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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO ___________________________________________________________________________ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ___VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE. 1 – FATOS. 1.1 BREVE RESENHA HISTÓRICA DO USO DO DICLORO-DIFENIL- TRICLOROETANO (DDT) – fls. 02/05 1.2 MALEFÍCIOS CAUSADOS PELO DDT – fls. 05/08 1.3 DOENÇAS APRESENTADAS PELAS VÍTIMAS (FUNCIONÁRIOS E FAMILIARES) – fls. 09/10 1.4 ENFRENTAMENTO DADO POR OUTROS ÓRGÃOS ACERCA DO TEMA – fls. 11/12 1.5 RESUMOS DAS PROVIDÊNCIAS EXTRAJUDICIAIS ADOTADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA – fls. 12/17 1.6 DO DESCUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO – fls. 17/20 2 – DO DIREITO. 2.1 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – fls. 20/21 2.2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – fls. 21/24 2.3 DO DIREITO À SAÚDE – fls. 24/27 2.4 DA INSALUBRIDADE NO TRABALHO PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA E NO ESTADO – fls. 27/32 2.5 DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE – fls. 32/36 2.6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – fls. 36/41 3. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – fls. 41/46 4. DO PEDIDO fls. 47/48 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no exercício de suas funções institucionais e com supedâneo nos arts. 127, caput, e 129, III e IX, da Constituição Federal, no artigo 6º, VII, “a” e “d”, da Lei Complementar nº 75, de 20/05/1993, e nos arts. 1º, inc. IV, e 5º da Lei nº 7.347/85, vem, perante Vossa Excelência, ajuizar a presente Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118 Rio Branco - Acre. E-mail:: [email protected] 1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA … DDT.pdf · ao Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), tendo em vista uma série de notícias veiculadas em jornais, apontando, em suma,

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE

PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO___________________________________________________________________________

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ___VARA FEDERAL DA SEÇÃO

JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE.

1 – FATOS.

1.1 BREVE RESENHA HISTÓRICA DO USO DO DICLORO-DIFENIL-

TRICLOROETANO (DDT) – fls. 02/05

1.2 MALEFÍCIOS CAUSADOS PELO DDT – fls. 05/08

1.3 DOENÇAS APRESENTADAS PELAS VÍTIMAS (FUNCIONÁRIOS E

FAMILIARES) – fls. 09/10

1.4 ENFRENTAMENTO DADO POR OUTROS ÓRGÃOS ACERCA DO TEMA – fls.

11/12

1.5 RESUMOS DAS PROVIDÊNCIAS EXTRAJUDICIAIS ADOTADAS PELO

MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA – fls. 12/17

1.6 DO DESCUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO – fls. 17/20

2 – DO DIREITO.

2.1 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – fls. 20/21

2.2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – fls. 21/24

2.3 DO DIREITO À SAÚDE – fls. 24/27

2.4 DA INSALUBRIDADE NO TRABALHO PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA E

NO ESTADO – fls. 27/32

2.5 DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE – fls. 32/36

2.6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – fls. 36/41

3. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – fls. 41/46

4. DO PEDIDO – fls. 47/48

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da

República signatário, no exercício de suas funções institucionais e com supedâneo nos arts.

127, caput, e 129, III e IX, da Constituição Federal, no artigo 6º, VII, “a” e “d”, da Lei

Complementar nº 75, de 20/05/1993, e nos arts. 1º, inc. IV, e 5º da Lei nº 7.347/85, vem,

perante Vossa Excelência, ajuizar a presente

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face da UNIÃO – MINISTÉRIO DA SAÚDE, na pessoa do Procurador-Chefe da

Advocacia-Geral da União no Estado do Acre, com endereço na Advocacia-Geral da União,

sito à Rua Rui Barbosa, nº 415, Bairro Centro, Rio Branco/AC; FUNDAÇÃO NACIONAL

DE SAÚDE NO ACRE – FUNASA, fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde,

podendo ser citada na pessoa de seu Coordenador Regional, José Carlos Pereira Lira, com

endereço na Avenida Antônio da Rocha Viana, nº 1586 - Vila Ivonete, nesta Capital e do

ESTADO DO ACRE, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado na pessoa

do Procurador-Geral do Estado, com endereço na Avenida Getúlio Vargas, n. 2.852, Bairro

Bosque, nesta Capital, nos termos do art. 119, da Constituição Estadual, e do artigo 12, inciso

I, do Código de Processo Civil, em razão dos fundamentos de fato e de direito a seguir

expostos:

1. FATOS

No dia 3 de julho de 2008, foi instaurado no âmbito desta Procuradoria

da República o Inquérito Civil Público nº 1.10.00.000556/2008-60, destinado a averiguar os

possíveis danos ocasionados aos funcionários da FUNASA no Acre, em virtude da exposição

ao Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), tendo em vista uma série de notícias veiculadas em

jornais, apontando, em suma, que a morte de 114 funcionários da FUNASA/AC, de 1994 até

os dias atuais, poderia estar diretamente relacionada com a contaminação por aquele

inseticida, em decorrência da manipulação e do uso do produto sem as devidas cautelas.

1.1. BREVE RESENHA HISTÓRICA DO USO DO DICLORO-DIFENIL-

TRICLOROETANO (DDT)

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Para melhor contextualizar a utilização – inclusive histórica – do DDT,

menciona-se que o emprego deste inseticida se efetivou em decorrência da disseminação

progressiva de diversas doenças parasitárias, como a malária, que atingiram, praticamente,

toda a extensão do território nacional ao longo do século XX, em virtude do processo de

desenvolvimento econômico e social e da intensificação de correntes de migrações internas

que ocorriam no país naquela época.

A malária, considerada pela Organização Mundial de Saúde como a

doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo,

causada pelo protozoário do gênero Plasmodium, transmitido ao homem através do sangue,

atualmente concentrada na área definida como Amazônia legal, representou um grave

problema de saúde pública enfrentado pelo Brasil.

A utilização do DDT mostrou-se mais econômica e eficiente do que as

medidas de combate à malária até então conhecidas, tendo sido, portanto, considerado

prioritário no combate às epidemias. Tal substância era usada em larga escala na agricultura,

em culturas florestais e como inseticida doméstico.

Nessa esteira, a antiga Superintendência de Combate à Malária -

SUCAM, hoje denominada FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, utilizou-se do DDT ao

longo dos anos como o meio mais eficaz de eliminar mosquitos transmissores de doenças e

outros insetos, com aplicação intradomiciliar do inseticida.

Na linha de frente estavam os milhares de guarda da SUCAM

espalhados por todo o Brasil, principalmente na Amazônia, nas campanhas de erradicação dos

mosquitos vetores da malária.

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O resultado de todo o trabalho desempenhado por parte dos mata-

mosquitos, como eram popularmente conhecidos os guardas da SUCAM, foi, do ponto de

vista da Saúde Pública, de grande relevância. Entretanto, para a saúde de quem desenvolvia as

atividades de borrifação, utilizando-se do DDT no combate aos mosquitos transmissores de

doenças, era um sério problema.

Em pesquisa para controle global de malária, um grupo de estudo da

Organização Mundial de Saúde promoveu debate sobre a proibição ou não de DDT, com base

na possível associação entre DDT e câncer humano, bem como pela presença de DDT no leite

materno.

Com isso, e diante de preocupações ambientais, constatou-se, através de

uma série de estudos realizados, que o DDT, que é uma espécie de organoclorado componente

da lista dos Contaminantes Orgânicos Persistentes – COP (substâncias químicas com alto

poder de causar danos aos seres vivos e ao meio ambiente) era altamente venenoso para o ser

humano, e que deveria ser manuseado com todo o cuidado, evitando o contato corporal.

Em razão dos efeitos deletérios à saúde humana e ao meio ambiente, o

agente químico teve, gradativamente, restringida sua utilização, a nível mundial.

Com a realização da Convenção de Estocolmo, em 22/05/2001, da qual

o Brasil é signatário, deu-se um passo decisivo para eliminação dos diversos pesticidas

organoclorados persistentes, entre eles o DDT, ficando a partir de então proibida a sua

produção, utilização, importação e exportação.

No Brasil, o DDT, que já havia, em 1985, sido abolido da agricultura

por meio da Portaria nº 329 do Ministério da Agricultura, teve seu uso proibido no ano de

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1998, por força da Portaria nº 11, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da

Saúde, sendo atualmente substituído por inseticidas piretróides (em especial, a cypermetrina)

na execução de políticas públicas de combate à malária.

Observa-se que tais providências foram tomadas pelo surgimento de

problemas de saúde pública, em decorrência principalmente das consequências maléficas

originadas pelo contato direto com o DDT, que foi utilizado para o controle da malária no

Brasil de 1945 até 1997.

