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FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E DESIGUALDADES DE GÊNERO: UMA PERSPECTIVA DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL
SANTOS, Diogo Pataro dos; DIAS, Ludmila Souza Ferreira Oliveira; FONSECA, Maria Fernanda Soares
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de dezembro
de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E DESIGUALDADES DE GÊNERO:
UMA PERSPECTIVA DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL
SANTOS, Diogo Pataro dos
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de
Montes Claros – PPGDS/Unimontes
Bolsista CAPES [email protected]
FONSECA, Maria Fernanda Soares Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de
Montes Claros – PPGDS/Unimontes
DIAS, Ludimila Souza Ferreira Oliveira
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de
Montes Claros – PPGDS/Unimontes [email protected]
RESUMO
Haselbalg (2003) demonstra que as famílias monoparentais chefiadas por mulheres são o arranjo
familiar que mais cresceu entre as décadas de 1981 e 1999. Dados analisados pelo autor revelam um aumento de 9,5% para 14,2% de famílias desta tipificação. Apesar de as famílias monoparentais
existirem como força de expressão da flexibilização das relações de gênero, a vulnerabilidade dessas
famílias denuncia a persistências de contingências que legitimam o descompasso de oportunidades
entre homens e mulheres. Assim, através deste artigo pretende-se analisar as desigualdades entre homens e mulheres sob duas variantes: o mundo do trabalho e da mobilidade social. Para tanto, foram
consultados estudos sobre estratificação social da Sociologia contemporânea brasileira que versam
sobre a desigualdade de gênero (HASENBALG, 2003; RIBEIRO, 2009; SCALON, 2009; SILVA, 1999, et al). A partir disso, discutiram-se as implicações que as desigualdades de gênero têm sobre as
famílias chefiadas por mulheres, assim como para o acirramento das vulnerabilidades a que estes
arranjos familiares estão submetidos.
Palavras-chave: Monoparentalidade; estratificação social; gênero.
ABSTRACT
Haselbalg (2003) shows that single-parent families headed by women were the most growing family arrangement between the decades of 1981 and 1999. Data analyzed by the author reveal an increase of
9.5% to 14.2% of families in this classification. Although single parents families exist as an expression
of flexibilization of gender relationships, the vulnerability of these families denounces the persistence of contingencies that legitimize the mismatch opportunities for men and women. Thus, through this
article we intend to analyze the inequalities between men and women in two variants: the world of
work and social mobility. To do so, we consulted studies on social stratification of contemporary Brazilian sociology that deal with gender inequality (HASENBALG, 2003; RIBEIRO, 2009;
SCALON, 2009; SILVA, 1999 et al). From this, we discuss the implications that gender inequalities
have on families headed by women as well as the intensification of the vulnerabilities that these living
arrangements are submitted to.
Key-words: Single parenthood; social stratification; gender.
FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E DESIGUALDADES DE GÊNERO: UMA PERSPECTIVA DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL
SANTOS, Diogo Pataro dos; DIAS, Ludmila Souza Ferreira Oliveira; FONSECA, Maria Fernanda Soares
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de dezembro
de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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INTRODUÇÃO
Através deste artigo analisam-se as desigualdades entre homens e mulheres sob duas
variantes: o mundo do trabalho e a mobilidade social. Para tanto, empreendeu-se uma
pesquisa bibliográfica através dos estudos sobre a estratificação social da Sociologia
contemporânea brasileira que versam sobre as desigualdades de gênero (HASENBALG,
2003; RIBEIRO, 2009; SCALON, 2009; SILVA, 1999, et al). A partir disso, discutem-se as
implicações que as desigualdades de gênero têm sobre as famílias chefiadas por mulheres,
assim como para o acirramento das vulnerabilidades a que estes arranjos familiares estão
submetidos.
É fácil perceber que as desigualdades de gênero cumprem papel estruturante na
composição das desigualdades brasileiras. O Brasil, país patriarcal que é, possui
historicamente rígidas relações de gênero, evidenciadas, sobretudo, no ambiente familiar,
lugar em que homens e mulheres possuem tradicionalmente papeis não intercambiáveis,
assimétricos e de subordinação. Contudo, como será visto adiante, observam-se
transformações recentes nos papeis sociais desempenhados por homens e mulheres, de
maneira especial naquele espaço privilegiado em que estas relações se constroem: a família.
Um sinal claro das novas disposições simbólicas e sociais dos homens e mulheres é o
aumento da proporção de famílias chefiadas por mulheres. Haselbalg (2003) demonstra que
esse é o tipo familiar que mais cresceu entre as décadas de 1981 e 1999, visto que houve um
aumento de 9,5% para 14,2% de famílias desta tipificação. Ademais, os dados do Retratado
das Desigualdades de Gênero e Raça (2011), apresentados pelo IPEA em sua quarta edição,
mostram que a proporção de famílias monoparentais femininas aumentou consideravelmente
no período compreendido entre 1995 e 2009. Os dados de 1995 apontavam 22,9% de famílias
chefiadas por mulheres, enquanto em 2009, esse número atingiu 35,2%. Isto é, há na referida
data, 21,7 milhões de famílias tendo mulheres como chefe, papel social que fora
tradicionalmente atribuído apenas aos homens.
