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Fabulas Curvo Semedo

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Contos.

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  • Ttulo: Fbulas

    Autor: Curvo Semedo

    Edio: Agrupamento de Escolas

    de Rio de Mouro

    Coleo: Clssicos Infantojuvenis

    Seleo, paginao e projeto

    grfico: Carlos Pinheiro

    1. edio: outubro de 2013

    ISBN: 978-989-8671-07-3

  • Edio segundo as regras do Acordo

    Ortogrfico da Lngua Portuguesa

    de 1990.

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  • ndiceA guia, a Porca e a GataA guia e o EscaravelhoA Ave Ferida de Uma FlechaA Cotovia e os Seus FilhosA Doninha na DespensaA Formiga e a CigarraA Galinha Que Punha os Ovos de OuroA Gralha entre os PavesA Lebre e a TartarugaA Lebre e as RsA Mulher Teimosa AfogadaA Perdiz e a LebreA Pomba e a FormigaA R e o BoiA Raposa, a Cabra e a FilhaA Raposa e a CegonhaA Raposa e o LoboA Raposa, o Macaco e Outros AnimaisA Serpente e a LimaA Tainha e o PescadorA Vista de Quem DonoAs Duas PanelasAviso de ScratesO Burro e o DogueO Burro e os DonosO Burro Vestido com Pele de LeoO Co Vendo a Sua Imagem na guaO Carreteiro Atolado

  • O Cavalo e o BurroO Cavalo e o LoboO Homem e a GataO Homem e a SerpenteO Homem e o dolo de PauO Homem, o Co e a GalinhaO Lavrador e Seus FilhosO Leo e o MosquitoO LenhadorO Leo DoenteO Lobo, a Mulher e o FilhoO Lobo e a CegonhaO Lobo e o CordeiroO Lobo Feito PastorO Macho e o BurrinhoO Passarinho, o Milhano e a CotoviaO Raposo e o GaloO Raposo e o BodeO Rato e a RO Velho e os Seus FilhosO Velho, o Rapaz e o BurroO Ratinho e a MeO Veado e os CesOs Dois Burros CarregadosOs Dois MachosOs Dois Touros e a ROs MdicosOs Rafeiros e o Gozo

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  • A guia, aPorca e a Gata

    Veloz guia num sobreiro

    Tenros filhos aninhava;

    E em baixo no cho tambm

    Uma porca os seus criava.

    Em meio de ambas no tronco,

  • Onde funda toca havia,

    Com seus filhos igualmente

    Esperta gata vivia.

    Gozavam as trs famlias

    Ali da unio mais grata:

    Mas turvou esta harmonia,

    Com mexericos a gata.

    Onde a guia vivia entrou

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  • Dizendo: Senhora minha,

    Venho contar-lhe a insolncia

    Da porca nossa vizinha.

    Junto ao p deste sobreiro

    De dia e noite a fossar,

    Vai-lhe roendo as razes

    At por terra o lanar;

    Ento nossos tenros filhos,

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  • E ns mesmas, sem piedade,

    Diz que seremos objeto

    Da sua voracidade.

    Vs estais melhor do que eu,

    Quem vendo o tronco abalar,

    Podeis nas garras, voando,

    Os vossos filhos salvar.

    Mas eu, triste... Ah!, desgraada!

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  • Nisto, com mil caramunhas,

    Despediu-se e foi descendo

    Segurando-se nas unhas.

    Entra no covil da porca

    E diz-lhe em voz de mansinha:

    Mal sabe, amiga, o que vai

    Com esta nossa vizinha!

    Mas antes queu diga tudo,

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  • Jure guardar-me segredo,

    Queu daquela atraioada

    Vivo tremendo com medo!

    Diz que em vendo que voc

    A tratar da vida sai,

    Logo dentro do covil

    A matar-lhe os filhos vai.

    Quando a porca tal ouviu,

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  • Ficou pior do que as frias,

    E contra a inocncia dguia

    Vociferou mil injrias.

    Tendo entre as duas famlias

    A gata o horror semeado,

    Sobe, mete-se na toca,

    Esperando o resultado.

    A veloz guia os filhinhos

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  • Cobre, e jura no deix-los,

    Para que tombando o tronco

    Possa do insulto salv-los;

    Nem questalasse de fome

    Por temor nunca saa

    E no seu covil fechada

    A porca o mesmo fazia.

    Sendo o estearmos a vida

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  • Sempre o primeiro dever,

    Deixaram-se ambas de fome

    Com seus filhinhos morrer;

    Teve a gata com seus filhos

    Uma grande fartadela,

    At que um lobo chegando

    Jantar fez deles e dela.

    Dinsanos mexeriqueiros

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  • Quem tem casa tenha medo;

    Que as desgraas das famlias

    Vm a fazer tarde ou cedo.

    Com ps de l se introduzem,

    Trazem, levam, contam, mentem,

    E os qus intrigas do peso,

    No fim de tudo que o sentem.

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  • A guia e oEscaravelho

    De veloz guia fugindo

    Novo pequeno coelho,

    Encontra na fuga a toca

    Dum grado escaravelho.

    Posto que tnue este abrigo

  • Buscando salvar a pele,

    Julgar-se pode se o triste

    Faria por entrar nele.

    Comovido o escaravelho

    Do mal daquele infeliz,

    A feroz guia intercede,

    E cortesmente lhe diz:

    Ave real, neste pobre

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  • Meu compadre e meu vizinho

    Tuas garras no empregues,

    Tem d dele, coitadinho!

    Sei que para ti no obsta

    O asilo da minha casa.

    Ela nisto um safano

    Lhe d com o coto dasa.

    A vtima infausta empolga

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  • Do abrigo tendo zombado,

    Deixando o bom protetor

    De frio susto embaado;

    No qual esta horrvel cena

    Faz to rpida mudana,

    Que toda a sua piedade

    Se torna logo em vingana.

    Vai ao tronco onde o seu ninho

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  • Tinha a cruel guia feito,

    Quebra-lhe os ovos e vem

    Inda pouco satisfeito.

    Ela vendo o fero estrago

    Da sua prole querida,

    Com gritos atroa os ares,

    Tenta contra a prpria vida.

    Tomar severa vingana

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  • Em vo do insulto pretende,

    Que a pequenez do agressor

    Da sua raiva o defende.

    No ano seguinte mais alto

    Vem seu ninho edificar,

    Mas l mesmo o vingativo

    Lhe vai os ovos quebrar.

    Assim do coelho a morte

    21/389

  • Segunda vez vingada,

    E a sua atroz matadora

    Sente aflio duplicada.

    Seis meses em vos grasnidos

    Atroa montes e vales:

    Faz este enojo segundo,

    Que se exacerbem seus males;

    Proteo pedindo a Jove

    22/389

  • Seu templo excelso procura,

    E do nmen no regao

    Guarda a terceira postura.

    Aquele asilo sagrado

    Pe toda a sua esperana,

    Que tem no abrigo do nume

    Do seu ninho a segurana.

    Mas de tom muda o contrrio,

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  • Que os passos todos lhe espreita,

    Pe-se dalto, e imunda escria

    Sobre o manto ao nmen deita;

    O sacerdote do templo

    Indo-lhe logo limpar,

    Os ovos do oculto ninho

    Deixa cair e quebrar.

    Quando a feroz guia observa

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  • Aquela nova desgraa,

    Faz desatinos de louca,

    E ao mesmo Jove ameaa.

    Quh de abandonar-lhe a corte

    E ir viver para os desertos,

    Diz ao monarca dos numes

    Com outros mil desacertos.

    Jove em honra sua esttua

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  • Manda, por ordem real,

    Comparecer o agressor

    Perante o seu tribunal.

    Ele vem, expe-lhe o facto,

    Conta a sorte do coelho,

    Dguia o Deus repreende a insnia

    E a teima do escaravelho.

    E fazendo esforos vos,

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  • Sem que os possa acordes ver,

    Assim decreta, do fado

    Tendo ouvido o parecer:

    De amor, guia, somente

    Sentirs o impulso terno

    Quando o escaravelho obtuso

    Esteja em quartis dinverno.

    Assim foi, e assim se cumpre,

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  • Deixando ver ao mortal

    Que s vezes do mais pequeno

    Pode vir o maior mal.

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  • A Ave Feridade Uma Flecha

    Foi de uma flecha emplumada

    Uma das aves ferida,

    E assim ao seu matador

    Falou no extremo da vida:

    Contribuir deveremos

  • Para a nossa mpia desgraa

    Dando penas que aligeirem

    A seta que nos traspassa?

    Das nossas asas as plumas

    Arrancais, prognie atroz,

    Mas, prole de Jafet,

    Da nossa cruel desgraa

    No zombeis, no faais mofa,

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  • Que o mesmo entre vs se passa.

    A mesma infelicidade,

    Metade da gente as armas

    D contra a outra metade.

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  • A Cotovia e osSeus Filhos

    Uma idosa cotovia,

    Na meiga flrea estao,

    Foi mais tardia quas outras

    Na sua propagao.

    Entre uma pingue seara,

  • Questava quase madura,

    Tinha arranjado o seu ninho

    E feito a sua postura.

    J pelos ares se viam

    De novas aves cardumes,

    E inda os filhos da ronceira

    Estavam todos implumes.

    J seca a seara estava,

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  • E o dono da sementeira,

    Vindo v-la com seus filhos

    Lhes falou desta maneira:

    Amanh comearemos

    A ceifar os nossos trigos;

    Convidai para ajudar-nos

    Todos os nossos amigos.

    Foram-se; e pode julgar-se

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  • Que susto no sofreriam

    Os passarinhos infaustos,

    Quinda voar no podiam.

    Quando a me veio de fora,

    Disseram-lhe entre alaridos:

    No sabe, me, o que vai,

    no sabe, estamos perdidos!

    Foi o dono destes pes

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  • Seus amigos convidar,

    Para amanh muito cedo

    A ceifa principiar.

    Os seus amigos! disse ela ,

    A vossa agonia v,

    Sossegai, dormi tranquilos;

    Que se no ceifa amanh.

    Assim foi; que no outro dia

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  • Os amigos no chegaram,

    Que dando ao velho desculpas

    Cortesmente se escusaram.

    Voltou no dia seguinte

    O dono, e tornou a dizer:

    Nossos amigos faltaram,

    E os trigos vo-se perder.

    Para amanh comearmos,

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  • Ide, filhos, diligentes,

    Dizer que venham com foices

    Todos os nossos parentes.

    Novos sustos, novas nsias,

    Os passarinhos tiveram,

    E apenas a me chegou

    Logo tudo lhe disseram:

    Ele convida os parentes!

    38/389

  • Disse a esperta cotovia,

    Pois sabei quinda amanh

    A ceifa no principia.

    Passou-se a manh, e a tarde,

    E nenhum apareceu,

    Respondendo que deviam

    Primeiro ceifar o seu.

    Ento, no outro dia, o dono

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  • Disse: Em ns s confiemos,

    Eu, e vs, e os nossos moos,

    Amanh comearemos;

    Ide, filhos, comprar foices

    Hoje mesmo no mercado,

    Quespero quem breve tempo

    Vejamos tudo ceifado.

    Quando a cotovia esperta

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  • Viu esta resoluo,

    Disse: filhos, logo, e logo,

    Deixai esta habitao.

    Prontamente os filhos todos

    Cuadas e voltas dando,

    Atrs da me aos saltinhos

    Se foram logo safando.

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  • Em menos de trs semanas,

    At sem muita canseira,

    Estava j debulhado

    O trigo dentro da eira.

    O velho ento conheceu,

    Vencendo a sua demanda,

    A fora deste ditado:

    Quem quer vai, quem no quer

    manda.

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  • A Doninha naDespensa

    Esguia, e longa de corpo,

    Entrou Madame Doninha

    Por um estreito buraco

    Que certa despensa tinha.

