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monografia
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UnB Instituto de Cincia Sociais - ICS
Departamento de Antropologia DAN
FABIANA LIMA
etnogrfica com os ndios Gavio (Ikolen) de Rondnia
Braslia 2010
ii
FABIANA LIMA DOS SANTOS
etnogrfica com os ndios Gavio ( Ikolen) de Rondnia
Monografia apresentada junto ao Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Braslia, para obteno do grau de Bacharel em Cincias Sociais, com habilitao em Antropologia.
Orientador: Prof. Dr. Jos Antonio Vieira Pimenta DAN/UnB
COMISSO EXAMINADORA
______________________________ Prof. Dr. Jos Pimenta DAN/UnB
(Orientador)
______________________________ Dr. Cloude de Souza Correia IEB
Braslia, maro de 2010
iii
Tenho um recado para Mariana Pantoja que deve ser dado assim, na orelha: seu Milton e dona Mariana mandaram dizer que esto com saudade. Ouvi isso sentado no cho da cozinha, pronto para partir, tomando um caf antes de descer o rio. Deve existir, refleti, uma certa dificuldade conceitual para lidar com esse fato, estranho aos etnlogos de antigamente: o povo pesquisado sentir saudade da cientista pesquisadora, e mandar um recado avisando! Mas que a tal cientista, de fato, passou dos limites, num trnsito de sentimentos capaz de bagunar qualquer iluso de neutralidade. Sem se acomodar com isso, Mariana cumpriu o destino: estava escrito que o corao, um dia, iria salvar a cincia. Antonio [Toinho] Alves apud Mariana Pantoja
Os Minton: cem anos de histria nos seringais
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeo inicialmente minha famlia, aos meus pais urea e Jos, s minhas irms Dani
e Luca, aos meus sobrinhos Renato (Natureza), Pedrinho e Belinha, minha nova famlia, Alice
(madrasta) e seus filhos Andr, Tiago, Glailson e Aldelice, aos meus bichinhos Toff (co) e Maria
Joaquina (gata). Amo muito vocs!
famlia de Braslia, que tive a sorte de conhecer e hoje tenho o privilgio da
convivncia, Lety, Lost (Olavo), Gui e Mari (nossa agregada), a turma do 115B na CEU. Obrigada
pela pacincia, carinho, compreenso e afeto. Vou sempre relembrar os nossos momentos de
discusses antropolgicas e de muitas risadas. Viva a nossa irmandade!
Ao professor Stephen Baines por ter iniciado minha orientao, mas, devido realizao
de seu ps-doutorado na Austrlia/Canad, acordamos que o melhor seria eu seguir com a
monografia sob outra orientao.
Ao professor Jos Pimenta, que aceitou me orientar na ltima hora, quando j eu escrevia
a monografia, pela compreenso, dedicao e pacincia. Suas crticas, observaes, sugestes e
correes foram essenciais para ela acontecer.
Aos funcionrios do DAN, Rosa, Branca, Adriana e Fernando. Agradeo especialmente
ao Paulo pelo carinho, incentivo, orientao e pelas muitas conversas que tivemos.
Aos colegas da turma de 2006 do curso de Cincias Sociais na UFAC, em especial, a minha
professora e amiga Mari Pantoja, por ter me ensinado a dar os primeiros passos no caminho da
antropologia, ainda em 2005 quando ramos apenas vizinhas de escritrio.
Aos moradores da CEU/UnB, rica, Lauana, Luiz, Dridri, Autarquia (Anita), Fabrcia,
Rafaela, Tonho, Alan, Z Ricardo, Vernica, Diana, aos porteiros e ao pessoal da limpeza.
Aos amigos e colegas do curso de Cincias Sociais da UnB, ao Edu, Fernanda Anjos, Ester,
Hrika, Bruno, Igor, Luana, Rodolfo, Joo Sassi, Michele, Fernanda, Saulo, Mara, Lu, Farage, Mari
(Nana), Bruno, Claudinho, Gregrio, Cocota e Bruna.
equipe do WWF-Brasil, especialmente Elektra, Dande, Moa, Dani Mendes, Rosa,
Mrcia, La, Luana, Mauro, Antonio, Estevo.
equipe da Kanind, em especial Neidinha, Nete, Alcilene, Glauko, Israel e Maretto.
s pessoas que conheci durante a realizao do meu trabalho de campo, especialmente a
famlia do Paulinho, a famlia da Odete e a Rafaela, obrigada pela receptividade em Ji-Paran.
equipe da FUNAI em Ji-Paran, em especial Soraia e Tenesson.
equipe da FUNASA em Ji-Paran, Chico, Odair, Fernanda, Valmir e Elizngela.
Aos amigos que tive no Acre, Luis Meneses, Ana Euler, Juan Negret, Igor Agapejev, Flvia
Dinah, Mila, Lingina, Hosana, Roney, Lambo e Ton.
Por fim, aos Gavio da aldeia Igarap Lourdes, especialmente ao cacique Miguel, Emlio e
sua famlia, Delson e sua famlia, Chambete e sua famlia, Marta, Madalena e Valdir.
v
RESUMO
Nesta monografia, procuro refletir sobre a prtica etnogrfica a partir da
minha insero em campo com os ndios Gavio da aldeia Igarap Lourdes, relatando
alguns aspectos do modo de vida desse grupo indgena. Aps uma abordagem
histrica da formao do Estado de Rondnia e uma reflexo sobre a presena dos
povos indgenas nessa regio, mais especificamente o povo gavio da Terra Indgena
Igarap Lourdes, discuto as relaes desse povo com outras etnias e os primeiros
contatos com os no-indgenas. Por fim, procuro compreender a entrada dos Gavio
fazendo uma etnografia do Projeto Copaba que se
apresenta como um modelo alternativo de renda econmica implementado nessa
aldeia. Partindo de uma reflexo sobre o conceito de "etnodesenvolvimento", busco
mapear os atores sociais envolvidos nesse projeto, assim como sua dinmica e seus
impactos na comunidade indgena.
Palavras-chave: Gavio Projeto Copaba
ABSTRACT
In this monograph, I seek to reflect about the ethnographic practice, based on my rap Lourdes Village and
featuring the presentation of some aspects of their way of life. After delineating an historic overview of the formation of the Rondonia State and the indigenous presence in this region, more specifically of the Gavio occupying the Igarap Lourdes Indigenous Territory , I discuss the interethnic contacts set by these people and their first contacts with non-indigenous. Furthermore, I seek to comprehend the insertion
he Copaiba Project, which have been constituted itself as an alternative model of economic income implemented in this village. And also, considering the reflexion about the
, and also its interconnections and impacts on the indigenous community.
Key words:
vi
LISTA DE ILUSTRAES
Croquis 1 Mapa da aldeia Igarap Lourdes na TIIL, em Rondnia .................................................... 18
Imagem 1 A preparao da makaloba ............................................................................................ 26
Imagem 2 O convvio com a famlia de Chambete ........................................................................... 32
Imagem 3 As idas e vindas roa ................................................................................................... 34
Imagem 4 As crianas da aldeia Igarap Lourdes ............................................................................ 38
Mapa 1 Desmatamento e reas Protegidas em Rondnia (situao em 2007) ................................. 51
Mapa 2 Terras Indgenas de Rondnia ............................................................................................. 55
Mapa 3 Terra Indgena Igarap Lourdes ........................................................................................... 56
Mapa 4 rea do Aripuan ............................................................................................................... 64
Mapa 5 Etnozoneamento e reas no incorporadas TIIL ............................................................... 66
vii
ENTREVISTAS
Alberto Tavares [Dande] (economista) analista de conservao do WWF-Brasil, entrevista realizada
no dia 27 de maro de 2009 no escritrio WWF-Brasil, em Rio Branco AC.
Andra Alechandre (engenheira agrnoma), coordenadora do Parque Zoobotnico/UFAC,
entrevista realizada no dia 26 de maro de 2009 no PZ/UFAC, em Rio Branco AC.
Catarino Gavio, cacique da aldeia Ikolen e chefe de posto do PIN Ikolen/RO, entrevista realizada
no dia 26 de janeiro de 2009 em sua residncia na aldeia Ikolen, TIIL RO.
Chambete Gavio ndio da aldeia Igarap Lourdes, entrevista realizada no dia 8 de fevereiro de
2009, TIIL/RO.
Elektra Rocha (biloga) analista de conservao do WWF-Brasil, entrevista realizada no dia 24 de
maro de 2009, no WWF-Brasil, em Rio Branco AC.
Emlio Gavio (irmo do cacique) ndio da aldeia Igarap Lourdes, TIIL/RO.
Joo Chapinha Gavio (Joo Comprido) ndio da aldeia Igarap Lourdes, TIIL/RO.
Jos Gavio professor indgena da aldeia Igarap Lourdes, TIIL/RO.
Helington Gavio, presidente da Associao Indgena Panderey, entrevista realizada no dia 26 de
fevereiro de 2009 na sede da FUNAI, em Ji-Paran RO.
Israel Corra do Vale Junior (bilogo) membro do Conselho Deliberativo da Kanind, entrevista
realizada no dia 03 de abril de 2009 no escritrio da Kanind, em Porto Velho RO.
Lus Carlos Maretto (engenheiro florestal) ex-funcionrio da Kanind e atualmente trabalha SFB em
Rondnia, entrevista realizada no dia 02 de abril de 2009 no escritrio da Kanind, em Porto Velho
RO.