Sorj (2004), em estudo sobre o perfil da família brasileira, contratado pela OIT /MTE–
Organização Internacional do trabalho, destaca que é proeminente o grau de pobreza a que as
famílias formadas por mulheres e filhos estão subjugadas. Hasenbalg (2003) ratifica a visão
da referida autora ao indicar que esta é a formação familiar que apresenta maiores problemas
para garantir condições de bem-estar e socialização de suas crianças e adolescentes. São
famílias, afirma o autor, débeis em seu capital social e que impõem às mães uma sobreposição
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de tarefas, que giram em torno do trabalho rentável, das atividades domésticas e do cuidado
das crianças.
Apesar de as famílias monoparentais existirem como força de expressão da
flexibilização das relações de gênero, a vulnerabilidade dessas famílias denuncia a
persistência de contingências que legitimam o descompasso de oportunidades entre homens e
mulheres.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O corpus do trabalho se atém às análises da tradição empírica da estratificação social,
que remonta à elaboração de ferramentas de medida das posições sociais, desenvolvidas no
período entre os anos 1920 e 1930 e que se dedica à análise da disposição hierárquica dos
centros demográficos inseridos em contextos maiores de estratificação social. Nesse contexto,
os autores estudados aderem a posições epistemológicas da estratificação social clássica,
notadamente baseadas no arcabouço teórico de Karl Marx ou Max Weber.
Oportunidades de emprego, níveis de renda, educação e até formas de exercício da
cidadania são elementos desigualmente distribuídos no Brasil (SCALON, 2009). Vale dizer
que as desigualdades são multifacetadas e, inevitavelmente, diferenças entre homens e
mulheres estão subjugadas a outros elementos partilhados de forma desproporcionada na
sociedade brasileira, tais como os níveis de renda, educação e oportunidades de trabalho.
Assim, para analisar os descompassos de oportunidades entre homens e mulheres optou-se
por antes expor de forma breve as teorias da estratificação social que contribuem para
discussão sobre as desigualdades.
2.1 NOTAS SOBRE ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: DA TRADIÇÃO CLÁSSICA
AO ESQUEMA DE CLASSES BRASILEIRO
Haller (2014) considera que há duas maneiras de se compreender a estratificação
societária: seja através das teorias clássicas, que possuem caráter histórico e que se atêm às
circunstâncias políticas e às relações de privilégio na sociedade; seja por meio da tradição
empírica, aquela que sistematiza a estratificação como ela ocorre na conjuntura
contemporânea da sociedade.
Dentre as teorias clássicas, aquela elaborada por Karl Marx tem evidência
inquestionável. As reflexões de Marx se debruçam sobre as transformações econômicas e
políticas ocorridas nos século XVIII e XIX e, através disso, estabelecem uma sistematização
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sobre as classes sociais. O arcabouço teórico elaborado por esse autor sobre as elites
manufatureiras e as contingências às quais a classe trabalhadora estava submetida na
Inglaterra da era Vitoriana, são os primeiros lampejos sobre a estratificação social no mundo
capitalista. Outros autores dissidentes de Marx se propuseram a elucidar os estratos sociais,
utilizando outros campos de análise. Max Weber (1946 – 1947) atribuiu ao conceito de poder
lugar privilegiado na compreensão da persistência das desigualdades e partiu da conceituação
de partido, classe e grupos de status para realizar sua estratificação societária (HALLER,
2014).
Ainda para Haller (2014), a tradição empírica é mais recente que as teorias clássicas,
mas possui uma longa trajetória histórica, que remonta à elaboração de ferramentas de medida
das posições sociais, desenvolvidas no período entre os anos 1920 e 1930. Nessa época,
grande parte desses instrumentos se referia ao status ocupacional, ao papel social do chefe da
família e à qualidade habitacional. As teorias empíricas da estratificação, portanto, se detêm à
análise da disposição hierárquica dos centros demográficos inseridos em contextos maiores de
estratificação social.
No Brasil, os estudos sobre classes ganharam contornos singulares, seguindo a
tendência da construção do pensamento sociológico brasileiro. Guimarães (1999) afirma que,
no Brasil, o conceito de “classe social”, desenvolvido pelas teorias clássicas e utilizado pela
tradição empírica – desenvolvidas na Europa e Estados Unidos, respectivamente – fora alvo
de divergências e pouco consenso na academia brasileira. Somente a partir da segunda metade
dos anos 50 e, mais especificamente, na década de 60, é que os autores começam a
compartilhar de visões congruentes sobre o conceito e, para tanto, admitiram a
industrialização como unidade de análise presente em todos os aspectos da sociedade
brasileira. Desde essa data, então, as classes sociais se tornam o principal dispositivo
conceitual utilizado pela sociologia na estratificação social. A sociologia passa a ser tomada
como uma ciência de estudo dos esquemas de classes e suas implicações no processo corrente
de industrialização do país. Isto é dizer: as classes sociais são consagradas como elemento
razoável de compreensão de qualquer fenômeno social brasileiro.
