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Exame da Crítica da Razão Prática Mário Ferreira dos Santos O tema fundamental desta obra famosa de Kant é a da liberdade, esforço de evitar a antinomia que oferece esse conceito, quando exa Resolvido esse problema, facilmente serão todos os outros que exami anteriores. Escreve Kant que o conceito de liberdade nos apod"tica #necess$ria% da razão pr$tica, forma a clé de voute& de da 'Razão (ura, e todos os outros conceitos #os de )eus e da imorta puras idéias, são seu apoio na razão especulativa, li!am-se a esse ele e por ele a consist*ncia e a realidade ob+etiva que l e faltam omo é sempre o con ecimento da Razão (ura que serve pr$tico, a divisão !eral da r"tica da Razão (r$tica dever$ estar da Razão Especulativa&. /ão as se!uintes' 0% 1 anal"tica&, que estuda os princ"pios da Razão ou a idéia do 4% 1 )ialética que trata do conceito do 2em elevado ao absoluto3 5% 1 6etodolo!ia, cu+o ob+eto é pesquisar o con+unto dosmeios a serem empre!ados para abrir 7s leis da Razão pura pr$tica um acesso 8 na 1nal"tica que Kant concluir$ da ob+etividade do 2em 7 real livre-arb"trio. 9a )ialética concluir$, partindo do conceito ob exist*ncia de )eus e a imortalidade da alma. Analítica da Razão Prática 1 :r*s são os pontos de estudo desta parte da obras' 0% Os princ"pios3 4% O ob+eto3 5% Os m;veis da Razão pr$tica. <uando uma re!ra é v$lida apenas para mim é uma simples m$xima3 para todo ser raciocinante e livre é um princ"pio. Exemplifica Kant' a re!ra pela qual estabeleço que não suportar nen uma ofensa não tem valor universal. E=, portanto, uma m$xima, p apenas sub+etivo. >ndica essa re!ra que é ela necess$ria para atin! 0 O 1utor não corri!iu esta parte. 0

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Exame da Crtica da Razo Prtica

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Exame da Crtica da Razo Prtica

Mrio Ferreira dos Santos

O tema fundamental desta obra famosa de Kant a da liberdade, dedicando-se ao esforo de evitar a antinomia que oferece esse conceito, quando examinado pela razo pura. Resolvido esse problema, facilmente sero todos os outros que examinou em suas obras anteriores. Escreve Kant que o conceito de liberdade nos assegurado por uma lei apodtica (necessria) da razo prtica, forma a cl de voute de todo edifcio do sistema da :Razo Pura, e todos os outros conceitos (os de Deus e da imortalidade), que, enquanto puras idias, so seu apoio na razo especulativa, ligam-se a esse conceito e recebem com ele e por ele a consistncia e a realidade objetiva que lhe faltam"(Prefcio).

Como sempre o conhecimento da Razo Pura que serve de princpio ao uso prtico, a diviso geral da Crtica da Razo Prtica dever estar de acordo com a da Crtica da Razo Especulativa. So as seguintes:

1) A analtica, que estuda os princpios da Razo ou a idia do Bem;

2) A Dialtica que trata do conceito do Bem elevado ao absoluto;

3) A Metodologia, cujo objeto pesquisar o conjunto dos meios a serem empregados para abrir s leis da Razo pura prtica um acesso alma humana.

na Analtica que Kant concluir da objetividade do Bem realidade objetiva do livre-arbtrio. Na Dialtica concluir, partindo do conceito objetivo do Soberano Bem a existncia de Deus e a imortalidade da alma.

Analtica da Razo Prtica

Trs so os pontos de estudo desta parte da obras:

1) Os princpios;

2) O objeto;3) Os mveis da Razo prtica.

Quando uma regra vlida apenas para mim uma simples mxima; quando vlida para todo ser raciocinante e livre um princpio.Exemplifica Kant: a regra pela qual estabeleo que no suportarei impunemente nenhuma ofensa no tem valor universal. E, portanto, uma mxima, porque seu valor apenas subjetivo. Indica essa regra que ela necessria para atingir um fim, cujo fim posso no quer-lo. Est, portanto, essa regra subordinada a uma condio. , pois, um imperativo condicional ou hipottico.

Contudo, a regra de nunca mentir uma condio necessria para atingir um fim. Ela me imposta em qualquer caso, uma ordem incondicional, um princpio, porque universal, um imperativo categrico.A lei moral no pode ser determinada a priori seno pela sua forma (a obrigao e a universalidade) e no por sua matria (o Bem).

Esta doutrina de Kant merecer nossa crtica oportunamente.

O que d a existncia lei moral o seu carter racional. E essa existncia independente de todo objeto exterior. A objetividade da lei moral no se funda nos objetos da experincia e no precisa ser deduzida como os conceitos da razo especulativa que necessitam fundar-se nos objetos da experincia. As minhas aes racionais em seu princpio tm por matria os fenmenos, por isso a lei moral pode referir-se ao mundo dos fenmenos.

Podemos, por isso, aplicar aos nossos atos as categorias, com auxlio das quais conhecemos os objetos sensveis.

Temos assim a diferenciao que se d entre nossos atos segundo a quantidade, e sero mximas particulares ou princpios universais. Sob a relao da qualidade diferem no ordenar a ao ou a emisso ou a exceo.

Podem ser relativas a uma pessoa ou a uma relao recproca entre diversas pessoas. E segundo a modalidade podem nos impulsionar a coisas lcitas ou ilcitas, a cumprir deveres perfeitos ou imperfeitos.

um grave problema a aplicao da lei moral, que um fato de razo, um nmeno, aos atos que so fenmenos. A ao de uma causa que atua num mundo inteligvel, num mundo transcendental, exercer ao sobre o mundo das coisas reguladas segundo o tempo e o espao um problema que se afigura porque nos levaria a perguntar se h um tipo moral dos fenmenos. Kant responde pela afirmativa: a compreenso de um mundo que um homem raciocinante possa querer fazer parte dele, pois no gostaria responde de fazer parte de um mundo em que reinasse a mentira e em que os homens s procurassem satisfazer seus interesses pessoais. Tal mundo contrrio ao tipo moral da natureza. Da a forma kantiana que pode servir de critrio para julgar cada um de nossos atos: Atua de tal modo que possas querer fazer parte de um mundo em que cada um agir como tu e esta regra funda-se na anterior A regra de nossos deve poder ser erigida em lei universal.

Aquela regra porm superior de certo modo a esta por considerar apenas os efeitos produzidos por nossas vontades, pondo de lado o mundo.

Entre os excessos do empirismo que olha apenas os efeitos de nossos atos e no as suas leis e o do misticismo, que apenas visualiza o Bem, sem considerar o mundo e os homens, essa regra constitui o verdadeiro meio termo entre tais extremos. Mas o valor de nossos atos depende dos mveis que me fizeram agir.

O carter essencial de toda determinao moral que a vontade seja determinada unicamente pela lei moral... sem o concurso de atrativos sensveis.

So o amor ao prprio bem estar e a presuno os nicos mveis sensveis que destroem o valor moral de um ato. A lei moral dura em relao ao amor do bem estar e sobretudo o contra a presuno que ela humilha, sobretudo ao nos mostrar que a estima de ns mesmos no tem nenhuma razo de ser, salvo quando fundada na obedincia ou na submisso aos mandamentos absolutos da razo prtica.

Devemos cumprir a lei moral no apenas pelo prazer que nos causa o Bem, mas sobretudo pela conscincia de dependncia autoridade moral. Esse respeito o reconhecimento de alguma coisa superior a ns. por no querermos pagar o tributo de nosso respeito aos outros homens que nos leva a critic-los, sobretudo quando nos sentimos pequenos e imperfeitos ante a imponente majestade dos que nos superam. Se gostamos de rebaix-la at ao ponto de uma inclinao familiar, se nos esforamos em transformar num preceito de interesse bem entendido, no por nos livrar desse terrvel preceito que nos lembra to severamente nossa prpria indignidade.

Contudo junto ao respeito e a pena que nos causa a prtica de tais atos, h um gozo verdadeiro que o da admirao, que nos eleva acima de ns mesmos, perdendo de vista nossa frgil natureza.

No devemos substituir o dever moral pelo simples amor do Bem. Tal no verdadeira mxima moral, a que nos convm a ns homens. No procedamos como soldados que querem por orgulho pr-se acima da idia do dever e pretendam agir por seu prprio impulso sem necessidade de nenhuma ordem. S a Deus cabe atuar, realizar o Bem por amor, porque s ele possui a santidade. Ao homem s pode caber a virtude. Se nos ordenado o amor a Deus e ao prximo, no se trata de um amor sensvel, mas de um amor prtico. Amar a Deus obedec-lo; amar ao prximo cumprir seus deveres para com ele.

Por se submeter lei e por sua liberdade que o homem uma pessoa, ttulo sagrado e inviolvel como o a lei moral da qual faz parte. Deve o homem ser considerado pelo homem como um fim e no como um meio. Deve respeitar a mim mesmo como devo respeitar os outros. Nada mais de temer ao homem moral do que a prtica de um ato baixo que o humilhe ante si mesmo, porque no pode suportar ante seus prprios olhos a indignidade de sua vida.

Uma mxima no pode ser conhecida a priori, porque s a experincia me pode mostrar sua convenincia ou no. A Razo pura s pode estabelecer regras a priori, vlidas para todo ser raciocinante e livre.

A vontade uma faculdade de desejar, mas de um desejar superior, pois s a idia do Bem universal pode determin-la, enquanto a faculdade de desejar inferior determinada apenas pelos mveis empricos, pela idia de felicidade.

Salienta Kant seu espanto em verificar que no fizeram os filsofos a distino entre esses dois modos de desejar, o superior e o inferior. Um busca os prazeres intelectuais, o outro o prazer dos sentidos. Mas o prazer intelectual, por puro que seja, apenas um motivo emprico. Dar os prazeres do esprito por mveis diferentes dos mveis que vm dos sentidos... fazer como esses ignorantes que, tentando fazer metafsica, subtilizam a matria a ponto de se empolgarem numa vertigem, e crem que assim constrem a idia de um ser espiritual e contudo extenso. Se se admite com Epicuro que a virtude s determina a vontade pelo prazer que ela promete, no sentem o direito de acusar aqueles que tomam esse prazer como semelhante aos dos sentidos. O princpio da felicidade pessoal, seja qual o for o uso que dele faa o entendimento e a razo, no poderia conter outros princpios de determinao para a vontade que os que so prprios faculdade de desejar inferior; por conseguinte, ou no h faculdade de desejar superior, ou a razo pura deve poder ser prtica por si s, quer dizer, sem supor qualquer sentimento,... nenhuma representao do agradvel ou do desagradvel, ela deve determinar a vontade pela nica forma da regra prtica.

Devem os princpios absolutos da razo, por pertencerem razo pura e no experincia quatro caracteres principais, que so os seguintes:

1) A universalidade, ou seja uma validez para todos, para todas as vontades, sem oposio. Uma regra como busca teu interesse seria uma mxima no vlida porque poderia por em risco os interesses dos outros. No, porm, esta regras: Atua de tal modo que a mxima de tua vontade possa sempre ser considerada como um princpio de legislao universal.

2) A autonomia. Autonomia a capacidade de ordenar independentemente de outro, ou seja por si mesmo. As leis da razo devem ser autnomas, independentes da natureza dos objetos desejados e da natureza dos meus desejos. Do contrrio, como poderia ser universal? Uma vontade que se regula desse modo uma vontade livre. E como se poderia chegar liberdade, conceb-la, se apenas houvesse uma lei da natureza a regular os nossos atos?

