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JOS EDUARDO BERTO GALDIANO
TCNICA DE JULGAMENTO DE RECURSOS
REPETITIVOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA
MESTRADO EM DIREITO
ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR
ANTONIO CARLOS MARCATO
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO
SO PAULO 2014
JOS EDUARDO BERTO GALDIANO
TCNICA DE JULGAMENTO DE RECURSOS
REPETITIVOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA
Dissertao apresentada Banca
Examinadora da Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, como exigncia
parcial para obteno do ttulo de Mestre em
Direito Processual, sob a orientao do
Professor Doutor Antonio Carlos Marcato.
SO PAULO
2014
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
_____________________________
_____________________________
Thas, companheira de todas as horas, com
todo o meu amor.
Ao Joo, minha alegria e orgulho, presente
enviado por Deus para me ensinar o significado
do profundo e indescritvel sentimento de amor
de pai.
Aos meus amados e admirados pais, Miro e Ana,
com toda a gratido por tudo.
AGRADECIMENTOS
A Deus, minha maior fortaleza e fonte de paz, segurana e sabedoria, que nunca
deixou de me estender generosamente a mo.
Thas, minha amada esposa e companheira que tanto me ajudou a chegar at
aqui. Obrigado por sua pacincia, compreenso, amizade, incentivo e fora. Por ter se
privado de tanta coisa nesses anos. S ns sabemos como foi difcil... E obrigado por
sempre ter acreditado em mim, isso fez toda diferena!
Aos meus pais, que fizeram e fazem tanto por mim. Saibam que serei eternamente
grato e que tudo o que sou e conquistei foi por causa de vocs.
Um agradecimento especial tambm aos meus avs, que sempre estiveram no meu
corao: Jos (in memoriam), Emma, Amlia (in memoriam) e Eduardo (in memoriam).
Ao meu orientador, Professor Marcato, que tanto admiro, como acadmico,
profissional e pessoa. Obrigado pela grande oportunidade e por todos os inestimveis
ensinamentos.
A alguns amigos que me ajudaram de forma especial nessa conquista: William
Callado, Bruno Vainer, William Ferreira, Joo Piza e Fbio Azevedo.
Por fim, agradeo em geral a todos os amigos e colegas que estiveram ao meu lado
durante esses anos, com quem dividi e continuo dividindo momentos inesquecveis e de
grande valor.
RESUMO
GALDIANO, Jos Eduardo Berto. Tcnica de julgamento de recursos repetitivos pelo
Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justia. 2014. 396 p. Dissertao
(Mestrado em Direito) Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, So Paulo,
2014.
Esta dissertao analisa a tcnica de julgamento de recursos repetitivos pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justia (STJ) tcnica de
julgamento por amostragem , instituda no direito brasileiro pelas Leis federais ns.
11.418/2006 e 11.672/2008, que respectivamente incluram no Cdigo de Processo Civil os
artigos 543-B e 543-C. Na primeira parte do trabalho, so abordados temas correlatos,
relativos tendncia de valorizao da jurisprudncia no direito brasileiro, bem como s
funes, importncia e admissibilidade dos recursos extraordinrios e especiais. Na
segunda parte, so analisadas as justificativas de criao da tcnica, relacionadas ao
equacionamento do problema do excesso de recursos repetitivos no STF e no STJ. Alm
disso, so traados os aspectos gerais do instituto, analisando-se a sua inspirao em
procedimentos de julgamento por amostragem do direito estrangeiro, a sua caracterizao
como tcnica de ampliao da eficcia persuasiva dos precedentes do STF e do STJ e suas
diferenas e semelhanas com a repercusso geral. So tambm enfrentadas as questes
relativas constitucionalidade do julgamento por amostragem, apresentando-se um olhar
crtico sobre a jurisprudncia do STF e do STJ, que vm interpretando suas regras de forma
excessivamente restritiva ao direito das partes. A terceira e ltima parte dedicada ao
exame do funcionamento da tcnica de julgamento de recursos repetitivos, enfrentando-se
as diversas questes relativas s vrias fases de seu procedimento, tais como os requisitos
para instaurao, competncia, sobrestamento de recursos repetitivos, participao de
terceiros e efeitos do julgamento. So tambm analisados os resultados prticos,
principalmente luz das estatsticas do STF e STJ, aps a sua positivao, bem como as
modificaes previstas na verso atual do projeto de novo CPC. Trata-se de um legtimo e
eficiente instrumento de potencializao dos precedentes do STF e do STJ que, sem
prejuzo de necessrios aperfeioamentos, bem como da sua adequada interpretao e
aplicao luz dos princpios constitucionais, mostra-se teoricamente adequado para
conciliar a atual realidade dos problemas gerados pelos recursos repetitivos com a
verdadeira funo dos recursos excepcionais, de proteo e unificao do direito federal
constitucional e infraconstitucional.
Palavras-chave: Recursos excepcionais Recursos repetitivos Valorizao dos
precedentes dos Tribunais Superiores Julgamento por amostragem.
ABSTRACT
GALDIANO, Jos Eduardo Berto. Technique of judgment of repetitive appeals by
Supreme Court (STF) and by Superior Court of Justice (STJ). 2014. 396 p. Masters
Dissertation (Master in Law) Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, So
Paulo, 2014.
This Masters Dissertation analyzes the technical of judgment of recursos
repetitivos [repetitive appeals, as a free translation] by Superior Court of Justice (STJ) and
Federal Supreme Court (STF) technical of julgamento por amostragem [judgment by
sampling, as a free translation] established in Brazilian legal system by the Brazilian
Federal Laws Ns. 11.418/2006 and 11.672/2008, which respectively included in the Code
of Civil Procedure the Articles 543-B and 543-C. In the first part of this work, correlated
themes are addressed, related to the trend of appreciation of the jurisprudence in Brazilian
law, as well as the functions, importance and acceptability of extraordinary and special
appeals. In the second part, this work analyzes the reasons for the creation of the technique
related to solution of the problem of excessive repetitive appeals on Federal Supreme
Court (STF) and Superior Court of Justice (STJ). Furthermore, the general aspects on this
matter are plotted by the analyze of its inspiration in trial procedures by sampling of
foreign law, its characterization as a technique of enlargement of the persuasive
effectiveness of precedents of Supreme Court (STF) and of Superior Court of Justice (STJ)
and its differences and similarities with the repercusso geral [general impact, as a free
translation]. This work also challenges the questions related to the constitutionality of the
judgment by sampling presenting a critical vision at the jurisprudence of the Supreme
Court (STF) and of Superior Court of Justice (STJ) that have been interpreting the rules of
the judgment by sampling excessively restrictive to the right of the parties. The third and
last part of this work deals with the examination of the operation of the technique of
repetitive appeals trial, facing up of several questions relating to the various stages of its
procedure, such as conditions of filing, jurisdiction, halting of repetitive appeals, third
parties participation and effects of the judgment. This work also analyzes the practical
results, particularly in light of the statistics of Supreme Court (STF) and of Superior Court
of Justice (STJ), after the legalization of the repetitive appeals as well as the changes
planned in the current draft version of the new CPC. It is a legitimate and efficient
instrument of potentiation of the precedents of the STF and STJ, which, notwithstanding
necessary improvements, as well as their adequate interpretation and application in the
light of the constitutional principles proves to be adequate to conciliate the current reality
of the problems caused by repetitive appeals with the true function of the of exceptional
appeals, to protect and to unify the constitutional and infra-constitutional federal law.
Keywords: Exceptional appeals Repetitive appeals Valorization of precedents
of the Superior Courts Judgment by sampling.