Miguel Gavio, cacique da aldeia Igarap Lourdes, TIIL/RO.
Robson Amaro (cientista jurdico), consultor do Projeto Copaba, entrevista realizada no dia 29 de
maro de 2009, em Rio Branco AC.
Sena Gavio ndio da aldeia Cacoal, entrevista realizada no dia 27 de janeiro de 2009 na seda da
FUNAI, na aldeia Ikolen, TI Igarap Lourdes RO.
Walter Meira (engenheiro agrnomo), administrador substituto da AR da FUNAI de Ji-Paran,
entrevista realizada no dia 27 de fevereiro de 2009 na sede da FUNAI, em Ji-Paran RO.
viii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APIA Associao do Povo Indgena Arara APIG Associao do Povo Indgena Gavio APIIL Associao do Povo Indgena do Igarap Lourdes BBC British Broadcasting Corporation CIMI/RO Conselho Indigenista Missionrio (de Rondnia) COIAB Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira COOCARAM Cooperativa dos Produtores Organizados para Ajuda Mtua CTA Centro de Trabalhadores da Amaznia CUNPIR Coordenao da Unio das Naes e Povos indgenas de Rondnia, Norte do Mato
Grosso e Sul do Amazonas ECO-92 Conjunto das duas conferncias que aconteceram no Rio de Janeiro em 1992: a
Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD ou RIO-92), conferncia dos governos, e o FRUM GLOBAL, conferncia das ONGs.
EFMN Estrada de Ferro Madeira-Mamor FSC-Brasil Forest Stewardship Council (Conselho Brasileiro de Manejo Florestal) FUNAI Fundao Nacional do ndio FUNASA Fundao Nacional de Sade FUNBIO Fundo Brasileiro para a Biodiversidade GT Grupo de Trabalho GTA Grupo de Trabalho Amaznico IAM Instituto de Antropologia e Meio Ambiente IEB Instituto Internacional de Educao do Brasil INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INPA Instituto Nacional de Pesquisas na Amaznia ISA Instituto Socioambiental IUCN International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (Unio Internacional
para a Conservao da Natureza (UICN)) (rede de ONGs, fundada na Frana em 1948, hoje tem sua sede em Gland, Sua)
NUAR Ncleos Urbanos de Apoio Rural ONG(s) Organizao(es) No-Governamental(ais) OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico PADS Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentvel (antigo: Programa Amaznia) PAIC Programas de Iniciativas Comunitrias PI Posto Indgena PIC Programa Integrado de Colonizao PLANAFLORO Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia PMFNM Plano de Manejo Florestal Sustentvel de Uso Mltiplo Comunitrio No-Madeireiro PNMA/FNMA Programa Nacional de Meio Ambiente/ Fundo Nacional de Meio Ambiente POLONOROESTE Programa de Desenvolvimento Integrado da Regio Noroeste PPG7 Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil SEDUC/RO Secretaria de Estado da Educao (de Rondnia) SPI Servio de Proteo ao ndio TI Terra Indgena TIIL Terra Indgena Igarap Lourdes TNC The Nature Conservancy (A Conservao da Natureza) (ONG norte-americana) UC Unidade de Conservao UnB Universidade de Braslia UFAC Universidade Federal do Acre UnB Universidade de Braslia ZEE Zoneamento Ecolgico Econmico WWF-Brasil World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial para a Natureza)
ix
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................................... 10
CAPTULO 1 Iniciao etnogrfica na aldeia Igarap Lourdes .................................................... 17
Primeiras impresses: chegando aldeia e insero em campo ...................................................... 18
O dia a dia na aldeia ....................................................................................................................... 23
Chambete, Izabel e eu: algo de especial acontece entre ns ............................................................ 28
Entre a roa e a aldeia: o cair das vendas sobre os meus olhos ........................................................ 31
As novas relaes intertnicas modificam o cotidiano da aldeia ...................................................... 39
As evidncias simblicas do trabalho etnogrfico ............................................................................ 40
CAPTULO 2 Histria do s Gavio at a dcada de 1980 ............................................................ 43
Contexto da colonizao em Rondnia e os povos indgenas ........................................................... 43
Uma nova tentativa de colonizao ................................................................................................ 45
Os programas de colonizao durante a Ditadura Militar: e seus impactos nos povos indgenas ...... 48
Povos indgenas de Rondnia ......................................................................................................... 52
Os Gavio e seus outros .................................................................................................................. 54
Os Gavio e suas relaes intertnicas ............................................................................................ 59
A luta pela terra .............................................................................................................................. 61
CAPTULO 3 : o Projeto Copaba como exemplo de
etnodesenvolvimento? .................................................................................................................... 68
.............................................................................................. 68
O contexto histrico do Projeto Copaba ......................................................................................... 72
....................................... 79
O Projeto Copaba sob a perspectiva dos micro-modelos econmicos ............................................. 86
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................................. 91
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 95
10
Introduo
Hoje, s vezes me pergunto se a etnografia no me atraiu, sem que eu suspeitasse, devido a uma afinidade de estrutura entre as civilizaes que ela estudava e a de meu prprio pensamento.
Claude Lvi-Strauss
Comeo esta monografia falando da minha aproximao da Antropologia e dos
primeiros contatos que tive com as populaes tradicionais e indgenas da Amaznia.
1, que me levaram at o
povo indgena Ikolen, Gavio 2, da aldeia Igarap Lourdes,
local onde realizei meu trabalho de campo. E para isso, o Projeto Copaba, at ento, objeto
etnogrfico da minha pesquisa, tornou-se agncia intermediria entre eu e os Gavio de
Rondnia.
Meus primeiros contatos com populaes tradicionais da Amaznia aconteceram
em 2004 quando trabalhei no Programa Amaznia - hoje denominado Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Sustentvel (PADS) , da Organizao No-Governamental (ONG)
WWF-Brasil. Acompanhei alguns tcnicos em atividades de campo, viajando pelo Vale do
Acre3, local onde era executada a maioria dos projetos. Mas foi durante uma Consulta
Pblica que estabeleci meu primeiro contato com as populaes indgenas.
Entre uma viagem e outra, sempre tive o privilgio de conhecer os povos da
floresta , dentre eles, ribeirinhos, colonos, seringueiros e extrativistas. Porm, nunca havia
tido algum tipo de contato com os povos indgenas, at novembro de 2004, quando,
durante a realizao da Consulta Pblica para a criao da Reserva Extrativista do Arapixi,
situada entre os estados do Acre e Amazonas, conheci uma famlia indgena que vivia
dentro dos limites da futura Resex. Essa famlia, representada por um senhor de idade j
avanada, sua esposa e uma criana de aproximadamente trs a quatro anos - que
acreditei ser sua neta -, cristalizaram na minha mente, meu primeiro contato com os povos
indgenas.
1 Ver Mariza Peirano (1995: 119-133). 2 Neste trabalho usarei o termo Gavio par me referir aos Ikolen. 3 O Estado do Acre subdividido em duas mesorregies, o Vale do Acre e o Vale do Juru. A primeira est subdividida em trs microrregies, abrangendo Brasilia, Rio Branco e Sena Madureira, formada por sete municpios. A ltima formada por Cruzeiro do Sul e Tarauac.
11
Lembrana essa que s fui recordar depois de mexer nas fotos dessa viagem de
campo. Recordao parecida com aquela vivida pela antroploga Mariana Pantoja, quando
depois de ter revirado seu acervo de imagens, relembrou do seu primeiro contato com o
seu Milton Gomes da Conceio patriarca da famlia que futuramente estudaria em sua
tese de doutorado. A partir do primeiro encontro vivenciado por Mariana e seu Milton, ele
[o controle do] do barco; mas sim,
para assumir o papel de protagonista da histria contada por essa antroploga (PANTOJA,
2008: 34). Assim, concordo com as argumentaes da Pantoja, ao afirmar que a memria
das pessoas e os acontecimentos no seguem uma lgica cronolgica, mais sim,
associativa.
At hoje, no sei explicar como, mas, de alguma forma, essa famlia que conheci na
Resex me fez pensar pela primeira vez sobre as sociedades indgenas no Brasil. Somente
agora, ao escrever esta introduo, posso me dar conta do quanto fui por essa
experincia que direcionou na escolha de trabalhar com os Gavio de Rondnia, mesmo
que de forma implcita (FAVRET-SAADA, 2005).
Mas claro que a escolha da minha pesquisa no foi tomada apenas por esse
argumento, pois seria leviana da minha parte tal pretenso, contudo, ratifico esta condio
sine qua non de escolha, juntamente com outras motivaes como: os contatos pr-
estabelecidos com os Gavio, a localizao geogrfica da aldeia, o apoio de instituies e o
conselho dos amigos. Esses fatores agregados tornaram possvel meu trabalho de campo.
Sendo assim, acredito que a escolha do tema da pesquisa est totalmente envolvida
com as subjetivaes do indivduo. Como afirma
sempre condicionada a uma srie de fatores, dentre os quais, a trajetria pessoal do
pesquisador sej 14).