É válido salientar que mesmo após a proibição do uso do inseticida

DDT no Brasil, que por sinal ocorreu aproximadamente dez anos após a proibição pela

maioria dos outros países, como os Estados Unidos, a FUNASA optou por continuar

utilizando todo o produto até o final do estoque.

1.2. MALEFÍCIOS CAUSADOS PELO DDT

Estudos realizados pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da

Universidade Federal do Rio de Janeiro - Centro de Ciências da Saúde apontam que o ser

humano pode ser contaminado por exposição direta (inalação) ou por alimentos contaminados

com DDT e outros pesticidas organoclorados. Afirmam os estudiosos que, sendo lipossolúvel,

o DDT possui apreciável absorção tecidual. É facilmente absorvido pelas vias digestiva e

respiratória e, devido à grande lipossolubilidade e à lenta metabolização, os organoclorados

acumulam-se na cadeia alimentar e no tecido adiposo.

O DDT demora, em média, cerca de 4 a 30 anos para se degradar, sendo

o seu principal problema a sua ação indiscriminada, que atinge tanto as pragas quanto o resto

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da fauna e flora da área afetada, além de se infiltrar na água contaminando os mananciais. O

DDT interrompe o equilíbrio natural no meio ambiente.

Os pesticidas organoclorados, entre os quais inclui-se o DDT, após a sua

absorvição pelo organismo humano, atuam sobre o sistema nervoso central, resultando em

alterações de comportamento, distúrbios sensoriais, alterações de equilíbrio, atividade

involuntária da musculatura e depressão dos centros vitais, particularmente da respiração.

Os efeitos do DDT no organismo ocorrem depois de atuarem sobre o

equilíbrio de sódio/potássio nas membranas dos axônios, provocando impulsos nervosos

constantes, que levam à contração muscular, convulsões, paralisia e morte. A intoxicação

aguda nos seres humanos caracteriza-se por cloracnes na pele, e por sintomas inespecíficos,

como dor de cabeça, tonturas, convulsões, insuficiência respiratória e até morte, dependendo

da dose e do tempo de exposição.

Em casos de intoxicação aguda, após aproximadamente 2 horas surgem

os sintomas neurológicos de hiperexcitabilidade, parestesia na língua, lábios e membros

inferiores, desconforto, desorientação, fotofobia, cefaleias persistentes, fraqueza, vertigem,

alterações de equilíbrio, tremores, ataxia, convulsões tônico-clônicas, depressão central

severa, coma e morte.

Os sintomas específicos podem ocorrer em caso de inalação ou

absorção respiratória, como tosse, rouquidão, edema pulmonar, irritação laringotraqueal,

rinorreia, bradipneia, hipertensão e broncopneumonia.

Alguns estudos sugeriram, ainda, que o DDT, além de provocar partos

prematuros, causar danos neurológicos, respiratórios e cardiovasculares, é cancerígeno.

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Somente a título de maior esclarecimento, destaca-se aqui alguns

trechos do estudo acerca das consequências trazidas por esse inseticida, realizado por José

Santamarta, Diretor de World Watch e editor da Revista World Watch em espanhol, traduzido

pelo Engenheiro Agrônomo Valdir Secchi, da EMATER/RS, e publicado na Revista

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.1, jan/mar2001:

“Os Contaminantes Orgânicos Persistentes (COP), POPs em inglês,

são substâncias químicas extraordinariamente tóxicas e duradouras.

As emissões atuais causarão câncer e alterações hormonais nos

próximos mil anos.”

(...)

“Segundo a OMS, a cada ano ocorrem de 30 mil a 40 mil mortes por

intoxicação por agrotóxicos organoclorados e organofosforados em

grande parte, e meio milhão de pessoas sofrem envenenamento por

ingestão ou inalação.”

(...)

“Os organoclorados são substâncias tóxicas, persistentes e

biocumulativas e constituem um grave risco para as pessoas e para o

meio ambiente. Os organoclorados permanecem no meio ambiente

dezenas de anos, alguns durante séculos e, como são muito estáveis e

não se dissolvem em água, acabam por entrar na cadeia trófica,

depositando-se nos tecidos graxos dos seres vivos.”

Nesse passo, mister destacar também o item 3.1.2 do Manual de

Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, elaborado pelo Ministério da

Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (1997) que registra os seguintes efeitos

provocados pelos inseticidas organoclorados:

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“Atuam sobre o sistema nervoso central, de que resultam alterações do

comportamento, distúrbios sensoriais, do equilíbrio, da atividade da

musculatura involuntária e depressão dos centros vitais,

particularmente da respiração.”

No livro Silent Spring (A Primavera Silenciosa), lançado em 1962,

Rachel Carson mostrou como o DDT penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos

tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem (chegou a ser detectada a presença de

DDT até no leite humano), com o risco de causar câncer e dano genético.

A ideia da escritora de escrever sobre os perigos do DDT, teve um novo

alento quando ela soube da grande mortandade de pássaros em Cape Cod, causada pelas

pulverizações de DDT. Nessa esteira, atribuiu a responsabilidade da morte de peixes e de

animais silvestres, principalmente, dos pássaros, aos inseticidas, devido ao fato dos resíduos

dos inseticidas organoclorados se acumularem nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive

do homem, provocando câncer e dano genético.

Aduziu, ainda, a bióloga, que o acúmulo de DDT no organismo humano

relaciona-se diretamente com doenças do fígado, como a cirrose, e o câncer.

O livro é um alerta sobre a má utilização dos pesticidas e inseticidas e

seus impactos sobre o meio ambiente e sobre o próprio homem, já que tais produtos químicos

foram utilizados com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre seu efeito no solo, na água,

animais selvagens e sobre o próprio homem.

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1.3. DOENÇAS APRESENTADAS PELAS VÍTIMAS (FUNCIONÁRIOS E

FAMILIARES)

É importante registrar que, através de uma grande diversidade de

depoimentos de ex-funcionários da SUCAM e familiares, colhidos e reunidos num Relatório

sobre o DDT, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia

Legislativa do Estado do Acre, após várias visitas feitas às residências daquelas pessoas, não

só na capital do Acre, como também na maioria dos municípios, foram detectadas uma série

de doenças apresentadas por trabalhadores que foram expostos ao DDT.

Dentre todas essas pessoas, algumas já estão com o seu estado de saúde

bastante debilitado, sem esperanças de conseguir uma assistência médica para um tratamento

digno e adequado, conforme veremos a seguir:

- MÁRIO WILSON DE OLIVEIRA: durante oito anos trabalhou doente, chegando a contrair

malária num total de dez vezes, até que começou a sentir dores constantes nas articulações,

tonturas e náuseas. Só parou de trabalhar por ter sido acometido por um Acidente Cardio

Vascular – AVC, além de outras enfermidades tais como: trombose no estômago, hipertensão e

gangrena em uma das pernas, o que ocasionou uma amputação, mantendo-o de cama por 9

anos.

- FRANCISCO RODRIGUES DO NASCIMENTO: diabético, sente dores fortes e constantes,

sente coceira por todo o corpo.

- SEBASTIÃO BEZERRA: seus braços e pernas tremem sem parar, tem muita depressão e

sente muita fraqueza no corpo.

- JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS: sente dores e uma quentura nas pernas e nos ossos.

- ROBERVAL GOMES BARBOSA: sente forte e constante coceira por todo o corpo e fortes

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dores de cabeça.

- JUCELINO MEDEIROS DA SILVA: sente dores no corpo, cansaço e tremedeira.

- GILMAR BONFIM: contraiu, durante o período de trabalho, duas hepatites, febre tifóide e

gastrite.

- ABEL CORREIA LIMA: sente tontura, ânsia de vômito e fortes dores no corpo.

- JURACÉLIO GUEDES DA COSTA: sente hipertensão, dores de cabeça, dor no corpo,

dormência nas pernas, cansaço e problema no coração.

- ELIZALDO MENDES: faleceu por falência múltipla dos órgãos.

- SEBASTIÃO NONATO SIQUEIRA: dormência nas pernas, dores na coluna e na cabeça e

tontura.

- JOÃO OLIVEIRA DE SOUZA: apresenta problemas dermatológicos.

- MANOEL NONATO SIQUEIRA: sofreu acidente de trabalho o que ocasionou várias

sequelas entre elas a perda do olho direito.

Nota-se, portanto, através de uma singela análise do quadro de saúde

exposto acima, que as doenças apresentadas pelos trabalhadores, como contração muscular,

dores de cabeça, tonturas, tremores, hipertensão, doenças cardiovasculares, etc, são

compatíveis com os sintomas apontados pelos especialistas, em decorrência da exposição

direta do homem ao DDT.

