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1 EXTRATO DA 8ª REUNIÃO Data: 19/05/2016 (17h00) Local: Faculdade de Direito da PUC-Campinas Presentes Caio Rossi de Blasco; Daniela Smaniotto; Débora Bento; Felipe Vivas; Fernando H. R. Godoy; Gabriel Ferreira; Giovanna Oliveira Furlan; Lauren Caroline Rodrigues Zanuto; Letícia Ferreira; Luiz Felipe Martins Carvalho; Priscila Mattos Pereira; Silvio Beltramelli Módulo do Semestre Materialismo histórico-dialético aplicado Leituras BELTRAMELLI NETO, Silvio. Direito Fundamental a Moradia do Trabalhador Migrante. Santos: Leopoldianum, 2015. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Dogmática jurídica: um olhar marxista. In: KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto et al (Org.). Para a crítica do Direito: Reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Dobra, 2015. p. 173-193. LOWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: Marxismo e Positivismo na Sociologia do conhecimento. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2009. MASTRODI, Josué. Ponderação de direitos e proporcionalidade das decisões judiciais. Direito GV, São Paulo, v. 2, n. 10, p.577-596, dez. 2014. Agradecimentos Os integrantes do GEDiSC agradecem a participação do Prof.º Dr.º Josué Mastrodi e dos seus alunos, orientandos em Iniciação Científica e, também, Monografia de conclusão de curso na PUC-Campinas. Síntese dos conceitos discutidos (1) "Michael Lowy: As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen - Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento" 1 O Positivismo ou o Princípio do Barão de Munchhausen 1 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Caio Rossi de Blasco.

EXTRATO DA 8ª REUNIÃO · - Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento" 1: ... começo do XIX. Utopia críticorevolucionária da ... conservadora de manutenção da ordem

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EXTRATO DA 8ª REUNIÃO

Data: 19/05/2016 (17h00) Local: Faculdade de Direito da PUC-Campinas Presentes Caio Rossi de Blasco; Daniela Smaniotto; Débora

Bento; Felipe Vivas; Fernando H. R. Godoy; Gabriel Ferreira; Giovanna Oliveira Furlan; Lauren Caroline Rodrigues Zanuto; Letícia Ferreira; Luiz Felipe Martins Carvalho; Priscila Mattos Pereira; Silvio Beltramelli

Módulo do Semestre Materialismo histórico-dialético aplicado Leituras BELTRAMELLI NETO, Silvio. Direito Fundamental

a Moradia do Trabalhador Migrante. Santos: Leopoldianum, 2015. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Dogmática jurídica: um olhar marxista. In: KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto et al (Org.). Para a crítica do Direito: Reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Dobra, 2015. p. 173-193. LOWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: Marxismo e Positivismo na Sociologia do conhecimento. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2009. MASTRODI, Josué. Ponderação de direitos e proporcionalidade das decisões judiciais. Direito GV, São Paulo, v. 2, n. 10, p.577-596, dez. 2014.

Agradecimentos

Os integrantes do GEDiSC agradecem a participação do Prof.º Dr.º Josué Mastrodi e dos seus alunos, orientandos em Iniciação Científica e, também, Monografia de conclusão de curso na PUC-Campinas.

Síntese dos conceitos discutidos

(1) "Michael Lowy: As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen - Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento"1

O Positivismo ou o Princípio do Barão de Munchhausen

1 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Caio Rossi de Blasco.

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- Objetivo deste capítulo: estudo das concepções positivistas no domínio das ciências sociais (destaque para a doutrina da neutralidade axiológica do saber);

- Premissas do sistema positivista:

1 - sociedade regida por leis naturais/invariáveis (sem vontade ou ação humana/ no social: vigência de uma harmonia natural);

2 - sociedade estudada por métodos (démarches) aplicados às ciências da natureza;

3 - ciências sociais devem ser como as da natureza (explicações objetivas, neutras, sem ideologias e/ou julgamentos de valor, sem preconceitos - doutrina da neutralidade axiológica do saber).

Obs.: Usar um ou mais destes axiomas em uma investigação metodológica trás a chamada dimensão positivista ao estudo.

- Surgimento: fins do séc. XVIII, começo do XIX. Utopia crítico-revolucionária da burguesia antiabsolutista (contrária aos poderes concentrados no Rei). Mudança nas concepções no decorrer do séc. XIX até os dias atuais para uma ideologia conservadora de manutenção da ordem industrial/burguesa.

- O axioma da neutralidade leva o positivismo a negar o condicionamento histórico-social do conhecimento, ou seja, a relação conhecimento científico/classes sociais. Sociologia do conhecimento é, portanto, contraditória ao positivismo.

A utopia positivista: Condorcet e Saint-Simon

- positivismo como descendente do iluminismo;

- maior contribuição trazida ao movimento através do enciclopedista Condorcet;

- economia política submetida à "precisão do cálculo";

- ciência neutra e imune aos "interesses e paixões", como a matemática e a física. Ciência Social desvinculada de paixões, ciência racional, precisa e experimental.

- objetivo de Condorcet: emancipar o conhecimento social dos "interesses e paixões" das classes dominantes (a igreja, os reis e os senhores feudais, na época);

- Condorcet e os positivistas em geral não conseguem perceber que até uma ciência racional, precisa e experimental também pode estar ligada a interesses sociais;

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- Saint Simon (discípulo de Condorcet), foi o primeiro a empregar de fato a palavra "positiva" para designar este método. Acreditava na física e na fisiologia como ciências neutras e objetivas capazes de explicar qualquer fenômeno natural e político;

- Simon acredita que muitos pontos de vista não trazem precisão para a política, devendo aplicar-se as leis da natureza para evitarmos qualquer atraso;

- Diferente dos positivistas posteriores, Simon utilizou tal discurso de forma revolucionária. Ele acreditava que as opressões do reino já não coadunavam com a fisiologia orgânica da sociedades, devendo ser revista. Ele passa a se unir com os "produtores" (empresários e operários) contra sanguessugas clericais-feudais. Classificado como "burguês revolucionário".