SIGLAS E ABREVIATURAS
AC Apelao cvel
ADI Ao direta de inconstitucionalidade
AgR Agravo regimental
AG Agravo de instrumento
AI Agravo de instrumento
AREsp Agravo em recurso especial
BDJur Biblioteca Digital Jurdica
CDA Certido de Dvida Ativa
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor
CF Constituio Federal
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
CNJ Conselho Nacional de Justia
CPC Cdigo de Processo Civil
CPTA Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos
DJe Dirio da Justia Eletrnico
DJ Dirio da Justia
DJU Dirio de Justia da Unio
EC Emenda Constitucional
ED Embargos de declarao
GLO Group Litigation Order
GRU Guia de Recolhimento da Unio
HC Habeas corpus
ISS Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza
MC Medida Cautelar
Min. Ministro
MP Medida Provisria
MS Mandado de segurana
NURER Ncleo de Repercusso Geral e Recursos Repetitivos
PEC Projeto de Emenda Constitucional
Pet Petio
QO Questo de ordem
Rcl Reclamao
RE Recurso extraordinrio
Rel. Relator
REsp Recurso especial
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RISTJ Regimento Interno do Superior Tribunal de Justia
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
TJAP Tribunal de Justia do Amap
TJBA Tribunal de Justia da Bahia
TJES Tribunal de Justia do Espirito Santo
TJGO Tribunal de Justia de Gois
TJMG Tribunal de Justia de Minas Gerais
TJMT Tribunal de Justia de Mato Grosso
TJRJ Tribunal de Justia do Rio de Janeiro
TJSP Tribunal de Justia de So Paulo
TJRS Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul
TRE/GO Tribunal Regional Eleitoral de Gois
TSE Tribunal Superior Eleitoral
TSM Tribunal Superior Militar
TST Tribunal Superior do Trabalho
SUMRIO
1 INTRODUO .................................................................................................................... 16
1.1 Objeto e limites desta dissertao .................................................................................. 16
1.2 Plano do trabalho ........................................................................................................... 18
PRIMEIRA PARTE
Temas correlatos: valorizao da jurisprudncia recursos extraordinrios e
especiais (funes, importncia e admissibilidade)
2 A VALORIZAO DA JURISPRUDNCIA .................................................................. 21
2.1 Jurisprudncia e precedente ........................................................................................... 21
2.2 Aproximao entre civil law e common law .................................................................. 25
2.3 Os precedentes no common law ..................................................................................... 28
2.3.1 Stare decisis ......................................................................................................... 28
2.3.2 Precedentes vinculantes e precedentes persuasivos ............................................. 29
2.3.3 Ratio decidendi e obiter dictum ........................................................................... 31
2.3.4 Eficcias vertical e horizontal dos precedentes .................................................... 33
2.3.5 Flexibilidade na aplicao dos precedentes: overruling e distinguishing ............ 34
2.4 A valorizao da jurisprudncia no Brasil ..................................................................... 36
2.4.1 A necessidade de interpretao e o problema da divergncia jurisprudencial ..... 36
2.4.2 A regra da eficcia persuasiva ............................................................................. 40
2.4.3 Fundamentos para a valorizao da jurisprudncia ............................................. 42
2.4.3.1 Igualdade ................................................................................................. 43
2.4.3.2 Segurana jurdica ................................................................................... 48
2.4.3.3 Razovel durao do processo ................................................................. 52
2.4.4 Tendncia de ampliao da fora da jurisprudncia e as diferentes acepes
de eficcia vinculante no direito processual civil brasileiro ............................. 57
3 RECURSOS EXTRAORDINRIOS E ESPECIAIS: FUNES, IMPORTNCIA
E ADMISSIBILIDADE ....................................................................................................... 65
3.1 Recursos ordinrios e extraordinrios lato sensu ........................................................... 65
3.2 Funes e importncia.................................................................................................... 68
3.2.1 A funo pblica especial dos recursos excepcionais .......................................... 68
3.2.2 Funes nomofilcica e de uniformizao da jurisprudncia .............................. 70
3.2.3 A importncia da jurisprudncia dos Tribunais Superiores ................................. 73
3.2.4 Relao entre o interesse privado das partes recorrentes e o interesse pblico
na atuao dos Tribunais Superiores ................................................................... 74
3.3 Admissibilidade ............................................................................................................. 81
3.3.1 Juzos de admissibilidade e de mrito .................................................................. 81
3.3.2 Juzo prvio de admissibilidade pelo tribunal de origem: limites ........................ 85
3.3.3 Cabimento (arts. 102, III, e 105, III, da CF) ........................................................ 89
3.3.4 Outros requisitos especficos de admissibilidade ................................................. 94
SEGUNDA PARTE:
Justificativa, aspectos gerais e constitucionalidade da tcnica de julgamento
de recursos repetitivos
4 AS CRISES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIA E OS RECURSOS REPETITIVOS..................................... 97
4.1 A crise do Supremo Tribunal Federal ............................................................................ 97
4.2 bices de acesso como tentativa de conter a crise ....................................................... 102
4.3 A criao do Superior Tribunal de Justia: tentativa de soluo da crise do
Supremo e ampliao do acesso das partes aos rgos de cpula ............................... 103
4.4 A crise do Superior Tribunal de Justia ....................................................................... 105
4.5 Excesso na interpretao dos requisitos de admissibilidade dos recursos
excepcionais e a jurisprudncia defensiva ................................................................... 108
4.6 Os recursos repetitivos e a justificativa para a criao da tcnica dos artigos 543-B
e 543-C do CPC ........................................................................................................... 113
5 ASPECTOS GERAIS DA TCNICA DE JULGAMENTO DE
RECURSOS REPETITIVOS ........................................................................................... 121
5.1 Normas legais e regimentais que regulamentam a tcnica de julgamento
de recursos repetitivos ................................................................................................. 121
5.2 A inspirao no procedimento-modelo do direito alemo (Musterverfahren) ............ 126
5.3 Outras tcnicas de julgamento por amostragem do direito estrangeiro ....................... 130
5.4 Os artigos 543-B e 543-C do CPC como tcnica de ampliao da eficcia
persuasiva dos precedentes do STF e STJ ................................................................... 136
5.5 Repercusso geral e recursos repetitivos...................................................................... 142
5.5.1 A antiga relevncia da questo federal e a atual repercusso geral ................... 142
5.5.2 Proximidade entre repercusso geral e recursos repetitivos .............................. 150
5.5.3 Distino entre repercusso geral (requisito de admissibilidade) e tcnica de
julgamento de recursos repetitivos (procedimento) ........................................... 152
5.5.4 O artigo 543-C do CPC: retorno da relevncia da questo federal? .................. 153
6 ANLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TCNICA DE JULGAMENTO
DE RECURSOS REPETITIVOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA .......................................................... 157
6.1 Colocao do problema ................................................................................................ 157
6.2 Princpio constitucional do acesso justia ................................................................. 158
6.3 Ausncia de violao competncia constitucional do STF e do STJ e de criao
por lei ordinria de novo requisito de admissibilidade para os recursos excepcionais 162
6.4 Ausncia de efeito vinculante ...................................................................................... 174
6.5 Necessidade de se permitir a impugnao ao STF e ao STJ das decises dos rgos
de origem que negam seguimento aos recursos repetitivos por contrariedade ao
acrdo paradigma. Crtica jurisprudncia ................................................................ 182
TERCEIRA PARTE
A tcnica de julgamento de recursos repetitivos aplicada: aspectos
procedimentais e resultados prticos
7 INSTAURAO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NOS ARTIGOS 543-B
E 543-C DO CPC: REQUISITOS, COMPETNCIA E EFEITOS SOBRE O
DIREITO DE DESISTNCIA DO RECURSO .............................................................. 197
7.1 Requisitos para a instaurao do procedimento ........................................................... 197
7.1.1 Requisito quantitativo: efetiva existncia de multiplicidade de recursos ....... 197
7.1.2 Desnecessidade de prvia jurisprudncia dominante ou sumulada sobre
a questo controvertida ...................................................................................... 199
7.1.3 Requisito qualitativo: idntica controvrsia ou idntica questo de direito203
7.1.4 Instaurao de ofcio ou a requerimento das partes ........................................... 207
7.2 Competncia para instaurar o procedimento ................................................................ 208
7.3 Seleo do caso representativo da controvrsia ........................................................... 210
7.3.1 Importncia ........................................................................................................ 210
7.3.2 Critrios subjetivos ............................................................................................ 212
7.3.3 Critrios objetivos .............................................................................................. 215
7.3.4 Recorribilidade ................................................................................................... 220
7.4 Desistncia do recurso selecionado para julgamento ................................................... 222
8 SOBRESTAMENTO DOS RECURSOS REPETITIVOS ............................................. 230
8.1 Definio, objeto e importncia ................................................................................... 230
8.2 A questo da necessidade de limitao do prazo de durao do sobrestamento .......... 234
8.3 Sobrestamento dos recursos extraordinrios e especiais em trmite nos tribunais
de origem ..................................................................................................................... 237
8.4 Sobrestamento dos recursos extraordinrios e especiais j enviados ao STF
e ao STJ ........................................................................................................................ 241
8.5 Sobrestamento dos agravos interpostos na forma do artigo 544 do CPC .................... 245
8.6 A questo sobre a possibilidade de sobrestamento de outros recursos e processos
nas instncias inferiores ............................................................................................... 247
8.6.1 Panorama normativo e a jurisprudncia do STF e do STJ ................................. 248
8.6.2 Anlise da convenincia e legitimidade das diversas hipteses de extenso
dos efeitos do sobrestamento ............................................................................. 255
8.6.2.1 Sobrestamento dos processos e outros recursos at a definio
da controvrsia ....................................................................................... 255
8.6.2.2 Sobrestamento dos processos individuais em razo da pendncia
de processo coletivo ............................................................................... 259
8.7 Controle da deciso que determina o sobrestamento ................................................... 261
8.7.1 Contedo decisrio e possibilidade de impugnao da deciso
de sobrestamento crtica jurisprudncia do STJ e do STF ........................... 261
8.7.2 Agravo de admisso (art. 544 do CPC), pedido de reconsiderao,
embargos de declarao ou outros meios (mandado de segurana,
reclamao ou medida cautelar)? ....................................................................... 266
8.7.3 Agravo interno ................................................................................................... 272
9 JULGAMENTO DOS RECURSOS REPRESENTATIVOS DA
CONTROVRSIA: PREPARAO, PARTICIPAO DE TERCEIROS
E RGO COMPETENTE ............................................................................................. 275
9.1 Solicitao de informaes aos Tribunais de Justia e Tribunais Regionais Federais
e concesso de vista ao Ministrio Pblico ................................................................. 275
9.2 Participao de terceiros .............................................................................................. 276
9.2.1 Amicus curiae ..................................................................................................... 276
9.2.2 Aspectos procedimentais da participao do amicus curiae .............................. 280
9.2.3 Interveno dos que figuram como partes nos recursos sobrestados? ............... 286
9.2.4 Como ampliar adequadamente a participao das partes que sofrero a
influncia do julgamento? .................................................................................. 293
9.3 Competncia do rgo mais complexo e quorum qualificado ..................................... 294
10 EFEITOS DO JULGAMENTO DOS RECURSOS REPRESENTATIVOS
DA CONTROVRSIA .................................................................................................... 298
10.1 Momento de eficcia do acrdo que julga os recursos representativos
da controvrsia ........................................................................................................... 298
10.2 Efeitos do julgamento dos recursos extraordinrios representativos
da controvrsia, quando o STF nega a existncia de repercusso geral..................... 301
10.3 Efeitos do julgamento de mrito dos recursos representativos da controvrsia,
em relao aos recursos repetitivos sobrestados ......................................................... 303
10.3.1 Recursos repetitivos interpostos contra decises que convergem com a
tese fixada pela instncia superior ................................................................... 303
10.3.2 Recursos repetitivos interpostos contra decises que divergem da tese
fixada pela instncia superior ........................................................................... 306
10.3.2.1 Juzo positivo de retratao ................................................................. 306
10.3.2.2 Juzo negativo de retratao (manuteno da divergncia) ................. 313
10.4 Efeitos do julgamento de mrito dos recursos representativos da controvrsia,
em relao aos novos recursos extraordinrios e especiais (e respectivos agravos
de admisso ou interno) ............................................................................................. 315
10.5 A questo da impugnao da deciso que nega seguimento aos recursos
repetitivos contrrios ao acrdo paradigma.............................................................. 319
10.6 Efeitos do julgamento de mrito dos recursos representativos da controvrsia,
em relao s causas e recursos nas demais instncias .............................................. 320
10.7 Possibilidade de modulao dos efeitos do julgamento de mrito dos
recursos representativos da controvrsia .................................................................... 322
10.8 Cabimento de ao rescisria (art. 485, inc. V, do CPC) em face de decises
contrrias ao acrdo que define a controvrsia ......................................................... 328
11 RESULTADOS PRTICOS ........................................................................................... 334
11.1 Os nmeros no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justia,
aps a aplicao da tcnica de julgamento de recursos repetitivos ........................... 334
11.2 O problema do tempo de durao do procedimento de julgamento
de recursos repetitivos ............................................................................................... 338
11.3 Quadro geral em relao aos procedimentos instaurados.. ........................................ 340
11.4 Consequncias prticas em relao ao funcionamento dos Tribunais de origem
e a criao dos Ncleos de Repercusso Geral e Recursos Repetitivos (NURER) ... 344
12 O PROJETO DE NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL...................................... 348
12.1 O estgio atual do projeto .......................................................................................... 348
12.2 Valorizao da jurisprudncia .................................................................................... 349
12.3 Manuteno e aperfeioamento do sistema de julgamento de recursos repetitivos ... 352
12.4 A proposta de instituio de um novo incidente de resoluo
de demandas repetitivas ........................................................................................... 358
13 CONCLUSO .................................................................................................................. 362
REFERNCIAS .................................................................................................................... 376
1 INTRODUO
1.1 Objeto e limites desta dissertao
O objeto desta dissertao o estudo da tcnica de julgamento de recursos
extraordinrios e especiais fundados em idntica questo de direito (recursos repetitivos),
prevista nos artigos 543-B e 543-C do Cdigo de Processo Civil (CPC), e regulamentada
por normas regimentais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de
Justia (STJ).