No ano de 2006, j estudante de cincias sociais na Universidade Federal do Acre
(UFAC), estabeleci meu primeiro contato com um grupo tnico dentro de uma Terra
Indgena (TI). Conheci o Projeto Copaba que comeava a ser desenvolvido no estado de
Rondnia com as etnias Jupa e Amondawa da TI Uru-eu-wau-wau. No ms de maio do
mesmo ano, juntamente com Robson Amaro4 e Lus Carlos Maretto5, acompanhei as
primeiras negociaes que foram estabelecidas para a execuo do projeto e participei do
monitoramento de algumas rvores de copaba que haviam sido mapeadas pelo Plano de
4 Consultor do WWF-Brasil na poca. 5 Um dos scios fundadores da Associao de Defesa Etnoambiental Kanind.
12
Manejo Florestal Sustentvel de Uso Mltiplo Comunitrio No-Madeireiro6 (PMFNM). Em
setembro e outubro participei da comercializao de aproximadamente 900 quilos de leo
de copaba que foi negociado nas duas TIs de Rondnia. O WWF-Brasil juntamente com a
Associao de Defesa Etnoambiental - Kanind7 foram os agentes intermedirios dessa
comercializao.
Nesta ltima viagem, que iniciou na segunda quinzena do ms de setembro de
2006, visitei as Terras Indgenas Uru-eu-wau-wau e, pela primeira vez, a Igarap Lourdes.
Na ocasio, foi comprada toda produo do leo de copaba das aldeias visitadas. Na TI
Uru-eu-wau-wau fui apenas aldeia Alto Jamari, onde foi comprado o equivalente a 8%
do total comercializado. J na TI Igarap Lourdes a visita se estabeleceu em trs aldeias:
Iterapy e Paygap, ambas da etnia Arara e a Igarap Lourdes, da etnia Gavio. Na TI Igarap
Lourdes foi comprado 92% do total da produo adquirida nessa comercializao, sendo
aldeia Igarap Lourdes responsvel por 63% da produo total comercializada.
Na primeira visita aldeia Igarap Lourdes, dois acontecimentos me marcaram
bastante. Foi em seus arredores que vi uma ona pela primeira vez em seu habitat
natural8. Nessa viagem, como ainda estvamos na poca do vero amaznico (de junho a
outubro), considerado perodo de estiagem, ingressamos aldeia Igarap Lourdes numa
caminhonete Hilux, pela vicinal9 que lhe dava acesso. No meio do caminho, nas
proximidades do igarap Orquidia10, eu e as pessoas que estavam comigo dentro do carro
avistamos uma ona-pintada a uma distncia de dez metros. Ela caminhava lentamente,
em um passo meio que preguioso pela estrada, mas, ao ouvir o barulho do motor do 6 O manejo dos recursos florestais no-madeireiros um tipo de modelo de desenvolvimento agregado a atividades econmicas com objetivo de usufruir de forma apropriada o potencial natural da floresta, utilizando assim, bases sustentveis. Abordarei este assunto de forma detalhada no terceiro captulo. 7 uma Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), sem fins lucrativos, dedicada luta em defesa dos direitos indgenas e conservao da natureza e ao uso sustentvel da biodiversidade. Criada em 1992, por um grupo de pessoas que trabalhavam com o povo indgena Uru-eu-wau-wau e na defesa do meio ambiente em Rondnia, buscando solues inovadoras que promovam o desenvolvimento econmico justo e ambientalmente sustentvel das sociedades indgenas (KANIND, 2006). 8 Hoje tem sido cada vez mais difcil encontrar animais como esse na floresta. Com a expanso dos centros urbanos, o avano da agricultura e da pecuria e o desmatamento na regio da Amaznia, a floresta tem sido cada vez mais tafetando profundamente a fauna que l vive. 9 A estrada tem um percurso de 45 quilmetros, praticamente em linha reta cortando a floresta da TI. Ela foi aberta na dcada de 80, quando os Gavio comercializaram madeiras nobres de sua terra com os madeireiros da regio. No perodo de chuva, comumente chamado de inverno amaznico, o acesso aldeia somente feito de barco, pelo rio Machado. 10 Os ndios da aldeia Igarap Lourdes disseram que essa parte da estrada era o local mais prximo do igarap Orquidia. Regio de parada de muitos animais que saciam sua sede nas guas do Orquidia e, por esse motivo, existem muitas onas nessa rea. Alm disso, a regio considerada pelos Gavio o melhor lugar para caar.
13
carro, logo se assustou e foi preciso apenas dois pulos para sumir adentrando na mata
fechada.
Maretto relatou que em doze anos trabalhando em Terras Indgenas, aquela havia
sido a sua terceira experincia em ver uma ona de perto. Ele contou-me que quando um
animal desses visto na mata, principalmente na forma como o encontramos, gordo e
sossegado, parecendo no se incomodar com a nossa presena, era sinal de que a floresta
tos outros animais
que lhe serviam de presa.
Tambm foi durante essa viagem aldeia Igarap Lourdes que o carro que
transportava o leo de copaba, o mesmo que nos deslocava, quase virou ao atravessar
uma ponte. O evento aconteceu noite, quando retornvamos a Ji-Paran. No chegamos a
percorrer nem cinco quilmetros, quando a caminhonete ao passar pela primeira ponte
derrapou, quase fazendo virar o carro. Tivemos que pernoitar na aldeia Igarap Lourdes e
s fomos retirar o carro, que ficou com suas rodas presas, na manh seguinte. Logo pela
manh, os homens da aldeia se mobilizaram para retirar o carro do enrasco. Como eu no
podia fazer nada, fiquei apenas observando a cena, enquanto isso, algumas crianas
curiosas tambm apareceram para saber que movimentao era aquela. Em pouco tempo,
os ndios conseguiram colocar a caminhonete de volta na estrada.
Acredito que esses acontecimentos, assim como outros que vivenciei nesse lugar,
no foram s -121). Eles suscitaram em mim
muitas questes, ainda ocultas na poca, mas que somente me foram reveladas a partir do
momento que me dispus a querer busc-los e conhec-los, mediante a elaborao do meu
projeto de pesquisa. At aquele momento no tinha noo de que um dia retornaria a essa
aldeia para fazer minha pesquisa. Essas experincias foram apenas o incio das
peculiaridades que vivenciaria na aldeia Igarap Lourdes, aguando cada vez mais minha
curiosidade.
Dessa forma, ao refletir
seguintes perguntas. Ser que naquele momento, em que estive na aldeia Igarap Lourdes,
tornei -
trabalhos de Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira? Em 1978,
durante entrevistas cedidas a Marisa Peirano (idem), esses antroplogos disseram que
simplesmente, por obra do acaso. Fernandes acabou enveredando suas pesquisas com as
relaes raciais entre negros e brancos. Ribeiro seguiu o caminho das temticas nacionais.
Cardoso de Oliveira fez sua transio da sociologia para a antropologia e, segundo palavras
14
da prpria antroploga que o entrevistou, nesse processo de mudana, ele desenvolveu o
(ibdem: 121).
Em A insustentvel leveza do ser, Milan Kundera
afirmou
necessidade, aquilo que esperado e que se repete todos os dias, no seno uma coisa
muda. Somente o acaso te 2008 [1984] : 51). Ser que o autor tcheco
estaria fazendo uma inferncia a esse mesmo acaso que ns havamos vivenciado, ao
retratar em sua obra o romance vivido por Tomas e Terez
Aps essa breve reflexo da construo do meu tema de pesquisa, busco agora
traar os objetivos. O panorama inicial da proposta era observar a dinmica do Projeto
Copaba nas Terras Indgenas Uru-eu-wau-wau e Igarap Lourdes, especificamente nas
aldeias que j comercializaram o leo de copaba. O objetivo da pesquisa buscava
para refletir sobre as implicaes e a pretendi
impactos ocasionados durante e aps a sua implementao. Saber quais as impresses
desses povos indgenas sobre o projeto, no contexto do etnodesenvolvimento
compreender o discurso dos agentes envolvidos no Projeto Copaba. Essa etapa final da
pesquisa foi pensada para ser realizada por meio de entrevistas com representantes das
instituies participantes desde a idealizao at a execuo do projeto. Essas entrevistas
somaram o equivalente a quatorze horas de gravao.
Entretanto, durante minha participao no seminrio denominado, Sistema
participativo de monitoramento e controle social da produo florestal indgena em
Rondnia realizado em agosto de 2008 na cidade de Porto Velho (RO), percebi que era
mais fino sobre o local a ser realizado a pesquisa. Levei em
considerao alguns argumentos. Por se tratar de uma pesquisa de graduao, a proposta
original era bastante audaciosa. A logstica necessria para visitar as aldeias estava alm
das minhas condies financeiras e no tinha tempo suficiente para uma profunda
insero em campo.
Assim, na proposta final mantive os objetivos da pesquisa, porm, reduzi a viagem
de campo e planejei apenas visitar a aldeia Igarap Lourdes da etnia Gavio, situada na
Terra Indgena Igarap Lourdes (TIIL)11. Ela foi a nica aldeia produtora da maior
quantidade de leo de copaba comercializado. Ao escolher essa aldeia tive por objetivo
11 Daqui em diante, utilizarei o termo TIIL para me referir Terra Indgena Igarap Lourdes.
15
buscar compreender o que havia de diferente nesse lugar. Saber quais eram as
peculiaridades dessa aldeia que faziam dela distinta das demais.
