24
1 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE GOIANIRA- GOIÁS. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seu Promotor de Justiça, vem, perante Vossa Excelência e com fundamento nos artigos 127, 129, II e III, da CF, artigo 25, IV, "a", da Lei n. 8.625/93, artigo 46, VI, da Lei Complementar Estadual n. 25/1998 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás) e na Lei Federal nº 7.347/85, bem como nos demais preceitos legais aplicáveis à espécie, propor a presente. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com pedido de tutela específica antecipada de OBRIGAÇÃO DE FAZER contra o ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público interno, presentado pelo governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, com sede no Palácio Pedro Ludovico, situado na Rua 82, nº 400, Setor Central, Goiânia- Goiás - 74015- 908, e representado juridicamente pelo Procurador Geral do Estado, ALEXANDRE EDUARDO FELIPE TOCANTINS (Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, nº 03, Centro, Goiânia/GO); SECRETARIA DE ESTADO DE CIDADANIA E TRABALHO, na pessoa do Secretário FRANCISCO DE ASSIS PEIXOTO, situado na Avenida Universitária, nº 609, Sala 13, Setor Leste Universitário -Goiânia-GO; GRUPO EXECUTIVO DE APOIO A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – GECRIA, na Pessoa de seu Presidente CEL. ANDRÉ LUÍS GOMES SCHRODER, situado na Avenida Universitária, nº 609, Sala 13, Setor Leste Universitário -Goiânia-GO; AGÊNCIA GOIANA DE TRANSPORTES E OBRAS – AGETOP, na pessoa de seu Presidente JAYME EDUARDO RINCOM, situada no endereço – Avenida Governador José Ludovico de Almeida, nº 20 (BR 153, KM 3,5) Conjunto Caiçara, Goiânia-GO; SECRETARIA ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, representada por seu Secretário, Sr. JOAQUIM MESQUITA, situada no endereço – Avenida Anhanguera, nº 7364, Setor Aeroviário, Goiânia-GO; SECRETARIA ESTADUAL DE PLANEJAMENTO, representada na pessoa do Secretário LEONARDO MOURA VILELA, situada no

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

1

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA VARA

DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE GOIANIRA- GOIÁS.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seu

Promotor de Justiça, vem, perante Vossa Excelência e com fundamento nos artigos

127, 129, II e III, da CF, artigo 25, IV, "a", da Lei n. 8.625/93, artigo 46, VI, da Lei

Complementar Estadual n. 25/1998 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de

Goiás) e na Lei Federal nº 7.347/85, bem como nos demais preceitos legais

aplicáveis à espécie, propor a presente.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com pedido de tutela específica antecipada de

OBRIGAÇÃO DE FAZER

contra o ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público interno, presentado

pelo governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, com sede no Palácio

Pedro Ludovico, situado na Rua 82, nº 400, Setor Central, Goiânia- Goiás - 74015-

908, e representado juridicamente pelo Procurador Geral do Estado, ALEXANDRE

EDUARDO FELIPE TOCANTINS (Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, nº 03, Centro,

Goiânia/GO); SECRETARIA DE ESTADO DE CIDADANIA E TRABALHO, na pessoa

do Secretário FRANCISCO DE ASSIS PEIXOTO, situado na Avenida Universitária,

nº 609, Sala 13, Setor Leste Universitário -Goiânia-GO; GRUPO EXECUTIVO DE

APOIO A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – GECRIA, na Pessoa de seu Presidente

CEL. ANDRÉ LUÍS GOMES SCHRODER, situado na Avenida Universitária, nº 609,

Sala 13, Setor Leste Universitário -Goiânia-GO; AGÊNCIA GOIANA DE

TRANSPORTES E OBRAS – AGETOP, na pessoa de seu Presidente JAYME

EDUARDO RINCOM, situada no endereço – Avenida Governador José Ludovico de

Almeida, nº 20 (BR 153, KM 3,5) Conjunto Caiçara, Goiânia-GO; SECRETARIA

ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, representada por seu Secretário, Sr.

JOAQUIM MESQUITA, situada no endereço – Avenida Anhanguera, nº 7364, Setor

Aeroviário, Goiânia-GO; SECRETARIA ESTADUAL DE PLANEJAMENTO,

representada na pessoa do Secretário LEONARDO MOURA VILELA, situada no

Page 2: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

2

endereço – Rua 82, nº 400, Ed. Palácio Pedro Ludovico Teixeira, 7º andar, Setor

Central, Goiânia-GO; pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

I) DOS FATOS

É pública, notória a situação vivenciada pelo Ministério Público

e pelo Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Goianira, quando noticiadas

as apreensões de adolescentes infratores, se vêem em uma 'verdadeira via sacra'

para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

adolescentes em flagrante de atos infracionais, estes são encaminhados à DEPAI-

Goiânia, vez que, em Goianira não há celas adequadas e logística para tal.

Cumpre salientar que a DEPAI de Anápolis não está acolhendo

os adolescentes infratores em face à interdição da unidade por ausência de condições

físicas.

