADOR

O PROFESSOR CláUDiO ViCENtiNO E SEU FilhO

JOSé BRUNO COM KAthyA SAlVADOR

E SUA FilhA SOFiA

A conexão entre gerações das famílias Vicentino e Salvador tem muita amizade, amor e dedicação ao ensino

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Histórias cruzadas

20 Histórias cruzadas

discussões políticas, históricas, culturais e de trabalho. Satisfação não chega a ser uma palavra suficiente para representar o que sinto”, comenta o pai.

PAis e filHOsO encontro da família Vicentino com a Salvador aconteceu entre meados dos anos 1980 e 1990, quando Bruno e Kathya estavam no Ensino Médio. Os pais de ambos eram companheiros de trabalho na unidade tamandaré do Anglo Vestibulares, na capital paulista. Edgard, o pai dela, era professor de Química – um dos mais conhecidos autores da área no Brasil, publicado pela SOMOS, ao lado de João Usberco – e também ensinou Bruno.

Alguns anos antes, Vicentino ministrou aulas para Kathya. “Ela era uma excelente aluna e hoje é uma grande amiga”, relembra. E foi ele a grande influência na escolha da carreira de Kathya, que cursou história. “Acho que esses laços tornam a educação mais humana, em um universo onde os alunos são muitos e o tempo do professor, tão escasso”. Ao lecionar no Anglo, ela reencontrou Bruno. Os dois acabaram se tornando colegas e bastante próximos. “trabalhei com a Kathya por anos. éramos plantonistas, inclusive muitas vezes trabalhando juntos, o que só alimentou ainda mais a amizade”, relembra ele.

A vez DA terceirA gerAçãOhá dois anos, Bruno foi lecionar em um colégio na Zona leste paulistana. E as famílias tiveram uma ótima surpresa. “Fui buscar minha filha na escola e, durante o trajeto, ela me disse: ‘Sabe, mãe, mudou o meu professor de história’. Eu falei: ‘Que bom, quem é o novo professor? Você gostou?’. Ela respondeu que ele era muito legal e se chamava Bruno. Pronto, na hora me deu um estalo e perguntei: ‘Bruno Vicentino?’. E ela: ‘Nossa, esse mesmo mãe. Você conhece?’”, recorda Kathya, que em seguida ligou para o amigo para contar que agora era a vez de ele ensinar a filha dela, Sofia. “Eu havia acabado de entrar na escola e já estava sendo um grande prazer, que se somou a essa alegria”, relembra Bruno.

Kathya acredita que a amizade entre professores e alunos, como a que ocorre com as duas famílias, é algo que torna a educação um processo ainda mais gratificante. “O Bruno foi indispensável para o desenvolvimento da Sofia. Ela tinha muita confiança nele e cresceu muito”, avalia a mãe e professora.

Aos 14 anos e no primeiro ano do Ensino Médio, Sofia acredita que não continuará a tradição familiar. “Penso em fazer arquitetura e talvez, depois, história. Mas não em ser professora, pois acho que não me sairia bem”, diz a adolescente. Só o futuro pode afirmar se ela realmente não seguirá a carreira de sua mãe, Vicentino e Bruno. “Ser professor é estar disposto a aprender a cada ensinamento. tenho muito orgulho de ver os diversos profissionais que atuam na formação de cidadãos conscientes, que pensam em ações para o futuro”, afirma Bruno.

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Brasileiro chega à final do Global Teacher Prize ao inspirar alunos para o estudo da Química e criar projetos de relevância para a sociedade

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T erceiro filho de pais agricultores, Wemerson Nogueira despertou cedo

para a ciência e era apaixonado por aulas práticas e experimentais no Ensino Fundamental e no Médio. Depois de se formar em Química em 2012, foi dar aula na rede pública de Nova Venécia (ES), sua cidade natal, de 46 mil habitantes. Nos primeiros dias, percebeu que a realidade de seus alunos era muito mais dura do que imaginava. Diante das dificuldades que viviam fora da escola, Wemerson apostou que os conteúdos ensinados fossem ao encontro do dia a dia dos estudantes. “Decidi trabalhar de uma maneira mais participativa”, afirma o professor de 26 anos, cinco deles dedicados à docência.

Depois, vieram os questionamentos dos alunos sobre o propósito da disciplina e como ela poderia mudar suas vidas. “Percebi que eles precisavam entender a essência da química, que está acontecendo o tempo todo, inserida em todo contexto, no processo de respiração, no metabolismo das células”, revela.

A partir disso, o professor passou a usar elementos da vida diária nas aulas e lições. Percebendo que seus alunos gostavam muito de estilos musicais como funk e hip hop, criou paródias de vários sucessos do momento para ensinar a tabela periódica. A ousadia funcionou: os

resultados dos alunos melhoraram muito naquele ano e, já em seu primeiro ano educando, Wemerson ganhou um reconhecimento, o selo de boas práticas em educação do estado do Espírito Santo.

Em 2015, com os mesmos métodos, Wemerson passou a lecionar na cidade de Boa Esperança, vizinha a Nova Venécia. O ano seria marcado por um dos maiores desastres ecológicos da história brasileira, o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG). O vazamento de rejeito de ferro sob a forma de lama tóxica causou danos irreversíveis aos ecossistemas dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, principalmente os da bacia do rio Doce, que corta os dois estados.

Transformação do enTornoDiante da ruína da vida de milhares de capixabas, o professor criou, no ano seguinte, um projeto que, além de ser fundamental para o aprendizado dos elementos químicos e suas propriedades, também ofereceria aos alunos uma maior compreensão dos problemas causados pelo rompimento da barragem. O projeto, batizado de Filtrando as Lágrimas do Rio Doce, ainda viria cumprir com um dos objetivos da carreira de Wemerson,

reconhecimento mundial

WEMERSON NOGuEiRA, PROFESSOR DE QuíMicA

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que era colaborar com a vida da região onde ele nasceu, cresceu e se tornou educador.

com a orientação do professor, os alunos colheram amostras da água do rio, que foram analisadas no pequeno laboratório da escola e, depois, compartilhadas com a população para que esta soubesse da presença de metais pesados e substâncias tóxicas na água que fazia parte de suas vidas. As análises tornaram mais fácil a compreensão da base da química para os alunos. Na segunda

de seus projetos, o programa social chamado Jovem cientistas: Projetando um Novo Futuro, que ajuda a combater a violência e incluir estudantes por meio do estudo de ciências. A entrega do prêmio anual aconteceu no dia 19 de março e a vencedora foi a canadense Maggie MacDonnell.

O fato de não ter conquistado o primeiro lugar no Global Teacher Prize não abalou as convicções e esperanças do professor, que agora pretende se dedicar ao mestrado. “Acredito que a maior vitória foi trilhar um caminho com diversas experiências incríveis. Estar em Dubai me proporcionou grandes aprendizados, que poderão ser colocados em prática a partir de hoje”, avalia.

Wemerson, que ministra aulas no Ensino Fundamental, no Médio e no Superior, não imaginava que chegaria tão longe em tão pouco tempo. “Penso que talvez não fosse o momento de vencer e ganhar 1 milhão de dólares, mas sim o de sacudir o nosso país e mostrar para o mundo o grande valor da educação brasileira e dos nossos professores, que lutam diariamente por uma valorização profissional”, conclui, com entusiasmo, o jovem educador.

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“esse projeto, além de ter me dado o título de referência em educação no país, contribuiu para que meus alunos se tornassem cidadãos capazes de mudar outras vidas”WEMERSON NOGuEiRA

etapa do projeto, os estudantes criaram filtros à base de areia para distribuir aos moradores de Regência, que voltaram a ter água potável em suas casas depois de vários meses convivendo com a alta toxidade da lama presente em seu habitat.

reConheCimenTo e planos fuTurosO projeto Filtrando as Lágrimas do Rio Doce logo se tornou notícia em todo o Brasil e trouxe novo reconhecimento ao professor, eleito educador do ano na 19ª edição do Prêmio Educador Nota 10, realizado pela Fundação Victor civita. “Esse projeto, além de ter me dado o título de referência em educação no país, contribuiu para que meus alunos se tornassem cidadãos capazes de mudar outras vidas”, analisa Wemerson.

Segundo Wemerson, o prêmio foi fundamental para o que viria a seguir, a indicação para o Global Teacher Prize, que ocorreu apenas três meses depois. O capixaba foi o único latino--americano indicado e concorreu com educadores de Jamaica, canadá, Reino unido, Paquistão, Espanha, Alemanha, china, Quênia e Austrália. Wemerson concorreu com outro

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a importância da formulação e resolução de problemas* Por Prof. Luiz Roberto Dante

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Q uando perguntamos “Por que ensinamos matemática?”, muitos

educadores matemáticos respondem que ensinamos para que o aluno aprenda a formular e resolver problemas. Veja algumas citações abaixo:

As finalidades do ensino da matemática indicam, como objetivos do ensino fundamental (...), resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados, desenvolvendo formas de raciocínio e processos, como dedução, indução, intuição, analogia, estimativa, e utilizando conceitos e procedimentos matemáticos, bem como instrumentos tecnológicos disponíveis. (PcNs, 1998)

A razão principal de se estudar matemática é para aprender como se resolvem problemas. (Frank K. Lester Jr.)