A pesquisa de campo que deu origem a esse trabalho se iniciou em 2006 e foi
desenvolvida em trs perodos. A primeira etapa, no prioritariamente direcionada para a
monografia, aconteceu nos dias 28 de setembro a 7 de outubro de 2006 (dez dias). Na
poca, trabalhava no WWF-Brasil acompanhando o processo de comercializao do
Projeto Copaba na TIIL. O segundo perodo, j visando proposta da monografia, ocorreu
nos dias 11 a 15 de agosto de 2008 (5 dias), na cidade de Porto Velho, quando fui
estabelecer algumas parcerias para a realizao do meu trabalho de campo. Nesses dias,
participei da realizao de um seminrio onde estavam presentes lideranas das etnias
Gavio e Arara. Na ocasio, aproveitei para estabelecer o apoio com a Kanind e conversar
com Emlio acerca da inteno de fazer minha pesquisa na TIIL com os Gavio. O ltimo
perodo da pesquisa foi realizado de 22 de janeiro a 4 de abril de 2009 (73 dias), que
foram subdivididos em locais distintos. No dia 22 de janeiro me apresentei na Funai de Ji-
Paran para oficializar minha chegada e preparar a logstica da viagem. Minha ida aldeia
Igarap Lourdes estava prevista somente para o final do ms de janeiro. Sendo assim,
aproveitei o convite feito pelo cacique Catarino Gavio para conhecer aldeia Ikolen,
permanecendo entre os dias 23 e 27 de janeiro (5 dias) em sua aldeia. Ao retornar a Ji-
Paran fiquei por alguns dias esperando a chegada de Emlio. Minha estada na aldeia
igarap Lourdes aconteceu em dois momentos: o primeiro, de 31 de janeiro a 13 de
fevereiro (14 dias); e o segundo, entre os dias 16 e 26 de fevereiro (11 dias) - as duas
viagens totalizaram 25 dias. As entrevistas com as instituies parceiras foram realizadas
entre os dias 27 de fevereiro e 4 de abril de 2009 nas cidades de Ji-Paran e Porto Velho,
ambas em Rondnia, e Rio Branco no Acre.
A estrutura da monografia se divide em trs captulos. No primeiro captulo
procuro introduzir o leitor no universo e no cotidiano dos Gavio e falando da minha
insero na aldeia Igarap Lourdes. Fao uma reflexo sobre a importncia da prtica da
pesquisa etnogrfica. Compartilho minhas inferncias vivenciadas com os Gavio dessa
aldeia. Relato alguns aspectos do modo de vida desse povo e tambm das relaes
intertnicas estabelecidas. Por fim, fao uma reflexo das experincias que tive na Terra
Indgena Igarap Lourdes. Informo tambm, que este primeiro captulo, elaborado de
forma etnogrfica, foi importante para escrever o ltimo, tornando-se fundamental para o
meu amadurecimento diante das reflexes antropolgicas.
O segundo captulo desta monografia procura traar um panorama histrico do
processo de colonizao do atual estado de Rondnia, tendo como intervalo de tempo
16
determinado, o incio do sculo XVII at o final do sculo XX, especificamente at a dcada
de 1980. Esse perodo histrico foi pensado sob dois recortes. O primeiro, direcionado
e dois grandes
acontecimentos: as primeiras expedies de navegadores que exploravam a regio do rio
Madeira no sculo XVII e a fase de implementao de polticas governamentais para o
nia na segunda metade do sculo XX. No segundo
ando minha pesquisa para o
levantamento histrico dos povos indgenas dessa regio da Amaznia. Em especial,
pesquisei sobre os Gavio, relatando suas relaes com outros povos indgenas e os
pri meiros contatos com os no-ndios.
Ao final do captulo, falo sobre o processo histrico de demarcao da Terra
Indgena Igarap Lourdes, na dcada de 1980. Essa parte da monografia tem por objetivo
respaldar o captulo seguinte. Nesse sentido, por meio do contexto histrico, ressalto as
alternativas econmicas que os Gavio passaram a buscar aps o contato com os no-
ndios. Para depois falar da sua insero no mercado dos projetos de desenvolvimento
sustentvel, em especial o Projeto Copaba, que ser discutido no prximo captulo.
O contexto histrico da transio das dcadas de 1980-90 at o incio do sculo
XXI, no mencionado neste captulo, ser abordado no prximo. Essa abordagem ter
como foco o e o surgimento das organizaes indgenas no Brasil,
sobretudo, em Rondnia.
No terceiro e ltimo captulo , procuro etnografar o Projeto Copaba,
implementado na aldeia Igarap Lourdes, como um modelo alternativo de renda
econmica. Para isso, busco compreender a dinmica do projeto por meio de seus atores
etnodesenvolvimento
Stavenhagen (1984). Utilizo os micro-modelos econmicos desenvolvidos por Little
(2002). E apio-me na ideia de reschi (2002), para pensar as
implicaes do Projeto Copaba.
Nas consideraes finais, ressalto questionamentos sobre a sustentabilidade dos
projetos em comunidades indgenas e os desafios para alcan-la, no contexto do
etnodesenvolvimento, por meio de projetos de alternativas econmicas. Por fim, fao uma
.
17
Captulo 1 Iniciao etnogrfica na aldeia Igarap Lourdes
Neste captulo, falarei do meu ingresso na aldeia Igarap Lourdes e da negociao
da minha pesquisa sobre o Projeto Copaba. Relatarei alguns aspectos do modo de vida dos
Gavio em seu cotidiano e minha convivncia com eles. Por meio desta experincia, tive o
privilgio de participar de muitas atividades dirias, ajud-los no cuidar da roa, na
preparao da makaloba12, nos afazeres domsticos, etc. Essa progressiva insero no
cotidiano dos Gavio foi fundamental para minha aceitao como pesquisadora e no bom
desenrolar do meu projeto de pesquisa. Tratarei tambm das relaes intertnicas
estabelecidas entre este povo indgena e os no-indgenas, tomando o exemplo de uma
equipe da Fundao Nacional de Sade (FUNASA) que visitou a aldeia em fevereiro de
2009. Por fim, fao uma reflexo das experincias vividas na comunidade13, pois foram
momentos de muito aprendizado e desenvolvimento como pessoa e como antroploga.
A localizao da aldeia na parte central da Terra Indgena Igarap Lourdes faz dela
a nica comunidade indgena afastada da regio de entorno, que atualmente ocupada por
fazendeiros e colonos. Prxima margem direita do igarap Lourdes, a aldeia constituda
por aproximadamente 130 ndios da etnia Gavio. A liderana local exercida pelo cacique
Miguel Ti-Guit Gavio de 43 anos, primognito do ex-cacique Fernando Txerepoab Gavio
(FUNASA, 2008).
A estrutura da aldeia est representada por um agrupamento de pequenas casas
feitas de palha e de quinze casas de madeira, construdas na dcada 1980 por madeireiros
que exploravam a regio. Quem chegar aldeia pelo porto que fica s margens do igarap
Lourdes, logo avistar uma pequena estrada de aproximadamente oitenta metros que d
acesso s primeiras casas e ao campo de futebol. Ao fundo da aldeia est situada a pista de
pouso, hoje desativada; a casa do chefe de posto da FUNAI, o posto de sade e a escola
tambm ficam logo no incio da aldeia (ver Croquis 1 Mapa da aldeia Igarap Lourdes na
TIIL, em Rondnia).
Na aldeia Igarap Lourdes no existe energia eltrica, porm, ela possui dois
geradores a diesel: um funciona ligado bomba que abastece toda aldeia enchendo duas
12 Makaloba conhecida, em outros povos indgenas, pelo nome de chicha ou caiuma (ou caissuma). uma bebida indgena feita a partir da fermentao da mandioca, milho ou batata, geralmente servida nas festas gavio. 13 Refiro-me ao termo comunidade utilizado pelo povo gavio, tendo a mesma significao dada por Eduardo Viveiros de Castro sobre comunidade indgena nas relaes de parentesco ou vizinhana entre seus membros, que mantm laos histrico-culturais com as organizaes sociais indgenas pr-
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FUNASA; o outro, leva luz eltrica para todas as casas da aldeia, funciona quase todos os
dias no horrio das dezenove s vinte e trs horas e aos sbados e domingos durante a
celebrao dos cultos da igreja evanglica local. Entretanto, durante os dias que estive na
aldeia, salvo a ltima semana, quando o gerador voltou a funcionar, ficamos praticamente
sem energia eltrica.
Primeiras impresses: chegando aldeia e insero em campo
Minha viagem com destino aldeia Igarap Lourdes teve incio no dia 31 de janeiro
de 2009. Fui de carona no barco da prpria comunidade juntamente com Emlio, Afonso,
Helena e Lourival, ndios da etnia Gavio que vivem na aldeia e o chefe de posto Tenesson
Oliveira. O local de encontro foi marcado s seis e meia da manh em frente casa de
apoio dos Gavio que fica s margens do rio Machado na cidade de Ji-Paran.
Croquis 1 : Mapa da aldeia Igarap Lourdes na TIIL, em Rondnia. Fonte: Yuri Salmona, 2010.
19
Emlio tentou consertar um rasgo no casco do barco que tinha aproximadamente
quinze centmetros de comprimento - no dia anterior enquanto o mesmo se deslocava da
aldeia cidade de Ji-Paran para nos buscar, acabou batendo o barco em um tronco de
rvore que estava submerso no igarap Lourdes. Depois de fracassadas todas as tentativas
de vedar o buraco, a nica soluo encontrada foi viajar com um pano que de alguma
forma vedasse a gua que poderia entrar pela fenda do barco.
