14
O objetivo do texto é mostrar que a noção de que o fato é um pensamento verdadeiro é coerente com o cerne do projeto filosófico de Gottlob Frege. Para isso, primeiro exporei seu argumento contra o psicologismo tal qual publicado em seu artigo póstumo Lógica; depois, como esse antipsicologismo pode ser compreendido em termos de um antiempirismo; por último, um breve comentário acerca da importância desta noção no contexto da própria execução da Conceitografia. Lógica, escrito em 1897, foi uma das tentativas de Frege de escrever uma cartilha sobre lógica. O único resultado em vida deste esforço foi a publicação conjunta de uma série de três artigos – Pensamento, Negação e Pensamentos Compostos – publicados em 1918/19. Lógica foi publicado apenas em 1969, na coleção Escritos Póstumos. O artigo é composto de quatro partes, as duas últimas nomeadas Negação e Pensamentos Compostos; as duas primeiras partes, Introdução e Separando o Pensamento de suas Armadilhas, são consideradas rascunhos de Pensamento; ambos discorrem sobre os mesmos assuntos – A impossibilidade de se definir o termo “verdade”, o tratamento de indexicais e a distinção entre ideia (Vorstellung) e pensamento (Gedanke). Minha escolha pela sua obra póstuma, menos lida é que aqui o argumento é apresentado de maneira mais conveniente a se tratar as ciências empíricas de maneira

Fato e Verdade

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Sobre a relação entre faticidade e verdade na obra de Frege

Citation preview

Page 1: Fato e Verdade

O objetivo do texto é mostrar que a noção de que o fato é um

pensamento verdadeiro é coerente com o cerne do projeto filosófico de

Gottlob Frege. Para isso, primeiro exporei seu argumento contra o

psicologismo tal qual publicado em seu artigo póstumo Lógica; depois, como

esse antipsicologismo pode ser compreendido em termos de um

antiempirismo; por último, um breve comentário acerca da importância desta

noção no contexto da própria execução da Conceitografia.

Lógica, escrito em 1897, foi uma das tentativas de Frege de escrever

uma cartilha sobre lógica. O único resultado em vida deste esforço foi a

publicação conjunta de uma série de três artigos – Pensamento, Negação e

Pensamentos Compostos – publicados em 1918/19. Lógica foi publicado

apenas em 1969, na coleção Escritos Póstumos. O artigo é composto de

quatro partes, as duas últimas nomeadas Negação e Pensamentos

Compostos; as duas primeiras partes, Introdução e Separando o Pensamento

de suas Armadilhas, são consideradas rascunhos de Pensamento; ambos

discorrem sobre os mesmos assuntos – A impossibilidade de se definir o

termo “verdade”, o tratamento de indexicais e a distinção entre ideia

(Vorstellung) e pensamento (Gedanke). Minha escolha pela sua obra

póstuma, menos lida é que aqui o argumento é apresentado de maneira mais

conveniente a se tratar as ciências empíricas de maneira geral,

diferentemente de outras obras nas quais o psicologismo é apresentado no

contexto da matemática1.

Frege foi hostil ao psicologismo durante toda sua obra. Podemos

compreender por psicologismo a noção de que não há claras separações

entre a psicologia e a lógica, com precedência epistêmica da psicologia; ou

seja, que através do desenvolvimento da psicologia chegaríamos ao

1 Falo aqui dos argumentos contra Mill nos Fundamentos da Aritmética, dos argumentos expostos nas Leis Básicas da Aritmética contra a lógica psicológica e contra a noção de verdade como consenso tal como defendida por Benno Erdmann, e da crítica a Filosofia da Aritmética de Husserl em resenha de 1984. Nós podemos ver argumentos contra o psicologismo em quase toda a bibliografia de Frege. Nenhum deles se contraporá de nenhuma maneira ao argumento aqui apresentado.

Page 2: Fato e Verdade

conhecimento das leis lógicas e, por conseguinte, da própria natureza da

verdade, objeto de estudo da lógica.