Não obstante, por diversas vezes, a autoridade da Polícia

Judiciária em Goiânia se recusou acolher em suas dependências, os referidos

adolescentes, virando um verdadeiro jogo de 'empurra'.

Cumpre salientar quando este Juízo da Infância e Juventude

tem solicitado vagas à GECRIA, l igada à Secretaria de Cidadania e Trabalho

do Estado de Goiás, esta, por única e exclusivamente abarotamento dos

Centros de Internação, têm negado vaga aos adolescentes que praticam

atos infracionais gravíssimos e comprovadamente periculosos.

Conforme respostas padronizadas do GECRIA ressalta as

ausências de vagas para os adolescentes infratores que não sejam da Comarca de

Goiânia em face à decisão judicial (exarada nos autos n 201303234208)

estabelecendo, inclusive limites a quantidades de adolescentes em cada Unidade.

Relata ainda, que as Comarcas de Anápolis e Itumbiara

também se recusam encaminhamento de adolescentes infratores que não sejam de

seus referidos municípios.

Page 3: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

3

Assim, as comarcas que possuem Centros Integrados e

Regionalizados de Internações de Adolescentes infratores estão negando receber

adolescentes de municípios menores.

Fato é que, comprovadamente alguns dos adolescentes desta

cidade, já possuem reiteradas práticas de atos infracionais, das quais, impostas as

medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, Liberdade

Assistida, inclusão em rede oficial de ensino e encaminhado ao CREAS para

acompanhamento psicológico e social, nenhum êxito obtivemos.

Tamanha é a incongruência, que os adolescentes infratores acreditam na certeza da impunidade e já conhecendo esta realidade, e propagam em alto e bom som, que ficarão 'apreendidos' apenas cinco dias.

E agora, com a certeza da impunidade, se postam como 'chefes do tráfico e de quadrilhas', sem que, nenhuma barreira normativa lhse sejam eficazes, a não ser, as suas internações.

É sabido que, a internação como a prisão é, para o Direito

Penal, a 'ultima ratio' e sendo ineficaz as medidas anteriormente impostas.

Entretanto, Excelência, ao menos no que se refere a vários

adolescentes desta cidade, o Estado está inerte, omisso e não cumpre sua

obrigação supra-apontada, na medida em que não disponibiliza vagas nos Centros de

Internação para que esses adolescentes possam iniciar o cumprimento de sua

medida socioeducativa.

Em que pese a questão discutida desde os primórdios dessa

celeuma, ante regionalização dos centros de internação, fato é que o Estado de

Goiás, por meio de TAC firmado com o Ministério Público (TAC PGJ n° 01/2012), em

agosto de 2012, se comprometeu à reforma e construção de novos Centros de

Internação e até o presente momento, não entregou nenhuma obra das acordadas

no referido Termo de Ajuste de Conduta.

Conforme Termo de Ajuste de Conduta nº 01/2012. Assim

vejamos:

“(…) celebram o presente TERMO DE COMPROMISSO DE

AJUSTAMENTO DE CONDUTA, que tem como objeto

Page 4: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

4

obrigação de fazer em que o ESTADO DE GOIÁS, se

compromete a:

A – Construir, implantar e manter unidades de

internação destinadas ao atendimento de adolescentes

autores de ato infracional em cumprimento de medida

socioeducativa de internação (provisória e definitiva),

nos Municípios de Goiânia, Anápolis, Caldas Novas, Rio

Verde, Porangatu, São Luís dos Montes Belos e Itaberaí,

observadas as exigências da lei nº 12.594/2012;

B – Reformar, adequar e manter as unidades de

internação dos municípios de Itumbiara, Luziânia e

Formosa;

C – Prover todos os cargos de servidores nas unidades

de internação;

D – Disponibilizar veículos em quantidade suficiente para

as unidades de internação;

E – Capacitar os servidores contratados item C e manter

permanente capacitação dos servidores que prestam

serviços junto às unidades de internação.”

A inércia do Estado não só no que relaciona ao cumprimento do

TAC para a reforma dos Centros de Internação já existentes, construção de novos,

mas também no que se refere à adoção de Políticas Públicas voltadas à Educação de

qualidade e profissionalização do jovem infrator, que lhe assegure vida digna e o seu

resgate do mundo atroz do crime.

Logo, o Estado de Goiás tem o dever de disponibilizar vagas

aos adolescentes infratores em locais especializados. No entanto, considerando o

contexto fático ora delineado, bem se vê que só o fará caso for judicialmente

obrigado a tanto.

Page 5: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

5

Dentre os adolescentes que tiveram NEGADOS OS

PEDIDOS DE VAGAS PARA INTERNAÇAO cita-se:

1- G.A.G. – ato infracional: art. 33, caput da Lei nº 11.343/2006 (Ofício Nº

261/2013) e resposta em Ofício nº 162/2013-GECRIA em 19 de julho de 2013- fls.

