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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
PAULO LUIZ DURIGAN
PUBLICIDADE COMPARATIVA: INFORMAO PERSUASIVA
E CONCORRNCIA
CURITIBA
2007
PAULO LUIZ DURIGAN
PUBLICIDADE COMPARATIVA: INFORMAO PERSUASIVA
E CONCORRNCIA
Dissertao apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito das Faculdades Integradas
Curitiba, como requisito parcial para obteno do
grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Fbio Leandro Tokars
CURITIBA
2007
PAULO LUIZ DURIGAN
PUBLICIDADE COMPARATIVA: INFORMAO PERSUASIVA
E CONCORRNCIA
Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre
pelas Faculdades Integradas Curitiba.
Banca Examinadora constituda pelos seguintes professores:
ORIENTADOR: ______________________________________________
Prof. Dr. Fbio Leandro Tokars
______________________________________________
Prof. Dra. Mrcia Carla Pereira Ribeiro
______________________________________________
Prof. Dr. Carlyle Popp
Curitiba, fevereiro 2007.
Ana, Giuseppe, Joara, Marcelino e Odila,
para.
SUMRIO
1 INTRODUO. ............................................................................. 10
2 PRESSUPOSTOS METODOLGICOS ....................................... 13
2.1 METODOLOGIA E SUAS CRISES ............................................ 14
2.2 DELIMITAO E PERSPECTIVAS .............................................. 26
3 ASPECTOS DA ORDEM JURDICA DA ECONOMIA ................. 31
3.1 ORDEM ECONMICA CONSTITUCIONAL ................................. 32
3.2 PROTEO DO CONSUMIDOR .................................................. 39
3.3 LIVRE CONCORRNCIA ............................................................. 46
3.4 PROPRIEDADE INTELECTUAL ................................................. 56
4 PUBLICIDADE ............................................................................. 67
4.1 CARACTERSTICAS, ELEMENTOS ............................................ 68
4.2 NATUREZA JURDICA, FUNES .............................................. 73
4.3 AUTO-REGULAMENTAO ....................................................... 84
5 PUBLICIDADE COMPARATIVA .................................................. 95
5.1 BREVE HISTRICO ..................................................................... 96
5.2 APROXIMAES TERICAS ...................................................... 100
5.3 CONFORMAO LEGISLATIVA NACIONAL E ESTRANGEIRA 116
5.4 PRINCIPIOLOGIA ........................................................................ 136
6 CONTROVRSIA DOUTRINRIA ............................................... 162
6.1 DELIMITAO DA CONTROVRSIA ........................................ 163
6.2 USO DOS SIGNOS DISTINTIVOS: POSSIBILIDADE .................. 175
7 PUBLICIDADE COMPARATIVA E DIREITOS AUTORAIS .......... 190
8 PUBLICIDADE COMPARATIVA E CONCORRNCIA ................. 200
8.1 FALSIDADE .................................................................................. 202
8.2 DENIGRAO .............................................................................. 209
8.3 CONFUSO .................................................................................. 219
8.4 PARASITISMO ............................................................................. 226
8.5 PREDAO .................................................................................. 231
9 PUBLICIDADE COMPARATIVA E CONSUMIDOR ..................... 233
10 RESPONSABILIDADES E REMDIOS ....................................... 246
11 CONCLUSES ............................................................................. 252
12 REFERNCIAS ............................................................................ 258
ABREVIATURAS
CBAP - Cdigo Brasileiro de Auto-regulamentao Publicitria
CCB - Cdigo Civil Brasileiro
CDC - Cdigo de Defesa do Consumidor
CF - Constituio brasileira de 1988
CONAR - Conselho Nacional de Auto-regulamentao Publicitria
LDA - Lei dos Direitos Autorais (Lei 9610/1998)
LPI - Lei da Propriedade Industrial (Lei 9279/1996)
RICE - Regimento Interno do Conselho de tica do CONAR
RESUMO
Investiga-se a publicidade comparativa com o objetivo de averiguar seus
parmetros legais. Cuida-se, especialmente, de suas vinculaes com os
direitos do consumidor, com a propriedade industrial e intelectual e com o
direito concorrencial. Faz-se uso da principiologia, do direito comparado e de
dados da auto-regulamentao publicitria.
Palavras-chave: publicidade comparativa, concorrncia, propriedade industrial,
direitos autorais, consumidor.
RIASSNTO
Si studia la pubblicit comparativa con lobiettivo di verificare i suoi parametri
legali. Si presta attenzione, specialmente, ai suoi vincoli con i diritti dei
consumatori, alle propriet industriale, allautore e al diritto della concorrenza. Si
fa uso della principiologia, diritto comparato e dei dati dellautodisciplina
pubblicitaria.
Parole chiave: pubblicit comparativa, concorrenza, propriet industriale, diritti
dallautore, consumator.
ABSTRACT
The comparative advertising is investigated aiming to ascertain its
legal parameters. It is specifically taken care of its commitment with
the consumer rights, the industrial and intellectual property, and with
the competition law. Principiology, comparative jurisprudence and
advertising self-regulation are used herein.
Keywords: comparative advertising, competition, industrial property,
author's rights, consumer.
Os Drs. Carlyle Popp, Gisela Benitez e
Mrcia Carla Pereira Ribeiro deram
indicaes construtivas. O Dr. Fbio
Tokars, alm disso, sugeriu parmetros e
indicou aspectos problemticos. O Dr. Jair
Gevaerd mostrou a possibilidade de
elaborar discursos acadmicos no
burocrticos e menos cartesianos,
incentivou a imerso na metodologia e em
um estudo transdisciplinar. O redator
publicitrio Marcos Csar Portes forneceu
interessantes dados acerca de sua prxis
diria: agradeo, com certo retardo, por
ter-me deixado colaborar na elaborao de
um seu roteiro. Pela inestimvel ajuda com
a bibliografia lembro Antonio Fernando
Durigan, Edson Carlos Pereira, Joara e
Jos Biba. Giuseppe auxiliou-me no
entendimento de expresses da lngua
alem.
Sopinha boa, no gostosa a sopinha?
Ela vai te fazer bem, vai fazer bem.
Adorno,
Mnima moralia
10
1 INTRODUO
Dizer que no mundo contemporneo a Publicidade tem lugar de destaque
trusmo. Sobre ela muito j se fez, muito j se discutiu: seja ela o demnio
frankfurtiano da alienao, seja ela o front do desenvolvimento capitalista. Voltaram
os olhos para a Publicidade, para citar o mnimo, a economia, a lingstica, a
psicologia, a sociologia, a filosofia.
No Direito igualmente so abundantes as averiguaes. A grande massa de
estudos prima por observ-la atravs dos chamados direitos do consumidor. Ou,
melhor dizendo, por v-la pelo que aflige diretamente direitos do consumidor.
Poucas so as investigaes, no entanto, no mbito nacional, que permitam foc-la
tambm pelo aspecto jurdico-comercial. Menos ainda h aqueles que se dedicaram
especificadamente a indagar sobre a publicidade comparativa. Na raridade terica,
assim, uma primeira justificativa.
Sim. Mas porque v-la agora e o que ela traz de interesse?
H uma pliade de argumentos que lhe so favorveis e outros tantos
contrrios. Alm disso, ao passo em que no h, no mbito da legislao ptria,
norma que venha disciplin-la, acenam com restries alguns regramentos bem
dispostos e esmiuados da propriedade industrial e da concorrncia.
Nessas condies, no causa surpresa que as primeiras posies a respeito
tenham sido de tom-la como ilcita.1 Mas isso antes de elimin-la da realidade
empresarial, simplesmente a condicionou a um artifcio mimtico: de impregnar-se
no conceito de Publicidade em geral atravs do uso de frmulas superlativas, sem
indicao explcita do concorrente.
Todavia, se o Estado brasileiro no se pronunciou mesmo porque, em
momento que beira crise de identidade, deveria explicar-se sobre a convenincia
de sua atuao no mercado -, o mesmo no ocorreu com a atividade privada, a qual
se organizou e produziu cdigo prprio auto-regulamentar. E, no h porque negar,
a experincia da auto-regulamentao publicitria, no domnio que lhe se pode
cobrar resultados, deu-se bem.
1 No somente no Brasil: veja Gianpiero COCCIA (2004).
11
A auto-regulamentao, no obstante, embora rpida e desburocratizada,
no tem poder coativo e tampouco se pode esperar do organismo corporativo a
defesa (direta) dos consumidores.
Esse quadro, para bem ou mal, j de algum tempo sinaliza por mudanas.
que o incentivo norte-americano publicidade comparativa, desde a dcada de
setenta, chegou Unio Europia na forma da Diretiva 97/55/CEE, de 23 de
outubro de 1997 e se espalhou pelo Mercosul atravs da Resoluo 126/96.
Mas, se a publicidade comparativa, em algumas de suas formas, sempre
esteve presente, como se solucionaram os conflitos, de que maneira se portou o
Direito frente a esse fato da vida econmica?
Como se disse, a auto-regulamentao supriu a lacuna no campo normativo.
Ademais, nas vezes em que o Judicirio foi chamado a pronunciar-se,
seguidamente confirmou os preceitos do Cdigo Brasileiro de Auto-regulamentao
Publicitria. Ainda assim, dentre as modalidades publicitrias, a mensagem dita
comparativa permanece especialmente rotulada, observada e entremeada de
cuidados. Est, em nosso pas, em um canto da sala sob mirades de olhos.
A estas letras, agora.
razovel dizer que aquele que fala da publicidade comparativa com olhar
prioritrio na pertinncia jurdica, envolve-se com a Publicidade, com o Direito, e,
sobretudo, com sua prpria (meta)narrativa.2 Mas se for impossvel liberar o texto,
identificando as amarras desse sujeito preso na dinmica intertextual, ser o caso
de, pelo excesso, agrupar o maior nmero de vozes e extrair-lhes os pontos de
contato. Justificada a pesquisa bibliogrfica, sem, contudo, pretender eliminar o
contedo retrico.
No se espere que a narrativa melhor dizendo, a estruturao da pesquisa -
siga por uma linha neutra. Na realidade parte de um pensar pr-concebido que
acredita que a publicidade comparativa de interesse do consumidor (pessoa) em
razo de (i) lhe trazer mais e, eventualmente, melhores, informaes para o ato da
compra e (ii) de incrementar a concorrncia com a possvel conseqncia da
reduo de preos. Essas premissas levam, agora, neste incio, a imaginar que a
deciso que autorizar o uso da publicidade comparativa est conforme as normas
2 Da dissertao o que se pode dizer de um livro: Um livro no tem objeto nem sujeito; feito dematrias diferentemente formadas, de datas e velocidades muito diferentes. Desde que se atribui um
12
constitucionais, devendo inclusive sobrelevar-se eventual denigrao 3 derivada de
apresentar e divulgar marca ou nome do concorrente. No obstante, esta meno
no aviso de que vai se cuidar simplesmente de testar a hiptese: adverte-se
apenas de uma inteno (pr-conceito) que dirige sorrateiramente o estudo.
