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Exercício 1 Estica uma folha de papel numa prancheta de madeira. Deste modo o papel também desejará o desenho. Por vezes o teu desejo só não basta. É preciso dispor o espaço e os materiais para que o aumentem. Melhor será, por isso, usar um tipo e um formato de papel não normalizado. O formato do papel deve apelar a ser palco de um acontecimento que ainda não existe, mas que, em potência, está lá. Numa folha de papel, que cortaste de medida tal que já por si revele ser palco de um acontecimento singular, desenha a lápis, com a ajuda de uma régua, uma linha leve. Desenha-a com tal colocação e com tal medida que ela não apareça como fixa, ou estável, mas antes indique querer movimentar-se, querer crescer, querer diminuir ou querer ir ao encontro de algo. Olha para esta linha rodeada pelo campo da folha e vê como lhe é difícil manter a sua posição. Repara que esta dificuldade é um constituinte essencial da sua singularidade, do ser aquela linha e não qualquer outra. Olha até teres a sensação que lhe podes dar um nome. Olha mais profundamente para ela, agora que a nomeaste, e apreende-lhe o corpo próprio. Vê como ele é duplamente constituído. Por uma afecção da superfície do papel, um leve vinco, e por uma distribuição quase uniforme de matéria ao longo do seu comprimento. Separa, com os olhos da mente, esse corpo dos seus constituintes. Volta a reunir, em imaginação, o corpo duplo da linha. E nota como essa união única também constitui a sua singularidade. Esta linha não é apenas, à maneira da geometria, uma parte de um sistema geral de relações de medida, abstracta, mas antes um corpo real a que também chamamos linha, pelo uso comum da linguagem que tem tanta dificuldade em falar de coisas singulares. Actua agora sobre essa linha, consciente da violência dessa actuação. Actua sobre o seu corpo mudando-o. faz variar as qualidades do seu corpo duplo, vincando mais ou menos o papel e redistribuindo a matéria ao longo do seu comprimento. Acentua-lhe nesta acção o seu desejo de movimento. Comtempla como essa linha que se mostra como apetite de movimento tem ainda assim um carácter de impermanência externa e fixa. Como se fosse esse o seu modo de ser. como se essa impermanência definisse a sua eterna singularidade. Antes de voltares ao exercício, sai. Repara à tua volta em coisas em coisas semelhantes às que acabaste de observar no exercicío. Como se a natureza comportasse uma miríade destas linhas. Repara-lhes nas variações de intensidade ao longo do comprimento, no corpo duplo, no movimento suspenso das linhas, na sua relação com o campo em que se inscrevem. Leva o tempo que fôr necessário neste exercício de observação. Vai comparando as afecções da linha do teu exercício com as que observas na natureza. Volta à folha de papel. Repara agora como ela exige que o campo onde está inscrita se lhe adeque e sustente no seu modo de ser. Tendo atenção às variações de intensidade ao longo da linha, vai, da linha para o exterior, preenchendo a folha de papel, modulando a superfície, criando um mundo onde a linha se possa suster. Usa para isso a matéria mais subtil: uma leve aguada, ou um lápis de cor clara, por exemplo. Não é necessário que todo o papel seja preenchido, mas a mancha que resultar deve acentuar o carácter de permanência da linha nessa sua situação insustentável. Exercício 2

Exercicios de Desenho Sobre Espinosa

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Page 1: Exercicios de Desenho Sobre Espinosa

Exercício 1

Estica uma folha de papel numa prancheta de madeira. Deste modo o papel também desejará o desenho. Por vezes o teu desejo só não basta. É preciso dispor o espaço e os materiais para que o aumentem. Melhor será, por isso, usar um tipo e um formato de papel não normalizado. O formato do papel deve apelar a ser palco de um acontecimento que ainda não existe, mas que, em potência, está lá.

Numa folha de papel, que cortaste de medida tal que já por si revele ser palco de um acontecimento singular, desenha a lápis, com a ajuda de uma régua, uma linha leve. Desenha-a com tal colocação e com tal medida que ela não apareça como fixa, ou estável, mas antes indique querer movimentar-se, querer crescer, querer diminuir ou querer ir ao encontro de algo.

Olha para esta linha rodeada pelo campo da folha e vê como lhe é difícil manter a sua posição.

Repara que esta dificuldade é um constituinte essencial da sua singularidade, do ser aquela linha e não qualquer outra. Olha até teres a sensação que lhe podes dar um nome.

Olha mais profundamente para ela, agora que a nomeaste, e apreende-lhe o corpo próprio.Vê como ele é duplamente constituído. Por uma afecção da superfície do papel, um leve vinco, e por uma distribuição quase uniforme de matéria ao longo do seu comprimento.

Separa, com os olhos da mente, esse corpo dos seus constituintes. Volta a reunir, em imaginação, o corpo duplo da linha. E nota como essa união única também constitui a sua singularidade.