08;

2- G.S.B. - ato infracional: arts 157, § 2º, incisos I e II c/c art. 288 do

CPB (Ofício nº 457/2013 e resposta nº 792/2013- GECRIA - em 20 de dezembro de

2013 – fls. 09;

3- F.S- ato infracional: art. 121, § 2º, incisos III do CPB (Ofício nº

20/2014 e resposta Ofício 135/2014 -GECRIA em 29 de janeiro de 2014 – fls. 12;

4- pedido de reiteração de vaga – Ofício nº 20/2014 – resposta Ofício nº

135/2014 -GECRIA – em 29 de janeiro de 2014;

5 –J.J.B E J.C.M – ato infracional: art. 157, § 2º, inciso I e II do CPB (Ofício

nº 83/2014 e resposta Ofício nº 387/2014 -GECRIA em 18 de março de 2014) fls.

31;

6- reiteração do pedido de vagas Ofício nº 89/2014 em 19 de março de

2014) e negativa resposta Ofício nº 398/2014 em 20 de março de 2014;

Disponibilizada a vaga apenas para J.C.M. em 24 de março de 2014 fls. 46;

7- W.B.O.A. – Atos infracionais art. 157 § 2º, inciso I e II do CPB e art.

33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) – Ofício nº 146/2014 e resposta Ofício nº

548/2014 – GECRIA em 05 de maio de 2014;

8- R.W.L.O. – reiteração de atos atos infracionais e determinada a busca e

apreensão e em seguida, a internação – fls. 23;

9 – L.O.G.R.N.O. - reiteração de atos infracionais e não comparecimento na

Audiência de Justificação fls. 20-21;

10 – J.C.M. e J.J.B.–Atos infracionais – art. 157 § 2º, inciso I e II do CPB e

Page 6: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

6

art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) – Ofício n83/2014 – fls.24;

11 - Reiteração do pedido de vagas Ofício n089/2014 e NOVAMENTE HOUVE

NEGATIVA DE VAGAS (Ofício n 394/2014 GECRIA) pag 36;

12 - NEGATIVA DE VAGA P/ J.C.M. : ATOS INFRACIONAIS: Art. 157 § 2º,

inciso I e II do CPB e art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) – Ofício

n404/2014 GECRIA –fls.46;

13 – W.J.S. - ATOS INFRACIONAIS: Art. 157 § 2º, inciso I e II do CPB –

DECRETADA A BUSCA E APREENSAO EM FACE AOS DESCUMPRIMENTOS DAS

MEDIDAS DECRETADAS, E SOLICITADA A INTERNACAO (fls, 50);

14 – W.B.O.A. -ATOS INFRACIONAIS: Art. 157 § 2º, inciso I e II do CPB e

art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) Ofício n548/2014 –GECRIA – fls. 51;

15 – I.G.P.S. –ATO INFRACIONAL: art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) Ofício

n 872/2014 –GECRIA – fls. 52;

16 – R.S.R. - ATO INFRACIONAL: Art. 157 § 2º, inciso I e II do CPB – Oficio

n953/2014 –GECRIA fls. 55;

17 – C.A.S. e G.L.P.B. - ATO INFRACIONAL: art. 33 da Lei nº 11.343/2006

(Tráfico) Ofício n 990/2014 –GECRIA – fls. 57;

18 –REITERACAO DO PEDIDO DE C. A. S. E G.L.P.B. - ATO INFRACIONAL: art.

33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico) Ofício n 998/2014 –GECRIA – fls. 59;

19 – R.F.A. - ATO INFRACIONAL: art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico)– fls.

75;

20 –M.A.O.C. - ATO INFRACIONAL: art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico)– fls.

78;

21 –G.C.B.F. art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Tráfico)– fls. 79;

22 – REITERAÇÃO DO PEDIDO DE VAGA E NEGATIVA PELA GECRIA: C.A.S. e

Page 7: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

7

L.C.S. EM 20 DE OUTUBRO DE 2014.

É de bom alvitre frisar que um nítido exemplo da situação

vivenciada por este município é o caso do adolescente C.A.S., o qual foi apreendido

EM SETEMBRO DE 2014, neste município por tráfico de drogas, haja visto que,

fazia parte da quadrilha envolvendo a família POLICARPO (Conforme

Operação da Polícia Civi l de Goianira), em que os membros atuam

ativamente no TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇAO CRIMINOSA.

Após decretada a internação provisória, sendo

solicitada vaga de internação ao referido adolescente, houve recusa

por parte da GECRIA.

A liberação do mesmo aumentou ainda mais o clamor popular,

porquanto, duas semanas depois, a Polícia Civil de Goianira conseguiu

desbaratar o 'laboratório' de cocaína/crack e maconha, cujo “chefe” é o

mesmo adolescente.

Constatou-se que as vagas solicitadas para internação dos

adolescentes C.A.S. e L.C.S., foram reiteradamente negadas por três vezes

(conforme documentos juntados no Inquérito Civil Público).

A magistrada do Juízo da Infância e Juventude manteve as

internações provisórias dos mesmos, em face a comprovação fática da periculosidade

e comprometimento destes no mundo do crime.