Além disso, é importante frisar aqui que as pesquisas mostram que nos

últimos seis meses já morreram aproximadamente cerca de 49 funcionários da FUNASA com

suspeita de intoxicação pelo DDT, sendo que mais de 75 já entraram na fase conclusiva da

contaminação pelo inseticida. Os números da contaminação no Acre são pauta frequente no

noticiário da TV Câmara.

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1.4. ENFRENTAMENTO DADO POR OUTROS ÓRGÃOS ACERCA DO TEMA

Como é sabido, há mais de dez anos os guardas da extinta SUCAM de

vários Estados (Acre, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso, etc.) vem lutando para provar que

são vítimas da intoxicação pelo DDT. Nessas circunstâncias os trabalhadores pleiteiam o

reconhecimento do dano por parte do Governo Federal, indenização e aposentadoria especial

acidentária, visto que muitos deles não têm condições de continuar no desempenho de suas

atividades laborais.

Nesse passo, apesar da FUNASA manter-se inerte perante a situação

deplorável desses trabalhadores, determinando, ainda, a continuidade do trabalho, sob pena

de reconhecer o abandono de emprego por parte dos funcionários, determinação esta que vem

da FUNASA em Brasília, há de se ressaltar o desempenho de diversos órgãos do Acre, no

sentido de contribuir para a solução do problema enfrentado por esses trabalhadores.

A iniciativa da Assembleia Legislativa do Acre foi uma importante

contribuição para a solução do tema em questão. Tal iniciativa resultou num Projeto de Lei,

que tramita atualmente no Congresso Nacional, visando, dentre outros direitos, uma

aposentadoria especial para os funcionários vítimas do DDT que já se encontram

impossibilitados de exercer as suas funções.

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia

Legislativa do Estado do Acre elaborou um minucioso relatório contendo diversos

depoimentos dados pelas vítimas do DDT e seus familiares, colhidos através de reuniões

realizadas pela Comissão na capital e no interior do Estado, com o objetivo de debater sobre a

possível contaminação causada pelo inseticida em servidores da extinta SUCAM, composto,

inclusive, com material fotográfico.

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Após finalizado o relatório, contendo as oitivas e demais diligências

realizadas no interior do Estado, o mesmo, por determinação do Presidente da Comissão, foi

encaminhado ao Ministério Público Federal, à Comissão da Amazônia, aos parlamentares

estaduais e federais, à Secretaria Estadual de Saúde, ao Senado, à Câmara Federal e à Mesa

Diretora da ALEAC.

Além disso, é importante registrar que, diante da grande preocupação

com os males provocados aos trabalhadores pela contaminação por DDT, especialistas da

Universidade de São Paulo – USP também aderiram à causa e decidiram estudar o drama

vivido pelos profissionais, que hoje sofrem com a saúde fragilizada, conforme notícia

veiculada no Jornal “A Gazeta”, no dia 19/05/2009.

As pesquisas produzidas pela USP têm como objetivo principal o estudo

científico, por meio de entrevistas com os próprios contaminados, dos impactos sociais e

econômicos que a contaminação provocou na vida daquelas pessoas e de suas famílias, para

servir de ferramenta na luta pela busca de melhores condições de vida.

Ressalta-se, por fim, que o grande responsável pela busca de soluções

para o caso foi o movimento “DDT e a Luta pela Vida” que, através da imprensa, chamou a

atenção de diversas instituições para intervir no caso em tela.

1.5. RESUMOS DAS PROVIDÊNCIAS EXTRAJUDICIAIS ADOTADAS PELO

MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Como já dito anteriormente, foi diante de todo esse episódio que o

Ministério Público Federal decidiu instaurar o Inquérito Civil Público nº

1.10.00.000556/2008-60, que teve como objetivo averiguar os possíveis danos ocasionados

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aos funcionários da FUNASA no Acre, em virtude da exposição ao DDT.

A partir daí, o Parquet Federal oficiou à FUNASA requerendo

informações acerca dos fatos relatados nas matérias jornalísticas ora veiculadas, bem como

qual seria o número total de óbitos de funcionários e aposentados, acompanhado de lista com

nome, cargo, local de trabalho e data de óbito, ocorridos após 1994.

Em resposta, a FUNASA/AC, por meio do “Ofício nº 70/Core/AC”, fls.

54/55, encaminhou a relação nominal de 37 (trinta e sete) ex-servidores falecidos após 1994,

sendo 14 (quatorze) deles aposentados e 23 (vinte e três) ainda na ativa, e informou que os

fatos repassados pela imprensa local, baseavam-se em casos isolados, motivados por

servidores que recorreram ao Judiciário, pleiteando amparo legal por estarem apresentando

certos problemas inerentes ao seu estado de saúde, que poderiam estar ligados ao uso do DDT

no Programa de Erradicação e Controle da Malária no Brasil, nas atividades de borrifação

intradomiciliar.

Dando continuidade às investigações, o Ministério Público Federal

solicitou à Secretaria de Saúde do Estado um relatório constando os anos em que o DDT havia

sido utilizado no Estado do Acre, bem como a sua finalidade, incluindo o seu uso na

agricultura, no controle de doenças (malária, dengue, etc) e demais atividades.

Na sequencia, a SESACRE se manifestou por meio do Ofício/Gab/Nº

551, disponibilizando a este Órgão Ministerial uma série de estudos, documentos procedentes

do Departamento de Vigilância em Saúde da SESACRE, materiais bibliográficos e notas

técnicas do Ministério da Saúde, as quais descreviam o trabalho realizado com a utilização do

DDT no combate à malária, dengue e outros tipos de vetores.

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Tais documentos relatavam os possíveis males causados pelo DDT, bem

como apontavam a presença, em sua composição, de substâncias tóxicas extremamente

nocivas ao meio ambiente e à saúde humana, devido à capacidade daquele inseticida

permanecer no ambiente durante dezenas de anos sem se degradar.

Mediante o Ofício/Gab/Nº 551, foi solicitado ao Deputado Sérgio

Petecão o encaminhamento do dossiê, incluindo material audiovisual, a respeito do presente

tema, o qual havia sido endereçado ao Ministério da Saúde.

O referido dossiê apresenta, dentre outras informações, registros e

testemunhos de trabalhadores que sofrem, atualmente, as graves consequências ocasionadas

pela exposição ao DDT, quando do exercício de suas atividades de borrifação.

O registro documental das imagens, constante às fls. 255/259, expõe de

maneira mais clara o sofrimento e a angústia dos trabalhadores e de suas famílias, devido ao

grave estado de saúde em que se encontram os ex-funcionários da FUNASA, ao longo dos

anos.

Vale registrar que, no decorrer das investigações, foi realizada, no dia

16 de julho de 2008, uma reunião nesta Procuradoria da República, conforme Relatório

constante à fl. 56, com os representantes dos funcionários da FUNASA/AC, os quais

relataram, em suma, que aproximadamente 24 ex-funcionários da FUNASA teriam falecido

em decorrência da intoxicação ocasionada pelo DDT, e que as famílias estavam desassistidas.

Ficou acordado, portanto, que os representantes encaminhariam ao Ministério Público Federal

os atestados de óbitos das 24 pessoas que haviam falecido, bem como uma lista de pessoas

que trabalharam com o DDT e que estariam hoje doentes, com sequelas decorrentes daquela

atividade específica, para se submeterem à realização de exame toxicológico.

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Posteriormente, os atestados de óbito e a lista contendo os nomes das

pessoas que trabalharam com o DDT, e que estariam hoje doentes (fls. 64/65, 67/69 e 70/73)

foram devidamente encaminhados a este Órgão Ministerial.

Mais adiante, foram oficiados diversos estabelecimentos especializados

no estudo da Toxicologia, com o fito de obter informações científicas para servirem de base à

determinação de quais exames médicos e laboratoriais os agentes de endemias deveriam ser

submetidos, a fim de precisar o grau de intoxicação ocasionado pelo DDT, bem como as

principais doenças decorrentes do contato prolongado com o agente químico. Sendo, na

sequência, informado pela Universidade Estadual Paulistana “Júlio de Mesquita Filho” (fls.

424/425) que a análise quali-quantitativa para o DDT poderia ser realizada por meio de

cromatografia em fase gasosa utilizando o sangue total.

A Secretaria de Saúde do Estado do Acre, por conseguinte, a partir de

pleito desta Procuradoria da República, com o escopo de solucionar as mazelas mais urgentes

nas vidas das possíveis vítimas do DDT, disponibilizou exame laboratorial aos supostos

intoxicados por DDT em seu Laboratório Central de Saúde Pública – LACEN (fl. 427),

indicando, porém, como exame adequado, o de colinesterase, que, diferentemente do exame

de cromatografia, indicado pelos especialistas no assunto, é mais adequado para a percepção

dos inseticidas inibidores de colinesterases, quais sejam os organofosforados e os carbamatos

(fl. 80).