Esta linha não é apenas, à maneira da geometria, uma parte de um sistema geral de relações de medida, abstracta, mas antes um corpo real a que também chamamos linha, pelo uso comum da linguagem que tem tanta dificuldade em falar de coisas singulares.

Actua agora sobre essa linha, consciente da violência dessa actuação. Actua sobre o seu corpo mudando-o. faz variar as qualidades do seu corpo duplo, vincando mais ou menos o papel e redistribuindo a matéria ao longo do seu comprimento.Acentua-lhe nesta acção o seu desejo de movimento.

Comtempla como essa linha que se mostra como apetite de movimento tem ainda assim um carácter de impermanência externa e fixa. Como se fosse esse o seu modo de ser. como se essa impermanência definisse a sua eterna singularidade.

Antes de voltares ao exercício, sai.Repara à tua volta em coisas em coisas semelhantes às que acabaste de observar no exercicío. Como se a natureza comportasse uma miríade destas linhas. Repara-lhes nas variações de intensidade ao longo do comprimento, no corpo duplo, no movimento suspenso das linhas, na sua relação com o campo em que se inscrevem.

Leva o tempo que fôr necessário neste exercício de observação. Vai comparando as afecções da linha do teu exercício com as que observas na natureza.

Volta à folha de papel. Repara agora como ela exige que o campo onde está inscrita se lhe adeque e sustente no seu modo de ser.

Tendo atenção às variações de intensidade ao longo da linha, vai, da linha para o exterior, preenchendo a folha de papel, modulando a superfície, criando um mundo onde a linha se possa suster. Usa para isso a matéria mais subtil: uma leve aguada, ou um lápis de cor clara, por exemplo. Não é necessário que todo o papel seja preenchido, mas a mancha que resultar deve acentuar o carácter de permanência da linha nessa sua situação insustentável.

Exercício 2

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Numa folha de papel esticada, sem grão, desenha levemente a lápis, com a ajuda de uma régua, os contornos de um quadrado com quatro centímetros de lado.Encontra, para o quadrado, um lugar na folha de papel onde ele se encontre numa posição estável.

Preenche o interior do quadrado, a lápis, tranquilamente, com uma textura uniforme.Primeiro de cima para baixo. Depois da esquerda para a direita. Por fim disfarça qualquer variação da textura no preenchimento do quadrado, até o olhar ter dificuldade em distinguir qualquer irregularidade.

Sai. Procura no que está à volta, em casa, na rua e na natureza, superfícies ou partes de superfície, que tenham essa característica de uniformidade.

Repara nos diversos tipos de limites e fronteiras que essas superfícies fazem com o que está à volta. Vê a forma dos contornos dessas superfícies.Repara nas modulações dessas linhas de contorno, se são subtis, abruptas, contínuas ou descontínuas. Leva o tempo que for preciso para guardar na memória algumas das modalidades de passagem de uma superfície a outra.

Volta ao desenho. Aplica, a cada um dos lados do quadrado, diferente para cada um deles, esses modos de mudança e essas características de fronteira e contorno, que guardaste na memória. Partindo do lado do quadrado para o interior do papel. Sempre a lápis.

Volta a sair. Observa superfícies uniformes, vê como variam no seu contorno e para além dos limites do seu contorno. Observa como essas variações contribuem para a permanência ou impermanência da superfície, para a sua estabilidade ou instabilidade, para a sua definição ou indefinição.

Relaciona a linha do exercício 1 com as superfícies do exercício 2, vê como funcionam em conjunto. Observa na naturesa a sua interligação, as suas dinâmicas conjuntas. Inventa para ti próprio exercícios onde esta ligação seja posta em funcionamento.

Exercício 3

Desenha, à mão livre, um cilindro e um cone.Desenha-os de modo a que ocupem grande parte da folha de papel.Imagina acções que este cilinddro e cone possam sofrer.Quedas, arrastamentos, elevações. Acções que não modifiquem substancialmente a sua forma, mas que os obriguem a alterar a sua posição no espaço.

Preenche e modela o interior do cilindro e do cone tendo em mente a acção que imaginaste e escolheste para cada um deles.

Noutra folha de papel desenha linhas que representem ou sugiram as acções que imaginaste para as figuras.Modela o interior da linha de forma a acentuar essa sugestão.

Numa terceira folha de papel cria uma simbiose entre a figura e a linha, como se o corpo da figura fosse modificado pela acção dessa linha.

Preenche o interior da figura tendo em atenção o que se propôs nos exercícios 1 e 2.

Exercício 4

Passeia-te na Natureza.Observa as plantas.

Imagina como sentirás o toque de cada folha nos teus dedos a partir da sua aparência.

Depois de imaginares essa sensação toca-lhes.Verifica como muitas vezes a sensação real não corresponde àquela imaginada. E que,

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quando este caso se dá, essa estranha sensação permanece mais tempo e mais viva na memória do teu corpo.

Que modificaçōes poderia ter na sua aparência essa folha para corresponder à tua sensação sentida.Desenha essa folha mostrando essas modificações, alterando-lhes o aspecto.

