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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS FÁBULAS DE D. BENTA – MONTEIRO LOBATO MARAÍZA GOMES MEIRELES Trabalho apresentado à Faculdade de Letras da UFG como requisito de avaliação da disciplina optativa: Literatura Infantil e Juvenil. Orientação: Profª. Sueli Maria de Regino.

Fábulas - Monteiro Lobato

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FÁBULAS DE D. BENTA – MONTEIRO LOBATOMARAÍZA GOMES MEIRELESTrabalho apresentado à Faculdade de Letras da UFG como requisito de avaliação da disciplina optativa: Literatura Infantil e Juvenil.Orientação: Profª. Sueli Maria de Regino.Goiânia – 2012.

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Page 1: Fábulas - Monteiro Lobato

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS

LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS

FÁBULAS DE D. BENTA – MONTEIRO LOBATO

MARAÍZA GOMES MEIRELES

Trabalho apresentado à Faculdade de

Letras da UFG como requisito de

avaliação da disciplina optativa:

Literatura Infantil e Juvenil.

Orientação: Profª. Sueli Maria de

Regino.

Goiânia – 2012.

FÁBULAS DE D. BENTA – MONTEIRO LOBATO

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MARAÍZA GOMES MEIRELES

Maraíza Gomes MEIRELES

Universidade Federal de Goiás - GO

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS.

Goiânia – 2012.

Origem das Fábulas.

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A fábula, gênero que surgiu no Oriente e foi introduzido no Ocidente por Esopo no

século VI a.C., sendo mais tarde enriquecido estilisticamente por Fedro no século I d.C.,

é caracterizada pela utilização de animais como personagens, com o objetivo de

transmitir moralidade. Ou seja, buscando valores universais, a fábula utiliza

sentimentos, comportamentos e modos – vaidade, mentira, cobiça, poder, riqueza,

astúcia, gula, avareza etc. – para alegoricamente mostrar os defeitos do homem em

sociedade. Assim, o ensinamento pode ser assimilado pelo leitor, que, na maioria das

vezes, absorve os valores morais instituídos.

O poeta grego Hesíodo nivela ainos (força mítica da fábula) ao mito, com o sentido de

história que encerra uma verdade. Em contrapartida, Teon, mestre reitor de uma

academia grega do século II d.C., afirma ser fábula ‘um discurso mentiroso que retrata

uma verdade’. Séculos mais tarde, Francisco Rodriguez Adrados apresenta a fábula sob

uma óptica, ao considerá-la uma versão ‘popular, cômica e humorística do mito’, para o

autor, a fábula é um exemplo ‘que mostra um acontecimento do passado como protótipo

de algo que pode repetir-se em qualquer momento’. O ensaísta Emilio Palácios

Fernández fornece uma outra definição: ‘História protagonizada por animais com uma

finalidade moralizadora’.

Para Goldstein (2002), a fábula tradicional apresenta um relato direcionado a uma lição

de conduta. Assim, as personagens servem ao mesmo tempo para divertir e educar.

Além de contar uma história, a fábula tem a função de apoiar um ensinamento e desse

caráter pedagógico resultam as partes da fábula: a história e a moral que aparece no

final, acentuando os significados do que foi narrado e direcionando sua interpretação.

Pela mediação da moral, segundo Goldstein, passamos a ser nós as personagens, pois a

nós é que cabe agir corretamente.

O autor brasileiro Monteiro Lobato define a importância da fabula na infância:

As fábulas constituem um alimento espiritual correspondente ao leite na primeira infância. Por intermédio delas a moral, que não é outra coisa mais que a própria sabedoria da vida acumulada na consciência da humanidade, penetra na alma infante, conduzida pela loquacidade inventiva da imaginação. Esta boa fada mobiliza a natureza, dá fala aos animais, ás árvores, ás águas e tece com esses elementos pequeninas tragédias donde resulte a “moralidade”, isto é, a lição da vida. O maravilhoso é o açúcar que disfarça o

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medicamento amargo e torna agradável a sua ingestão. (LOBATO, 1921, s/p)

O desejo em escrever fábulas.

Antes mesmo da publicação de “A menina do narizinho arrebitado”, publicada em

1920, preocupado com a leitura destinada às crianças Lobato arquiteta uma inovação

na literatura infantil no Brasil que é demonstrada em sua correspondência à Godofredo

Rangel datada de 1916:

“Ando com várias idéias. Uma: vestir à nacional as velhas fabulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisa para crianças. Veio-me diante da atenção curiosa com que

meus pequenos ouvem as fabulas que Purezinha lhes conta.

Guardam-nas de memória e vão recontá-las aos amigos – sem, entretanto, prestarem nenhuma atenção à moralidade, como é natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir se revelando

mais tarde, à medida que progredimos em compreensão. Ora, um

fabulário nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento dará coisa preciosa. As fabulas em português que conheço, em geral são traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de amora do mato – espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fabulas assim seria um

começo de literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para

impingir gato por lebre, isto é, habilidade por talento, ando com idéia de iniciar a coisa. É tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para iniciação de meus filhos. (Lobato, 1972c, p. 245-6).