A mencionada tcnica surgiu no contexto de agravamento da crise de excesso de
recursos no STF e no STJ, que vinha praticamente inviabilizando o adequado exerccio da
sua funo constitucional de fixao do sentido nico do direito objetivo federal, por meio
do controle e da uniformizao da jurisprudncia. Apresentou-se, assim, como uma
tentativa de lidar com o problema, racionalizando a atuao dos rgos de cpula, diante
de milhares de casos versando sobre a mesma questo de direito.
Em linhas gerais, os artigos 543-B e 543-C do CPC permitem ao STF e ao STJ que,
diante de uma multiplicidade de recursos repetitivos, julguem apenas um ou alguns
recursos representativos da controvrsia, a fim de que a tese jurdica fixada no julgamento
possa, ao final, ser simplesmente aplicada aos demais recursos, que devem permanecer
sobrestados, espera da definio da controvrsia.
Essa tcnica, como outras que atuam como filtro de acesso das partes aos rgos
jurisdicionais, ataca as consequncias, e no as causas do problema. O desenvolvimento
dos mtodos alternativos de solues de conflitos, a ampliao da estrutura e o
investimento de maiores recursos financeiros no Poder Judicirio, o aperfeioamento dos
instrumentos de tutela coletiva dos direitos e a mudana de cultura do prprio Estado
(responsvel pelo maior nmero de processos em tramitao) so medidas, aqui citadas a
ttulo meramente exemplificativo, que talvez pudessem evitar a chegada de centenas de
milhares de recursos repetitivos aos Tribunais Superiores.
17
Alm disso, no se pode desconsiderar o elevado custo dessa racionalizao da
atuao do STF e do STJ: ela acaba por resvalar em nada menos que o direito de acesso
das partes aos rgos de cpula, constitucionalmente responsveis pela reviso de decises
contrrias, em tese, ao direito federal constitucional e infraconstitucional.
Este trabalho, porm, no tem por objeto analisar, no plano macro, a convenincia
da tcnica de julgamento de recursos repetitivos luz de outros meios mais ou menos
viveis e adequados para a soluo dos problemas do Poder Judicirio e, mais
especificamente, do STF e do STJ.
Na verdade, esta dissertao parte do pressuposto de que a tcnica de julgamento de
recursos repetitivos est posta e consolidada, representando uma importante realidade do
sistema de julgamento de recursos extraordinrios e especiais.
De fato, alm de positivada pelos artigos 543-B e 543-C do CPC e regulamentada
por normas regimentais, a tcnica vem sendo fortemente aplicada (e at excessivamente
interpretada, conforme criticaremos oportunamente neste trabalho) pela jurisprudncia do
prprio STF e STJ. Ademais, ao que tudo indica, no novo CPC (cujo projeto atualmente
tramita na Cmara dos Deputados) ela dever ser mantida, aperfeioada e, de certa forma,
estendida aos processos repetitivos que tramitam no primeiro grau de jurisdio (por meio
do novo incidente de resoluo de demandas repetitivas).
Partindo desse pressuposto, a proposta desta dissertao examinar essa nova
forma de processamento dos recursos extraordinrios e especiais, respeitando-se as
seguintes limitaes: anlise das justificativas que levaram sua criao, de suas
caractersticas gerais e da sua controvertida constitucionalidade; descrio de seus aspectos
procedimentais, luz do direito positivo, da doutrina e da jurisprudncia; e breve exame
dos resultados prticos at aqui produzidos.
No se trata, assim, de um trabalho sobre as diversas tcnicas de tratamento
adequado de litgios de massa ou das causas repetitivas, nem sobre a teoria dos precedentes
judiciais (o que inclui a discusso sobre a convenincia e a legitimidade de ampliao da
sua fora), ou sobre os problemas gerais enfrentados pelos Tribunais Superiores e as
respectivas solues. Sob um ngulo mais tcnico e restrito, o objeto de estudo consiste
18
especificamente na anlise do funcionamento da tcnica de julgamento de recursos
extraordinrios e especiais repetitivos regulamentada pelos artigos 543-B e 543-C do CPC.
De qualquer forma, claro que, no decorrer do trabalho, alguns temas que se
relacionam com seu objeto, inclusive os mencionados acima, sero tangenciados, at para a
fixao de premissas e conceitos necessrios ao cumprimento do escopo principal.
Do mesmo modo, ao longo do desenvolvimento dos captulos vir inevitavelmente
tona a nossa viso crtica a respeito do instituto, a qual pode ser, desde j, em linhas
gerais, antecipada: trata-se de um legtimo e eficiente instrumento de potencializao dos
precedentes do STF e do STJ, que, sem prejuzo de necessrios aperfeioamentos, mostra-
se teoricamente adequado para conciliar a atual realidade dos problemas gerados pelos
recursos repetitivos com a verdadeira funo dos recursos excepcionais (controle e
uniformizao da jurisprudncia, com o fim de concretizao dos princpios da igualdade e
da segurana jurdica).
Para tanto, porm, no pode prevalecer, em certos aspectos, a jurisprudncia do
STF e do STJ, que, para ampliar os efeitos da tcnica de julgamento de recursos
repetitivos, vm interpretando os artigos 543-B e 543-C do CPC de forma excessivamente
restritiva s garantias das partes, sobretudo no que diz respeito impossibilidade de
impugnao da deciso que aplica o acrdo paradigma ao recurso repetitivo.
1.2 Plano do trabalho
Por razes didticas, os captulos que compem o desenvolvimento deste trabalho
esto reunidos em trs partes.
Na primeira, que abrange os Captulos 2 e 3, so abordados temas correlatos,
relativos tendncia de valorizao da jurisprudncia no direito brasileiro, bem como s
funes, importncia e admissibilidade dos recursos extraordinrios e especiais.
A finalidade dessa primeira parte simplesmente traar premissas e apresentar
conceitos que sero recuperados ao longo do trabalho, facilitando a abordagem das
questes mais centrais.
19
Na segunda parte, composta pelos Captulos 4, 5 e 6, so analisados os motivos de
criao, os aspectos gerais e a constitucionalidade da tcnica de julgamento de recursos
repetitivos, oportunidade em que tero de ser adiantados alguns posicionamentos a respeito
do seu funcionamento, aos quais se far mera referncia nos captulos seguintes, relativos
terceira parte.
Pretende-se, nessa segunda parte, lanar um olhar geral sobre o instituto,
descrevendo seus aspectos normativos, a influncia do direito estrangeiro, a sua
caracterizao como tcnica de potencializao dos precedentes do STF e STJ, bem como
a sua relao com o instituto da repercusso geral. Alm disso, sero analisados os
principais problemas relacionados sua constitucionalidade, apresentando crticas, no
tcnica em si (que, para ns, pode ser considerada legtima), mas sim interpretao
restritiva ao direito das partes que lhe vem atribuindo a jurisprudncia do STF e do STJ.