Colocamos o barco na gua. Em seguida, carregamos as mercadorias juntamente
com nossas bagagens. As mercadorias eram tanto nossas quanto encomendadas de alguns
ndios. Preparamos o barco e nos acomodamos para dar incio a uma viagem de mais ou
menos sete horas. Normalmente esse deslocamento tem a durao de trs a quatro horas,
mas, como estvamos com o barco cheio, com um motor de vinte cavalos - considerado de
pouca potncia -, e ainda com um rasgo no casco do barco, teramos que viajar em uma
velocidade bem menor do que a normal.
Descemos o rio Machado, considerado um dos maiores da regio, por volta das sete
da manh. O tempo estava encoberto, carregado com muitas nuvens. O rio cheio carregava
muito balseiro por conta da forte chuva da noite anterior. Emlio disse que provavelmente
choveria durante a viagem, e pediu para que eu tivesse a capa de chuva sempre em mos.
Tenesson aproveitou para me explicar que essa poca, conhecida como inverno amaznico
(de dezembro a maro), um perodo de muitas chuvas. Era quando se tornava possvel o
deslocamento dos Gavio pelo rio Machado, pois era quando este, tornava-se navegvel
porque muitas de suas corredeiras e cachoeiras ficavam submersas.
Conforme descamos o Machado o tempo se abria. Depois de algumas horas de
viagem, as nuvens carregadas haviam sumido dando lugar aos raios de sol que davam
floresta que nos cercava um tom de verde especial. Aps quatro horas de viagem
chegamos boca do igarap Lourdes. Ainda nos restavam mais trs horas de navegao
at o porto da aldeia. Entrando no igarap Lourdes tive a sensao de estar ingressando
em um mundo distinto, pois naquele exato momento, experimentava sensaes parecidas
com aquelas vividas por Lvi-Strauss na Amaznia:
Algumas dezenas de metros de floresta bastam para abolir o mundo exterior, um universo cede lugar a outro, menos condescendente com a vista, mas onde a audio e o olfato, esses sentidos mais prximos da alma, no tm do que se queixar. (LVI-STRAUSS, 2009 [1955] : 323).
Acostumada a cenrios muito parecidos, quando navegava pelos rios da Amaznia,
o rio Tapajs no Par, o Madeira em Rondnia e at mesmo o Madre de Dios no Peru,
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sentia sempre certa euforia e fascnio, com a grandiosidade desses rios. Percorria trechos
tendo a impresso que suas margens pareciam inalcanveis. Em certos momentos, ao
navegar por esses rios, os barcos, de to longe que estavam, pareciam miniaturas, mas, ao
se aproximarem, mostravam seu tamanho real. Em outras ocasies era impossvel avistar
a margem do rio, tendo at mesmo a impresso de navegar em mar aberto. Percursos
esses que transformavam as castanheiras e sumamas - as maiores rvores da Amaznia
em verdadeiros bonsais, diante da imensido dos rios.
Ao me deparar com o igarap Lourdes senti um calafrio, o corao comeou a bater
forte, a adrenalina corria por todo corpo, pois naquele momento estava diante do
, que de to importante deu nome Terra Indgena. Palco de muitas histrias e
mitos do povo gavio, o local que escolheram para viver ao migrarem da regio do Mato
Grosso. Igarap que de muito ler e ouvir falar pensava j conhecer, mas, nesse momento,
pude perceber toda a sua imponncia.
Aos olhos de muitos, o Lourdes, demonstra-se singelo de to pequeno que , e nem
sempre navegvel. Mas, aqueles que conhecem a histria dos Gavio, sabem de seu
verdadeiro tamanho. Ali, pela primeira vez navegando por suas guas, senti uma energia
to boa, a mesma que sinto toda vez que regresso ao Acre para perto de minha famlia. O
igarap tem aparncia de ser to fraco, mas que capaz de cortar a onipotente floresta
amaznica. Em alguns momentos, parece at mesmo que foi vencido pela floresta, de to
estreito que fica quando a copa das rvores de ambas as margens parecem querer se
abraar.
Ao pisar em terra firme, notei que muitos ndios apenas me olhavam e poucos
vieram me cumprimentar. Fui apresentada rapidamente ao cacique Miguel que me deu as
boas vindas. Ainda intimidada com a situao de ser uma estranha chegando a um local
onde poucos sabiam quem eu era, tratei de pegar minhas coisas do barco e sair de fininho
rumo casa do chefe de posto da FUNAI, que seria tambm minha casa nos prximos dias.
Lembro que cheguei cansada e com muita fome; logo, tratei de fazer alguma coisa para
comer. Na verdade, nem esperei o almoo ficar pronto, fui revirando meu rancho14 em
busca de algo para saciar minha fome.
Nesse primeiro dia preferi ficar na casa da FUNAI at conseguir conversar de
forma mais apropriada com o cacique, pois desejava, primeiramente, oficializar minha
estada na aldeia. Mesmo tendo comigo o documento expedido pela FUNAI de Braslia
14 Em muitas regies da Amaznia refere-se ao mantimento levado para o campo.
21
autorizando meu ingresso na TI, preferi ratificar minha autorizao pessoalmente com o
lder da aldeia, o cacique Miguel.
noite, Tenesson recebeu a visita de uma famlia que queria saber das novidades
de Ji-Paran. Aproveitei a oportunidade para estabelecer um primeiro contato com os
ndios da aldeia e ficamos conversando por algumas horas ali mesmo, na sala da casa do
chefe de posto. Dos membros da famlia presentes, Chambete15 era o que mais conversava
conosco, apesar de uma certa dificuldade com o portugus. Posteriormente, ao falar de sua
vida, contou-me que
juntamente com o antigo cacique Fernando Gavio no seringal Santa Maria. Por esse
motivo, falava melhor o portugus que outros Gavio. Em nossas conversas, ele at se
arriscava, por diversas vezes, a me ensinar algumas palavras de tupi-mond.
No dia seguinte, fui chamada por Emlio para ir ao encontro do cacique Miguel para
conversar sobre minha a pesquisa. Tenesson, ao ouvir nossa conversa, prontificou -se a ir
comigo, o que me trouxe maior segurana, pois j havia percebido o quanto ele era
respeitado pelos Gavio. Sabia que ele estaria ali para me ajudar caso fosse necessrio;
alm do mais, tinha o seu total apoio para a minha estada na aldeia. Tambm me senti
muito segura para ir falar com o cacique porque j tinha a aprovao de Emlio, seu irmo.
Emlio considerado por muitos, tanto da aldeia quanto de fora dela como o
hoje a representao indgena do povo gavio da aldeia
Igarap Lourdes para todas as questes envolvendo a comunidade em suas relaes
intertnicas. Como Miguel quase no fala portugus, Emlio, juntamente com os outros
irmos, possibilita a comunicao intertnica e auxilia o cacique nas tomadas de decises
de interesse da aldeia.
Ao chegar casa do cacique, o mesmo j esperava por mim juntamente com outros
ndios, os homens mais velhos da aldeia. Mulheres tambm estavam presentes com
algumas crianas ao nosso redor. Tendo como companhia Tenesson e Emlio, sentia-me
segura para explicar os objetivos da minha pesquisa. Situao muito diferente da
experincia que vivenciei na aldeia Ikolen16 que tinha suscitado em mim certo bloqueio,
fazendo-me pensar nas dificuldades do campo (POLLARD, 2009).
15 Chambete Babekabib Gavio de 62 anos casado com Izabel Tamaday Gavio de 53 anos. Desse matrimnio tiveram Rute Babekabib Gavio de 28 anos, Elizabete Agavahv Gavio de 22 anos e
primeiro casamento com a ndia Beg Arara, dessa unio tiveram Maria ngela Tune Gavio de 48 anos e Daniel Sequeav Gavio de 33 anos. Atualmente todos os filhos de Chambete vivem na aldeia Igarap Lourdes, com exceo de sua filha primognita ngela que vive na aldeia Cacoal (FUNASA, 2008). 16 Antes de chegar aldeia Igarap Lourdes, fui convidada pelo cacique Catarino Gavio para visitar sua aldeia. Ao aceitar o convite, fiquei por quase uma semana na casa do chefe de posto da FUNAI,
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Como o cacique no falava o portugus e eu tampouco entendia o que era dito em
tupi -mond, para tornar nossa conversa compreensvel, Emlio interpretava as falas.
Conforme amos conversando, mais pessoas chegavam para ouvir o que estava sendo
acordado ali. Percebia que essas pessoas guardavam sempre certa distncia, talvez para
manter algum tipo de imparcialidade na conversa ou talvez fosse apenas mera impresso
minha.
Falei do interesse em pesquisar sobre o Projeto Copaba que havia sido
desenvolvido na aldeia e saber sobre seus impactos na comunidade. Fui explicando, passo
a passo, a minha pesquisa, no poupando nenhum detalhe que surgisse em minha mente.
Para o bom entendimento de todos, Emlio interpretava tudo para o tupi -mond. Aps
alguns minutos de conversa, o cacique Miguel aprovou minha permanncia na aldeia.
Nesse momento, no pude deixar de perceber que a deciso tomada pelo cacique
no era a imposio de sua vontade pessoal. Ao contrrio, era uma deciso consensual,
acatada pela maioria dos ndios e o cacique era o responsvel por transmitir a palavra final
do grupo. Com efeito, o cacique Miguel, antes de tomar qualquer deciso, primeiro,
procurava sempre ouvir a opinio dos homens mais velhos da aldeia. Esses homens eram
membros da sua famlia e lideranas de outros grupos familiares da aldeia. Essa
observao fez-me lembrar das afirmaes de Lvi-Strauss com os Nambiquara, que
entendeu que entre eles, a posio do chefe era constituda a partir da deciso definitiva
do grupo, geralmente precedida por uma -STRAUSS,
2009 [1955]: 292).