De tudo isso, decorre a frustração de qualquer expectativa de

serem alcançados os resultados almejados pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, mesmo tendo este estabelecido uma política de atuação estatal

destinada a promover a proteção aos adolescentes, voltada a prevenir a prática de

atos infracionais e a propiciar, àqueles que transgrediram, oportunidade de

alcançarem o reajustamento do processo de formação do caráter, sem se

submeterem a constrangimentos evitáveis.

Vale frisar que os adolescentes em conflito com a lei são

Page 8: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

8

titulares de todos os direitos previstos no ECA e, portanto, têm o direito de

receberem os mesmos tratamentos adequados para as suas ressocializações.

Gize-se que, mesmo que a medida socioeducativa de

internação possua um caráter excepcional, isso não significa que ela não

precise ser aplicada. De maneira oposta, quando preenchido seus requisitos é de

fundamental importância que a vaga seja disponibilizada, sem que isso represente

banalização da referida medida.

Nesse viés, esse estado de coisas faz com que, em muitos

casos, já se saiba de antemão que o processo não produzirá nenhum efeito prático

(ressocialização), e reflexo disso é o alto índice de reincidência. O sentimento de

impunidade e da incapacidade de recuperação é a mola propulsora do

comprometimento infracional.

Portanto, o que se busca, efetivamente, é que o Estado cumpra

com o seu dever, encaminhando os adolescentes a Centros de Internação, bem como

que disponibilize vagas para atendimento dos mesmos, não sendo aceitas

justificações infundadas.

II - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:

1. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A legitimidade do Ministério Público para a propositura da

presente ação é inquestionável, sendo patente que o objeto em tela – direitos

difusos – alcança reflexamente toda comunidade infantojuvenil local, pelo que resta

plenamente autorizada a atuação deste órgão. Decorre, pois, genericamente, dos

artigos 127 e 129, II e III, da Constituição Federal, e dos artigos 201, V e 210, I,

ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim dispõe:

“Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses

coletivos ou difusos, consideram-se legitimados

concorrentemente:

Page 9: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

9

I – o Ministério Público (...)”.

A presente ação civil pública visa a tutela judicial dos interesses

coletivos e difusos afetos àquela parcela da infância e da juventude que, por se

encontrar em situação de risco pessoal, familiar e/ou social, é credora de adequado e

eficaz atendimento por parte dos órgão integrantes do Sistema de Garantias de

Direitos da Infância e da Juventude, dentre eles, o Conselho Tutelar.

2. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Não suscita dúvida a competência absoluta para processo e

julgamento da causa pela Justiça da Infância e da Juventude. O Estatuto da Criança

e do Adolescente estabelece que:

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é

competente para:

[...]

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses

individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao

adolescente, observado o disposto no art. 209;

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão

propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer

a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta

para processar a causa, ressalvada a competência da

Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais

Superiores.

Vale dizer, apenas a competência da Justiça Federal e dos

Tribunais Superiores prefere a da Infância e da Juventude. Nada ficou registrado

quanto à competência da Vara da Fazenda Pública, que não goza da mesma

qualidade daquela atribuída à Vara da Infância e Juventude.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao trazer em seu bojo

normas de competência próprias, afasta por completo a possibilidade de aplicação de

Page 10: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

10

qualquer outra disposição, inclusive, a que constar do Código Judiciário do Estado,

tornando patente a competência absoluta da Justiça da Infância e Juventude para

ações referentes a essa matéria, excetuando expressamente somente a Justiça

Federal e as competências originárias dos Tribunais Superiores.

A Carta Magna em vigor estabelece em seu artigo 227 que:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar

à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão".

Por sua vez, o ECA prevê que:

"Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem

prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,

assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas

as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e

social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade

em geral e do poder público assegurar, com absoluta

prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

Page 11: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

11

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer

circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou

de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas

sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas

áreas relacionadas com a proteção à infância e à

juventude" – sem grifo no original.

Além disso, com o advento da Lei n. 12.594/12, que

instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e

regulamenta a execução de medidas destinadas a adolescente que pratique ato

infracional, que nada mais é que o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios

que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão,

os sistemas estaduais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos

de atendimento a adolescente em conflito com a lei, estabelece no artigo 4º, que

compete aos Estados:

"I - formular, instituir, coordenar e manter Sistema

Estadual de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as

diretrizes fixadas pela União;

II - elaborar o Plano Estadual de Atendimento

Socioeducativo em conformidade com o Plano Nacional;

III - criar, desenvolver e manter programas para a

execução das medidas socioeducativas de semiliberdade

e internação;

(...);

X - cofinanciar, com os demais entes federados, a execução

de programas e ações destinados ao atendimento inicial

de adolescente apreendido para apuração de ato

Page 12: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

12

infracional, bem como aqueles destinados a adolescente

a quem foi aplicada medida socioeducativa privativa de

liberdade" – sem grifo no original.

Isso porque, o artigo 84 da referida lei do SINASE preceitua

que os programas de internação e semiliberdade são da responsabilidade do Poder

Executivo do respectivo Estado.

Assim, estando o Estado omisso quanto aos seus deveres, não

resta alternativa a não ser a deflagração da presente ação civil pública para

solucionar os problemas que envolvem a questão.

3. TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS E A CRESCENTE CRIMINALIDADE

JUVENIL:

Cumpre nos salientar a brilhante Teoria das Janelas Quebradas –

Broken Windows Theory, (desenvolvida por James Q. Wilson e George L. Kelling,

em 1982 na área da criminologia), segundo a qual concluiu-se que a condição

econômica não é um fator decisivo à criminalidade, sendo que o fator preponderante

para o aumento de infrações é a ausência do Estado na sociedade.

Ou seja, em locais onde o Estado não se faz presente para

disciplinar e ressocializar, a consequência, inevitavelmente, será o aumento das

infrações e a reincidência infracional.

A teoria das janelas quebradas ou "broken windows theory" é

um modelo norte-americano de política de segurança pública no enfrentamento e

combate ao crime, tendo como visão fundamental a desordem como fator de

elevação dos índices da criminalidade.

Nesse sentido, apregoa tal teoria que, se não forem reprimidos,

os pequenos delitos ou contravenções conduzem, inevitavelmente, a condutas

criminosas mais graves, em vista do descaso estatal em punir os responsáveis pelos

crimes menos graves. Torna-se necessária, então, a efetiva atuação estatal no

combate à criminalidade, seja ela a microcriminalidade ou a macrocriminalidade.

Page 13: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

13

Nesse estudo, utilizaram os autores da imagem das janelas

quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos,

infiltrar-se na comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da

qualidade de vida.

Em suas conclusões, esses especialistas acreditam que,

ampliando a análise situacional, se por exemplo uma janela de uma fábrica ou

escritório fosse quebrada e não fosse, incontinenti, consertada, quem por ali

passasse e se deparasse com a cena, logo iria concluir que ninguém se importava

com a situação e que naquela localidade não havia autoridade responsável pela

manutenção da ordem.

Logo em seguida, as pessoas de bem deixariam aquela

comunidade, relegando o bairro à mercê de 'gatunos' e desordeiros, pois apenas

pessoas desocupadas ou imprudentes se sentiriam à vontade para residir em uma

rua cuja decadência se torna evidente.Pequenas desordens, portanto, levariam a

grandes desordens e, posteriormente, ao crime.

Da mesma forma, concluem os defensores da teoria, quando

são cometidas "pequenas faltas" (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de

velocidade, passar com o sinal vermelho) e as mesmas não são sancionadas, logo

começam as faltas maiores e os delitos cada vez mais graves. Se admitirmos

atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de

desenvolvimento será de maior violência quando essas crianças se tornarem adultas.

A Teoria das Janelas Quebradas definiu um novo marco no

estudo da criminalidade ao apontar que a relação de causalidade entre a

criminalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a "segregação racial" é

menos importante do que a relação entre a desordem e a criminalidade. Não seriam

somente fatores ambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos) que teriam

influência na formação da personalidade criminosa, contrariando os estudos da

criminologia clássica.

Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia,

Page 14: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

14

até que a escalada de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando

numa violência irracional.

Sua conclusão é que o delito é maior nas zonas onde o

descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão

racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente

estarão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de

deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso fatalmente será fator

de geração de delitos.

Nesse diapasão, foi implementada uma Política Criminal de

Tolerância Zero e sua base filosófica, a Teoria das Janelas Quebradas, poderia ser o

ponto de partida para o questionamento da criminalidade juvenil, visto que, as

estatísticas demonstram que o adolescente pratica ato infracional porque acredita na

impunidade, na benevolência da lei penal brasileira, na morosidade da justiça.

Deste modo, não é preciso muito para constatar que isso já

está ocorrendo nesta cidade de Goianira, como em vários municípios goianos, ante

ao considerável índice de reincidência de adolescentes que cometem atos

infracionais, haja vista inércia do Estado de Goiás, em disponibilizar vagas para

internações de menores infratores. Sendo assim, é evidente que a situação não pode

permanecer como está.

Vale ressaltar que a permanência incólume dos adolescentes

que cometem atos infracionais graves geram na sociedade a sensação de impunidade

e insegurança.

Tal sentimento, aflorado no seio da comunidade, leva-nos a um

evidente retrocesso social, porquanto faz nascer um desejo de vingança,

principalmente nas vítimas, o que pode nos levar a época da tão combatida e

criticada vingança privada.

4.DA TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA INAPLICABILIDADE DA

RESERVA DO POSSÍVEL:

Page 15: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

15

É de notório saber jurídico, que a idealização e a concretização

do conceito de mínimo existencial, trazido ao Brasil, pela via doutrinária, referenda a

efetivação e implemento constante das garantias mínimas para que a existência

humana seja digna.

Pois bem, apesar de não se encontrar expressamente no texto

constitucional, vai ao encontro do fundamento basilar do Estado Democrático de

Direito brasileiro, qual seja a dignidade da pessoa humana (1988, art. 1°, inciso III),

bem como, se vê entrelaçado diretamente ao maior princípio regente da República

Federativa do Brasil, a prevalência dos direitos humanos (1988, art. 4°, inciso II).