Assim, a pesquisa tentar superar os entraves a uma aplicao plena dessa
modalidade, inicialmente esquartejando-a, acertando conceitos, e indicando
elementos para reconstruo. Arriscar-se-, na seqncia, a ver a tenso que lateja
entre os princpios que regem a atividade publicitria para sugerir, ao final, os limites
lcitos. Quando assim o fizer, planeja elucid-los com casos trazidos da auto-
regulamentao e da jurisprudncia.
As linhas mestras, enfim, que iro amparar a investigao esto delineadas
pelo seu prprio ttulo. E este, por sua vez, repercute a linha de pesquisa desenhada
pela Instituio para a qual o estudo se apresenta, para quem a ampla circulao,
distributiva, dos benefcios da atividade produtiva e os meios pelos quais o Direito
garante o cumprimento desta funo, na concretude do modo de produo, o que
interessa linha investigar, criticamente.
livro a um sujeito, negligencia-se este trabalho das matrias e a exterioridade de suas correlaes(DELEUZE, 2002, p. 12).3 Porque denigrao e no denegrio? Marco Antonio Marcondes PEREIRA (2001) utiliza, comoaqui, o primeiro enunciado. Mas os dois vocbulos, ao que se viu, tem o mesmo significado, de formaque no se faz necessrio sustentar o uso exclusivo de uma das formas. Por razes meramenteestticas e, em homenagem a PEREIRA, utiliza-se aqui a primeira. Pode-se acrescentar quedenegrio aproxima-se mais de escurecimento ou de negro, conotao que pode ser evitada comdenigrao.
13
2. PRESSUPOSTOS METODOLGICOS
Evidentemente, seja qual for a forma investigatria, opera-se por cortes,
quebras, selees, aproximaes ou mesmo disperses, incentivos e promoes.4
H, a seguir, um mnimo levantamento sobre tais condies da pesquisa: primeiro, a
crise metodolgica e alguns aportes; depois, as solues que o presente estudo
quis adotar.
Como sistemtica, preferiu a dissertao adentrar ao aspecto da crise
transcrevendo uma anlise paradigma. Depois, e a partir dela, so indicados, com
vias a enriquecimento, outros entendimentos.
Ao final a dissertao pronuncia-se, escolhendo, acolhendo, rejeitando e
justificando os pilares que lhe serviro de sustento.
4 Isso, como diz humoristicamente Olavo de CARVALHO, talvez faa parte do desejo egoltrico deimpor preferncias, inerente a todo aquele que inicia um discurso (SCHOPENHAUER,1997, p. 17).Mas, a se ouvir DERRIDA (1973), h mais ainda: fica-se sob a influncia do universo de textos nascercanias e da influncia ou contingncia destes na escolha, formao e criao de outros.
14
2.1 METODOLOGIA E SUAS CRISES
2.1.1 Crise metodolgica e superao em Jair GEVAERD
O noticirio fala de um certo colapso dos mtodos e concepes tradicionais
de tratar e conceber o Direito.5
A notcia da crise tambm um convite resoluo ou, quem sabe, esses
termos estejam mutuamente enredados. Segundo Jair GEVAERD (2001, p. 139-
149), por exemplo, a extenso dela comportaria a ontologia, deontologia e
metodologia.6 Assim, ao e por diagnostic-la, GEVAERD quer san-la atravs de
uma parafernlia instrumental que inclui a trade peirceniana, a principiologia, tpica,
dialgica e mais, tudo assentado sobre uma base filosfica de origem apel-
gadameriana e orientado na direo do pragmatismo funcionalista.
Retenha-se um pouco a leitura neste ponto. que nos captulos posteriores o
texto estar concentrado na anlise de institutos legais e da partir para indicar os
limites legais do objeto estudado. Mas uma viagem assim, to repentina, nada
esconde alm na noticiada e pr-concebida utilidade includa na Introduo?
Veremos que h mais submerso. Pacincia.
Retornemos a Jair GEVAERD. Ele enfrenta as citadas crises partindo da
considerao do Direito como objeto cultural, prevendo que seja cognoscvel pela
teoria da comunicao via integrao de planos semiticos (sinttica, semntica e
pragmtica). De uma concepo de justia como equilbrio e de um Direito
5 Mas a movimentao no interior do Direito provvel consequncia. Consequncia de vetores taiscomo o giro lingustico-pragmtico, expresso que significa a virada filosfica em direo dalinguagem, a qual passa de objeto da reflexo filosfica para a esfera dos fundamentos de todo opensar (OLIVEIRA, 1996, p. 12). So passos que devem principalmente a NIETZSCHE,HEIDEGGER e WITTGENSTEIN.6 A primeira crise, ontolgica, cruzaria trs concepes (em brevssimo resumo): (i) Direito comoordem ou comando, oriundo do summa potestas, relacionado ao: contratualismo; (ii) Direito comosentido puro, mens legis, mens legislatoris, relacionado ao historicismo; e (iii) Direito como produtoelaborado do Estado moderno (norma), relacionado ao cientificismo positivista. segunda, de ordemdeontolgica, tambm corresponderia a um triplo modo de conceber o Direito: (i)a partir dojusnaturalismo humanista; (ii) a partir do jusnaturalismo sociolgico; e (iii) a partir do Estado unicista(positivismo). Por fim, a crise metodolgica perpassaria outros trs modelos: (i) Direito como lexcodificada e no como jus, encontrado na Escola da exegese e seu axioma: in claris cessatinterpretatio; (ii) Direito como sentido, da Jurisprudncia dos valores e interesses e Escola do DireitoLivre (frei Rechtshule); e (iii) Direito como Fhrernorm dos sistemas fechados (GEVAERD, 2001, p.139-149). Alm da obra indicada, h anotaes de aula.
15
destinado a resolver casos concretos, segue para o que denomina perspectiva
pragmtico-funcionalista (que ope, em ordem evolucionria, negao
totalitarista e ao reducionismo utilitarista), para, enfim, valorizar a eficcia jurdica
comprometida com a garantia de funcionamento da sociedade. Alm disso, de um
sistema jurdico aceito como aberto, mvel e amplo, mune-se da principiologia,
aliando-a a um vetor interpretativo da funo a ser localizado junto ao ramo de
Direito sob estudo (GEVAERD, 2001, p. 142-147).7
As formas de representao da justia atravs da histria, diz GEVAERD,
podem ser reduzidas a duas: justia como promoo, manuteno ou restituio (i)
da ordem ou (ii) do equilbrio. A justia como ordem, afirma, pressupe elementos a
priori, a assegurar a ordem prvia, estratificada em forma piramidal, na qual os
princpios e outras fontes tm valncia apenas integrativa. Sua legitimao estaria
no acerto, independentemente do resultado efetivo da prestao. Ao reverso, a
justia como equilbrio opera tanto elementos a priori (lex) como a posteriori (ius).
Em concepo aberta, tem figurao elptica na qual os princpios e fontes gozam
de autorizao retrica e argumentativa, com valncia primria. Sua legitimao
estaria na tentativa, estando o acerto vinculado pelos resultados efetivos da
prestao (GEVAERD, 2001 p. 165).
Mas como optar (e operar) metodologicamente entre ordem e equilbrio?
GEVAERD exige uma condio: seja a resposta detectada na prpria ordem jurdica
a operar, pela busca de um sentido dominante no senso comum terico. A ordem
Constitucional, por exemplo, estaria propensa (como sentido dominante),
recomposio da ordem, enquanto no Direito Civil prepondera a promoo do
equilbrio. Pode-se objetar, primeiro, que essas formas de classificar a justia nunca
ocorram puras ou que ao promover o equilbrio ocorre a restituio de uma certa
ordem; e ao recompor a ordem, ao menos no aspecto estrutural o equilbrio estar
satisfeito. Essas objees, entretanto, no so afastadas, mas aceitas e
assimiladas: equilbrio e ordem seriam duas faces de uma mesma moeda e se
resolveriam em sntese dialtica.
7 As crises tambm fazem parte das preocupaes de Antnio Menezes CORDEIRO, que asdenomina de os dilemas da cincia do Direito no final do sculo XX e que, ao seu lado, pretendecombater atravs (i) da definio do Direito como realidade cultural, (ii) da destinao do Direito aresolver casos concretos e (iii) do acesso via substantivao da linguagem, de um novo pensamentosistemtico e do combate ao irrealismo metodolgico (CANARIS, 1996, p. IX-CRIV).
16
Mais do que a soluo, o que se v de importante aqui, enquanto passo
metodolgico? A abertura do sistema, pelo ingresso de topoi (consenso),
introduzindo a tpica e a teoria da argumentao.8
Adiante. De acordo com a Teoria Pura do Direito, "proposies jurdicas so
juzos hipotticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido
de uma ordem jurdica - nacional ou internacional - dada ao conhecimento jurdico,
sob certas condies ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir
certas conseqncias pelo mesmo ordenamento determinadas (KELSEN, 2000, p.
80). Para GEVAERD, entretanto, antes de ser uma cadeia encadeada de axiomas,
o Direito fruto do atuar humano, e como tal, objeto cultural que se conserva e se
transmite. , ademais, jogo discursivo, como as demais prticas sociais,
comunicando-se atravs de sistemas de signos.
Exemplifica-se. GEVAERD toma o Direito como comunicao do Direito e
tenciona manej-lo atravs da trade de PEIRCE (sinttica, pragmtica e
semntica),9 embora ressalte que o far sempre em perspectiva de integrao.10
Pergunte-se, agora, quais as razes da adoo dessas ferramentas pelo doutrinador
citado (um mero exemplo). que GEVAERD, funcionalista, pretende livrar-se do
dilema deontolgico do Direito,11 dando-o como resolvido no horizonte semntico e
pr-pragmtico de cada definio jurdica. Eis, ento, porque insistentemente, pede
auxlio a GADAMER (que, como sabemos, ontologizou a hermenutica), para
sustentar a integrao de nveis que diz ocorrer quando da deciso jurdica (o que
8 Repare antes - que o consenso, em termos gadamerianos extrapola a noo das cincias sociais: algo que precede e constitui o ser.9 Vejamos o que tais nveis significam. A Sinttica trata da conexo dos signos entre si, interessando-se pelas regras de formao. Um enunciado que no sinteticamente bem formado no tem sentido(no vlido). Assim, no mbito jurdico, para GEVAERD, a sinttica predica as relaes entre osdiversos signos, reputando-as lcitas ou tolerveis. A Semntica cuida da relao entre os signos e osobjetos designados (denotados). Assim, um enunciado significativo na forma semntica se puderser verificvel (empiricamente). A semntica que, diz GEVAERD, coincide com as possibilidadescomunicativas extradas do signo, expressa a forma de pensar o Direito ou agir segundo ele. APragmtica se ocupa da relao entre os signos e os sujeitos (emissor e receptor), seu uso. Vale aquio contexto comunicacional. Este nvel, afirma GEVAERD (2001, p. 40-41), determinado pelasinelutveis relaes de poder efetivamente ocorrentes no meio social sintaticamente toleradas ouno coincide com o momento da efetividade e da definio da integrao entre planos. Note aimportncia dada ao nvel pragmtico, integrando os outros nveis talvez, melhor, sintetizando-osdialeticamente. Em 7.1, em nota de rodap, h um pequeno ensaio sobre o tema.10 Eis, novamente, a vertente gadameriana se impondo. Veja, especialmente, GEVAERD, 2001, p. 37-44.11 Eis os dilemas, incluindo o deontolgico: O que, de fato, o Direito? Por quais razes deve-seconduzir de acordo com o Direito? E, por fim, quais as condies para conhec-lo?. Aqui a citaorefere-se a anotaes de aula.