A ideologia positivista: de Comte até nossos dias

- Augusto Comte é considerado o pai do positivismo ao invés dos anteriores (é discípulo deles), ele que transforma esta visão em ideologia com conceitos e valores;

- Ao contrário de S. Simon, ele quebra com a lógica revolucionária do discurso;

- Ideias de uma física social (futuramente chamada de sociologia - cujo termo foi criado por Comte);

- dominação da vida social por leis naturais invariáveis;

- "A ciência política e moral existem a despeito de disputas... derivam da natureza das coisas, tão seguramente quanto as leis físicas do mundo". Ex.: fenômenos econômicos (concentração de renda). Comte afirma que os proletários ainda reconhecerão a importância da submissão aos senhores do capital. Marx ironiza afirmando que tais argumentos serviriam até para justificar os senhores feudais;

- Trabalho eminentemente conservador e de manutenção do status quo;

- Positivismo de Comte é um dos pilares da ciência universitária moderna;

- Entretanto é Durkheim considerado o pai da sociologia positivista. Este último afirma que tal ciência não evoluiria sem a contribuição e o pensamento positivista de que seu estudo deve dar-se tal qual o de uma ciência da natureza;

- Primeira regra do método sociológico de Durkheim: considerar fatos sociais como coisas;

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- Conceito central da ciência social positiva de Durkheim: a lei social natural (transformação de algo revolucionário para justificação da ordem social estabelecida);

- Por consequência desse pensamento: revoluções são tão impossíveis quanto milagres. É utópico e ilusório (anticientífico) interromper a desigualdade social, por exemplo;

- Sociedade = ser vivo (diversos órgãos cada um com seu papel). Alguns órgãos tem mais importância que outros pelo seu papel (teoria funcionalista das classes sociais);

- Tais como os órgãos cada fração da sociedade deve receber o bastante para satisfazer suas necessidades. Indivíduos ambiciosos são como exceções. O homem encontra felicidade plena na realização de sua natureza. Durkheim prega ainda que o conflito de classes seriam como contrações num corpo e que atrapalham a solidariedade orgânica desta sociedade.

- O termo preconceito usado para designar pontos de vista críticos ou revolucionários. Alteração de significado. Durkheim acredita não existir pátria possível com uma classe social apenas, da mesma forma que não existe um organismo completo apenas com um fragmento de órgão;

- Durkheim e Comte: contrarrevolucionários;

- Como realizar o método de Durkheim: o pesquisador de ciências sociais deve se colocar no mesmo estado de espírito de um físico ou químico. Entretanto, o objeto de estudo, diferentemente dos outros, está sob conflitos políticos, ideologias e "preconceitos passionais". Assim, deve o pesquisador atuar com "boa vontade positivista", ignorando quaisquer teorias (seja individualista, socialista ou comunista) e atuando de forma serena e com sangue-frio. Aspecto psicológico da serenidade;

- Argumenta que não há ciência compatível com espírito revolucionário;

- Entretanto, tal metodologia não é capaz de afastar todas as prenoções. O próprio Durkheim não relacionava a influência conservadora e contrarrevolucionária (que ele reconhecia) de seus textos do método de afastamento que ele pregava. Isso porque ele acreditava em "verdades elementares", sendo que tais "verdades" são invariavelmente preconceitos para outras pessoas.

- Tal positivismo de Comte e Durkheim ainda encontra-se nos dias atuais. Ex.: George Lundberg;

- A "boa vontade" positivista é uma ilusão. Relação entre liberar-se através de um esforço de objetividade de suas crenças e pensamentos e a história do Barão de Munchausen de libertar-se do pântano através da puxada de seus cabelos;

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- As pessoas que pretendem ser objetivas em geral são as que tem mais enraizadas as suas convicções. Considerar suas crenças como "verdades incontestáveis" lhes afasta da possibilidade de lhes livrar de seus preconceitos. Estas convicções podem inclusive ser implícitas e ocultas até ao próprio pesquisador, o que a sociologia chama de "campo do comprovado como evidente" (grupo de ideias que escapa de qualquer dúvida, distância crítica ou questionamento do pesquisador ou de seu grupo de referência).

- Todos os positivistas analisados até então estão fora da condição de "privados de preconceitos". A pretensão à neutralidade deles é ilusão ou ocultamento deliberado. Positivistas mais lúcidos (Karl Popper), demonstraram tal ilusão.

- O aspecto mais relevante do positivismo é a incessante busca da verdade. Uma investigação destinada a outras fins que não a verdade, não se traduz em pesquisa científica, mas de propaganda ou publicidade (instrumento extracientífico). Tal aspecto é necessário, mas não suficiente: elimina-se determinantes exteriores diretos, mas não o condicionamento estrutural e sociocultural do pensamento ("ela permite afastar a mistificação sicofanta, mas não o ponto de vista de classe").

O Marxismo ou o desafio do "princípio da carruagem"

- Marxismo como primeiro discurso a desmascarar as ideologias de classe por detrás dos discursos pretensamente neutros;

- Alguns teóricos Marxistas, por influência positivista, adotaram o discurso do marxismo como ciência da sociedade (ou da história) objetiva e sem vínculos sociais, excluindo a ideia da determinação social da consciência e do conhecimento. Tal atitude é chamada por Max Weber como "princípio da carruagem" (crítica ao marxismo que não se aplica a si mesmo, como uma carruagem que passa sem que nada a detenha);

- Dilema do relativismo enfrentado pelo marxismo: por que a visão de mundo do proletário seria a mais favorável ao conhecimento social que a visão de mundo de outras classes?;

- Marxismo como visão de mundo = utopia revolucionária;

- Marxismo nos Estados pós-capitalistas = caráter ideológico (estalinismo);

Ideologia e ciência segundo Marx

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- Marx define pela primeira vez ideologia em seus escritos da juventude, mas traz versão mais ampla do termo mais tarde em Contribuição à crítica da economia política: seriam as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas sob as quais os homens tomam consciência de um conflito e o levam ao fim.