    Ali foi gente a esfaimada;

  • Sobre o toucinho saltou,

    Roeu paios e presuntos,

    E em tudo a sopa molhou.

    Passados nove ou dez dias,

    J ndia, gorda e pesada,

    Vindo um criado despensa

    Por um triz no foi pilhada.

    Vendo o seu risco iminente,

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  • Quis ento salvar a pele,

    Foi-se ao buraco da entrada,

    Porm no coube por ele.

    No ser o mesmo supondo

    Por onde ali tinha entrado,

    Deu mil voltas, no viu outro,

    E creu o caldo entornado.

    Neste buraco ento clama ,

    45/389

  • H dez dias, sem mentir,

    Que para entrar coube, e agora

    No caibo para sair.

    Ou eu perdi todo o tino,

    Ou o buraco estreitou.

    Mas nisto um rato j velho

    Desta sorte lhe falou:

    Magra e faminta vieste,

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  • Gorda e farta agora ests,

    Torna a ser magra e faminta,

    Logo sair poders.

    Se algum contigo aqui der,

    Faz-te os ossos em aorda;

    Reflete se mais te agrada

    Viver magra ou morrer gorda?

    A doninha no fez caso,

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  • E a mesma vida seguiu

    At que deram com ela,

    E dura morte sentiu.

    A vrios sucede o mesmo

    Em qualquer ocupao;

    Que o muito quengordar querem

    Faz a sua perdio!

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  • A Formiga e aCigarra

    Tendo a cigarra cantado

    Todo o vero sem governo,

    Em nada tinha cuidado,

    E era o princpio do inverno.

    Achava-se desprovida

  • Do sustento para a vida;

    Triste futuro augurava

    Na coliso em que estava;

    Lembrou-lhe certa vizinha

    Dona Formiga de tal,

    Qum farto celeiro tinha,

    Posto que era voz geral

    Ser mui pouco liberal.

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  • Foi a sua casa ento

    E estendeu-lhe este panal:

    Vizinha do corao

    A seus ps hoje aqui venho

    Fazer-lhe uma petio,

    Caem-me as faces no cho

    Pela vergonha que tenho.

    o negcio: eu queria

    51/389

  • Que me emprestasse algum gro

    Do que Vossa Senhoria

    Nos seus celeiros encerra,

    Pois que esta mesquinha terra

    Me tem sido to fatal!

    Quando vier julho ardente

    Serei muito pontual

    Em pagar-lhe exatamente,

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  • No s o seu principal,

    Mas aquilo em que assentarmos

    Nos ajustes que tratarmos.

    Esteve-lhe ouvindo tudo

    Mui seriamente a formiga.

    E torna-lhe em tom sisudo:

    Que fez, no vero, amiga!

    Que fiz?, amada senhora,

    53/389

  • Diz a cigarra: Cantei.

    Era o mesmo queu pensei,

    Pois pode bailar agora ,

    A formiga respondeu;

    Fizesse como fiz eu,

    Que trabalhei no vero

    Para no inverno ter po.

    Quem s nos divertimentos,

    54/389

  • Sem cuidar na subsistncia,

    Ocupa os seus pensamentos,

    Quando cair na indigncia

    Conte quo mesmo h de ouvir

    queles a quem pedir.

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  • A Galinha QuePunha os Ovos

    de Ouro

    Um homem tinha

    Uma galinha,

    Que Juno bela

    Por desenfado

  • Tinha fadado.

    Vivia ela

    Dentro dum covo,

    E punha um ovo

    Douro luzente

    Em cada dia,

    Que valeria

    Seguramente

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  • Dobro e meio;

    Mas o patro,

    Um dia, cheio

    Dmpia ambio,

    Foi-se galinha

    E degolou-a.

    Examinou-a

    Porque supunha

    58/389

  • Quem si continha

    Rico tesouro,

    Visto que punha

    Os ovos de ouro.

    Mas nada achou!

    E por avaro

    Se despojou

    Do rico amparo

    59/389

  • Que nela tinha.

    Outra galinha

    Jamais topou

    Com tal condo;

    E assim pagou

    Sua ambio.

    60/389

  • A Gralha entreos Paves

    Pavo quandava na muda,

    Sua plumagem largou,

    E uma gralha presunosa

    Com ela o corpo adornou.

    Entre um rancho de paves

  • Atrevida se meteu,

    At quum dos camaradas

    A impostora conheceu.

    Passou palra aos companheiros,

    Quem cima dela saltaram,

    E no s o adorno alheio,

    Mas o prprio lhe tiraram.

    Voltou para as companheiras,

    62/389

  • Que do sucesso informadas

    A baniram do seu rancho

    Ao som de mil apupadas.

    O que sucedeu gralha

    Aos homens pode convir;

    Aquele quo alheio veste

    O vem na praa a despir.

    Este caso, alm do exposto,

    63/389

  • Serve tambm de lio

    A todos os que procuram

    Parecer mais do que so.

    64/389

  • A Lebre e aTartaruga

    Apostemos disse lebre

    A tartaruga matreira,

    Queu chego primeiro ao alvo

    Do que tu, qus to ligeira.

    Cala a boca, toleirona

  • Lhe disse a lebre mofando

    Ou tens perdida a cabea,

    Ou comigo ests zombando.

    Respondeu-lhe a tartaruga:

    Nisso me ests a entender

    Que receias apostar

    Porque no queres perder.

    Pois tu, v, qus uma lesma,

    66/389

  • Queres competir coa a lebre?

    Isso doena, ests vria,

    Provm do efeito da febre;

    Eu, que por uma charneca

    Corro dos galgos em frente,

    Quos canso, sem que me possa

    No lombo ferrar o dente,

    Havia temer a quem

    67/389

  • Gasta umhora em dar um passo?

    Retrucou-lhe a tartaruga

    Com todo o desembarao:

    Leva, amiga, de bazfias,

    Desculpas no valem nada;

    Se tem medo, no aposte;

    Porm, d-se por cangada.

    Ando no mar e na terra;

    68/389

  • Sei muito bem o qu mundo;

    Propus-me apostar contigo

    Porque sei no que me fundo.

    Pois v feito diz a lebre;

    E aquele velho sobreiro

    seja a meta, e leve o prmio

    A que chegar l primeiro;

    De juiz no precisamos;

    69/389

  • Porqueu na meta vou pr

    As apostas, que sero

    Da primeira que l for.

    Eis vai cumprir o quajusta,

    E volta num breve prazo;

    No digo o que foi aposta,

    Porque isso no vem ao caso.

    Dado o sinal da partida,

    70/389

  • Estando as duas a par,

    A tartaruga comea

    Lentamente a caminhar;

    A lebre, tendo vergonha

    De correr diante dela,

    Tratando uma tal vitria

    De peta, ou de bagatela,

    Julga, cheia de vaidade,

    71/389

  • Quinda tempo lhe sobeja

    Se entrar a correr j quando

    Perto do sobreiro a veja.

    Deita-se, dorme o seu pouco;

    Ergue-se e pe-se a observar

    De que parte corre o vento,

    E depois entra a pastar;

    Eis deita uma vista dolhos

    72/389

  • Sobre a caminhante sorna;

    Inda a v longe da meta,

    E a pastar de novo torna.

    Olha; e depois qua v perto

    Comea a sua carreira;

    Mas ento apressa os passos

    A tartaruga matreira.

    meta chega primeiro,

    73/389

  • Apanha o prmio apressada,

    Pregando lebre vencida

    Uma grande surriada.

    No basta s haver posses

    Para obter o quintentamos;

    preciso pr-lhe os meios,

    Quando no atrs ficamos:

    O contendor no desprezes

    74/389

  • Por fraco, se te investir;

    Por quum ano acordado

    Mata um gigante a dormir.

    75/389

  • A Lebre e asRs

    Uma lebre em sua toca

    Suponha-se o que faria,

    Temerosa, estava alerta

    A ver se passos sentia.

    Melanclica por gnio,

  • Ralava-se de temor,

    E sentia um sobressalto

    Ao mais pequeno rumor.

    Quanto infausta sou dizia

    no centro destes desertos,

    Onde o susto me constrange

    A dormir dolhos abertos!

    Talvez que muitos me digam:

    77/389

  • Dalma esse medo sacode;

    Mas se ele de natureza,

    Quem que mud-lo pode?

    Talvez tambm os mais passem

    Em sustos os dias seus:

    Porm os males dos outros

    No remedeiam os meus.

    Sempre inquieta e duvidosa,

    78/389

  • Assim razoava a lebre,

    Um vento, uma sombra, um nada,

    Lhe dava um susto, uma febre.

    Era tempo de ir ao pasto

    E de largar o seu ninho,

    Qu ditado: frio e fome

    Metem a lebre a caminho.

    Sai; porm, logo escutando

    79/389

  • Um tiro, que ao longe soa,

    Mete pernas a esconder-se

    Nos juncos duma lagoa.

    Ao v-la as rs dimproviso

    Saltam ngua temerosas,

    E vo no fundo esconder-se

    Das suas lapas limosas.

    Que vejo? O Cus! clama a

    lebre.

    80/389

  • Medo estas rs de mim tm!

    O mesmo que os mais me fazem

    A elas fao eu tambm!

    Ponho em susto um povo inteiro

    E sou qual raio da guerra!

    Quem me faz to forte, quando

    Tudo me assusta e me aterra?

    Inda o que for mais medroso

    81/389

  • H de outro medroso ver,

    A quem uma voz ao menos

    De susto faa tremer.

    Igualmente o desditoso

    No deve desesperar,

    Quoutro mais infeliz quele

    Pode no mundo encontrar.

    82/389

  • A MulherTeimosaAfogada

    Um homem quera casado

    Com mulher nscia, e teimosa,

    Que tinha um gnio danado,

    Foi um dia

  • Fazer certa romaria

    Distante do povoado,

    Eis que um rio caudaloso,

    No fim da estrada encontraram,

    Que passar era foroso.

    O marido

    Sonda o vau e, prevenido,

    Teme entrar no pego undoso.

    84/389

  • A mulher, teimosa e m,

    Lhe diz: Entra ngua, fona,

    Que perigo nenhum h.

    H perigo ,

    Torna-lhe ele E no prossigo.

    E ela diz: Pois eu vou l.

    Nisto mete-se imprudente

    A levada impetuosa

    85/389

  • Feita pela grossa enchente.

    Ento cai,

    E indo ao fundo aos urros vai

    Envolvida na corrente.

    Aterrado, o pobre esposo,

    Vendo aquela atroz desgraa,

    Inda quer salv-la ansioso;

    Que a lastima,

    86/389

  • E vai pelo rio acima

    Procurando-a cuidadoso.

    Os que viram abism-la,

    Vendo-o ir contra a corrente,

    Dizem: Valha-te uma bala,

    borracho,

    Se foi pelo rio abaixo

    L em cima quhs de ach-la?

    87/389

  • Torna-lhe ele: Este drago

    Sempre com todos viveu

    Em fera contradio,

    E por m,

    Juro que subindo ir,

    Se as guas descendo esto.

    s avessas da outra gente

    Andou toda a sua vida;

    88/389

  • Mas j teimosa imprudente

    No ser,

    Quo gnio que o bero d

    Tira-o a tumba somente.

    89/389

  • A Perdiz e aLebre

    Uma perdiz e uma lebre

    No mesmo campo habitavam,

    E em vindo a perdiz ao cho

    Ambas muito conversavam.

    A lebre s nuvens erguia

  • De seus ps a ligeireza;

    Louvava das asas suas

    A perdiz a fortaleza.

    Mas ao campo veio um dia

    Matilha de ces de caa,

    E a lebre foi esconder-se,

    Temendo alguma desgraa.

    O Esperto e o Fusco, podengos,

    91/389

  • De olfato muito subtil,

    Pela pista farejando

    Deram prontos no covil.