17
tambm tem sustentculo em APEL). A tpica ser o cimento que, a um s tempo,
agrega os tijolos lgicos e alinhava as eventuais imperfeies.
Foi citada, linhas atrs, a Teoria Pura. Na verso kelseniana o Direito um
sistema em forma piramidal, fechado, aprisionado pela lgica dedutiva das
matemticas.12 Sistema, ento, no qual unidade e ordem conformam sua coerncia
e permitem operaes lgicas, retricas e argumentativas.13 Como foi superada
essa noo tradicional?
Para GEVAERD (2001, p. 173), a noo de sistema, se for adequadamente
(i) ampla, (ii) mvel14 e (iii) aberta15, permite a comunicao da dinamicidade dos
fenmenos da vida, entre os quais o Direito figura em posio de destaque. Veja:
se o Direito no contm somente normas, mas tambm valores (sistema teleolgico-
axiolgico), sua unidade de sentido dada por estes, que esto fora do mbito da
lgica formal (CANARIS, 1996, p. 31-32).16 E no somente fora desse mbito como
12 Para Antonio Menezes CORDEIRO a idia de sistema (...) a base de qualquer discurso cientfico,em Direito. Isto porque haveria uma necessidade mnima de (i) racionalidade na dogmtica, (ii)identificao das instituies com sistemas de aes e de interaes, (iii) do prprio direito como umsistema de comunicaes, (iv) o apoio sociolgico da estruturao jurdica, (v) o tipo de pensamentodos juristas e (vi) a necessidade do Direito utilizar uma linguagem inteligvel e redutora, sob pena deinabarcvel complexidade (CANARIS, 1996, p. LXV-LXVI). A citao est na introduo edioportuguesa. No mesmo sentido o prprio CANARIS (1996, p. 18-23), para quem a idia do sistemajurdico vincula-se ao princpio da justia, da igualdade e na tendncia para a generalizao. E,igualmente quando cita SAUER: Apenas o sistema garante o conhecimento, garante a cultura.Apenas no sistema possvel verdadeiro conhecimento, verdadeiro saber. H.J. WOLFF: A Cinciado Direito sistemtica ou no existe (1996, p. 5). Essas posies no devem ser tidas comodefinitivas, entretanto. As concepes de DELEUZE e GUATARI (2002, p. 15-25) acerca doparadigma rizomtico, depem definitivamente contra elas. Sem cair em decantado erroantropomrfico, mas apenas como refutao, de dizer que na natureza h fractais e no retas. verdade, entretanto, que ainda no se lanaram os marcos tericos para a apropriao de talparadigma nos limites da cincia jurdica.. Porm, no se trata, todavia, de tediosa e gratuitaimportao de tagarelice acadmica. Basta ver, por exemplo, Boaventura de Sousa SANTOS (2001,p. 79) e sua orientao para que se aceite um nvel de caos decorrente da negligncia relativa doconhecimento-regulao. Acrescente-se que embora seja possvel dizer que a problemtica tpicaseja assistemtica, esse ponto de vista estaria limitado aos sistemas dedutivos e no a todo equalquer sistema, podendo at mesmo se aceitar um sistema tpico (?), conforme afirma o prprioVIEHWEG (apud CANARIS, 1996, p. 243). Adicione-se, por fim, que alguns, como Neusa DemartiniGOMES (2003, p. 11-12) acreditam que tambm a Publicidade faz parte de um sistema publicitrio,sendo que deste, alis, decorreriam dois subsistemas: o processo de planejamento e o processode comunicao.13 H duas caractersticas que emergiram em todas as definies: a da ordenao e a da unidade(CANARIS, 1996, p. 12).14 A mobilidade significa a igualdade fundamental de categoria e a mtua substituibilidade doscritrios adequados de justia, com a renncia simultnea formao de previses normativasfechadas. O sistema mvel estaria entre as previses normativas rgidas e as clusulas gerais(CANARIS, 1996, p. 281-282).15 A abertura tem a ver com a incompletude do conhecimento cientfico e a mutabilidade dos valoresjurdicos fundamentais (CANARIS, 1996, p. 281).16 Tambm citado in GEVAERD, 2001, p.182. Da que os sistemas, como o de KELSEN, ditos puros,seriam imprprios para traduzir a unidade interior e a adequao de uma ordem jurdica (CANARIS,1996, p. 27).
18
tambm em uma ordem jurdica extralegal (GEVAERD, 2001, p.196), pois muitos
dos princpios e valores fundamentais no estariam apoiados na lei, mas seriam,
antes, inspirados por ela. E o que mais dificultaria, princpios tais que no se
deixariam extravasar facilmente, dependentes de uma ordem histrica tal regulada
pela situao do direito legislado e da conscincia jurdica geral (GEVAERD, 2001,
p. 204-205). Certamente, se assim for, os atributos do sistema jurdico residem na
amplitude, na mobilidade e na abertura.17
a noo de sistema que permite, segundo GEVAERD, filtrar os elementos
(lgicos, retricos e argumentativos) trazidos para o mbito da deciso.18 a
17 Judith MARTINS-COSTA (2000, p. 275), por seu turno, aceitando que a expresso sistema aberto(ou de auto-referncia relativa) constitui-se uma contradictio in terminis, na medida em que aberturaimplicaria assistematizao , prefere que assim defini-lo: modelo de sistema que, embora guardandoas propriedades fundamentais da reunio dos elementos que o compem, da relao ordenada entreestes (e da a idia de ordem) e unidade entre os elementos e no a mera justaposio, porque oselementos supem uma certa identidade, caracterizada em especial sob o aspecto da no-identidadecom o que est fora do sistema -, permite a contnua absoro dos dados e elementos que esto ssuas margens, promovendo, em relao a estes, uma permanente ressistematizao. Na verdade adoutrinadora trata da corrente de pensamento que define a teia social como um sistemaautopoitico, no qual cada componente participaria da produo ou transformao dos demaiselementos: enfim, um sistema que produz e ao mesmo tempo produzido. A nfase desse pensarreside na autonomia: um sistema autopoitico ser autolimitador, autogerador e autoperpetuador. Atmesmo por isso, as relaes com os demais sistemas sero consideradas como rudos. A crticaestaria em que embora um sistema autopoitico possa ser, de certa forma, aberto, j que admiteinputs externos, em um sistema aberto a interferncia de elementos externos intrnseca ao prprioconceito e no um acidente. Ou seja, o fato de um sistema ser aberto significa no apenas que ele seempenha em intercambiar com o meio, mas tambm que esse intercmbio um fator essencial, quelhe sustenta a viabilidade, a capacidade reprodutiva ou a continuidade e a capacidade de mudar. No, ento, o caso do sistema autopoitico (BUCKLEY, 1996, p. 81). Segundo Judith MARTINS-COSTA(2000, p. 28), levando em conta afirmaes de LUHMANN, um sistema autopotico fechadoporque no h entradas (inputs) ou sadas (outputs) para o meio ambiente onde situado, mas fechado apenas do ponto de vista de sua organizao, uma vez que os elementos componentes dosistema interagem atravs do meio: globalmente visualizado o ambiente social como sistema,considera-se que a situam diversos sub-sistemas, ou sistemas funcionais (entre os quais o jurdico),que operam como meios, uns em relao aos outros.18 Como se atualiza um sistema com tais caractersticas (mvel, amplo e aberto)? A atualizao estna capacidade em reconhecer problemas e de responder a eles. O sistema ser to capaz deatualizar-se quanto for flexvel sua estrutura. Um sistema de regras oferece melhor controle, mas menos flexvel. Um sistema de princpios seria por demais elstico, com risco da perda da percepoda unidade interna. Assim, um modelo que seja capaz de atuar tanto com regras e princpios permitirajustar a tenso contnua entre os valores da permanncia e da mudana, da previso e da surpresa,do controle e da resistncia, sem se quebrar e sem se esgarar, como seria o certo com um modelode sistema normativo formado apenas por princpios. Em que momento se d essa atualizao?Pode-se dizer que o sistema jurdico est em constante atualizao. Mas h um clmax onde ocorreum ajuste de foras. que o ordenamento jurdico est in potencia enquanto no enfrenta osproblemas jurdicos nunca em ato. o problema, o conflito, que exige a fixao do sentido atravsda interpretao (TURA, 2005). Da o termo concreo, que passa pela interpretao doordenamento em potncia e dos conflitos em latncia e vai at a deciso, momento em que oordenamento gira, movimenta-se, atua, modifica, realiza-se. Disto pode-se dizer que o Direito vigente a totalidade do sentido das proposies jurdicas concretizadas (LARENZ apud GEVAERD, 2001,p. 185).
19
figurao de sistema (aberto, mvel, amplo) que permite a integrao da
principiologia e da jurisprudncia.
Mas essa abertura cobrar de GEVAERD um realinhamento interno. Esse
realinhamento ser obtido atravs de algumas noes: (i) da ordem jurdica
extralegal, que leva a principiologia a considerar a idia de direito, a natureza das
coisas, a conscincia jurdica geral e uma ordem jurdica imanente; e (ii) pela
criao de um constructo, o instituto (ex: famlia, propriedade, contrato), que seria
dado ao legislador. Por fim, novamente com GADAMER, exige-se um intrprete
historicamente situado e preso fundamentao.19
2.1.2 Enriquecendo a anlise
As anlises de Jair GEVAERD foram tomadas como exemplo de diagnstico
e superao das intituladas crises no Direito.
O que se viu, inicialmente, a exigncia de uma abertura nos modos de ver,
entender, elaborar e agir conforme o Direito. E, se as solues, via de regra,
seguem o rumo das pesquisas lingsticas, por conseqncia abrem espao para a
assimilao de concepes tais como (i) a semiologia de SAUSSURE, (ii) a
semitica e trade discursiva de PEIRCE, (iii) a linguagem ordinria e teoria dos
jogos da linguagem de WITTGENSTEIN, (iv) a linguagem ordinria e teoria dos atos
de fala de AUSTIN e SEARLE, (v) as hermenuticas de GADAMER, APEL,
HABERMAS e RICOEUR e (vi) a pragmtica discursiva de FOUCAULT.20
A metodologia jurdica passa a ser, ento, revitalizada, alimentando-se de
diversas fontes.