A inflexão das bases teóricas da estratificação social nas décadas de 50 e 60 não é por
acaso. Como bem ressalta Scalon (2009), a estrutura social brasileira não pode ser
compreendida sem se verificar os processos de crescimento econômico e de industrialização,
iniciadores de alterações constantes a partir de 1945 e que se estenderam até o início da
década de 80. O fato é que tal crescimento não perdurou por muito tempo. A economia do
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país sofreu grave retrocesso após a redemocratização, chegando aos patamares da estagnação,
o que desdisse as expectativas que se tinha previsto nas décadas anteriores. Um cenário de
amplas disparidades sociais foi instalado.
A autora supracitada lembra que para compreender a estrutura social desse país, deve-
se levar em conta suas características sociodemográficas específicas e eminentemente
marcadas pelas desigualdades, acirradas depois dos anos 80. O território brasileiro possui
8.547.403,5 km2, o que o coloca em quinto lugar entre os maiores países do mundo, e, em
toda sua extensão há dessemelhanças sociais, marcadas por abandono e miséria. Nas palavras
da autora, no Brasil:
(...) em 2000, 175 milhões de brasileiros, dos quais os 10% localizados nos
estratos mais privilegiados detêm 45,7% do total de rendimentos obtidos no trabalho e os 10% com menores remunerações ficam com 1%; pior ainda, a
renda total dos 10% mais ricos equivale aos rendimentos obtidos por 80% da
população economicamente ativa (SCALON, 2009, p. 18).
Assim, o Brasil tem marcas de desigualdades históricas e estruturantes, expressas em
relações de classes sociais cristalizadas. O que interessa, então, é que as desigualdades de
gênero não podem ser desarticuladas das desigualdades de classes. Nesse sentido, para Parkin
(1980), o elemento primário das classes sociais são os status de classe, em torno dos quais
estão dispostas outras formas de desigualdade material e social. As desigualdades de classes
ressoam em outros estratos sociais, gerando desigualdades que são multiplicadas em
categorias diversas, como gênero, trabalho e educação.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
3.1 ESTRATIFICAÇÃO OCUPACIONAL E DESIGUALDADES DE GÊNERO NO
MUNDO DO TRABALHO
Tanto as relações entre homem e mulher e o mercado de trabalho, quanto a mobilidade
social feminina foram analisadas seguindo-se os dados de autores da estratificação social
como Nuema Aguiar, Carlos Hasenbalg, Carlos Antônio Ribeiro, Celi Scalon, Nelson do
Valle Silva, que utilizam, sobretudo, dados das PNADS para fazer um panorama do esquema
de classe na década de 90.
A opereacionalização da pesquisa deu-se através do levantamento de resultados das
pesqusias dos principais autores pesquisados. A análise desses dados permitiram averiguar as
desigualdades de gênero no mundo do trabalho e na mobilidade social e, através disso,
compreender o impacto dessas desigualdades sobre as famílias chefiadas por mulheres.
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Antes de adentrar na discussão sobre as desigualdades de gênero no mundo trabalho, é
importante olhar para os conceitos que balizam os estudos dos teóricos sobre o tema: o
primeiro deles é que a relevância da ocupação do chefe de família para alocá-la neste ou
naquele estrato social. Nas palavras de Hasenbalg (2003), é importante ver que “a ocupação
do chefe da família é o principal determinante da posição social das famílias e mantém forte
associação com a distribuição dos recursos familiares” (HASENBALG, 2003, pg 77). Desse
modo, as diferentes configurações familiares da contemporaneidade – especialmente aquelas
em que o chefe de família não é o homem/pai – recebem destaque na análise da estratificação
social.
A segunda baliza conceitual é que as famílias são a unidade central no estudo da
estrutura de classe e das desigualdades. Esse tipo de análise permite afirmar, mais uma vez,
que os novos arranjos familiares ganham relevo nos esquemas de classe e estratificação
social. Ribeiro (2009), afirma que, ao invés dos indivíduos, devem-se considerar as famílias
como unidade básica para se analisar a estrutura de classes na sociedade. Por conseguinte, ter
as famílias como instrumento de medida das desigualdades é uma forma de combater os
pressupostos liberais e nada realistas que concebem a sociedade como provedora de
oportunidade iguais e acessíveis para todos os indivíduos (PARKIN, 1980).
Antes de se tomar as famílias como unidade para a estratificação social, grande parte
das mulheres foi desconsiderada nesse tipo de análise e eram identificadas com os
aposentados, crianças e desempregados. Nem mesmo as mulheres inseridas em trabalho
formal eram alocadas em classes próprias, já que sua posição ocupacional era influenciada por
sua condição de mulher, que era, via de regra, uma posição tradicionalmente conhecida como
“dona de casa” e que não ensejava status ocupacional algum. O ponto de clivagem dessas
duas concepções acerca das posições de classes deu-se justamente através do reconhecimento
da proporção cada vez maior de famílias chefiadas por mulheres, já que estas expressam uma
parcela significativa de famílias eminentemente pobres, o que implica numa relação direta
entre estratificação, classes subalternas e o gênero feminino (PARKIN, 1980).