A terceira e ltima parte, composta dos Captulos 7 a 12, dedicada ao exame do
funcionamento da tcnica de julgamento de recursos repetitivos, organizado conforme as
vrias fases de seu procedimento (instaurao, sobrestamento, preparao para julgamento
e efeitos do julgamento), bem como, por fim, de seus resultados prticos e das
modificaes previstas na verso atual do projeto do novo CPC.
Por fim, concluiremos com uma sntese das principais questes abordadas durante o
trabalho e com a exposio de uma posio crtica a respeito do funcionamento do
instituto.
PRIMEIRA PARTE
Temas correlatos: valorizao da jurisprudncia recursos extraordinrios
e especiais (funes, importncia e admissibilidade)
21
2 A VALORIZAO DA JURISPRUDNCIA
2.1 Jurisprudncia e precedente
Diante da evoluo do termo jurisprudncia ao longo do tempo1 e do espao
2, o seu
sentido no unvoco, podendo ter trs significaes diferentes: a) a cincia do direito
(tambm denominada dogmtica jurdica ou jurisprudncia); b) o conjunto de decises
dos tribunais, em sentido amplo, abrangendo tanto a jurisprudncia uniforme como a
contraditria; e, c) em sentido estrito e tcnico-jurdico, o conjunto de decises uniformes.
Na atualidade, mais relevante e usual a concepo de jurisprudncia naquele
sentido estrito, qual seja, o de conjunto de decises uniformes dos tribunais3, pois nesse
1 Pode-se dizer que a origem do que hoje conhecemos como a jurisprudncia dos tribunais est em Roma,
onde a atividade jurisdicional era exercida tanto pelos editos dos pretores, como pelas respostas dos
prudentes. Ou seja, o termo jurisprudncia guardava identidade tanto com a atividade de aplicao concreta
do direito (ditos dos magistrados), como tambm com a prpria cincia do direito (colees de responsa
dos jurisconsultos). (PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudncia: da divergncia
uniformizao. So Paulo: Atlas, 2006. p. 4).
2 Aps as migraes dos povos no continente europeu, em razo das guerras de conquista, o direito romano
sofreu influncias diversas, e a partir da a jurisprudncia passou a apresentar caractersticas e finalidades
tambm diversas, marcando maior ou menor presena em cada sistema. Os sistemas do continente europeu
continuaram a se inspirar nas fontes romanas, formando os direitos codicsticos, com prevalncia da
norma escrita. Por sua vez, os sistemas da vertente anglo-sax basearam-se no precedente judicirio. Assim,
o termo jurisprudncia passou a apresentar significados diversos nos sistemas anglo-saxo, de common law
(onde a principal fonte do direito so os precedentes judicirios), e continental-europeu, ou romano-
germnico, de civil law (onde, diferentemente, o direito decorre da lei escrita). (MANCUSO, Rodolfo de
Camargo. Divergncia jurisprudencial e smula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010. p. 25). O sistema brasileiro, que teve sua origem nas Ordenaes lusitanas, filia-se a
esse ltimo sistema. Sobre a filiao de Portugal, e consequentemente do Brasil, ao sistema de civil law,
ver: MARCATO, Antonio Carlos. Crise da justia e influncia dos precedentes judiciais no direito
processual civil brasileiro. Tese (Professor Titular Direito Processual Civil) Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, 2008. p. 159.
3 Nesse sentido, a jurisprudncia envolve apenas decises emanadas de rgos do Estado dotados de poder
jurisdicional, embora tambm se fale em jurisprudncia de rgos administrativos, dos Tribunais de
Contas, etc. Alm disso, ela abarca apenas acrdos, e no as decises monocrticas e as sentenas de
primeiro grau, pois o conjunto harmnico de decises sobre determinada matria pressupe certa
estabilidade, incompatvel com as decises sujeitas ordinariamente a reviso. Conforme Carlos Aurlio
Mota de Souza: As sentenas de 1 instncia podem tornar-se caso julgado quando as partes no recorrem,
mas tais decises no fazem jurisprudncia e apresentam menor grau de certeza jurdica. Somente decises
mltiplas, sobre temas jurdicos semelhantes, levam formao de Jurisprudncia; e por serem colegiadas
as decises de 2 instncia oferecem maior grau de certeza jurdica. (SOUZA, Carlos Aurlio Mota de.
Direito judicial, jurisprudencial e sumular. Revista de Processo, So Paulo, v. 20, n. 80, p. 208, out./dez.
1995). Observe-se, porm, que o art. 285-A do CPC, includo pela Lei n. 11.277/2006, atribui eficcia
panprocessual tambm s sentenas de primeiro grau sobre matria repetitiva, permitindo a improcedncia
prima fcie da demanda fundada em tese j reiteradamente rejeitada pelo Juzo. Ocorre que, nesse caso, no
se poder falar em jurisprudncia no seu sentido tcnico-jurdico, bastando lembrar que referidas sentenas
podero ser objeto de apelao ou, nos casos do art. 475 do CPC, de reexame necessrio. Alis, o
dispositivo tem sido criticado justamente por no exigir que as sentenas repetitivas estejam em
consonncia, pelo menos, com a jurisprudncia do tribunal de segundo grau a que o respectivo Juzo est
sujeito.
22
caso ela indica a toda a sociedade qual o sentido das normas jurdicas, luz de
determinadas situaes fticas, alm de exercer influncia sobre outras decises judiciais
nos casos sucessivos. Como bem destacado por Rodolfo de Camargo Mancuso, a tese
fixada se destaca, projetando efeitos em face de outras demandas, virtuais ou pendentes,
assim projetando eficcia panprocessual.4
Alm disso, a jurisprudncia, naquele sentido mais estrito, pode ser qualificada pela
circunstncia de ser dominante (o que ocorre quando o conjunto de decises em
determinado sentido predomina quantitativamente sobre outro conjunto) ou sumulada
(quando o Tribunal edita um enunciado sinttico sobre a sua jurisprudncia dominante a
respeito de determinado tema).
Nesses casos, em razo de tcnicas previstas na legislao, permite-se que a
jurisprudncia exera influncia direta sobre o julgamento de outros casos que tratam das
mesmas questes jurdicas, por exemplo vinculando a interpretao da norma luz de
determinada situao concreta, como ocorre com as smulas vinculantes; ou, ainda a ttulo
de exemplo, permitindo o julgamento monocrtico de recursos nos tribunais, como ocorre
com a tcnica prevista nos artigos 544, 4, e 557 do CPC.
O tema da jurisprudncia relaciona-se intimamente ao dos precedentes, a ponto de
serem muitas vezes tratados como sinnimos, pois ambos esto ligados anlise dos
efeitos externos das decises judiciais, no sentido da sua capacidade de influenciar, em
maior ou menor grau, a soluo de casos semelhantes sucessivos.5
Nesse sentido, precedentes so espcies de decises judiciais que, em virtude de
determinadas qualidades, ao julgar o caso concreto, fixam ou consolidam uma tese
jurdica, projetando, a respeito da matria de direito por ela solucionada, efeitos externos,
4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Divergncia jurisprudencial e smula vinculante, cit., p. 148.
5 Analisando a dimenso estrutural dos precedentes, Michele Taruffo afirma que o precedente pode ser
nico, como ocorre comumente nos sistemas de common law, em face do nmero limitado de decises
pronunciadas por suas cortes e pelo sistema de reporting, que permitem aos tribunais elegerem os casos que
pretendem estabelecer como precedentes. E pode tambm ocorrer de se fazer referncia a vrias decises
uniformes sobre a mesma questo, o que ocorre com maior frequncia nos sistemas de civil law, em que os
precedentes decorrem da jurisprudncia dominante (TARUFFO, Michele. Dimensiones del precedente
judicial. In: ___. Pginas sobre justicia civil. Traduccin de Maximiliano Aramburo Calle. Madrid:
Marcial Pons, 2009. p. 552). Note-se que, para o autor, precedente e jurisprudncia fariam parte da mesma
realidade, diferenciando-se apenas em relao sua estrutura.
23
relativos a outros casos que tratam das mesmas questes. Essas qualidades esto ligadas,
dentre outras circunstncias, ao ineditismo da interpretao da lei em determinado caso
concreto, quantidade dos argumentos analisados, consolidao dos argumentos j
enfrentados em casos anteriores e autoridade do rgo judicial que prolata a deciso.6
Note-se a diferena entre precedente e deciso. Nem toda deciso precedente,
embora todo precedente seja deciso. Uma deciso s ser precedente se, ao fixar ou
consolidar uma tese jurdica a respeito de determinada questo, for apta a exercer
legitimamente efeitos externos, relativos a casos sucessivos.
Da mesma forma, apesar da sua ntima relao, podem-se identificar diferenas
entre precedente e jurisprudncia7. A primeira distino bvia, e pauta-se pelo critrio
quantitativo: a jurisprudncia envolve um conjunto de acrdos consonantes, enquanto
precedente refere-se a apenas um julgado sobre determinado tema.8
Outra distino refere-se ao grau de influncia exercida pela jurisprudncia e pelo
precedente, que varia conforme o sistema em que os mesmos so analisados.
Nos sistemas de common law, embora a aplicao reiterada de um precedente possa
levar ampliao do seu grau de influncia9, isso no necessrio para que ele projete
6 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. 2. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 215.
7 Jos Rogrio Cruz e Tucci, ao abordar o tema dos precedentes como fonte do direito, embora reconhecendo
que o termo jurisprudncia de uso muito mais comum em nossa linguagem jurdica, opta por precedente,
em face da falta de univocidade do termo jurisprudncia, que serve tanto para designar o conjunto de
decises dos tribunais, como tambm a cincia do direito e a prpria atividade profissional (jurisprudncia
forense ou prtica contraposta terica) (TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Precedente judicial como fonte do
direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 9).