Mas, a se ver o caso citado, a centralizao em textos de APEL e GADAMER,
por vezes descuida de atentar que a prpria linguagem tem uma funo normativa
intrnseca prpria, exclusiva includente. Como assim? Se no discurso do Direito
est implcita sua transgresso (por exemplo, a norma que probe o homicdio o
aceita como existente), a linguagem s adquire o poder de denotar um segmento
de realidade na medida em que tem tambm um sentido na sua no-denotao (isto
, como langue distinta da parole). Em outras palavras, a linguagem pressupe o
19 Ver, especialmente, GEVAERD, 2001, p. 204-205.
20
no-lingstico como aquilo com que deve poder manter-se em relao virtual (...)
para o poder depois denotar no discurso em ato, tambm a lei pressupe o no-
jurdico (...) como aquilo com que ela se mantm em relao potencial no estado de
exceo. Assim, com AGAMBEN (1998, p. 28-30), possvel concluir que a
estrutura particular do Direito tem o seu fundamento nesta estrutura de
pressuposio prpria da linguagem humana, que essa estrutura exprime o vnculo
de excluso inclusiva a que est sujeita uma coisa pelo fato de ser linguagem, de
ser nomeada.21
FOUCAULT, de outra vista, dir que o Direito perfaz-se atravs de uma
gesto (gerenciamento, redistribuio) de um conjunto de tticas. Por ser gesto,
ele nem reprime e de fato nem interdita, mas incita e produz. Mas por ser gesto,
ele incita e produz em uma direo preponderante (por isso mesmo h uma
tolerncia consentida). Tambm por este motivo, ele colocaria sempre o sujeito em
um local, um local estratgico (assim mvel, no-definitivo, j que impossvel, e
nem mesmo interessante para os fins da gesto, gerir em todos os aspectos as
individualidades). Pode-se falar, ento, da estratgia de um jogo discursivo do
Direito, orientado para (a circulao de) homens e coisas. Tambm nesse sentido o
Direito funcional. E tambm nesse sentido pode-se falar, em uma reduplicao de
instncias, na existncia de um modo-de-produo22 do Direito.
Como se v, em AGAMBEN e em FOUCAULT h nfase em uma certa
produo de sentido: isso nos remete para os permetros cuidados pela
hermenutica. Seguiremos com ela, ento, mais um pouco, agora com RICOEUR e
MLLER.
RICOEUR (1996, p. 92-93) acredita que o nosso pertencimento histria no
exclui a possibilidade do saber. A conscincia desse pertencimento, ao contrrio,
abriria a possibilidade do distanciamento. Mas ao custo de um saber parcial,
fragmentrio, insular em uma palavra atravs de perspectivas.23
20 A respeito, especialmente, DELEUZE, 1998.21. Quer-se demonstrar que o caminho de ida (norma como linguagem) consentneo com o doretorno (linguagem como norma).22 Sobre o conceito de modo-de-produo veja, de modo especial, GEBRAN, 1978 e SWEEZY, 1976.23 A posio de RICOUER, no aspecto especfico da possibilidade de saber via distanciamentohistrico, contrria de GADAMER. No entanto, o seu pensamento, como um todo, procura situar-se em local intermedirio a HABERMAS e GADAMER. Repare, alis, que GEVAERD constantementefaz uso do enunciado perspectiva.
21
Sua soluo parte de uma elaborao da noo de texto, pois ela que
produz o distanciamento necessrio noo de objetividade, mas no interior da
historicidade da experincia humana. RICOUER (1990, p. 51-52), ento, organiza a
problemtica em torno de cinco temas: a efetuao da linguagem como discurso, a
efetuao do discurso como obra estruturada, a relao da fala com a escrita no
discurso, a obra do discurso como projeo de um mundo, o discurso e a obra do
discurso como mediao da compreenso de si. Tomemos a noo de obra. O
discurso, que produzido e trabalhado, obra, objeto de uma techne. Se o discurso
efetuado como evento mas compreendido como sentido, a noo de obra media,
na prtica, a irracionalidade do evento e a racionalidade do sentido. Apreender uma
obra como evento seria captar a relao entre a situao e o projeto no processo de
reestruturao. Assim, a objetivao do discurso na obra e o carter estrutural da
composio, levam a crer que a explicao o caminho obrigatrio para a
compreenso E conclui: a interpretao a rplica desse distanciamento
fundamental constitudo pela objetivao do homem em suas obras de discurso,
comparveis sua objetivao nos produtos de seu trabalho e de sua arte.24
Por fim, considerando que a conscincia hermenutica est voltada para um
consenso que nos precede (est-a), a conscincia crtica antecipa o ideal da
comunicao sem limite e sem entrave. Disto a concluso: a tarefa da reflexo
filosfica colocar ao abrigo das oposies enganadoras o interesse pela
emancipao das heranas culturais recebidas do passado e o interesse pelas
projees futuristas de uma humanidade libertada (RICOEUR, 1990, p. 145-146).25
Em sentido semelhante, Friedrich MLLER repousa sua Teoria Estruturante
sobre a idia fundamental de que a norma jurdica no se identifica com o texto-de-
norma (texto de lei, texto da Constituio, ou o prprio texto da prescrio
costumeira), mas que ela o resultado de um trabalho, no sentido econmico,
produtivo do termo,26 trabalho de extrao da norma a partir do material bruto dos
textos: trabalho de construo. Para a Teoria Estruturante absurdo pensar que a
norma pr-existe ao trabalho do jurista (o trabalhador do Direito), da mesma forma
como seria intil pensar que a casa j faria parte do projeto do arquiteto (MLLER,
24 Tambm Hilton JAPIASSU, no prefcio da mesma obra (RICOEUR, 1990, p. 11).25 No se ir alm, aqui. Mas a condensao do pensamento de RICOEUR pode t-lo tornadoincompreensvel. Recomenda-se a leitura de Interpretao e Ideologias.26 Essa conotao, como assinala o tradutor brasileiro, dada pela palavra Leistung, utilizada em vezde Arbeit. Ver MLLER, 1995, p. 15.
22
1996, p. 14).27 A norma deve ser formulada para o caso concreto a partir de um
trabalho sobre os textos, de uma parte, isto , sobre os dados lingsticos
(Sprachdaten) e de um trabalho sobre os dados factuais, reais (Realdaten).28 Esse
duplo trabalho mostra a estrutura da norma imersa em um programa normativo
(resultado do trabalho de interpretao) e um campo normativo (resultado de um
trabalho de anlise do segmento da realidade concernente). Nesse sentido,
defende, pode-se dizer que se concebe a norma como modelo de ordem
factualmente condicionada. Nestas condies, a normatividade uma qualidade
dinmica da norma, adstrita sua relao com a realidade: a norma ordenar uma
realidade ao mesmo tempo em que , parcialmente, determinada por ela. Mas ainda
que determinada, condicionada, impregnada pela realidade concreta que ela
ordena, a norma no absorvida dentro do dado concreto, mas contm tambm,
como modelo de ordem, um momento programtico relacionado interpretao dos
textos (MLLER, 1996, p.15-16). A partir de anlise da jurisprudncia da Corte
alem, MLLER constata que, no processo de deciso, o segmento da realidade
social concernente discusso (campo factual) fornece argumentos to decisivos e
motivadores da soluo do caso, que h, na verdade, uma co-participao desses
elementos de fato.29 Assim, por exemplo, a natureza das coisas acaba no se
comportando como critrio de verdade, mas como um artifcio para que sejam
27 MLLER, alis, como se v de observao na obra, emprega o termo chantier (canteiro de obras),com o que se vislumbra que a Teoria Estruturante no dada uma vez por todas, completada epronta a ser empregada. Em outras palavras, no uma teoria de justificao do Direito, mas de suaproduo. O trabalhador do direito - outro enunciado tpico de MLLER -, por analogia, seria entoantes o peo de obra, o carpinteiro, o pedreiro, que propriamente o arquiteto ou o engenheiro.Poderamos ir mais longe nessa na analogia, a ser ver o fato de que, via de regra, negado aotrabalhador (braal, principalmente) o acesso obra concluda.28 No se cr haver incompatibilidade do pensamento de MLLER, no seu todo, e a Teoria dosPrincpios: ora, no sentido que a dissertao frisa, estes no so apriorsticos, mas descobertosatravs do ordenamento pela contingncia do enfrentamento do caso concreto, de forma que e adeciso tambm tomada como um processo de construo. A descoberta de princpios , assim,um processo hermenutico. Repare que o prprio GADAMER (1997, p. 88) afirma, em sentido muitoprximo ao de MLLER, que nosso saber acerca do direito e dos costumes sempre sercomplementado a partir de cada caso particular, sim, ser at mesmo determinado produtivamente.Judith MARTINS-COSTA (2000, p. 276), por sua vez, referindo aos cdigos, comenta acerca do mitoda identidade entre a norma e seu texto.29 de certa forma o mesmo que afirma Theodor VIEHWEG ao dizer que o problema toma econserva a primazia. Respeite-se que VIEHWEG (1979, p. 98-99) prefere proposies diretivas outopoi a princpios. Judith MARTINS-COSTA (2000, p. 270), a seu lado, afirma que os fatos seencarregaram de provar que o direito nunca esteve exatamente encerrado nos cdigos, e ajurisprudncia nunca se reduziu a uma mera exegese, tendo sido, ademais, descoberto que oprprio raciocnio subsuntivo no dispensa um certo grau de criao, abalando-se, com isso, apretensa exatido desse mtodo hermenutico. Em sentido oposto, a crtica de LARENZ (1997,p.183): Da estrutura material das relaes de vida no se podem inferir quaisquer conseqncias
23
considerados os dados sociais reais que formam o contexto do caso tpico a
resolver. No fundo a natureza das coisas no seria mais que um slogan mutvel,
desprovido de funes, a ser apreciado segundo procedimentos variveis. que
nos julgamentos o juiz no se coloca a questo de saber o que uma norma, mas
antes sobre as condies prticas de realizao do Direito. Dessa forma o atributo
normativo, no sentido pleno do termo, envolve tudo o que orienta para a soluo
do caso (MLLER, 1996, p. 14-62).
2.1.3 A principiologia
Falou-se at aqui sobre o Direito como sistema (aberto, mvel, amplo), sobre
o texto e a construo de sentido, e sobre a normatividade, como qualidade
dinmica da norma (ordenamento e adstrio aos fatos).
Se a norma necessita ser construda diante de cada caso concreto e se os
fatos tm tal papel preponderante como afirma MLLER -, devemos obter
condies para que o mundo da vida venha, de alguma forma, integrar a deciso,
o que pode ser realizado, como tambm cr GEVAERD, atravs da principiologia.
No deixa de ser, alis, essa a orientao de LARENZ (1997, p. 191): onde quer
que a jurisprudncia transcenda os quadros traados pela lei, apelar
necessariamente a pensamentos jurdicos gerais ou princpios que retira ou
pretende retirar da prpria lei.