- Questão importante: como Marx concebia a contradição entre ideologia e ciência no conhecimento social? E de seus antecessores? E a autocrítica a sua obra? Tais questões são abordadas na visão marxista da relação entre sociedade e conhecimento.

- Primeira exposição sobre o tema acontece na obra Dezoito Brumário. Conceito de superestrutura (ideologias e visões de mundo como express ão de determinada classe social).

a) É a classe social que cria sua visão de mundo (superestrutura), que são sistematizadas e desenvolvidas pelos seus representantes políticos e literários. Tal criação visa defender não apenas interesses econômicos, mas também a sua própria situação social.

b) Determinado intelectual não precisa necessariamente ter a mesma situação social da classe que defende, podendo inclusive existir um abismo social e cultural entre elas. O importante e o que os torna representantes de determinada classe é a ideologia (ou utopia) produzida.

c) O que forma a ideologia não é uma ideia em si, mas toda uma "forma de pensar", a problemática de certos temas e o horizonte intelectual adotado. Toda ideologia comporta geralmente uma parte de ilusões e de autoilusões.

- Marx estende este conceito aos representantes científicos (crítica aos economistas como representantes científicos da burguesia). Sendo assim, infere-se que para Marx a ciência e a representação de um ponto de vista de classe não são mutuamente exclusivos. Autonomia relativa da ciência, visto que um estudo econômico pode ter valor científico mesmo que fundamentado em pressupostos ideológicos burgueses.

- Marx distingue entre "clássicos" e "vulgares" nos trabalhos econômicos.

- Os "clássicos" (Ex.: Adam Smith e Riccardo) têm valor científico ao buscar a conexão interna das relações de produção burguesa e por enxergar a realidade por detrás apenas de sua aparência. Uso da teoria do "adubo fértil das contradições", ou seja, compreensão da realidade através do estudo das contradições.

- Os "vulgares" (Ex.: Malthus) apenas sistematizam a aparente realidade e as concepções cotidianas da produção capitalista. Sua análise não ultrapassa o nível da aparência (superficial) e nem procura analisar a questão das contradições.

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- Como explicar economistas de mesma classe social com visões tão diferentes? A primeira explicação é de caráter psicológico e moral:

a) Os clássico agem por interesse científico. Os vulgares acomodam a ciência aos interesses que lhes são estranhos e exteriores.

b) Os clássicos atuavam com lealdade, imparcialidade e a busca da verdade acima de tudo. Os vulgares atuam com má-fé na busca da falsificação da verdade a serviço da apologética burguesa.

- Explicação acima muito próxima do conceito da "boa vontade" positivista. Entretanto, é apenas um detalhe dentro de um contexto maior. Isso leva à segunda explicação: a análise do desenvolvimento de economia política e do desenvolvimento da luta de classes.

- Retomada do materialismo histórico: só é possível compreender a evolução, os avanços e os recuos de uma ciência social (ex.: economia política), ao se analisar sócio-historicamente também as classes sociais da época. A história da ciência é atrelada à história da luta de classes. Uso de má-fé da ciência para legitimar interesses burgueses.

- Sobre a diferença entre "clássicos" e "vulgares": é o social que esclarece e explica o psicológico. A honestidade científica é refém dos momentos em que a burguesia atua como revolucionária ou como refém do proletariado. A burguesia no poder se torna conservadora e luta para manter sua posição contra qualquer avanço operário e social. Na época dos "clássicos" a burguesia não se via ameaçada, produzindo uma ciência mais "imparcial". Já na época dos "vulgares" tratava-se de legitimar uma situação em que a burguesia via-se sendo questionada.

- Como explicar a contemporaneidade de Malthus e Ricardo? Malthus era membro de uma parcela bastante conservadora da sociedade capitalista inglesa: a aristocracia fundiária e a Igreja. Já Ricardo era parte da burguesia industrial progressista. Evidencia do papel da situação social do pesquisador no desenvolvimento de sua ciência e da distância com os princípios do positivismo.

- Conclusão: apesar de científicos e supostamente "imparciais", os estudos "clássicos" continuam carregados de ideologia burguesa, tal como qualquer estudo de economia política clássica.

- Em função da ideologia burguesa, alguns "clássicos" não foram capazes de abordar certas temáticas que Marx pode observar. Trata-se do horizonte intelectual, ou seja, o papel da ideologia na imposição de um limite dentro do saber científico. Ex.: Ricardo percebeu a contradição entre lucro e salário, mas considerou isso como uma contradição que expressava as leis naturais de uma sociedade. Os

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economistas clássicos não são deliberadamente prisioneiros a um interesse exterior como os vulgares, mas interiormente sim.

- A ideologia burguesa não nega a ciência, apenas trás barreiras ao campo de visibilidade desta.

- Comparação Sismondi x Ricardo. O primeiro: representante científico de uma pequena burguesia tradicionalista e anticapitalista. O Segundo: maior representante científico da burguesia industrial progressista e revolucionária. O primeiro, por sua posição de classe, pode contribuir com uma perspectiva diferente, um ângulo de observação distinto ao estudo da economia política, trazendo contribuições mais próximas ao conhecimento objetivo que o segundo. Demonstra-se a necessidade de superar uma visão linear e evolucionista do desenvolvimento da ciência social e sua relação com a luta de classes.

- Sismondi x Malthus: ambos "passadistas" (estudam o capitalismo industrial através de um ponto de vista nostálgico do passado). Por que o primeiro tem valor científico e o segundo seria um "vulgar sicofanta"? Apesar da visão "reacionária" de ambos, Malthus atua em caráter apologético (ideológico) com relação às classes dominantes, enquanto Sismondi toma uma dimensão mais crítica (utópica). Em suma: pontos de vista de classe diferentes, tendo Malthus o compromisso fechado com aristocracias e burguesias contra a classe trabalhadora, enquanto Sismondi atua em compromisso fechado com a pequena burguesia ameaçada pelo Capital e solidária com os trabalhadores explorados.