    Era terreno arenoso;

    E logo tanto raparam,

    Que arrombando a frgil toca

    A pobre lebre apanharam.

    A perdiz, tudo observando,

    92/389

  • Qual as amigas modernas,

    Disse: bem feito, pacvia,

    De que te serviu ter pernas?

    Tantas vezes celebraste

    Tua grande ligeireza,

    E sem que um s pulo desses

    No covil ficaste presa.

    Enquanto a perdiz mofava

    93/389

  • Do qua msera passou,

    Parado, c'os olhos nela,

    Um perdigueiro observou.

    J de sustos perturbada,

    Batendo as asas fugiu;

    Mas o co, destro correndo,

    Bem que de longe a seguiu:

    Cansada, pousou num monte,

    94/389

  • E ele sobr'ela correu;

    Tornou-se a erguer, perseguiu-a,

    Cansou-a, e morte lhe deu.

    Se enquanto em pilhar a lebre

    A matilha se empregava

    Tivesse a louca fugido,

    Decerto morte escapava.

    Zombarmos do mal alheio

    95/389

  • Foi sempre loucura atroz;

    Que nos pode vir por casa,

    E ento zombarem de ns.

    96/389

  • A Pomba e aFormiga

    Enquanto a sede uma pomba

    Em clara fonte mitiga,

    V por um triste desastre

    Cair ngua uma formiga.

    Naquele vasto oceano

  • A pobre luta e braceja,

    E vir margem da fonte

    Inutilmente deseja.

    A pomba, por ter d dela,

    Ngua uma ervinha lhe lana;

    Neste vasto promontrio

    A triste salvar-se alcana.

    Na terra a pe uma aragem;

    98/389

  • E livre do precipcio,

    Acha logo ocasio

    De pagar o benefcio.

    Que v atrs de um vaiado,

    J fazendo pomba festa,

    Um descalo caador,

    Que dura farpa lhe assesta.

    Supondo-a j na panela,

    99/389

  • Diz: Hei de te hoje cear ;

    Mas nisto a formiga astuta

    Lhe morde num calcanhar.

    Sucumbe dor, torce o corpo,

    Erra o tiro, a pomba foge;

    Diz-lhe a formiga: Coitado!

    Foi-se embora a ceia de hoje.

    De boca aberta ficando,

    100/389

  • Conhece o pobre gluto

    Que s devemos contar

    Com o que temos na mo.

    E posto enfim que haja ingratos,

    Notar devemos tambm

    Que as mais das vezes no mundo

    No se perde o fazer bem.

    101/389

  • A R e o Boi

    Num prado uma r

    Um boi contemplou,

    E ser maior que ele

    Vaidosa intentou.

    A pele enrugada

    Inchando alargou.

  • E s leves irms

    Assim perguntou:

    Maior quo boi,

    manas, j sou?

    No s lhe disseram,

    E a r lhes tornou:

    E agora inda no?

    Mais inda inchou.

    103/389

  • Eis logo de todas

    Um no escutou.

    Inchar-se invejosa

    De novo buscou,

    Mas dando um estouro

    A vida acabou.

    Tambm, se em grandeza

    Vencer procurou

    104/389

  • O pobre ao potente,

    Por fora estourou.

    105/389

  • A Raposa, aCabra e a Filha

    Contra a raposa sabida,

    Uma cabra prevenida

    A pastar sair querendo,

    O fecho da porta erguendo,

    sua prole querida

  • Assim disse, o mal prevendo:

    Agora, filha sincera,

    Que tenho quir ao pascigo,

    Toma conta no que digo:

    Sabers quh uma fera,

    Que raposa tem por nome,

    A qual rouba, mata e come,

    Pelos embustes que trama,

    107/389

  • Tenras cabrinhas de mama;

    E assim, filha, muito importa

    Quenquanto a casa eu no venha

    A ningum abras a porta

    Sem que te d esta senha:

    "Mau fim a raposa tenha

    Mais a sua gerao."

    Por ali passava ento

    108/389

  • Uma raposa perversa,

    Quouvindo toda a conversa

    De cor a senha aprendeu,

    E vendo a cabra sair,

    Chegou-se porta e bateu.

    Entrou a voz a fingir,

    Dizendo: Podes abrir,

    Cara filha, que sou eu.

    109/389

  • E nisto a senha lhe deu.

    A cabrinha temerosa

    Da voz estranhando o tom,

    Lhe respondeu cautelosa:

    Amiga, seria bom,

    Antes queu a porta abrisse,

    Quuma das tuas mos visse;

    E portanto o brao entorta,

    110/389

  • E v se o podes meter

    Aqui por baixo da porta,

    A fim de queu possa ver

    Se garra ou unha o que tens;

    Doutra sorte, errada vens.

    Do quouviu tonta a matreira

    Replicou muito lampeira:

    Porque raposas tm unha?

    111/389

  • Era o mesmo queu supunha.

    A cabrinha ento clamou,

    E no fecho carregou.

    A raposa presumida,

    Tonta, pasmada, aturdida

    De ver em to pouca idade

    Tamanha sagacidade,

    Partiu a tratar da vida;

    112/389

  • E a cabrinha acautelada

    Escapou de ser tragada.

    Quase sempre a segurana

    Serve aos mortais de guarida,

    E a sbia desconfiana

    Mil vezes nos poupa a vida.

    113/389

  • A Raposa e aCegonha

    Quis a raposa matreira,

    Que excede todos na ronha,

    L por piques de outro tempo,

    Pregar um pio cegonha.

    Topando-a, lhe diz: Comadre,

  • Tenho amanh belas migas,

    E eu nada como com gosto

    Sem convidar as amigas.

    De l ir jantar comigo

    Quero que tenha a bondade;

    V em jejum, porque pode

    Tirar-lhe o almoo a vontade.

    Agradeceu-lhe a cegonha

    115/389

  • Uma oferenda to singela,

    E contava que teria

    Uma grande fartadela.

    Ao stio aprazado foi,

    Era meio-dia em ponto,

    E com efeito a raposa

    J tinha o banquete pronto.

    Espalhadas num lajedo

    116/389

  • Ps as migas do jantar,

    E cegonha diz: Comadre,

    Aqui as tenho a esfriar.

    Creio que so muito boas

    Sans faon vamos a elas.

    Eis logo chupa metade

    Nas primeiras lambidelas.

    No longo bico a cegonha

    117/389

  • Nada podia apanhar;

    E a raposa, em ar de mofa,

    Mamou inteiro o jantar.

    Ficando morta de fome

    No disse nada a cegonha;

    Mas logo jurou vingar-se

    Daquela pouca-vergonha.

    E, fingindo ser-lhe grata,

    118/389

  • Disse: Comadre, eu a instigo

    A dar-me o gosto amanh

    De ir tambm jantar comigo.

    A raposa lambisqueira

    Na cegonha se fiou,

    E ao convite, s horas dadas,

    No outro dia no faltou.

    Uma botija com papas

    119/389

  • Pronta a cegonha lhe tinha;

    E diz-lhe: Sem cerimnia,

    A elas, comadre minha.

    J pelo estreito gargalo

    Comendo, o bico metia,

    E a esperta s lambiscava

    O que cegonha caa.

    Ela, depois de estar farta,

    120/389

  • Lhe disse: Prezada amiga,

    Dmos mil graas ao Cu

    Por nos encher a barriga.

    A raposa, conhecendo

    A vingana da cegonha,

    Safou-se de orelha baixa,

    Com mais fome que vergonha.

    121/389

  • Enganadores nocivos,

    Aprendei esta lio:

    Tramas com tramas se pagam,

    Que pena de Talio.

    Se quase sempre os que iludem

    Sem que os iludam no passam,

    Nunca ningum faa aos outros

    O que no quer que lhe faam.

    122/389

  • A Raposa e oLobo

    Compadre (contam que ao

    lobo

    Disse a raposa uma vez) ,

    Pari dois filhos, e agora

    No mos comas, por quem s.

  • No, comadre, est segura

    (Logo o lobo lhe tornou) ,

    Que nunca em dano de amigos

    O meu dente se embotou.

    Lembra-me ainda aquele inverno,

    Em que to doente andei,

    Que dos teus roubos e traas,

    Comadre, me sustentei.

    124/389

  • Mas preciso que deles

    Me ds agora os sinais,

    Para isent-los da morte

    Quando for comer os mais.

    De gosto de tal promessa

    A raposa regougou;

    E catando-lhe uma orelha,

    Desta sorte lhe falou:

    125/389

  • De todos os raposinhos,

    Que hs de, compadre encontrar,

    Os mais ndios, mais formosos,

    So os meus, no tens que errar.

    Com estes sinais somente

    O lobo se despediu;

    E logo em busca de presa

    s vastas brenhas partiu.

    126/389

  • Em uma hedionda furna

    Aonde a fome o levou,

    Mui feios, sujos e auguados

    Dois raposinhos achou.

    No so os da minha amiga,

    Pelos sinais que me deu

    Disse, e lanando-lhes a garras

    Ambos matou, e comeu.

    127/389

  • Eis entra a raposa, e clama,

    Vendo o sucesso: Ai de mim!

    Ai de mim! negro compadre,

    Que aos filhos meus deste fim.

    To incessante rogar-to,

    Ai, triste! no me valeu.

    Mas nisto o prudente lobo

    Severo lhe respondeu:

    128/389

  • Pelos sinais que me deste

    Os teus filhos no comi;

    E se estes eram teus filhos

    Ento queixa-te de ti.

    O muito que tudo nosso

    Com excesso nos apraz,

    Quase sempre que no mundo

    129/389

  • Mil prejuzos nos faz.

    130/389

  • A Raposa, oMacaco e

    OutrosAnimais

    Havendo a tirana parca

    Tirado a vida ao leo,

    Das vastas selvas monarca,

  • Numa oculta solido,

    Os animais se ajuntaram;

    Do cofre a croa tiraram;

    De quera guarda um drago,

    A pleno voto assentaram,

    Qua fronte em quela servisse

    Desde logo a possusse.

    Mil animais se aprontaram

    132/389

  • E a croa fronte levaram;

    Porm, a nenhum servia,

    Um por ter a testa esguia,

    Outro por ser cabeudo;

    Notando o macaco tudo,

    Bem quinda fraco se visse,

    Duma grande macacoa

    Tomou entre as mos a croa,

    133/389

  • E com muita macaquice,

    Posto que mal lhe servisse,

    Na cabea a colocou.

    Tanto ao congresso agradou

    Sua aparente viveza,

    Gestos, esgares; destreza,

    Que por seu rei o aclamou.

    Festas houve, e mascaradas,

    134/389

  • Touros, danas, cavalhadas,

    Luminrias pelos campos,

    Postas pelos pirilampos;

    Tudo em prazer se inundou!

    S a raposa prudente,

    Ficou assaz descontente,

    Mas seu enojo ocultou

    E ao rei novo a mo beijou.

    135/389

  • De trs meses no decurso

    Nada o mono feito havia;

    A cavalo sobre um urso,

    Com gaifonas todo o dia,

    Do governo se esquecia.

    Eis a raposa matreira,

    Observando, sorrateira,

    Tal porte, desordem tal,

    136/389

  • Quis pr termo a tanto mal:

    Certo dia, muito cedo,

    Foi ao palcio real

    E disse ao rei, em segredo,

    Qum tesouro oculto havia,

    De que s ela sabia,

    E qua Sua Majestade

    Por direito pertencia.

    137/389

  • Desta feliz novidade

    O rei ficou to contente,

    Que se dignou ternamente

    A dar-lhe um fervido abrao;

    E da esperta em companhia

    Mesmo a p saiu do pao.

    Numa floresta sombria

    Entraram em breve espao;

    138/389

  • E disse a raposa quera

    Onde o tesouro existia:

    Omono, sem mais espera,

    Num covil quela apontou

    Foi logo meter o brao.