Desenha-a primeiro como ela é, escondendo a sensação que irá provocar ao teu tacto; desenha-a depois como ela deveria ser aparentemente para que não sejas enganado na tua sensação.

Exercício 5

Desenha à vista, no exterior.Com o papel esticado numa prancheta facilmente transportável.A lápis.

Tenta desenhar todo o ambiente, não apenas um objecto ou grupo de objectos.

Usando linhas prolongadas não te abstraias do teu corpo neste exercício.sente o que se vai passando no interior do teu corpo e sente a influência das condições exteriores.Faz com que essas sensações influenciem e interfiram no teu modo de desenhar a linha.Que a linha não represente apenas a sua referência ao que vês, mas também aquilo que estás a sentir.

Deixa que as moscas piquem no intervalo das linhas.

Exercício 6

Neste exercício não é a pura representação que está em causa, mas antes o jogo de forças combinadas entre os elementos do desenho, aquilo que eles pretendem representar, e o teu corpo que faz.

Escreve o teu nome completo.Mas escreve-o da seguinte maneira: de forma que em cada momento pudesses suspender a escrita, mesmo que seja a meio de cada letra.

Repara como ficou o teu nome desenhado, muito mais desenhado do que escrito.Como acontecia nessa altura em que a tua mente já sabia como se escrevia mas o teu corpo ainda não o tinha aprendido.

Agora desenha um rosto,à vista.Tenta dar a cada traço uma orientação diferente da habitual. Se o costumas fazer da esquerda para a direita, fá-lo da direita para a esquerda; se o costumas fazer de cima para baixo, fá-lo de baixo para cima.

Repara no que aconteceu ao tempo de observação, e à relação desta com o tempo do gesto.

Exercício 7

Que pode o gesto do teu corpo em relação ao aprofundar da observação e da disposição em que te colocas para olhar?

Busca um pedaço de matéria facilmente moldável uma e outra vez, do tamanho de um punho fechado. Dá-lhe uma forma, uma qualquer.

Coloca-a bem à tua frente à altura dos olhos.Desenha rapidamente o teu contorno.

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Volta agora ao modelo, compara-o com o desenho e modifica-o, de forma a que o modelo se aproxime da sua representação.A representação agora é o modelo daquilo que foi representado.

Coloca, de novo, na mesma posição, à frente dos olhos a matéria assim modificada.

Desenha-a outra vez, mais lentamente e com mais atenção. Muda depois o modelo a partir do desenho.

Vai repetindo o procedimento, cada vez mais finamente e com maior acuidade. Até teres a noção dos limites da finura do teu gesto e da tua observação e como esses limites no final se tocam.

Quando tiveres suficientemente treinado neste exercício podes começar também a reparar no interior da forma, e representá-la, e observar como a mudança no contorno implica alterações mais ou menos profundas no interior do objecto. E como para cada objecto existe uma relação profunda entre o seu contorno e o seu interior.

Observa na natureza essa relação.Imagina alterações na articulação dos limites com o que está limitado.

Exercício 8

Imagina uma esfera.

Mas coloca essa esfera imaginada em vários palcos da imaginação.Não apenas no pequeno teatro escuro, que fica lá dentro à altura dos teus olhos, mas imagina-a também noutros lugares no interior do teu corpo, ou no espaço exterior: em frente, atràs; perto, longe; à esquerda, à direita; em cima, em baixo.

Vê, com os olhos da mente, como esta esfera, assim diversamente imaginada, se modifica, aumenta e diminui, ganha brilhos ou cores diferentes e adquire mesmo movimento.

Desenha a esfera imaginada de diversas formas.Escreve ao lado de cada esfera desenhada a descrição do palco da imaginação onde a foste buscar.

Repara na estranha relação entre a esfera desenhada, a descrição e o campo do papel em que o desenho e o que está escrito coabitam.

Exercício 9

Volta à Natureza: ao campo ou ao jardim.

Olha para algo que se mova.Mal a tua percepção transforme em coisa isso que se mexe, olha para um movimento diferente.E assim sempre, todo o tempo que conseguires, até parecer que tuso perde a consistência, ou melhor, que tudo ganha a mesma substância.

Agora, a partir de uma linha imaginária sobre a qual voe a tua visão vê alguns desses movimentos.Une-os e transforma-os em tema do teu desenho. Faz desse conjunto de moventes o teu objecto a desenhar

Exercício 10

De preferência, começam-se os desenhos nos campos e finalizam-se em pensões.

Nem num sítio nem noutro nada é nosso.

Mas convém imaginar o local ideal para o desenho, e se possível crià-lo.Que seja uma conjunção acertada entre interior e exterior, onde se possam ter à mão e

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Que seja uma conjunção acertada entre interior e exterior, onde se possam ter à mão e convocar as coisas do mundo que forem necessárias para que o desenho se deseje e aconteça.

Imagina, sem prazo, este local ideal, traça-lhe os planos, desenha-os em imaginação, estuda-lhes os habitantes e os espaços.E, se puderes começa a construí-lo.