Mas se tanto um ordenamento kelseniano, burocratizado, j no mais
aceitvel, um ordenamento composto apenas de princpios seria altamente
imprevisvel. O dilogo com a realidade, considerando os aspectos de ordem e
equilbrio, ento melhor se procederia atravs de modelo que considere princpios e
regras.
Porm, mesmo assim, quais seriam as caractersticas dos princpios?
Naturalmente, elas variam de acordo com o objeto a ser enfrentado. Veja-se o caso
dos princpios mercantis societrios. Seriam: (i) incontveis, (ii) mutantes: segundo
as mudanas de perspectiva de enfoque, (iii) mveis: segundo movimento
diafragmtico de relaxamento ou tenso, (iv) interdependentes: sujeitos
para a regulao e para a deciso concreta de um problema de regulao. No entanto, isso
24
complementaridade, integrao, mxima permeabilidade, (v) ambivalentes quanto
direo do caminho de sua formulao (GEVAERD, 2001, p. 281-282).30
Operveis, portanto, e perfeitamente identificveis com um sistema aberto, os
princpios so como a polpa do sistema. Alm de condensarem valores de um
momento histrico, do unidade ao sistema jurdico e condicionam o trabalho
interpretativo. No a ponto de endurec-lo, no a ponto de liquefaz-lo: mas o
elemento informe que o sustenta e o mantm.
Importa distingui-los. No correspondem, diz Marco Antonio Ribeiro TURA
(2005) a axiomas, tomados estes como frmulas lgicas auto-evidentes, que
necessitam de comprovao. No so postulados, continua, pois no so condies
de possibilidade de conhecimento de determinado objeto. E tambm no so
critrios, a dizer respeito s condies de aplicabilidade das normas. Princpios,
finaliza TURA, diferem de valores: tm carter deontolgico, e, como tal, cabem por
serem devidos enquanto aqueles so observados por serem melhores.
Diferem tambm das regras. Os princpios no esto aparentes, mas so
descobertos atravs do ordenamento.31 Embora as normas possam ter textura
aberta, elas tm uma aplicao precisa e determinada, enquanto que dos princpios
no se pode tecer enumerao prvia. Princpios so sempre vlidos, ao contrrio
das normas.
Entre as regras os conflitos se resolvem no mbito da validade, atravs de
um juzo de excluso que considera critrios lgicos, cronolgicos e topolgicos. A
coliso entre os princpios resolvida via ponderao. E justamente esse jogo de
ponderao que faz demonstrar que o princpio sempre relacional s regras, ao
caso e aos outros princpios (TURA, 2005).
bom deixar claro, no entanto, que essa apenas uma das formas de ver a
principiologia. Marcelo Campos GALUPPO (1999, p. 191-209), por exemplo, afirma
precisamente o que pretende Friedrich MLLER.30 Esses seriam os atributos, mas quais seriam eles? Alguns, em tom exemplificativo, retirados daobra citada: princpios da funcionalidade e incorporao (da escassez e necessidade, da eficincia,lucratividade e risco, da licitude, do aporte, da identidade do patrimnio incorporado, da veracidade donome social, da affectio societatis, da causa, da suficincia patrimonial, da intangibilidade do capitalsocial), do funcionamento, conservao e defesa (da proposio por aparncia, da delegaoconsensual, da gesto por pessoa natural, da gesto pelo incorporador, da ampla informao, dainatangibilidade da clusula de administrao, etc), da dissoluo e liquidao.31 assim que pensa ESSER (aqui citado por LARENZ): O princpio jurdico, no sentido que ESSERlhe atribui, descoberto originalmente no caso concreto; s depois se constitui numa frmula quesintetiza uma srie de pontos de vista que, nos casos tpicos, se revelam adequados. (...) Mas para
25
serem trs as correntes doutrinrias que discutem acerca da natureza dos
princpios. A primeira os identifica com normas gerais ou generalssimas de um
sistema (DEL VECCHIO, BOBBIO). Uma segunda, defendida por ALEXY, os aceita
como mandados de otimizao, ou seja, que ao contrrio das regras, dizem sobre
algo que deve ser realizado na maior medida possvel. Nesse caso, conflitos entre
princpios s tm existncia e soluo no caso concreto. Devem ser ponderados,
cabendo-lhes a lei da ponderao e a lei da coliso. E, por fim, uma terceira teoria
identifica os princpios com normas cujas condies de aplicao no so pr-
determinadas (HABERMAS, DWORKIN, Klaus GNTHER, KOHLBERG), alm do
que, por serem concorrentes, no poderiam ser ponderados, mas sujeitos a um
juzo de adequabilidade.
ser aplicado, o princpio precisa ainda de cunhagem judicial ou legislativa (LARENZ, 1997, p. 192-193). Note a semelhana com MLLER, na discusso do tpico precedente.
26
2.2 DELIMITAO E PERSPECTIVAS
Sugeriu-se, at aqui, a partir da doutrina, a existncia de uma crise
metodolgica que envolveria o Direito.32 Como tentativa de super-la foi
apresentado o pensamento de Jair GEVAERD, o qual foi enriquecido como noes
de AGAMBEN, FOUCAULT, RICOEUR e MLLER.33 A partir do dilogo com as
concepes apresentadas, cogita-se, agora, construir parmetros que, no geral,
orientem a pesquisa.
2.2.1 Perspectivas da dissertao
Assim a dissertao:
a) aceitar a noo de saber por perspectivas. Todavia, acreditando ser
possvel o distanciamento,34 exige, como condio, a necessidade de criticar-
32 H quem diga, entretanto, que a cincia, como um todo, passa por uma reviso de paradigmas: verBoaventura de Sousa SANTOS (2001) ou mesmo, antes dele, KUHN e POPPER.33 A discusso, em muito, residiu ao redor da problemtica da linguagem. Como afirma ManfredoArajo de OLIVEIRA (1996, p. 11), a linguagem tornou-se a questo central da filosofia. Contudo,observe-se a crtica de Jos Eduardo FARIA (1991, p. 32): embora faa crtica global ao positivismonormativista, tais abordagens se limitam a apontar o carter arbitrrio subjacente s convenes eaos jogos de linguagem da dogmtica jurdica, no extraindo da todas as concluses possveis(como, por exemplo, a identificao de quem se vale desse tipo de arbtrio para impor sua vontadesob a forma de normas abstratas, gerais e impessoais, ou, ento, o desenvolvimento de argumentoscapazes de neutralizar tal arbtrio e a prpria ideologia pelo meio da qual ele ocultado), essacontribuio dos adeptos da filosofia analtica e da filosofia da linguagem tem sua importncia. Nomesmo caminho, as devassadoras palavras de Rosemiro Pereira LEAL (2002, p. 103): o saberobjetivado de um eu transcendental ou de um eu emprico (situado) indicativo do que seja vlido paratodos, sem qualquer mediao jurdico-procedimental-fiscalizatria e opervel pelos destinatrios dosjuzos normativos advindos das decises legiferativas, no teria nexum ilocucionrio para umacompreenso do ordenamento jurdico de direito democrtico cuja falibilidade seria corrigida no porum procedimento contnuo de uma luta social (poltica) nos pores do direito positivado, mas pelodevido processo constitucional institucionalizado e aberto ao direito-de-ao incondicionado extensivoa todos (controle amplo e irrestrito de constitucionalidade. No entanto, FOUCAULT (1979) mostrousuficientemente quo disperso o poder para que se possa identificar com a rapidez e facilidade osempre procurado sujeito; tambm deixou claro que o poder no somente coercitivo, mas produzsaber. Remete-se, entre vrias obras possveis, no mnimo Microfsica do Poder. Acredita-se,portanto, que essas vises que ora apresentam-se em parte conflitantes, na verdade se integram e secomplementam e, de fato, poder-se-ia cogitar, para alm de Rosemiro, de um processoconstitucionalizado mas tambm participativo. O tema no foi esgotado: apenas introduz e alerta oLeitor, convida-o reflexo, ao passo que a dissertao coloca-se - ela prpria -, no plano de uma,entre outras possveis, vias ou perspectivas.34 E, ento, tambm ser possvel a crtica (ver RICOEUR, 1996, p. 92-93).
27
se a si mesma, dobrar-se. Por isso mesmo prefere (i) expor vrios
entendimentos simplesmente testar uma hiptese, (ii) indicar a opinio
preconcebida, (iii) aceitar as limitaes inerentes pesquisa bibliogrfica.
b) far uso de topois, estes relevados nas opinies majoritrias da doutrina,
da jurisprudncia, no direito comparado, e nas decises da auto-
regulamentao.
c) entender que a deciso judicial, clmax que pode integrar os momentos
gnoseolgico, deontolgico e ontolgico do Direito,35 tambm marcada
pelas comunicaes do modo-de-produo (Direito como superestrutura). Por
tal razo caso, antes, de despertar os enunciados interditos ou mesmo
reabilitar aqueles que, pela sua promoo, multiplicao e disperso,
resultaram diludos e ineficazes. Da porque, na Introduo, utiliza o termo
pessoa em conjunto com consumidor.
d) utilizar a principiologia: porque consentnea com uma figurao
sistemtica aberta, mvel e ampla. Ainda assim, sugere certa restrio a seu
uso. Os princpios talvez possam livrar-se de um neokantismo manifesto36
desde que sejam tidos como lgico-retricos (argumentos, afirma
GEVAERD) e descobertos atravs da legislao.37 por considerar este
sentido, sem, por outro lado, vincular-se a um positivismo crnico, que a
dissertao faz meno concreo nos moldes ensinados por Friedrich
MLLER.38
e) aceitar a interpretao constitucional manifestando-se em todos os
meandros do Direito. Uma viso sistemtica pressupe que perante um
problema todo o arcabouo passe a operar.39 Mas isso no isola uma
concepo piramidal: apenas enuncia como vetor, em qualquer ramo do
35 o que GEVAERD, por exemplo, pretendeu realizar atravs da teoria da linguagem. Vejaespecialmente GEVAERD, 2001, p. 41.36 O que, alis, consentneo com GADAMER e APEL: K.-O. Apel perseguiu com mais constnciaesse interesse, porque seu programa de uma transformao da filosofia se orienta at hoje pelaarquitetnica da filosofia transcedental de Kant (HABERMAS apud APEL, 2004).37 possvel que isso exija uma concepo ampla e dinmica de texto, a ser buscada possivelmentena pragmtica discursiva questo aqui apenas cogitada. Tambm na esfera das conjecturas, aprincipiologia, na forma acima exposta, poderia encontrar interessante suporte na teoria da metfora.Imagina-se que gestalts experienciais, elementos prototpicos, categorizao e mapeamento, tidos porLAKOFF como orientadores da forma humana de compreender o mundo, poderiam ser transportadospara o mbito da principiologia, desvinculando o tema dos valores (ver LAKOFF, 2002).38 Sabe-se, todavia, de alguns que tomam MLLER como um neo-positivista (ver LEAL, 2002, p.80).39 Antnio Menezes CORDEIRO em CANARIS, 1996, p. CXI. Tambm FREITAS, 1995, p. 47.