    Mal enredado ficou.

    Assim que preso no lao

    A cavilosa o pilhou.

    139/389

  • A conselho os animais

    quele stio chamou

    E o rei preso lhes mostrou,

    Dizendo-lhes: Vede ali

    Do vosso engano os sinais,

    Caiu no lao qurdi

    Por ser nscio, e refleti

    Que reger no pode os mais

    140/389

  • Quem to mal se rege a si.

    O congresso, quatli

    Ocultava o seu desgosto,

    Vendo fausta ocasio,

    Exclamou: Seja deposto.

    E deposto foi ento.

    Porm, como se temia

    A desgraa danarquia,

    141/389

  • Elevou-se outro leo

    Noutro clima produzido

    Para rei daquele povo;

    Que bem quera leo novo,

    Para rei tinha nascido:

    A notcia da eleio

    A raposa lhe levou

    Primeiro do que ningum:

    142/389

  • Agradeceu-lha o leo;

    Veio a p sem nenhum trem,

    Tomou posse e reinou bem.

    Aparncias de juzo,

    Ser alegre, ter bom ar,

    No s qu preciso

    Para reger, ou reinar:

    Cumpre quhaja tolerncia,

    143/389

  • Retido, discernimento,

    Inteireza, vigilncia,

    Cultivado entendimento,

    As lisonjas vs ser mouco,

    Ouvir muito e crer em pouco.

    O que tais dons ajuntar

    Pode o mundo governar.

    144/389

  • A Serpente e aLima

    Conta-se quma serpente

    Dum serralheiros vizinha,

    Esfomeada e mesquinha,

    Na loja noite lhe entrou.

    Correu tudo, e, no achando

  • Em que da fome se exima,

    Ps-se a roer numa lima

    Quali primeiro encontrou.

    Esta, sem que se agastasse,

    Lhe disse: Ri-me, serpente,

    Vers depois quo teu dente

    H de sentir quem eu sou.

    Assim foi! Rombos ficaram

    146/389

  • Os dentes serpe dura,

    Que desde aquela aventura

    Sempre a roer lhe custou.

    Convosco falo, vos zoilos,

    Vos de talento, e de estudo,

    Mas que ousais morder em tudo.

    So ouro as obras do sbio,

    147/389

  • Se as roeis, roeis vmente;

    No se imprime o vosso dente

    No que a fama eternizou.

    148/389

  • A Tainha e oPescador

    Uma pequena tainha,

    Quinda no era fataa,

    Na margem duma ribeira

    Caiu em dolosa nassa.

    O pescador, quando a viu,

  • Lhe disse: s pequena assaz,

    Mas fazes nmero; noite,

    De ceia me servirs.

    Tem d de mim clamou ela ,

    Num tom de voz muito agudo,

    Queste caso foi no tempo

    Em que inda falava tudo.

    Tem d de mim prosseguiu ,

    150/389

  • Torna-me ngua a lanar,

    E quando eu for mais crescida,

    Podes-me ento apanhar.

    De que te sirvo eu agora

    Nesta minha pequenez?

    Sou um mesquinho bocado,

    Que se engole duma vez;

    Por alto preo me podes

    151/389

  • Quando eu for grande vender;

    Ou ter em mim trs jantares

    Se me quiseres comer.

    O pescador lhe tornou:

    Falas verdade, bem sei;

    Mas antes um toma l,

    Do que dois eu te darei.

    Tu, e algumas irms tuas,

    152/389

  • Quinda hoje espero pescar,

    Ho de servir-me esta noite,

    Quas hei de fritas cear;

    Talvez que mais te no visse

    Se te soltasse piedoso;

    tolo quem deixa o certo

    Pelo que est duvidoso.

    153/389

  • A Vista deQuem Dono

    Um tmido veado

    Por mpios ces instado,

    Foi num curral de bois

    Buscar piedoso abrigo

    E escudo ao seu perigo.

  • Um boi disse: O vizinho,

    Vai, segue o teu caminho,

    Melhor asilo busca.

    Tornou-lhe o cervo assim:

    Irmo, tem d de mim!

    L fora anda um cachorro,

    Que se me apanha eu morro!

    Aqui ficar me deixa,

    155/389

  • Quem prmio um bom pascigo

    Te indicarei, amigo.

    Calou-se o boi, e no entanto

    O cervo ps-se a um canto;

    Trouxeram erva os moos,

    Entraram e saram,

    E o hspede no viram.

    J livre se julgava

    156/389

  • Do susto quencarava;

    Ps-se a comer no feno,

    E junto manjedoura

    Foi rede varredoura!

    Um boi lhe disse ento:

    Em risco ests, irmo!

    Quesse homem de cem olhos

    No veio indhoje aqui!

    157/389

  • E a vir, pobre de ti!

    O tmido veado

    Foi pr-se alapardado

    Entre uma carga derva;

    E entrou nela a comer

    Por tempo no perder.

    Chegou pouco depois

    O dono a ver os bois,

    158/389

  • Dos moos precedido;

    E um tanto carrancudo

    Ps-se a ralhar por tudo:

    Levanta esse aguilho,

    A canga est no cho,

    Feno ao mourisco deita;

    Parece esterva pouca,

    Aqui h outra boca!

    159/389

  • Deitando ao lado os olhos,

    Viu entre os verdes molhos

    Um galho darmadura

    Do tmido veado,

    Questava acaapado.

    Ento lhe disse: Ol!

    Voc tambm por c!

    Comendo o pasto aos bois!

    160/389

  • Espere , e cum forcado

    Deu morte ao malfadado!

    Tem mais vista, ou melhor,

    Os olhos dum senhor

    Do quos dos seus criados;

    Porquo prprio interesse

    As vistas esclarece.

    161/389

  • As DuasPanelas

    Prenderam duas panelas

    Atrs na argola dum carro,

    Era a primeira de cobre

    E a segunda de barro.

    Logo ao primeiro balano;

  • Que ao mover-se o carro deu;

    Porque estavam to unidas

    Uma na outra bateu;

    Disse a de cobre de barro:

    Sentido no me provoque,

    Conhea melhor quem ,

    E nem por brinco me toque.

    163/389

  • Veja que eu sou de metal

    De que se faz o dinheiro,

    E voc de humilde barro,

    Que sempre acaba em caqueiro.

    Ol, Senhora Fidalga:

    Lhe torna a outra panela,

    No v, que o meu interesse

    fugir de tocar nela;

    164/389

  • Se tornarmos a bater,

    Qual a prejudicada,

    Fica a Senhora sem mancha;

    E eu pelo menos quebrada.

    imagem do egosta

    Esta panela de cobre;

    Que somente em si cuidando,

    No lhe importa o que mais

    pobre;

    165/389

  • sombra de um prejuzo,

    Que muito ao longe imagina

    Mais o aflige do que ver

    Dos mais a total ruina.

    166/389

  • Aviso deScrates

    Scrates fez umas casas

    De Atenas em certa rua,

    Para nelas habitar

    Coa pouca famlia sua.

    Queram baixas uns diziam,

  • E outros bastante elevadas,

    E em suma convinham todos

    Em queram muito apertadas.

    So apertadas, certo

    Disse o sbio , mas eu no sei

    Que de amigos verdadeiros

    Cheias jamais as verei.

    168/389

  • mais raro do que a Fnix

    Um amigo verdadeiro:

    No h nome to sagrado

    Que seja mais corriqueiro.

    169/389

  • O Burro e oDogue

    Era uma vez um jumento

    Que certa casa servia,

    Na qual tambm muito ndio

    Um dogue formoso havia.

  • No silncio dalta noite

    O orelhudo comparava

    A sua penosa vida

    Com a que o dogue levava.

    Uma vez, triste e zangado,

    Entrou a dizer assim:

    Trabalho mais do queu posso,

    e ningum tem d de mim!

    171/389

  • Esse dogue, esse cachorro,

    Passa vida regalada,

    Corre, pula, brinca e dorme.

    Come, bebe, e no faz nada.

    Mas creio quele desfruta

    Uma estimao to alta,

    Porquassim quo patro chega

    Faz-lhe festa, gane e salta.

    172/389

  • E a mim, talvez me odeiem,

    Porquum tanto sou casmurro

    E trago impressa na frente

    Sempre tristeza de burro.

    De vida se mude; o instinto

    Quimite o dogue me diz,

    Que fazendo o quele faz

    Posso tambm ser feliz.

    173/389

  • Constante neste projeto,

    Quebrando o cabresto um dia,

    Ps-se espera, dolho alerta,

    A ver se o patro saa.

    Zurrando apenas o viu,

    Nele aos pinotes saltou,

    Ps-lhe as patas sobre o peito

    E na calada o lanou.

    174/389

  • Depois entrou a lamb-lo,

    Tal como o dogue fazia;

    Dava-lhe em defensa o dono

    Murro e coice que fervia.

    Depois que se pde erguer,

    Lanando mo de um cajado,

    Deu-lhe a deix-lo por morto,

    Julgando-o louco, ou danado.

    175/389

  • Assim pagou a imprudncia

    Da sua louca inveno;

    Cada qual tem seus instintos;

    Ser burro no ser co.

    Deveremos conhecer-nos;

    Qualm de arrojo leveza

    Buscar transpor os limites

    176/389

  • Que nos ps a Natureza.

    177/389

  • O Burro e osDonos

    O burro de um hortelo

    sorte se lamentava,

    Dizendo que madrugava,

    Fosse qual fosse a estao,

    Primeiro quos resplendores

  • Do Sol trouxessem o dia.

    Os galos madrugadores

    (O nscio burro dizia)

    mais cedo no abrem olho,

    E porqu? Por ir praa

    Cuma carga de repolho,

    Um feixe daipo, ou labaa,

    Alguns nabos e bringelas;

    179/389

  • E por estas bagatelas

    Me fazem perder o sono.

    A sorte ouviu seu clamor

    E deu-lhe em breve outro dono,

    Quera um rico surrador.

    Eis de couros carregado,

    Sofrendo um cruel fedor,

    J carpia ter deixado

    180/389

  • O seu antigo senhor.

    Naquele tempo dourado

    Dizia , andava eu contente,

    Cada vez que ia ao mercado

    Botava cangalha o dente,

    L vinha a couve, a nabia,

    A chivarola, o folhado,

    E outras castas de hortalia;

    181/389

  • Mas se hoje, fraco do peito,

    O meu dente carga deito,

    Em vez da viosa rama

    Da celga, do grelo, ou nabo,

    S acho dura courama,

    Que fede mais quo Diabo!

    Prestando s queixas do burro

    A sorte alguma ateno,

    182/389

  • Lhe deu por novo patro

    Um carvoeiro casmurro.

    Entrou em nova aflio

    O desgostoso jumento.

    Vendo faltar-lhe o sustento

    E em negro p de carvo

    Andando sempre afogado,

    Tornou a carpir seu fado.

    183/389

  • Que tal! diz a sorte em fria

    Este maldito sendeiro

    Com sua eterna lamria

    Mais me cansa, mais me aflige,

    Quum avaro aventureiro

    Quando fortunas me exige;

    Pensa acaso este imprudente

    Que s ele desgraado?

    184/389

  • Por esse mundo espalhado

    No v tanto descontente?

    J me cansa este marmanjo!

    Quer queu me ocupe somente

    Em cuidar do seu arranjo?

    Foi justo da sorte o enfado,

    Qu propenso do vivente

    185/389

  • Lamentar-se do presente

    E chorar pelo passado:

    Que ningum vive contente,

    Seja qual for o seu estado.