É importante frisar que, até aquele momento, já havia sido detectada a

presença do organoclorado DDT, por meio do exame toxicológico de cromatografia, no

organismo de vários ex-funcionários da FUNASA/SUCAM, conforme laudos dos exames

acostados às fls. 89/92, 132/136, 167/168 e 184/185.

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Diante de todo esse quadro, após a análise das informações prestadas

pelos especialistas, o Ministério Público Federal expediu a Recomendação nº 07/2008 PRAC/

PRDC/AHCL levando em consideração os princípios fundamentais da República, como a

dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a saúde, do ponto de vista da prevenção,

promoção, proteção e recuperação, focando em algumas providências a serem tomadas para a

solução do problema em questão, sendo estas:

1) à FUNASA que:

1.1) disponibilizasse o exame toxicológico de cromatografia em fase

gasosa, para a medição do nível de DDT presente no meio sanguíneo a

todos os funcionários e ex-funcionários do Acre que tiveram exposição

ao aludido inseticida;

1.2) promovesse o ressarcimento de todos os gastos com exames e

tratamentos de saúde realizados por funcionários e ex-funcionários

daquela Fundação, desde que tais despesas, ainda que indiretamente,

estivessem relacionadas à exposição do DDT;

1.3) elaborasse a constituição de duas comissões estaduais, sendo uma

composta de especialistas na área médica (toxicologista, oncologista,

neurologista e médico do trabalho), para efetuar o planejamento,

tratamento e acompanhamento médico dos funcionários e ex-

funcionários da FUNASA/AC, e a outra composta de especialistas para

a análise de pedidos de aposentadoria por funcionários da FUNASA no

Acre, que começaram a trabalhar para o ente antes de 1998;

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2) Ao Ministério da Saúde que: constituísse comissão nacional de

especialistas na área médica (toxicologista, oncologista, neurologista e

médico do trabalho), para estudarem os efeitos do DDT na saúde

humana, propondo padrões de exames e tratamentos aos trabalhadores

que estiveram expostos ao inseticida.

3) À Secretaria de Saúde do Estado do Acre que:

3.1) disponibilizasse, além do exame toxicológico de cromatografia em

fase gasosa, para a medição do nível de DDT presente no meio

sanguíneo, todos os demais exames, laboratoriais ou de imagem que se

mostrassem necessários a todos os funcionários e ex-funcionários do

Acre que tiveram exposição ao aludido inseticida; e

3.2) disponibilizasse, como órgão executor do Sistema Único de Saúde,

o tratamento médico adequado aos trabalhadores vítimas da intoxicação

pela substância, na forma determinada pela comissão estadual de

especialistas a ser criada pela FUNASA ou na forma solicitada por

médico conveniado ao SUS, responsável pelo tratamento do paciente.

Na aludida Recomendação, foi estabelecido o prazo de 10 (dez) dias

para que as entidades recomendadas efetuassem todas as providências indicadas pelo

Ministério Público Federal.

1.6. DO DESCUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO

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Apesar da adoção de inúmeras medidas no sentido de, num primeiro

momento, assegurar às vítimas do enorme mal causado pelo DDT um tratamento adequado de

desintoxicação, verificou-se que, decorrido o período estabelecido na Recomendação ora

expedida por este Parquet Federal, houve descumprimento de alguns pontos, causando ainda

mais prejuízos aos funcionários e ex-funcionários da FUNASA e de suas famílias.

Em que pese anunciarem integral auxílio às vítimas do DDT, as

entidades demandadas deixaram de cumprir as providências recomendadas. Vejamos:

A FUNASA, após perceber que todos os servidores examinados

demonstravam concentração de DDT em seus organismos, adotou postura de total resistência

à recomendação, no que diz respeito ao ressarcimento de todos os gastos com exames e

tratamentos de saúde realizados por funcionários e ex-funcionários, empecendo a realização

dos exames e afirmando, de maneira muito conveniente, que o dever de prestar saúde aos seus

servidores incumbe ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Ademais, no tocante à constituição de uma Comissão composta de

especialista para análise de pedidos de aposentadoria por funcionários, a FUNASA afirmou

que o procedimento ocorreria mediante avaliação pela Junta Médica Oficial, composta por

servidores daquela instituição, entendendo ser desnecessária a criação da Comissão ora

recomendada por este Órgão Ministerial.

O Estado do Acre, ao seu turno, não vem prestando efetiva atenção à

saúde dos servidores da FUNASA, no sentido de disponibilizar tratamento médico adequado

aos trabalhadores.

Nota-se o total descaso da FUNASA e do Estado do Acre quanto aos

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problemas de saúde enfrentados pelas vítimas do DDT ao analisar as declarações prestadas

pelos trabalhadores, no âmbito desta Procuradoria da República, mesmo após a expedição da

Recomendação pelo Ministério Público Federal.

Conforme o Termo de Declarações de nº 28/09, o ex-servidor da

FUNASA Raimundo Nonato Martins da Silva, que trabalhava diretamente no manuseio do

inseticida, aduziu, em suma, que, ao procurar atendimento médico na Fundação Hospitalar do

Acre – FUNDHACRE, foi informado que não faria jus ao tratamento, pelo simples fato de

não ser mais servidor da FUNASA.

Além disso, os demais servidores que prestaram depoimento no

Ministério Público Federal afirmaram não estar recebendo o tratamento de desintoxicação

devido, bem como aduziram a ausência, na FUNASA, dos médicos responsáveis pela análise

dos exames realizados, consoante os Termos de Declarações nº 44/09 e nº 46/09, juntados aos

autos do procedimento investigatório.

Os fatos elencados acima se tornam ainda mais perceptíveis quando se

verifica a grande quantidade de funcionários que ainda não se submeteram aos exames, e que

aguardam incansavelmente na fila de espera, aliás, sem o tratamento de desintoxicação

recomendado.

No mais, sendo o tratamento imprescindível para as vítimas do DDT e

havendo obrigatoriedade legal dos Entes Públicos em supri-lo, em decorrência da

competência concorrente reconhecida pela Constituição Federal, tem-se, pois, que a questão

relacionada à saúde merece tratamento diferenciado, ainda mais quando está em jogo o direito

à vida, que, infelizmente, como a morte, segue seu curso e não espera a lenta mobilização dos

responsáveis pela adoção das medidas necessárias.

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Nesse eito, portanto, pela urgência que requer o caso em questão, é que

o Ministério Público Federal vem ante esse MM. Juízo pugnar por provimento jurisdicional

para interromper a omissão do Poder Público.

2. DO DIREITO

2.1. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A competência da Justiça Federal, no presente caso, é evidente e pode

ser tomada como competência em razão da pessoa. Ela é firmada não apenas pela presença do

Ministério Público Federal no polo ativo, mas também pela presença da União no polo

passivo da demanda, bem como da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.

A fonte formal de competência da Justiça Federal está representada no

art. 109, I, da Constituição da República, in verbis:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública

federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

oponentes, exceto as de falência e as de acidentes de trabalho e as

sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.” (grifou-se)

Num primeiro momento, cumpre esclarecer que o termo "entidade

autárquica" é gênero e possui um amplo alcance, incluindo em seu conceito as fundações

públicas federais (chamadas por alguns doutrinadores de fundações autárquicas).

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Nesse sentido, são os ensinamentos do professor Celso Antônio

Bandeira de Mello:

“Em rigor, as chamadas fundações públicas são puramente autarquias,

às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que

têm. [...] Uma vez que as fundações públicas são pessoas de Direito

Público de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são

autarquias e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto, como

concernente às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente.” 1

Desse modo, figurando no polo passivo da demanda a FUNASA,

fundação pública que recebe recursos financeiros da União, por intermédio do Ministério da

Saúde, resta inquestionavelmente comprovada a competência da Justiça Federal no feito.

2.2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Antes de partimos para a análise meritória, faz-se de suma importância

tecer algumas linhas sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura

da presente ação.

Ao Ministério Público compete a guarda dos direitos fundamentais

positivados no Texto Constitucional. Compete-lhe também a defesa dos interesses sociais e

individuais indisponíveis. É o que determina o art. 127 da Constituição da República:

1 BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23ªed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 181/182.

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“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.”

Em consonância com suas finalidades, estabeleceu o constituinte

originário suas funções institucionais, no art. 129 da Lei Maior:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[…]

II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de

relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção

do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos.” (grifo nosso)

A Lei Complementar nº 75/1995, em seu art. 2º e art. 6º, VII, “a”, “c” e

“d”, também estabeleceu a atribuição do Ministério Público da União (em que se inclui o

Ministério Público Federal) para a defesa dos interesses difusos, bem como dos coletivos e

individuais homogêneos. Vejamos:

“Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para

garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.”