8 Conforme Sidnei Agostinho Beneti: O linguajar jurdico nacional vem solapando o conceito de
jurisprudncia, que a interpretao consistente dos tribunais a respeito das lides, igualando-a pela de
precedente, que cada julgamento individual. Para o autor: Um julgado no jurisprudncia, mas um
precedente, que interagir com outros casos idnticos ou anlogos, no sentido da formao, ou no, de
jurisprudncia. (BENETI, Sidnei Agostinho, Doutrina de precedentes e organizao judiciria. BDJur,
Braslia, DF, 8 maio 2008, p. 1. Disponvel em:
. Acesso em: 10 nov. 2013). Nesse caso, porm, o autor menciona o termo precedente
como sinnimo de deciso judicial. E, como vimos, nem toda deciso precedente, embora todo
precedente seja deciso.
9 O princpio aplicvel verificou-se num nico caso ou ter tido seu valor e adequao social reafirmados? A
toda evidncia a autoridade dos precedentes varia consideravelmente. Num extremo esto os precedentes
tidos como vinculativos; noutro, aqueles que se consideram de todo inaplicveis ao caso em exame. (RE,
Edward D. Stare decisis. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 83, n. 702, p. 10, abr. 1994, p. 10).
24
efeitos externos, inclusive vinculando a interpretao das questes jurdicas nos casos
sucessivos. Assim, muito mais do que a quantidade, importa a qualidade do precedente, em
termos de aprofundamento da fundamentao e novidade ou singularidade do caso, bem
como de hierarquia da corte que o proferiu.10
J nos sistemas de civil law, os precedentes geralmente produzem efeitos externos,
em maior ou menor grau, apenas quando formam jurisprudncia (ou seja, apenas quando
reiterados), sobretudo dominante ou sumulada, trabalhando-se mais com jurisprudncia do
que com precedentes11
. Nesse caso, portanto, tem grande importncia o aspecto repetitivo,
pois em regra ele que determina o maior grau de influncia a ser exercida nos casos
sucessivos.
No Brasil, excepcionalmente, o precedente (independentemente da sua converso
em jurisprudncia) tambm pode exercer maior influncia, como ocorre com as decises
emanadas do STF em sede de controle direito de constitucionalidade (que inclusive so
dotadas de eficcia vinculante) e, aps a tcnica de julgamento de recursos repetitivos,
tambm com os acrdos do STF e do STJ que julgam os recursos extraordinrios e
especiais representativos da controvrsia.12
10
No regime da common law a palavra jurisprudncia no est, necessariamente, jungida ao sentido de
reiterao de julgados, podendo ocorrer que um s precedente, por sua convincente fundamentao e/ou
singularidade de objeto, seja difundido e faa escola, assim projetando extraautos a fora vinculativa de sua
ratio decidendi (os chamados biding ou leading precedents). Diferentemente, pode suceder que sobre um
mesmo tema haja vrios precedentes que, todavia, no se notabilizam por alguma singularidade da matria
de fato ou pela fundamentao jurdica, de sorte que projetaro apenas uma fora persuasiva (persuasive
prcedentes) em face dos juzes encarregados de decidir casos anlogos. (MANCUSO, Rodolfo de
Camargo, Divergncia jurisprudencial e smula vinculante, cit., p. 207).
11 Nos sistemas de civil law, de regra, precedentes comeam a gozar de respeito quando formam
jurisprudncia predominante. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como
objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, So Paulo, v. 34, n. 172, p. 144, jun.
2009).
12 Muito excepcionalmente, um precedente vincula, no sistema brasileiro. Ocorrem, espontaneamente, os
tais leading cases. Por outro lado, h o mtodo de julgamento criado pelos arts. 543-B e 543-C, em que o
caso piloto deve (sob pena de se frustrarem as finalidades dos dispositivos) determinar o teor dos
julgamentos dos recursos, cujo procedimento ter ficado sobrestado. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
Interpretao da lei e de precedentes: civil law e common law. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 99, n.
893, p. 33, mar. 2010). Sobre o conceito de leading case no sistema de common law, Guido Fernando Silva
Soares leciona: Uma deciso que se tenha constitudo em regra importante, em torno do qual outras
decises gravitam, se denomina um leading case, que passa a ser determinante para o estudante e o
advogado, como primeiro approach na soluo de uma questo prtica. (SOARES, Guido Fernando Silva.
O que a Common Law, em particular, a dos EUA. Disponvel em: . Acesso em: 08 jun. 2012).
25
2.2 Aproximao entre civil law e common law
A diferena mais marcante entre os sistemas de civil law e de common law que,
no primeiro, a principal fonte formal do direito a norma escrita, enquanto que o segundo
baseia-se no direito costumeiro, aplicado pela jurisprudncia.13
Porm, uma crise geral de legitimidade do poder jurisdicional, decorrente da perda
de credibilidade da sociedade na Justia e nos juzes, tem sido invocada como uma das
causas do movimento de constante aproximao entre os sistemas. Essa crise, decorrente
da elevao da conscincia jurdica da populao e do grau de exigncia em relao ao
desempenho do judicirio, faz com que os pases de civil law voltem os olhos para os da
common law, procurando l encontrar solues para problemas comuns atravs de
institutos que no existem na civil law e, por sua vez, com que os pases da common law
tambm busquem solues para seus problemas no nosso sistema.14
No campo do direito processual, pode-se citar, a ttulo de exemplo desse
movimento de convergncia entre os sistemas, a crescente ampliao, nos Estados Unidos
e na Inglaterra, dos poderes instrutrios do juiz, o que faz parte do sistema inquisitorial
tpico dos pases de civil law.15
De outro lado, observa-se a influncia, no Brasil (pas filiado ao civil law), de
institutos do direito norte-americano, como os juizados especiais (inspirados nas small
claims courts), a previso das aes civis pblicas (originadas das class actions) e a
repercusso geral (semelhante ao sistema de certiorari).
13
Segundo Mauro Cappelletti, representa diferena fundamental entre os dois sistemas o fato de que: Nos
pases de Civil Law, tende-se a identificar o direito com a lei, com a consequncia de que, tambm em
face da lacuna legislativa, entende-se, ou se pretende entender, que de qualquer modo o juiz no faz seno
aplicar a lei [...]. Nos pases de Common Law, pelo contrrio, o direito legislativo visto em certo sentido
como fonte excepcional do direito. Em face da lacuna, o juiz daqueles pases sabe que sempre h, para
alm da lei, o common law, ou seja, o direito desenvolvido pelos prprios juzes, que disciplinar as
relaes jurdicas das partes (no disciplinadas pela lei). (CAPPELLETTI, Mauro. Juzes legisladores?
Traduo de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 122).
14 GRECO, Leonardo. Instituies de processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 1, p. 3.
15 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Correntes e contracorrentes no processo civil contemporneo. In: ____.
Temas de direito Processual: nona srie, So Paulo: Saraiva: 2007. p. 55-67; TARUFFO, Michele.
Observaes sobre os modelos processuais de civil law e de common law. Revista de Processo, So Paulo,
v. 28, n. 110, p. 145, abr./jun. 2003.
26
Desse modo, tem razo Jos Carlos Barbosa Moreira ao afirmar a possibilidade de
um dia existirem entre os sistemas de civil law e common law mais semelhanas que
divergncias.16
Mas a demonstrao mais marcante dessa convergncia, que tambm a que
interessa a este trabalho, diz respeito ao fato de que, no civil law, a importncia e o grau de
influncia da jurisprudncia e dos precedentes judiciais tm sido cada vez mais ampliados,
enquanto que, no common law, observa-se um movimento de crescente valorizao da
norma escrita.17
Nesse sentido, o civil law aproxima-se constantemente do common law, na medida
em que a cada dia aumentam as tcnicas de valorizao da jurisprudncia e dos
precedentes, sobretudo dos Tribunais Superiores, com o fim de acelerar a tornar mais
eficiente a prestao jurisdicional, bem como de viabilizar julgamentos efetivamente
uniformes de questes iguais, prestigiando-se os princpios da igualdade e da segurana
jurdica.
A tcnica de julgamento de recursos repetitivos pelo STF e STJ, objeto de estudo
da presente dissertao, uma clara demonstrao disso, posto que, como veremos ao
16
Talvez no seja arbitrrio, em todo caso, divisar no que est acontecendo mais um sintoma de certa
propenso convergncia das duas famlias tradicionais no universo processual do ocidente: bem pode
suceder que um dia o processo de civil law e o processo de common law venham a caracterizar-se mais por
aquilo em que se assemelham do que por aquilo em que contrastam. (MOREIRA, Jos Carlos Barbosa,
Correntes e contracorrentes no processo civil contemporneo, in Temas de direito Processual: nona srie,
cit., p. 67).
17 Segundo Neil Andrews: O direito ingls, hoje em dia, est fortemente influenciado por leis escritas. Estas
incluem o direito derivado (sobretudo normas codificadas veja 2.9). Os regulamentos europeus tm
fora igual legislao primria. Apesar disso, o autor ressalta que o sistema de precedentes continua
sendo a base do direito ingls (ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e
alternativas de resoluo dos conflitos na Inglaterra. Orientao e reviso da traduo de Teresa Arruda
Alvim Wambier. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 39). Michele Taruffo chega a afirmar que a
referncia ao precedente no h tempos uma caracterstica peculiar dos ordenamentos do common law,
estando agora presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law. Por isso, a distino tradicional
segundo a qual os primeiros seriam fundados sobre os precedentes, enquanto os segundos seriam fundados
sobre a lei escrita, no tem mais admitindo-se que realmente tenha tido no passado qualquer valor
descritivo. De um lado, na verdade, nos sistemas de civil law se faz amplo uso da referncia
jurisprudncia, enquanto nos sistemas de common law se faz amplo uso da lei escrita e inteiras reas desses
ordenamentos do direito comercial ao direito processual so, na realidade, codificadas (TARUFFO,
Michele. Precedente e jurisprudncia. Revista de Processo, So Paulo, v. 36, n. 199, p. 139, set. 2011).