Hartmann (1981) sublinha que, historicamente, a mulher não tem oportunidades
equânimes em relação ao homem no mercado de trabalho. O trabalho feminino é marcado por
discriminação nos salários e oportunidades. Para o autor, essa é uma construção social e uma
representação simbólica construída sobre a mulher e que ainda hoje tem um impacto histórico
e social sobre as relações ocupacionais. Por isso, de algum modo, os descompassos entre
homens e mulheres no mundo do trabalho é ainda reflexo da bagagem histórica de
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desigualdades; mas é também uma expressão da discriminação corrente na sociedade. Logo,
segundo o autor supracitado, tais distinções são demonstração de uma série de outras
diferenças entre homem e mulher, tais como suas preferências, atitudes, valores
compartilhados, educação e preparação para a vida laboral, que não podem ser
desconsideradas no estudo das diferenças de gênero.
Sobre isso, Giddens (1984), por sua vez, rememora que nos últimos anos do século
XIX fora fortalecida generalizadamente a associação entre as mulheres e o espaço doméstico
e houve, pari passu, uma secção definitiva entre os lugares reconhecidos como residência e
local de trabalho. A concepção vigente na época era de que as mulheres deveriam permanecer
em casa, mesmo aquelas com boas condições socioeconômicas e que podiam contratar
governantas ou criadas. A diferença entre estas mulheres providas economicamente e as que
viviam em setores intermediários da sociedade era puramente prática e pouco simbólica: as
primeiras podiam dividir seus afazeres com empregados, já as mulheres das camadas
populares tinham que se ocupar das tarefas domésticas e cuidar das crianças sem mesmo que
tais atividades fossem consideradas trabalho.
Hartman (1986) converge com o pensamento de Giddens (1984) e aponta que há uma
concepção corrente de que o lugar “natural” da mulher é a casa. Esta é, portanto, uma visão
que procura, em última instância, legitimar a exclusão da mulher do espaço público e atrelá-la
apenas ao trabalho doméstico e às atividades de rotina da casa. Tal premissa é sustentada pela
tese de que o homem devia sustentar a mulher, e então, a mulher, se trabalhasse, deveria
dedicar-se apenas a atividades extras, que não são necessariamente caracterizadas como
trabalho formal.
No contexto brasileiro, as dessemelhanças entre homem e mulher são atribuídas à
formação patriarcal do país. Jurandir Freire Costa em seu livro, Ordem médica e norma
familiar, sublinha que o patriarcalismo familiar foi definidor da formatação organização
econômico-social do Brasil e, como não poderia deixar de ser, produziu efeitos também na
legislação que regularia a família e a vida coletiva. As famílias coloniais são narradas por
Costa (1999) nestes termos:
O pai, chefe do clã, concentrava funções militares, empresariais e afetivas, como exigia a estrutura social da Colônia. Voltado ele próprio para a defesa
da propriedade e da família, conduzia, com mão de ferro, os projetos e
anseios do grupo. Seu desejo e sua nome davam unidade às aspirações dos
indivíduos. Havia quase um vácuo de interesses próprios no restante dos membros. O desejo correto era o desejo do pai; o interesse justo era o da
manutenção do patrimônio (COSTA, 1999, pg. 47).
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Esse cenário gera duas conseqüências para a relação entre a mulher e o trabalho ao
largo dos anos: primeiro, as mulheres se inserem em atividades com baixa remuneração e de
pouca importância; segundo, a parca inserção da mulher no mercado de trabalho tem um
impacto na divisão social do trabalho doméstico, que é, na maioria das vezes, uma atividade
dividida de maneira dessemelhante entre os cônjuges.
Ao levantar dados referentes ao trabalho doméstico, Ribeiro (2009) verificou que
81,9% das mulheres alegam fazer todo o trabalho, e somente 36,2% dos homens admitem
dividir as tarefas domésticas com suas mulheres esposas. Em geral, as mulheres são propensas
a dizer que possuem exclusivamente o encargo de cuidar da casa e dos filhos; por outro lado,
os homens reconhecem que não fazem todo o trabalho, mas, na maioria das vezes, alertam
que fazem mais do que suas esposas acreditam que fazem. Guardadas as diferenças de
percepção acerca da divisão social do trabalho doméstico, o autor discute os dados
encontrados e estima que, no universo de famílias brasileiras estudadas, 4/5 do trabalho
doméstico é dedicado às mulheres. Além disso, ao se observar os dados sobre os casais em
que ambos os cônjuges estão trabalham formalmente, a estimativa é de que o trabalho
doméstico feminino tem uma proporção de 2/3. Os resultados averiguados ilustram que as
desigualdades de trabalho começam nas relações familiares e na reprodução impensada de
elementos da cultura segregadora entre homem e mulher.
Os dados apresentados pelo autor permitem concluir que, a despeito das mudanças
recentes nos papeis familiares, o lugar da mulher continua sendo a casa. A representação que
se tem da mulher é, ainda, marcada pelo histórico patriarcalista, em que a vontade e os desejos
do homem eram imperativos e superiores aos da mulher. O pai, mantenedor da ordem familiar
e possuidor do pátrio poder, tolhia as aspirações e autonomia da mulher, restando-lhe a função
de cuidadora e encarregada das atividades do lar. As mudanças das últimas décadas ocorridas
na sociedade permitiram uma flexibilização dessas posições sociais dentro do lar, no entanto,
ainda é flagrante a assimetria entre homens e mulheres, dentro e fora a casa.