A resolução de problemas foi e é a coluna vertebral da instrução matemática desde o papiro de “Rhind”. (George Polya)

um problema é uma atividade na qual o aluno é desafiado a mobilizar seus conhecimentos matemáticos para descobrir uma estratégia que o leve a uma solução. Se ele já possui um caminho rápido e direto para isso, então não se trata de um problema. Não basta aplicar técnicas

e procedimentos já estudados para se resolver um problema. Além de conhecimentos já adquiridos, é preciso estar presente uma forte componente criativa e uma flexibilidade de pensamento para que o relacionamento de ideias provoque o “insight” de uma boa estratégia.

Orientar o currículo para a formulação e resolução de problemas significa procurar e planejar situações suficientemente abertas para induzir nos alunos uma busca e apropriação de estratégias adequadas não somente para darem resposta a perguntas escolares como também às da realidade cotidiana, a partir de habilidades adequadas. Por exemplo, um típico problema matemático pode consistir em decidir qual de dois times de basquete é mais eficiente no arremesso à cesta: o time A, que encestou 23 dos 40 arremessos tentados, ou o time B, que encestou 28 das 47 tentativas. Sem habilidades adequadas de cálculo proporcional, o aluno será incapaz de resolver.

O verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é fazer com que o aluno adquira o hábito de propor-se problemas e de resolvê-los como forma de aprender. (Poso, 1998)

É muito importante ensinar o aluno a propor problemas para si mesmo, a transformar a realidade

em um problema que mereça ser questionado e estudado. Procurar respostas para as suas próprias perguntas, questionar, tentar, persistir, em vez de receber somente respostas já elaboradas por outros, auxiliará na busca da sua autonomia de pensamento.

Segundo George Polya, considerado o “pai da resolução de problemas”, diante de uma situação-problema é preciso inicialmente compreender todos os seus detalhes (o que é dado e o que é pedido). Em seguida, conceber um plano de ataque. Depois, executar o plano usando raciocínio lógico e ferramentas matemáticas já estudadas. Finalmente, fazer a verificação da solução. Para auxiliar os professores do Ensino Fundamental a trabalhar com problemas na sala de aula, publiquei, pela Editora Ática, um livro sobre o assunto (foto abaixo).

*Luiz Roberto Dante é autor de Matemática da Editora Ática.iS

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Mudanças

à vista S egundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um total de 1,3

milhão de adolescentes de 15 a 17 anos abandonaram a escola sem concluir os estudos em 2015. O índice é uma das principais deficiências da educação básica no Brasil. A proposta da reforma é reorganizar o conteúdo oferecido, assegurando autonomia para os estudantes escolherem em quais assuntos pretendem se aprofundar e para estimular o ingresso nas universidades. Para o Ministério da Educação (MEC), a reestruturação terá capacidade de tornar os últimos três anos da educação básica mais interessantes. “O atual sistema não consegue cativar alunos ou fazê-los pensar em seu projeto de vida, nas alternativas que terão pela frente”, afirma Maria

Helena Guimarães, secretária executiva do Ministério.

A nova estrutura terá dois eixos principais: um de conteúdos obrigatórios e comuns a todas as escolas do país, previsto pela chamada Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e um de conteúdos eletivos, batizados pelo MEC de “itinerários formativos”, que buscarão atender aos interesses dos estudantes em cinco frentes: ciências da natureza, ciências humanas, linguagens, matemática e formação técnica e profissional. “Hoje, há um exagero. O ideal é aprofundar uma quantidade menor de temas e não trabalhar vários assuntos de maneira superficial”, afirma Adilson Garcia, diretor do Vértice, colégio paulistano que nos últimos anos apareceu frequentemente na lista de maiores médias no Enem.

Reestruturação do Ensino Médio visa autonomia para estudantes construírem a grade curricular de acordo com áreas de interesse

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DiSciplinaSPelo atual modelo, existem 13 disciplinas obrigatórias. Com a reforma, Matemática e Língua Portuguesa serão obrigatórias

DEStaquES Da REfoRMa Do EnSino MéDio

Disciplinas eletivas – Os estudantes vão construir parte da grade curricular de acordo com assuntos de sua preferência.

carga horária – Todas as escolas deverão oferecer 3.000 horas/aula. A carga horária já é cumprida pela rede particular e a pública terá de se adaptar.

Ensino técnico – Para ingressar rapidamente no mercado de trabalho, será possível se dedicar ao Ensino Médio e ao curso técnico ao mesmo tempo.

Socioemocional em foco – As escolas serão incentivadas a adotar um ensino que desenvolva habilidades como liderança e empatia.

notório saber – Professores com notório saber, que não necessariamente tenham licenciatura, poderão dar aulas nos cursos técnicos.

Enem – Exames de avaliação nacional precisarão se adaptar para medir conhecimentos e capacidades dos estudantes.

autonomia – É possível que estados e escolas possam preencher o conteúdo dos itinerários formativos. A Revolução Farroupilha pode ser tema de estudo no Rio Grande do Sul e não no resto do país, por exemplo.

e as demais – Literatura, Língua Estrangeira, Física, Química, Biologia, História, Geografia, Arte, Filosofia, Sociologia e Educação Física – continuam sendo oferecidas,

mas a quantidade de aulas deve variar de acordo com o itinerário formativo escolhido pelo estudante. “O aluno que optar por uma área ligada a humanidades não precisará aprender determinados conteúdos de Matemática, que só são necessários para quem vai ingressar em Engenharia, por exemplo”, afirma Maria Helena. Mas ainda não está claro como será a composição dos itinerários. Em princípio, o conteúdo das disciplinas eletivas ficará a cargo dos estados e das escolas públicas.

O início da reforma acontecerá em um prazo de no mínimo dois anos após a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ser promulgada (veja mais ao lado). Nesse intervalo, alguns debates devem acontecer. “Uma possibilidade será inserir novos conteúdos nas disciplinas. Por exemplo, em Física, o professor, dentro da parte eletiva, pode se aprofundar em matérias iniciais da disciplina no Ensino Superior”, declara Eduardo Henrique Kruel Rodrigues, da SOMOS Educação.

pRazo paRa aDaptaçãoUm dos principais desafios será o professor entender a dimensão das mudanças e se preparar para que a reforma tenha o impacto esperado. “Se a gente espera que o aluno tenha um aproveitamento superior, precisamos que o professor também tenha ainda mais conteúdo para oferecer”, afirma Eduardo Rodrigues.

Bncc

Apesar de prevista na Constituição de 1988, só agora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) poderá sair do papel. O material reunirá competências e conhecimentos específicos que os alunos devem aprender em cada disciplina desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, diminuindo, assim, a desigualdade entre escolas.

No Ensino Médio, por exemplo, como não há um norte, parte das escolas, sobretudo as da rede privada, se baseiam no Enem e na Fuvest para formular a carga de conteúdo. Com a BNCC, uma estrutura mínima de conteúdo deverá ser comum e obrigatória a todas as escolas. “Hoje, não é incomum ter dois professores dando aula da mesma disciplina, na mesma escola, trabalhando conteúdos diferentes. Isso deixará de acontecer”, explica Katia Smole, diretora do grupo Mathema e membro do Movimento pela Base.

Terezinha Bertin, Ana Maria Trincone Borgatto e Vera Lúcia de Carvalho Marchevi, autoras de material didático da editora Ática, acreditam que, para garantir uma implantação bem-sucedida, é preciso considerar as diferenças regionais do Brasil. “Não se pode correr o risco de engessar possíveis características regionais.” Para o trio, também é importante assegurar cursos de capacitação para que os professores tenham pleno entendimento da Base. “Isso é fundamental”, afirmam. A previsão é que a BNCC para o Ensino Médio seja divulgada no segundo semestre de 2017.

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Materiais didáticos precisarão ser reformados, um processo que deve exigir tempo e trabalho por parte das editoras e autores. Além disso, os sistemas de avaliação nacional, inclusive o Enem, devem mudar. “Nós teremos dois anos para definir e eu acredito que é um tempo suficiente para que a gente faça um trabalho bem feito, sempre em parceria com setor público e privado”, diz a secretária executiva do MEC.

EnSino técnicoUm dos itinerários propostos é exclusivo para formação em cursos técnicos. Porém, o desafio é a existência de pouca ou nenhuma infraestrutura – por exemplo, não é toda escola que consegue manter um laboratório de enfermagem. A saída poderá se firmar a partir de parcerias entre colégios e centros de excelência, como o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi e Senac).