28
Direito, a interpretao que venha considerar as normas constitucionais. Tal
entendimento no contraria a opo pela principiologia.40
f) acolher e se comprometer com a visualizao da abertura do Direito,
seja ou no na forma de sistema. So compatveis com essa viso alguns
vetores adotados na presente pesquisa: (a) a inter e transdisciplinaridade, (b)
a principiologia, (c) a observao do caso concreto; e (d) a ateno auto-
regulamentao.
Note que a dissertao parte da publicidade comparativa para o Direito. Com
isso espera livrar-se de determinados enlaces que poderiam comprometer os
resultados. Assim, navega com tranqilidade entre os diversos ramos do Direito e
no se prende a amarras pr-concebidas. Mas tambm por isso a essas guas
afluem outras e novas dificuldades, agora de harmonizao de contedos.
2.2.2 Delimitao
No se avanar na via da propaganda, a no ser no restrito sentido de que a
publicidade de determinado produto tambm a propaganda de um certo estilo de
vida: ou seja, estritamente no falar de propaganda.
Restringe-se ao terreno empresarial, ou seja, atividade de ofertar um bem
ou servio a consumo, atravs de um meio de comunicao capaz de atingir, ainda
que potencialmente, um nmero indeterminado de pessoas, e veiculada s
expensas do fornecedor (JACOBINA, 1996, p. 11).
Foge do contexto deste estudo, igualmente, o contrato publicitrio, questes
de ndole trabalhista e aspectos de ordem penal.
Limita-se a pesquisa, portanto, publicidade comparativa no que concerne ao
espao das relaes obrigacionais e concorrenciais (mas tendo sempre em mente o
ordenamento constitucional).
40 que a concepo dos princpios jurdicos no pode desvincular-se de uma referncia Constituio. Isto porque a Constituio, por ser a norma jurdica suprema da organizao jurdicade uma nao, no s encerra os princpios gerais do ordenamento e reflete a filosofia da vida jurdica no dizer de PERLINGIERI -, seno que, ademais, enquanto sntese das aspiraes de um povo na expresso de BATTLE -, lgico que de alguma maneira consagre os princpios bsicos de suaorganizao (ARCE Y FLOREZ-VALDS apud GALUPPO, 1999, p. 205).
29
Mas uma outra delimitao ainda precisa ser efetuada. Ainda que no decorrer
do estudo se espere indicar o que seja ou o que no seja mensagem publicitria
comparativa, muitas vezes os anncios apresentam formulao complexa. Assim, o
que se pode freqentemente afirmar que determinada mensagem tem um ncleo
comparativo preponderante. Para cuidar dessa nuance a dissertao abranger os
campos ou reas jurdicas do direito do autor, da concorrncia, direitos da
propriedade industrial e do consumidor.41 bem isso que se pode notar nos
Captulos 7, 8 e 9.
A dissertao estaciona na sugesto dos limites lcitos da mensagem
publicitria comparativa. No deixa, todavia, de esboar o tema das conseqncias,
das responsabilidades e dos remdios jurdicos apropriados. Mas a amplitude
desses aspectos, a envolver, por exemplo, noes interessantssimas e pouco
exploradas como as de contrapublicidade e retificao publicitria, alm de
aspectos penais, exige, sem dvida, um estudo autnomo.
2.2.3 Plano de trabalho
Aqui, neste captulo, abordada a crise metodolgica noticiada pela
doutrina, as tentativas de superao, e, aps, as perspectivas da dissertao.
Parte-se para discernir o contedo da ordem econmica constitucional,
centrando a pesquisa no que mais se relaciona ao estudo: o consumidor, a
concorrncia, os direitos de propriedade industrial.
Na seqncia adentra-se ao universo da Publicidade. Mas isso somente para
indicar as definies gerais, procurar discernir sua natureza jurdica e discutir sobre
o interessante fenmeno da auto-regulamentao publicitria.
Somente a seguir, no captulo Publicidade comparativa, localizado o
ncleo do tema investigado. A partida realizada atravs de coleta de definies,
fixao de conceitos e classificao. O captulo fecha com a investigao dos
princpios que pertencem modalidade publicitria estudada.
Nos trs captulos seguintes, o estudo procura fazer uso da metodologia
indicada inicialmente e do demais recolhido para sugerir situaes nas quais se
41 Ver 5.2.3.
30
poder detectar a ilicitude no uso da comparao publicitria. Ali se espera cumprir
o objetivo final da dissecao do tema, seja, indicar marcos para a deciso judicial,
ainda que, por vezes, se limitem a novas interrogaes. Nesse ltimo captulo se
far uso intenso de exemplos, extrados na maioria das vezes, dos casos discutidos
pelo CONAR. O exemplo (ou, juridicamente, a jurisprudncia), como bem nota
Giorgio AGAMBEN (1998, p. 30), funciona como uma incluso exclusiva.42 Isto ,
no o fim, s o comeo.43
Faz-se, ao final, como se disse, uma averiguao limitada acerca da
problemtica relativa fixao das responsabilidades e designao dos remdios
jurdicos possveis.
42 A argumentao atravs de exemplos, como diz Judith MARTINS-COSTA (2000, p. 369), no temnatureza propriamente lgica, mas quase-lgica. Evidentemente, exemplo no sinnimo dejurisprudncia, mas os conceitos se assimilam.43 Porque o exemplo, por ser similar tambm o diferente. A partir do exemplo, com o exemplo, ecom o caso concreto, cabe, ento, a construo da norma.
31
3 ASPECTOS DA ORDEM JURDICA DA ECONOMIA
Enfrenta-se inicialmente discusso acerca do modelo econmico adotado
pelo Constituinte. Obtidos os elementos mnimos da ordem econmica
constitucional, caber ver como refletem no direito do consumidor, no direito
concorrencial e quanto ao direito autoral e propriedade industrial, perspectivas que
se conformam ao estudo da publicidade comparativa.
Quanto aos direitos do consumidor inicia-se com o conceito, seguindo-se a
partir da para as relaes entre essa figura jurdica e a Publicidade. Fala-se
tambm da possibilidade de aplicao das regras do CDC a quem no
consumidor, via a dico do artigo 29, bem como da dupla face do direito do
consumidor.
Da parte do direito concorrencial ser enfatizada a relao entre concorrncia
e liberdade de informao e escolha, a concorrncia lcita e a ilcita, a relao entre
a concorrncia ilcita e a propriedade industrial.44
No ltimo tpico cuida-se de discernir entre o que seja concernente ao direito
autoral e ao direito propriedade industrial para se chegar a discutir sobre o
panorama atual acerca dos sinais e expresses publicitrias.
44 Para Fbio Ulhoa COELHO (2003b, p. 186-189) os atentados livre concorrncia se subdividemem concorrncia desleal e infraes ordem econmica, o primeiro envolvendo as ofensas indicadasno Cdigo de Defesa do Consumidor e na Lei de Propriedade Industrial e o segundo, a lei Antitruste.A concorrncia ilcita, para o doutrinador, abrangeria a desleal e as infraes ordem econmica.
32
3.1 ORDEM ECONMICA CONSTITUCIONAL
Se a Publicidade serve de suporte para o desenvolvimento da atividade
empresarial, antes mesmo de analis-la sob o aspecto jurdico, preciso ver que
vetores constitucionais balizam as atividades econmicas em nosso pas. Questo,
de resto, importante quando o Direito deixa de meramente prestar-se
harmonizao de conflitos e legitimao do poder, passando a funcionar como
instrumento de implementao de polticas pblicas (GRAU, 2001, p. 13).45 Ser a
anlise da ordem econmica constitucional. Porm, o que se poderia dizer de tal
enunciado?
3.1.1 A ordem econmica
A expresso ordem econmica ora remete para os fenmenos do mundo
econmico (um conceito de fato que se relaciona com o espao onde tais
fenmenos se manifestam), ora para a regulao geral da economia ou,
especialmente, para a ordem jurdica (conceito normativo). Seja a ordem jurdica da
economia, enfim, o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada
ordem econmica (ordem do ser).
A questo poderia ser de pura ndole terica-acadmica. GRAU, no
obstante, pensa que no to simples. O artigo 170 da Constituio de 1988, por
exemplo, est assim redigido: a ordem econmica, fundada na valorizao do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna,
45 Para Eros GRAU (2001, p. 49-50): em um primeiro sentido, ordem econmica o modo de seremprico de uma determinada economia concreta; a expresso, aqui, termo de um conceito de fato( conceito do mundo do ser, portanto); o que o caracteriza a circunstncia de referir-se no a umconjunto de regras ou a normas reguladoras de relaes sociais, mas sim a uma relao entrefenmenos econmicos e matrias, ou seja, relao entre fatores econmicos concretos; conceito domundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulao do econmico como fato; em umsegundo sentido, ordem econmica expresso que designa o conjunto de todas as normas (ouregras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurdica, religiosa, moral etc.), que respeitam regulao do comportamento dos sujeitos econmicos; o sistema normativo (no sentido sociolgico)da ao econmica;- em um terceiro sentido, ordem econmica significa ordem jurdica daeconomia". A sua crtica: ainda que o Estado se legitime, promovendo a mediao de conflitos declasse, o faz para dar sustentao ao capital. Assim, a Constituio formal (em contraposio amaterial), ao definir normas que no garante , antes, um instrumento retrico de dominao. Conclui,
33
conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios ....
Repare em duas expresses: tem e fundada. O caso que embora o enunciado
seja normativo, parece falar algo sobre o mundo dos fatos: no se diz dever ter e
nem dever estar fundada. Isso remete a uma sutil diferena de aspecto ideolgico
que trata de indicar a realidade como j suficientemente ordenada (auto-ordenada,
auto-normatizada), seja, captulo do credo liberal (GRAU, 2001, p. 50-52).
Ainda que assim o seja, a ordem econmica integrante da ordem jurdica (os termos
so de GRAU e se referem ao mundo do dever-ser em contraposio ordem
econmica do mundo do ser) inserida na Constituio de 1988 distingue-se das
demais em razo (i) da enorme profuso de normas de interveno e (ii) e de estar
integrada em uma Constituio dirigente.46
Utilizando-se da interpretao principiolgica, como a que aqui cogitada,
GRAU (2001, p. 58-59), enfim, chega a duas concluses principais: (i) a ordem
econmica na Constituio de 1988 define opo por um sistema econmico, o
sistema capitalista, e (ii) ainda assim, a ordem econmica constitucional rejeita o
modelo liberal e o princpio da auto-regulao da economia, sendo,
intervencionista47 e, mesmo que aberta, direcionada, pelo contexto da interpretao
funcional, construo de um Estado de Direito Social (de bem-estar) (2001, p.