    186/389

  • O BurroVestido comPele de Leo

    Quebrando a peia,

    Fofo sendeiro

    Fugiu ao dono,

    Quera moleiro;

  • Dentro de um bosque

    O fanfarro

    Achou a pele

    Dalto leo;

    Em toda a parte,

    Dela vestido,

    Por leo fero

    Era temido;

    188/389

  • Homens e brutos

    O respeitavam,

    Fugiam logo

    Quo divisavam;

    Mas das orelhas

    Uma pontinha

    De fora ao burro

    Ficado tinha;

    189/389

  • Foi vista acaso

    Pelo moleiro,

    Que julgou logo

    Ser o sendeiro;

    Indo-lhe ao lombo

    Com um cajado,

    Puniu o arrojo

    Do mascarado;

    190/389

  • Do tolo rindo,

    Despiu-lhe a pele,

    Ps-lhe uma albarda

    E montou nele.

    Tal entre os homens

    Mil se conhecem,

    Os quais so uns,

    E outros parecem,

    191/389

  • Despem-lhe a pele

    Que os faz troantes,

    Ficam sendeiros

    Como eram dantes.

    192/389

  • O Co Vendo aSua Imagem na

    gua

    A nado passava

    Um claro ribeiro

    Avaro rafeiro;

    Na boca levava

  • De carne um tassalho

    Furtado num talho.

    Do rio no fundo

    Notou insensato

    Seu prprio retrato;

    Julgou furibundo

    Ser outro o que via

    E carne trazia.

    194/389

  • Tirar-lha querendo,

    Largou o bocado

    Que tinha furtado,

    Mergulhos fazendo;

    E foi providncia

    Salvar a existncia.

    ser ambicioso,

    195/389

  • Alm dinexperto,

    Deixar pelo certo

    O qu duvidoso.

    196/389

  • O CarreteiroAtolado

    Por caminho apaulado,

    Mui barrento e mal gradado,

    O seu carro conduzia,

    Que trazia

    Derva e feno carregado,

  • Inexperto carreteiro.

    Por incria o desgraado,

    Num grandssimo atoleiro,

    Enterrar deixou seu gado.

    Era longe o povoado,

    E no vinha caminheiro

    Quo ajudasse e lhe acudisse;

    De aflio desesperado Se maldisse!

    198/389

  • E exclamou, todo inflamado:

    Vem, Hrcules sagrado,

    Acudir-me pressuroso,

    Pois que j sobre o costado

    Sustentaste o Cu formoso.

    O teu brao vigoroso

    Se me acode,

    Este carro tirar pode

    199/389

  • Do atoleiro.

    Deste modo se carpia

    O carreiro,

    Quando ouviu uma voz forte

    Que no longe lhe dizia

    Desta sorte:

    Se quiseres que te valha,

    Mandrio, lida, trabalha,

    200/389

  • Examina donde vem

    Esse estorvo que te encalha

    Ou detm:

    Salta acima desse carro,

    E tira-lhe um fueiro,

    De redor lhe arreda o barro;

    Bota pedras no atoleiro,

    Cala as rodas, e depois

    201/389

  • Pe-te frente e pica os bois.

    Tudo fez o carreteiro

    Que lhe tinham ensinado;

    E ficou muito pasmado

    Quando viu surdir avante

    O seu carro do lameiro.

    E milagre exclamou logo ,

    Ouviu Hrcules prestante

    202/389

  • O meu rogo

    E evitou-me o precipcio:

    Graas mil, nmen propcio.

    Acabando De falar apenas ia,

    Outra voz em tom mais brando Lhe

    dizia:

    Confiar na providncia

    Para obter o quintentamos

    203/389

  • Sem que os meios lhe ponhamos

    demncia.

    Nada obtm quem no procura;

    Que foi sempre a diligncia

    Me da slida ventura.

    204/389

  • O Cavalo e oBurro

    Ia um burro carregado,

    E na sua companhia

    Um cavalo tambm ia,

    Sem carga, leda a saltar.

    Ajuda-me disse o burro ,

  • A levar este carrego,

    Seno vila no chego,

    Que j me sinto expirar!

    Da minha carga, metade

    para ti bagatela;

    Levando-a, brincas com ela,

    E eu posso alvio encontrar.

    Fazendo mofa do burro,

    206/389

  • O cavalo, por tolice,

    Deu dois pinotes e disse:

    Sendeiro, vai bugiar.

    Sem alento, afadigado,

    Calou-se o pobre burrinho;

    Eis em meio do caminho

    Caiu por arrebentar!

    Veio o dono, e do seu burro

    207/389

  • Lamentou a infausta sorte;

    Mas ao cavalo esta morte

    No veio pouco a custar!

    Que pondo-lhe toda a carga,

    Por mais lhe cheirar a esturro,

    Albarda e pele do burro

    Foi constrangido a levar.

    208/389

  • Quem a pequena tarefa

    O corpo esquiva por manha,

    s vezes vem-lhe tamanha

    Que lhe custa a suportar:

    Valer naflio aos outros

    E dever da humanidade;

    No lhe acudir maldade

    Quo Cu costuma vingar.

    209/389

  • O Cavalo e oLobo

    Na linda estao das flores,

    s horas do meio-dia,

    Brioso, esperto cavalo,

    A verde relva pascia.

    Dum bosque vizinho um lobo,

  • Botando-lhe o lzio, diz:

    Quem te comer essas carnes

    por extremo feliz!

    Ah!, que se foras carneiro,

    Ou mesmo burro, ou vitela,

    J marchando me andarias

    Pelo estreito da goela;

    Mas s um castelo! E assaz

    211/389

  • Temo a tua artilharia!

    Vou bloquear-te, e do engano

    Fazer fogo bateria.

    Ento do bosque saindo

    Em passo lento, e mido,

    De largo diz ao cavalo:

    Camarada, eu te sado;

    Respeita em mim um galeno,

    212/389

  • Que passa a vida a curar,

    Que das ervas as virtudes

    Sabe aos morbos aplicar;

    Aposto que tens molstias,

    E porque na cura erraram,

    Tomar ares para o campo,

    Como uso, te mandaram;

    Se quiseres que te cure,

    213/389

  • Ficars so como um pero;

    Grtis que, bem entendido,

    Paga de amigos no quero.

    O cavalo, conhecendo

    A malcia do impostor,

    Diz-lhe: O Cu lhe pague o bem

    Que me faz, Senhor Doutor;

    verdade queu padeo

    214/389

  • H nove dias, ou dez,

    Um tumor e uma ferida,

    Tudo nas unhas dos ps.

    Bem quessa doena toque

    cirurgia somente

    Diz o lobo , eu nesse ramo

    Sou um prtico eminente!

    Torna-lhe o fingido enfermo:

    215/389

  • Pois ento, Senhor Doutor,

    Chegue-se a mim, queu me volto,

    Venha apalpar-me o tumor.

    Pois no, filho! diz-lhe o lobo,

    E a fim de o filar se chega.

    Mas de repente o cavalo

    Dois grandes coices lhe prega:

    Acerta-lhe pela frente,

    216/389

  • Faz-lhe o focinho num bolo;

    E o lobo exclama: bem feito!

    Quem me manda a mim ser tolo?

    Mete pernas como pode,

    Dizendo um tanto enfadado:

    Com a breca as armas!

    Fui Buscar l, vim tosquiado.

    De carniceiro a ervanrio

    217/389

  • Quis passar sem questudasse;

    Levei da toleima o prmio;

    Cada qual para o que nasce.

    218/389

  • O Homem e aGata

    Um homem tinha uma gata

    Por quem morria de amor,

    Beleza lhe achava, encantos,

    E um no-sei-qu sedutor.

    Inda mais louco que os loucos,

  • Por ela extremos fazia,

    At julgava que amor

    Quando miava dizia;

    Com pranto, rogos, prestgios,

    Pde obter da sorte dura

    Que lha mudasse em mulher;

    Que tanto pode a loucura!

    Foi dela a sua metade,

    220/389

  • Dando-lhe de esposo a mo;

    Nenhuma bela ao seu noivo

    Prendeu tanto o corao.

    Ele fazia-lhe afagos,

    Ela amoroso carinho;

    Mas turbava este prazer

    Qualquer ligeiro ratinho:

    Porque de noite na cama

    221/389

  • Apenas algum sentia,

    Madama saltando casa,

    Para apanh-lo corria.

    Olho mira, ouvido alerta,

    O marido sem sossego

    Estava de boca aberta!

    Da tranquila posse oriundo,

    J o frouxo dissabor

    222/389

  • Lhe trocava em triste enojo

    A chama antiga de amor.

    Enfados, costas viradas,

    Tromba, e mesmo cachao,

    Da esposa nunca mudava

    A natural propenso.

    Precaues nada faziam;

    Quinda mesmo estando presa,

    223/389

  • Saltava em sentindo ratos,

    Tanto pode a Natureza!

    Corrigir ningum consegue

    Mulher que por gnio m,

    Que somente a cova tira

    Propenses que o bero d.

    O apetite e novidade

    224/389

  • So vus que cobrem defeitos,

    Que avultam depois, e enfadam

    Quando estamos satisfeitos.

    225/389

  • O Homem e aSerpente

    Um moo encontrou

    Dormente

    Serpente

    Quo gelo enervou.

    A casa a levou,

  • E logo

    Do fogo

    Mui perto a chegou.

    A vil se animou,

    Quem breve

    Da neve

    O efeito acabou;

    A cauda anelou;

    227/389

  • Erguendo

    E torcendo

    O colo, silvou:

    A quem a salvou

    Do corte

    Da morte

    Matar intentou.

    O moo tomou

    228/389

  • Pesado

    Machado

    E ao meio a cortou.

    A ingrata acabou

    Partida,

    Coa vida

    Seu crime expiou.

    229/389

  • O ter caridade

    da humanidade

    Um sacro dever;

    Porm, no a ter

    Com feras ingratas

    dalmas sensatas.

    230/389

  • O Homem e odolo de Pau

    Pela fama dos milagres,

    Comprou um certo pago

    Um dolo de madeira,

    Por bom preo, num leilo.

    Em casa o ps sobre um trono,

  • E para v-lo propcio

    Lhe fazia dalvas reses

    Um e outro sacrifcio:

    Com mil rogos lhe implorava

    Cargos, filhos, interesses;

    Mas, tendo orelhas, o nume

    Era surdo s suas preces.

    Reiterava os sacrifcios

    232/389

  • Com firmeza e confiana,

    E bem quem vo, nunca o deus

    Perdia a sua pitana.

    Mas de baldar tantas preces,

    Um dia, desesperado,

    Fez em cavacos ao deus

    A golpes dmpio machado.

    Cheio de ouro o achou por dentro,

    233/389

  • E absorto exclama: Que tal!

    J vejo queste senhor

    No se quer seno por mal.

    Dentro em si tinha um tesouro,

    E que o guardava parece

    S para aquele profano

    Quem pedaos o fizesse.

    Era este dolo enganoso

    234/389

  • Ao sobreiro comparado,

    Que de si no larga frutos

    Se no bem varejado.

    Homens h, quis o tal deus,

    Para os quos honram inteis,

    E s rigor e violncia

    Tm fora de os tornar teis.

    235/389

  • O Homem, oCo e a Galinha

    Deu um dia em casa um homem

    Dois pontaps no seu co

    No sei porqu; mas crvel

    Que no foram sem razo.

    Ganindo muito, o cachorro

  • Se foi meter na cozinha,

    E sentou-se ao p dum covo

    Onde estava uma galinha.

    Ali fez imensas queixas

    Da m vida que passava,

    E ao seu tirano senhor

    D mpio e de injusto acusava.

    A galinha lambareira

    237/389

  • Lhe disse num certo ar:

    Se o caso fosse comigo,

    Eu havia-me vingar.

    Como? perguntou-lhe o co.

    E ela tornou-lhe a dizer:

    Como?, inda tu mo perguntas?

    Isso no tem que saber.

    Quando ele vier noite,

    238/389

  • Pe-te na escada estendido;

    Porque ao subir tropeando,

    Leva um tombo desmedido.