Ressalto que antes de terminarmos essa conversa, os ndios me fizeram um nico
pedido, solicitaram o meu auxlio para a realizao de algum projeto que beneficiasse a
comunidade. Todavia, o que mais me chamou ateno nessa hora foi posio do Emlio. A
questo que ele considerava mais importante para a aldeia no era a necessidade de
conseguir novos projetos para a comunidade, mas sim uma preocupao para que eu
retratasse, da forma mais verdadeira possvel, o cotidiano dos Gavio.
Na verdade, Emlio esperava que a realizao da minha pesquisa pudesse
desmistificar o pensamento do que acha que os ndios s ficam em suas aldeias
sozinha na aldeia Ikolen. Nesse lugar a recepo feita pelo povo indgena no foi bem a que eu imaginava, pois os Gavio da aldeia Ikolen ignoraram minha presena. Fiz algumas tentativas de aproximao, mas, praticamente todas frustradas. No posso dizer que fui maltratada ali, mas a indiferena ou at mesmo a timidez dos ndios fizeram com que eu me decepcionasse com minha expectativa sobre o trabalho de campo. Naquela situao, sozinha, triste, constrangida e com medo, cheguei at mesmo a pensar em desistir do campo. Talvez essa situao deva ter mostrado o meu despreparo com o campo. Essa experincia fez com que eu sentisse na pele a mesma situao vivida por Geertz durante os primeiros dias de sua estada em Bali (1978b: 278-283).
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danando e fazendo seus ritos palavras de Emlio. Esse pensamento, obviamente, no
condiz com a realidade e ele desejava acabar com a ideia de que todo ndio preguioso e
que s vive dormindo. Emlio queria mostrar que ndio trabalha, pois est cansado de sair
de sua aldeia e ouvir sempre as mesmas histrias pejorativas sobre sua sociedade. Ele
comentou de forma queixosa que a primeira impresso que algum de fora tem da aldeia
a de que o ndio preguioso, pois no tem roa plantada. Ele indagou veemente que isso
era mentira, embora em um primeiro momento no se tenha a viso das roas, isso no
quer dizer que elas no so cultivadas. Na verdade, elas existem e a maioria delas fica
longe da aldeia por causa do gado. Falei s lideranas que o meu trabalho procurava
justamente lutar contra os esteretipos sobre o modo de vida dos ndios.
Diante da aceitao do povo gavio, pude considerar essa ocasio como sendo mais
uma de muitos outros momentos felizes vindouros que vivenciaria na aldeia Igarap
Lourdes. Deixei de me sentir uma estranha, diferente do que sentia entre os ndios da
aldeia Ikolen, onde tive a impresso que todos olhavam para mim com um olhar
desconfiado. Na aldeia Igarap Lourdes tive uma sensao de liberdade para realizar a
minha pesquisa, sentimento muito diferente do desnimo e at mesmo frustrao,
vivenciados na outra aldeia. Esses sentimentos angustiantes me fizeram remeter,
justamente, ao artigo de Amy Pollard (2009), quando afirma que muitos antroplogos
experimentam momentos de dificuldade e, por isso, acabam sentindo reaes emocionais
durante seus trabalhos de campo.
O dia a dia na aldeia
Tenesson trabalha na FUNAI h vinte e dois anos, tendo passado cerca de oito anos
como chefe de posto na aldeia Igarap Lourdes. Ele desenvolve atividades das mais
variadas, acompanhei-o em algumas delas, realizando visitas rotineiras s casas dos
ndios, participando de conversas sobre a organizao da aldeia e at mesmo realizava
algumas tarefas. Somente assim, acreditava ter os primeiros acessos s famlias Gavio,
pois o fato de ser vista ao lado do Tenesson, no meu imaginrio, significava ser
considerada uma pessoa em quem se podia confiar.
Ao contrrio da primeira impresso que se tem do chefe de posto do Igarap
Lourdes, e aps alguns dias convivendo com ele dia e noite, tanto em Ji-Paran, quanto na
aldeia, pude perceber que aquela aparncia de pessoa marrenta, nada mais era do que
uma falsa impresso. A partir d essa convivncia com ele, pude perceber que era uma
pessoa formidvel. Nitidamente, mostrava preocupao com as pessoas da aldeia. Com ele,
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pude aprender a respeito dos Gavio da aldeia Igarap Lourdes. Ele esclarecia minhas
dvidas, orientava-me e ainda intermediava meus contatos com os ndios da aldeia.
Acredito que tive muita sorte em t-lo por perto, pois sua preocupao, apoio e companhia
nesses dias foram essenciais. Assim como William Foote-Whyte (1975), tambm acredito
que a existncia do fundamental importncia para o sucesso do
trabalho etnogrfico.
Dia aps dia ia percebendo o quanto Tenesson era respeitado por todos, do
cacique Miguel s crianas. Na verdade, essas ltimas s o respeitavam porque tinham
medo dele, pois muitas delas o achavam bravo. Cheguei a presenciar momentos em que
algumas crianas, quando cometiam alguma travessura na aldeia, seus pais, para intimid -
las, diziam que iriam contar suas danaes ao Tenesson. Ao ouvirem ameaa de seus
pais, as crianas logo tratavam de ficar bem quietinhas. Em outros momentos, escutava, de
longe, essas mesmas crianas chamarem por Tenesson em sua casa, convidando-o para ir
brincar com elas no igarap ou, s vezes, para jogar bola. Cheguei a presenciar alguns
desses acontecimentos que se transformavam em momentos jocosos.
Quando me aventurei a nadar no Lourdes, comecei a perceber as tentativas de
aproximao das mulheres. Apesar das dificuldades lingusticas, comeamos a estabelecer
os primeiros laos de amizade. J as crianas me olhavam desconfiadas; as menores de at
dois anos de idade, de tanto medo que tinham, comeavam a chorar. Ao vivenciar esta
ltima situao, relembrei da mesma experincia vivida pelo antroplogo Jos Pimenta na
aldeia dos Ashaninka no Acre (PIMENTA, 2002).
Dessa forma, as primeiras amizades que estabeleci foram institudas com as
mulheres, dentre elas destaco Lcia e Mrcia, esta ltima casada com Emlio. Lcia fala
melhor o portugus, pois uma das poucas mulheres que prosseguiu os estudos, tendo, no
entanto, parado aps alguns anos para cuidar de suas filhas Tatiane Gavio de cinco anos e
Thais Gavio de dois anos.
Enquanto fazamos caminhadas no intuito de conhecer a aldeia, visitamos algumas
casas, dentre elas, a residncia de Chambete. L, estavam todos na porta da casa, louvando
cnticos religiosos. Este senhor convidou-me para entrar em sua residncia; entrei na sala
e fiquei sentada no cho, juntamente com outras pessoas ouvindo os hinos que eram
cantados em tupi-mond. Cheguei at mesmo a arriscar de imediato estabelecer
novamente uma conversa com os presentes, mas, devido, mais uma vez, s dificuldades
lingusticas, essa tentativa se resumiu a poucas palavras. A partir d esse momento, comecei
uma amizade com a famlia de Chambete.
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Depois de visitar Chambete, fomos casa do Joo Chapinha Gavio, mais conhecido
como Joo Comprido. L, eles preparavam a makaloba, bebida que possui um grande
significado na cosmologia dos Gavio17. Foi interessante observar a preparao desta
bebida, pois consegui perceber traos fortes sobre as relaes sociais deste povo.
Durante as muitas idas e vindas roa para buscar milho, batata-doce, macaxeira,
produtos fundamentais para a preparao da bebida; e nos momentos em que ficava na
companhia das mulheres nas cozinhas de suas casas, ralando, moendo, cozinhando e
pilando esses alimentos, aprendi muito sobre o modo de vida dos Gavio. Passava a
compreender um pouco das relaes sociais e ficava sabendo de quase tudo que acontecia
na aldeia, quem chegava ou quem saa, e at das fofocas, esses segredinhos que s podiam
ser relevado ali, naquele ambiente.
Observei que todo o processo de preparao da makaloba estava envolto ao
universo feminino Gavio, onde facilmente percebia a presena de diferentes geraes, de
netas a bisavs. Dentre as pessoas presentes, apenas as mulheres participavam
diretamente. Comecei a perceber que no era apenas durante a preparao da makaloba
que o papel do homem e da mulher diferenciava-se drasticamente. O homem, apresentava-
se como um provedor. Ele prepara a roa, caa, pesca e vai cidade. ele quem negocia
com o no-ndio. J a mulher, fica na aldeia cuidando das crianas e deve proteg-las. Ela
tambm cuida da casa e mantm a roa limpa (ver Imagem 1 A preparao da makaloba).
Aos poucos, fui percebendo que as relaes sociais durante a preparao da
makaloba no se estabeleciam somente entre as mulheres, como pensara a princpio,
pouco a pouco, observei que elas tambm eram desenvolvidas com os homens, mesmo que
de forma indireta. Enquanto as mulheres preparavam a bebida, os homens, aps
terminarem as tarefas do dia, em alguns momentos, ficavam dentro das cozinhas,
juntamente com as mulheres, observando a preparao da bebida. Normalmente, ficavam
sentados nos bancos conversando com outros homens e, s vezes, opinavam nas conversas
das mulheres. Muitas dessas conversas fugiam da minha compreenso, pois a maioria era
em tupi-mond e eu no fazia ideia do assunto. Porm, em algumas ocasies, eles me
deixavam a par das conversaes.