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“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[…]

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

[...]

c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e

coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao

adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais,

difusos e coletivos” (grifou-se).”

[…]

A Lei nº 7.374/85 (Lei da Ação Civil Pública) também atribui

legitimidade ao Ministério Público Federal para a ação civil na defesa de direitos difusos, e

determina que, na proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis, sejam

aplicadas as normas do CDC. Vejamos:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação

popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais

causados:

[...]

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;”

[…]

“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação

cautelar:

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I – o Ministério Público;”

[…]

No presente caso, o Ministério Público Federal age em defesa de

direitos constitucionais titularizados por uma coletividade de pessoas que foram prejudicadas

pela exposição excessiva ao DDT, sem o adequado uso de equipamentos e falta de orientação

e treinamento por parte do Poder Público, debilitando, com isso, a saúde daqueles

trabalhadores e, consequentemente, de suas famílias.

Pelo exposto, é indiscutível a legitimidade ativa do Ministério Público

Federal na presente ação.

Ademais, da análise dos autos, verifica-se que várias foram as

recomendações dirigidas aos órgãos encarregados da realização do devido tratamento médico

às vítimas, objetivando minimizar o sofrimento e o transtorno causados pelo mau uso do

DDT, naquela época considerado “um mal necessário”. Não obstante, a condução meramente

orientadora deste Órgão Ministerial, não vem atingindo o objetivo esperado, donde conclui-se

que a via judicial se faz necessária.

2.3. DO DIREITO À SAÚDE

Primeiramente, é importante frisar que a questão relacionada à saúde

constitui-se num direito social derivado do direito à vida, previsto no caput do artigo 5º da

Constituição Federal, caracterizando-se como cláusula pétrea, in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

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natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]”

Além disso, é válido consignar, também, que a previsão do direito à

vida possui uma íntima relação com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,

qual seja o da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Maior,

cujo marco encontra-se estampado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

É que, noutras palavras, qualquer conduta do Poder Público que

provoque como efeito o esgotamento do direito à vida trará, como consequência, o desrespeito

à dignidade da pessoa humana, pois são dois vetores considerados igualmente fundamentais

pela Constituição.

Nesse contexto, não se pode descuidar da necessidade de se

estabelecerem os parâmetros da atuação do Poder Público em relação ao serviço de saúde e a

possibilidade de sua responsabilização pelo descumprimento dos seus deveres constitucionais.

A Constituição da República colocou a saúde no rol dos direitos sociais,

em seu art. 6º, sendo considerada, sem dúvida alguma, corolária do princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, para se viver dignamente, faz-se

imprescindível o acesso a garantias mínimas de uma vida com qualidade, ou seja, com saúde.

A Carta Maior, portanto, reservou um artigo unicamente para a previsão

do direito à saúde:

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“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco

de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Ora, em que pese ser comum afirmar que não há hierarquia entre

direitos fundamentais, estando todos eles no mesmo patamar, notamos que a vida é

pressuposto para o gozo de todos os demais direitos. Sem a vida não é possível falar em

saúde, em segurança, em propriedade, em honra, em igualdade e em dignidade.

Buscando a regulamentação dos ditames constitucionais, foram editadas

várias Leis Orgânicas da Saúde. A primeira e mais abrangente é a Lei nº 8.080/90, que, dentre

outros comandos, trata, em linhas gerais da regulação, em todo o território nacional, das ações

e os serviços de saúde. Vejamos:

“Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o

Estado prover as

condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e

execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de

riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições

que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços

para a sua promoção, proteção e recuperação.”

A Lei nº 8.080/90 também descreve os princípios e as diretrizes do

Sistema Único de Saúde, dispostos no artigo 7º, dentre os quais: universalidade, integralidade

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de assistência, preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e

mental, igualdade, direito à informação, epidemiologia como instrumento indicativo para o

estabelecimento de prioridade, participação da comunidade, descentralização político-

administrativa (municipalização e estabelecimento de rede hierarquizada e regionalizada),

integração intersetorial e resolutividade.

Considerando que a exposição ao DDT colocou em risco a vida de

vários funcionários e ex-funcionários da FUNASA/AC, quando das atividades exercidas no

combate aos mosquitos propagadores de doenças, tem-se que essas pessoas tiverem seus

direitos fundamentais violados, padecendo por longos anos dos efeitos da intoxicação

provocada pelo inseticida, causando-lhes danos consubstanciados na dor, angústia,

preocupação, sofrimento mental, enfim, inquietações íntimas vivenciadas não só pelos

trabalhadores, mas como também por suas esposas que, indiretamente, acabavam sentindo os

efeitos do uso do DDT, quando mantinham contato com as roupas de seus companheiros.

2.4. DA INSALUBRIDADE NO TRABALHO PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA

E NO ESTADO

O trabalho é um dos elementos que mais interferem nas condições e

qualidade de vida do homem, portanto, na sua saúde.

Com efeito, o legislador constituinte originário, ao elaborar a vigente

Constituição Federal, inseriu, logo no início de seu texto, regra protetiva de direitos relativos à

saúde, higiene e segurança dos trabalhadores rurais e urbanos, conforme se percebe através da

dicção do artigo 7º, in verbis:

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“Art. 7º- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de

outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas

de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas,

insalubres ou perigosas, na forma da lei.”

Tal direito, apesar de reconhecido ao trabalhador regido pela

Consolidação das Leis do Trabalho, não encontra acolhida no regramento dirigido ao servidor

público.

Tal fato se torna evidente quando analisamos a condição do trabalhador

da iniciativa privada que, desde 1991, com a edição das leis 8.212/91 e 8213/91, foi

contemplado com a disciplina de sua aposentadoria decorrente de serviços prestados em

condições anormais, enquanto o servidor público, até hoje, prossegue laborando em ambientes

insalubres, exposto a agentes patogênicos de riscos excessivos à sua higidez, sem quaisquer

instrumentos de proteção de trabalho e fiscalização por parte do Poder Público, acabando,

muitas vezes, não resistindo às debilitações de seu organismo, aposentando-se por invalidez

para, em seguida, ocorrer seu passamento, em decorrência da exposição prolongada aos

agentes insalubres.

O uso da substância tóxica (DDT) necessitava de um controle rígido no

seu manuseio, com a utilização de equipamentos que garantissem a proteção necessária para o

contato com o agente químico, o que, na realidade, não acontecia.

A FUNASA, antes de enviar os servidores ao trabalho de campo, passava-

lhes apenas um treinamento inicial, enviando-os logo em seguida à zona rural, sem as condições

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mínimas de segurança no trabalho, sem provê-los do equipamento adequado para o manuseio da

substância tóxica, sem o necessário treinamento periódico de reciclagem, enfim, desrespeitando as

mais triviais normas de segurança que, acaso fossem observadas, impediriam ou minimizariam os

efeitos danosos do produto tóxico utilizado no serviço.

Nesse particular, nota-se, com evidência, a violação dos direitos dos

trabalhadores a uma atividade laboral segura e digna.

Ademais, verifica-se, através da análise dos diversos depoimentos

colhidos, que, de fato, eram os próprios trabalhadores que faziam todo o preparo da substância

tóxica, empregada em forma de pó, e borrifavam no interior das residências, o que era feito,

conforme dito alhures, sem a utilização dos devidos instrumentos de proteção, para quem lida

com substância altamente tóxica, a qual, aliás, foi considerada como cancerígena.

Não era dado, portanto, o devido esclarecimento aos trabalhadores a

respeito dos riscos ocupacionais e exposições ambientais relativas à atividade a ser exercida.

Neste raciocínio, oportuno dizer que a eliminação ou a neutralização da

insalubridade só pode ocorrer com a devida adoção de medidas que conservem o ambiente de

trabalho dentro dos limites de tolerância e com a utilização de equipamentos de proteção

individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo até os limites de

tolerância.

O fato preocupante aqui é que o servidor público não tem

complementado seu trabalho insalubre. Não tem cobertura, não tem uma proteção.

Entretanto, é válido lembrar que a Constituição Federal de 1988 adotou

o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, ou seja, todos os

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cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios

albergados pelo ordenamento jurídico.

Ressalte-se ademais, que ambos os trabalhadores operam substâncias

químicas, agentes biológicos da mesma natureza, e, convenhamos, a estrutura orgânica dos

servidores públicos em nada diverge da dos demais trabalhadores. Assim, se um servidor

público está exposto aos reagentes químicos, não haverá diferença quanto aos malefícios que

esta substância causará a esse servidor, se comparado com as mesmas substâncias operadas

por trabalhador da iniciativa privada, que já ostenta direito a uma aposentadoria especial aos

25 anos de trabalho.