A minha liberdade provada pela razo, corroborada pela experincia que tenho. Se eu disser a um homem: Renuncia ao teu desejo, ou sers enforcado imediatamente, natural que se abstenha de um ato por temor da morte, pois o motivo mais forte impedir a ao do mais fraco. Mas se se lhe disser: Presta um falso testemunho ou sers morto imediatamente, revela a nossa conscincia que qualquer homem livre para resistir a uma tal ameaa. Essa independncia dos mveis sensveis que se revela na nossa vontade testemunha e atesta a sua liberdade. ela que constitui a sua autonomia. Se a nossa vontade segue a lei da natureza, segue uma lei que no a sua, uma lei heteronoma. Mas seguir a lei feita para ns seguir uma lei autnoma.

Essa lei se nos liberta tambm nos domina, porque nos leva a dominar nossos impulsos e nossas tendncias. Estamos, portanto, ante ela numa relao de dependncia. De nossa submisso ou de nossa revolta que decorre o mrito ou o demrito de nossa atitude. Confundir a lei moral com o sentido moral ou seja o prazer ou o desgosto que nos causam nossas aes seria esquecer essa relao de dependncia.

O prazer da boa conscincia e o remorso supem a idia da obrigao moral e, consequentemente, no poderiam ser o fundamento dessa obrigao.

Pode-se concluir, dizendo que o que em definitiva distingue os princpios da razo das mximas do interesse e da prudncia saber sempre o que se deve fazer. Muitas coisas, s aps longas experincias, sabemos se nos so vantajosas ou no. Contudo, pode-se sempre cumprir com o nosso dever porque basta o nosso querer para tanto. Ao contrrio, nem sempre podemos fazer o que a experincia nos revela como agradvel ou desagradvel.

Alm daqueles dois caracteres: a universalidade e a autonomia pertencem ainda lei moral:

3) a possibilidade de ser sempre conhecida;

4) a possibilidade de ser sempre praticada.

Tais caracteres no so notados nas leis empricas, como se verificam nas mximas: segue teus instintos fsicos (Epicuro), ou segue teus instintos morais (Hutcheson).

Cita ainda Kant outros dois princpios que forjam propostos, como o de Wolf Realiza em ti a perfeio, que uma mxima dos esticos e conforma-te vontade de Deus de Crusius.

Repele essas regras como princpios, porque a primeira tem de admitir a existncia de Deus, pois, sem ele, como admitir a existncia da perfeio e a segunda por que sem saber a existncia de Deus nada podemos saber quanto sua vontade. Esses princpios so materiais e no formais, diz Kant, porque pem a regra de nossas aes num objeto exterior e no na forma de nosso conceito moral, ou seja numa idia de uma legislao universal e aplicada a toda vontade universal.

A liberdade um nmeno que tem realidade objetiva. Errava Hume quando afirmava que no conhecamos nenhuma causa. A minha liberdade causa de meus atos. da objetividade e da realidade, portanto, da liberdade, que decorrem outros conceitos transcendentais e a idias da razo. Mas mister que haja entre esses conceitos e essas idias uma relao necessria com a liberdade.

Provada a liberdade, resta determinar seu objeto e seus mveis.

O objeto do desejo inferior o agradvel que nem sempre pode ser atingido; o objeto do desejo superior o Bem que pode ser atingido porque reside apenas na inteno.

O Bem bom por si mesmo, , portanto, um fim absoluto; o agradvel bom para ns, em relao a ns, tem, pois, um fim relativo.

Mostra-nos Kant que em vrias lnguas h apenas uma mesma palavra para indicar essas idias que se distinguem, como o termo bonum, em latim. Contudo, no alemo essa dificuldade no existe, porque Guta trata-se do bem moral e Wohl do bem fsico, como Bose do mal moral e Weh do mal fsico.

Poder-se-ia perfeitamente rir do estico que exclamava no meio dos mais vivos sofrimentos: Dor, podes me tormentar, eu no afirmarei nunca que sejas um mal. Ele tinha contudo razo. O que sentia era um mal fsico (Ubel), e seus gritos o atestavam; mas por que havia ele concedido que fosse um mal absoluto Bose? Com efeito, a dor no diminua de modo algum o valor de sua pessoa; ela no diminua nada mais que seu bem estar. Uma s mentira que tivesse a acusar-se teria sido suficiente para abater seu orgulho; mas a dor no era para ele mais que uma ocasio de a fazer a parecer. (Analtica, cap. II).

Se no houvesse no homem a distino entre o bem fsico e o bem moral o homem no se distinguiria dos animais cujo nico fim o agradvel. O objeto prprio do homem o Bem absoluto, o Bem moral.

Kant no se satisfaz apenas em distinguir o bem moral do bem fsico; procura ainda o que constitui a essncia de ambos. Para ele o Bem nada mais que a submisso obrigao da lei moral. No por ser boa que uma coisa obrigatria, mas por ser obrigatria que boa. E por que o homem ante seus olhos o fim da vida moral? Porque ele o sujeito da lei moral e por conseqncia do que santo em si e do que apenas pode dar a alguma coisa o carter de santo.

A moral de Kant uma moral de liberdade, mas tambm de submisso e de dependncia. No h contudo a contradio. Porque a liberdade que se submete voluntariamente ao cumprimento do dever.

Tomada essa posio a idia de Deus se impe. E da que Kant empreende a demonstrao da existncia de Deus.

Ao contrrio da Crtica da Razo Pura, os princpios da razo prtica no decorrem dos conceitos, so os conceitos que decorrem dos princpios, conhecidos de antemo. Assim o conceito de bem e de mal se deduzem dos princpios da ao moral. Os princpios precedem aos conceitos. A esttica moral s pode sobrevir do estudo do conceito moral, por isso na Analtica estuda Kant em primeiro lugar os princpios, depois o objeto da lei moral e, finalmente, os mveis da vontade, subdivididos em motivos egostas, sensveis e os verdadeiramente morais.

Por isso a razo prtica segue o mtodo racional, meramente dedutivo e segue do mais geral para o mais particular.

O silogismo da razo prtica parte da lei geral, do qual o ato conforme ou no a lei a menor. Aquele que se pode convencer da verdade das proposies contidas na Analtica deve amar essas comparaes; pois elas fazem justamente esperar poder um dia aperceber a unidade da razo pura integralmente (da razo terica e da razo prtica) e tudo derivar de um s princpio, o que a inevitvel necessidade da razo humana, a qual no encontra uma integral satisfao seno numa unidade perfeitamente sistemtica de seus conhecimentos.

Todo edifcio da moral kantiana funda-se assim na liberdade. Mas como admitir a sua possibilidade? Nossos atos psicolgicos do-se no tempo e tudo quanto se d no tempo determinado por uma causa anterior, o que exclui a liberdade. Mas liberdade no pura espontaneidade, como o julgara Leibnitz.

Kant procura resolver o problema de outro modo. A fatalidade reina no mundo dos fenmenos e rege nossos atos como fenmenos, pois eles se realizam no tempo. Mas a minha liberdade e a minha razo atuam fora do tempo, por isso no podem ser determinada por um fenmeno. Desse modo, supondo que conheamos todos os mveis que podem determinar um ato, poderamos calcular a conduta futura de um homem com certeza igual ao de um eclipse da lua ou do sol continuando a cham-lo livre. Esta doutrina , para Kant, a nica que pode salvar a liberdade. Pois, se a minha liberdade estivesse no tempo e se os fenmenos acontecem no tempo fossem alguma coisa de real, todos esses fenmenos e entre eles a minha liberdade seriam determinadas pela vontade de Deus. Neste caso Deus e a liberdade seriam incompatveis, quando, ao contrrio, a liberdade e a lei moral supem Deus. A demonstrao de tais afirmativas ele a far na Dialtica da Razo Prtica.

Dialtica da Razo Prtica

Tem a razo prtica um ideal, o soberano bem, cuja objetividade pode ser demonstrada ou no. Contudo, antes de empreender a demonstrao, cabe saber que se entende por soberano bem. A resposta de Kant que o acordo perfeito da virtude e da felicidade. No se deve praticar o bem moral em vista da felicidade, porque ento o motivo destruiria todo mrito da vontade. O que justo e portanto bom que a felicidade decorre do estado moral da vontade.

Se a virtude e a felicidade fossem idnticas a afirmao de sua unio decorreria de um juzo analtico. Assim, erradamente, faziam-no os esticos e os epicreos, que punham a virtude apenas na busca da felicidade.

Ao contrrio eles se limitam mutamente e se combatem no mesmo sujeito. Como uma no efeito da outra, s podemos afirm-la por um juzo sinttico.

A dificuldade de alcanar esse juzo decorre da antinomia em que nos encontramos; ou a felicidade (o desejo da felicidade) causa da minha virtude, e ento no ela virtude, porque interessada, ou a virtude que causa da felicidade. E tal no pode ser porque minha felicidade depende das leis da natureza e no das minhas intenes. De qualquer forma, em ambos casos, a unio da virtude e da felicidade impossvel de ser demonstrada.

Mas essa antinomia apenas aparente. O desejo de felicidade no de modo algum causa da virtude. Quanto Segunda ela s falsa no mundo dos fenmenos. Na verdade, pelo efeito das leis fsicas do universo, nem sempre a felicidade decorre da virtude, mas, por meio de um autor inteligvel do mundo que pode ser estabelecida e mantida essa unio.

A prtica da virtude causa o sentimento de satisfao., Mas essa satisfao puramente intelectual e no sensvel. Na verdade no realiza a felicidade perfeita, porque o homem virtuoso um campo de luta de contrrios que o impelem a praticar atos opostos aos da virtude que ele precisa combater. Neste caso, a virtude por si s, no podendo realizar a felicidade, no realiza o soberano Bem. Para que tal suceda, mister um poder superior. E este poder Deus. Deus, por isso, existe. Provou-se acaso que existe o soberano Bem? Se no existe, se forma apenas um ideal, neste caso Deus pode ser posto em dvida j que se torna apenas necessrio para realizar esse soberano Be,

Mas Kant retruca que esse argumento no procede, porque no se pode por em dvida o Soberano Bem, e consequentemente aquele que causa dele, sem que se duvide simultaneamente da lei moral. Pois o Soberano Bem faz parte da lei moral, pois somos obrigados a realiz-lo, no certamente ao buscar a felicidade, mas aos nos esforarmos em nos tornarmos dignos ao dominar nossos mpetos que se opem lei moral. Colocar meus mpetos dentro da linha de contuda moral e da minha razo o fim ao qual tendo. E como poderia tender a tal sem a esperana de consegui-lo? E como Ter essa esperana, sem admitir uma outra vida. A lei moral no pode orientar-se para uma quimera. Portanto, a lei moral implica a imortalidade da alma, implica Deus, sem o qual no poderia realizar por mim mesmo o Soberano Bem que me ordenado querer realizar.

Essa prova da existncia de Deus, realiza simultaneamente a prova da sua perfeio. Se apenas me fundasse nas obras da natureza, chegaria apenas a concluir que Deus bom e poderoso, no porm que ele a infinita perfeio. Mas considerando que ele realiza o soberano Bem, encontro na anlise desse conceito a perfeio absoluta. E concluo mais ainda: concluo a sua Personalidade, porque a pessoa consiste na vontade e o soberano Bem a lei e a vontade. Deduzo a oniscincia porque reparte em proporo exata a virtude nos coraes humanos; deduzo a eternidade, porque Justia deve existir sempre. Conclui Kant que por tais raciocnios conclui no apenas que Deus existe, mas tambm que capaz de realizar um conceito perfeitamente determinado desse ser perfeito.