- "Da mesma forma que os economistas são os representantes científicos da classe burguesa, os socialistas e comunistas são os teóricos da classe proletária" - Marx.

- Socialistas ingleses (ex.: Hodgskin): aplicação igualitária da teoria Ricardiana. Uso do próprio sistema criado por Ricardo porém no interesse proletário. Por que não superaram Ricardo? Falta de desenvolvimento do proletariado em classe. Improvisação de sistemas vigentes como ciência regeneradora (revisionismo).

- Marx quebra com esta improvisação e inicia uma ciência revolucionária com relação à classe operária. Justifica a evolução em função do movimento histórico (a nova etapa da luta de classes a partir de 1830 - o avanço do movimento operário e a da luta contra o Capital). Marx quebra com a suposta autonomia científica de seus trabalhos ao sempre deixar bastante claro que seu ponto de vista é o proletário.

- Marx x Ricardo: apesar das visões de mundo completamente contraditórias, Marx possui dívida história e científica com Ricardo, fato este que não fora abolido pelo corte de classes entre ambos.

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Marxismo e positivismo no pensamento da Segunda Internacional

- Positivismo fortemente presente na doutrina da Segunda Internacional nas suas diversas variantes (Comte, Darwin, Spencer ou Kant). Início da ideia de um marxismo "puramente científico" (revisionista), sem concepções sociais ou ideologias. Crítica de Max Weber com o "princípio da carruagem". Única exceção: esquerda revolucionária (Rosa Luxemburgo).

- Berstein: crítica positivista a Marx. Afirma que sua abordagem subordina qualquer exigência científica a uma tendência e que sua visão o torna prisioneiro de uma doutrina, qual seja, o objetivo final do socialismo, o que o impede de alcançar qualquer cientificidade objetiva. Afirma que a luta de classes, por ser uma luta de interesses, jamais poderá ser protagonista de um conhecimento científico. Afirma que o socialismo é uma tendência e a ciência é livre de qualquer tendência.

- Enrico Ferri: comparação de Marx com Darwin. Acredita que a evolução humana obedece leis de uma ciência social positiva, em especial o socialismo. Não crê em revolução (no sentido de revolta violenta), tendo em vista que o socialismo para ele seria natural e espontâneo, sendo inevitável e irrevogável. Argumento semelhante aos positivistas conservadores: sociedade como um organismo vivo que não pode sofrer mudanças abruptas.

- Filipo Turati: também estritamente positivista. Acreditava na atuação de um sociólogo como um químico. Um socialismo mais científico e menos alvo da esfera dos velhos sonhadores.

- Karl Kaustky: principal representante do "marxismo ortodoxo". Sua visão parte de um ponto de vista do social-darwinismo. Acredita num evolucionismo positivista e afirmava a relação entre leis da sociedade e leis naturais, sendo ambas indistinguíveis.

- Neokantianos: corrente que defende o socialismo ético, ou seja, a necessidade de separar julgamentos de valor (ideal/moral/ética) dos julgamentos de fato. Consideravam a obra de Marx (O Capital), um livro repleto de julgamentos de valor. Kautsky critica afirmando que o socialismo científico no modelo social-darwiniano (sociedade como organismo social), não comporta julgamentos de valor. Que o marxismo é ciência positiva e livre de julgamentos, mas que Marx, como combatente que era, deixou transparecer seu ideal moral com o ideal socialista, mas que ele sempre se esforçou durante a obra para afastar tais pensamentos de sua investigação. Acreditava que a boa vontade do pesquisar era suficiente para tornar o marxismo ciência neutra. Retorno ao "princípio da carruagem". Já Berstein, ao contrário, pugnava que Marx sempre fora partidário e tendencioso e que nunca procurou banir suas visões. Entretanto, não concordava com a crítica neokantiana.

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- Contradição em Kautsky: embora pregue o afastamento e neutralidade axiológica do investigador, afirma em sua obra que em uma sociedade com antagonismos de classe, uma descoberta científica que contraria os interesses da classe dominante é uma declaração de guerra. Sendo assim, deve o investigador sempre buscar servir as classes oprimidas. Tenta sair de tal contradição afirmando que tais descobertas devem ser meramente negativas, ou seja, apenas para negar a visão dominante da época e dar orientação para o caminho a ser seguido. Desta conclusão, decorrem dois problemas:

a) O que a pura negatividade seria diferente das doutrinas que negaram a burguesia anteriormente? Por que seria Marx mais científico que outros autores antiburgueses?

b) Sendo a obra de Marx focada em um fim preciso (emancipação do proletariado e implantação do socialismo) e sendo seu estudo das leis econômicas do capitalismo objetivado a abolí-las, Kautsky deveria considerar Marx tendencioso tal qual Bernstein.

- Kautsky revê sua posição em sua última grande obra ao afirmar que o materialismo histórico enquanto doutrina científica em nada tem a ver com proletariado, embora a maior parte de seus partidários o sejam.

- Igualmente esta visão semipositivista era vista em Rudolf Hilferding ("centro ortodoxo" - oposto a direita revisionista e a esquerda revolucionária). Insistia na necessidade de separar a ciência do marxismo do socialismo.

- Cientificismo também presente em Plekahnov, pai do marxismo russo. Partidário do "método objetivo": socialismo científico sem qualquer elemento subjetivo.

- Max Adler (representante do austromarxismo): homenageia o positivismo de Comte e como os neokantianos prega a estrita delimitação entre ciência e todo dever-ser, valor ou crença. Acredita que a relação entre o marxismo e o proletariado é em função da receptividade: o proletariado seria mais receptivo ao materialismo histórico porque este corresponde a sua vivência e seus interesses. Afirma que o marxismo não é visão de mundo, mas um "positivismo realista". Seria o marxismo uma ciência pura e estritamente não-política. Tal visão extremada demonstra o sufocamento do materialismo histórico pelo positivismo para os marxistas ortodoxos.