Assim, é perfeitamente compatível com ordenamento jurídico brasileiro, seja no

âmbito constitucional, infraconstitucional e infralegal.

A aplicação direta do referencial teórico acima mencionado,

gravita em torno dos direitos e garantias fundamentais, principalmente no que tange

aos direitos sociais, conglobantes das áreas citadas no capítulo II da Constituição

Republicana de 1988, quais sejam a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, o direito dos trabalhadores urbanos e

rurais. Infere-se, ainda, que esses dispõe aplicação imediata por força do

mandamento constitucional exarado no art. 5.º, § 1.º da Constituição da República

de 1988.

O adimplemento dos deveres estatais relativos aos direitos e

garantias fundamentais, tem caráter cogente e tem observância obrigatória,

conquanto possuem conteúdo programático, encontrando-se em situação imperiosa

no plano normativo constitucional, uma vez que traduzem a veiculação diretrizes de

políticas públicas, mostrando relevante interesse coletivo social.

Assim, se na situação fática vivenciada pela coletividade, a não

efetivação das políticas públicas, clivadas pelos alelos dos direitos e garantias

fundamentais, é verificada pela omissão direta, ou inércia estatal, ou até mesmo por

mitigadas prestações, caracteriza-se, ao fato, transgressão direta a lei fundamental

da república, fato gerador de centenas de milhares de demandas ao Poder Judiciário.

Page 16: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

16

Em suma, faz acontecer o famoso fenômeno jurídico

denominado de “Judicialização dos Direitos Sociais”, ou a “judicialidade das políticas

públicas”, projetado pela ingerência direita do Poder Judiciário na implementação de

políticas públicas.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, na decisão de

A.R.R.E. 642.536, prolatada pelo Ministro Relator Luiz Fux, sedimenta o

entendimento de que o Poder Judiciário, por meio de suas decisões, não inova a

ordem jurídica vigente, apenas determina que os entes da administração pública

cumpram as políticas públicas pré-determinadas nas Lei Orçamentárias.

Tal ingerência, definitivamente, não é uma ofensa ao princípio

da separação dos poderes, uma vez que a simples possibilidade de imposição de

condutas aos entes públicos, faz-se parte da tradução do sistema de freios e

contrapesos. Restando, comprovada a autoridade do Poder Judiciário para exigir a

implementação das diversas demandas, que por ventura apareçam.

Nessa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal, na

decisão de AgR RE – 581352 (2013, p.1), prolatada pelo Ministro Relator Celso De

Mello, reconhece a inaplicabilidade da teoria da reserva financeira do

possível, sempre que a invocação dessa cláusula, puder comprometer o núcleo

básico que qualifica o mínimo existencial, devendo os elementos preponderantes a

uma vida digna, prevalecer em relação ao custo monetário correlato ao estado.

Por igual modo, Nesse mesmo sentido, novamente, o Tribunal

de Justiça de Santa Catarina, na decisão APCO 041966-6 (2014, p.1), prolatada pelo

Desembargador Relator, João Henrique Blasi, categorizou ainda, o fato de a

superveniência ao caso concreto de urgência fundada em grave risco à incolumidade

pública, também é fato autorizador de intervenção do Poder Judiciário, bem como

implica definitivamente em hipótese legal de fomento ao mínimo existencial, fato

esse que afasta o argumento embasado na reserva monetária do possível

Assim, ao caso em comento, refere-se que o implemento e o

adimplemento dos direitos relacionados à segurança e proteção da incolumidade

Page 17: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

17

pública, se encontram em situação imperiosa, vez que traduzem relevante interesse

social.Tais dizeres se encontram expressos no rol de direitos e garantias

fundamentais, enclaustro no artigo 5º da Constituição da República (1988, p.1), in

verbis:

“art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata.

Encontra fundamentação programática no artigo 144, caput, da

mesma fonte legislativa, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação

da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos seguintes órgãos...”

Doravante, é irrefutável que a presente ação, trata

prerrogativas constitucionais indisponíveis e imprescindíveis para garantir o mínimo

de existencial dos diversos componentes da sociedade.

Afere-se ainda, que estas são dotadas de caráter cogente e

vinculante, conquanto referendam conteúdo programático, almejado pelo legislador

constitucional originário, qual seja, a norteação e a veiculação diretrizes das políticas

públicas.

Nessa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal, na

decisão de AgR RE – 581352 (2013, p.1), prolatada pelo Ministro Relator Celso De

Mello, entende que a não efetivação das políticas públicas, por inércia estatal,

caracteriza-se transgressão direta a autoridade da lei fundamental da república.