    Fingindo que o desconheces,

    Ento com ele embrulhado

    Podes mord-lo a teu gosto,

    E ficas mui bem vingado.

    Tudo assim aconteceu

    239/389

  • Qual a galinha o pintou,

    O pobre patro caiu

    E trs dentadas levou.

    Ao som do tremendo baque,

    Logo os da casa acudiram,

    E em braos, como em charola,

    Para a cama o conduziram.

    240/389

  • Quiseram-no pr a caldos;

    E a galinha lambareira

    Do mau conselho que deu

    Foi a vtima primeira.

    Igualmente impune o co

    No ficou do arrojo seu,

    Que levou tosa tamanha,

    Que no outro dia morreu.

    241/389

  • Quase sempre um mau conselho

    Fez a runa, e far

    Tanto de quem o recebe

    Como daquele que o d.

    242/389

  • O Lavrador eSeus Filhos

    Lavrador j vizinho da morte

    A seus filhos falou desta sorte:

    Filhos meus, um conselho vou

    dar-vos,

    De quhaveis toda a vida lembrar-

    vos:

  • No vendais a frutfera terra

    De meus pais, fausta herana

    quencerra

    Um tesouro, quem dote lhes coube,

    Mas o stio quest nunca eu soube;

    Quele existe e que o h sei decerto,

    Mas por vs deve ser descoberto;

    Removei o terreno, lavrai-o,

    Com desvelo a mido cavai-o,

    244/389

  • E em ditosas colheitas obtendo,

    Do tesouro pores ireis vendo.

    Morto o velho, os seus filhos

    ficaram,

    E o paterno conselho abraaram,

    Os seus campos to bem

    revolveram,

    Que feliz sementeira tiveram:

    245/389

  • Todo o nfase ento descobriram

    Dos paternos ditames, e viram,

    Recebendo feliz poro de ouro,

    Qu no mundo o trabalho um

    tesouro.

    246/389

  • O Leo e oMosquito

    Disse um leo por desprezo

    A certo mosquito ardente:

    Vai-te, escria vil da Terra,

    Vai-te, nonada vivente.

    Jura-lhe guerra o mosquito,

  • Do que ouvira um tanto azedo,

    E diz-lhe: Acaso tu pensas,

    Queu de lees tenho medo?!

    Porques das feras monarca

    Nada me ds que temer,

    Maior do que s um touro,

    E eu fao-o terra comer.

    Disse o trombeteiro heri;

    248/389

  • E, tomando um ar agreste,

    A trombeta horrenda toca

    E ao fero inimigo investe;

    Entre as jubas no pescoo

    Lhe ferra o duro ferro;

    Como louco salta, e escuma,

    Ruge e morde-se o leo.

    Amedronta as outras feras

    249/389

  • O seu furor inaudito,

    Atroa os cus, sendo tudo

    Obra de um tnue mosquito.

    O aborto duma vil mosca

    Por mil partes o molesta,

    Punge-lhe o peito, o focinho,

    Os olhos, o lombo, a testa;

    Este invisvel contrrio

    250/389

  • Triunfa do seu furor,

    Garras, dentes, raiva, tudo

    Lhe inutiliza o traidor;

    Com a cauda aoita as ancas,

    Sacode a increspada juba,

    At que a extrema fadiga

    Vencido em terra o derruba.

    Do combate se retira

    251/389

  • O inseto cheio de glria,

    E a trombeta do ataque

    A que apregoa a vitria.

    Porm, quando mais vaidoso

    Seu valor e esforo gaba,

    Topa uma teia de aranha

    Que a vida e glria lhe acaba.

    No desprezes por pequeno

    252/389

  • O teu contrrio tambm;

    Porque dele as mais das vezes

    O maior mal te provm.

    Nem to-pouco em bens confies

    Desta vida transitria;

    Quma s teia de aranha

    Murchar pode a tua glria.

    253/389

  • O Lenhador

    Um msero lenhador,

    Que oitenta invernos contava,

    Cum feixe de lenha s costas,

    A passos lentos andava.

    Pela idade enfraquecido,

    Alm do sustento escasso,

  • Tropeou, caiu-lhe o feixe,

    Fazendo um golpe num brao.

    Depois, com pranto nos olhos,

    Alguns alentos cobrou,

    E, refletindo em seus males,

    Sentado, assim declamou:

    Mais do queu sou infeliz

    No h no globo um vivente,

    255/389

  • Trabalho mais do que posso

    E vivo assaz indigente;

    Pouco po, nenhum descanso,

    Uma existncia oprimida,

    Ah!, que no vejo quem tenha

    To dura e penosa vida!

    Filhos maus, mulher teimosa,

    Ms pagas, duro credor,

    256/389

  • Renda de casa, impostos,

    No h desgraa maior!

    Vem, morte, morte amvel!

    Socorre a quem te apetece!

    Eis que o esqueleto da morte

    De repente lhe aparece

    E diz: Mortal, que me queres?

    Torna-lhe ele de mos postas:

    257/389

  • Quero, amiga, que me ajudes

    A pr este feixe s costas.

    Na dor deseja-se a morte;

    Mas quando vem faz tremer;

    Qu dos viventes o instinto

    Antes penar que morrer.

    258/389

  • O Leo Doente

    Um leo, vendo-se enfermo,

    Passa aviso a seus vassalos

    De qu vida vai pr termo

    E quintenta aconselh-los

    Sobre a regncia futura,

    Dar-lhes beija-mo e honr-los.

  • Dos lees f lhe jura

    Que trata bem qualquer fera

    Que o visita e que o procura;

    Porm, na furna as espera,

    E quando alguma entrar ousa,

    Logo a mata e dilacera.

    Eis uma esperta raposa

    Para e diz, sem quentre l:

    260/389

  • Xau!, queu observo uma cousa!

    Pegadas mil aqui h;

    Mas para l todas vo,

    E nenhuma para c;

    Sade, Senhor Leo!

    Quero-me glria

    De beijar-lhe a rgia mo;

    Porque jurei jamais ir

    261/389

  • A qualquer casa, ou lugar,

    Vendo s por onde entrar

    E no por onde sair.

    Foi reflexo mui subida

    Esta que fez a raposa;

    Qu loucura desmedida

    Entrarmos em qualquer cousa

    262/389

  • Sem ver se temos sada.

    263/389

  • O Lobo, aMulher e o

    Filho

    Voraz lobo viu sair

    Uma vez de madrugada,

    Do casal dum campons,

    De reses grossa manada.

  • Logo no dia seguinte,

    Foi-lhe porta madrugar,

    Na ideia de qu sada

    Pudesse alguma apanhar,

    Ps-se mui concho agachado

    Douvido alerta esperando,

    Quando ouviu dentro da casa

    Uma criana chorando.

    265/389

  • E a me a dizer-lhe enfadada:

    Cale essa boca, mofino,

    Inda chora? Espere, lobo,

    Vem comer este menino.

    Quando o lobo tal ouviu,

    Cheio de alegre alvoroo,

    Disse: Imenso to agradeo,

    O cu te pague este almoo.

    266/389

  • Depois, empinado porta,

    Abrindo a vasta goela,

    Sups que a me lhe botasse

    O filho pela janela.

    Mas nisto escutou dizer:

    Durma j, no seja mau!

    Se o lobo quiser c vir

    Havemos de corr-lo a pau.

    267/389

  • Quinconsequncia tamanha! -

    Diz o gluto insofrido ,

    H de cumprir-me a promessa,

    Quo prometido devido.

    Nisto, ao som de uivos horrendos,

    Na porta a rapar entrou,

    De sorte quaos guardadores

    Que dormiam acordou.

    268/389

  • Eis de fouces roadouras,

    De paus e chuos armados,

    Saltando-lhe logo em cima

    Fizeram-no em mil bocados.

    Da vila ao senhor levaram

    A cabea do agressor,

    Que a mandou, com esta letra,

    Em meio da praa pr:

    269/389

  • Da nmia credulidade

    Vtima foi este louco,

    Em ameaos de quem ama

    Deve-se crer muito pouco.

    270/389

  • O Lobo e aCegonha

    Dando coas mos no focinho

    Tossia um lobo engasgado.

    Porque dentro das goelas

    Tinha um osso atravessado.

    Eis que viu uma cegonha,

  • E por gestos, por aes,

    Que lhe acudisse rogou

    Em to grandes aflies.

    A mezinheira piedosa,

    Logo estendendo o pescoo,

    Lhe tirou dos gorgomilos

    Coa maior destreza o osso.

    Acabada a operao,

    272/389

  • Pediu-lhe a paga a cegonha;

    Mas o ingrato respondeu-lhe

    Com esta pouca-vergonha:

    Basta-te a glria de teres

    Hoje a cabea metida

    Dentro da boca de um lobo

    E inda gozares de vida;

    Devia ser outra a paga;

    273/389

  • Mas vai-te daqui, louca,

    E livra-te de me entrares

    Outra vez dentro da boca.

    Somente dos benefcios

    Que aos malficos prestamos

    O triste arrependimento

    o fruto que tiramos.

    274/389

  • O Lobo e oCordeiro

    Num rio matava a sede

    Tenro anafado cordeiro,

    E mais acima, igualmente,

    Bebia um lobo matreiro.

    Podia a fera faminta

  • Logo saltar e ir-lhe ao pelo;

    Mas sem pretexto no quis

    Agadanh-lo e com-lo.

    Bradou-lhe: O l, S Tratante,

    Espere, queu j l vou!

    Turba-me as guas que bebo,

    Sem atender a quem sou?

    Diz-lhe ele: Bem v, senhor,

    276/389

  • Quest da parte eminente,

    E que de l vindo as guas,

    Turbar no posso a corrente.

    Turbaste-a, sim , diz o lobo

    Alm disso, o ano passado,

    Tanto mal de mim disseste,

    Quia ficando infamado!

    Veja torna-lhe o cordeiro,

    277/389

  • Senhor, quest iludido,

    Porqueu este ano passado

    Inda no era nascido.

    Raivoso, dolhos em brasa,

    Responde o lobo gluto:

    Foi teu famlico irmo.

    O titubeante cordeiro,

    Num rio matava a sede

    278/389

  • Tenro anafado cordeiro,

    E mais acima, igualmente,

    Bebia um lobo matreiro.

    Podia a fera faminta

    Logo saltar e ir-lhe ao pelo;

    Mas sem pretexto no quis

    Agadanh-lo e com-lo.

    Bradou-lhe: O l, S Tratante,

    279/389

  • Espere, queu j l vou!

    Turba-me as guas que bebo,

    Sem atender a quem sou?

    Diz-lhe ele: Bem v, senhor,

    Quest da parte eminente,

    E que de l vindo as guas,

    Turbar no posso a corrente.

    Turbaste-a, sim , diz o lobo

    280/389

  • Alm disso, o ano passado,

    Tanto mal de mim disseste,

    Quia ficando infamado!

    Veja torna-lhe o cordeiro,

    Senhor, quest iludido,

    Porqueu este ano passado

    Inda no era nascido.

    Raivoso, dolhos em brasa,

    281/389

  • Responde o lobo gluto:

    Foi teu famlico irmo.

    O titubeante cordeiro,

    Que j em tremuras vive,

    Lhe diz: Senhor, engano,

    Porqu'eu irmos nunca tive.

    Se ele no foi, foi teu pai,

    Agora ests convencido

    282/389

  • Disse o lobo, e num momento

    Foi o cordeiro engolido!

    Que para dourar seus crimes,

    Sempre o sagaz prepotente

    Quer ter por base a razo,

    Inda que seja aparente.

    283/389

  • O Lobo FeitoPastor

    O lobo por conhecido

    Vendo fugir-lhe a ventura,

    Da nova trama se lembra.

    De disfarar a figura:

    Toma os trajes de pastor.

  • Veste pelico e gibo,

    Seu rabel, sua sanfonha,

    E a tiracol um surro.