321-362).48
ainda que o Estado modernamente venha desempenhar um novo papel, implementando polticaspblicas, somente o faz no mbito do sistema capitalista.46 Em suma, para GRAU (2001, p. 74) a ordem econmica, entendida como aquela ligada ordemjurdica (mundo do dever ser) a que representa o conjunto de normas da Constituio dirigente, queno faz mais que se conformar ordem econmica (esta aqui no sentido da integrante do mundo doser).47 Fernando Gherardini SANTOS (2000, p. 57-58) afirma, entretanto, que o capitalismo moderno, damaneira como foi albergado pela CF/88, pouco tem a ver com sua concepo original, elaboradaprincipalmente na Inglaterra a partir da segunda metade do sculo XVIII. Ademais, continua, a Cartade 1988 se caracteriza por ser uma Constituio dirigente, invadindo praticamente todos os setoresda vida econmica, social e poltica do pas. Tambm em outra passagem: Diante da anlise dosprincpios norteadores da ordem econmica, pode-se facilmente concluir que a Constituio vigente,optando, como j se afirmou alhures, por um sistema capitalista de mercado, utiliza-se de um regimede atuao estatal no processo econmico, o qual, vale dizer, engloba um campo muito mais amplodo que simplesmente um estado intervencionista, o qual referir-se-ia, to somente, ao setor privado,pois o termo interveno, indiscutivelmente, advm do pensamento liberal, quando o Estado, como jvisto, era chamado a intervir somente de forma supletiva, diante de omisses do setor privado. Aatuao do Estado, determinada pela Carta de 1988, ao contrrio, engloba tanto o setor pblico comoo privado, ou seja, estabelece a atuao do Estado no campo da atividade econmica em sentidoamplo, como conclamada pela realidade hodierna (SANTOS, 2000, p. 95).48 tambm o que afirma Fernando Gherardini SANTOS: o momento histrico atual corresponde,indubitavelmente, transio do Estado Liberal, mero rbitro em questes de ordem, segurana epaz, como j visto, para um Estado de Justia Social, este sim a nova expresso do Estado deDireito. Porm, poucas linhas aps, SANTOS complementa afirmando que o modelo ento em vigorpode ser denominado de quase neoliberalismo (SANTOS, 2000, p. 64).
34
Leila CUELLAR (2004, p. 63) acompanha o pensamento de Eros GRAU. Para
CUELLAR a Constituio brasileira institucionalizou um capitalismo qualificado por
princpios que afastam a sua comparao com a de um Estado liberal clssico, e
prestigiou apenas o direito de propriedade privada, a livre iniciativa e o livre jogo das
foras do mercado. Isso teria ocorrido porque a Constituio de 1988 celebra
larga o princpio da dignidade da pessoa humana, mesmo no contexto da ordem
econmica (art. 1, inc. III, art. 34, inc. VII, al. b, e art. 170, caput). Conseqncia
disso, que a liberdade de empresa, de iniciativa e de concorrncia sofreriam
verdadeira atenuao jurdico-axiolgica quando alinhados dignidade da pessoa
humana e justia social.
Fbio Ulhoa COELHO (2003b, p. 185-187), de outro lado, afirma
categoricamente que o perfil que a Constituio desenhou para a ordem econmica
tem natureza neoliberal, sendo este um modelo econmico que se funda na livre
iniciativa, mas consagra tambm outros valores com os quais aquela deve se
compatibilizar. Esses demais valores seriam os princpios da defesa do
consumidor, a proteo ao meio ambiente, a funo social da propriedade e os
demais princpios do artigo 170 da Constituio tidos como informadores da ordem
econmica, mais a lembrana da valorizao do trabalho como um dos
fundamentos dessa ordem. Considera, inclusive, que a enumerao do art. 170
serve apenas para afastar a edio de leis, complementares ou ordinrias,
disciplinadoras da atividade econmica, desatentas a esses valores.
3.1.2 Formas de interveno ou regulao
Se a ordem econmica constitucional, no modo de ver de GRAU, de tal
forma que possibilita a interveno do Estado na economia, como isso pode ocorrer
a prxima abordagem.49
O Estado pode intervir no domnio econmico por absoro ou participao,
interveno por direo ou por induo. A absoro ocorre quando o Estado toma
por completo o exerccio da atividade naquele setor da economia, monopolizando-o.
49 Para Calixto SALOMO FILHO (2002, p. 21) exatamente a diviso de esferas entre o Estadoregulador e intervencionista e aquele que se limita a organizar as foras do mercado atravs da
35
Na participao o Estado compete com outras empresas privadas do mesmo setor,
embora ocupe parcela importante de controle dos meios de produo. A interveno
por direo se d atravs de comandos normativos que pressionam a atividade
econmica, impondo certos comportamentos, como o exemplo do tabelamento de
preos. Na interveno por induo o Estado, conquanto no proceda a um
comando imperativo, isto , no elimine a vontade do agente, fora-a uma
determinada opo (GRAU, 2001, p. 168-170).
Um dos campos do Direito em que essa atuao do Estado no domnio
econmico produziu transformao importante o das relaes contratuais. Dir-se-
ia que isso evidente, j que a liberdade contratual instrumental diante da
propriedade privada dos bens de produo. Mas se o liberalismo econmico pauta-
se na auto-regulao do negcio jurdico, o Estado do bem-estar passa ao dirigismo
contratual. Neste, ento, os contratos no se restringem s obrigaes entre as
partes, mas se relacionam aos objetivos delimitados pela ordem econmica. Na
verdade at mesmo a liberdade de contratar passa por reformulao (GRAU, 2001,
p. 127-129).
Considerando tais pressupostos, a concluso a que se chega que a opo
do constituinte de 1988 no foi tanto por um regime de mercado,50 mas por um
regime de mercado organizado. Nesse mercado organizado o Estado pretende
corrigir as distores tipicamente advindas da liberdade nas relaes de mercado,
englobando tanto distores ligadas competio, como aquelas relativas
repartio desigual do produto econmico, alimentando situaes que,
inevitavelmente, levam a constantes crises econmicas (SANTOS, 2000, p. 97).
Disto decorrem, evidentemente, as diretivas legais que reprimem o abuso de
poder econmico que vise dominao dos mercados, eliminao da
concorrncia e ao aumento arbitrrio dos lucros, e que constam da Lei Antitruste, da
Lei de Propriedade Industrial e do prprio Cdigo de Defesa do Consumidor.51
aplicao do direito concorrencial que melhor define o ordenamento econmico existente ou, se assimse preferir, a Constituio Econmica de cada ordenamento.50 Mercado que pode ser subdividido em mercado de trabalho, de capitais e de consumo de bens ecuja opo decorre da nominao constitucional expressa do princpio da livre iniciativa.51 Isto tambm permite ao Estado regulamentar toda a atividade publicitria. nesse sentido quePASQUALOTTO (1997, p. 67) afirma que a regulamentao da publicidade uma forma deinterveno do Estado na iniciativa privada.
36
3.1.3 A Constituio e os direitos difusos
O constituinte dedicou o Captulo I do Titulo II aos direitos e deveres
individuais e coletivos, instituindo dever ao Ministrio Pblico (art. 129, III) de
promover o inqurito civil e a ao civil pblica para a proteo do patrimnio pblico
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A descoberta dos direitos difusos e coletivos, que motivou a insero
constitucional, deve-se prpria transformao que nos levou sociedade de
massas.52 No interior desse tipo de organizao a pessoa (ento, o consumidor)
ocupa posio de desvantagem, j que no usufrui controle, conhecimento ou
acesso a todos os dados, ao passo que ainda assim deva fazer escolhas.53 Deste
desequilbrio decorre a atuao do Estado, mas agora em defesa de interesses no
somente individuais.
Eis, ento, uma transformao radical, que contraria a concepo clssica
segundo a qual no pode existir direito subjetivo sem a devida referibilidade a um
titular determinado, pois o Direito clssico atribui uma sano para uma a hiptese
de desrespeito a tais direitos, devido ao carter coercitivo que se lhe acrescentava,
sano esta que s se revelaria eficaz se o titular fosse mesmo determinado, ou ao
menos, determinvel. No este, entretanto, o caso dos direitos difusos, onde os
titulares so pessoas indeterminadas, ligadas por circunstncias de fato (SANTOS,
2000, p.106).
A conceituao de direitos difusos encontra-se no pargrafo nico, inc. I do
art. 81 do Cdigo de Defesa do Consumidor, como sendo os transindividuais, de
natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstncias de fato.
52 Anote-se o comentrio de Fernando Gherardini SANTOS (2000, p. 110): A tutela jurdica dosinteresses metaindividuais em sede constitucional revela a superao definitiva do individualismojurdico oriundo do pensamento liberal do sculo XIX, demonstrando, claramente, que o DireitoConstitucional em geral e em particular o brasileiro atravessa uma nova fase, onde o tratamentojurdico coletivo lato sensu ganha vulto cada vez maior, superando, por vezes, em importncia, osclssicos direitos individuais, mesmo porque o tratamento coletivo tem-se revelado, na prtica, muitomais eficaz que o individual e, portanto, a tendncia realmente aumentar cada vez mais tal proteocoletiva (lato sensu), dada a tendncia da sociedade moderna em massificar-se cada vez mais,reclamando, por isso mesmo, um tratamento jurdico condizente com sua caracterstica ftico-axiolgica.53 Ser o reconhecimento dessa vulnerabilidade o pressuposto bsico de todo o sistema de defesa doconsumidor (SANTOS, 2000, p. 113-114).
37
A mesma norma, no inciso II tambm define direitos coletivos, estes sendo
interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Cdigo, os
transindividuais de natureza indivisvel de que seja titular grupo, categoria ou classe
de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica-base.
A distino entre um e outro est em que, nos direitos coletivos, os titulares embora
indeterminados, so determinveis, ao passo que no que tange aos direitos difusos,
a coletividade da qual o individuo faz parte no individuvel seno por pontos
comuns de fatos, inexistindo, portanto, qualquer espcie de relao jurdica entre
tais membros (SANTOS, 2000, p.104).
Mas admitir a existncia de direitos difusos no significa restringi-los somente
aos interesses dos consumidores. Se repararmos a descrio do pargrafo nico do
artigo 1 da Lei 8.884/94 (lei antitruste),54 veremos ser a coletividade a titular dos
bens protegidos, evidente proteo a interesses difusos. Ligao ntima, ento,
entre a descoberta dos direitos difusos e coletivos e o mercado organizado.
A isso se considerar, as mensagens publicitrias ilcitas em geral, que
atingem potencialmente um nmero considervel de sujeitos, podem, por tal razo,
ter combate no plano dos direitos difusos, por todos os participantes do mercado
(consumidores ou no), independentemente de dano individual.55
3.1.4 Princpios da ordem econmica
Interessa, neste momento, identificar os princpios norteadores da ordem
econmica inseridos na Constituio vigente. So eles a dignidade da pessoa
humana, a funo social da propriedade, a livre iniciativa, a defesa do consumidor, a
construo de uma sociedade livre, a valorizao social do trabalho, a erradicao
da pobreza e da marginalizao e a reduo das desigualdades regionais e sociais,
54 Art. 1 Esta lei dispe sobre a preveno e a represso s infraes contra a ordem econmica,orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrncia, funo social dapropriedade, defesa dos consumidores e represso ao abuso do poder econmico. Pargrafo nico. Acoletividade a titular dos bens jurdicos protegidos por esta lei.55 Tanto que Ives Gandra MARTINS (2003, p. 63) defende que o texto constitucional em seu artigo170, V fala em defesa do consumidor e no artigo 192 discorre acerca de interesses da coletividade,justamente porque ambas as ordens esto voltadas ao desenvolvimento econmico e defesa dacoletividade.