Psicologia e lógica são ciências que tem objetos distintos. A psicologia

lida com as ideias (Vorstellung), pertencentes ao nosso mundo interno,

pessoal. Elas são subjetivas e portanto inacessíveis. Eu não posso sentir sua

dor, ter as mesmas sensações, memórias, imaginações. A lógica, por outro

lado, se interessa pelo pensamento (Gedanke). O pensamento não deve ser

entendido como algo interno, privado, exclusivo da nossa mente, mas algo

que possui existência objetiva, alheia ao nosso existir.2 O pensamento é o

sentido (Sinn) expresso por uma sentença assertórica.

Uma das primeiras tarefas necessárias a lógica é a separação desta

daquilo que é psicológico. Frege diz que não é possível pensar sem que

tenhamos imagens, ideias, mas devemos conseguir separar aquilo que

pertence ao mundo interior e aquilo que é lógico. Os lógicos de sua época

ainda carregavam coisas que não pertenciam a lógica em seus escritos e

análises, como, por exemplo, a distinção entre sujeito e predicado.

Em primeiro lugar, o objeto do profissional da lógica não é a análise da

linguagem comum (e nem deve ser). Um mesmo pensamento pode estar

escrito de diversas formas distintas e ainda assim ser o mesmo. As “roupas”

que esse pensamento veste pode muitas vezes confundir o lógico, fazer com

que ele creia que certo componente gramatical – uma mudança entre voz

ativa e voz passiva, ou diferenças gramaticais entre idiomas por exemplo –

altere a estrutura do pensamento. Se todas as alterações entre uma versão e

outra da escrita das sentenças forem salva veritate, conservamos então

aquilo que é próprio do pensamento em questão. Tal qual o físico não deve

se preocupar com a composição química do corpo ao fazer um tratado de

mecânica geral, o lógico não precisa examinar exaustivamente cada

2 A questão da objetividade foi tema da apresentação anterior: não discorrerei em detalhes sobre o tema, mas pontuarei alguns itens que acho importantes acerca do assunto durante o texto, se necessário; cabe aqui fazê-lo pela primeira vez: a noção de objetividade em Frege deve ser compreendida com fundo epistemológico, através de sua teoria do juízo – um pensamento é objetivo pois pode ser compreendido por todos. Me oponho assim a uma visão platônica realista de Gedanke, com sentido ontológico forte. Eu não usarei no texto a palavra “pensamento” com outro sentido que não seja esse.

Page 3: Fato e Verdade

vocábulo de uma oração para tratar de assuntos concernentes ao

pensamento; ele deve ter como missão se livrar das amarras da linguagem.

Alguém pode responder: precisamos estudar as leis da gramática para

assim sabermos como o homem realmente pensa. Ora, os estudos das

regras gramaticais e de outros idiomas são muito úteis, mas apenas para que

possamos ver de que diferentes formas podem aparecer as sentenças e

saibamos distinguir melhor a aparência da sentença do cerne da mesma;

muitas das dificuldades da lógica são oriundas da imperfeição da linguagem.

Mas a lógica não depende dela, e não é objetivo da lógica compreender

como o homem realmente pensa: Se assim fosse, então a lógica seria

apenas uma subdisciplina da psicologia. Seria semelhante a dizer que fazer

astronomia é a mesma coisa que elaborar uma teoria psicofísica de como

alguém vê pelo telescópio. Essa concepção nos leva a uma teoria idealista

do conhecimento – as regras gramáticais, os pensamentos, todos fariam

parte da psicologia, porque eles nos seriam do jeito que são porque

pensamos neles assim. Desta maneira, todos seriam ideias e toda ligação

possível com o que é objetivo estaria rompida, pois todo ato de cognição

ocorre quando fazemos juízos.