O que fora problemtico na Crtica da Razo Pura passa a ser demonstrado agora na Crtica da Razo Prtica: a existncia de Deus e a imortalidade da alma. S os atributos morais de Deus podemos demonstrar. Os outros atributos metafsicos se nos escapam. No a cincia, mas a f que nos demonstra a em suam a existncia de Deus.

Metodologia da Razo Prtica

Basta apenas a viso da virtude pura para impulsionar o corao humano, conclui Kant.

Pedagogicamente, aconselha que o melhor meio de ensinar essas lies s crianas consiste em faze-las apreciar os fatos da histria e aconselh-las a julgar os atos humanos segundo o valor dos motivos que tinham, se interesseiros ou de fins elevados.

mister despertar na criana o respeito pela lei e o amor lei, bem como a admirao pela lei moral, despertando nos jovens um intenso amor. Duas coisas enchem a alma de uma admirao e de um respeito sempre renascentes e que crescem medida que o pensamento a eles retorne constantemente e a eles se aplica com cuidado: O cu estrelado acima de ns e a lei moral dentro de ns.Se na Crtica da Razo Pura conclui Kant que impossvel ao homem provar um juzo sinttico a priori, na Crtica da Razo Prtica conclui como legtima a proposio: o homem obrigado a obedecer a lei da razo.Estamos aqui em face de um juzo sinttico a priori.

A idia do Bem leva idia do Belo e consequentemente idia de destinao e de finalidade, que esto compreendidas naquelas. E este o objeto da sua famosa Crtica do Juzo, que passaremos a expor.

Crtica Final

Depois da crtica que fez da razo pura e da impossibilidade de demonstrar ela os juzos sintticos a priori que anuncia, as concluses a que chega Kant em sua Crtica da Razo Prtica deixam perplexos o seu leitor e sobretudo aquele que estuda a sua obra.

Afirma a existncia do Bem e a de uma lei moral. Como conseqncia conclui a existncia de um legislador aplicando, assim, simplesmente o princpio de causalidade, que antes negara seu valor. A afirmao da existncia da vontade de um ser perfeito a afirmao, alm da causalidade, da substncia. Afirma a existncia de seres fora do mundo sensvel, mas de seres absolutos, cuja absolutuidade antes negara. Se o princpio de causalidade no fundado por que no existir uma lei sem legislador, uma perfeio absoluta sem o ser perfeito? Admitir a necessidade da causa pela postulao do efeito admitir o princpio de causalidade. Em suma, Kant termina por afirmar o valor da metafsica que ele havia anulado.

Do cepticismo da :Crtica da Razo Pura cai no dogmatismo da Crtica da Razo Prtica.

Conclui Kant que o Bem reside na conformidade de uma vontade a uma lei que ordena. Mas esse Bem o do homem, no o que se poderia atribuir a Deus, que no pode ser obrigado por uma lei.

Anlise da Crtica do Juzo

Do mundo da natureza nada conhecemos seno as representaes eu construmos e que regida por leis imprescritveis e fatais. Nada sabemos sobre a sua essncia, sobre a sua origem e, pelo pensamento, desconhecemos seu autor, pois no samos da cadeia dos fenmenos.

Mas diferente o que se d com o mundo da liberdade, que nos revelado pela lei moral. E como esta nos dado pela nossa mente, no samos tambm dela, j que suas leis so as prprias leis da nossa razo. E por elas alcanamos a Deus, sem o qual a moral no teria sentido e seria uma impossibilidade.

O mundo dos fenmenos o objeto da razo especulativa. E esta perde seu valor ao querer afirmar a realidade do mesmo. J o mundo da liberdade o mundo da razo prtica cuja realidade revelada pelo mandamento indubitvel da lei moral. Este o resultado que chega em sua Crtica da Razo Prtica.

Mas que prope realizar Kant em sua Crtica do Juzo?

H em ns um juzo reflexivo sobre o Belo e sobre o conceito de finalidade.

Essa faculdade intermediria entre a razo especulativa e a razo prtica. nas coisas que compem o objeto da razo especulativa, as coisas do mundo, que encontramos o Belo que tem uma analogia com o Bem, participando, assim, do mundo inteligvel. A prpria idia de finalidade uma forma da noo de Ordem. O mundo sensvel nos revela uma convenincia e uma harmonia (Bem).

Essas trs faculdades so faculdades de conhecer a priori, pois as outras no pertencem ao estudo das Crticas.

A razo pura tem a faculdade de conhecer os princpios puros, os princpios a priori que entram como formas do conhecimento sensvel. O conhecimento dos objetos sensveis pertence psicologia. Tambm a faculdade de querer no a razo prtica. Esta propriamente a faculdade que concebe princpios a priori imprescindveis para servirem de regra faculdade de querer.

Tambm o juzo no a faculdade de perceber o belo, porque a percepo pertence faculdade de sentir, mas a faculdade de conceber princpios a priori que constituem princpios racionais na percepo do Belo, no exerccio dessa faculdade de sentir. No se deve confundir este com a mera sensibilidade, o prazer que essa nos possa dar, mas o prazer intelectual, racional, que decorre da harmonia que capta o nosso esprito nos objetos supra-sensveis, que o sentimento do Belo. Tem por si mesmo o juzo princpios a priori? So tais princpios constitutivos ou simplesmente reguladores? D ele a priori uma regra ao sentimento do prazer ou do desprazer, como um meio termo entre a faculdade de conhecer e a faculdade de querer (da mesma forma que o entendimento prescreve a priori leis primeira, e a razo segunda)? Eis do que se ocupa a Crtica do Juzo, escreve Kant no prefcio desta obra.

Distingue Kant o juzo determinante de o juzo de reflexo. Ao entendimento pertencem os juzos determinantes, que consistem na aplicao das categorias aos objetos, porque s por meio dessas determinaes pode o nosso esprito formar uma idia de um objeto. Exemplifica com o juzo um fenmeno tem uma causa que um determinante, pois sem a categoria de causa a um fenmeno no posso formar dele nenhuma idia. Conhecido um objeto por meio de um juzo determinante, a reflexo nos faz descobrir entre a natureza de um objeto e a do nosso esprito uma misteriosa harmonia, cuja afirmao um juzo que nada acrescenta nem retira da natureza do objeto. Tal juzo de reflexo no um juzo determinante, pois a idia que formvamos das propriedades e da essncia do objeto permanece a mesma que antes da reflexo. Essa reflexo afirma apenas o prazer que nos causa a harmonia percebida ou pressentida entre as leis do nosso pensamento e as leis da natureza.

Tanto o juzo determinante como o juzo de reflexo nos fazem conceber o particular como contido no geral, com a diferena, porm, que atravs de o determinante o geral, a lei, o princpio, a regra, nos dado antes que o esprito capta o particular que pertence a essa regra. Deste modo, o princpio de causalidade nos dado antes do fenmeno ao captar a intuio do fenmeno a esse princpio que chegamos a formular o juzo determinante: Todo fenmeno tem uma causa. J o mesmo no se verifica com o juzo de reflexo, pois este me d o particular de antemo e, depois, pela reflexo, relacionamos esse fato particular a uma lei geral. Percebemos primeiramente o fenmeno e depois procuramos qual a sua colocao na ordem do mundo. Enquanto os juzos determinantes precedem aos fenmenos, os de reflexo (embora tambm a priori) sucedem experincia e a completam conexionando pelo pensamento as intuies a uma idia diretriz, a uma razo de ser. Assim formula Kant essa idia diretriz do juzo de reflexo: Considerar a natureza segundo uma unidade tal como a estabeleceria um entendimento, se a natureza fosse realmente o efeito de uma causa inteligente. a idia de finalidade um princpio regulador de juzo e isso se d em virtude de nosso esprito que procura a unidade na variedade. Esse conceito transcendental de uma finalidade da natureza no nem um conceito da natureza nem um conceito de liberdade; pois no atribui nada ao objeto ( natureza); nada mais faz que representar a nica maneira que devemos proceder em nossa reflexo sobre os objetos da natureza, para chegar a uma experincia perfeitamente ligada em todas as suas partes. A reflexo tem como finalidade resolver esse grande problema que est a priori em nosso entendimento: com as percepes dadas por uma natureza que contm uma variedade infinita de lei empricas fazer um sistema coerente.

Sem esta unidade que supomos na natureza, o raciocnio por analogia seria impossvel. Ora, a analogia o fundamento de todas as classificaes que estabelecemos para conexionar entre si as leis da natureza ou se suas diferentes partes, que se tornaria a cincia, se o juzo de reflexo no desse uma regra e uma direo s pesquisas do fsico e do naturalista?

Atribui assim Kant ao juzo de finalidade a mesma funo que atribua s idias transcendentais na Crtica da Razo Pura.

So de duas espcie os juzos de finalidade, que so os juzos de finalidade propriamente ditos ou teleolgicos e os juzos estticos.

Quando um objeto nos agrada sem preocupao de sua destinao, a harmonia que nos arrebata, que nos agrada, no a harmonia das partes desse objeto entre elas, mas a harmonia que existe entre a forma e a natureza de nossas faculdades, h, ento, um sentimento do Belo, um juzo esttico. Se se der o contrrio, o juzo ser teleolgico.

Com esses dois juzos intelectualizamos a natureza, pois tanto o Belo como a Ordem so noes a priori, noes racionais. Por meditarmos sobre a Ordem na natureza, acostumamo-nos a amar a Ordem absoluta, que se torna uma lei de todas as foras de nossa alma quando nos aparece como regra no s de nossos juzos mas de nossas vontades.

Estuda Kant esses dois juzos na Crtica do Juzo em duas partes que ele subdivide, cada, em trs: a Analtica, a Dialtica e a Metodologia.

Analtica do Belo

Para decidir se uma coisa bela ou no, no relacionamos sua representao ao seu objeto e em vista de um conhecimento, mas ao sujeito e ao sentimento de prazer ou de desagrado, por meio da imaginao... O juzo de gosto no pois um juzo de conhecimento; nem tampouco por conseqncia lgico, mas esttico. , pois, um juzo sensvel, por pertencer sensibilidade ou dele depender. pois um juzo esttico um juzo puramente subjetivo, no fundando-se nas representaes dos objetos, mas em sua relao ao sentimento de prazer ou de desagrado, relao que designa nada do objeto, mas simplesmente o estado no qual se encontra o sujeito afetado pela representao.

Pelo entendimento representamos um objeto, mas o juzo de gosto diz apenas a maneira como as minhas faculdades so afetadas por ele e nada sobre a sua natureza.

No estuda Kant na Analtica quais as caractersticas do Belo no objeto, mas quais os caracteres do prazer que o Belo produz. Sempre interessa a Kant em suas Crticas o exame das condies subjetivas do nosso conhecimento. Na Crtica do Juzo prossegue na mesma orientao, interessando-se pelas relaes do Belo e do Bem, a harmonia dos princpios do juzo com os princpios da lei moral. A objetividade que dar a eles vir a seu tempo.

Subdivide-se a Analtica em Analtica do Belo e Analtica do Sublime.

H uma analogia entre ambos, mas o Belo relaciona-se mais sensibilidade, enquanto o Sublime mais razo.