27
longo do trabalho, atua justamente no sentido da ampliao da autoridade dos precedentes
do STF e do STJ.18
Na verdade, essa tendncia de fortalecimento dos precedentes e da jurisprudncia
no fenmeno exclusivo do sistema brasileiro, pois em diversos outros pases que adotam
o sistema de civil law, como Frana, Itlia, Espanha e Alemanha, tem ocorrido movimento
semelhante.19
Conforme demonstrado por Katja Funken, a Espanha e a Alemanha vm
positivando tcnicas no sentido da vinculao expressa dos precedentes de seus tribunais
constitucionais, alm da grande importncia da eficcia persuasiva dos precedentes dos
demais Tribunais Superiores para a uniformizao da jurisprudncia. O mesmo se observa
na Frana e em outros pases, nos quais, embora no se possa falar em efeito vinculante, h
uma grande tendncia de observncia dos precedentes dos Tribunais Superiores.20
Da o interesse em analisar um pouco mais de perto o funcionamento do sistema de
precedentes no common law.
18
O instituto do recurso especial repetitivo que, embora recm-introduzido no Cdigo de Processo Civil
(art. 543-C do CPC), j faz parte da prtica do STJ prova bastante de que se comea a trilhar caminho
rumo ao precedente com fora obrigatria. (MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximao crtica entre as
jurisdies de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista de
Processo, So Paulo, v. 34, n. 172, p. 229, jun. 2009). No mesmo sentido, vejamos trechos de acrdo do
STJ em que, ao serem apreciadas questes submetidas ao julgamento pelo procedimento do art. 543-C do
CPC, menciona-se a relao entre o nosso sistema de potencializao dos precedentes dos Tribunais
Superiores e o sistema de julgamento com base nos precedentes vigentes na common law: A fora da
jurisprudncia dos Tribunais Superiores informa o hodierno sistema, unindo as famlias do civil Law e da
common Law, de sorte que, no perpassa pelo princpio da razoabilidade poder a Corte local decidir
diversamente do que assentou a Corte Superior. (STJ QO AI n. 1.154.599/SP, Corte Especial, rel. para
voto Min. Cesar Asfor Rocha, DJe, de 12.05.2011). Deveras, a estratgia poltico-jurisdicional do
precedente, merc de timbrar a interpenetrao dos sistemas do civil law e do common law, consubstancia
tcnica de aprimoramento da aplicao isonmica do Direito, por isso que para "casos iguais", solues
iguais (STJ REsp n. 1.111.743/DF, Corte Especial, rel. para acrdo Min. Luiz Fux, j. 25.02.2010, DJe,
de 21.06.2010).
19 Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, A influncia da jurisprudncia tem sido cada vez mais sentida
nos pases de civil law, embora, isto no seja sempre confessado expressamente, como ocorre na Frana. Na
Itlia, os precedentes tambm tm sido observados, desde que se trate de uma linha jurisprudencial firme e
iterativa. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito:
civil law e common law, cit., p. 138).
20 FUNKEN, Katja. The best of both worlds: the trend towards convergence of the civil law and the
common law system. Disponvel em:
. Acesso em: 08 jun. 2012.
http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/relationships/document?stid=st-rql&marg=LGL-1973-5&ds=BR_LEGIS_CS;BR_JURIS_CS;BR_DOUTRINA_CS;BR_SUMULAS_CS&startChunk=1&endChunk=1http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/relationships/document?stid=st-rql&marg=LGL-1973-5&ds=BR_LEGIS_CS;BR_JURIS_CS;BR_DOUTRINA_CS;BR_SUMULAS_CS&startChunk=1&endChunk=1http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/relationships/document?stid=st-rql&marg=LGL-1973-5&ds=BR_LEGIS_CS;BR_JURIS_CS;BR_DOUTRINA_CS;BR_SUMULAS_CS&startChunk=1&endChunk=1
28
2.3 Os precedentes no common law
O tema da valorizao da jurisprudncia convida anlise, ainda que breve, de
alguns conceitos relacionados teoria dos precedentes vigente nos sistemas de common
law. Esclarea-se que tomamos por base os modelos norte-americano e ingls, eis que, em
embora no sejam os nicos21
, so os mais importantes e os que mais influenciaram os
demais pases filiados ao common law.22
2.3.1 Stare decisis
No sistema de common law h tambm normas escritas (statue law), que se referem
s normas criadas pelo legislador, mas inegvel que a principal fonte do direito o case
law, isto , o precedente judicirio (judge-made law).23
Isso porque os modelos ingls e norte-americano de common law adotam a doutrina
do stare decisis, originada da formulao stare decisis et non quieta movere (ou seja,
mantenha-se a deciso e no se disturbe o que foi decidido), segundo a qual os casos
sucessivos, baseados nas mesmas circunstncias fticas, devem receber a mesma deciso
proferida no caso anterior. Assim, com a soluo do caso, destaca-se uma regra, ou um
princpio, o qual necessariamente dever ser aplicado aos casos semelhantes posteriores.24
21
Principais pases que pertencem famlia da Common Law: Austrlia, Nova Zelndia, Canad
(Provncia de Quebec), ndia, Paquisto, Bangladesh, Qunia, Nigria, Hong Kong, Guiana, Trinidad
Tobago e Barbados, dentre outros. Os EUA, salvo o Estado da Luisiana, so considerados um sistema
misto, conquanto pertencente Common Law [...]. (SOARES, Guido Fernando Silva, O que a
Common Law, em particular, a dos EUA, cit.).
22 Conforme Sidnei Agostinho Beneti, o Reino Unido e os Estados Unidos so a terra do common law, do
stare decisis e dos precedentes (BENETI, Sidnei Agostinho, Doutrina de precedentes e organizao
judiciria, cit., p. 4). Pode-se afirmar, porm, que no direito norte-americano o sistema de vinculao
menos rgido e significativa a presena de normas escritas (statue law).
23 Guido Fernando Silva Soares descreve da seguinte forma a mentalidade dominante nos sistemas de
common law: O case law constitui a regra e o statute o direito de exceo, portanto integrativo.
(SOARES, Guido Fernando Silva, O que a Common Law, em particular, a dos EUA, cit.). No mesmo
sentido, conforme Antonio Carlos Marcato, enquanto em nosso sistema os operadores do Direito apoiam-
se na lei e, subsidiariamente, na jurisprudncia, no sistema da common law o caminho inverso: primeira
fonte o case e, havendo lacuna, a lei escrita; o case law a regra e o statue a exceo de direito, atuando,
portanto, de forma integrativa (MARCATO, Antonio Carlos, Crise da justia e influncia dos precedentes
judiciais no direito processual civil brasileiro, cit., p. 46).
24 Procurando apresentar um conceito para a doutrina do stare decisis, Edward Re explica que ela tem razes
na orientao do common law segundo a qual um princpio de direito deduzido atravs de uma deciso
judicial ser considerado e aplicado na soluo de um caso semelhante no futuro. Na essncia, esta
orientao indica a probabilidade de que uma causa idntica ou assemelhada que venha a surgir no futuro
seja decidida da mesma maneira (RE, Edward D., Stare decisis, cit., p. 8).
29
Dessa forma, as decises no sistema de common law tm dupla funo: resolver a
controvrsia entre as partes e adquirir valor de precedente para nortear o julgamento futuro
de caso semelhante. Essa segunda funo desempenhada porque, na doutrina do stare
decisis, vige o princpio da presuno a favor do precedente, consubstanciada na
circunstncia de que a deciso contrria ao precedente poder levar sua impugnao e
reviso pelo rgo superior.
Segundo Antonio Carlos Marcato, a doutrina do stare decisis pode ser sintetizada a
partir de algumas regras, tais como: o efeito vinculante dos precedentes dos tribunais
superiores; a fora de toda deciso relevante pronunciada por qualquer tribunal; a restrio
da obrigatoriedade do precedente sua ratio decidendi, isto , ao princpio geral de direito
estabelecido como seu fundamento; e a manuteno da vigncia do precedente ao longo do
tempo, sem prejuzo da possibilidade de sua no aplicao, diante de circunstncias
modernas.25
Ademais, o precedente um princpio, ou seja, um ponto de partida para a soluo
do novo caso, de forma que nesse processo de aplicao do precedente, poder ocorrer uma
expanso ou restrio do princpio, contribuindo-se para o desenvolvimento e evoluo do
direito.26
Com isso, o stare decisis estabelece como regra a fora vinculante dos precedentes
em relao aos casos sucessivos semelhantes, de forma que o caso julgado representa a
principal fonte normativa do sistema.
2.3.2 Precedentes vinculantes e precedentes persuasivos
Conforme o grau de influncia em relao soluo dos casos sucessivos, os
precedentes podem ser vinculantes ou persuasivos. No primeiro caso, so obrigatrios e
devem necessariamente ser observados, sob pena de se considerar que a deciso violou o
prprio direito. No segundo, ainda que altamente relevantes e at determinantes para a
25
MARCATO, Antonio Carlos, Crise da justia e influncia dos precedentes judiciais no direito processual
civil brasileiro, cit., p. 152.
26 RE, Edward D., Stare decisis, cit., p. 8.
30
deciso, os precedentes exercem fora meramente argumentativa, de modo que o sistema
no considera obrigatria a sua observncia.