- A quebra do "princípio da carruagem" ocorre com os extremistas de esquerda através de uma démarche não-positivista. Ela assume a ligação epistemológica do ponto de vista de classe com a ciência marxista. Ex.: Lenin afirma que em uma sociedade fundada na luta de classes, não poderia haver uma ciência "imparcial". Toda ciência que é dita oficial e liberal irá defender a escravidão assalariada e o marxismo vem para declarar guerra a isso.

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- Para Lenin, exigir uma ciência imparcial neste ambiente é como exigir que um empresário pense em diminuir seus lucros para aumentar o salário de seus operários. Ele recusa qualquer separação entre ciência e socialismo. Para ele o marxismo é uma ideologia que associa um espírito revolucionário a um caráter altamente científico. Tal posição reestabelece a unidade dialética entre ciência e revolução dentro do marxismo.

- Rosa Luxemburgo desenvolve ainda mais esta teoria, mesmo que de forma não sistemática. Crítica da pretensão positivista de erigir a ciência social acima das classes. Criticou especialmente Bernstein ao afirmar que sua pretensa ciência, democracia e moral universalmente humana é tão simplesmente a que é atualmente dominante, isto é, a ciência, a democracia e a moral burguesas. Reflexões de tal crítica:

a) A principal diferenciação entre ciências da natureza e da sociedade, é que só estas últimas são capazes de conceber engajamento na luta de classes;

b) Uma ciência não-partidária é uma ilusão "no momento". É somente numa sociedade sem classes sociais que tal ciência "universalmente humana" poderá existir.

- Rosa prega que apesar de toda a divergência entre as vias de conhecimento burguês e as vias de conhecimento proletárias, as primeiras obtiveram resultados científicos importantes. Os autores fundados da economia política como Adam Smith e Ricardo foram capazes de mostrar o capitalismo em sua "nudez clássica". Só assim foi possível que marxismo nascesse como superação dialética deste modelo.

- Ao se situar no ponto de vista do proletariado revolucionário, Marx consegue atingir um "observatório mais elevado" de onde ele pode melhor "perceber o limite das formas econômicas burguesas". Por que existe uma superioridade cognitiva do ponto de vista proletário permitindo ao marxismo um nível superior de compreensão científica? Rosa responde:

a) Do ponto de vista do proletário revolucionário a historicidade do capitalismo se torna visível. A análise de Marx do início da economia capitalista considerando-a como socialista (ou seja, historicamente) e seguindo toda a sua evolução até o sistema vigente, foi capaz de decifrar todo o sistema capitalista e dar base científica ao socialismo.

b) O proletariado exige clareza de ideias e a verdade objetiva para seu combate. A doutrina de Marx ao assumir tal posição foi a mais significativa no engajamento e desenvolvimento necessário à luta de classes.

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- Rosa se mostra superior a Kautsky, Hilferding e outros marxistas-positivistas simplesmente por não tentar fugir do "princípio da carruagem", ou seja, ela não exclui o marxismo do campo de aplicação do materialismo histórico. Ela não hesita em aplicar o marxismo a si mesma. Critica ainda os pensadores burgueses que tentaram superar o marxismo, sendo que seu fim encontra-se justamente no seio da própria doutrina marxista: "Histórica até o fim, ela não pretende ter senão uma validade limitada no tempo. Dialética até o final, ela carrega em si mesma o germe seguro de seu próprio declínio". Em suma, a teoria de Marx corresponde a um período determinado de desenvolvimento econômico e político, qual seja, a passagem da etapa capitalista à etapa socialista da humanidade. Somente após tal superação e com o desaparecimento das classes sociais é que o horizonte intelectual do marxismo cessará, dando lugar a uma possível ciência geral humana da sociedade como apregoava Bernstein.

(2) “Ponderação de Direitos e Proporcionalidade das Decisões Judiciais”2

Na introdução, afirma-se a existência de diversas teorias acerca de solução de conflitos entre direitos fundamentais, passando a diferenciar a proporcionalidade das demais. Sobre a proporcionalidade - teoria dos direitos fundamentais de Alexy:

• Não predetermina normas a partir de uma tábua de valores, considera que todos os interesses constitucionais devem ser protegidos igualmente;

• Tem natureza funcionalista - o intérprete tem total liberdade para escolher o critério pelo qual fará a ponderação, de modo a decidir um direito pelo outro;

• É a relação entre o critério adotado e a decisão efetivamente tomada;

• Corre-se o risco de o critério escolhido servir mais para justificar a decisão do que para mensurar os direitos em jogo.

No item “Lutas sociais, cristalização das relações de poder na forma de direitos. A tradução das lutas na forma de conflitos judiciais” é abordada a transformação: Conflitos reais Conflit

fundamentais.

O conflito real é uma discussão que envolve bens/posições sociais e se transforma em conflito jurídico, devendo ser resolvida por meio de uma decisão de autoridade. Nesse contexto, o que determina o resultado dessa discussão é a presença de um

2 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Giovanna Oliveira Furlan.

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título de uma das partes, hábil a lhe garantir a vitória na demanda: os direitos subjetivos.

Além disso, em uma discussão é importante identificar se a parte é titular de um direito fundamental. Os direitos fundamentais têm caráter constitucional e não devem ser eliminados quando confrontados entre si, devendo haver uma ponderação entre eles. Ambos devem permanecer, ainda que um prevaleça sobre o outro.

A teoria dos direitos fundamentais atribui igual validade a direitos individuais, direitos sociais e interesses públicos. Já nas demais teorias normativas, por conta da estrutura social fundada no liberalismo econômico, dá-se a prevalência dos direitos individuais. Holmes e Sustein também afirmam a maior força dos direitos individuais pelo fato dos custos para a sua implementação estarem embutidos no aparato estatal e não serem percebidos, enquanto não sobra muitos recursos para a implementação dos direitos sociais.