38
a defesa do meio ambiente, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido
para empresas de pequeno porte.56
Cabe notar que a Constituio tambm assegura aos autores de inventos
industriais (artigo 5, XXIX), privilgio temporrio para sua utilizao, bem como
proteo s criaes industriais, propriedade das marcas, aos nomes de
empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnolgico e econmico do pas, podendo essa norma ser tida
como a origem do princpio de proteo da propriedade industrial. De igual forma, o
inciso XXVII do artigo 5 deixa claro que aos autores pertence o direito exclusivo de
utilizao, publicao ou reproduo de suas obras.
Por ora resta apenas relacion-los. A dissertao se ocupar deles todos em
tpico separado, quando nos referirmos principiologia que afeta as relaes
mercadolgicas concernentes publicidade comparativa.
56 o que confirma Fernando Gherardini SANTOS (2000, p. 66-97).
39
3.2 PROTEO DO CONSUMIDOR
3.2.1 O consumidor
Crtica se faz noo de consumidor,57 a qual, alm de imprecisa (todos
somos consumidores), acaba por equiparar o ente sua posio na estrutura (de
fato no se consumidor, se est consumidor). Importada da economia, entretanto,
o termo se consolidou, e, de bnus, trouxe consigo a normalizao do modo-de-
produo no interior da cultura jurdica (tornando-o mais palatvel e menos sujeito a
questionamentos), centrando, ademais, o homem no estgio do consumo apesar de
ser proeminente no ciclo de produo (GRAU, 2001, p. 273).58
Resta relembrar que se a Constituio de 1988, conquanto expressamente
preveja a defesa do consumidor, adotou como princpio mximo a dignidade da
pessoa, deste derivando aquela.59 Isto significa, ademais, que a economia de
57 um termo oriundo da economia, cuja transferncia para o Direito no se faz sem exigncias econtingncias. Uma delas normalizar a economia de mercado, ao tratar do sujeito de direitos pelasua funo econmica. O olhar, e, portanto, a crtica, passa a ser interna. Outra desligar otrabalhador do processo produtivo, j que a noo econmica visa identificar justamente o ltimo eloda cadeia produtiva. Gino GIACOMINI FILHO (1991, p. 22) faz comparao entre os termosconsumerismo e proteo ou defesa do consumidor, diferenciando-os em dez pontos. Noconsumerismo o bem considerado a sociedade e a qualidade de vida; sua ao tem repercussestransregionais; os danos so encarados como prejuzo de valor social; a ao institucional d-se maisno mbito coletivo; tem repercusses em cadeia e nas instituies sociais; enseja considervelcobertura pelos meios de comunicao de massa; a ao guiada por uma conscincia coletiva; hpossibilidade de receber influncia de pases do exterior; h preocupao imediata com minorias,crianas, ambiente, etc.; tem origem nos EUA. Ao seu lado, na defesa do consumidor consideram-secomo alvo da proteo os bens e servios; sua ao mais localizada; os danos so encarados comoprejuzos monetrios; a ao institucional d-se mais no mbito individual; os efeitos so limitados;no repercute junto aos meios de comunicao de massa; a ao guiada por interesses prprios; hpossibilidade remota de causar impacto no exterior; h preocupao imediata com o consumo; e temorigem no prprio corpo social. Anote-se, tambm, que Washington P. A. SOUZA (1996, p. 37) temque esses conceitos econmicos, no interior do Direito, sofrem uma deformao.58 , alis, o que se extrai, pelo contrrio, do que afirma Vidal Serrano NUNES JUNIOR (2001, p. 174),ao declarar que apesar da defesa do consumidor ser aspecto inerente ao mercado, isso no adesqualifica, antes posiciona tal direito adequadamente, vale dizer, dentro do mercado. Aqui seriatambm possvel assimilar a crtica de BAUDRILLARD (1972, p. 54-55)., para quem ser consumidor apenas uma concesso s classes inferiores e mdias, ficando, entretanto, retido o privilgio absolutonas esferas reais de deciso, de gesto, de poder poltico e econmico, na manipulao dos signos edos homens. Ao que parece, a noo de consumidor sofre uma dupla crtica: daqueles que aentendem como coletivista e , de outro lado, daqueles que a tratam como um apndice do modo-de-produo.59 Eis o que diz Cludia Lima MARQUES (2002, p. 297): Na Europa unificada defende-se asuperao da viso atual do consumidor como mero agente econmico e a imposio de uma visomais social do consumidor, consumidor como pessoa, como sujeito de direitos do sculo XXI. Alis,
40
mercado no um fim em si mesma, mas que se retrai ante a imperatividade dos
Direitos Fundamentais (NUNES JUNIOR, 2001, p. 98).
Em todo caso, a defesa do consumidor est presente em vrios preceitos
constitucionais (art. 5., XVII, XXI e XXXII, art. 24, V e VIII, art. 150, inc. 5, art. 170,
V, art. 175, par. nico, II, art. 220, inc. 4, art. 221 e art. 48 das Disposies
Transitrias). Destes preceitos seguem vrios princpios que foram consignados no
Cdigo de Defesa do Consumidor.60
3.2.2 Consumidor e fornecedor
Designa-se consumidor, quanto destinao do produto ou servio, a
pessoa fsica ou jurdica que faa uso de determinado produto ou servio como
destinatria final. Exclui-se, portanto, do conceito, aqueles que se utilizam bens para
fins de intermediao, transformao ou como insumos com o intuito de lucro.61
So tambm consumidores, via equiparao legal, a coletividade de pessoas,
ainda que indeterminveis, que intervenha nas relaes de consumo (par. nico do
art. 2 do CDC), as vtimas do evento causado pelo fato do produto (art. 17, CDC) e,
por fim, as pessoas expostas s prticas comerciais pr-contratuais e contratuais
(art. 29, CDC).62
No outro lado da relao, fornecedor, de acordo com o art. 3. do CDC,
toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada nacional ou estrangeira, bem como
os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produo, montagem,
criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou
comercializao de produtos ou prestao de servios.
MARQUES vai alm, demonstrando que a iniciao do movimento consumerista e a consumer rightsrhetoric ocorreu com o discurso de J.F. Kennedy em 1962, onde este j salientava que o consumer isno longer seen merely as a purchase na user of goods na services for personal, family or grouppurposes but also as a person concerned with the various facets of society .... Porm alerta que estaviso mais individual de consumidor e do grupo de consumidores a ser protegido pela lei tende aprejudicar a viso maximalista, pois o homo economicus geralmente age s e assim ser protegido, oque no impede, porm, que seja protegido quando somente organizado atravs de uma pessoajurdica ou em grupo conseguir seu intento.60 Ver 5.4.2.61 Para Eros GRAU (2001, p. 274), consumidor aquele que se encontra em uma posio dedebilidade e subordinao estrutural em relao ao produtor do bem ou servio de consumo.62 Ver a seguir, em 3.2.4, a possibilidade de enquadrar nas disposies do artigo 29 do CDC, osexpostos s mensagens publicitrias.
41
Para que se caracterize a relao de consumo necessrio que ocorra no
mbito de uma relao jurdica na qual participem entes que possam ser
conceituados, em ambos os plos, como consumidor e como fornecedor.
Exemplificando, em relao ao anunciante, a agncia de publicidade e o
veculo de comunicao no so fornecedores, j que o servio por estes prestados
apenas um dos insumos que compem o produto ou servio final do anunciante.
Porm, em relao ao consumidor, a agncia e o veculo so fornecedores,
conforme se v do art. 29 CDC.63
3.2.3 Consumidor-padro e vulnerabilidade
A se utilizar a metodologia civilista, a licitude ou ilicitude de uma determinada
mensagem publicitria poderia ser averiguada pelos seus efeitos perante o homem-
mdio, aqui, mais especificadamente, o consumidor-mdio e o comportamento
esperado na deciso de aderir ou no ao apelo publicitrio.
Porm esse caminho produz resultados completamente diferentes quando
comparados os comportamentos dos consumidores habituais de determinado
produto e os demais, estando estes ltimos justamente mais suscetveis induo a
erro.
Diz-se, por exemplo, que os produtos mais caros geralmente so consumidos
por pessoas menos influenciveis pela publicidade. Esse entendimento, entretanto,
revela-se paradoxal e poderia indicar, isto sim, o nvel de consumo conspcuo.
Ademais, seria errneo equiparar poder aquisitivo a conhecimento.
Parece que a anlise da enganosidade nsita a uma mensagem publicitria,
por exemplo, exige ampla anlise do caso concreto. A figura jurdica do consumidor-
tpico ou padro, como sendo aquele habitual, conhecedor e acostumado s
caractersticas do produto deve ser considerada para avaliar os efeitos da
publicidade. Mas a mensagem publicitria dificilmente pode ser circunscrita a esse
mbito de consumidores, de forma que o risco de abranger o desinformado
inerente prpria atividade que, ademais, no visa apenas subtrair clientela alheia,
63 JACOBINA (1996, p. 57-61) entende que a publicidade dirigida a algum que tecnicamente no consumidor, como aquela dirigida ao revendedor ou ao industrial, e que no atinge nem
42
mas tambm agregar novos consumidores. Em outras palavras, trata-se de
considerar e admitir a vulnerabilidade do consumidor.
Mas no entendimento unnime. Fbio Coelho ULHOA (2003b, p. 327), por
exemplo, acredita que se o adquirente de produto ou servio no integra o conjunto
de consumidores habituais do fornecimento objeto de promoo publicitria,
eventual entendimento distorcido de sua parte no pode dar ensejo caracterizao
de ilcito. Conclui, ainda, que entender de outro modo equivaleria a impossibilitar o
clculo empresarial e conseqentemente obrigar o empresrio ao impossvel.
Guilherme FERNANDES NETO (2004, p. 230), ao seu lado, prope que seja
balizado pelo consumidor mais humilde, isto porque, defende, j a publicidade
segue o princpio da simplificao da mensagem, de forma que quanto maior a
extenso dos destinatrios mais simples deve ser a mensagem, a fim de estar de
acordo com [a] compreenso do mais ignorante.
Em todo caso, o reconhecimento dessa vulnerabilidade do consumidor (art. 4
CDC) nada sem a instrumentalizao de meios para combater os abusos. Da a
facilitao do acesso defesa (inciso VIII do art. 6, CDC) e, principalmente, a
inverso do nus da prova (artigo 38, CDC).
3.2.4 Consumidor e publicidade
O artigo 29 do Cdigo de Defesa do Consumidor encabea o Captulo V
intitulado Das prticas comercia