O prazer, que produz o Belo, alm de racional, sensvel, e distingue-se todos os outros gozos por quatro caracteres principais que lhe emprestam um papel superiormente elevado em relao a todos os outros fenmenos da sensibilidade. um sentimento de natureza superior e que s pode existir num ser racional e moral.

1)O primeiro carter do Belo produzir uma satisfao pura (isenta) de todo interesse.Podemos achar belo um edifcio sem o menor desejo de possui-lo. Nem o interesse dos sentidos, nem o interesse moral entram como elementos do juzo de gosto, porque no julgarei do belo de uma coisa por ter sido ela construda por um homem indigno ou nobre. !Um juzo sobre a beleza no qual se mistura o mais leve interesse parcial e no um puro juzo de gosto.

O belo no o agradvel. Um objeto agradvel deseja possui-lo, dele gozar, enquanto um objeto belo deseja apenas contempl-lo. O agradvel objeto de desejo, enquanto o Belo apenas objeto de uma aprovao e o nico desejo que nos anima aprov-lo. No tambm o til, o Belo. O til desejado em funo de um fim, enquanto o belo o ama em si mesmo, sem preocupao em saber para o que serve.

Nem tampouco o Belo idntico ao Bem, porque nos interessa, e muito, tudo o que moralmente bom. Seria reduzir o Bem identific-lo com o Belo, seria como identificar a elegncia dos costumes com a virtude, a polidez com a benevolncia.

2)O carter do desinteresse e de impessoalidade d aos juzos de gosto o direito ao assentimento universal.So os nossos prazeres e os nossos interesses que so variveis. O Belo sentimento do Belo, embora universal, no est ligado a nenhum dos conceitos do entendimento. Ao julgar belo um objeto nada afirmo em relao quantidade, realidade, negao, causalidade, necessidade ou contingncia.

Pergunta Kant como um juzo sem conceito poderia ser universal. Simplesmente porque as leis subjetivas do pensamento so as mesmas em todos os homens. O que difere so os fenmenos subjetivos da sensibilidade. Dependendo o juzo do Belo das leis do nosso pensamento, Kant explica do seguinte modo: ao percepo de um objeto belo pe em funcionamento ao mesmo tempo a nossa imaginao e o nosso entendimento. A primeira rene os elementos da intuio, enquanto a Segunda d a unidade a essa intuio composta de partes diversas. E como o entendimento, para conceber essa unidade, no est sujeito a nenhum conceito determinado, sente-se livre, joga livremente com a imaginao, que a mais livre das nossas faculdades, parecendo-lhe seguir sem constrangimentos a sua direo agradvel e fcil ao mesmo tempo que razovel. A conscincia desse jogo produz um sentimento de prazer que o juzo do Belo. esse estado de esprito um fenmeno subjetivo sem dvida, mas pode-se afirmar que deve poder ser universalmente partilhado, graas s leis universais do esprito entre as quais esto as que regulam a imaginao e o entendimento. Da surge a segunda definio do Belo: O Belo o que agrada universalmente sem conceito.

3)No tem o juzo de gosto um fim determinado que se refira a um sujeito pensante, nenhuma finalidade subjetiva.Ademais no implica o conhecimento da destinao do objeto belo, ou seja a finalidade objetiva.

Mas o Belo implica uma finalidade, mas indeterminado, distinta da finalidade objetiva e da finalidade subjetiva determinada. O Belo, em suma, encerra a forma da finalidade mas sem a matria.

Para Kant a forma a disposio geral do esprito a perceber as coisas e a matria o objeto particular percebido.

Ao perceber o Belo no percebemos uma relao particular, determinado, que possa Ter o objeto com a nossa utilidade. Nessa relao consiste a finalidade subjetiva determinada. Nem percebemos tampouco a aptido das partes do objeto a uma certa destinao, que constituiria a finalidade objetiva. Contudo, percebemos uma certa harmonia. Mas de que essa harmonia no sabemos, ou como diz Kant o artista ignora. Mas o filsofo responde: uma harmonia entre as tendncias gerais da imaginao e as tendncias do entendimento, ou seja uma harmonia entre as formas de nossas diversas faculdades intelectuais. H um no sei que que capta o nosso entendimento que est em relao com sua prpria natureza na representao captada pela imaginao. Essa adequao uma finalidade, mas formal e no material. Porque ela invarivel segundo a natureza particular dos objetos belos. A terceira definio a seguinte: o belo a forma da finalidade de um objeto enquanto ela nele percebida sem representao de fim.

O objeto belo aquele que parece Ter sido feito no com o fim de ser til a tal ou qual fim nem corresponder a um certo tipo original de perfeio intrnseca, mas com o intuito de nos agradar sem que nos seja fcil compreender a razo desse prazer. Ao ver um edifcio um poder dizer que viu o edifcio, mas o arquiteto poder admirar a solidez da construo, o primeiro ouviu do ponto de vista da finalidade subjetiva, o segundo da finalidade objetiva. Outros podero v-lo sobre o aspecto da sua beleza, e em todos pode haver um juzo do belo, mas o artista captar a significao das suas linhas, da sua simblica e s ele experimentar o sentimento do belo.

4)A universalidade dos juzos de gosto supe a sua necessidade. Essa necessidade s pode decorrer do sentido do belo que comum a todos os homens inerente a forma do nosso esprito, da construir ele a quarta definio: o belo o que reconhecido sem conceito, como o objeto de uma satisfao necessria.

As quatro definies que Kant nos deu corresponde as quatro categorias pois a ausncia de interesse uma qualidade, a universalidade se relaciona a quantidade, a finalidade a relao e a necessidade a modalidade.

Reconhece Kant que h diversidade de gostos, mas esta decorre de procurarem uns nos objetos a beleza aderente e outros a beleza livre.

Uma casa mal construda pode agradar aos olhos e ser por isso elogiada embora possa ser despreciada por no convir a habitao.

As quatro definies do belo podem ser resumidas numa: o belo o que oferece necessariamente em todos os homens uma satisfao fundada unicamente sobre o livre jogo da imaginao e do entendimento. Kant nos explica em que consiste este livre jogo entre a imaginao e o entendimento. A imaginao de que ele fala no a reprodutora, que uma faculdade ligada as leis gerais da memria e da associao das idias cujas operaes no tem nenhuma liberdade. A imaginao de que ele fala a produtora, criadora que causa livre das formas arbitrrias de intuies possveis. A harmonia livre dessas duas faculdades supe o capricho sem desordem e a ordem sem simetria matemtica. A simetria de uma planta tem uma razo de utilidade, no uma razo de gosto e a beleza que dela resulta apenas uma beleza aderente e no uma beleza livre, a natureza realiza a beleza livre sem admitir a desordem nem a simetria, o canto dos pssaros que no podemos relacionar a nenhuma regra musical nos agrada por sua liberdade. Sem a liberdade que a nossa imaginao encontra, na mobilidade e diversidade das coisas, desapareceriam o sentimento do belo, mas sem a harmonia, a liberdade de imaginao produziria apenas monstros. Portanto a produo do problema do belo est no acordo do entendimento com a imaginao. S nessa acordncia, h harmonia com liberdade.

Analtica do sublime

Assim como o belo, o sublime objeto de um juzo de reflexo. Tambm este juzo a priori e no supe conceito, contudo no se deve confundir com o sentimento do belo com o do sublime apesar das analogias que apresentam.

Enquanto o espetculo do belo nos faz perceber uma linha de harmonia entre o entendimento e a imaginao, do sublime nasce do desacordo dessas faculdades e da violncia sofrida pela nossa imaginao pelo vago tanger do infinito. O oceano, a tempestade, fazem nascer em ns o sentimento do sublime porque nos faz em pensar no infinito. As coisas que nos apontam o infinito so sublimes. Enquanto o belo reside numa forma, o sublime procurado nos objetos cuja forma nos escapa e cujos limites no podem ser atingidos pela nossa imaginao. A satisfao do belo contm o sentimento duma excitao direta das foras vitais, e por essa razo no incompatvel com os encantos que atraem a sensibilidade. Enquanto que a satisfao produzida no sentimento do sublime um prazer que no se produz seno indiretamente, quer dizer que excitado apenas pelo sentimento de uma suspenso momentnea das foras vitais e da efuso que dela decorrem... tambm o sentimento do sublime incompatvel com toda espcie de encanto e como o esprito dele no se sente apenas atrado pelo objeto, mas tambm repelido, esta satisfao menos um prazer positivo do que um sentimento de admirao e de respeito.

No sublime h uma violncia feita a imaginao e ao entendimento. Este a faculdade do finito, e h nele uma harmonia entre a razo, que a faculdade do infinito, e os objetos que incitam a imaginao a ultrapassar os limites do seu prprio imprio ou seja o mundo dos fenmenos. Da haver no sentimento do sublime simultaneamente um prazer e uma mgoa. A mgoa nasce da desproporo sentida pela imaginao entre a grandeza esttica e a grandeza racional. O prazer surge da acordncia entre dois juzos e do mesmo esprito em que um afirma a minha impotncia de pela imaginao sair do mundo sensvel e o outro me afirma a existncia de um mundo supra sensvel que embora inimaginvel contudo concebido.

A conscincia de minha impotncia em imaginar a conscincia de conceber alguma realidade alm do que eu imagino. Porque sofro ao ver as coisas do mundo sensvel seno por ter conscincia de que no posso delas me libertar.

Deste modo o sublime me revela a realidade do infinito ao mesmo tempo o sofrimento que experimento por no poder penetrar nele por meio das minhas faculdades. Pode o sublime ser produzido pelo espetculo de uma grandeza inimaginvel e temos o sublime matemtico ou pelo poder que parece querer esmigalhar-me e eis o sublime dinmico. Chamamos sublime as coisas que ultrapassam a nossa intuio e nos faz pensar no mundo supra-sensvel o sublime o que no pode ser concebido sem revelar uma qualidade de esprito que ultrapassa toda a medida dos sentidos.

A natureza s julgada sublime no quando ela terrvel, mas quando ela leva a fora que somos a considerar esta potncia da natureza como no tendo nenhum imprio sobre nossa personalidade desde que se trata de nossos princpios supremos.

Pode-se aplicar ao Sublime a terceira definio do Belo. As outras convm tambm ao Sublime, mas em sentido diferente. Como o sentimento do Belo, o do Sublime desinteressado, universal, embora sem conceito, necessrio. Mas enquanto o Belo ao mesmo tempo independente de todo interesse sensvel e todo interesse moral, o Sublime no estranho ao interesse moral, enquanto totalmente estranho ao interesse sensvel, pois lhe contrrio e o violenta.

Enquanto o Belo ao mesmo tempo independente de todo conceito do entendimento e de toda idia da razo, o Sublime apenas independente dos conceitos, no, porm, das idias, pois ele faz nascer a idia do supra-sensvel.

Se o sentimento do Belo comum a todos os indivduos, o do Sublime apenas capaz de se tornar tal, pois mais prprio dos que tem um sentimento moral mais desenvolvido. O homem vulgar v nos espetculos sublimes apenas o perigo, sente a violncia e no a superioridade da natureza sobre a razo. Contudo, a educao no nos far capazes de sentir o sublime se no tivermos aptido para ele. H, portanto, um sentido comum do Sublime e, portanto, os juzos do sublime podem pretender o assentimento de todos os homens, como os juzos do Belo.