De acordo com o MEC, a grande vantagem para quem almeja seguir esse caminho será a economia de horas para obtenção dos diplomas. Hoje, o ministério estipula que os estudantes precisam dedicar 2.400 horas ao Ensino Médio mais 1.200 horas ao ensino técnico para obter os certificados. Com a reforma, o jovem poderá fazer o curso técnico dentro do Ensino Médio, totalizando 3.000 horas, aumentando as chances de ingresso mais rápido no mercado de trabalho.

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A judar os estudantes a lidar com suas emoções e a desenvolver habilidades,

como prevê o ensino socioemocional, pode alavancar o aprendizado e formar indivíduos mais preparados para encarar o futuro. “Aqui no colégio, tínhamos muitas brigas durante os intervalos. Percebemos que, depois da implementação do ensino socioemocional, a quantidade de incidentes caiu praticamente a zero. Quem recebeu a formação continuará usando os conceitos para a vida”, afirma Viviane Dias Quiorato. Ela é responsável pela coordenadoria pedagógica de cerca de 1.150 alunos da escola municipal João Larizzatti, uma das 56 da rede de ensino da cidade de Osasco (SP) que aderiram às técnicas socioemocionais. “A mudança de atitude dos alunos, quase imediata, extrapolou os muros da escola, gerando elogios também entre os pais”, afirma ela.

Ao adotar essa formação, a escola passa a trabalhar entre os estudantes conceitos como liderança, criatividade, resiliência, pensamento crítico, cooperação e proatividade. A redução na incidência de conflitos, incluindo bullying, é apenas um entre os benefícios que costumam ser observados.

Liderança, proatividade, resiliência e cooperação são temas que ganham

espaço dentro das escolas

HAbilidAdes de um mundo em trAnsformAçãoAs escolas passaram a se preocupar com formar um adulto preparado para o mundo em rápida transformação que vivenciamos hoje. “A gente tem visto dados apontando que, no futuro, 75% das pessoas provavelmente vão trabalhar em empregos que não existem ainda ou que 90% dos empregos vão desaparecer. O contexto do mundo mudou e o do mercado de trabalho também. O que é exigido mudou. A escola que não olhar para as competências socioemocionais vai ficar para trás”, afirma Letícia Guimarães Lyle, diretora de Currículo e Formação de Professores da SOMOS Educação. Para ela, a atuação dos professores é determinante para o desenvolvimento dessas habilidades que, muitas vezes, os alunos sequer sabem que têm. “Todos os conceitos são trabalhados por meio do professor”, explica.

Agora, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define o conteúdo a ser aprendido em cada ano e etapa, da Educação Infantil ao Ensino Médio, inclui as competências socioemocionais. O documento está em discussão e a divulgação deve ocorrer no segundo semestre de 2017.

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No Brasil, uma das teorias que obteve boa acolhida foi a do Big Five (os cinco grandes, em tradução literal), que divide a personalidade humana em cinco espectros de competências não cognitivas: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade, consciência e estabilidade emocional. Mas o Big Five é um entre vários modelos em desenvolvimento no campo socioemocional.

A escola municipal de Osasco segue um modelo promovido pelo O Líder Em Mim (OLEM), da SOMOS Educação, programa com conteúdo, metodologia, material didático e treinamento para o aprendizado de liderança, valores e competências fundamentais para o sucesso na escola e na vida. Por meio de materiais didáticos e programas de capacitação de professores e gestores, o OLEM promove os chamados sete hábitos de pessoas altamente eficazes, baseados em best-seller do consultor Stephen Covey, que leva em conta ser proativo, priorizar o mais importante e gerar sinergias. “Um aluno pode ser bom em matemática e outro, em dança ou em um esporte. Pode ter facilidade para acolher outras pessoas, ouvir amigos ou apaziguar situações de conflito. Esses são só alguns exemplos. A gente sugere práticas para favorecer o desenvolvimento dessas habilidades para que as crianças possam descobrir quais são seus diferenciais”, diz Morgana Batistella, gerente nacional do OLEM no Brasil.

o best-seller que inspirou o olemOs Sete hábitos das pessoas altamente eficazes foi escrito como tese de doutorado pelo norte-americano Stephen Covey. Ele se dedicou a estudar pessoas consideradas bem-sucedidas e chegou à conclusão de que todas mantinham sete hábitos em comum: proatividade, clareza de objetivo, equilíbrio, criatividade para encontrar soluções benéficas, empatia, trabalho coletivo e hierarquização de importâncias. O livro rapidamente caiu nas graças dos leitores. Depois, seus conceitos foram aplicados em uma escola na Carolina do Norte (EUA). “Essa escola trouxe o aprendizado para as crianças e deu muito certo. Passamos a trabalhar com a rede de ensino e isso posteriormente resultou em O Líder Em Mim”, explica Morgana Batistella.

Arte no ensino médio: lutas e avanços

quando ensinamos Arte dessa forma contextualizada e crítica, os estudantes são capazes de desenvolver sua capacidade criadora

*Eliana Pougy é doutora em Ciências Sociais, mestre em Educação, especialista em Linguagens da Arte, professora da educação básica e do Ensino Superior e autora de livros didáticos e paradidáticos sobre Arte.

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f oi no contexto da abertura democrática, durante a década de 1980, que os

professores de Arte brasileiros se uniram a fim de questionar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação da Educação Nacional (LDB) vigente, que definia o ensino de Arte como “atividade” a ser realizada por profissionais sem formação ou com formação superficial. A luta dos arte--educadores, tanto no Brasil como em outros países, frutificou em cursos, congressos e pesquisas que visavam, principalmente, valorizar o ensino de Arte na educação básica.

Por conta dessas pesquisas, a Arte e suas diversas linguagens (visual e audiovisual, musical, corporal e teatral) foram reconhecidas como uma área do saber, ou como um conhecimento sensível-cognitivo passível de ser ensinado e aprendido na escola, com sintaxes, conceitos, técnicas e histórias próprios.

As pesquisas também afirmaram a necessidade de rever os conteúdos e a didática da Arte praticada nas escolas até então, enfatizando a importância dos momentos de produção artística em conjunto com momentos de leitura de obras de arte das mais diversas culturas e do estudo de sua contextualização histórica, antropológica e social.

Quando ensinamos Arte dessa forma contextualizada e crítica, os estudantes são capazes de desenvolver sua capacidade criadora e expressiva, sua autonomia e participação na sociedade e, consequentemente, uma cidadania consciente, criativa e crítica, além de terem seu repertório cultural ampliado.

Dessa forma, a arte-educação justificou a Arte como componente curricular da educação básica, tão importante quanto qualquer outro.

Em relação ao Ensino Médio, o ensino de Arte deve ter a pesquisa como princípio pedagógico, visando à participação dos estudantes tanto na prática pedagógica quanto no relacionamento entre a escola e a comunidade.

Além disso, como o princípio educativo do Ensino Médio é o trabalho, as aulas de Arte devem buscar proporcionar a compreensão do processo histórico das produções artística e tecnológica, entendendo-as como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente. Afinal, é essa compreensão que fundamenta e justifica a formação específica para o exercício de profissões artísticas, entendidas como forma contratual socialmente reconhecida.

Em 1996, a nova LDB foi promulgada e os arte-educadores puderam, enfim, comemorar a Arte como componente curricular obrigatório da educação básica. Essa alegria foi reafirmada também agora, com a Lei nº 13.415/17. Aprender Arte com qualidade é um direito dos estudantes. E sua oferta, feita com profissionalismo, é um dever do Estado e das escolas brasileiras.

* Por Eliana Pougy

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A proposta é complementar o conjunto de disciplinas regulares com o trabalho de desenvolvimento de habilidades não cognitivas dos alunosGislaine azevedo

Um dos trunfos da escola estadual Ryoiti Yassuda, em Pindamonhangaba (sP), é oferecer estrutura para não somente trabalhar habilidades

cognitivas do aluno, mas também prepará-lo para quando deixar os muros da escola. “Temos a preocupação de preparar o estudante para o mundo”, diz valdecir nelo, diretor da escola. assim que entra na escola, o aluno precisa construir o seu projeto de vida. a partir dessa escolha, ele saberá ao que precisará se dedicar nos três anos de ensino Médio para alcançar o que deseja para o futuro. ou seja, além de receberem as condições para ter domínio sobre as disciplinas escolares, os estudantes também têm os primeiros contatos com o ensino superior e constroem um planejamento visando a carreira que esperam seguir.

as novas oportunidades estão sendo oferecidas pela escola que até 2011 sequer tinha classes de ensino Médio e, hoje, conta com a lotação preenchida e é uma das referências na região. “Recebemos procura de alunos de outras cidades. não dá para dimensionar com precisão, mas creio que com a fila de espera só do primeiro ano daria para montar pelo menos mais duas salas”, afirma valdecir. Para tirar do papel um projeto que no início parecia desafiador, a escola contou com apoio do governo do estado de são Paulo, a associação sem fins lucrativos Parceiros da educação e a Fundação lúcia e Pelerson Penido (Flupp).