As famílias nas quais não há a figura do pai, as mulheres gozam de relativa liberdade
dentro do ambiente doméstico, o que lhes confere possibilidades de conduzir a organização
familiar com autonomia; mas, ao mesmo tempo, é relegado às mesmas uma sobreposição de
tarefas. Além disso, constata-se um paradoxo: diferentemente da família patriarcal, as chefes
de família monoparentais possuem autonomia dentro de casa, pela simples ausência do
cônjuge do ambiente familiar; contudo, essas mulheres ainda estão subordinadas as
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desigualdades de tratamento encontradas no ambiente fora da casa, ou seja, na vida pública e
no mundo do trabalho.
Afora o contexto intrafamiliar, o trabalho cumpre papel relevante na constituição e na
dinâmica da sociedade. Quando se quer obter dados sobre a estrutura de classes da sociedade,
é mais importante averiguar a ocupação e a posição no mercado de trabalho do que analisar a
renda (HASENBALG, 2003). Assim, serão expostas as relações entre homem e mulher e o
mercado de trabalho, seguindo os dados de autores da estratificação social (HASENBALG,
2003; RIBEIRO, 2009; SCALON, 2009, SILVA, 1999) que utilizam, sobretudo, dados das
PNADS e fazem um panorama sobre o esquema de classe na década de 90 e incluem em suas
investigações as divisões de gênero no mundo do trabalho.
3.2 O TRABALHO FEMININO: RETRATOS DE DESIGUALDADE E
ESTRATIFICAÇÃO
O trabalho feminino passou por uma nova fase ao longo da década de 90,
caracterizada por amplas alterações nas relações de trabalho. A “desindustrialização”,
flexibilização e caducidade das relações trabalhistas foram algumas das características
observadas nesse período, juntamente com o crescimento dos setores de serviço e da
informalidade (SILVA, 1999). Nesse contexto, observa-se, de forma mais premente, a
inserção das mulheres no mercado de trabalho, o que não foi suficiente para resultar em
igualdade salarial em relação aos homens. Silva (1999) afirma que a renda auferida por
mulheres, na data referida, era de 547% da renda dos homes.
Diante disso, deve-se considerar algumas características sobre as disparidades
ocupacionais entre homens e mulheres. Uma delas é o fato de que a força de trabalho
feminino está alocada em atividades e setores específicos do mundo do trabalho, ou seja, as
mulheres trabalhadoras estão na base do esquema de classes sociais e dedicam-se, em sua
maioria, ao setor não-manual de rotina e ao setor manual não-qualificado. (RIBEIRO, 2009;
SILVA, 1999).
Na análise de Ribeiro (2009), casais em que tanto o homem o quanto a mulher estão
inseridos em trabalho formal, é mais fácil perceber que o número de homens que se dedicam
ao trabalho manual é maior que o de mulheres no mesmo setor; ao passo que os cargos de
trabalho de rotina não-manual são predominantemente ocupados por mulheres. Os dados
revelam 67% de homens em atividades de trabalho manual e 59% de mulheres exercem esse
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tipo de trabalho. Já nos trabalho de rotina não-manual, 27% das mulheres estão ligadas a estas
atividades e apenas 20% dos homens estão em trabalhos semelhantes.
O autor acredita que os dados supracitados denunciam de forma clara uma divisão de
gênero e que o trabalho está subjugado a estas posições de classe. Para ele, os resultados
apresentados vão ao encontra da literatura sobre gênero e estratificação social, que afirma que
gênero e classe são conceitos intercambiáveis e que se completam, visto que a própria divisão
social do trabalho se baliza nas diferenças de gênero (RIBERIO, 2009).
Silva (1999), ao fazer uma análise das PNADS de 1995 a 1999 encontra dados que
corroboram a visão de Ribeiro (2009) de que a força de trabalho feminina é encontrada nas
áreas profissionais caracterizadas por trabalho manual e trabalho não-manual. Este são,
segundo o autor, os estratos ocupacionais do trabalho doméstico e das ocupações não-manuais
de rotina. A avaliação do mesmo mostra que 16,5% da População Economicamente Ocupada
(PEO) feminina encontra-se nestes estratos, que, em última análise, correspondem a um terço
das posições ocupadas pelas mulheres. Em contrapartida, a PEO masculina é claramente
ausente dos estratos ocupacionais tipicamente femininos, a saber: os serviços pessoais e de
trabalho doméstico; e, além disso, a população masculina é menos concentrada na estrutura
ocupacional, se dispersando em diversos setores distintos. Havia nas PNADs de 1995 a 1999
16,5 mulheres no trabalho doméstico, e apenas 0,8 de homens exercendo tal atividade. E 15,6
homens em trabalho de serviços gerais, enquanto apenas 5,5 de mulheres tinham essa
ocupação. Nesse ponto, pode-se inferir que as famílias monoparentais femininas estão em
relativa desvantagem, visto que seu chefe familiar, uma mulher, encontra menores
oportunidades de inserção no mundo do trabalho e enfrenta reveses que não são encontrados
por homens.