Pretende a escola sensualista que tais sentimento so apenas fenmenos fisiolgicos, em que o sentimento do Belo produz um relaxamento das fibras do corpo enquanto o Sublime uma tenso dos nervos. Se fossem tais sentimentos empricos, afirma Kant, como poderiam os homens se entenderem quando falam do Belo e do Sublime, quando a variana seria imensa. A acordncia entre a imaginao e entendimento submetida s mesmas leis em todos os homens.

Teoria das Belas-Artes

A arte, segundo Kant, tem a finalidade de realizar o Belo e no propriamente o Sublime. Contudo na Analtica do Sublime onde Kant vai estudar as Belas-Artes.

Inicia por fazer uma distino entre as artes liberais e as artes mecnicas. Estas tem um fim til ou agradvel, enquanto aquelas tendem para a produo do Belo. A arte tem seu fim em si mesmo

A escola sensualista do sc. XVIII reduzia a arte a uma imitao da natureza. Kant no segue essa orientao. Para ele a arte uma criao do gnio e no uma imitao. mister que a obra de arte no traia a forma da escola e no a lembre, de qualquer maneira que a regra esteja sob os olhos do artista e que ela encante as faculdades do seu esprito.

Os objetos sublimes so aqueles nos quais no podemos alcanar a forma, porque nos ultrapassam. Mas a forma a essncia da obra de arte.

Que o gnio para Kant? No basta Ter gosto e imaginao para Ter gnio; mister Ter alma, sentir um impulso do esprito para o infinito. Essa tendncia do esprito , para ele, nada mais que a faculdade de exibio de idias estticas. Entende por idias estticas as representaes da imaginao que fazem pensar muito, sem que nenhuma palavra possa perfeitamente expressar o sobre o qual se pensa. Pode-se empregar o termo idia para tais representaes porque elas tendem a nos fazer ultrapassar o mundo sensvel e chama-se estticos porque o artista no capaz de express-las seno empregando uma forma acessvel aos sentidos. Assim o artista representa os seres que no pertencem ao mundo sensvel, com elementos destes, dando-lhe atributos e perfeies que no possui o mundo real, modo a nos fazer pensar pela viso do sensvel as coisas supra-sensveis. Os raios que os poetas pem nas mos da Divindade, nos faz pensar na potncia infinita que no poderia nenhuma imagem representar. Por meio de uma forma nos faz sentir o que no tem forma. E a grandeza genial do artista est precisamente em saber usar meios capazes de nos provocar a intuio do que ultrapassa os nossos sentidos.

Contudo as artes, embora tenham em comum o que devem expressar pela forma, diferem pela diversidade das formas que empregam para expresso da idia. Uns expressam pela palavra, outros pelas atitudes, outros sons. Temos, assim, trs espcies de arte: a arte falante, a arte figurativa e a arte do jogo das sensaes.

A arte falante a mais nobre, na qual se realiza o melhor acordo entre o entendimento e a imaginao, cujo acordo consiste na eloquncia que d severa razo uma forma que encanta a imaginao, e na poesia que d aos jogos da imaginao uma forma regular capaz de satisfazer a razo. A arte do jogo das sensaes como a msica, ao contrrio, a ltima, porque se nos comove mais que a arte figurativa e mais que a arte falante dirige-se contudo mais sensibilidade e a inteligncia. Entre elas est a arte figurativa (as artes figurativas). H ainda as artes agradveis, meros jogos do esprito, que Kant coloca em ltima lugar, embora sem desprez-las, pois a arte de fazer rir pode revelar um verdadeiro talento cmico. E prefere esta dos sonhadores que quebram a cabea, a dos gnios que quebram o pescoo e dos romancistas sentimentais que partem o corao.

Dialtica do Juzo Esttico

Para Kant, Dialtica a discusso de uma idia considerada como absoluta. O Belo absoluto r revela-o a sua universalidade. Neste caso, h lugar para uma dialtica do Juzo Esttico.

Sendo o absoluto um ser transcendental h razes iguais tanto para afirmar como para negar a sua existncia, ou seja cabe-lhe uma antinomia.

E esta que apresenta o Juzo esttico:

Tese: O juzo de gosto no se funda sobre conceitos.

Anttese: I juzo de gosto universal, no precisando, pois, fundar-se em conceitos.

Contudo possvel a soluo dessa antinomia. O juzo de gosto no se funda em conceitos, ou seja em categorias, mas se funda sobre um conceito indeterminado e esse conceitos o seguinte: o do substratum supra sensvel dos fenmenos.

O objeto que nos capaz de fazer sentir, ou dar surgimento ao vago sentimento do supra-sensvel chamado belo. Termina a dialtica pelo nome das relaes entre o belo e o bem.

O sentimento do belo nos faz conceber vagamente o supra-sensvel atravs das representaes materiais adivinhamos, reconhecemos o que permanece alm da nossa sensibilidade. As formas que nos fazem pensar os objetos invisveis so belas. Alcanar o supra-sensvel por intermdio do sensvel a funo do belo que nos permite gozar das coisas do mundo inteligvel.

O belo para Kant portanto o smbolo do bem. Que entende Kant por smbolo? Ns no possumos intuio do supra-sensvel, dos nmeros. Mas h um meio de nosso entendimento e nossa imaginao entrar embora vagamente em comunicao com o mundo superior. Esse caminho o smbolo que uma representao sensvel que embora no habituada a uma idia da razo nos faz pensar nessa idia graas a analogia que existe entre as reflexes provocadas por esta representao e aquelas que podemos fazer sobre a idia. Podemos desconhecer as leis do esprito que nos leva a buscar em toda parte a analogia entre o mundo sensvel e o supra-sensvel. No entanto os ltimos raios do sol poente nos faz pensar na calma que experimenta o homem virtuoso no momento da morte. Kant cita esta passagem de um poeta: a luz do sol jorrava como jorra a calma no seio da virtude, graas a essas analogias podemos captar as idias da razo por meio do smbolo. O smbolo corresponde a razo, mais ou menos como o esquema corresponde ao entendimento. H uma espcie de conhecimento intuitivo do mundo inteligvel. Conhecemos Deus no em si mesmo, mas por meio do smbolo, por analogia, que nosso pensamento capta entre seu ser inteligvel e objetos da nossa intuio sensvel.

Deste modo se v que o belo o smbolo do bem, pois a viso do belo nos pensar no bem. As analogias que h entre ambos so as seguintes: como o bem o belo agrada por si mesmo, e agrada imediatamente, independentemente de todo interesse. E por ser o belo smbolo do bem que pode ele pretender o assentimento universal. E a est o segredo do seu carter absoluto, ao sentido comum do gosto que existe em todos os homens, pois em todos os seres dotados de razo esta se compra nas analogias que a elevam acima dos sentidos o inteligvel que o gosto tem em vista... para ele que conspiram nossas faculdades superiores de conhecer. Deste modo o belo um smbolo da razo e est submetido as leis desta. O gosto autnomo seria heternimo se a sua regra fosse extrada da experincia eis porque a verdadeira propedutica do gosto o desenvolvimento das idias morais e a cultura do sentimento moral; pois somente sob a condio que a sensibilidade esteja adequada ao sentimento que o verdadeiro gosto pode receber uma forma determinada e imutvel.

Analtica do juzo teleolgico

Na crtica do juzo esttico Kant analisou o belo que reside na forma da finalidade. Na crtica do juzo eleolgico prope-se a estudar a finalidade quanto a sua matria, ou seja, a harmonia existente entre as partes componentes de uma coisa. Assim como o entendimento concebe a natureza como produto de uma causalidade mecnica, a razo prtica concebe-a como de uma causalidade livre de uma vontade. O juzo que empreste a causalidade mecnica do universo enfim livremente escolhido, participa tanto do entendimento como da razo. Deste modo a finalidade um conceito leve entre o de natureza e o de liberdade. H finalidade quando h apropriao intencional e que esta seja a contingente, no explicada portanto nem pela necessidade matemtica, nem pela necessidade mecnica. Uma mquina nos revela a intencionalidade na disposio de suas peas. fcil reconhecer a finalidade nas obras de arte, no porm nos produtos da natureza. Impe-se um critrio que nos permita distinguir a causalidade intencional da causalidade mecnica, e este critrio a reciprocidade da causa e do efeito. Numa rvore esta reciprocidade evidente porque ela causa e efeito de si mesma, pois cada uma das partes conserva e conservada pelas outras.

Essa finalidade prpria dos seres organizados. Contudo observa Kant que na matria inorgnica h certas disposies que indicam um fim proposto pela natureza, mas este fim um meio em vista de um fim superior, a vida doa seres organizados. o que se chama finalidade exterior. H ainda nos organismos uma finalidade interna que consiste na que tem cada uma das suas partes dirigidas para as outras partes. Um ser organizado pois muito mais do que uma simples mquina; ele dotado, alm da fora motriz de uma virtude formatriz. Conclui Kant que a crena na finalidade da natureza viva necessria universal consequentemente subjetiva. Se a finalidade estivesse na natureza, o esprito no a descobriria a priori e ele s a capta a posteriori nos objetos. Este argumento de Kant realmente surpreendente, inconcebvel, porque no explica a razo pela qual a ordem no pode ser realizada fora do nosso esprito.

Se a ordem uma exigncia do nosso esprito, como compreender que somos capazes de perceber a desordem nas coisas, neste caso teramos a ordem em tudo. verdade que Kant recusa a objetividade, a idia das causas finais apenas provisoriamente, pois considera esta idia de utilidade moral, sem a qual no poderamos suportar as coisas desagradveis e ela que nos ajuda a visualizar o lado bom das coisas, o que vamos examinar na metodologia.

Dialtica do juzo teteolgico

H aqui tambm uma antinomia.

Tese Toda a produo de coisas materiais e de suas formas deve ser julgada possvel pelas leis mecnicas. Este princpio o que fundamenta a fsica em todas as cincias da natureza.

Anttese Algumas produes da natureza (seres organizados) no podem ser julgados possveis apenas pelas leis de mecnica. Foi o que se verificou na analtica.

Kant resolve a antinomia da seguinte maneira: nem a tese nem a anttese so princpios subjetivos, mas simples mximas subjetivas, princpios reguladores.

A tese uma lei do entendimento, uma lei do juzo determinante, anttese uma lei do juzo de reflexo. Quanto a realidade das coisas amas podem ser falsas, tomadas em sua forma absoluta, exclusiva. possvel que mecanismo e finalidade se reconciliem e que seja um s e mesmo princpio real, tenham uma mesma causa, embora paream distintos aos nossos olhos. possvel que a necessidade fsica e a causalidade inteligente sejam em si mesmas idnticas. Por acaso no se nos escapa a realidade das coisas? Ademais supor assim nos evitaria as graves dificuldades a que nos leva a hiptese contrria os sistemas filosficos tem tido dificuldade na explicao da natureza, porque tem considerado o mecanismo e a finalidade objetivamente distinto, Epicuro por considerar apenas a causalidade mecnica e excluir a ausncia de finalidade caiu na concepo do acaso, que no um princpio mecnico. Spinoza impressionado com a unidade e a harmonia reinante na natureza sups a unidade da substncia em todos os seres, explicao absolutamente insuficiente porque a unidade ontolgica, a unidade da substncia no a mesma coisa seno a unidade de plano, de convenincia, que nosso esprito encontra na natureza. Outros tm apelado para o hilozoismo, para uma natureza viva e so refutados pela inrcia da matria. Finalmente h uma quarta maneira de conceber o mundo que admite que a unidade e a harmonia do mesmo devido a uma inteligncia distinta dela, um Criador que deu uma direo a certas foras mecnicas e calculou com toda preciso prpria de uma sabedoria infinita os efeitos e as combinaes as resultantes dessas foras. Eis uma hiptese sublime que no apresenta as contradies dos outros sistemas, mas uma concepo transcendental, que s se justificaria se fosse demonstrado que o mecanismo insuficiente para a explicao da formao do mundo. absolutamente certo que no podemos aprender a conhecer nada de maneira suficiente e com maior razo nos explicar os seres organizados... por princpios puramente mecnicos da natureza; absurdo para os homens, tentar qualquer coisa de semelhante e esperar que um dia algum novo Newton venha explicar a produo de um fio de erva pelas leis naturais as quais nenhum designo presidiu. Quem sabe se talvez uma inteligncia mais perfeita do que a nossa venha conceber esta explicao mecnica que hoje nos parece impossvel, que possa mostrar que o mecanismo e a finalidade se confundem numa mesma explicao.