Page 18: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

18

Reconhece ainda a inaplicabilidade da teoria da reserva

financeira do possível, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer

o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial, confira-se:

E M E N T A: ampliação e melhoria no atendimento de

gestantes em maternidades estaduais – dever estatal de

assistência materno-infantil resultante de norma

constitucional – obrigação jurídico- -constitucional que

se impõe ao poder público, inclusive aos estados-

membros – configuração, no caso, de típica hipótese de

omissão inconstitucional imputável ao estado-membro –

desrespeito à constituição provocado por inércia estatal

(rtj 183/818-819) – comportamento que transgride a

autoridade da lei fundamental da república (rtj 185/794-

796) – a questão da reserva do possível: reconhecimento

de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa

cláusula puder comprometer o núcleo básico que

qualifica o mínimo existencial (rtj 200/191-197) – o

papel do poder judiciário na implementação de políticas

públicas instituídas pela constituição e não efetivadas

pelo poder público – a fórmula da reserva do possível na

perspectiva da teoria dos custos dos direitos:

impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto

inadimplemento de deveres estatais de prestação

constitucionalmente impostos ao estado – a teoria da

“restrição das restrições” (ou da “limitação das

limitações”) – caráter cogente e vinculante das normas

constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo

programático, que veiculam diretrizes de políticas

públicas, especialmente na área da saúde (cf, arts. 196,

197 e 227) – a questão das “escolhas trágicas” – a

colmatação de omissões inconstitucionais como

necessidade institucional fundada em comportamento

Page 19: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

19

afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma

positiva criação jurisprudencial do direito – controle

jurisdicional de legitimidade da omissão do estado:

atividade de fiscalização judicial que se justifica pela

necessidade de observância de certos parâmetros

constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção

ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente

e proibição de excesso) – doutrina – precedentes do

supremo tribunal federal em tema de implementação de

políticas públicas delineadas na constituição da república

(rtj 174/687 – rtj 175/1212-1213 – rtj 199/1219-1220)

– possibilidade jurídico-processual de utilização das

“astreintes” (cpc, art. 461, § 5º) como meio coercitivo

indireto – existência, no caso em exame, de relevante

interesse social – ação civil pública: instrumento

processual adequado à proteção jurisdicional de direitos

revestidos de metaindividualidade – legitimação ativa do

ministério público (cf, art. 129, iii) – a função

institucional do ministério público como “defensor do

povo” (cf, art. 129, ii) – doutrina – precedentes – recurso

de agravo improvido.

Por sua vez, a doutrina é firme ao dispor:

"A prevenção da criminalidade e a recuperação do

delinquente se darão, como quer o Estatuto, com a

efetivação ds políticas sociais básicas, das políticas

sociais e assistenciais (em caráter supletivo) e dos

programas de proteção especial (destinados às crianças

e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou

social), vale dizer, com o Estado vindo a cumprir seu

papel institucional e indelegável de atuar concretamente

na área da promoção social.

Page 20: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

20

Então, para o adolescente autor de ato infracional a

proposta é de que, no contexto da proteção integral,

receba ele as medidas sócio-educativas (portanto, não

punitivas), tendentes a interferir no seu processo de

desenvolvimento objetivando melhor compreensão da

realidade e efetiva integração social.

O educar para a vida social visa, na essência, ao alcance

de realização pessoal e de participação comunitária,

predicados inerentes à cidadania.

Assim, imagina-se que a excelência das medidas sócio-

educativas se fará presente quando propiciar aos

adolescentes oportunidade de deixarem de ser meras

vítimas da sociedade injusta que vivemos para se

constituírem em agentes transformadores da sociedade"

(Cury, Munir. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE COMENTADO. Comentários Jurídicos e

Sociais. 3ª edição. Malheiros Editores Ltda., 2001. p. 364

– sem grifo no original).

Ora, o Poder Público, na execução de políticas públicas voltadas

ao seu bem-estar dos adolescentes, deve cumprir as determinações legais, ainda

mais quando visa garantir o direito à vida e à dignidade destes, que se encontram

em situação de especial atenção.

Ademais, sabe-se que, na ocorrência de omissão por parte do

Poder Público no cumprimento de tais direitos, cabe ao Poder Judiciário intervir para

aplicar o direito ao caso concreto, não podendo sustentar a tese da separação e

independência dos poderes. Neste sentido, extrai-se do STF:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA

PÚBLICA. LEGITIMIDADE. INTERVENÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.

Page 21: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

21

OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público

detém capacidade postulatória não só para a abertura do

inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil

pública para a proteção do patrimônio público e social do

meio ambiente, mas também de outros interesses

difusos e coletivos [artigo 129, I e III, da CB/88].

Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no

sentido de que é função institucional do Poder Judiciário

determinar a implantação de políticas públicas quando

os órgãos estatais competentes, por descumprirem os

encargos político-jurídicos que sobre eles incidem,

vierem a comprometer, com tal comportamento, a

eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou

coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda

que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo

programático. Precedentes. Agravo regimental a que se

nega provimento." (RE 367432 AgR / PR – PARANÁ.

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):

Min. EROS GRAU. Julgamento: 20/04/2010. Órgão

Julgador: Segunda Turma – sem grifo no original).

III - PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA:

Segundo dita o art. 461, § 3º, do CPC, nas ações da espécie da

que ora se trata, in verbis:

“Artigo 461 (…)

§ 3° - Sendo relevante o fundamento da demanda e

havendo justificado receio de ineficácia do provimento

final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou

mediante justificação prévia, citado o réu. A medida

Page 22: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

22

liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer

tempo, em decisão fundamentada"

E ambos os requisitos acima estão presentes no caso em tela.