Nessa mesma direção, as investigações de Hasenbalg (2003) sobre os microdados das
PNADs de 1981, 1990 e 1999 apontam que o número de famílias chefiadas por mulheres
oscila de acordo com a maior ou menor participação dessas mulheres em certos setores
ocupacionais. Assim, a proporção dessas famílias é baixa em estratos ocupacionais como
servidores de trabalho manual e de trabalhadores da indústria moderna, que possuem,
respectivamente 2% e 1,3% de trabalhadoras. De modo inverso, a proporção de famílias
chefiadas por mulheres é maior em estratos ocupacionais como trabalho doméstico, serviços
pessoais, ocupações técnicas e artísticas e não-manuais de rotina.
Scalon (2009), por sua vez, faz um retrato do final da década de 90 utilizando também
os dados da PNAD e aponta que nesse interstício, 22,3% das mulheres eram empregadas do
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setor não-manual de rotina, o que representa o dobro do número de homens; e 31,9% no setor
manual não-qualificado. Contudo, a despeito das relativas desvantagens das mulheres no
mundo do trabalho, em 1996 a autora encontrou dados que revelam uma tendência promissora
para as mulheres: há um número maior de mulheres que se formam profissionais com ensino
superior. A visão de Silva (1999) corrobora para essa afirmação, ao apontar que nas PNADs
de 1995 a 1999 havia, em média, 1,7 homens exercendo profissões com curso universitário e
4,2 de mulheres nessa posição social.
3.3 EDUCAÇÃO, TRABALHO E REPARTIÇÃO DOS RECURSOS
FAMILIARES
Ao considerar “a escolaridade um fator de seleção que reforça também o padrão de
estratificação social” (XAVIER, 2009), é importante atentar para o fato de que as
desigualdades de trabalho não acompanharam as desigualdades de oportunidades
educacionais entre homens e mulheres. Observa-se que na trajetória educacional as mulheres
têm obtido relativa vantagem:
Em muitas nações industrializadas, os efeitos socioeconômicos sobre os resultados educacionais correm paralelamente a outra regularidade: a
diminuição significativa das desigualdades de oportunidades educacionais
por gênero. A expansão das instituições educacionais durante o século XX diminuiu gradativamente a vantagem dos homens sobre as mulheres, a qual,
em alguns casos, chegou a ser revertida (Shavit e Blossefeld, 1993 apud
Ribeiro, 2009).
Os homens possuíam largas vantagens em detrimento das mulheres até a geração de
1955 para completar o secundário inferior (conclusão da educação primária). Já a partir da
década de 1963 e 1971, datas analisadas pelo autor, as mulheres passam a ter maiores chances
de completar este ciclo educacional que os homens, característica observável em diversos
países do mundo (RIBEIRO, 2009). Hasenbalg (2003) conclui que as mulheres avançam, em
média, mais de dois anos de estudos que os homens. Esse dado é interpretado pelo autor como
coerente com o melhoramento das competências educacionais das mulheres ocorridas nos
últimos vinte anos.
Os chefes de famílias e as pessoas com mais de 15 anos avançam 1,7 e 1,6 anos de
estudo, respectivamente. As mulheres chefe de famílias com filhos e parentes, possuem média
de 4,3 anos de instrução e são as que possuem melhor nível educacional. Vale lembrar que
esse tipo de arranjo familiar é considerado em situação precária e abarca 3,3% dos menores de
15 anos. Por seu turno, as famílias com mãe e filhos, que tem 13,1% dos menores de 15 anos,
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não sofrem déficit educacional e atingem médias educacionais próximas da medida geral
(HASENBALG, 2003). Tal análise demonstra que, não obstante a desigualdade entre homem
e mulher no trabalho, há uma constatação otimista para as familias monoparentais femininas,
uma vez que a maior trajetória educacional das mulheres, em tese, abre horizontes
profissionais que não seriam possíveis sem a qualificação profissional.
Em suma, trabalho e educação são variáveis imbricadas e que condicionam maior ou
menor distribuição dos recursos familiares. Os dados obtidos por Hasenbalg (2003), que
asseveram que as famílias compostas por mães com filhos – caracterizada como um subtipo
familiar incompleto – possuem situação financeira melhor que a de casais com filhos e
parentes. Tais dados revelam que a presença de membros da família extensa aparentemente
exerce um efeito prejudicial à distribuição dos recursos familiares maior que a ausência de um
dos cônjuges, o que, naturalmente, acontece nas famílias monoparentais que possuem outros
membros que não a mãe e filhos. Para exemplificar isso, o autor aponta que a melhor situação
econômica é dos casais com filhos, cuja renda familiar per capta fora calculada na média de
R$ 272,76. Em segundo lugar, estão justamente as famílias com mães e filhos, que auferem,
em média, R$ 234,31 como renda familiar per capta. Seguidamente, veem-se as famílias dos
casais com filhos e parentes, bem como das mães com seus respectivos parentes com renda
familiar per capta de R$ 216,71 e R$ 191,65, nessa ordem. Portanto, a presença de outro
membro que não da família nuclear prejudica a distribuição dos recursos na família. As
famílias monoparentais acrescidas de outros parentes são classificadas entre aquelas que
possuem pior renda per capta.