A distino do mecanismo e da finalidade supe o contingente e o necessrio, mostra Kant e consequentemente tambm o possvel e o real. Ora, o possvel e o real so conceitos da modalidade, formas, portanto, do nosso esprito e uma mente que captasse por intuio o mecanismo e a finalidade no faria distino a esses dois pontos de vista subjetivos do entendimento humano. E qual, pois, o fundamento dessa distino ante ns, quando no h na realidade fora de ns?

A essncia de tais fenmenos um nmero, que nos desconhecido, um substrato que ultrapassa os nossos meios cognoscitivos. Essa a razo da harmonia das leis da natureza, harmonia que chamamos finalidade, que no ser nada mais que o efeito de uma causa eficiente. Se conhecssemos tais leis, compreenderamos que essa ordem inerente ao mundo.

Termina Kant por afirmar: "o princpio comum de onde derivam de um lado o princpio mecnico e de outro o princpio teleolgico sendo supra-sensvel, nos impossvel Ter dele o menor conceito determinado e afirmativo.

Metodologia do Juzo teleolgico

permitido ao arquelogo da natureza servir-se dos vestgios ainda subsistentes de suas mais antigas produes, para procurar, em todo o mecanismo que conhece e que suspeita, o princpio dessa grande famlia de criaturas... ele pode fazer sair do seio da terra, que por sua vez sada do caos (como um grande animal), criaturas nas quais o so encontradas um pouco de finalidade, mas que produzem outras por sua vez, melhor apropriadas em lugar de seu nascimento e de suas relaes recprocas, at o momento em que essa matriz se envelhece, se ossifica, e limita seus partos a espcies que no devem mais degenerar, e onde subsiste a variedade daquelas que ela produziu, como se essa potncia formadora e fecunda fosse enfim satisfeita. Mas mister sempre, em definitiva, atribuir a essa me universal uma organizao que tenha por fim todas essas criaturas.

H realmente na natureza o sinal de uma finalidade, como se v na transmisso dos caracteres benficos ao interesse da espcie que so transmitidos de pais e filhos, e no, propriamente, aqueles secundrios que variam segundo os indivduos. Que lei rege essa seleo realizada pela natureza? Um mero acidente impossvel. A univorsidade revela uma lei e essa no pode ser uma mera lei mecnica. Poder-se-ia alegar com os exemplos de monstruosidade, excees que surgem na hereditariedade, mas esta sempre se manifesta em aspectos secundrios e a sua excepcionalidade no desvia a presena de uma lei. cincia cabe estudar tais fatos e explic-los e as doutrinas diversas que tem surgido para explic-los no tm sido satisfatrias. Kant as examina, pelo menos aquelas que conhecia. Examina com cuidado a doutrina da epignese que recusa aceitar que os seres vivos encerram desde o princpio seus semelhantes no estado de germes j formados. Esta doutrina supe apenas que a matria orgnica tem uma tendncia a formar seres vivos. Desse modo, Deus teria criado apenas o primeiro indivduo e a faculdade de perpetuar a sua espcie, cabendo s foras da natureza realizar o resto. Por admitir este sistema as causas segundas, abre ele um vasto campo s pesquisas dos que deseja conhecer as leis da natureza e por isso preferida por Kant. Contudo resta demonstrar ou pelo menos explicar esse maravilhoso poder que tem a natureza de se reproduzir. Se cabe matria um poder de certo modo criador, se ela um artista. Exige este um princpio inteligente. De qualquer modo mister recorrer a Deus, pois como explicar uma inteligncia numa fora cega como a da natureza? Construir uma mquina capaz de criar outras inteligentemente, revela um poder superior do criador da mquina. Kant cita um trecho de Blumenbach, que reproduzimos, em favor da doutrina da epignese: Se a matria bruta se tivesse formado a si mesmo originariamente segundo leis mecnicas, se a vida tivesse podido sair da natureza morta, e a matria tivesse podido tomar espontaneamente a forma de uma finalidade que se conserva a sai mesma, o que Blumbach considera um juzo absurdo. No se pode explicar essa ao da natureza sem as causas finais.

Desse modo a natureza revela que um sistema de fins, porque no podemos explic-la seno pela ao de uma causa inteligente. Se as partes que compem os seres vivos, organizados, tem por fim o conjunto, a vida desse ser tem por fim a utilidade de um ser superior. Para que os vegetais? Para servir de alimento aos animais. E para que os animais? Para servir ao homem. E o homem por sua vez? Tem naturalmente um fim mais elevado. a lei moral, que a lei suprema do homem. para cumprir a lei moral que todo o universo foi realizado. Tudo, em suma, foi feito para o homem. Contudo nem todas as coisas foram feitas para o bem do homem, pois h muitas que lhe so prejudiciais. Os obstculos servem para experimentar a nossa coragem e do nossa liberdade ocasio de se elevar na luta.

Se pois as coisas deste mundo, enquanto seres condicionais, exigem uma causa suprema agindo segundo fins, o homem a meta final da criao: seno a cadeia dos fins, subordinados uns aos outros, no teria princpio; e somente no homem considerado como sujeito da moralidade, que se encontra essa legislao incondicional, relativamente aos fins, que o tornam o nico capaz de ser meta final qual toda a natureza deve ser teleologicamente subordinada.

Uma inteligncia presidiu a ordem fsica e a prova teleolgica vem corroborar aprova fsio-teleolgica exposta em Crtica da :Razo Pura.

A ordem moral supe um autor que possui em si a plenitude do Be,. Um Deus perfeito, e a perfeio supe a unidade, j que a potncia pode ser repartida no, porm, a perfeio. Esse Deus Todo-Poderoso para poder proporcionar uma vida futura na qual a felicidade seja dada a quem o merece. Tem de ser um ante eterno e imenso e sobretudo um Deus bom, mas tambm terrvel. o Deus do cristianismo que alm de tudo amor e ao qual se erguem os altares.

Os seres honestos devem merecer ser felizes, a natureza, que no se interessa por essa considerao, os expe, como os outros animais da terra, a todos os males, at que um vasto tmulo os arrebata e os repila, eles que podiam crer que a meta final da criao, no abismo da matria cega de onde eram sados. Assim esse homem de bem deveria abandonar, como absolutamente impossvel, essa meta que tinha e que devia ter em vista do cumprimento de leis morais; ou... precisaria que no fim prtico, quer dizer para se fazer um conceito ao mesmos da possibilidade da meta final que lhe prescrito, reconhece a existncia de uma causa moral do mundo, quer dizer Deus.

Conclui que nosso conhecimento sobre Deus reduz-se ao que nos foi mostrado na Crtica da Razo Prtica, ou seja s sabemos sobre Deus os atributos morais que tem e no os atributos metafsicos, como seja o da sua existncia fora do espao, a sua inteligncia intuitiva, que nada mais so que hipteses cuja realidade no podemos afirmar.

E esses atributos morais o so apenas em analogia aos nossos atributos. A f convm melhor aqui que o conhecimento. Se nos magoa no poder nossa razo penetrar mais longe, lembremo-nos que a sabedoria impenetrvel pela qual existimos no menos digna de venerao pelo que ela nos recusou do que pelo que ela nos deu em partilha.

O homem, pela razo especulativa, conhece os fenmenos e as idias absolutas incondicionais so os princpios reguladores da experincia. Pela razo prtica o homem conhece a Ordem como independente dos fenmenos. Finalmente, pelo raciocnio de reflexo capta a ordem nos fenmenos, nos objetos materiais. Essa faculdade intermdia entre o mundo dos sentidos e o mundo da razo apresenta dois graus: um prximo ao mundo sensvel e outro prximo ao mundo racional. Quando a ordem se manifesta nas coisas sensveis mais sensvel que inteligvel, e temos ento o juzo esttico; quando se a]manifesta numa inteno num desgnio, mais inteligvel que sensvel e temos o juzo teleolgico. Pelo juzo esttico captamos a harmonia entre nossas faculdades e o que realiza essa harmonia o Belo. Pelo juzo teleolgico percebemos a harmonia que h entre as partes do objeto e entre este e o fim a que se destina.

A beleza, portanto, no reside no objeto, mas no nosso esprito. O objeto apenas uma causa ocasional que provoca a acordncia entre nossa imaginao e o nosso entendimento. Para tal mister que haja no objeto a variedade que agrade a imaginao e a unidade que agrada ao entendimento.

O juzo do Belo , pois, subjetivo. O Belo o smbolo do Bem, um smbolo que nos faz pensar por analogia a alguma idia. Por sua vez o juzo do Belo tem suas analogias com o juzo moral. desinteressado, porque o bem vem da satisfao das nossas faculdades intelectuais e no da satisfao dos nossos sentidos. O Belo revela a harmonia pois realiza a harmonia em nossas faculdades e essa harmonia nos lembra a que deve haver entre nossa vontade e a lei moral. A lei moral pois a razo de ser do juzo esttico. Deve haver uma inteno na natureza para produzir o Belo, pois se o bem moral o fim de toda coisa e se a natureza nada faz seno para nos preparar a conceb-lo, no teria ela posto nas coisas o que constitui o smbolo do Bem.

Reconhece Kant no Belo um carter simblico do Bem. Reconhece assim na natureza uma finalidade que ele anteriormente combatido. Nesse caso o Bem no mais subjetivo, mas objetivo e que as coisas tm a aptido de produzir em ns o sentimento esttico.

Desse modo a arte tem como finalidade exibir as idias estticas, ou seja produzir representaes que nos apontem as coisas inteligveis. Por isso a grandeza da arte e o seu fim moral.

E Sublime o que nos faz antever o infinito, tornando-o de certo modo inteligvel.

Kant afasta-se aqui do cepticismo que o dominou. Se o homem nada sabe de Deus pela razo especulativa, sabe pela razo Prtica que ele bom, perfeito, eternamente perfeito. Mas esse conhecimento no cincia, mas f. Uma f prtica.

Kant mantm contudo sua posio quanto Metafsica; esta no apta a dar ao homem o conhecimento a que ele aspira: conhecer Deus.

Quanto validez dessa posio, j a refutamos em nossa crtica sua Crtica da Razo Pura, para onde remetemos o leitor.

Crtica da Crtica do Juzo

S h cincia onde os juzos se tornam universalmente vlidos e onde os postulados so demonstrados apoditicamente. Onde reina a opinio, onde as asseres so vrias e o postular desordenado, a confuso nas idias e nos propsitos a mais vria e a cincia, propriamente dita, se ausenta totalmente. O observarmos o espetculo das idias modernas, o ambiente vrio, tumulturio e disperso das teses estticas, a varincia nas opinies nos demonstram, de modo claro e definitivo, que se palmilha um terreno de confuso e de desordem cientficas.