Inicialmente, a mulher Gavio mostrava-se tmida e muitas vezes permanecia
calada. Essa impresso desaparecia medida em que deixava de ser uma estranha na
aldeia. Depois de conquistar a confiana das mulheres, pude observar que nossas relaes
17 Por falta de arcabouo terico e pouco conhecimento sobre o tema, a cosmologia Gavio ser apenas mencionada neste trabalho. A respeito da cosmologia Gavio, ver Mindlin (2001).
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Imagem 1: A preparao da makaloba. Foto: Fabiana Lima, 2009. A Alzilene sentada com seu filho no colo, Neuza ao fundo com sua filha nos braos, Mrcia
e Betaj Zor [Betnia] pilando o milho (da esq. para dir.). B Mrcia peneirando o milho aps ter sido pilado. C Helena e seu neto no colo, ao fundo, sua neta, ambos filhos de Alzilene. D Lcia e suas trs filhas e o filho caula de Mrcia o ltimo direita (da esq. para dir.). E Izabel peneirando milho e ao fundo sua neta Laila filha de Rute -, pilando milho. F Mrcia cortando milho e ao fundo Alzilene.
A B
D C
E F
27
se modificaram. Posso considerar essa mudana como um rito de passagem que me
possibilitou adentrar no universo feminino Gavio.
Lediane Felzke, que trabalhou com os Gavio sobre a coleta da castanha, relata
risadas do grupo [...] O processo de aquisio de confiana mtua foi se configurando,
medida que minha presena tornava-
Tambm pude compreender melhor as ocasies jocosas na aldeia a partir do
momento em que me deixei levar pelos acontecimentos do cotidiano; o caminhar pela
roa, a colheita dos alimentos, a corrida at o igarap, o ninar da criana. Em tudo isso,
podia observar a felicidade translcida deste povo.
Na partida de futebol, que acontecia sempre ao final da tarde, pude descobrir um
dos maiores divertimentos dos Gavio. Era um momento quase que sagrado. Depois das
cinco e quinze da tarde, ouvia-se um assobio que era escutado por todos da aldeia. Era o
convite para mais uma pelada. Os homens eram convidados para participar do jogo; as
mulheres, para sentar-se em volta do campo e apreciar a partida. Sentadas nos bancos que
circundavam o campo, as mulheres tambm aproveitavam a ocasio para colocar a
conversa em dia; j as crianas, estavam incumbidas de imitar os homens adultos em um
jogo que acontecia fora dos limites do campo. Essas crianas estavam sempre fazendo
algo, quando no estavam na escola, brincavam. Pelo que pude perceber, era somente a
partir da adolescncia que se estabelecia alguma obrigao - normalmente dividida por
gnero.
A partida de futebol perdurava at o ltimo raio de sol, s vezes, entrando pela
noite. Mas o jogo sempre acontecia no mesmo horrio, aps o cumprimento de todas as
tarefas do dia: as aulas na escola terminavam, algumas pessoas voltavam da roa, outras
da caa e da pesca, etc. O jogo de futebol parecia um rito de agradecimento pelo
cumprimento das atividades dirias.
Os brinquedos das crianas eram os mais inusitados. Ora brincavam da mesma
forma que vemos as crianas da cidade, outrora tinham brincadeiras que nunca havia
visto. Por exemplo, as crianas de 3 a 5 anos costumavam apanhar filhote de passarinho
sendo o beija-flor o mais cobiado -, amarravam uma linha em uma de suas patas e o
soltavam; quando este tentava alar voo, as crianas puxavam pela linha e o passarinho
caa logo no cho.
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Chambete, Izabel e eu: algo de especial acontece entre ns
A primeira vez que conheci a roa dos Gavio da aldeia Igarap Lourdes estava na
presena de Chambete e Izabel. Nesse dia, assim que acordei, olhei para a janela do meu
quarto e vi que o dia ia ser ensolarado, pois no havia nenhum sinal de chuva. Pus uma
roupa adequada para caminhar na mata, peguei meu kit de campo , mquina fotogrfica e
Chegando casa do Chambete, ele e Izabel j estavam quase prontos,
faltava apenas tomarem caf. Izabel emprestou-me um paneiro18. Em seguida, eu,
Chambete e Izabel seguimos caminhando pela vicinal.
Ao longo do caminho, percebi que existiam vrios roados cultivados nas
proximidades da estrada. Chambete contou que cada uma daquelas roas pertencia a uma
famlia diferente. Aps uma hora de caminhada, chegamos sua roa. L, havia plantao
de macaxeira, car, melancia, banana, arroz, milho de branco e de ndio 19. Chambete
aproveitou a ocasio para me explicar que as roas foram plantadas distantes da aldeia
por causa do gado que tinha o hbito de invadi-las, comendo toda plantao.
Ficamos na roa quase a manh inteira. Ao retornarmos prximo do meio-dia, o sol
j estava forte e o mormao dentro da mata era intenso, quase insuportvel de tanto calor.
Ao final da caminhada, retornando aldeia, j estava cansada, com fome e sede. Fiquei
impressionada com a resistncia de Chambete e Izabel, pois, em nenhum momento, os via
vencidos pelo cansao ou pela idade. Pelo contrrio, pareciam estar sempre dispostos a
realizar suas atividades cotidianas.
Outro dia, Chambete me chamou para ir pescar com ele e Izabel. Como sempre,
aceitei o convite na hora. Fomos aonde os gados pastam para catar algumas minhocas.
Chambete pegava apenas as minhocas maiores, devolvendo as menores terra. Fiquei
pensando como ele sabia o local exato para encontr-las; ele dizia que a maneira mais fcil
para ach-las era cavar um buraco prximo das fezes de gado - com a ressalva que
somente fossem feitos os buracos sob as fezes mais frescas. As minhocas eram realmente
grandes. Na cidade, so conhecidas como minhoca-a ou minhoco. Depois, seguimos em
direo ao igarap Lourdes para pescar.
Alguns dias depois, fui convidada, mais uma vez, para outra pescaria. Desta vez, o
local foi diferente. Fomos pescar na boca do igap - regio que nessa poca vive
constantemente alagada devido a sua proximidade com o igarap Orquida -, palco de
18 Cesto de palha feito de folha de palmeira, confeccionado de forma artesanal pelas ndias Gavio. As mulheres Gavio, com esses paneiros, chegam a carregar at 60 kg de milho. 19 seus gros macios.
29
nossa nova pescaria. Samos pela manh, seguindo pela mesma estrada. No caminho
passamos por um tapiri 20 que h anos foi local de morada da famlia de Chambete. Ele
disse que o utilizava quando passava alguns dias na mata na companhia de Izabel. Ali ,
costumavam pescar, coletar alguns frutos e namorar. No local existiam alguns materi ais
como panela, martelo, faca e outros artefatos.
Por meio dessa convivncia estabelecida entre ns, deixei-me levar pelo ritmo de
vida dos Gavio porque era fundamental para eu compreender o ritmo deles. Fui criada no
ritmo acelerado da cidade. Entre eles, tive que me reeducar e busquei fazer as coisas no
tempo deles, com pacincia. Afinal de contas, eu era a estranha que precisava adaptar-se
ao ambiente, precisando interagir com a realidade deles.
Comecei a compreender um pouco d d viso d
(GEERTZ, 1978a). Pela experincia, passei a perceber que o ritmo levado por eles na aldeia
era totalmente diferente. Para as pessoas da cidade, as coisas acontecem numa velocidade
impressionante, elas esto sempre com pressa e/ou atrasadas para suas atividades dirias.
Na aldeia, o ritmo era outro. No havia pressa para ir roa ou voltar para fazer o almoo.
O que dava para ser feito no dia, eles faziam; aquilo que no dava, era deixado para o outro
dia. Outra coisa que observei e que me chamou ateno foi o fato deles coletarem apenas o
suprimento necessrio para dois ou, no mximo, trs dias. Somente os vi coletar para
armazenar em casa quando o objetivo era a comercializao na cidade, o que acontecia
com a castanha e o leo de copaba. Ainda assim, isso me faz lembrar que essas e outras
atividades de subsistncia como caa e pesca continuam sendo as principais fontes de
alimento para os Gavio (LITTLE, 2002).
Outro ensinamento que pude tirar da minha convivncia na aldeia foi que aprendi
progressivamente a deixar as coisas flurem e a no mais pressionar para que elas
acontecessem ao meu modo. Como exemplo disso, resolvi deixar um pouco de lado a
utilizao do gravador, at adquirir a confiana dos Gavio, pois este equipamento inibia
rapidamente as pessoas.
Minha rotina na casa do Chambete era intensa e, de tanto frequent-la, passei a me
questionar sobre o exagero dessas visitas que podiam incomodar. Ele nunca disse ou
20 Ao avistar esse tapiri, uma espcie de cabana coberta de palha que serve de abrigo, lembrei que j havia visto outros espalhados pela terra indgena. Alguns deles construdos s margens do rio Machado ou dentro da mata e outros nas proximidades do igarap Lourdes, mas todos abandonados. Vale ressaltar que, antes das intervenes religiosas e da prpria FUNAI, essa espcie de cabana era tambm local de morada tradicional dos Gavio, quando, por alguma razo, eles
finalidade de abrigo temporrio para um ou outro Gavio que se embrenha na floresta para pescar, caar ou at mesmo para coletar castanha ou leo de copaba (FELZKE, 2007).