Diante do que acima foi exposto, há de se perceber que a situação

desumana por que passa o servidor público, que contribuiu e contribui diuturnamente com o

seu trabalho para o desenvolvimento deste país, perdendo sua higidez física, tendo, na maioria

das vezes, de, ao final da carreira, ser informalmente desviado de função, ou mesmo

readaptado, em razão das agressões que sofreu à saúde, no decorrer de trinta e cinco anos de

serviços prestados, momento em que os trabalhadores da iniciativa privada já estão, há muito,

retirados dos inóspitos ambientes de trabalho. Outrossim, ainda não são tratados com o

respeito a que têm direito.

Ora, se o Supremo Tribunal Federal entendeu que enquanto o

Congresso Nacional não aprovar um projeto de Lei Complementar disciplinando as greves do

setor público, o funcionalismo terá de se submeter (por analogia) aos mesmos limites

impostos aos trabalhadores da iniciativa privada. Também há de se entender, no presente caso,

que enquanto não for regulamentada a aposentadoria especial do servidor, os aplicadores do

direito devem utilizar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e o art. 4°

da LICC, para através da aplicação da analogia, reconhecer o direito à aposentadoria especial

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dos agentes públicos que exerceram ou exercem suas atividades laborativas sob condições

prejudiciais à saúde. No mais, não é demais lembrar que, da dicção do art. 5º da Lei de

Introdução ao Código Civil, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se

dirige e às exigências do bem comum.

Por derradeiro, para confirmar tal posição, destaca-se aqui a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO

SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR

DISCIPLINANDO A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO

LEGISLATIVA. 1. Servidor público ocupante do cargo de tecnologista

da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Alegado exercício

de atividade sob condições de insalubridade. 2. Reconhecida a omissão

legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as

condições para o implemento da aposentadoria especial. 3. Mandado

de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora legislativa

à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do

art. 57 da Lei n. 8.213/91.

MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO

SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR

DISCIPLINANDO A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO

LEGISLATIVA. 1. Servidores públicos vinculados ao Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ao Ministério da Saúde.

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Alegado exercício de atividade sob condições de insalubridade e

periculosidade. 2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da

ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento

da aposentadoria especial. 3. Mandado de injunção conhecido e

concedido, em parte, para comunicar a mora legislativa à autoridade

competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei

n. 8.213/91.

2.5. DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

Como já dito alhures, os servidores da FUNASA, que trabalharam sem

proteção durante aproximadamente vinte anos borrifando casas pelo interior do Estado do

Acre, com a árdua missão de combater doenças endêmicas graves como a dengue, febre

amarela e malária, sofrem, atualmente, as consequências do envenenamento pelo inseticida

DDT.

A grande questão a ser enfrentada aqui é a comprovação de que as

doenças apresentadas pelos trabalhadores da FUNASA têm relação direta com a intoxicação

em virtude da atividade com o uso do DDT.

Ora, tal acontecimento não se pode negar, primeiramente em razão de

uma série de estudos existentes acerca do presente tema, já demonstrados anteriormente, os

quais, de forma unânime, confirmam a capacidade toxicológica do DDT, e atribuem a essa

substância os vários problemas de saúde apresentados pelos funcionários.

O fato é que existem trabalhadores que estão numa situação de

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vulnerabilidade muito grave. Deve-se ter em mente, portanto, que existe uma condição social

atualmente que demonstra as consequências ocasionadas pelo trabalho insalubre em que

viveram. Ou seja, há uma questão que deve, antes de tudo, ser bastante clara: os trabalhadores

foram expostos, sem a devida proteção, a uma substância potencialmente tóxica, que se

acumula no ambiente e no corpo humano, que foi, inclusive, banida dos Estados Unidos,

banida da Comunidade Europeia e, posteriormente, banida do Brasil.

O DDT contamina o solo, a água, o ar e está relacionado com a extinção

de insetos, peixes, aves, mamíferos e outras espécies animais, podendo permanecer no

ambiente por dezenas de anos sem se degradar.

Isso já foi, inclusive, demonstrado no livro Silent Spring (A Primavera

Silenciosa), lançado em 1962, pela bióloga Rachel Carson, que concluiu que o DDT e outros

pesticidas prejudicavam irremediavelmente os pássaros e outros animais, e deixavam

contaminado todo o suprimento mundial de alimentos, devido ao fato dos resíduos dos

inseticidas organoclorados se acumularem nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do

homem, provocando câncer e dano genético.

Além da penetração do DDT na cadeia alimentar, Rachel mostrou que

uma única aplicação de DDT em uma lavoura matava insetos por semanas e meses e atingia

um número incontável de outras espécies, permanecendo tóxico no ambiente mesmo com sua

diluição pela chuva.

A referida obra teve repercussão mundial e constituiu um marco na

tomada de consciência, pelos cientistas e pela população em geral, e resultou, nos Estados

Unidos, em pressão por novas leis sobre os pesticidas.

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Além disso, o fato dos efeitos colaterais decorrentes do uso em larga

escala do inseticida terem levado a maioria dos países a banir a fabricação e a utilização desse

agente químico de alto poder residual, é, sem sombra de dúvidas, a maior prova da toxicidade

do DDT e de suas consequências maléficas à saúde humana. É o que aduz a especialista em

neurologia e saúde do trabalhador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Heloísa

Pacheco Ferreira, no Programa Expressão Nacional. Vejamos:

“O DDT é comprovadamente tóxico, não há mais dúvidas de sua

toxicidade. Portanto, a ingestão ou inalação traz efeitos tóxicos,

principalmente ao longo do tempo.”

Ora, se na hora da aplicação do DDT pelos trabalhadores, mais

precisamente no momento da borrifação intradomiciliar, eram retirados do local todas as

pessoas que ali residiam, tanto as crianças como os adultos, e até mesmo os animais, é de se

notar que já estavam atestando as consequências maléficas que poderiam ser trazidas à saúde

humana pelo contato com aquele inseticida.

Ademais, é importância registrar que o Projeto de Lei do Senado n°

416, de 1999, de autoria do ilustre Senador Tião Viana, com parecer favorável da Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) foi, só agora, mais de dez anos após a iniciativa do

Senador, sancionado. A Lei nº 11.936, sancionada e publicada no Diário Oficial em 14 de

maio de 2009, além de proibir a fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque,

e comercialização do DDT, determina que “os estoques de produtos contendo DDT existentes

no Brasil devem ser incinerados no prazo de 30 dias, tomadas as devidas cautelas para

impedir a poluição do ambiente e riscos para a saúde humana e animal.”

E mais, a nova legislação determina, ainda, que “o Poder Executivo

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realizará, no prazo de 2 (dois) anos, a contar da publicação da lei, estudo de impacto

ambiental e sanitário causado pelo uso de DDT para controle de vetores de doenças

humanas, na Amazônia.”

Como se vê, passaram-se mais de dez anos para a referida lei ser

sancionada, de forma que não se pode esquecer que, durante todo esse período, já ocorreram

milhares de mortes e de enfermidades graves devido ao chamado uso residual do DDT

O preparo do produto para borrifação ocorria sem qualquer cautela por

parte das vítimas, que o colocavam em um balde com água dissolvendo-o, utilizando, muitas

vezes, as mãos como se fossem pás misturadoras.

Além disso, as próprias esposas afirmam que, desde quando passaram a

lavar as fardas dos trabalhadores, que eram as roupas utilizadas por eles nos trabalhos de

borrifação intradomiciliar com uso do DDT, começaram a ter alergia e coceira nas mãos.

Ora, diante de toda essa realidade, não sobra a menor dúvida de que os

ex-guardas, funcionários da FUNASA, conhecidos popularmente como mata-mosquitos, na

luta incansável contra a malária e demais epidemias, sofreram, no decorrer do tempo,

múltiplas agressões em seus organismos, gerando graves distúrbios de natureza fisiológica e

psicológica, em decorrência do contato prolongado com o inseticida, cuja utilização no

trabalho de borrifação fazia parte de suas rotinas diárias.

É impossível negar que os sintomas apresentados pelos trabalhadores,

enquanto perdurou o trabalho de campo por eles realizado, guardam estreita relação com os

efeitos atribuídos pelos especialistas ao DDT e outros inseticidas, já que analisando os 114

(cento e quatorze) resultados de exames toxicológicos realizados em funcionários da

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FUNASA pelo Instituto Evandro Chagas, situado em Belém/PA (Ofício nº 128/Core/AC),

verifica-se que o DDT ainda está presente no organismo daquelas pessoas.