Mas esse espetculo ainda no o que nos escandaliza. O que realmente provoca escndalo a submisso da inteligncia humana sofisticamente servir de instrumento para defesa das idias mais arbitrrias, mais infundadas e prestar-se aos mais entusisticos discursos em defesa das idias mais abstrusas e mais inconseqentes. E alcana tal ponto a desordem e at certo ponto a prostituio da inteligncia que muitos preferem em vez de argumentao slida na exposio de suas doutrinas, imp-las pela fora e pela violncia no trepidando at chegar liquidao pura e simples de seus adversrios, buscando uma unanimidade falsa e imposta, como se v no terreno das relaes sociais, no campo da poltica que alcana essa monstruosidade que a negao da prpria inteligncia que o totalitarismo seja de que cor ou matiz que se apresente.

Pretendeu Kant com a sua Crtica do Juzo oferecer uma soluo, embora no definitiva, mas pelo menos altamente elogivel, dentro de uma ordem de idias e de argumentos, fundada nas suas doutrinas, que servissem de ponto de partida para a especulao esttica e evitasse o que no pode evitar, a desordem das opinies e o ridculo espetculo das mais desencontradas doutrinas estticas que brilham intermitentemente, como fogos ftuos, por entre os cadveres de tantas doutrinas, que jazem no campo de batalha das maiores excrescncias que a inteligncia humana j foi capaz de criar.

Kant considerou entendimento a capacidade de conceber categorias e de formar juzos determinantes ao aplic-las experincia. Chamou de razo a faculdade de pensar o Ideal, o Infinito, noo cuja objetividade s pode ser demonstrada pela lei moral. O juzo de reflexo o meio para alcanar duas noes, o do Belo e a de finalidade, noes aplicveis experincia, que, contudo, pode realizar-se em elas, porque as precede. Elas s surgem no objeto concebido pelo entendimento.

H fundamento em considerar o entendimento como distinto da razo, e se h que espcie de distino se pode atribuir-lhes? Ora, o entendimento implica sempre a razo nas suas operaes. Portanto...

O tema do Belo, com exceo de Plato e Santo Agostinho, ficara entregue s especulaes empricas por parte dos filsofos. Kant realmente abre um novo caminho para a Esttica. No se preocupa com os fenmenos psicolgicos que o Belo provoca, mas busca o seu contedo. Mas, na verdade, impossvel um estudo devido do Belo sem considerar os efeitos psicolgicos que uma obra bela provoca em seu espectador.

Kant nega o belo-em-si para afirmar apenas o belo que s existe para o esprito humano como um smbolo do Bem. o que se depreende de suas definies que nada nos dizem do Belo mas apenas do Belo em ns. A distino que faz entre o Belo e o Sublime realmente extraordinria, pois ningum, at ento, realizara uma exposio to profunda e segura de tal tema.

O Sublime existe apenas em ns. Mas o argumento de Kant de que s existe em ns porque o Sublime o Infinito e este no existe na natureza. Realmente a natureza no pode ser infinita, mas ela tem uma analogia com a infinitude.

Que h algo do belo nos objetos evidente porque h objetos que tm o poder de despertar em muitos as emoes que a beleza provoca.

O Belo o esplendor do Bem. E dizia Plato que pudssemos perceber o Bem com os olhos ele nos excitaria os mais maravilhosos amores que pode viver um ser racional. Se h um ser capaz de contemplar o Bem esse ser contemplar tambm o Belo em toda a sua pujana.

Os argumentos de Kant em favor da finalidade podem ser contestados, como o tem sido. Mas a contestao feita no os destruiu. Tudo na natureza aponta uma finalidade. Deve-se, contudo, compreender que o conceito de finalidade em Kant um tanto especioso e melhor diramos um tanto vulgar. Kant desconhecia os melhores trabalhos sobre o princpio de finalidade que j haviam realizado os escolsticos, de modo que se prendia a certas maneiras muito comuns de considerar a finalidade. Ora, o conceito de finalidade, de fim intrnseco ao conceito de ato, de agir e de ao. O nada no pode ser meta de uma atuao, porque um agir que tendesse para o nada nada realizaria. H sempre um terminus adquem para onde tende o agir e esse termo um fim prximo ou remoto da ao. Toda ao realiza-se em algo, ou melhor todo agir tende para algo. Esse algo sempre proporcionado ao agente e j traz em si formalmente algo da natureza do agente, pelo menos analogamente. O agir tende in(intende) para algo que o seu fim prximo ou remoto. Negar a finalidade negar a prpria operao do agente. A Filosofia Concreta coloca a finalidade sob bases ontolgicas e seguras. No difcil, depois, distinguir as diversas maneiras de ser da finalidade.

Palavras finais

inegvel a influncia que exerceu a filosofia de Kant na filosofia posterior alem e tambm em todo o desenvolvimento da filosofia europia at nossos dias. Basta que rememoremos os nomes de Fichte, Schelling, Jacobi, Hegel, Schopenhauer, para citar apenas os mais famosos, para que a nossa assero seja perfeitamente justificada.

Com exceo apenas de Schopenhauer, que levou o cepticismo kantiano s suas ltimas conseqncias, alcanando o niilismo, todos os outros recuaram e dispuseram-se a criticar a obra do pensador de Koenigsberg com um vigor e uma pujana inegveis. verdade que muitos dos argumentos contra o kantismo, que no s foram formulados pelos autores acima citados, mas tambm por outros de todos os quadrantes da filosofia, h, contudo, alguns que por seu carter especfico, pois so correspondentes s diversas posies tomadas pelos filsofos acima, ns no compendiamos na parte crtica que fizemos obra kantiana. precisamente sobre esses argumentos que desejam os agora tratar, na medida em que so teis para melhor desenvolvimento de nossas idias e na proporo que oferecem elementos para um exame mais em profundidade da doutrina crtica.

Uma das primeiras perguntas que podem desde logo surgir como possvel explicar que filsofos que tiveram seus pontos de partida nas mesmas premissas de Kant chegaram a concluses completamente inversas. No h a nenhuma contradio, pois de premissas verdadeiras pode-se tirar concluses falsas, como se v na Lgica. Mas o que na verdade h que as premissas de Kant no eram verdadeiras, mas sim falsas. O sistema kantiano destri a si mesmo se levado com rigor lgico a anlise das premissas e das concluses. A sua obra est eivada de incoerncias, de contradies e deficincias de tal monta que arruinam totalmente suas pretenses. No se pode, contudo, negar que o poder de sugesto que oferece a mentes desprevenidas enorme e o que nos explica porque encontrou tantos seguidores e pode exercer to grande influncia sobretudo numa poca de transies como a nossa, em face das promessas de destruio dos valores filosficos do passado que a sua obra prometia.

Alm dos argumentos que oferecemos que renem o que mais seguro se tem apresentado em oposio ao pensamento kantiano, mister no esquecer os outros que Herbart, Jacobi e Hegel ofereceram, que passaremos, por sua vez, a compendiar. Uma tese cara a Kant a de que todo o nosso conhecimento subjetivo. Ora essa afirmativa levou pergunta se no havia elementos fundamentais objetivos em favor do conhecimento. Se o homem no conhece nada mais que suas idias como pode Ter ele qualquer conhecimento de um mundo transcendental, como pode ele investigar algo sobre esse mundo, que pode ser um puro nada. Por outro lado como seria possvel assegurar a existncia do mundo exterior se toda nossa experincia se fundamenta apenas em formas subjetivas e todo fundamento do conhecimento que parte da experincia meramente subjetivo?

Kant fez esforos considerveis para escapar do solipsismo de Berkeley, mas na verdade no conseguiu, seno atravs das afirmaes da Crtica da Razo Prtica que podem muito bem valer por uma concesso em face do pensamento dominante que no se atreveu a combater definitivamente, como a censura seu mais perfeito continuador que Schopenhauer. Fichte, por exemplo, em face dos argumentos kantianos e sentindo-se impotente para desfaze-los, prefere aceitar fideistamente a existncia do no-eu, elementos apenas de f.

Schelling para salvar a realidade do mundo exterior identifica a natureza com o nosso esprito. Deste modo natureza e esprito so apenas duas manifestaes de uma mesma substncia, o Absoluto.

Sigamos, contudo, uma ordem. Logo que Kant exps suas doutrinas teve diversos discpulos que adotaram as suas idias sem reservas, como Reinhold, Mellin, Beck, enquanto outra parte de seus discpulos ops-lhe tenaz resistncia e os quais concluram que o pensamento kantiano levado s ltimas conseqncias teria de desembocar no ceticismo e da no niilismo, o que alis se deu com Schopenhauer. Entre os discpulos que se opuseram s suas idias, podemos salientar Schulze e Maimon. O primeiro em seu Aenisedemus afirma que Kant no pode acreditar na existncia do mundo exterior, pois se s conhecemos os fenmenos e os nmenos nos so desconhecidos, sob que fundamento podemos afirmar que existam? Podem perfeitamente no existir e reduzir-se toda realidade apenas aos fenmenos. Maimon vai mais longe. Chega a negar at as leis do sujeito pensante. Recusa a Kant o direito de afirmar que o tempo e o espao sejam formas de nossa sensibilidade e que os conceitos a priori tenham legitimidade em sua aplicao experincia. Esses discpulos levaram o pensamento de Kant at s suas ltimas conseqncias e mostraram que um pensamento coerente, fundado nas premissas do mestre de Koenigsberg no poderia chegar a outras conseqncias que as que eles apontavam. Jacobi ps-se, contudo, a combater os fundamentos do pensamento kantiano. No s se ps a combater o idealismo transcendental de Kant, como o idealismo cptico de Hume e o idealismo pantesta de Schelling.

A realidade em que se funda Jacobi a conseqncia psicolgica. A conscincia moral que Kant nada mais que a conscincia psicolgica. Essas faculdades so idnticas. Kant se separou por uma abstrao. Ns temos em ns um sentido ntimo do Verdadeiro, um sentimento invencvel e indiscutvel, to sagrado como o sentido do Bem. Acusa Kant de ter desconhecido as leis do esprito humano. desconhecer a natureza do esprito afirmar o sujeito pensante e pr em dvida a realidade da verdade pensada, afirmar a sensao e duvidar da realidade do objeto sentido. num mesmo fato de conscincia que captamos o sujeito que sente e o objeto sentido, o sujeito que pensa e o objeto pensado. Separar o sujeito do objeto um abstracionismo inaceitvel. Afirma Jacobi, atacando assim a tese fundamental do pensamento de Kant, que o conhecimento do objeto precede a idia. Os objetos so distintos e anteriores idia que deles formamos. A atividade e a causalidade so fatos de conscincia e no abstraes. Na causalidade no h uma relao de sucesso, mas de simultaneidade. Sem a idia e causa toda experincia impossvel, afirma Jacobi. As coisas s nos so conhecidas pela resistncia que elas nos oferecem, pelo jecto que se coloca ob, a ns, o que nos revela a dupla causalidade, a das coisas e a nossa.

As objees de Jacobi a Kant podem ser resumidas da seguinte forma, como o foram por Desdouits:

1) Kant procurou as leis do esprito nas suas idias e no nos juzos, esquecendo que o juzo ou a afirmao precede a idia ou concepo abstrata da coisa. Da sobrevem a sua pergunta se temos o direito de afirmar a realidade, a objetividade de nossas idias; no viu que esse direito provem de que antes de formar por abstrao a idia do objeto, ns o percebemos e o conhecemos de antemo o objeto como real.