Os esforços das escolas para que estudantes estejam ainda mais preparados ao concluir a educação básica

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a formação integral traz vantagens para alunos de todas as idades. no caso dos estudantes do ensino Médio, rende benefícios extras, pois os estímulos de aprendizado podem desempenhar um papel fundamental quando o aluno está perto de alcançar a vida adulta e de fazer escolhas que impactarão na carreira escolhida. “Hoje, espera-se que, além de preparar o aluno para entender e saber lidar com tudo o que esse mundo globalizado nos oferece, a escola saiba também preparar o estudante para usar todo esse conhecimento de forma eficiente e responsável”, afirma Gislane azevedo, professora e autora de material didático de história da soMos educação.

Gislane alerta, no entanto, que a iniciativa de formar um indivíduo mais completo esconde algumas armadilhas. “o ensino precisa ter significado para o estudante”, afirma. “a proposta é complementar o conjunto de disciplinas regulares com o trabalho de desenvolvimento de habilidades não cognitivas dos alunos.”

Para Ronaldo vainfas, também autor de História da soMos, uma educação que olhe o aluno de forma mais completa e que vá além do conteúdo cognitivo é sempre bem-vinda. “Com mais estímulos, o aluno poderá alcançar habilidades e estatura moral para se tornar um autêntico cidadão.”

PrEPArAção imPortAntEHá cinco anos, o colégio anglo Morumbi desenvolve um programa de educação voltado para a formação integral do aluno. o programa não engloba os estudantes do ensino Médio, mas a diretora-geral da escola, sandra oliveira, explica que aqueles que tiveram contato com os conceitos nos anos anteriores continuam exercendo o que aprenderam. Hoje, todos, inclusive os alunos do ensino Médio, têm na ponta da língua o lema “aula dada é aula estudada”. ou seja, eles conseguem definir prioridades e hierarquizar as atividades. Quando algo dá errado, têm ferramentas para assumir responsabilidade pelo

Com mais estímulos, o aluno poderá alcançar habilidades e estatura moral para se tornar um autêntico cidadão Ronaldo vainFas

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Experimentar a Filosofia no Ensino médio: o desafio de pensar por si mesmo

A Filosofia “desnaturaliza” nosso pensamento cotidiano, fazendo com que nós o coloquemos sob suspeita, sob interrogação

*silvio Gallo é professor titular de Filosofia na Faculdade de educação da Unicamp, autor de Filosofia – experiência do pensamento (ed. scipione).

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A presença da Filosofia como disciplina no currículo do ensino Médio

oferece aos jovens estudantes a oportunidade de desenvolverem um pensamento crítico e autônomo. em outras palavras, a Filosofia permite que eles experimentem um “pensar por si mesmos”.

alguém poderia objetar: mas só pensamos através da Filosofia? Claro que não; pensamos – ou ao menos deveríamos pensar – em todas as aulas. Mas cada disciplina tem suas características próprias e contribui para desenvolver habilidades específicas de pensamento. no caso da Filosofia, seu diferencial é que ela oportuniza um pensar sobre o próprio pensamento. a Filosofia “desnaturaliza” nosso pensamento cotidiano, fazendo com que nós o coloquemos sob suspeita, sob interrogação. e, com isso, nos permite produzir um pensamento melhor elaborado, com melhores fundamentos, mais crítico.

o filósofo francês Michel Foucault, por exemplo, caracterizou a atividade filosófica como uma espécie de “exercício de si, no pensamento”. isto é, como um trabalho de pensar

sobre si mesmo que faz com que cresçamos e nos modifiquemos como pessoas. sendo o ensino Médio uma fase de consolidação do jovem, de sua personalidade, de seus anseios, a Filosofia tem aí um importante papel.

Mas não é qualquer ensino que cumprirá esse tipo de papel. É preciso que não fiquemos presos à Filosofia como mais um conjunto de conteúdos a serem assimilados

pelos estudantes. se ela se reduzir a uma visão panorâmica da história da Filosofia ou mesmo a um resumo das principais características do pensamento de alguns filósofos, será um ensino inócuo e mesmo, arrisco-me a dizer, prejudicial.

a forma de escapar de tal risco é investir em um “ensino ativo de Filosofia”, em que os estudantes sejam encorajados a desenvolver suas próprias experiências de pensamento. Mas, como nenhum pensamento é “virgem”, isso só é possível através do estudo de textos filosóficos, da compreensão de que cada filósofo cria seus conceitos para enfrentar os problemas com os quais se depara. Realizar a própria experiência de pensamento significa, assim, dominar as ferramentas lógicas e conceituais da Filosofia, saber identificar os problemas que enfrentamos e aplicar essas ferramentas de pensamento a esse problema, comparando com o que já foi pensado pelos filósofos ao longo da história.

* Por Sílvio Gallo

insucesso momentâneo. além disso, são incentivados a interagir com novas tecnologias e a manter relação de proximidade com a comunidade, quando vivenciam que são parte de um todo ainda maior. “agora na Páscoa, os alunos estão arrecadando tabletes de chocolate e, mais do que isso, vão montar um cartão e depois visitarão orfanatos para fazer oficinas de máscara de coelhinhos, além de levar música e contar histórias para as crianças”, afirma oliveira.

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O mundo ia acabar

*Ricardo Helou Doca é engenheiro, matemático e professor de Física.

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L onge se vão os tempos de minha meninice em que eu ficava emudecido com histórias

de almas penadas, assombrações, seres sem pé nem cabeça e outras tantas aberrações. Mas uma conversa deixava-me ainda mais estupefato; para dizer a verdade, APAVORADO. A de que o mundo iria acabar. Detalhes cataclísmicos permeavam a imaginação, fazendo--nos enxergar bichinhos verdes em posição de ataque por toda parte. De Nostradamus a subjetivas e interessadas interpretações bíblicas; de prenúncios identificados no cometa Halley à virada do milênio, muitas foram as datas marcadas para o fim do nosso planeta, especialmente da raça humana e de toda sorte de vida.

Mas estamos aqui, egressos sobreviventes de todo esse alarmismo barato sem outra base que não o achismo obscurantista. Em outra direção, a ciência e a tecnologia têm revelado um alargamento de fronteiras sem precedentes. Um verdadeiro admirável mundo novo, na acepção do escritor inglês Aldous Huxley.

A espaçonave norte-americana não tripulada New Horizons atingiu, depois de mais de nove anos de viagem, os confins do Sistema Solar. Ela chegou às vizinhanças do planeta-anão Plutão, o mais distante do Sol, enviando à Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) mais de mil imagens em alta resolução

do pequeno astro e de sua principal lua, Caronte. Com isso, há tempos, nosso limite deixou de ser a Lua.

Em fevereiro de 2016, foram anunciadas detecções de ondas gravitacionais em dois laboratórios LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), nos Estados Unidos. Esses sinais teriam sido originados a 1,3 bilhão de anos-luz da Terra pela colisão de dois buracos negros gigantescos. Nesse evento, uma diferença de matéria se transformou em energia, deformando o espaço-tempo, conforme as teorias do físico alemão Albert Einstein, elaboradas há mais de cem anos. Isso revela não só a vastidão do Universo, mas também os acertos da ciência.

É tudo tão incrível, não? E, acima de tudo, verdadeiro e factível! Estima-se que, em cerca de 5 bilhões de anos, o Sol como o conhecemos hoje irá se extinguir.

De fato, “o mundo vai acabar”, mas não a espécie humana, que terá, muito antes disso, se mudado para outro endereço no universo.

Foi anunciada a descoberta de uma estrela na Via Láctea bem menor que o Sol, – a Trappist 1 –, que tem a orbitar em torno de si sete planetas rochosos com similaridades em relação ao nosso habitat. A temperatura nesses planetas compreende-se entre zero e 100 °C, o que viabilizaria a existência de água no estado líquido, berçário de formas de vida embrionárias e também complexas. É um verdadeiro alento para os terráqueos que deverão, a partir de agora, desenvolver meios de transporte suficientemente velozes para transpor os 39 anos-luz que nos separam dessa terra prometida.

* Por Ricardo Helou Doca

Em comparação com o Sol, a Trappist 1 seria uma bola de golfe, enquanto nossa estrela seria uma bola de basquete. Nesta ilustração, aparece a Trappist 1 com seus sete planetas, que têm muitas semelhanças em relação à Terra.

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42 Educação híbrida

O ensino híbrido oferece aos alunos mais possibilidades de assimilar o conteúdo

e ao professor um novo universo a ser explorado. O termo vem do inglês blended learning e trata-se de uma abordagem metodológica baseada não apenas na exposição do conteúdo pelo professor. No Brasil, a leitura proposta pelo professor aposentado de Novas Tecnologias da Universidade de São Paulo (USP) José Moràn vem ganhando relevância e fala em educação híbrida, uma perspectiva mais abrangente. “A palavra ‘ensino’ pressupõe um sujeito que ensina e um que aprende. Na ideia de ‘educação híbrida’, a via fica mais livre. Além de quem ensina, há outros elementos, lugares, situações e pessoas que o aprendiz pode acionar para aprender”, afirma Marcelo Ganzela, coordenador do curso de Língua Portuguesa do Instituto Singularidades e especialista em ensino híbrido.