    De um cajado se apodera,

    E em seu chapu desabado,

    Podendo, escrevera;

    Eu sou Guilhot, pastor deste

    gado.

    Desta forma contrafeito,

    285/389

  • P ante p se encaminha

    Para o stio onde o rebanho

    Remi a tosada ervinha.

    O verdadeiro Guilhot

    A sono solto dormia,

    Dormia o rabel com ele,

    E o mesmo o seu co fazia.

    Uma parte do rebanho

    286/389

  • Dormia sombra igualmente:

    O nosso hipcrita sonso

    J se baba de contente.

    Para poder conduzir

    Todo o gado a seu sabor,

    Quer unir ao traje as vozes,

    Quer fingir as do pastor.

    Mas este apuro do engano

    287/389

  • Lhe deita o caso a perder:

    Que o som da voz pavoroso

    Faz o campo estremecer.

    Espavoridos acordam

    O gado, o pastor e o co,

    E ao mscara conhecendo,

    Ao lombo logo lhe vo;

    Que vendo-se em calas pardas

    288/389

  • Pelos fatos impedido,

    Nem fugir, nem defender-se,

    Ao menos lhe permitido.

    Com a vida paga o dolo;

    Que anda o fingido arriscado

    A ser por qualquer descuido

    Conhecido e castigado.

    289/389

  • Cansa-se em vo quem pretende

    Seu natural encobrir;

    Porquou mais tarde ou mais cedo,

    Lhe h de a mscara cair.

    290/389

  • O Macho e oBurrinho

    Da sua nobreza

    Vivia enfunado

    Um macho de sela

    Dum gordo prelado;

    Um dia o farfante

  • Assim blasonava

    Cum velho burrinho

    Quao p lhe ficava:

    Meu pai foi da raa

    Do Duque de tal,

    Serviu muitos anos

    Na casa real;

    Tambm meu av

    292/389

  • No pao vivia,

    E douro e veludo

    Jaezes trazia;

    Mas, sendo eu to nobre,

    Estou companheiro,

    Por minha desgraa,

    Dum pobre sendeiro

    Ol, S Fidalgo! ,

    293/389

  • Lhe torna o burrinho,

    Voc j se esquece

    De qu meu sobrinho?

    Que foi minha irm

    A me que o pariu,

    A qual numa nora

    Dos peitos abriu?

    Seu pai meu cunhado,

    294/389

  • De quem nos blasona,

    Morreu trabalhando

    Em pobre atafona;

    Pois esse ricao,

    Que foi seu av,

    Debaixo dalbarda

    A vida acabou.

    295/389

  • Embora um bazfio

    Seu nada engrandea,

    Porm nunca avilte

    A quem o conhea.

    296/389

  • O Passarinho,o Milhano e a

    Cotovia

    Passarinheiro sagaz

    Laos num campo estendia

    E com espelho falaz

    Simples aves iludia,

  • Uma leve cotovia

    Enganada ali pousou,

    E um milhano que a seguia,

    Baixando, a triste empolgou;

    Deu voltas, preso ficou

    No menos quem laos trs;

    Eis ao caador clamou

    Mais bravo do que corts:

    298/389

  • Porque me prendes os ps,

    Insano que mal te fez

    Lhe disse ele , essa infeliz.

    Entre a classe dos humanos

    H muitos destes milhanos;

    Que o mal quaos outros fomentam,

    Quando lho fazem, lamentam.

    299/389

  • 300/389

  • O Raposo e oGalo

    Sobre um tronco estando alerta

    Velho galo astucioso:

    Irmo , com voz de falsete

    Lhe diz um destro raposo

    Venho alvssaras pedir-te

  • E mil parabns te dou,

    Nossas guerras se acabaram,

    Porquanto a paz se assinou.

    J todos somos amigos:

    E quais irmos viveremos;

    Desce, que abraar-te quero

    Em prova da paz que temos.

    Fui hoje eu mesmo incumbido

    302/389

  • Desta dita anunciar,

    Desce, vem, no te demores,

    Que tenho muito que andar;

    Tu e os teus podem sem susto

    Por toda a parte correr,

    Desce, e o beijo fraternal

    Vem como Irmo receber.

    Amigo lhe torna o galo,

    303/389

  • Conhecendo-lhe a malcia,

    Tu no me podias dar

    Mais agradvel notcia.

    Paz entre as feras e as aves!

    Ah!, que morro de prazer!

    Mas espera, que l vejo

    Vir dois galgos a correr!

    So postilhes, certamente,

    304/389

  • Questa paz vm publicar,

    Eu j deso, e todos quatro

    Nos podemos abraar.

    Adeus , lhe torna o raposo

    No posso deter-me agora,

    Outra vez nos juntaremos,

    E j tarde, vou-me embora.

    Mais ligeiro do que um gamo

    305/389

  • Se ps ao fresco o manhoso,

    De no pegarem as bichas

    Nimiamente desgostoso.

    E o nosso galo matreiro

    Consigo se ps a rir,

    Vendo o tratante com medo

    De orelha baixa fugir.

    306/389

  • Qu um prazer quando vemos

    O enganador enganado,

    Qual o que vai buscar l

    E vem por fim tosquiado.

    307/389

  • O Raposo e oBode

    Um gr-capito raposo,

    Dintonso e ruo bigode,

    Foi passear certo dia

    Com seu amigo Dom Bode.

    O qual da famlia as armas

  • Trazia na frente audaz,

    Tendo tanto de pacvio

    Quanto o amigo de sagaz,

    Grande sede ambos levavam,

    Que lhes tinha feito o almoo.

    Eis que viram meio de gua

    Um velho pequeno poo.

    Sem refletir em mais nada,

    309/389

  • Dom Bode abaixo saltou,

    Pouco depois o raposo

    Assim que um pouco pensou.

    Depois que farta beberam,

    Quiseram logo ir-se embora;

    Mas era a dificuldade

    Poder sair para fora.

    Estava a Bblia intrincada,

    310/389

  • Mas sempre em casos de aperto

    Ousa sair bem, custa

    Do que tolo, o mais esperto:

    Amigo, estamos perdidos! ,

    Disse o bode ao companheiro.

    No estamos, vers logo ,

    Tornou-lhe o amigo matreiro.

    Junto parede te empinas,

    311/389

  • Onde o poo menos alto,

    Queu ponho os ps nos teus chifres

    As mos firmo, e fora salto.

    Assim quem cima estiver,

    Lano-te a garra ao pescoo,

    Por ti puxo, e ficaremos

    Ambos ns salvos do poo.

    Por minhas barbas eu juro ,

    312/389

  • O outro diz banhado em pranto,

    Que dita achar um amigo,

    Como tu de engenho tanto.

    Onde o bocal mais baixo,

    Eu me empino, trepa agora.

    O raposo assim o fez,

    E num pulo se viu fora.

    Apenas se encontrou safo,

    313/389

  • Disse: Tem pacincia, amigo,

    O querer-te salvar fora

    Expor-me a novo perigo;

    Se te desse iguais s barbas

    Talentos a Natureza,

    Dentrar dentro deste poo

    No terias a leveza.

    Ora adeus, queu vou-me embora,

    314/389

  • Trabalha por te safar,

    Queu tenho muitos negcios,

    No me posso demorar.

    Pagou Dom Bode a toleima,

    Que sempre tem que sentir

    Quem faz coisas sem pensar

    No que pode sobrevir.

    315/389

  • O Rato e a R

    Por divertir-se uma tarde,

    Um rato ndio, e refeito,

    Na margem duma lagoa

    Passeava satisfeito.

    Uma r, que dentre os juncos

    To gordo o v passear,

  • De o comer tem apetite,

    Que o julga um belo manjar.

    Diz-lhe ento: Vem aos meus

    lares.

    Ceia, e funo te darei.

    O rato, sem mais demora,

    Pronto lhe torna: Eu irei.

    A r, na margem saltando

    Com refinada malcia,

    317/389

  • Do seu aqutico imprio

    Lhe gaba a suma delcia.

    Desta jornada lhe pinta

    Novas futuras viagens.

    O rato, sem mais ouvir,

    Entra ngua, e nadar ousa;

    Porm de estorvo lhe serve

    Um limo, um pau, qualquer coisa.

    318/389

  • Pe remdio a tudo a r;

    Cavilosa e de m-f,

    Prende com delgado junco

    A mo do rato ao seu p.

    Ento por ele puxando

    Qual se leva sirga um barco,

    Dolosa ao stio o conduz

    Onde era mais fundo o charco.

    319/389

  • Ali descarada busca

    Afund-lo sem piedade,

    Contra o direito das gentes

    E leis da hospitalidade.

    O rato conjura os deuses,

    Razes sem conto lhe alega;

    Mas a r, surda a seus rogos,

    S em mat-lo se emprega.

    320/389

  • Das unhas se vale o pobre

    Para defender a vida;

    A r com ele mergulha,

    Volta, puxa, salta e lida.

    Vendo um milhano o debate,

    Cai-lhe em cima de repente,

    Empolga a r, indo o rato

    Bem como selo pendente;

    321/389

  • Tenho , ento disse o milhano,

    Carne e peixe que cear;

    Mas roendo o rato o junco

    Cai ngua, e pode escapar.

    A r vtima foi s

    Do seu embuste inumano;

    E o mal que fazer queria

    Lhe fez o feroz milhano.

    322/389

  • Quase sempre as mpias tramas

    Urdem o mal do inventor;

    E mil vezes a perfdia

    Recai sobre o seu autor.

    323/389

  • O Velho e osSeus Filhos

    Um velho sbio, e prudente,

    Vendo-se vizinho morte,

    Chama trs filhos que tem

    E fala-lhes desta sorte:

    Eia, vede, amados filhos,

  • Se quebrais por fora ou jeito

    Este emblema , e tira um molho

    De varas de vime feito.

    Ao filho mais velho o d,

    Que se prope a parti-lo;

    Mas, por mais foras quemprega,

    Nunca pde consegui-lo.

    Pega-lhe o filho segundo.

    325/389

  • Destro e valente rapaz,

    Que parti-lo no consegue

    Por mais esforos que faz.

    Entregam-no ao mais pequeno,

    Que blasona de mui forte,

    Torce, dobra-o, cora e sua,

    E deixa-o da mesma sorte.

    Fracos moos! diz o pai ,

    326/389

  • Vossa fraqueza celebro!

    Vede como desta idade

    Essas varas todas quebro.

    Depois, desatando o molho,

    Pronto as varas dividindo,

    Com toda a facilidade

    Uma a uma as vai partindo.

    E diz: Vede neste exemplo,

    327/389

  • Filhos do meu corao,

    Os desastres da discrdia

    E as vantagens da unio.

    Partir no podeis, moos,

    As varas estando unidas;

    Mas depois de separadas

    So por fracas mos partidas.

    Se unidos vos conservardes,

    328/389

  • Assim, filhos, sereis,

    E aos baldes mpios da sorte

    Sem custo resistireis;

    Mas se algum dia a desgraa

    Vos chegar a desunir,

    Qualquer de vs aos seus golpes

    No poder resistir.

    Assim o velho proclama

    329/389

  • Esta brilhante doutrina,

    E no fim de pouco tempo

    Sua carreira termina.

    Os filhos choram-lhe a morte

    Com lamentos deplorveis!

    Porm, lembram-se mui pouco

    Dos seus conselhos saudveis,

    Porque danoso interesse

    330/389

  • Em partilhas os envolve,

    E um credor, e outro credor

    Os bens paternos dissolve.

    Depois, vomitando injrias,

    Uns contra os outros litigam,

    E os ministros com prises

    E com multas os castigam.

    Pobres por fim, noite e dia

    331/389

  • Com pranto e queixas amaras

    Recordam, mas sem remdio!,

    O sbio exemplo das varas.