O STF tem adotado o postulado da proporcionalidade em suas decisões, sendo que, alguns ministros, inclusive, adotaram nos termos da teoria de Robert Alexy. No entanto, a proporcionalidade, por ser uma ferramenta doutrinária, pode ser feita por outros meios, tais como a razoabilidade, proibição de excesso, equidade, etc.

No item “O postulado da proporcionalidade; problemas no estabelecimento fictício do critério de ponderação”, Josué trata dos problemas da ponderação:

• Quanto à sua má aplicação

• Quanto à teoria em si - não existe nenhum critério a partir do qual direitos fundamentais possam ser objetivamente comparados (depende mais da visão de mundo de quem decide e do contexto histórico e social em que a decisão é aplicada).

Quando há um conflito entre direitos de mesma dimensão, a importância social e histórica dada a eles permite que ambos sejam considerados de alguma forma. Já em um conflito entre direitos de dimensões distintas, o critério da solução, por ser externo à teoria de Alexy, tende a manter os direitos sociais subordinados aos direitos individuais.

A partir dessa análise, percebe-se que a proporcionalidade serve para justificar e legitimar as decisões tomadas nos processos judiciais, mas não se apresenta hábil a resolver os conflitos reais de modo a superar o critério de custo e benefício e a prevalência do direito individual.

Para que a decisão sobre o conflito se apresente proporcional, de fato, é preciso discutir a racionalidade do critério pelo qual a decisão deve ser feita. No entanto,

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segundo Tsakyrakis, as razões morais que verdadeiramente decidem o conflito de direitos ficam ocultas. A proporcionalidade acaba por não auxiliar na resolução do conflito, mas sim encobrir as razões que levaram o juiz a decidir. É um argumento de autoridade, e não um argumento racional.

Considerações finais – As normas jurídicas, embora formalmente iguais, não possuem essa igualdade em termos materiais. Alguns valores e normas são historicamente mais fortes que outros. O que dá a cada direito força normativa maior ou menor em relação aos demais não está dentro do direito, mas sim fora dele. Tal força depende mais do conteúdo do direito do que de sua forma.

Ao permitir que o julgador estabeleça o critério de ponderação, ele tenderá a escolher um valor que lhe seja relevante dentro de seu ponto de vista, o que é altamente discricionário. Enrique Haba afirma a existência do mito jurídico básico: o direito “brotará quando agitarmos a varinha mágica de um princípio racionalizador”; sendo que o princípio racionalizador não passa de um recurso retórico por excelência e a função do mito é camuflar as indeterminações próprias da linguagem jurídica e as responsabilidades pessoais dos juristas.

Por fim, quais seriam as vantagens da teoria dos direitos fundamentais de Alexy:

• Primeira estrutura teórica que confere igual importância a direitos sociais e direitos individuais;

• Dá força constitucional a direitos sociais na prática das decisões judiciais;

• Permite que os mais diversos grupos sociais tenham condições de lutar por certos valores e interesses e vê-los prevalecer.

(3) “Dogmática Jurídica: um olhar marxista” de Marcus Orione Gonçalves Correia3

O pensamento dialético, por sua própria natureza, é um estado constante de dúvida e inconformismo. O método do marxista é o materialismo histórico-dialético. Pode-se supor que, por definição, tal método não é local propenso ao dogmatismo, como o método positivista o é, por exemplo. Contudo, a história demonstra que é um risco concreto que o cientista marxista, por descuido no manuseio do método materialista histórico-dialético, possa tender ao dogmatismo. Isto porque um método científico é constantemente confrontado, dialeticamente, com a ideologia que o informa e, em especial, com seu contraponto. Então, se o materialismo histórico-dialético está

3 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Débora Bento e Felipe S. Vivas de Castro.

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sempre em confronto com o positivismo, seu contraponto, está aí o perigo de dogmatismo que o ronda.

Segundo Augusto Comte, a quem é atribuída a paternidade do método positivista, a dogmática é indissociável de tal modo científico porque seria impensável que todo cientista precisasse, sempre, iniciar novamente suas análises, desprezando o histórico de conhecimento acumulado em tal área. A dogmática, portanto, seria justo a responsável por sistematizar o acúmulo de conhecimento científico. Logo, o caráter histórico no método positivista é inferior ao dogmatismo que seria, a um só tempo, acúmulo, amadurecimento e superação do primeiro. Tanto que, no positivismo, a história serve à legitimação e sustentáculo dos ideais liberais burgueses, naturalizando e apresentando a organização social humana como natural e eterna. Isto é justamente o contrário do método materialista histórico-dialético que, com o manuseio da própria história, repele a ideia de uma humanidade que encontrou no modo capitalista a sua maturidade civilizatória. A matriz do materialismo histórico-dialético é qualificada, ao contrário, pela instabilidade observada no curso da história produtiva humana.

O direito, na modernidade e atualmente, revestiu-se dessa ideia de quase sagrado desenvolvida por Comte, e, por meio da dogmática jurídica, segmentou a ciência do direito afastando-a, assim, da realidade, reforçando a dicotomia ser/dever ser; resumindo o direito a explicações de fenômenos. O positivismo, incluindo, aqui, o positivismo jurídico, tem a pretensão de ser seu começo e fim, pretensamente, alcançando todas as respostas em si mesmo. Kelsen, ao desenvolver a teoria pura do direito, cultua a racionalidade típica do positivismo que, ao contrário de sua pretensão de pureza, está profundamente contaminada pelos ideias que buscam consolidar os ideais conservadores burgueses.