2) Kant no vai at negar a f natural, pois afirma a existncia do mundo; mas uma inconseqncia, pois declara ao mesmo tempo que nossas percepes no atingem a realidade.

3) Kant no viu no ser, a causa, a sucesso, a extenso seno como categorias abstratas do entendimento ou formas da sensibilidade. No notou que antes de reduzir essas noes ao estado de abstraes, eu comecei por perceber em mim uma causa real, uma sucesso real e, n resistncia do objeto a mim, uma extenso real.

4) A razo no uma faculdade destinada a conceber um ideal imaginativo; ele tem um objeto real, a saber Deus, que eu percebo num fato de conscincia, no fato da minha contingncia e da dependncia em que estou de Deus.

Os argumentos de Jacobi so realmente concludentes. Pode-se, contudo, objetar-se que a sua identificao de razo e conscincia contestvel.

Mas o que vale no pensamento de Jacobi sobretudo que a minha contingncia supe analiticamente a necessidade de um Ser Supremo. Podemos no perceber Deus, nem poderia ele ser objeto de percepo, mas a dependncia que dele estamos que justifica a nossa existncia. o mesmo argumento de Jacobi quanto ao espao, pois se no percebemos o espao, percebemos ao menos que os corpos esto no espao.

Imensamente importante , porm, a crtica de Hegel ao pensamento kantiano. O ponto de partida a objetividade da razo, que Hegel procura demonstrar. Um dos pontos fundamentais da filosofia crtica que antes de se elevar ao conhecimento de Deus e da essncia das coisas, preciso investigar se nossa faculdade de conhecer pode nos conduzir a ele... Este ponto de vista pareceu pleno de justificao, e excitou a admirao... e afastou o esprito do objeto do conhecimento, para encerr-lo no estudo de si mesmo e dos elementos formais do pensamento. Ora, toda pesquisa relativa ao conhecimento no pode ser feita seno conhecendo; levar suas pesquisas sobre esse pretenso instrumento do conhecimento, conhecer. Ora, querer conhecer antes de conhecer to absurdo como a sbia precauo desse aluno que queria aprender a nadar antes de arriscar n(gua.

Como saber o alcance de nosso conhecimento seno pela anlise do mesmo conhecimento por meio do prprio conhecimento. O argumento de Hegel o mesmo que o de Jacobi, mas vai alm.

Que so idias puramente subjetivas? Hegel inicia por negar, porque uma idia subjetiva uma idia que no conforme com a verdade. Mas a verdade s o pelo pensamento que a concebe, por conseguinte toda idia conforme com a verdade, pois a idia que faz a verdade. Pode haver, contudo, erros, mas os elementos componentes do erro so verdadeiros, como a montanha de ouro, pode no ser verdadeiro, mas montanha e ouro o so. Contudo no assim que procede Hegel, porque afirma ele que na essncia das coisas reside a contradio, da defender ele as antinomias de Kant que so verdadeiras para Hegel. Como no nos interessa seno a doutrina kantiana, deixamos de discutir esta posio de Hegel.

Nosso conhecimento, segundo Kant, limitado s coisas finitas. Mas, responde Hegel, conhecer um limite no Ter alguma noo do que lhe fica alm? No se sente uma falta, um limite seno quando se vai alm desse limite; o conhecimento no limitado e imperfeito seno se compara com a cincia universal e perfeita. Designar um objeto como finito e limitado fornecer a prova da presena real do infinito e do ilimitado, pois no se pode assinalar um limite seno quando trazemos na conscincia o ilimitado.

Herbart nos mostra que o erro principal de Kant consistiu em iniciar suas pesquisas pela crtica de nossas faculdades. Uma tal crtica impossvel, pois nossas faculdades no podem julgar sobre si mesmas.

Schopenhauer, verdadeiro discpulo de Kant, leva sua doutrina s ltimas conseqncias. O mundo apenas representao e vontade. Mas vontade no seno uma fora fatal da natureza que ela, no homem, identifica com o instinto, com o princpio vital dos animais e plantas. Proclama o atesmo e nega as teses da Crtica da Razo Prtica para blasfemar contra Deus e afirmar que tudo mal, a vida um mal e tudo o que a perpetua e a favorece um mal. O bem s poderia ser o total aniquilamento.

Do cepticismo metafsico cai no cepticismo moral. Era a conseqncia final do pensamento de Kant. Quem pode negar a influncia do pensamento em todas as concepes modernas do materialismo, do pragmatismo, do positivismo, do cepticismo, do niilismo, do desesperismo moderno?

O mundo j est saciado de descrena. Mas no pode, verdade, voltar pureza da crena antiga, ingnua, mas profunda. A certeza no nos ser mais devolvida seno sob a forma de uma demonstrao rigorosa. f tem de corresponder agora a cincia. No h em nossa afirmao menoscabo f, mas apenas a captao de uma evidncia. Para que os homens retornem certeza mister que provas robustas e universalmente vlidas sejam apresentadas. No roteiro das idias filosficas chegamos agora ao ponto decisivo. Todas as possibilidades especulativas j foram experimentadas. No nos resta mais investigar o meio do caminho j percorrido. Queremos agora um porto seguro. E este s nos pode ser dado atravs de um filosofar sobre bases apodticas, sobre argumentos universalmente vlidos. E esse filosofar o que realizamos com a filosofia concreta. Dia ainda vir em que se h de compreender que era a nica sada que nos restava, e tambm a nica possibilidade que oferecia condies fundamentalmente seguras.

A diviso entre fenmenos percebidos pelos sentidos, e noumenos, concebidos pela razo torna-se o ponto de partida da sua filosofia da Crtica da Razo Pura. Os fenmenos no nos permitem conhecer a essncia das coisas. A sensao a matria da percepo e a forma a relao sob a qual consideramos, com o intuito de coordenar, as percepes de nossos sentidos. Essa forma apenas na realidade, o esboo (esquema), a determinao da figura e das qualidades do objeto; ela apenas uma lei inerente natureza do nosso esprito, segundo a qual coordenamos as impresses fornecidas pela sensibilidade. So o tempo e o espao essa forma, a relao que concebemos entre os objetos para coorden-los. O esprito no pode conceber os fenmenos seno sucessivos e justapostos uns aos outros. A sucessividade e a simultaneidade dos fenmenos geram os conceitos de tempo e espao que s tm uma existncia ideal e no real-real. So intuies puras, so condies a priori, porque puro sinnimo de priori, ou seja anteriores a toda experincia, a toda intuio sensvel. So verdadeiros, porm, mas de uma verdade relativa, condies simples de conhecimento sensvel. Para admitir a verdade da intuio sensvel imprescindvel aceitar o tempo e o espao, condies de todos os fenmenos.

Mas a percepo s nos faz conhecer as coisas segundo elas nos aparecem e no como elas o so. A natureza tem uma realidade inacessvel aos nossos meios de conhecer e diferente dos fenmenos, do que se manifesta aos nossos sentidos. Desse modo julgava ele evitar o idealismo de que seria fatalmente acusado. Kant negava o que sentamos para afirmar a realidade do que no sentamos. A sua doutrina era, assim, paradoxal para muitos.

Mas Kant procura uma soluo e para alcan-la havia que estabelecer um mtodo. E esse mtodo o crtico, a anlise das intuies puras, das idias a priori. Essa cincia analtica quer ele construi-la com a sua Crtica da Razo Pura. No podia, contudo, Kant evitar o cepticismo, embora no desejasse cair em suas malhas, quando partia da tomada de posio que consistia em pr em dvida a veracidade da razo. Sem dvida era patente a influncia de Hume, apesar de ter querido combat-lo. Kant caia vencido ante o seu antagonista e acontecia com ele o que freqente na histria do pensamento humano: o vencedor terminar por adquirir os hbitos do vencido e continuar at a obra do que julgava Ter destrudo. Na verdade, Kant sofria do preconceito dominante em sua poca: o horror metafsica. Sua Crtica da Razo Prtica, como veremos, era o fundamento possvel de uma demonstrao da existncia de Deus, no qual se examinar a prova ontolgica (por ns examinada em O Homem perante o Infinito renovava-o pelo conceito do possvel, pois se no existir um ser necessrio nada teria sido possvel, o que para ele, ento, era uma prova concludente.

Do que existe se conclui que h uma causa suficiente para produzir o mundo, do contrrio, como poderia este ter surgido? E como a srie dos possveis nos revela graus de perfeio, a primeira causa teria de ser fatalmente a mais perfeita de todas, ou seja infinitamente perfeita. O exame dessa prova por ns feita oportunamente.

Mas essa confiana de Kant no durou muito, pois em 1766 publicou Sonhos de um visionrio explicados pelos sonhos da metafsica, em cuja obra renuncia elevar-se acima do mundo material e proclama que a razo est fadada a permanecer num mundo quimrico e imaginrio. Alm da nossa experincia sensvel est um mundo para o qual no estamos suficientemente preparados com meios de conhecimento. Mas, em Kant, o metafsico no cansa de impulsion-lo e ele mesmo confessa: A metafsica da qual meu destino me fez amoroso... oferece suas duas vantagens. A primeira consiste em responder s questes que prope o esprito humano quando busca por meio da razo as qualidades ocultas das coisas; infelizmente, o resultado engana muitas vezes o esprito. A segunda vantagem da metafsica consiste em nos mostrar se a questo de que se trata dirige-se ao que se pode saber, e qual sua relao com a experincia sobre a qual devem se apoiar nossos juzos. Neste sentido, a metafsica a cincia dos limites da razo humana, e como um pequeno pas tem sempre suas fronteiras, e que prefervel conhecer a garantir suas posses do que aventurar-se a fazer conquistas incertas, esta vantagem a mais precisa e a que aprendemos estimar mais tarde (da obra citada, 2a. parte, cap. II).

Estas palavras no so de um desesperado, mas de quem ainda admite a possibilidade de conseguir alguma coisa.

O cepticismo de Kant vai ter sua expresso acabada em Crtica da Razo Pura. Contudo, j em De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis, tese realizada em 1770, era cptico quanto ao conhecimento do mundo sensvel e o tempo e o espao j surgiam como simples formas da sensibilidade, o, na obra anterior, eram apresentados como reais, com existncia absoluta.

Na Crtica da Razo Pura o espao no mais um ser necessrios para que se dem os fenmenos, mas uma idia necessria, indispensvel, sem a qual impossvel pensar os representativos desse perodo procuraram pr no ridculo as verdades at ento aceitas, no eximindo dessa atividade Descartes e Leibnitz. Em todas as pocas h sempre filsofos que lutam contra as verdades aceitas apresentando objees que muitas vezes so renovadas embora algumas se revistam de aparente novidade. Os sofistas sempre existiram e possvel que sempre existiro e no de admirar que nalguns momentos a vitria se coloque do lado do erro bem como a verdade no possua defensores a altura do seu valor.

Na poca de Kant o filsofo que gozava de grande celebridade era Wolf, usava este de linguagem escolstica para expressar uma metafsica sombria e confusa. Kant, que fora seu discpulo julgava que a escolstica exposta por Wolf fosse realmente o pensamento mais fiel do processo filosfico medieval.

Neste perodo os materialistas estavam em ascenso enquanto o espiritualismo representado por filsofos menores no encontrava homens a altura