Apesar do stare decisis, a autoridade do precedente no sempre a mesma no
common law, podendo ser vinculativa (binding authority), hiptese em que definir o
julgamento do caso sucessivo semelhante, ou persuasiva (persuasive authority), caso em
que o precedente, aqui tambm chamado precedente de fato ou revestido de valor moral,
pode at no ser aplicado ou, em o sendo, pode haver variao no grau e extenso da
aplicao.
Em linhas gerais, para que o precedente seja vinculativo, as questes a ele
referentes devem ter sido suscitadas, consideradas e decididas. Por sua vez, os fatos do
caso so extremamente importantes, porque deles que surgem as questes a serem
decididas.27
Assim, diz-se que a autoridade do precedente depende e limitada aos fatos e
condies particulares do caso que o processo anterior pretendeu adjudicar, da
decorrendo que os precedentes no devem ser aplicados de forma automtica. Pelo
contrrio, conforme Re, o precedente deve ser analisado cuidadosamente para determinar
se existem similaridades de fato e de direito e para determinar a posio atual da Corte com
relao ao caso anterior.28
Alm disso, a fora obrigatria ou persuasiva do precedente varia conforme a
estrutura da deciso que o originou, bem como da relao hierrquica entre o rgo que o
criou e o rgo que o ir aplicar.
27
Conforme Guido Fernando Silva Soares, o precedente na common law est intimamente ligado aos fatos,
no se referindo a uma regra abstrata: O precedente no uma regra abstrata, mas uma regra intimamente
ligada aos fatos que lhe deram origem. Por tal motivo, o conhecimento das razes da deciso e seu ntimo
relacionamento com os fatos discutidos, torna-se imprescindvel. A exemplo, as regras contidas num case
que envolveu uma anulao de casamento, no tem qualquer serventia para resolver questes relativas a
divrcio, ou a questes sobre contratos entre esposos ou obrigaes alimentcias, embora possam ser
bastante semelhantes. (SOARES, Guido Fernando Silva, O que a Common Law, em particular, a dos
EUA, cit.).
28 RE, Edward D., Stare decisis, cit., p. 9.
31
De qualquer modo, conforme Michele Taruffo, o mais adequado maioria dos
sistemas, inclusive os de common law, seria considerar que os precedentes no se reduzem
aos vinculantes ou no vinculantes. A hiptese da eficcia puramente vinculante existe
apenas em fenmenos como, por exemplo, os efeitos da coisa julgada, que no tm a ver
com precedente em sentido estrito. No outro extremo, tem-se a hiptese de eficcia
puramente persuasiva, em que o juiz tem total discricionariedade quanto a seguir ou no o
precedente, conforme se sinta ou no convencido quanto aos seus fundamentos, sem existir
sequer a necessidade de sua meno na fundamentao.29
Assim, o mais importante analisar os precedentes conforme o seu maior ou menor
grau de eficcia ou de influncia. O grau mais alto seria aquele vigente no sistema ingls,
em que o precedente binding, isto , ele precisa ser seguido, exceto nas hipteses
(expressamente admitidas pelo sistema) em que ele no precisa ser observado. Em seguida,
tem-se o precedente que defeasibly binding, ou seja, ele deve ser seguido, desde que no
haja boas razes para seu abandono. Embora deva, o juiz tem liberdade para no seguir o
precedente, desde que exponha fundamentadamente as respectivas razes.30
O ltimo grau, existente em muitos sistemas de civil law, o do precedente weakly
binding, que ocorre quando se considera conveniente que se observe o precedente,
existindo at mesmo uma expectativa de que isso ocorra, mas no h qualquer
consequncia para o caso do juiz abandonar o precedente sem apresentar qualquer razo
para tanto. Seria o caso dos precedentes persuasivos geralmente previstos nos sistemas de
civil law.31
2.3.3 Ratio decidendi e obiter dictum
No so todas as questes discutidas no precedente que vinculam. Analisando a
dimenso objetiva dos precedentes, Michele Taruffo destaca os elementos da deciso que
29
TARUFFO, Michele, Dimensiones del precedente judicial, in Pginas sobre justicia civil, cit., p. 552.
30 Ibidem, p. 552.
31 No Brasil, embora se considere que os precedentes, em geral, no tm fora vinculante, mas apenas
persuasiva, pode-se dizer que, a partir da previso de julgamento de recursos repetitivos pelo STF e STJ
(arts. 543-B e 543-C do CPC), inseriu-se no sistema a necessidade de que os juzes e tribunais
fundamentem expressamente as decises em caso de no aplicao do precedente do STF e STJ, pelo que,
ainda que no sejam obrigatrios, no se pode afirmar que possam ser simplesmente abandonados.
32
tm maior ou menor poder de influncia, determinando o precedente. Fala-se, assim, na
ratio decidendi e no obiter dictum, para se referir, respectivamente, parte do precedente
que pode vincular e que assume funo meramente persuasiva.32
A noo de ratio decidendi ambgua na doutrina do prprio common law. Ela
pode significar a regra de direito emanada do caso (nfase na questo jurdica) ou a
qualificao dos fatos relevantes da controvrsia (nfase na referncia aos fatos). Isso sem
contar que a determinao da ratio decidendi depende em alguma medida da interpretao
do precedente, a ser realizada pelo juiz do caso posterior.
De qualquer modo, pode-se afirmar com certa segurana que a ratio decidendi
representa a razo jurdica que determina a deciso, ou seja, constitui a essncia da tese
jurdica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law).33
Por excluso, tem-se como obiter dictum tudo o que no constitui a ratio decidendi,
incluindo-se princpios jurdicos mencionados na deciso, mas que no a determinam,
observaes relativas aos fatos da causa e valorao das provas, invocao de fatos
alheios hiptese de fato objeto da controvrsia e at argumentos ad abundantiam. Os
dicta apresentam fora meramente persuasiva, conforme diversos fatores, como, por
exemplo, seu grau de influncia no contexto da deciso que os contm, a autoridade
intelectual da corte ou juiz que o proferiu, a sua razoabilidade.34
Desse modo, verifica-se que apenas o ncleo da fundamentao necessria e
suficiente para a deciso a ratio decidendi (na Inglaterra) ou holdin (nos Estados Unidos)
32
TARUFFO, Michele, Dimensiones del precedente judicial, in Pginas sobre justicia civil, cit., p. 547.
33 TUCCI, Jos Rogrio Cruz e, Precedente judicial como fonte do direito, cit., p. 175.
34 Estuda-se o precedente para determinar se o princpio nele deduzido constitui a fundamentao da deciso
ou to somente um dictum. Apenas os fundamentos da deciso merecem reconhecimento e acatamento com
fora vinculativa. Um dictum apenas uma observao ou opinio e, como tal, goza to somente de fora
persuasiva. Os fatores que afetam ou determinam o grau de persuaso que podem alcanar os dicta so
muitos e de diversa natureza. Que grau de pertinncia ou relevncia tem o dictum no contexto da deciso de
que integrante? A Corte ou o Juiz que o proferiu goza de especial respeito por sua sabedoria ou cultura
jurdica? O dictum razovel? (RE, Edward D., Stare decisis, cit., p. 9). Conforme Teresa Arruda Alvim
Wambier, obiter dicta ou gratis dicta significam literalmente: o que dito para morrer, o que dito por
nada, inutilmente. Tudo o que dito numa deciso e que no integra a ratio decidendi obiter dicta, e o
que dito obiter dicta tem um peso meramente persuasivo (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law, cit., p. 131).
33
que pode apresentar fora vinculante. As demais ponderaes, ainda que relevantes, so
dotadas de fora meramente persuasiva.
Por sua vez, vale ressaltar que, nos sistemas de civil law, mesmo a ratio decidendi
tem, em regra, eficcia meramente persuasiva, salvo se o prprio sistema jurdico, em
virtude de alguma previso expressa, excepcionalmente determinar a fora obrigatria do
precedente.35
2.3.4 Eficcias vertical e horizontal dos precedentes
A fora vinculativa do precedente no common law tambm depende da sua direo.
Isso significa que ela se altera conforme a relao (vertical ou horizontal) existente entre o
rgo prolator do precedente e o rgo que julga o caso sucessivo. o que Michele
Taruffo chama de dimenso institucional do precedente.36
Quanto ao critrio vertical, que se baseia na autoridade e no respeito do rgo que
proferiu a deciso, se o juiz do caso sucessivo encontra-se sob um grau hierarquicamente
inferior, o precedente ser vinculante.37
Por sua vez, quanto ao critrio horizontal, o precedente originado de rgo da
mesma hierarquia do juiz do caso sucessivo exerce fora meramente persuasiva, a qual
depender muito mais da qualidade intrnseca da deciso38
. No entanto, recomendvel
que, tratando-se de precedente originado das Cortes Superiores, ele seja, ao menos em
regra, observado tambm pelo prprio rgo, sob pena de perda da sua autoridade. Nesse
35
De fato, no Brasil, pas filiado ao civil law, a ratio decidendi dos precedentes exerce, em regra, fora
persuasiva e no vinculante (exceo feita smula vinculante e s decises do STF em sede de controle
abstrato de constitucionalidade, tal como expressamente ressalvado pela Constituio Federal).
36 TARUFFO, Michele, Dimensiones del precedente judicial, in Pginas sobre justicia civil, cit., p. 544.
37 Sobre o sistema ingls, Neil Andrews leciona: Existe uma hierarquia de precedentes nessa pirmide de
tribunais. Assim, as decises da House of Lords so vinculantes para todos os tribunais inferiores, incluindo
a Court of Appeal. As decises da Court of Appeal no so vinculantes para a House of Lords, que
superior na hierarquia. As decises da Court of Appeal so vinculantes no s para tribunais inferiores
(como a High Court ou as county courts), mas tambm para a prpria Court of Appeal. (ANDREWS, Neil,
O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resoluo dos conflitos na Inglaterra, cit., p.