Nova abordagem mistura aprendizagem tradicional com variações nos métodos de aulas e apoio da tecnologia

O hibridismo prevê diversas formas de colocar o aprendizado em prática. Uma delas é o sistema de rotação de estações, em que os alunos são divididos em grupos e, enquanto um grupo explora o conteúdo com auxílio de computadores ou tablets, outro se dedica a desenvolver um projeto coletivamente e um terceiro pode estar em diálogo com o professor, tirando dúvidas. Em outra dinâmica híbrida, conhecida como sala de aula invertida, o primeiro contato do aluno com o conteúdo é em casa com apoio de tecnologia, em vez da exposição pelo professor. Só depois o professor e a sala de aula entram em cena, proporcionando debates e discussões sobre o conteúdo.

ImpOrtâncIa da tecnOlOgIaAssim, dizer que a educação ou ensino híbrido é a união entre metodologias on-line e off-line é uma

novos caminhos

simplificação do conceito. O que o método promove é a multiplicação das modalidades de obtenção de conhecimento. No entanto, o hibridismo aposta na tecnologia, por muito tempo usada como mero adorno na sala de aula, como uma protagonista. “No começo dos anos 2000, o que se via era a mera transposição do livro para o digital; o professor dava a mesma aula, a diferença é que o aluno acompanhava em um tablet. Hoje, o smartphone é um bem de consumo acessível e fácil de manusear; o importante é saber como usá-lo a favor da educação”, afirma Daniel Igarashi, diretor de Soluções Digitais da SOMOS Educação e pesquisador de tecnologia educacional. Ele defende que tecnologia deve ser usada para criar possibilidades de aprendizado além da lógica do professor que só ensina e do aluno que só recebe conhecimento.

Um exemplo de plataforma que põe a tecnologia a serviço do aprendizado é o Adapta, da SOMOS. A solução permite que o professor organize o conteúdo dos livros e atividades a serem propostas aos alunos em um ambiente digital, crie diferentes listas de atividades para sala de aula e para casa e acompanhe o desempenho dos alunos em tempo real. A plataforma cria um banco de dados com o desempenho de cada estudante. “Os dados que poderiam ser apenas estatísticos passam a ser pedagógicos, pois podem ser trabalhados individualmente”, avalia Igarashi.

dOcente empOderadOPara o líder de estratégias e produtos digitais da SOMOS Educação, Alex Pinheiro, o hibridismo apoiado por tecnologia de maneira efetiva – e não só estética – age como grande aliado não só do aluno, que estende suas possibilidades de aprendizado para além da sala de aula, mas também do professor. “O método desperta um processo de empoderamento digital do professor, que antes dispunha de poucos dados e evidências a respeito do progresso dos alunos”, diz. Com esse tipo de informação em mãos, o professor corrige a rota, dá atenção especial e explora conteúdos diferentes com cada grupo de alunos de acordo com suas necessidades específicas.

Essa é a dinâmica por trás de ferramentas como o Plurall,

aplicativo que permite que os alunos de instituições que adotam obras didáticas das editoras Ática, Saraiva e Scipione tirem dúvidas em uma espécie de plantão digital conduzido por monitores on-line e tenham ainda acesso às dúvidas de todos os estudantes que usam o mesmo sistema. Ao mesmo tempo, o Plurall gera relatórios de dados para os professores. “O professor acessa informações ricas sobre as lacunas de aprendizagem e pode preparar aulas e soluções mais certeiras para elas”, afirma Bruno Brusco, gerente de tecnologia da SOMOS Educação.

Outra vantagem de plataformas integradas como o Plurall é o ganho de agilidade, já que é possível agregar recursos educacionais ao planejamento de aula ou atualizar o conteúdo sem depender do ciclo de atualização dos livres impressos.

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44 Sala de aula digital

Para os jovens, já é impossível viver sem ferramentas digitais. Escolas e professores acompanham esse movimento

Conectividade no ensino

A tecnologia digital está instalada no cotidiano de todos, e vem aos poucos se acomodando no universo

da educação, seja como um modo do professor aproximar a linguagem da aula à dos jovens, seja por necessidade de aprimorar seu planejamento de trabalho. Nos dois casos, boas soluções estão disponíveis.

O uso de vídeo como recurso educacional, por exemplo, não é uma novidade, e apareceu junto com os primeiros videocassetes. No entanto, a forma como é usado mudou muito após o YouTube. “Nossos vídeos têm de cinco a sete minutos, que é o tempo máximo que conseguimos da atenção das pessoas hoje em dia”, afirma o doutor em Biologia e responsável pelo conteúdo de ciências do canal Nerdologia, Atila Iamarino. Ele conta que o objetivo inicial de suas primeiras colaborações com o canal era dialogar com o público nerd. “Eu já tinha o propósito de divulgar ciência com seriedade em meu blog, mas fui percebendo a busca do público por outros formatos, como o vídeo.”

A fórmula, que condensa bastante conteúdo em pouco tempo e com linguagem visual e ritmos atraentes, fez tanto sentido que extrapolou o público original, chegando às salas de aula, junto de uma verdadeira invasão de youtubers no campo da educação. “Tem o aluno que leva o canal para o professor, e o professor que acompanha o canal e consegue encaixar em aula”, diz Atila. “Como são vídeos curtos, sobra bastante tempo para discussão.”

Apoio Ao profeSSorNão é só no momento da aula que a tecnologia pode ser aliada do professor, mas também nos bastidores, como organização e planejamento. “O professor trabalha dois turnos, corrige prova e precisa preparar aula. Então, é fundamental ter acesso fácil a conteúdo de qualidade garantida”, afirma o professor e líder educacional do Centro-Oeste da SOMOS Educação, Rafael Albuquerque.

Ao enxergar essa necessidade, ele criou no Facebook o grupo Apoio ao Professor, que começou com cinco profissionais trocando exercícios e, em dois anos, chegou a mais de 9 mil membros, incluindo diversos autores de obras didáticas. “Todos são muito solícitos, trocam dicas de abordagem, conteúdo, planejamento de aula, tiram dúvidas e nenhuma postagem fica sem resposta”, afirma ele.

Além de recursos educacionais, são debatidos temas ligados à atividade docente fora da sala de aula, como políticas educacionais, currículo e legislação. Esse tipo de discussão também é assunto do canal de YouTube Papo com o Professor, um desdobramento do grupo da rede social.

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ferrAmentAS digitAiS

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e-docenteDesenvolvida pela SOMOS Educação, a plataforma permite ao educador navegar por obras das editoras Ática, Saraiva e Scipione, todas com seus conteúdos catalogados de acordo com as diferentes matrizes estaduais em vigência no Brasil. “Dessa forma, é possível saber onde as habilidades e competências descritas em cada matriz são tratadas em cada obra didática”, afirma Ricardo Schneider. “A ferramenta permite que o professor monte seu plano de aula sabendo que consegue, com o material escolhido, entregar essas competências.” Além do mapeamento das obras, a solução oferece modelos de planos de aulas, de provas e uma série de webinars ao vivo com autores de obras, proporcionando ganho de tempo e precisão no planejamento de aula.

google Sala de AulaCom o Google Apps for Education, alunos e professores têm acesso à plataforma que permite a formação e a manutenção das turmas em ambiente virtual. O professor cria suas turmas convidando os alunos via e-mail e, a partir de uma interface muito semelhante a uma rede social, gerencia suas aulas, criando e passando tarefas, enviando material e recebendo e corrigindo atividades dos alunos.

meCflixA plataforma do Ministério da Educação funciona como uma videoteca on-line focada em conteúdo preparatório para o Enem, com aulas on-line de diversas disciplinas e sobre o próprio exame. O conteúdo é produzido por parceiros como

Geekie Games, Descomplica, FGV, Kroton e QG do Enem, e passa por avaliação e curadoria do próprio Ministério. São mais de 1.900 vídeos. O acesso é totalmente gratuito.

Khan AcademyA Khan Academy oferece videoaulas, exercícios e um sistema de tutorial e acompanhamento da evolução do aluno, que pode ser acessado tanto por professores como por pais. Estão disponíveis cursos de Matemática, Programação, Ciências, Engenharia, Economia e Arte. A academia, hoje, tem parcerias com instituições como a Nasa e o Museum of Modern Arts (MoMa), de Nova York (EUA) para desenvolver conteúdos exclusivos.

geekie gamesA Geekie, startup que desenvolve soluções tecnológicas em educação, criou uma espécie de plano de estudos para o Enem disfarçado de game. Nele, o estudante determina seus objetivos e participa de simulados. Conforme os resultados obtidos, a plataforma traça o caminho do estudante, oferecendo conteúdos e exercícios necessários para o aprimoramento. Há planos pagos e gratuitos.