No pós-positivismo há uma suposta tentativa de reconectar o direito à realidade, assumindo os Princípios o papel de porta de entrada do mundo concreto no direito. Evidência disso é a Teoria dos direitos fundamentais de Alexy que, apesar de sua roupagem progressiva, é tão conservadora quanto sua matriz, reforçando a lógica do sujeito de direito, igual e livre, apto a vender sua única mercadoria, a força de trabalho. Alexy está, em última, estabelecendo critérios lógicos e formais simplificados para a mera subsunção, tão cara ao positivismo clássico. A ponderação, baseada na adequação e proporcionalidade, é, portanto, mero procedimento que exclui toda a riqueza contida na lógica dialética. A razoabilidade mostra-se, assim, no caso concreto de conflito entre princípios, sempre favorável ao ideais burgueses da livre circulação da mercadoria força de trabalho.

Está evidente, dessa forma, que o materialismo histórico-dialético é a ferramenta que tem dupla utilidade: se por um lado impede o dogmatismo do próprio marxismo, por outro, revela o dogmatismo como essência do positivismo. Para explicar a

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acumulação típica do sistema capitalista, construiu-se um aparato ideológico – do qual o positivismo jurídico é integrante – que cumpre o papel, como ideologia, de naturalização e preservação da lógica burguesa. Por excluir o materialismo-histórico de sua metodologia, o positivismo é sempre idealista, ademais de dogmático. Somente a história, dialeticamente concebida pela análise dos modos de produção, permite evitar o dogmatismo.

(4) “Direito Fundamental à Moradia do trabalhador migrante”4

- Sobre a necessidade de elaboração de modelos hermenêuticos de direitos fundamentais: enunciados normativos constitucionais não raro são vagos, imprecisos, carregados de carga ideológica e que, não obstante, podem colidir-se entre si no ato interpretativo.

- O problema da hermenêutica constitucional e a determinação do “método justo” (Canotilho) para solucionar determinado conflito - para tanto, o autor estabelece alguns métodos de interpretação da Constituição, quais sejam, (a) jurídico ou hermenêutico clássico, (b) tópico-problemático, (c) humanístico-concretizador, (d) científico-espiritual, (e) normativo estruturante, (f) comparativo.

- Além dos métodos acima elencados, a práxis jurídica e a doutrina apontam para a necessidade de “princípios tópicos auxiliares da tarefa interpretativa”, os quais devem ser relevantes, constitucionais e articular o direito formal e o material (tais princípios não se referem aos princípios jurídicos, por isso, serão tratados como “máximas” ou “mandamentos”).

São mandamentos dirigidos ao intérprete: (a) supremacia da Constituição, (b) unidade da Constituição, (c) máxima efetividade, (d) interpretação conforme a Constituição, (e) concordância prática ou harmonização, (f) proporcionalidade.

- Konrad Hesse propõe três pressupostos acerca da “força ativa” da Constituição, considerando-se a realidade em que está inserida: (a) elementos sociais, econômicos e políticos dominantes, (b) interesses particulares deverão ser suprimidos, (c) não deve afastar-se do escopo da “ótima concretização da norma” - esse caráter relacional da interpretação constitucional que garantirá a sua força normativa.

- Evidenciam-se através dos diversos modelos de interpretação que a norma Constitucional não deve ser restrita ao modo positivista de interpretação, mas, diante de um fato social específico, deve contemplar o movimento dialético entre os fatos sociais e sua valoração. Esta postura interpretativa coloca-se diante da generalidade 4 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Daniela Smaniotto.

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dos enunciados normativos que tratam de direitos fundamentais, notadamente através da fórmula “hipótese normativa / consequência jurídica”.

- Dworkin (em Taking rights seriously): posicionamento contrário ao positivismo jurídico, vez que seria insuficiente ante os casos difíceis, que exigem articulação entre princípios e diretrizes políticas.

- Alexy (em Teoria dos direitos fundamentais): para uma teoria dos princípios embasada nas noções de (a) otimização, (b) lei de colisão, (c) ponderação.

- Metodologia da aplicação das normas de direitos fundamentais: a colisão das normas estruturadas como princípios deve ser solucionada pela ponderação, cujo resultado produzirá uma medida estruturada como regra, passível de ter sua validade jurídica aferida pela máxima da proporcionalidade.

2. O PROBLEMA SOCIAL E JURÍDICO DA MORADIA DO TRABALHADOR MIGRANTE

2.1. Importância da enunciação da situação fática

(Larenz) - Caso jurídico > “situação de fato bruta” > enunciação > “situação de fato definitiva”

- A “situação de fato bruta” submeter-se-á ao trabalho de elaboração mental do operador do direito, e, após a distinção entre as circunstâncias relevantes de apreciação jurídica, transmudar-se-á em “situação de fato definitiva”. Este ir e vir entre o fato e a norma, objetivando a enunciação da situação fática, é denominado “círculo hermenêutico” ou “espiral hermenêutica”

- O ato interpretativo se faz presente na relação entre o operador do direito e o enunciado normativo e na atividade de atingir o enunciado da situação fática

- O referido processo de pensamento – “espiral hermenêutica” – não é uma atividade de caráter objetivo, mas exige do operador do direito juízos baseados na percepção (dados externos) e interpretação (suposições e conclusões) da conduta humana, bem como daqueles oriundos da experiência social (próprias ou advindas de estudos doutrinários e jurisprudenciais ) e de valor (tomada de posição a partir de pautas morais ou jurídicas).

2.2. O processo social da migração articulado pelo mercado de trabalho

- Razões pessoais pelas quais se dá o fenômeno da migração no Brasil: explicam-se através de duas vertentes, a neoclássica (cálculo racional-econômico) e a histórico-estruturalista (movimento determinado pelo desenvolvimento econômico do país) - ambas apontam para a busca capitalista do patrimônio como principal motivação.

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- PNAD de 2001: diante dos dados levantados, o trabalho aparece como a razão majoritariamente declarada entre as pessoas de 25 a 49 anos de idade; fluxos que partem, primordialmente, do Nordeste e norte de Minas Gerais para regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte (determinados por fatores históricos de estagnação econômica, desigualdade social e índices de desemprego).