Nestas palavras em sua carta à Godofredo Rangel demonstra a atenção e o cuidado em

dar às crianças uma leitura adequada, adaptada a sua capacidade de compreensão, que

incentive o gosto pela leitura. Mais tarde, em 21 – Lobato em “A onda verde:

jornalismo”, livro publicado pela Editora Monteiro Lobato e Cia, a partir da recolha de

artigos, ensaios e crônicas em jornais e revistas trata a questão da seleção de livros e a

função da leitura na escola:

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O menino aprende a ler na escola e lê em aula, à força, os horrorosos livros de leituras didáticas que os industriais do gênero impingem nos governos. Coisas soporíferas, leituras cívicas, fastidiosas patriotices. Tiradentes, bandeirantes, Henrique Dias etc. Aprende assim a detestar a pátria, sinônimo de seca, e a considerar a leitura como um instrumento de suplício (Lobato, 1969, p. 84).

Como Loide Nascimento de Souza – graduada e especialista em literatura e ensino pela

Universidade Estadual de Maringá, diz sobre o projeto fábulas de Lobato em Livro à

livro. “Embora o livro de fabulas não tenha sido o primeiro da série, a fabula faz parte

do projeto inicial de Lobato para a literatura infantil brasileira. Em 13 de abril de 1919,

envia alguns originais a Rangel e solicita que os avalie” (livro à livro, p.104):

Tive a idéia de um livrinho que vai para experiência do publico infantil escolar, que em matéria fabulistica anda a nenhum. Há umas fabulas de João Kopke, isto é, insulsos e de não fácil compreensão por cérebros ainda tenros. Fiz então o que vai. Tomei de La Fontaine o enredo e vesti-o à minha moda, ao sabor do meu capricho, crente como sou de que o capricho é o melhor dos figurinos. a mim me parecem boas e bem ajustadas ao fim – mas a coruja sempre acha lindos os filhotes. Quero de ti duas coisas: juízo sobre a adaptabilidade à mente infantil e anotação dos defeitos de forma. (ibidem, p. 290).

Em 1921 é publicado o livro “Fabulas de Narizinho” com 29 fabulas e 76 páginas não

numeradas, ilustrações de Voltolino e uma nota introdutória sem título expondo a sua

visão a sobre fabula.

As fabulas de Lobato tiveram uma grande aceitação confirmando esse fenômeno já no

ano seguinte em 22, Lobato amplia a obra que passa a chamar “Fábulas”, apresenta 77

textos, distribuídos em 184 páginas. Em 1924 e 25 publica as 2ª e 3ª edições de Fábulas,

como o mesmo número de textos, publicada pela Monteiro Lobato & Cia. e pela

Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato.

Até a 7ª edição, as fábulas de Lobato não apresentam um de seus traços mais

característicos: o comentário das personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo. A edição

que traz pela primeira vez esses comentários é a 8ª, de 1943, com desenhos de K.

Wiese.

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A Cigarra e a Formiga.

Comparando a fábula original de La Fontaine e a adaptação de Lobato.

FÁBULA LXXXIV.

A formiga e a cigarra.

Em toda a bela estação uma formiga incansável tinha levado para sua casa as mais abundantes provisões: quando chegou o inverno, estava à farta. Uma cigarra, que todo o verão levara a cantar, achou‐se então na maior miséria. Quase a morrer de fome, veio esta, de mãos postas, suplicar à formiga lhe emprestasse um pouco do que lhe sobrava, prometendo pagar‐lhe com o juro que quisesse. A formiga não é de gênio emprestador; perguntou‐lhe, pois, o que fizera no verão que não se aprecatara. "No verão, cantei, o calor não me deixou trabalhar. ‐ Cantastes! tornou a formiga; pois agora dançai."

MORALIDADE. ‐ Trabalhemos para nos livrarmos do suplício da cigarra, e não

aturarmos os motejos das formigas.

A fábula de La Fontaine, composição em versos, traduzidos por Bocage, revela, através

do esquema Situação/ Ação/Reação/Reação/Resultado, a postura valorizadora do

trabalho e da produção capitalista e mercantilista do momento, uma vez que o trabalho

dos operários era de suma importância para o crescimento das manufaturas no mundo

de então.

O narrador, com uma visão depreciativa da cigarra – penúria extrema, a tagarela, narra a

fala do inseto – Rogou- lhe que lhe emprestasse/Pois tinha riqueza e brio/ Algum grão

com que manter-se/Té voltar o aceso estio - mas concede voz à formiga que, em

discurso direto, difunde os valores mais importantes do relato, ou seja, a moral da

fábula: _ OH! bravo! – torna a formiga – Cantavas? Pois dança agora! Exalta como

valor a avareza da formiga que nunca empresta, / Nunca dá, por isso junta.

A cigarra e as formigas, de Monteiro Lobato que, já no título, indicia novidades.