Youtube eduOs vídeos dessa página são organizados tanto por assunto quanto pelos canais que os produziram. Há diversos, a maioria deles especializada em uma disciplina e capitaneada por professores que, em muitos casos, ganharam status e jeitão de youtubers, chegando a 1 milhão de inscritos. Ótima opção tanto para o aluno pesquisar quanto para o professor se atualizar e montar suas aulas.

46 Artigo

Aprendizagem significativa no ensino de Biologia*

** Por Profa. Dra. Sônia Lopes

Os pontos centrais são a predisposição dos alunos para aprender, a motivação e o levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes

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A vontade de saber é inerente ao ser humano. Contudo, ninguém aprende o que

não compreende. Assim, ao planejar um curso, não queremos que os educandos memorizem mecanicamente os conceitos. Pretendemos que eles incorporem conceitos de modo significativo.

Organizar nossos cursos com base nos pressupostos teóricos da aprendizagem significativa pode trazer enormes ganhos para os estudantes, em especial no caso da Biologia, ciência complexa com

terminologia extensa que tem sido um dos grandes entraves na aprendizagem dessa disciplina. Memorizar é importante, mas não é tudo. A Biologia não deve ser entendida como uma lista de nomes que devem ser decorados.

Os pontos centrais são a predisposição dos alunos para aprender, a motivação e o levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes. Isso passa por despertar a sensibilidade, a afetividade e o interesse pelo que será abordado. Os fatores afetivos são entendidos como determinantes subjetivos e interpessoais da aprendizagem. A motivação pode energizar aspectos da aprendizagem do estudante, aumentando seu esforço, sua atenção e sua predisposição para aprender. Os conhecimentos prévios dos educandos servem de pontos de ancoragem às novas informações a serem aprendidas. Esse é o motivo pelo qual se admite que a aprendizagem significativa não é um processo arbitrário à estrutura cognitiva do aluno. Partir dos conhecimentos prévios dos educandos e retornar a eles ao finalizar o tema é importante para verificar se eles relacionaram novos conceitos aos que já tinham. Considera-se que o fator isolado mais importante que influencia

a aprendizagem significativa dos educandos é aquilo que ele já sabe.

Outro aspecto muito relevante é a escolha dos conteúdos a serem ensinados. Muitas vezes, pensamos apenas nos chamados conteúdos conceituais, mas há outras dimensões de conteúdos que precisam ser valorizadas, como os conteúdos procedimentais e atitudinais. Essas três dimensões trabalhadas de modo integrado favorecem a aprendizagem significativa, pois valorizam um aprofundamento do pensamento e do comportamento humanos.

Como professores que somos, desejamos alunos participativos, tanto nas aulas como na sociedade. Não há receita para isso, mas há pressupostos, como os comentados, que podem auxiliar.

A arte de educar é um grande desafio que nosso coração de professor, apesar das dificuldades da profissão, tem tido a coragem de enfrentar. Por isso, ainda estamos aqui, procurando sempre fazer o melhor para nossos estudantes.

*Texto elaborado com base nos pressupostos teóricos presentes nos livros didáticos da autora.**Profa. Dra. Sônia Lopes é formada pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e autora de Biologia.

48 Artigo

Ensino de inglês mediado por novas tecnologias*Por Claudio Franco e Kátia Tavares

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A s novas tecnologias de informação e comunicação estão presentes em nosso

cotidiano, mediando múltiplas práticas sociais, e seu uso na educação tem sido crescente. No ensino-aprendizagem de língua inglesa, em particular, as novas tecnologias facilitam o acesso de professores e alunos a uma grande quantidade de textos e hipertextos nesse idioma, que frequentemente integram texto escrito, imagem e som. Além disso, a internet proporciona a interação em inglês com pessoas de diferentes partes do mundo em diversas situações comunicativas e, portanto, a prática do idioma em contextos reais de uso.

Para superar possíveis limitações de uso das novas tecnologias, é preciso propor atividades e projetos que proporcionem aos alunos oportunidades e orientações para se engajar, como sujeitos críticos,

em práticas sociais mediadas pelas novas tecnologias. Em outras palavras, cabe à escola promover o letramento digital dos alunos, não apenas garantindo o acesso dos alunos a novos equipamentos e programas, mas ensinando-os a utilizá-los de forma crítica e inserida em seus contextos sociais.

Indicamos, a seguir, alguns sites gratuitos para o desenvolvimento das quatro habilidades.

LEiturA: NEwsmAp |(http://newsmap.jp) Site em que as manchetes estão visualmente organizadas em retângulos coloridos (cada cor se refere a um tópico diferente). O usuário também pode customizar seu mapa de notícias, selecionando o país, o(s) tópico(s) e o período de tempo. Esses recursos possibilitam a comparação entre os cenários de notícias em vários países, o que pode ser bastante relevante especialmente para o desenvolvimento da postura crítica.

EscritA: pAdLEt (http://padlet.com) Site em que se pode criar um mural virtual, onde é possível postar pequenos textos, links, imagens, arquivos de áudio (podcast) e de vídeo de forma bastante fácil e

intuitiva. Com esse site, os alunos podem desenvolver a habilidade de produção escrita criando, individualmente ou em grupo, textos com recursos multimídia.

EscutA: ENgLish ListENiNg LEssoN LibrAry oNLiNE (www.elllo.org) Site com um grande número de atividades de compreensão oral, organizadas por tema, região (variação linguística) e nível de dificuldade. Os textos orais pertencem a gêneros diversos e os falantes de inglês são de diferentes partes do mundo. Além das atividades baseadas em áudio, há exercícios elaborados a partir de vídeos e em forma de jogos.

FALA: souNds oF ENgLish (www.soundsofenglish.org) Site que traz material voltado para a pronúncia de sons em inglês, como textos, exercícios, atividades fotocopiáveis. É possível treinar a pronúncia de sons específicos em inglês e a sílaba tônica de diversas palavras.

* Claudio Franco e Kátia Tavares são professores de Língua Inglesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autores de livros didáticos da Editora Ática.

cabe à escola promover o letramento digital dos alunos, ensinando-os a utilizar equipamentos e programas de forma crítica e contextualizada

Levar à sala de aula o que acontece fora dela motiva os alunos, melhora a aprendizagem e amplia as possibilidades de abordagem do docente

Uma sala de aula é um ambiente com quatro paredes, carteiras, lousa,

a mesa do professor. A vida lá fora cabe nesse espaço? “A escola, com o passar do tempo, foi virando uma coisa alienada do mundo, uma realidade própria. E isso é uma das coisas que mais afastam os alunos”, acredita José Eustáquio de Sene, professor de Geografia e autor da obra Geografia geral e do Brasil.

Assim, trazer a realidade e conectá-la com o aprendizado é fundamental. Ele cita o psicólogo da educação David Ausubel, criador do conceito de aprendizagem significativa, que justamente parte da premissa de que o aluno já chega à sala de aula com um conhecimento

TUdo é conecTado

Esse diálogo entre a realidade prática e a teoria transforma a sala de aula e traz sentido ao aprendizado. “A Geografia, por sua interdisciplinaridade, explica ou traz o mundo até as pessoas”, diz Elian Alabi Lucci, autor de Território e sociedade no mundo globalizado.

Filmes, música e artes plásticas trazem a realidade por outras portas. “Trabalhando com outras linguagens, é possível relacionar a realidade dos alunos com o despertar do interesse e a produção de conhecimentos. Na Geografia, uma linguagem importante é o mapa, a linguagem cartográfica. Mas pode ser cinema, poesia, contos”, exemplifica Eustáquio. “Cada professor tem sua carta na manga. O crucial é ganhar o aluno

para a matéria. A relação flui, se torna mais produtiva. É bom para a autoestima do professor e bom para o aluno, que, como ser curioso, quer aprender. A escola, com o passar do tempo, mata a curiosidade.”

Material jornalístico também é uma fonte inesgotável de vida real, exemplifica Elian. “Existem vários caminhos acessíveis hoje a todos os professores e alunos para levar assuntos do momento à sala de aula – canais de notícia na internet, redes sociais, TV, jornais, revistas e suplementos. Por exemplo, o fenômeno do efeito El Niño. Quando de seu surgimento, enquanto ele provoca numa parte da Terra chuvas intensas, em outras provoca secas prolongadas e isso tudo altera completamente a vida em qualquer localidade em todos os

a vida real na escola

prévio do mundo. “Ninguém aprende sem interesse.” A bagagem de cada aluno é uma excelente ponte com a vida real – até porque é impossível o docente ignorar o fato de que a revolução tecnológica está mudando as fronteiras das fontes de informação e conhecimento. “Bons professores já se aliam à tecnologia, e a colocam a seu favor”, diz Eustáquio.