A relação de causalidade é o vínculo entre o dano produzido e a atuação

do Estado. O dano, para ser reparável, precisa ser certo e ferir uma situação protegida pelo

sistema jurídico brasileiro, além de possuir um valor economicamente apreciável. Como

demonstrado no presente caso, o dano demonstra-se através das doenças apresentadas e a

presença do DDT no organismo dos trabalhadores. Já a atuação do Estado, que pode ser

entendida como a ação ou omissão ilícita do Poder Público, verifica-se no trabalho

desenvolvido pelos funcionários da FUNASA que, sem os instrumentos de proteção

adequados, tinham que manusear uma substância altamente tóxica (DDT) no combate à

mosquitos transmissores de doenças.

2.6) DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Os agentes públicos responsáveis, dentre outras incumbências, pela

proteção da saúde estão sujeitos às normas da responsabilidade administrativa. Ou seja, toda

ação ou omissão de um agente público que contrarie o ordenamento jurídico sujeita-o às

sanções previstas em lei, porque a responsabilidade administrativa é a garantia da população

contra a atuação omissa, arbitrária ou arriscada de um agente público.

Trata-se, nesse caso específico, da responsabilidade objetiva do Estado,

cujo fundamento assenta-se no art. 37, § 6º da Constituição de 1988, que dispõe que “As

pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos

responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

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A discussão trava-se no campo da responsabilidade civil, que, se

reconhecida, gera o dever jurídico de reparar o dano causado, conforme previsto no art. 927,

do Código Civil de 2002, in verbis:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando

a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por

sua natureza, riscos para o direito de outrem.”

Por se cuidar de responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco

administrativo, é bastante para originar a obrigação reparadora estatal a existência do fato

lesivo provocado ao terceiro, observado o nexo de causalidade entre o dano e a atividade

administrativa.

O fato é que, devido à utilização do DDT no processo de erradicação da

malária, centenas de servidores públicos da FUNASA, exercendo funções de agentes de

saúde, no desempenho de suas atividades, voltadas ao combate dos mosquitos transmissores

de doenças, tanto na zona rural, quanto na zona urbana e intradomiciliar, com a aplicação do

DDT nas paredes das casas, estavam constantemente expostos à ação das substâncias tóxicas

presentes na fórmula do DDT.

Tal fato se verifica ao analisarmos o grau de intoxicação contraído pelos

trabalhadores em níveis acima do padrão de normalidade fixado pela Portaria nº 12 de

06/06/83 da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (normal: 3 ug/dl). Eis o nível de

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DDT apurado, apenas a título de exemplo:

1. MANOEL BARBOSA GOMES – DDT total: 7,98 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 89/90);

2. JOSÉ CARDOSO ROCHA – DDT total:11,77 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 91/92);

3. JOÃO OLIVEIRA DE SOUZA – DDT total: 8,75 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 132/333).

4. ANTONIO SOUZA DA CUNHA – DDT total: 10,71 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls.

167/168)

Como se vê, o resultado acima é compatível com a intoxicação, ou seja,

há a presença de Pesticidas grupo Orgâno-Clorado, no material cromatografado.

Assim, a atividade insalubre enseja responsabilidade civil objetiva. O

artigo 189 da CLT pode servir de instrumento para auxiliar na definição dessa atividade. O

citado artigo a define da seguinte forma:

“Art. 189 Serão consideradas atividades ou operações insalubres

aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho,

exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites

de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente

e do tempo de exposição aos seus efeitos.”

Com isso, há de ser reconhecida a responsabilidade objetiva do Estado

do Acre e da FUNASA pelos danos sofridos pelos seus funcionários ao longo desse tempo, já

que o comando constitucional impõe que o Poder Público, por meio do cumprimento de

políticas, fomente uma vida saudável dos seus cidadãos.

Aliás, não se pode deixar de registrar que já houve intervenção do

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Judiciário na apreciação do problema em questão. É que já existe ação individual na 2ª Vara

Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre, fazendo-se acompanhar com laudo

toxicológico, estudo neurológico e laudo médico do trabalho que comprovam o alto grau de

contaminação por DDT.

Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região, conforme ementa que se transcreve:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGENTES DE

SAÚDE CONTAMINADOS POR PRODUTOS TÓXICOS NO

EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. CUSTEIO DO TRATAMENTO

MÉDICO PELA FUNASA. TUTELA ANTECIPADA. CABIMENTO.

1. Incensurável a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da

tutela, ao determinar à FUNASA que assumisse o custeio do

tratamento médico de seus funcionários, acometidos de intoxicação

por agentes químicos (DDT e mercúrio), no exercício de suas

atividades profissionais, tendo em vista a verossimilhança da alegação

e por estar comprovada a possibilidade da ocorrência de dano

irreparável ou de difícil reparação ao direito dos Autores.

2. Precedentes desta Corte. 3. Agravo de instrumento improvido. 4.

Agravo regimental prejudicado.

(AGA 2000.01.00.089466-4, TRF 1ª REGIÃO, FAGUNDES DE DEUS,

DJ 26/09/2003.)

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E

MORAIS. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. INTOXICAÇÃO

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POR DDT. PERIGO DE GRAVE DANO EM CASO DE INTERUPÇÃO

DE TRATAMENTO. TUTELA ANTECIPADA. POSSIBILIDADE.

1. Sendo relevante o fundamento ao pedido - responsabilidade objetiva

do Estado por grave dano à saúde do servidor - e estando presente o

perigo de dano irreparável, pois o funcionário está comprovadamente

intoxicado por DDT no trabalho que desenvolveu, não pode aguardar

o julgamento definitivo da lide para iniciar o tratamento médico.

2. Agravo de instrumento improvido.

(AG 2000.01.00.126542-7/PA, TRF 1ª REGIÃO, SELENE MARIA DE

ALMEIDA, DJ 27/08/1999.)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.

SERVIDOR CONTAMINADO COM DDT. PRESENÇA DOS

REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA

ANTECIPADA.

1. Havendo risco de dano irreparável para o Agravado que,

contaminado com DDT no trabalho que desenvolvia junto à FUNASA,

não pode esperar o final do processo para iniciar o seu tratamento

médico, deve ser mantida a decisão que, antecipando os efeitos da

tutela, compele a FUNASA a assumir o custeio do referido tratamento.

2. Nega-se provimento ao agravo de instrumento.

(AG 2002.01.00.030296-2/PA, TRF 1ªREGIÃO, MARIA ISABEL

GALLOTTI RODRIGUES, DJ 10.12.2002.)

PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.

PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS.

1. Sendo relevante o fundamento da súplica - responsabilidade

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objetiva do Estado - e estando presente o risco de dano irreparável,

pois os recorridos, comprovadamente intoxicados por agentes químicos

(mercúrio e DDT) no trabalho que desenvolvem, não podem esperar o

final do processo para iniciar o tratamento, é de ser mantida a decisão

que, antecipando os efeitos da tutela, compele a FNS a assumir o

custeio pelo respectivo tratamento.

2. Improvimento do agravo de instrumento.

(AG 1998.01.00.080024-0/PA, TRF 1ªREGIÃO, OLINDO MENEZES,

DJ 10.12.2002.)

Diante dos fatos aqui expostos, resta evidenciado que o direito à vida,

que engloba, dentre outros direitos, saúde e dignidade da pessoa humana, foi sendo

gradativamente sacrificado, merecendo pronta reparação.

3. DA TUTELA ANTECIPADA

Por tudo o que envolve o direito de ação, sobretudo em casos como o

demonstrado acima, no qual se postulam medidas que assegurem a dignidade da pessoa

humana e o pleno gozo do direito à saúde àqueles que, em defesa da vida de toda sociedade,

tiveram seus direitos fundamentais sacrificados, conclui-se que a solução judicial deva

oferecer célere tutela ao direito daqueles trabalhadores.

Como é sabido, o instituto da Tutela Antecipada foi criado pelo

legislador com o objetivo primordial de zelar pela efetividade dos bens em litígio.

Identifica-se, desse modo, na pretensão do litigante em ver seu direito

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reconhecido e tutelado a tempo, com efetividade e presteza do processo, já que, na maioria

das vezes, as ações litigiosas instauradas contra o Poder Público submetem-se a um trâmite

processual moroso, inclusive pelas garantias constitucionais que a este último são atribuídas.

É de se ressaltar que a morosidade na prestação jurisdicional equivale a

uma situação de verdadeira injustiça, sendo que, muitas vezes, a demora na solução da lide

aniquila o próprio direito das partes. Problema este já apontado pelo Prof. Humberto

Theodoro Júnior:

“A demora na resposta jurisdicional muitas vezes invalida toda

eficácia prática da tutela e quase sempre representa uma grave

injustiça para quem depende da justiça estatal.” 2

O pleito, portanto, encontra amparo legal no artigo 273 do Código de

Processo Civil, pelo qual se diz que:

“Art. 273 O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou

parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde

que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da

alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”

Do texto legal, depreende-se que os requisitos para a concessão da

tutela antecipada são a prova inequívoca dos fatos, a verossimilhança da alegação e o fundado

receio de dano irreparável ou de difícil reparação, requisitos presentes no caso, e que, uma vez

verificados pelo Juízo, devem conduzir ao deferimento da medida pleiteada.