- A “expropriação do campesinato” como “processo de acumulação primitiva de proletários”, em seguida, são expostos dados acerca dos tipos de migração (definitivas, de retorno, temporárias ou circulares) e a sua relação com o trabalho para o qual o trabalhador é contratado. Por exemplo, as migrações temporárias tem relação com a contratação de mão-de-obra nas lavouras de cana-de-açúcar, laranja, café e algodão, em São Paulo.

- Pode-se afirmar, portanto, diante das pesquisas citadas e dos dados recolhidos, que a migração, notadamente a temporária, é um processo social historicamente condicionado e articulado pela busca do trabalho e pelo próprio mercado, situação em que o trabalhador migrante, seja para a construção civil ou para a agricultura, é tido como mão-de-obra mais barata, menos instruída, e, consequentemente, mais lucrativa.

- Todo fluxo migratório implica no deslocamento de pessoas de uma moradia para outra. A precariedade das moradias dos trabalhadores migrantes é bastante conhecida, conforme se observa pelas denúncias feitas pelo Ministério Público do Trabalho acerca dos trabalhadores rurais.

- Descrição da situação fática:

“Padrão habitacional” / dissociação do conceito de “casa” / caráter transitório - moradias em condições inadequadas, divisão entre moradias de homens e mulheres, separação geográfica dentro do espaço da cidade (destina-se aos migrantes as periferias e cidades-dormitório), preconceito étnico-racial – a função da moradia é tão somente viabilizar o trabalho.

- Evidência de um conflito que envolve, de um lado, interesses dos empregados e empregadores, e, de outro, a violação do direito fundamental à moradia

4. AMPLITUDE DAS OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR FRENTE AO DIREITO À MORADIA DO TRABALHADOR MIGRANTE

4.1. Panorama da realização do direito à moradia do trabalhador

- Art. 6o da Constituição Federal traz a moradia como um direito fundamental, logo, traduz um mandamento de otimização, podendo manifestar-se (i) nos limites das disposições constitucionais e das diretrizes eventualmente já fixadas pelo legislador e (ii) sob os condicionamentos postos por outras normas de direito fundamental

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- Art. 52 do Decreto n. 6.271/07 (Recomendação da OIT n. 175) e condicionamento de sua aplicabilidade aos casos em que a habitação é pactuada entre empregado e empregador, quando não há, é necessária a aplicação direta da norma jurídica que coloca o direito à moradia como fundamental. Todavia, sua aplicação ficará submetida às possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

- Colisão de princípios: direito (fundamental) à propriedade vs. direito (fundamental) à moradia

4.2. As objeções da livre-iniciativa, da legalidade e da autonomia privada

A livre-iniciativa (norma de direito fundamental com estrutura de princípio)

- Art. 3o, IV e 170, caput, da Constituição Federal

- Serve como fomento à economia, vincula-se ao direito de propriedade [real colisão]

O direito à propriedade e a legalidade

- O postulado da legalidade é uma regra/mandamento, não uma norma estruturada como princípio, além disso, o princípio sobre direito à moradia é um norma jurídica (“lei”)

A autonomia privada

- a questão contratual (vínculo)

- sob a ótica da metodologia de aplicação dos direitos fundamentais, considera-se a sua violação quando existe, contratualmente, uma restrição de gozo de direito fundamental, o que não ocorre com relação ao trabalhador migrante, haja vista que o mesmo não renuncia a este direito

- deve-se considerar a função social do direito à propriedade

Colisão de princípios, ponderação e conclusão

- parâmetros a serem observados: o direito à moradia adequada, sob o ponto de vista jurídico - legítima, gratuita, e levar em consideração (a) segurança legal da posse, (b) disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e infraestrutura, (c) habitabilidade, (d) localização que permita o acesso a opções de trabalho e outras facilidades sociais.

- precedência, portanto, condicionada ao direito de propriedade do empregador

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A fim de apresentar uma solução à situação descrita até aqui será necessário atribuir pesos diferentes às normas jurídicas cujos princípios são colidentes. Para tanto, o operador do direito deverá ponderar, ou seja, otimizar a aplicação destes princípios, através de 3 passos:

1. Grau de não-satisfação do primeiro princípio considerado: ponderação da intensidade da não-satisfação do direito à propriedade – do empregador

2. Importância da satisfação do segundo princípio: ponderação da intensidade acerca da importância do direito à moradia do trabalhador migrante

3. Se a importância do segundo justifica a não-satisfação do primeiro

A conclusão da ponderação traz à luz que o direito aqui perseguido é de natureza extracontratual. Tratando-se do suporte fático, o ato de migrar é nuclear, e o contato de trabalho, “elemento completante”.

Os diversos dados apresentados na pesquisa apontam no sentido de que a efetivação do direito à moradia é uma tendência do próprio ordenamento jurídico pátrio, e que, em seu bojo, efetivam-se também outros direitos. Ora, diante da situação dada, o ordenamento tende a favorecer princípios que mais se aproximem dos da dignidade e da democracia.

A intensidade do direito à propriedade seria “leve” se contraposta ao direito à moradia (“séria”).

Os fundamentos fáticos e jurídicos que embasam o resultado da ponderação promovida, por certo, não têm a pretensão de ser um resultado “único e inequívoco”, pretensão essa que não se coaduna com o ato de ponderar. No entanto, os argumentos utilizados aspiram ao status de “razões plausíveis" das "suposições que subjazem aos juízos sobre a intensidade de intervenção e o grau de importância”. Tais razões são, pois, "expressão pública da reflexão”. Desse modo, a conclusão obtida, apesar de discordâncias, não pode ser considerada arbitrária, mas racional, e sua plausibilidade sustenta a aspiração do modelo hermenêutico, que a suscita, à conversão em modelo jurídico. (p. 160)

Leituras para a próxima reunião:

GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006.