O noticiário, a corrente do WhatsApp, um vídeo viral – tudo isso pode ser o ponto de partida para uma construção de conhecimento viva e interessante. “O professor deve trabalhar esse conhecimento prévio, como conceitos cotidianos, e a partir daí, reelaborar, reorientar, ampliar. Ele não pode imaginar que o aluno não tem nada na cabeça.” O

“conceito cotidiano” vem da teoria sociointeracionista, do psicólogo Lev Vygotsky. “A partir daí, o professor pode introduzir os conceitos científicos. E isso muda um pouco o seu papel: em vez de professar, ele faz a mediação do conhecimento que vem dos alunos, que pode vir da realidade, de outras fontes, e do que o próprio docente traz.”

A escolha dos assuntos relevantes e os links com o universo dos alunos funcionam melhor a partir da chave do interesse. “Nada melhor que ligar os conteúdos com a realidade, com o bairro, com a comunidade. No caso da Geografia, é mais fácil: estamos cercados de geografia. Tudo tem paisagem e transformação do espaço”, finaliza Eustáquio.

seus aspectos. Assim, os alunos de qualquer parte do país e do mundo precisaram ser inteirados desse fenômeno e levados a entender como influi na vida em particular de seu município ou estado.”

Elian indica também o livro didático como ponte entre o que vem de fora da sala de aula e o conteúdo programático. “O livro didático, além de informar, deve formar o aluno. Um exemplo é o caso do desemprego hoje em nosso país. Se o noticiário alardeia o problema com grande intensidade, pode-se relacionar o assunto ao que será estudado sobre setores de atividades econômicas.” Eustáquio faz coro. “Trazer a realidade está na mão do professor, que, por sua vez, pode se cercar de bons materiais didáticos, que fazem essa ligação com o mundo real.”

Uma enchenTe pode render Temas de

hidrologia, Urbanização, ocUpação Urbana e rUral, Usos econômicos do solo,

aTé mesmo em saídas de campo com os alUnos

o mundo na sala de aula50

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Diversidade52

A formação de cidadãos capazes de colaborar com uma sociedade

mais justa e democrática

O outro em cada

um de nós

A diversidade não só de gênero como de raça ou de credo agrega valor, enriquece discussões, ajuda na inovação e na geração de conhecimento. Muito presente em um mundo

em transformação, faz parte do cotidiano e se reflete na vida dos estudantes. Por isso, a escola passa a ser um ambiente que pode trazer ainda mais luz ao tema e tornar o debate mais rico.

Para Nelson Tomazi, autor de Sociologia para o Ensino Médio da SOMOS Educação, é inevitável demonstrar ao aluno, a partir do cotidiano e de outras disciplinas, que diversidade está em todos os lugares: nas espécies numa floresta tropical, nos meios de transporte numa cidade, nos elementos químicos. “A diversidade explode em cada recanto deste planeta. Hoje, vive-se a ilusão de que a uniformidade é melhor, como da mesma forma tem-se a ideia de que democracia é consenso, quando na verdade democracia é dissenso, ou seja, diversidade nas formas de viver e de pensar”, explica. Então, o passo seguinte é discutir em classe como essa noção se aplica na sociedade. “Esse diálogo não acontecia há 20 anos, quando a educação era organizada por um Estado militar. Por isso, tendemos a considerar a diferença um problema”, explica o professor Igor José de Renó Machado, autor de Sociologia hoje.

Tomazi acredita que o tema pode ser uma oportunidade de autoconhecimento. “Se o professor entender que em sua sala de aula há indivíduos diversos, já é meio caminho andado. Ele deve se abrir para identficiar os próprios preconceitos”, alerta. “E usar os acontecimentos cotidianos que expressam alguma forma de preconceito para falar sobre isso.”

CAminhOs interessAntesTrazer narrativas pessoais é um recurso eficiente, porque não limita a complexidade das pessoas a estereótipos. “No debate de meninas falando sobre machismo, um simples e mero relato já produz efeito. Saber que um aluno negro é constantemente perseguido ou observado em lojas, por exemplo, faz com que colegas fiquem chocados e se coloquem de outra forma no tema do racismo. Isso produz um cidadão tolerante e avesso a ideologias totalitárias”, exemplifica Renó. Nelson Tomazi reforça essa percepção de que o tangível da experiência cotidiana amplifica o aprendizado teórico. “A conjunção de conhecimentos e experiência seria uma dobradinha imbatível para dissolver os preconceitos contra as diversidades existentes na vida social.”

O docente pode se munir também de outros materiais de apoio para abordar o tema. “É uma forma de costurar pelas beiradas. Há uma série de filmes e peças de teatro que lidam com essas situações e produzem nos alunos esse efeito de se colocar no lugar dos personagens”, diz Renó.

DiversiDADe nA históriAPara Gilberto Vieira Cotrim, historiador, especialista em filosofia e autor de História global e fundamentos da filosofia, a história

traz muitos exemplos concretos para discussão, e a própria diretriz dos conteúdos é eficiente em colocar a diversidade em pauta. “Um exemplo bem-sucedido de combate ao preconceito, à exclusão e à violência contra o diferente é a obrigatoriedade do ensino de cultura e história dos indígenas, africanos e afro-brasileiros. Conhecer aspectos históricos, sociais e culturais desses grupos contribui para a valorização da diversidade. É necessário compreender que cada cultura se caracteriza pelos seus modos de ser e de viver”, explica o autor.

Na mesma medida em que o professor trabalhará a conexão de diversidade com grandes movimentos históricos, essa conversa passa de volta pelas pessoas, no nível individual. “O docente deve se situar como alguém que está ali para ensinar e também para aprender, abrir espaço para o diálogo com alunos e com demais educadores da escola. Esse espaço permite troca de experiências. A busca do domínio de um assunto não é um empreendimento solitário: requer a ‘escuta do outro’, entendê- -lo e, principalmente, respeitá-lo. Isso cria um ambiente acolhedor, que valoriza a diversidade e ajuda a atenuar tensões que possam surgir durante o trabalho em sala de aula”, diz o historiador.

O ENSINO DO DIFERENTE Um exemplo bem-sucedido de combate ao preconceito é o ensino de cultura e história de indígenas e afro-brasileiros

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Atualização profissional54

Iniciativas de formação continuada permitem que o professor se aprimore e se valorize profissionalmente

o desenvolvimento pessoal, profissional e institucional dos docentes, permitindo um trabalho colaborativo capaz de transformar a prática. “Temos cada vez mais formação e pouca troca. É possível que isso aconteça porque ainda predomina a formação transmissora, com a supremacia de uma teoria descontextualizada, afastada dos problemas práticos, baseada em um corpo docente médio que não existe”, afirma. “Uma nova formação deve estabelecer mecanismos de desaprendizagem para voltar a aprender”, diz Imbernón. Ele aponta recursos para potencializar a ação do professor inovador: permitir mais facilidades para montar grupos de trabalho, projetos de pesquisa e inovação, potencialização das redes e comunidades, além, claro, de escolas comprometidas com projetos pedagógicos. “Uma formação no posto de trabalho, onde se dão as situações problemáticas, uma ‘formação de dentro para fora’.”

AprendizAdo constAnte

Na opinião de Beatriz Gouveia, diretora pedagógica da SOMOS Educação, é possível criar um ambiente escolar rico para a formação continuada. “É papel do coordenador pedagógico ser responsável pela formação permanente do docente. Ele é um articulador das melhores condições de aprendizagem, é quem define uma rotina de trabalho com oportunidades, além de ser responsável por dar feedback. Ele deve criar um ambiente em que o professor se sinta acolhido, e não julgado, estabelecendo uma relação de parceria”, defende Beatriz.

É importante que o aprendizado do docente seja coerente com realidade que ele encontra na sala de aula. “Não adianta o professor ler artigos e revistas por conta própria. Abrir espaço para formação individual e coletiva é fundamental, porque você consegue usar a formação teórica na aplicação prática daquele ambiente onde o professor está inserido.”

A licenciatura é só o começo da jornada de um educador. Um professor em

constante formação se desenvolve profissionalmente, investe em inovação e transforma o ensino em sala de aula. Francisco Imbernón, professor catedrático da Faculdade de Didática e Organização Educacional da Universidade de Barcelona, na Espanha, é especialista em formação de docentes. Com um trabalho amplamente reconhecido sobre a importância da formação aplicada e crítica, é entusiasta do trabalho em equipe. “A formação permanente deve ser uma parte substancial da função docente e uma condição generalizada, e não uma forma de obter méritos”, defende o teórico. Ele vê a formação como parte fundamental do resgate da profissão decorrente de muitas reformas “neotecnocráticas” do final do século 20 e do papel que a educação deveria ter na formação de crianças e adolescentes.