3.4 MOBILIDADE SOCIAL, GÊNERO E CHEFIA FEMININA
Adiante serão apresentados dados e diagnósticos feitos pelos autores a respeito
mobilidade social, sob diferentes perspectivas e usando modelos de investigação variados. A
partir disso, procura-se entender quais as implicações da mobilidade social feminina para as
famílias monoparentais chefiadas por mulheres. Silva (1999) define “mobilidade social” como
o movimento, seja de indivíduo ou de grupos sociais, para outras posições sociais dentre uma
sociedade. Por isso, a mobilidade social é, tradicionalmente, estudada como um fluxo que
favorece a redistribuição de oportunidades dentro dos esquemas de estratificação social. Na
literatura, a mobilidade tem sido tratada basicamente como mobilidade ocupacional, em que
os postos de trabalho são as medidas necessárias para se mensurar a movimentação dos
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indivíduos/grupos entre os estratos sociais. Para o referido autor, os principais cortes para a
mobilidade ocupacional são as categorias de trabalho rural/urbano e manual/não-manual.
Na análise de Scalon (2009), o número de mulheres que originalmente são de estratos
não-manuais e que tiveram seu primeiro trabalho no setor não-manual de rotina, oscila entre
61% e 55%. Na opinião da autora, a faixa social não-manual de rotina e a manual não-
qualificado são como “zonas de contenção” à mobilidade de longa distância, visto que são
ocupações de pouco prestígio e remunerações baixas e que, em geral, abarcam a maioria de
mulheres que provêm do setor manual e rural, respectivamente (SCALON, 2009). De plano,
entende-se que as mulheres, ainda que possuam relativa mobilidade social, esta é ainda parca
e em curtas distâncias, uma vez que a própria estrutura social utiliza os postos de trabalho
ocupados massivamente pelas mulheres como freio para impedir mobilidades mais amplas
que desestruturem o modelo de classes vigente.
No entanto, um olhar atento para a estrutura de classes da década de 90 aponta para
um novo cenário para a mobilidade das mulheres: em 1996 a mobilidade feminina ascendente
aumentou em relação ao final da década anterior, assim como também foi ampliada a
mobilidade de circulação. Mobilidade de circulação é aquela que sucede naturalmente dentro
da dinâmica do mercado, em que novos postos de trabalho são desocupados por
aposentadoria, morte ou ascensão/descensão social dos indivíduos que os ocupavam
previamente. Os dados revelam que em 1988, a mobilidade circular das mulheres girava em
torno de 15,9%, já em 1996, a mobilidade atingiu 21,7%. (SCALON, 2009). Ou seja, no
espaço de uma década, as mulheres passaram a encontrar maiores possibilidades de trabalho e
de inserção no mercado formal.
A mobilidade de circulação faz um paralelo com a mobilidade intrageracional, modelo
definido como o deslocamento para diferentes postos de trabalho ao longo da carreira. A esse
respeito, Scalon (2009) diz que 1996 houve uma tendência à imobilidade intrageracional entre
os homens, ao passo que as mulheres encontravam-se em pleno processo de mobilidade na
mesma data. Em 1988, mulheres tinham mobilidade intrageracional de 59,7%, já em 1996,
63,6%. Porém, esse fenômeno escancara a tendência geral a mobilidade descendente tanto
para homens quanto para mulheres. Como exemplo, em 1988 a mobilidade descendente
atingia a taxa de 18,1% para homes e 18,9% para mulheres; no ano de 1996 os valores sobem
para 27,6% e 29,1% para homens e mulheres, respectivamente. Infere-se, então, que a
movimentação dentro da carreira não necessariamente leva as mulheres a ascensão social. As
mulheres chefes de família podem encontrar, por um lado, maiores chances de se deslocar
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dentro da estrutura social; por outro, nem sempre essa mobilidade representa ganhos sociais
ou conquista de melhores postos de trabalho.
Além da mobilidade circular, a mobilidade social também pode ser averiguada através
da comparação entre a posição social dos indivíduos em relação à dos seus pais, a chamada
mobilidade intergeracional (SCALON, 2009). Nesse caso, a mobilidade feminina não é tão
favorável quanto a circular, se comparada à dos homens. Ribeiro (2009) afirma que 20% dos
homens estudados ascenderam comparativamente a seus pais e 10% em relação a suas mães.
Na outra ponta, 16% das mulheres tiveram mobilidade ascendente em relação a seus pais e
8% em relação a suas mães. Aqui vale frisar que os dados em relação à mãe são de interesse
para o autor por expressarem a interação entre mobilidade e a profissão da mãe. Encontrou-se
que 19% das mulheres dona de casa são filhas de dona de casa, e 23% são filhas de mulheres
que trabalhavam formalmente (RIBEIRO, 2009).