40).
38 No sistema ingls, excepcionalmente precedentes de longa data, em qualquer nvel, dentro desta
hierarquia, podem adquirir fora considervel na medida em que se consagram como um princpio
fundamental (ANDREWS, Neil, op. cit., p. 41).
34
caso, fala-se no autoprecedente, que ocorre quando um mesmo rgo aplica seus prprios
precedentes.
Isso no exclui, e no deve excluir, uma certa dose de elasticidade, para que a Corte
Superior altere seus prprios precedentes, sempre que eles se mostrarem obsoletos em face
de mudanas das condies econmicas, sociais e culturais, ou at mesmo em face da
peculiaridade dos casos, apenas aparentemente idnticos.
Nesse sentido, Michele Taruffo menciona o Practise Statement de 1966, por meio
do qual a House of Lords inglesa passou a no se considerar mais vinculada aos prprios
precedentes (embora nas dcadas seguintes a referida Corte tenha continuado, na prtica, a
seguir os prprios precedentes na maior parte dos casos). Menciona-se tambm a prtica da
Suprema Corte dos Estados Unidos de geralmente selecionar para julgamento apenas casos
que possam dar origem a precedentes novos ou que possam superar precedentes antigos
que se tornaram obsoletos.39
2.3.5 Flexibilidade na aplicao dos precedentes: overruling e
distinguishing
Basta observar a possibilidade de a prpria House of Lords revogar seus
precedentes e a prtica da Suprema Corte dos Estados Unidos de superar precedentes
antigos que se tornaram obsoletos para se constatar o quo equivocada a ideia de que a
doutrina do stare decisis funda-se na fora vinculante irrestrita e absoluta dos precedentes.
Como j exposto, o princpio deduzido do precedente pode ser aplicvel ou no e,
em o sendo, essa aplicao poder se dar em diferentes graus. Com isso, embora o sistema
privilegie a igualdade e a previsibilidade (por viabilizar solues estveis e uniformes), ele
tambm se mostra flexvel, diante da necessidade de mudana e progresso.
39
TARUFFO, Michele, Precedente e jurisprudncia, cit., p. 150. Cappelletti tambm afirma ser necessrio
reconhecer que a doutrina do stare decisis pode ser aplicada de maneira muito flexvel, o que realmente
ocorre especialmente nos Estados Unidos, enquanto que na Gr-Bretanha a rigidez de sua aplicao
tambm tem sido atenuada ultimamente, entre outros motivos, pela famosa declarao do Lord Chanceler
que, em 1966, falando pela unanimidade da House of Lords, afirmou o poder daquela Corte de alterar a
prpria jurisprudncia (CAPPELLETTI, Mauro, Juzes legisladores?, cit., p. 122).
35
Da dizer-se que, segundo o stare decisis, no se altera o j decidido, sem motivos
extremamente relevantes, como a mudana da lei, ou a forte alterao das condies
jurdico-sociais subjacentes, que imponha reviso de alterao.40
Ou seja, havendo
motivos relevantes, ou sendo alteradas as condies jurdico-sociais inerentes ao caso,
perfeitamente possvel a reviso do precedente.
A respeito dessa flexibilizao, destacam-se no common law dois institutos
voltados a justificar a no incidncia do precedente ao caso sucessivo: o distinguishing e o
overruling.41
O distinguishing uma forma de se demonstrar que o caso, embora semelhante ao
precedente, apresenta peculiaridades que impedem a sua aplicao, exigindo-se a
apreciao do caso luz das novas questes fticas ou jurdicas no discutidas no
precedente. Note-se que, na verdade, no se trata de excepcionar a eficcia vinculante do
precedente, mas sim de demonstrar que o caso diverso, merecendo nova e diversa
soluo.
J o overruling refere-se superao do precedente em face da alterao das
circunstncias fticas e jurdicas que lhe deram origem42
. Aqui, o caso de superao e de
revogao do precedente por no ser mais conveniente a sua aplicao aos casos
sucessivos, dando-se origem a uma nova orientao.43
40
BENETI, Sidnei Agostinho, Doutrina de precedentes e organizao judiciria, cit., p. 4.
41 Conforme Michele Taruffo, mesmo no sistema ingls, que parece ser aquele no qual o precedente
dotado de maior eficcia, os juzes usam numerosas e sofisticadas tcnicas argumentativas, dentre as quais
o distinguishing e o overruling, a fim de no se considerarem vinculados ao precedente que no pretendem
seguir. [...] No sistema americano, a fora do precedente existe, mas em um grau menor: os juzes
americanos aplicam os precedentes com grande discricionariedade, ou seja por assim dizer quando no
encontram razes suficientes para no o fazer. O stare decisis continua a existir, portanto, e por isso os
juzes normalmente explicam porque no pretendem seguir o precedente: parece, todavia, claro que o
precedente tem eficcia s quando o segundo juiz dele compartilha. No caso contrrio, o precedente vem
overruled (TARUFFO, Michele, op. cit., p. 147).
42 THEODORO JNIOR, Humberto; NUNES, Dierle Jos Coelho; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo
Franco. Breves consideraes sobre a politizao do Judicirio e sobre o panorama de aplicao no direito
brasileiro: anlise de convergncia entre o civil law e o common law e dos problemas da padronizao
decisria. Revista de Processo, So Paulo, v. 35, n. 189, p. 42, nov. 2010.
43 Quando se detecta a necessidade de mudana, ou porque (a) se considera agora, a norma errada; ou porque (b) se considera agora a norma errada, embora ela no estivesse errada, quando foi criada, ocorre o
overruling. Esta uma das principais tcnicas, usadas no sistema de common law, para
adaptar/corrigir/flexibilizar o direito. [...] Overruling o afastamento do precedente e a declarao de que
este precedente foi superado. O overruling, porm, tambm pode ser implcito. Quando ocorre o
overruling, uma nova regra criada para os casos subsequentes. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law, cit., p. 135-136).
36
Conforme Antonio Carlos Marcato, existe tambm a possibilidade do retrospective
overruling (caso em que a revogao do precedente ter eficcia retroativa, impedindo-se
que a deciso anterior seja invocada como paradigma para casos pendentes de julgamento),
do prospective overruling (caso em que a Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica
revoga o precedente com eficcia ex nunc, de forma que sua revogao produza efeitos
apenas para casos futuros) e do antecipatory overruling (quando os tribunais inferiores
norte-americanos revogam preventivamente um precedente, sob o fundamento de que ele
foi repudiado, ainda que implicitamente, por precedente da Corte Superior).44
Ao seu turno, o distinguishing diferencia-se do overruling pelo fato de que,
naquela, a regra do precedente permanece, e at incide no caso sucessivo, embora com
adaptaes. Nesse sentido, a regra do precedente no abandonada, mas reformulada,
levando em considerao caractersticas especficas do caso.45
2.4 A valorizao da jurisprudncia no Brasil
Apresentados os principais conceitos relacionados teoria dos precedentes vigente
nos sistemas de common law, passamos a analisar a questo da tendncia de valorizao da
jurisprudncia no Brasil.
2.4.1 A necessidade de interpretao e o problema da divergncia
jurisprudencial
No exerccio da funo jurisdicional, o Estado, por meio do Poder Judicirio, julga
as controvrsias que lhes so submetidas, o que envolve a realizao de um silogismo:
valendo-se da premissa maior (direito objetivo) e da premissa menor (fatos da causa),
chega-se concluso a respeito da incidncia da norma ao caso concreto, com a aplicao
dos efeitos jurdicos que ela prev para aquela situao.
44
MARCATO, Antonio Carlos, Crise da justia e influncia dos precedentes judiciais no direito processual
civil brasileiro, cit., p. 154.
45 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e
common law, cit., p. 136.
37
Ocorre que a aplicao da lei aos fatos do caso concreto exige no s o trabalho
investigativo em relao apurao dos fatos da causa, mas tambm a atividade de
investigao do sentido das normas abstratas (premissa maior), nem sempre claros e
precisos46
. Assim, na sua atividade de julgador, o juiz tem que se valer da interpretao
para descortinar o sentido da lei (aqui considerada em seu sentido amplo) a ser aplicada ao
caso concreto.
Porm, ao realizar essa atividade interpretativa, embora o juiz exponha o raciocnio
que fez para aferir o sentido da norma abstrata aplicvel ao caso, certo que o faz tanto
quanto qualquer doutrinador ou cidado quando raciocina sobre o sentido do direito
objetivo, pelo simples fato de que esse entendimento s serve para justificar a deciso. O
seu valor est apenas na fora persuasiva que decorre da sua qualidade tcnica.47
Diferentemente dos motivos (onde se encontra exposto aquele raciocnio relativo
atividade interpretativa), a deciso do juiz, ou mais precisamente a sua parte dispositiva ou
decisum, tem peso oficial porque representa a norma jurdica concreta aplicada na soluo
do litgio. Tanto assim que s a parte dispositiva fica imunizada pela coisa julgada e, de
qualquer modo, essa imunizao restrita s partes do caso concreto, no alcanando
aqueles que no participaram do processo.48
No entanto, algo diferente ocorre na prtica, em que o peso da fundamentao das
decises muito significativo. Pela especial circunstncia de emanar dos rgos pblicos
incumbidos de declarar o direito subjetivo das partes, essa interpretao jurisdicional
realizada em determinado caso transmite a todos, no plano ftico, a convico de
corresponder ao sentido oficial da lei, inclusive para os casos