A relevância do fundamento da demanda (fumus boni

juris),vem sobejamente alicerçada nos argumentos trazidos neste arrazoado, os

quais se pede permissão para deixar de aqui repetir.

O justificado receio de ineficácia do provimento final

(periculum in mora), também desponta de forma cristalina.

É inevitável dizer que se a situação em comento não for, de

imediato, estancada, os atos infracionais cometidos por adolescentes em nossa

Comarca tendem a aumentar de forma brusca, incentivada, justamente, pela

impunidade gerada a partir da inércia estatal. Haja vista que muitos desses

adolescentes ainda não estão suficientemente ressocializados para continuarem no

convívio social.

De outro vértice, a segurança dos cidadãos residentes na

Comarca de Goianira restará seriamente abalada, pois é completamente inadmissível

que adolescentes que cometam delitos com emprego de violência ou grave ameaça

permaneçam soltos, somente pelo fato do Estado não disponibilizar vagas para os

mesmos.

Fato é que já vem ocorrendo um certo abrandamento na

aplicação de medidas socioeducativas, em casos de reiteração no cometimento de

outros atos infracionais, devido ao fato de não existirem vagas disponíveis no

sistema. Portanto, a situação é crítica e tem que ser, de pronto, sanada.

Nesse contexto, requer o deferimento da tutela

antecipada, consistente na determinação de que o ESTADO DE GOIÁS

disponibilize imediatamente, em estabelecimento próprio, vagas para

encaminhamento dos adolescentes: C.A.S. e L.C.S., sob pena de multa diária

equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), destinada ao Fundo Municipal

Page 23: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

23

dos Direitos da Criança e do Adolescente de GOIANIRA-GO.

IV) DOS PEDIDOS:

Em face do exposto, requer o Ministério Público:

a) a concessão, initio litis e inaudita altera pars, sem

justificação prévia, da antecipação de tutela acima descrita, consistente na

determinação de que o Estado de Goiás disponibilize vagas, aos adolescentes

infratores da Comarca de GOIANIRA, no prazo máximo de 48:00 (quarenta e oito)

horas para todos adolescentes aos quais sejam aplicadas as medidas

socioeducativas de internação, seja provisória ou definitivas; e, principalmente os

adolescentes supracitados que já tiveram o pedido de vaga negado, estes últimos no

prazo máximo de 30 (trinta) dias, ambos em Centros de Internação, ou seja, em

estabelecimento próprio;

a.1) – a fim de garantir o cumprimento da decisão, com

fundamento no art. 461, § 4º, do CPC, requer seja fixada, com relação a cada

adolescente que deixar de ter vaga disponibilizada, multa diária equivalente a R$

10.000,00 (dez mil reais), destinada ao Fundo Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente de GOIANIRA-GO;

b) A citação dos requeridos, do ESTADO DE GOIÁS, na pessoa

de seu Procurador-Geral do Estado (art. 12, inciso I, do CPC); SECRETARIA DE

ESTADO DE CIDADANIA E TRABALHO; GRUPO EXECUTIVO DE APOIO A

CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – GECRIA, na Pessoa de seu Presidente;

AGÊNCIA GOIANA DE TRANSPORTES E OBRAS – AGETOP, na pessoa de seu

Presidente; SECRETARIA ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, representada

por seu Secretário, SECRETARIA ESTADUAL DE PLANEJAMENTO, na pessoa de

seu Secretário, nos endereços preambularmente declinados, para que, querendo,

contestem o presente pedido, sendo alertados desde já sobre os efeitos da revelia

(arts. 215 e 319, ambos do CPC);

c) a intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos

processuais, na forma que dispõe o art. 236, § 2º, do CPC, e o art. 41, inciso IV,

Page 24: EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO … · para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir da comunicação da Polícia Civil das apreensões de

24

ambos da Lei n.º 8.625/93;

d) a produção, se necessária, de todas as espécies de provas

admitidas em direito, em especial as documentais, periciais e testemunhais, além de

outras porventura necessárias (arts. 332 e 407, ambos do CPC);

e) a procedência do pedido, com a confirmação da tutela

antecipada, para o condenar-se o ESTADO DE GOIÁS a dispor de vagas, em

estabelecimento próprio, para os adolescentes especificados que cumprem medida

de internação e para todo adolescente que comete atos infracionais da Comarca de

Goianira, que venha a ser aplicada medida de internação, inclusive, internação

provisória;

f) nos termos do art. 11 da Lei n.º 7.347/85, a cominação de

multa diária consistente em R$ 10.000,00 (dez mil reais), destinada ao Fundo

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, para pagamento em caso de

descumprimento da sentença final, no tocante a cada adolescente cuja a vaga não

seja disponibilizada;

g) requer-se, por fim, a isenção de custas, emolumentos e

outros encargos, conforme artigo 18 da Lei n.º 7.347/85, atribuindo à causa, para

todos os efeitos, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Goianira, 20 de outubro de 2014.

CARLA BRANT CORRÊA SEBBA RORIZ

PROMOTORA DE JUSTIÇA