2 JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Ed. Forense. 1999.1a Ed. P. 83

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No caso em tela, encontram-se reunidos todos os requisitos exigidos

pela lei processual para o deferimento da tutela antecipada pleiteada.

Quanto à verossimilhança da alegação, não há o que se questionar sobre

a efetiva realidade dos fatos, pois que são incontroversos, como demonstram os documentos

juntados à inicial. Aliás, os próprios demandados oferecem a descrição da natureza da

contaminação pelo DDT, sua evolução e consequências deletérias para a saúde e qualidade de

vida dos trabalhadores e reconhecem a eficácia do tratamento pleiteado. Além disso, os

exames médicos e laboratoriais comprovam, com exatidão, a contaminação, indicando a

existência do inseticida ou de sequelas no organismo daqueles que já se submeteram à

avaliação médica.

O fumus boni iuris, no presente caso, está fundado no direito

fundamental social do homem à saúde, insculpido nos artigos 6º e 196 da Constituição da

República. Tal direito significa, como já dito anteriormente, o reconhecimento jurídico da

dignidade da pessoa humana, e envolve, consequentemente, a efetivação de políticas públicas

que visem a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de uma série de valores

essenciais, cuja preservação possibilita ao homem o pleno desenvolvimento de suas aptidões

no meio social e capacidade laborativa para suprir as necessidades familiares.

Ora, a República Federativa do Brasil garante o direito à vida e é seu

dever diligenciar no sentido de proporcionar esse direito aos seus cidadãos. É por isso que é

indispensável a presença do Estado neste momento, para evitar um mal maior na vida

daqueles trabalhadores e de seus familiares, garantindo que eles possam usufruir de uma vida

saudável, através de um tratamento de saúde adequado, custeado pelo Estado, já que este foi o

responsável pelos danos causados.

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O periculum in mora, por sua vez, encontra-se claramente caracterizado

no risco que a falta de tratamento e medicamentos adequados no combate às doenças

contraídas acarretará a sua saúde daquelas pessoas, eis que, como bem frisado, alguns dos

trabalhadores já estão com seu estado de saúde bastante debilitado, impossibilitados de

desempenhar atividades laborativas, conforme atestam os laudos médicos juntados aos autos

do Inquérito Civil, outros, inclusive já vieram a óbito. Além disso, vale salientar que as

Entidades acionadas através da Recomendação estão deixando de cumprir as obrigações a elas

instituídas, lesando os direitos das vítimas do mal causado pelo DDT, a partir do momento

em que deixam de disponibilizar o tratamento adequado aos trabalhadores.

Além do mais, muitos desses trabalhadores, até o presente momento,

sequer foram submetidos aos exames ou atendidos por médico, e, por conseguinte,

lamentavelmente, estão fora do alcance da atenção especializada que lhes é devida.

Dessa forma, torna-se evidente o "periculum in mora" pela urgência que

requer o caso em questão. O fundamento decorre do perigo de que, com a natural demora do

processo, não haja mais saúde a reparar. Desta forma, é imprescindível a medida antecipatória,

já que o perigo da demora pode ocasionar sérias consequências na vida de todos aqueles

funcionários e de seus familiares.

Além disso, salienta-se que, somente depois de o DDT ter sido

amplamente empregado ao redor do mundo é que foram divulgados os seus efeitos danosos à

saúde humana e aos ecossistemas, o que resultou na proibição do seu uso, na maioria dos

países. Portanto, o Poder Público não pode deixar de prestar a ampla assistência à saúde das

pessoas que sofreram exposição excessiva e habitual ao DDT durante o período em que

trabalharam com o produto, as quais merecem reparação dos danos ainda em vida.

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Neste eito, o Ministério Público Federal pleiteia a concessão de

TUTELA ANTECIPADA para determinar:

1) que a UNIÃO-MINISTÉRIO DA SAÚDE e O ESTADO DO ACRE,

solidariamente, cumpram as seguintes obrigações de fazer:

1.1) disponibilizar tratamento de saúde imediato, efetivo, prioritário, por

especialistas (neurologistas, oncologistas e toxicologistas) para todos os

funcionários, ex-funcionários da FUNASA/AC, e seus familiares,

intoxicados pelo DDT;

1.2)formar equipe de saúde itinerante, à semelhança das equipes do

PSF, integrada por médicos, psicólogos, e assistentes sociais, todos com

dedicação exclusiva às vítimas do DDT, para atendimento domiciliar,

tanto na capital como no interior do estado, realizando visitas e fazendo

o devido acompanhamento da saúde das vítimas do DDT;

1.3) formar equipe administrativa, sediada no ACRE, com dedicação

exclusiva ao tema do DDT, coordenada por servidor encarregado de

prestar contas regularmente ao juízo, para, em perfeita interlocução com

a equipe itinerante e com os especialistas indicados no item 1.1,

agendar consultas, exames, providenciar transporte, ofertar assistência

logística e hospedagem aos pacientes e a um acompanhante por

paciente, elaborar relatório clínico das providências adotadas com

relação a cada vítima do DDT, bem como para adotar todas as medidas

administrativas que se fizerem necessárias para o fiel cumprimento da

decisão judicial, em virtude da magnitude do tema, da quantidade de

vítimas e do incomensurável conjunto de medidas práticas a serem

adotadas para o cumprimento da decisão, à semelhança das atribuições

do síndico ou do administrador judicial, nas ações de falência.

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2) Que a FUNASA/AC cumpra obrigações de fazer, consistentes em:

2.1) fazer cessar, total e imediatamente, qualquer contato dos servidores

da FUNASA/ACRE com qualquer substância nociva à saúde;

2.2) retirar, no prazo de 15 dias, todos os produtos tóxicos inseticidas

existentes em suas instalações no Estado do Acre, dando-lhes a

destinação adequada, impedindo que outros entes federados ou outras

instituições utilizem de suas dependências para armazenar, manipular,

preparar tais substâncias, ou reparar borrifadores e outros aparelhos

similares;

2.3) proceder à avaliação da saúde de todos seus funcionários, para

verificar se estão em condições de continuar trabalhando, providência a

ser realizada por junta médica alheia à instituição, para tanto

constituída, haja vista a postura de resistência até então apresentada

pelo ente;

2.4) apresentar todas as certidões de óbito de seus servidores ativos e

aposentados, cujo passamento tenha ocorrido a partir de 1990.

Pleiteia, ainda, o Ministério Público Federal, em sede de antecipação de

tutela, com fulcro no art. 11, da Lei nº 7.347/85, a cominação de multa diária, em valor a ser

estipulado segundo o prudente arbítrio desse Juízo, de molde a desestimular a omissão dos

demandados em desatenção à eventual ordem judiciária concedendo a antecipação ora

pleiteada.

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4. DO PEDIDO

Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

a) o deferimento da antecipação da tutela jurisdicional, com a

cominação de multa diária e a responsabilização pessoal dos agentes públicos;

b) a citação dos Réus, na forma da lei, para, querendo, contestar a

presente ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato,

em caso de revelia;

c) a confirmação, por sentença de mérito, de todos os pedidos

pleiteados como antecipação de tutela, com julgamento de procedência desses pedidos;

d) a condenação da demandada FUNASA à obrigação de pagar quantia,

consistente em indenizar os servidores e demais vítimas do DDT que tenham sofrido redução

de sua qualidade de vida, por força das doenças decorrentes do contato com o DDT, bem

assim indenizar os familiares daqueles servidores cujo óbito tenha relação com a intoxicação

pelo DDT;

e) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos,

por força da isenção prevista no art. 4º, inciso III, da Lei 9.289/96;

f) a juntada da documentação que segue em anexo a esta petição, qual

seja o Inquérito Civil Público nº. 1.10.000.000556/2008-60, procedente desta Procuradoria da

República no Estado do Acre.

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Protesta, outrossim, pela produção de todos os meios de prova em

direito admitidos, principalmente documental, testemunhal, pericial e outras que se fizerem

necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se

vier a formar com a apresentação de contestação.

Dá-se à causa o valor de alçada, considerando o caráter inestimável do

direito que se postula.

Termos em que pede deferimento.

Rio Branco/AC, 26 de maio de 2009.

RICARDO GRALHA MASSIA,Procurador Regional dos Direitos do Cidadão.

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