Um programa ideal de formação de professores deveria fomentar

estudAr e ensinAr

Para fazer com que a formação de professores ganhe não só espaço, mas lugar de destaque no dia a dia das escolas, a SOMOS Educação incluiu o tema nos seus sistemas de ensino e, em breve, vai disponibilizar o material para as escolas parceiras, por meio de cursos on-line certificados pelo Instituto Singularidades. “Temos cursos de gestão da sala de aula, engajamento, tecnologias digitais, metodologias ativas e professor reflexivo. Vão desde a aula expositiva até assuntos mais ligados à inovação”, explica Rodrigo Bueno de Abreu, gestor da área de formação de professores da SOMOS Educação. “O nosso objetivo é fazer com que as escolas abracem a formação dos professores. Um tema importante e que sabemos como faz a diferença no aprendizado dos alunos”, diz ele.iS

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56 Artigo

Competência leitora: uma arquicompetência do conhecimento*Por William Cereja

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Todos reconhecem que saber ler adequadamente um texto ou um enunciado é indispensável

tanto para a vida escolar do estudante quanto para a vida social do cidadão. Contudo, as avaliações – Enem, Prova Brasil, PISA – mostram que os estudantes brasileiros leem muito mal. Onde pode estar a causa desse fracasso? Além de muitos fatores envolvidos na questão, talvez valha a pena refletir também sobre o modo como a leitura veio e vem sendo ensinada nas escolas.

Historicamente, as aulas de leitura sempre foram preparadas e conduzidas de forma intuitiva pelos professores. A prática consistia, e ainda hoje consiste, em basicamente escolher um texto adequado a determinada série e formular um conjunto de questões ou de proposições, orais ou escritas, acerca do texto. No Ensino Médio, imagina-se que trabalhar alguns textos literários seja suficiente para que o estudante desenvolva sua competência leitora e consiga compreender e interpretar qualquer tipo de texto, independentemente do gênero.

Na verdade, nunca houve um controle claro e preciso sobre as operações que o aluno conseguia ou não realizar. E, por isso, em caso de maus resultados, sempre foi

difícil para o professor saber de que forma interferir no processo para que o aluno suprisse suas lacunas cognitivas e desenvolvesse as habilidades de que necessitava.

Os estudos mais recentes na área de leitura, porém, mostram que é possível fazer um trabalho sistematizado de desenvolvimento da competência leitora. Na versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular, por exemplo, a construção da competência leitora se configura como um dos objetivos centrais do ensino de Língua Portuguesa. Nas considerações sobre “as dimensões da leitura”, o documento ressalta, entre outros, os seguintes objetivos:

sentidos, ativar conhecimentos prévios, localizar informações explícitas, elaborar inferências, apreender sentidos globais do texto, reconhecer tema, estabelecer relações de intertextualidade etc.)”. (Base Nacional Comum Curricular, 1ª versão, p. 339.)

A competência leitora e as habilidades de leitura necessitam ser tratadas como objetos de ensino específicos, tratados com base em textos, gêneros e linguagens variados, a fim de que o estudante consiga realizar, em qualquer nível e em qualquer disciplina, as operações mais complexas, que hoje são quase inacessíveis à maioria dos estudantes,

* William Cereja é graduado em Português pela Universidade de São Paulo (USP) e é autor de livros didáticos da Editora Saraiva.

Em caso de maus resultados, sempre foi difícil para o professor saber de que forma interferir no processo para que o aluno suprisse suas lacunas

“A compreensão de gêneros diversos, considerando-se os efeitos de sentido provocados pelo uso de recursos de linguagem verbal e multimodal; as reflexões críticas relativas às temáticas tratadas nos textos; o desenvolvimento de habilidades e estratégias de leitura necessárias à compreensão de um conjunto variado de gêneros (antecipar

como perceber efeitos de ironia e relações de intertextualidade, comparar textos a partir de critérios estabelecidos, inferir informações implícitas e relacionar um texto verbal a um gráfico ou um infográfico.

58 Projeto literatura

A leitura literária na vida escolar e não escolarde crianças e jovens

Para formar leitores, o professor precisa estimular o interesse do aluno pela leitura por meio da participação em atividades diversificadas

M uitas das dificuldades das crianças em relação à aprendizagem da

Matemática vêm do fato de elas não compreenderem o que estão estudando. E, se não conseguem atribuir significado ao que estão fazendo, apenas repetem mecanicamente os procedimentos estudados, não se envolvem e passam a não ter prazer em estudar.

Uma das maneiras de tornar mais prazerosa a aprendizagem da Matemática é procurar ensinar as crianças por compreensão, trabalhando a origem e os porquês dos termos matemáticos, das regras, das definições, dos procedimentos e dos algoritmos.

É consenso tanto na escola quanto na sociedade que a leitura é importante. Contudo, poucos têm clareza das razões para a valorização da leitura, não só a literária, mas de todo e qualquer tipo.

Leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto, sendo esses dois elementos muito complexos. O leitor, ao interagir com o texto, acessa seus conhecimentos prévios, seus conhecimentos de mundo, seus conhecimentos linguísticos, seus valores e suas crenças, sua bagagem cultural.

O texto também é um produto sócio-histórico e cultural: traz em si aspectos do gênero textual a que pertence, do tempo e do espaço em

que foi produzido, dos valores da sociedade em que foi concebido, das intenções de seu produtor e das relações com outros textos.

Se a leitura é interação e construção de sentidos, ela abre uma espéciede conversa entre o texto e o leitor. O texto literário tem particularidades que possibilitam um trabalho com a experiência vivida pelo autor, com as histórias contadas, com as elaborações poéticas por meio da linguagem e com a abertura para novas perspectivas, novas maneiras de ver e entender o mundo, por meio da ficção, do faz de conta e das brincadeiras com a linguagem. O texto pode tocar o leitor, levando-o também a expressar sua subjetividade e a elaborar sua maneira de ver o mundo, o que é sempre enriquecedor, principalmente para crianças e jovens.

Na escola, podemos trabalhar a leitura de literatura, com textos verbais e não verbais, como atividade lúdica de construção e reconstrução de sentidos, a fim de levar o aluno a desenvolver a criatividade e a imaginação na interação com textos que apresentam “mundos possíveis”1.

Literatura é arte, envolve fruição do texto, admiração pela qualidade estética da linguagem empregada. O desafio do professor é ajudar o aluno a perceber essas características e a elaborar ou rever suas interpretações iniciais, sem descartar suas leituras

originais, ou seja, o professor não deve apresentar ao aluno leituras prontas, únicas e previamente consideradas “corretas”, mas ajudá-lo a construir sentidos com base no que o texto traz para a interação, levando em conta a visão de mundo e os conhecimentos prévios desse aluno.

Desse modo, a leitura deve envolver um aluno ativo no levantamento de hipóteses sobre os sentidos do texto, o que o torna de fato um leitor, em um processo que envolve todos os professores, de todos os segmentos e em todas as disciplinas, e não apenas o professor de Língua Portuguesa.

Para formar leitores, o professor precisa estimular o interesse do aluno pela leitura por meio da participação em atividades diversificadas e não necessariamente veiculadas ao livro didático. Ler não pode ser uma tarefa escolar, uma obrigação de reportar conteúdo. Isso não é suficiente. Como ensina Angela Kleiman:

[...] somente quando se ensina o aluno a perceber esse objeto que é o texto em toda sua beleza e complexidade; isto é, como ele está estruturado, como ele produz sentidos, quantos significados podem ser aí sucessivamente revelados, ou seja, somente quando são mostrados ao aluno modos de se envolver com esse objeto, mobilizando os seus saberes, memórias, sentimentos para assim compreendê- -lo, então há ensino da leitura. [...]2.

Assim, nosso papel é fornecer um conjunto de instrumentos e de estratégias para o aluno realizar esse trabalho de forma progressivamente autônoma, ou seja, ensiná-lo a gostar de ler. O prazer da leitura é um prazer aprendido, como defende Marisa Lajolo3, e não algo inato. E isso tem relação com a história de leitura que construímos com os alunos – história que pode ser sempre transformada, principalmente quando alguns deles afirmam não gostar de ler.

A leitura literária contribui para a formação humana e para sua abertura ao conhecimento, despertando a curiosidade, a imaginação e a capacidade de se

transportar para outros lugares, de se colocar no lugar do outro e de refletir sobre seu lugar no mundo. Tal capacidade desenvolve o respeito e a admiração pela diversidade, por diferentes culturas, pelo inusitado, estimula a observação e a análise crítica, além de tornar o leitor mais atuante e plenamente inserido no contexto social em que vive.

Precisamos ler para e com os alunos, para que eles também considerem a leitura essencial, nós, professores, temos de reservar tempo para a leitura em sala de aula, de maneira planejada e articulada com outros conteúdos escolares, abordando temas de importância para uma formação humana e cidadã.

1 MARTINS, I. A literatura no Ensino Médio: quais os desafios do professor?. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. Português no Ensino Médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006; 2 KLEIMAN, A. Contribuições teóricas para o desenvolvimento do leitor: teorias de leitura e ensino. In: ROSING, T.; BECKER, P. (Org.). Leitura e animação cultural. Repensando a escola e a biblioteca. Edição bilíngue. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 27-68; 3 LAJOLO, M. Meus alunos não gostam de ler... O que eu faço? Campinas: Unicamp, 2005. Texto integrante dos projetos temáticos de literatura – SOMOS Educação.

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