Os dados apresentados por Ribeiro (2009) ensejam que a profissão dos pais – nesse
caso, sobretudo da mãe - exercem influência na posição social de destino dos filhos. Aguiar
(2007) concorda com tal suposição ao afirmar que, por exemplo, a educação dos pais projeta
nos filhos influencias acerca dos estudos, impactando em suas escolhas educacionais e
profissionais. Contudo, a mesma autora discorda de Ribeiro (2009) ao apontar que o fato de
ser dona de casa não traz impactos significativos na educação dos filhos (AGUIAR, 2007). A
conclusão da autora parece diminuir a relação de causa e efeito que se acredita existir entre a
profissão ausência de profissão da mãe - mãe dona de casa – e a profissão de seus filhos. Para
ela, a trajetória profissional feminina está atrelada muito mais ao investimento próprio que
elas realizam em educação. Tais dados interessam para a análise das famílias chefiadas por
mulheres por inferir-se que os padrões familiares replicados ou contraditos nas gerações
seguintes são menos influenciados pela figura do genitor, nesse caso, da mãe.
Ribeiro (2009) indica que, mesmo os homens tendo maiores chances de mobilidade
ascendente do que as mulheres, essa vantagem deixa de existir quando são analisados os
dados referentes aos casais em que tanto o marido quanto a esposa encontram-se no mercado
de trabalho. Neste caso, os números são: 22% dos homens casados com mulheres que
ascenderam socialmente em relação a seus pais e 29% em relação a suas mães.
Comparativamente, 38% das mulheres inseridas no mercado de trabalho, ao se casarem,
obtiveram mobilidade ascendente em relação a seus pais e 32% em relação a suas mães.
Nesse ponto, a análise vale para compreender que a mobilidade feminina também está
condicionada ao casamento. Tratar das famílias monoparentais femininas é dizer de mulheres
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de mulheres que ou não passaram pelo casamento, ou que, depois de casadas, se divorciaram,
motivo que dificulta a mobilidade das mesmas e, por conseguinte, também impossibilitam a
ascensão social de todo o núcleo familiar.
Por fim, nos estudos de Scalon (2009), as mulheres continuam tendo maiores taxas
absolutas de imobilidade que os homens; contudo, os números acerca das diferenças de
gênero na mobilidade descendente não se mostram significativos. Assim, como saliente.
Ribeiro (2009), ainda que relevantes, as taxas absolutas de mobilidade não podem ser tomadas
como medidas definitivas e não dão um parecer conclusivo sobre qual dos fatores é mais
significativo para a mobilidade social: classe ou gênero. A resposta para tal indagação se dará
através de análises estatísticas mais sofisticadas e que levem em consideração homens e
mulheres com mesmas classes de origem.
CONCLUSÕES
As famílias compostas por mães e filhos sem cônjuge surgem por separações,
divórcios, viuvez e por gravidez indesejada, frequentemente observada em adolescentes.
Ocorre que a falta de um dos cônjuges ou de seu substituto, naturalmente gera uma sobrecarga
de atividades sobre a chefe de família, que se vê na incumbência de executar tarefas distintas
e, muitas vezes, simultâneas, de cuidar dos filhos, da casa, do trabalho e da renda familiar.
Além desses fatores, outros se somam para o acirramento das vulnerabilidades sociais a que
essas famílias se subjugam, tais como os apresentados por Hasenbalg (2003): a média das
mães chefes de famílias monoparentais é inferior a das mães de unidades familiar completas.
As primeiras têm em torno de 28,3 anos; as segundas, 49,4 anos. A interpretação do autor é
que as famílias de mães com filhos são formadas por mulheres que voltaram para as famílias
de origem quando de sua separação ou de mulheres que não romperam com sua família de
origem. Sobreposto a todo esse cenário, estão as desigualdades de gênero apontadas pela
estratificação social que impactam sobre estas famílias.
Os modelos de análise da estratificação social consultados inferem que há um
paradoxo notório nas análises da estratificação social de gênero: de um lado as mulheres
transitam mais pelo sistema educacional que os homens, obtendo maiores credenciais de
qualificação e formação profissional; de outro, ainda há uma clara diferenciação das
oportunidades de trabalho e níveis de salários entre homens e mulheres. Além disso, as
mudanças sociais no papeis familiares e de gênero não garantiram que a mobilidade feminina
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fosse significativa ao ponto de permitir às mulheres emancipação e autonomia. Assim, ainda
que os paradigmas patriarcais tenham perdido força ao longo das últimas décadas, as
mulheres continuam enfrentando reveses em decorrência das desigualdades entre homem e
mulher no mundo do trabalho, o que figura, para as famílias de mulheres com filhos, desafios
ainda maiores na manutenção e cuidado para com o núcleo familiar.
Por fim, acredita-se que os resultados encontrados servem à agenda das políticas
públicas que estão a serviços dessas famílias. O quadro de políticas públicas que incluem as
famílias em seu escopo não pode, evidentemente, ignorar os papeis realizados por seus
membros nas relações familiares, tampouco pode furtar-se de inferir sobre as mudanças
socioeconômicas das famílias. A compreensão da presença destes novos arranjos familiares a
partir da estratificação social contemporânea abre possibilidades para entender os limites e
avanços do desenho das políticas públicas e, em última análise, permite discutir os encargos
assumidos pelas famílias no sistema contemporâneo de proteção social e na dinâmica da
sociedade como um todo.
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