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deixou entender algo parecido; pelo contrrio, sua famlia sempre foi muito solcita
comigo. Apesar disso, decidi diminuir as visitas, ficando alguns dias sem aparecer por l.
Aproveitei esse momento para ficar mais na companhia do Tenesson. Todavia, no
demorou muito para eu desistir dessa ideia. Chambete sentiu minha falta e indagou-me
sobre o porqu de ter sumido, ter deixado de ir sua casa visitar sua famlia.
Depois desse fato, nossa amizade se fortaleceu. No incio, as minhas conversas com
Chambete sobre a aldeia e o seu povo eram sempre feitas de maneira informal, pois no
levava nada comigo, nem caderno, nem lpis e sequer gravador. Mas, conforme fui
adquirindo sua confiana e a dos outros membros, voltei a utilizar o gravador, o caderno e
outros assessrios. O gravador, em especial, que outrora causava certo temor, passou a ser
despercebido pelos Gavio.
Entre uma conversa e outra, muitas vezes, os nossos papis se invertiam. Em
alguns momentos, eram os Gavio que faziam as perguntas. Queriam saber sobre a minha
vida, quem eram meus pais e o que eles faziam, se eu tinha irmos, aonde eles viviam, se
trabalhavam, etc. Lembro que a primeira vez que conversei com Chambete utilizando o
gravador aps perceber que j tinha sua confiana -, ele ficou muito contente em saber
que estava fazendo parte de uma pesquisa, principalmente por entender que algum iria
falar sobre o povo dele. Quando comecei a gravar nossa conversa, os outros ndios ficaram
muito curiosos e, com isso, formaram uma roda a nossa volta querendo saber o que estava
sendo dito.
Nessa rotina, vivenciada lado a lado com os Gavio, uma de minhas atividades
favoritas era ir ao porto do igarap Lourdes escrever em meu caderno de campo.
Procurava ir naqueles momentos em que no havia ningum por perto - o que era quase
impossvel -, pois era quando conseguia ficar sozinha e refletir melhor sobre minha
vivncia ali. Tambm gostava de fazer minhas anotaes quando ficava na companhia de
Chambete e Izabel, principalmente nos momentos em que no precisvamos falar nada,
bastava apenas a nossa presena, e o dilogo no-verbal flua muito bem entre ns. No sei
como explicar, mas a interao que tive com esse casal de ndios foi intensa durante os
dias que vivi na aldeia. Nessa convivncia, fazamos muitas atividades juntos. Eles me
convidavam para participar de quase tudo: banhar no igarap, preparar alguma refeio,
pescar ou mesmo ir roa, o que fazamos com maior frequncia (ver Imagem 2 O
convvio com a famlia de Chambete).
Lembro de uma conversa com Chambete quando ele me perguntou se eu casaria
com um ndio. Imediatamente disse que no. Tive receio da reao de Chambete devido
minha resposta ter sido to objetiva e, talvez, soado com certa rispidez. Tentei consertar
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dizendo que me achava muito nova para casar, mas ele no deu muita ateno a minha
justi ficativa. Chambete me fez esta pergunta por que, como acabou comentando, me
achava uma moa trabalhadora e os ndios da aldeia gostavam de mulheres assim. Alguns
dias depois, disse ainda que eu seria a esposa ideal para o seu filho Afonso de 19 anos.
Recordo-me de outro momento em que fiquei muito envergonhada. Um dia,
caminhei em direo ao igarap para escrever em meu caderno de campo, mas, ao chegar,
tomei o maior susto. Percebi que Chambete estava tomando banho nu. Resolvi dar meia
volta e retornar aldeia, mas Chambete disse que no tinha problema, que eu poderia ficar
ali. Ento, resolvi permanecer, sem olhar para ele. Depois do banho, Chambete preparou
uma linhada e comeou a pescar. Enquanto isso, Izabel lavava roupa e eu escrevia em meu
caderno de campo.
Sentia-me bem na companhia deles. Chambete e Izabel tornaram-se um pouco a
Pois, estar na
presena deles era no perceber o tempo passar; quando me dava conta, horas j haviam
transcorrido.
Entre a roa e a aldeia: o cair das vendas sobre os meus olhos
Para escrever esta parte da monografia fui tomada por inspiraes suscitadas aps
a releitura da obra O trabalho do antroplogo de Roberto Cardoso de Oliveira (2006). As
vrias idas e vindas entre a aldeia e a roa me proporcionaram momentos marcantes.
Momentos que para muitos poderiam parecer banais, mas que para a antropologia so
repletos de significados. Tomada pelas inspiraes categorizadas por este autor, como
internalizei essa grande sensibilidade.
Na aldeia, as primeiras atividades comeavam com o raiar do dia. Por volta das
cinco e meia da manh, os ndios j estavam fazendo suas tarefas cotidianas: uns partiam
em direo roa, carregando os paneiros; outros iam pescar ou caar; e alguns seguiam
para o igarap. As mulheres logo comeavam a preparar o desjejum da famlia. Essa rotina
de atividades na aldeia s atrasava quando amanhecia chovendo e os ndios eram
obrigados a ficar dentro de suas casas. Essas caractersticas tambm se encontram nos
povos vizinhos, como, por exemplo, nos Suru (MINDLIN, 1985).
Participei de muitas dessas atividades dirias com diversas companhias. Algumas
vezes caminhava com casais de idosos ou com as mulheres casadas; outras vezes, com
adolescentes em fase de transio para a categoria de mulher. O caminhar pelas vicinais e
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A B
D C
E F
Imagem 2: O convvio com a famlia de Chambete. Foto: Fabiana Lima, 2009.
A Afonso, filho de Chambete. B Eu, Chambete e Izabel na roa de milho (da esqr. para dir.). C Eliana, filha de Elizabeth, na cozinha tomando caf da manh. D A famlia de Chambete: Rute - frente dela seu filho Pablo -, Afonso, Izabel,
Chambete - frente dele, sua neta Eliana - e Elizabete (da esqr. para dir.). E Chambete pescando no igarap Lourdes. F Izabel e Chambete dentro da cozinha de sua casa.
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antigos varadouros da aldeia normalmente acontecia na companhia macia das mulheres
(ver Imagem 3 As idas e vindas roa)
Vivi momentos de repleta interao com todos. As crianas de colo no
encontravam mais motivo para - havia se transformada em um
grande amigo. Com as crianas maiores era s diverso, pois compartilhava muitos
momentos de brincadeiras com elas. Os adolescentes eram meus companheiros de
caminhada pela aldeia. Minha relao se afirmava especialmente com as mulheres, que se
mostravam cada vez mais receptivas. Esse bom relacionamento com as mulheres era
aprovado pelos homens e me fez progressivamente ganhar o meu espao na aldeia. Com os
mais velhos, tive a oportunidade de escutar muitas histrias e mitos gavio.
O fato de conseguir constituir uma amizade com os ndios da aldeia passou a abrir
novas portas, possibilitando minha integrao, enquanto que, no momento da minha
chegada, o acesso era mais restrito. Quando os Gavio comearam a adquirir confiana em
mim, eles ficaram mais receptivos, principalmente as mulheres. Quando cheguei aldeia,
pensei que as mulheres no falassem portugus, mas, aps alguns dias, fui percebendo que
era a timidez que restringia nossas conversas.
O convvio com as mulheres Gavio foi estabelecido de forma progressiva,
permitindo que, desta forma, fosse adquirida a confiana da comunidade. Embora,
inicialmente, eu achasse que o fato de acompanh-las na lida da roa no tivesse nenhuma
relao com o meu trabalho de campo sobre o Projeto Copaba, acreditando que estava
apenas estabelecendo uma relao de amizade com as mulheres, fui percebendo que essa
rede de interaes se estendia e alcanava dimenses maiores. A partir da aproximao
com as mulheres, tambm fui tendo um espao de abertura maior com os homens.
Demorei um pouco para perceber e interpretar essas evidncias simblicas de que eram as
mulheres que me davam acesso ao mundo dos homens (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2007).
mulheres (DAMATTA, 1985: 31). A partir do momento em que eu tinha a confiana das
ndias, elas passaram a falar de mim para os homens. Todavia, essa compreenso no
apareceu de forma explicita; mas, aos poucos, fui percebendo que os homens, que antes
eram fechados comigo, estavam mais abertos ao dilogo. Conforme ia participando das
atividades da aldeia, como o ir roa, ralar o milho, ajudar na preparao da makaloba, o
meu acesso ao universo masculino aumentava, o que era fundamental para a minha
pesquisa porque os homens eram os grandes conhecedores do Projeto Copaba.
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Imagem 3: As idas e vindas roa. Foto: Fabiana Lima, 2009.
A Mrcia, Gina e Lcia (da esqr. para dir.). B Cristiane, Marta, Madalena e eu caminho da roa (da esqr. para dir.). C Eu tomando makaloba na aldeia Ingazeira. D Mrcia, Gina e Lcia carregando milho pela floresta (da esqr. para dir.). E Mercedes e Mrcia atravessando um riacho com seus paneiros carregados
de milho. F Lcia colhendo milho de ndio.