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Na adaptação de Lobato, além do título que já revela um desmonte do maniqueísmo

com que era vista a espécie em La Fontaine, a fábula é dividida em duas partes: a

primeira relata a participação da formiga boa e, a segunda, a da formiga má. Todavia,

em ambas, deve-se ressaltar a figura do narrador do texto.

A voz narradora nas fábulas de Lobato é a de Dona Benta que, como avó das crianças,

privilegia o contar fantasioso e lúdico em detrimento da preocupação moralizadora

como, aliás, almejava Lobato. Ao iniciar o relato, focaliza também a cigarra, à

semelhança do que ocorre em La Fontaine, mas o faz com um olhar carinhoso e

valorizador das peculiaridades do comportamento do inseto:

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé do

formigueiro.

Só parava quando cansadinha... (Lobato, 1970, p. 1).

Comentários do pessoal do sítio:

- Esta fabula está errada! – gritou Narizinho. Vovó nos leu aquele livro do Maeterlinck

sobre a vida das formigas – e lá a gente vê que as formigas são os únicos insetos

caridosos que existem. Formiga má como essa nunca houve.

Dona Benta explicou que as fabulas não eram lições de História Natural, mas moral.

E tanto é assim – disse ela – que nas fabulas os animais falam e na realidade eles não

falam.

- Isso não! – protestou Emília. Não há animazinho, bicho, formiga ou pulga, que não

fale. Nós é que não entendemos as linguinhas deles.

Dona Benta aceitou a objeção e disse:

- Sim, mas nas fabulas os animais falam a nossa lingua e na realidade só falam as

linguinhas deles. Está satisfeita?

- Agora, sim! – disse Emília muito ganjenta com o triunfo. Conte outra.

A coruja e a águia

... Neste conto é evidente que o autor defendia o abrasileiramento da linguagem, por

aproveitamento do que era mais corrente na modalidade oral.

A Importância do narrador na obra.

Diferentemente de outras obras de Lobato, o livro Fábulas se inicia ex abrupto: ao abri-

lo, o leitor já se vê diante da primeira fabula, “A cigarra e as formigas que é narrada por

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alguém que ele teoricamente não sabe quem é. Ele também não sabe onde e quando o

episódio acontece. Somente nos comentários – ao final da fabula – Dona Benta é

apresentada como narradora e neles o leitor pode encontrar indícios de tempo e de

espaço.

Conclusão:

Monteiro Lobato inova a literatura infantil principalmente valorizando a voz e a visão

infantil: preocupando-se em despir a língua dos rebuscamentos literários; valorização da

linguagem afetiva e da sintaxe proposta pela oralidade; empregando uma linguagem

infantil como recurso para suplantar a elegância da frase literária; recuperando

elementos e expressões da linguagem popular, no âmbito do vocabulário, propiciando a

criação de um fabulário nacional; enriquecendo o vocabulário com a soma de

expressões populares e neologismos, privilegiando, inclusive, a afetividade da

mensagem incorporando onomatopéias como recurso revelador da desconstrução

lingüística do texto e valorizador da expressividade e, finalmente, pela inauguração de

nova relação com o leitor, transformando-o em interlocutor.

No plano ideológico, o desejo renovador incita o senso crítico do leitor, levando-o a

rejeitar idéias pré-concebidas; propicia a discussão entre personagens adultas e crianças,

permitindo o levantamento de problemas sociais, políticos, econômicos e culturais do

país; enfatiza, ao longo das obras, valores como verdade e liberdade; provoca, através

da valorização da liberdade e da verdade, o estabelecimento de uma nova moral, distinta

daquela que caracteriza os contos clássicos; propicia a relativização do maniqueísmo

advindo da moral absoluta; leva à aceitação de uma moral pragmática e racionalista e

instaura, ao apontar erros às crianças para torná-los passíveis de correção, uma moral de

situação, alterando a visão tradicional de valores como liberdade e verdade.

Notei neste estudo uma questão fundamental no desejo de Lobato em escrever para

crianças, além de todas as inovações nos campos literários e pedagógicos. Lobato

escreveu por amor aos seus filhos e aos filhos do Brasil. Colocando na educação infantil

e nos pequenos da época a fé e a esperança de um país sem tantas diferenças e tiranias.

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Referências Bibliográficas:

LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, R. .Literatura Infantil Brasileira: história e histórias. 5a ed., São Paulo: Ática, 1991.

LAJOLO, Marisa & CECCANTINI, João Luís(Orgs.). Monteiro Lobato, Livro à Livro. 1ª Reimp., São Paulo: UNESP, 2009.

LOBATO, Monteiro. Fábulas. 4aed., São Paulo: Brasiliense, 1973, p.11-12.

LOPES, Grasielly. Fábulas (1921) De Monteiro Lobato: Um Percurso Fabuloso. Dissertação, São Paulo: UNESP, 2006.

LA FONTAINE. Fábulas. São Paulo: Edigraf, [19- -].

LOBATO, José Bento Monteiro. A onda verde. São Paulo: Brasiliense,1969.

MARTHA, Alice Áurea Penteado. Monteiro Lobato e a fábula vestida à nacional,Mimesis, Bauru, v. 20, n. 2, 71-81, 1999.