    332/389

  • O Velho, oRapaz e o

    Burro

    O mundo ralha de tudo,

    Tenha ou no tenha razo,

    Quero contar uma histria

    Em prova desta assero.

  • Partia um velho campnio

    Do seu monte ao povoado,

    Levava um neto que tinha

    O seu burrinho montado.

    Encontra uns homens que dizem:

    Olha aquela que tal !

    Montado o rapaz, qu forte,

    E o velho trpego a p.

    334/389

  • Tapemos a boca ao mundo ,

    O velho disse: Rapaz,

    Desce do burro, queu monto,

    E vem caminhando atrs.

    Monta-se, mas dizer ouve:

    Que patetice to rata!

    O tamanho de burrinho,

    E o pobre pequeno pata.

    335/389

  • Eu me apeio , diz prudente

    O velho de boa-f,

    V o burro sem carrego,

    E vamos ambos a p.

    Apeiam-se, e outros lhe dizem:

    Toleires, calcando lama!

    De que lhes serve o burrinho?

    Dormem com ele na cama?

    336/389

  • Rapaz diz o bom do velho,

    Se de irmos a p murmuram,

    Ambos no burro montemos,

    A ver se inda nos censuram.

    Montam, mas ouvem de um lado:

    Apeiem-se, almas de breu,

    Querem matar o burrinho?

    Aposto que no seu.

    337/389

  • Vamos ao cho diz o velho,

    J no sei quhei de fazer

    O mundo est de tal sorte,

    Que se no pode entender,

    E mau se monto no burro,

    Se o rapaz monta, mau ,

    Se ambos montamos, mau,

    E mau se vamos a p:

    338/389

  • De tudo me tm ralhado,

    Agora que mais me resta?

    Peguemos no burro s costas,

    Faamos inda mais esta.

    Pegam no burro; o bom velho

    Pelas mos o ergue do cho,

    Pega-lhe o rapaz nas pernas,

    E assim caminhando vo.

    339/389

  • Olhem dois loucos varridos! ,

    Ouvem com grande sussurro,

    Fazendo mundo s avessas,

    Tornados burros do burro!

    O velho ento para e exclama:

    Do quobservo me confundo,

    Por mais qua gente se mate

    Nunca tapa a boca ao mundo.

    340/389

  • Rapaz, vamos como dantes,

    Sirvam-nos estas lies;

    mais tolo quem d

    Ao mundo satisfaes.

    341/389

  • O Ratinho e aMe

    Certo ratinho inda novo,

    Da toca onde nasceu

    A vez primeira saiu.

    E quando se recolheu

    Contou me quanto viu.

  • Disse: Apenas sa fora

    Para o casal mais vizinho,

    Trotando me encaminhei,

    Meti-me num buraquinho.

    E dali tudo espreitei:

    Vi, me, dois grandes bichos,

    Diferentes na figura,

    Defronte de mim andar,

    343/389

  • Um respirava doura,

    O outro fez-me trepidar!

    Este dum morro vermelho

    Ornava a cabea esguia,

    Quas orelhas tinha em baixo;

    S com dois dentes comia,

    Tendo por cauda um penacho.

    Andava em dois ps e tinha

    344/389

  • Em cada perna um ferro;

    Em si cos braos bateu,

    Desatou voz de trovo,

    Que de horror me estremeceu!

    Pelo contrrio, o primeiro

    Era da nossa figura,

    Com modstia passeava,

    Tinha meiguice e doura

    345/389

  • Na mansa voz que soltava;

    Era o seu rosto redondo,

    Barba hirsuta, olhos luzentes,

    Curta orelha e nariz chato,

    Ralos e brancos os dentes,

    Quase era o nosso retrato,

    Tanto me encantou seu modo,

    Que fora a seus braos ter,

    346/389

  • Se a tal fera mpia, e feroz,

    Me no fizesse deter

    Com susto da sua voz.

    Ai! Filho , a me lhe tornou

    Quanto a aparncia te engana!

    Essa figura adorvel

    duma fera tirana,

    Nossa inimiga implacvel!

    347/389

  • Se lhe casses nas unhas,

    Em postas serias feito!

    Finge doce mansido,

    Chama-se gato e no peito

    Guarda um feroz corao!

    diferente o segundo

    Que te deu susto mortal

    Tendo um aspeto feroz,

    348/389

  • Se nos v, no nos faz mal

    E benigno para ns:

    Galo se chama e nos pode

    Servir de pasto alguns dias;

    Olha como te enganavas!

    Ao bom por susto fugias,

    Ao mau: por gosto buscavas.

    349/389

  • Uma doura afetada

    fruto da hipocrisia.

    Sirva ao mundo esta lio:

    Quem de aparncia se fia,

    Gosta da sua iluso.

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  • O Veado e osCes

    Numa fonte que corria,

    Certo dia,

    Um estlido veado

    Retratado

    No cristal puro se via

  • Em segredo.

    Celebrava a celsa frente,

    Adornada lindamente

    Dum ramfero arvoredo.

    Mas se a frente celebrava,

    Lamentava

    A magreza assaz mesquinha

    Que nas longas pernas tinha,

    352/389

  • Que podiam parecer

    Quatro fusos de torcer.

    Eis que nisto,

    Um sabujo mui previsto

    Deu com ele;

    O levssimo veado,

    Assustado,

    Por querer salvar a pele,

    353/389

  • Meteu pernas, to ligeiro,

    Quo rafeiro

    J mui longe lhe ficava

    E escapava,

    Se entrar numa selva escura

    No quisesse o miserando

    Qua cornfera armadura

    Encalhando

    354/389

  • Entre os ramos da espessura,

    O prendia,

    Lugar dando ao quo seguia

    Que chegasse

    E no lombo lhe ferrasse.

    Os seus chifres esgalhados,

    To louvados,

    Que lhe ornavam tanto a frente,

    355/389

  • Lhe impeceram totalmente

    O proveito

    Que seus ps lhe tinham feito;

    Mal olhados

    Por esguios e delgados.

    Neste aperto se desdisse

    Sem conforto

    O veado semimorto,

    356/389

  • E maldisse

    Darmao, que viu na testa,

    A beleza sedutora,

    Que lhe fora

    To funesta!

    Muitas vezes maldizemos

    O qu til

    357/389

  • E o vistoso engrandecemos,

    Bem que ftil,

    Eis o exemplo demonstrado

    No veado.

    358/389

  • Os Dois BurrosCarregados

    Qual romano imperador,

    Um pau por cetro levava,

    E a dois frises orelhudos

    Um burriqueiro guiava;

    Um deles trazia esponjas,

  • E qual postilho corria;

    O outro de sal carregado

    Os ps apenas mexia;

    Um sem custo, outro com ele,

    Montes e vales andaram,

    At que ao vau dum ribeiro

    Ultimamente chegaram.

    O que levava as esponjas

    360/389

  • O burriqueiro montou,

    E fez ir para diante

    O que de sal carregou.

    Ele o vau desconhecendo

    Pregou consigo no pego,

    Nadou, veio acima, e viu

    Aliviado o carrego:

    Porque o sal, de que era a carga,

    361/389

  • Derreteu-se ngua entrando,

    E o seu condutor j leve

    Ps-se em terra, e foi trotando.

    O camarada esponjeiro,

    Que o viu to leve sair,

    Quis sua imitao

    Tambm no pego cair.

    Ei-lo nas guas submerso,

    362/389

  • Esponjas e burriqueiro,

    Todos trs bebendo larga.

    Querem secar o ribeiro.

    To pesados se fizeram,

    Por beberem sem cessar,

    Que, sucumbindo o jumento,

    No pde as margens ganhar.

    O homem lutava coa morte,

    363/389

  • T qum pastor lhe acudiu,

    Mas o burro das esponjas:

    Foi ao fundo e no surdiu.

    Guiar por cabeas ms

    No um bom portamento;

    s vezes a dita de um

    Faz a desgraa de um cento.

    364/389

  • Os DoisMachos

    Encontraram-se dois machos

    Em um caminho deserto,

    E os moos tinham ficado

    Bebendo vinho ali perto.

    Um era do Estado e vinha

  • Carregado com dinheiro,

    O outro farinha levava,

    Tendo por dono um moleiro.

    O que trazia a riqueza

    Era mais forte e mais moo,

    Tinha albarda, atafais novos

    E campainha ao pescoo.

    O que levava a farinha

    366/389

  • Ia todo num frangalho,

    Rota albarda, atafais podres,

    Nem sequer tinha um chocalho.

    O primeiro, blasonando

    Da grandeza em que se via,

    Ao segundo, velho e pobre,

    Mofas e injrias dizia.

    Eis que de um bosque saltou

    367/389

  • De ladres um bando ingente,

    E ao que levava a riqueza

    Atacam subitamente.

    Ele, fiado em ser forte,

    Quer-lhes fugir, mas em vo,

    Que trs facadas no peito

    Pregam com ele no cho.

    Por morto os ladres o deixam

    368/389

  • Roubando-lhe o ouro que tinha,

    Ficando isento de estrago

    O que levava a farinha,

    O qual para trs voltando,

    Vendo o amigo moribundo,

    Clama: Por pobre escapei,

    Vejam bem o que o mundo!

    E na terra, as mais das vezes,

    369/389

  • Dita o viver ignorado,

    Tem risco maior na queda

    O quest mais levantado.

    370/389

  • Os Dois Tourose a R

    Brigavam dois grandes touros

    Duma formosa manada,

    Sobre qual teria a posse

    Duma novilha estrelada.

    Uma r, vendo o combate,

  • Num tom lhes disse modesto:

    Fidalgos, deixem questes,

    Qum fim sempre tem funesto.

    No consideram, senhores,

    Que o termo destas pendncias

    Vem sempre a ser o desterro

    De um de Vossas Excelncias?

    Porque, conforme o costume,

    372/389

  • O que vencido ficar

    Estas campinas viosas

    H de por fora deixar;

    Que o vencedor logo o expulsa

    Destes campos deleitosos,

    E ter quir pascer limos

    Em terrenos pantanosos;

    Ali far que sejamos,

    373/389

  • Quando com seus ps nos mate,

    As vtimas inocentes

    Deste indiscreto combate:

    Porque nos pauis metido

    Com suas feras patadas

    Dos charcos no fundo, bvio,

    Que fiquemos esmagadas.

    Tudo quanto a r predisse

    374/389

  • Se entrou a verificar;

    Fugiu do campo o vencido

    E foi pauis habitar.

    Ali o povo coaxante

    Negros desastres sofreu,

    Que esmagado a toda a hora

    A maior parte morreu!

    Assim nas mtuas desordens

    375/389

  • Dos grandes, dos potentados,

    Quase sempre os mais pequenos

    Vm a ser os esmagados.

    376/389

  • Os Mdicos

    Certo mdico chamado,

    Dalcunha o Tanto Melhor,

    Foi visitar um doente,

    Do qual o Tanto Pior

    Era mdico assistente.

    O ltimo sempre funesto,

  • Quo doente morreria,

    Altamente sustentava,

    E o Tanto Melhor dizia

    Quo pobre enfermo escapava.

    Houve sobre o curativo

    Mui grande contestao;

    Um aplicava calmantes,

    O outro armava uma questo

    378/389

  • A favor dos irritantes.

    No fim de tanto debate,

    O enfermo a vida perdeu,

    E o Tanto Pior clamou:

    Veja, qual de ns venceu.

    Se o meu clculo falhou? ,

    Tornou-lhe o Tanto Melhor

    (Mostrando um vivo pesar),

    379/389

  • Pois eu sempre afirmarei

    Que morreu por no tomar

    Os remdios quindiquei.

    Enquanto a mim, se os tomasse,

    Morrer havia igualmente;

    Mas desgraa maior

    Cair um pobre doente

    380/389

  • Nas mos dum Tanto Pior.

    381/389

  • Os Rafeiros e oGozo

    Morreu um ndio cabrito