O psicologismo fisiológico é o exemplo mais marcante de idealismo,

pois ele parte de uma postura realista. Através do conhecimento dos

neurônios, gânglios nervosos e impulsos elétricos se desenvolve maior

inteligibilidade sobre os processos de produção de ideias, e isso não é

nenhum problema para a ciência. Mas a partir do ponto em que tentamos

tratar do pensamento e do juízo a partir de observações de natureza

fisiológica, caímos na mais extrema forma de idealismo. Nervos e gânglios

deixam de ser objetivos e se tornam ideias de nervos e ideias de gânglios, já

que é o proprio processo do qual fazem parte que os produz. E se mesmo

assim concebermos que isso pode ser verdade, então pode ser verdade que

os fantasmas na mente de um esquizofrênico existem realmente, porque tudo

não seria nada mais que um processo. A verdade não seria nada mais que

um processo mental fabricado por meu sistema nervoso. Um fantasma na

minha mente não se contradiz com o fantasma da sua mente, ambos então

certos e estão verdadeiros. A noção de verdade seria tal qual a de beleza,

dependente de dados subjetivos.

Page 4: Fato e Verdade

A verdade não é como a beleza. A beleza admite gradação, a verdade

não. Posso achar que certa pintura é mais bela que outra, mas considerando

ambas belas; se dois pensamentos são verdadeiros, elas são igualmente

verdadeiros. O que é verdadeiro independe do nosso reconhecimento do

fato, mas o belo só é belo para aquele que o acha. Não há disputa ou

contradição necessárias no campo da beleza: gosto não se discute3. Mesmo

quando tentamos tratar de questões estéticas de maneira objetiva, há sempre

conexão forte com o que há de dado subjetivo na beleza: a rosa é bonita para

certos seres humanos, podemos dizer, mas caso eles não existissem, a rosa

não teria como ser tratada como bonita. Nada é belo em si mesmo, mas

apenas no contexto da experiência de alguém. Já a lei da gravidade é

verdadeira ou não independentemente de que alguém saiba ou não de sua

existência ou mesmo se não houvesse nenhum humano na terra. As coisas

são verdadeiras nelas mesmas, não verdadeiras para mim; quando nos

engajamos numa disputa argumentativa, consideramos que pode haver

apenas um lado verdadeiro em dois oradores de discursos opostos, e

consideramos que é esse exercício argumentativo que nos levará a saber

qual desses discursos é verdadeiro, não o que o orador “pensa” ou acredita.

A associação da ideia visual de uma rosa com a ideia de seu delicado

aroma, com as ideias auditivas da palavra rosa e aroma, com as ideias

motoras associadas a expressão dessas palavras e mais e mais associações

de ideias até a mais complexa das ideias não resulta em nenhum

pensamento. Uma combinação de ideias ainda é uma ideia. A lei da

gravidade não depende de nada que aconteça na minha mente ou de como

mudo minhas opiniões. Entender, aceitar, compreender a lei da gravidade é

um processo mental, mas não pode ser entendido através de um ponto de

vista puramente psicológico. Existe algo aí que não é psicológico e essa

coisa em questão é o pensamento. Como isso ocorre? Frege mesmo

concorda que isso é algo misterioso, mas que os dados mentais não devem

incomodar o lógico. As questões de como nós mentalmente alcançamos a

verdade ou de porque aceitamos algo como verdadeiro não é de interesse do

3 De gustibus non disputandum. Neste parágrafo apresento o argumento sobre a estética aos moldes de Frege. É certo que não há consenso sobre o assunto na história da Filosofia.

Page 5: Fato e Verdade

lógico, mas as leis da verdade sim. Podemos entender essas leis como

prescrições para nosso exercício em busca da verdade: devemos estar

atentos a elas caso não queiramos falhar. O ato de pensar não está sempre

de acordo com as leis da lógica, da mesma maneira que o comportamento de

um ser humano não está sempre de acordo com as leis de seu país.

Dizer que a justificação de uma lei lógica é fundamentada numa

determinação empírica dos princípios psicofísicos da consciência do ser

humano comum é o mesmo que dizer que a lei kepleriana do movimento dos

planetas se aplica a maioria deles, ou aos planetas “normais”. Aqueles que

não seguirem a norma devem ser reprimidos como crianças para que no

futuro se portem como planetas normais. Nos pautar por questões de

normalidade ou maioria é gravemente equivocado: o homem comum, não

treinado no rigor matemático, pode achar anormal ou antinatural uma

explicação altamente rigorosa de um teorema. O maior dos gênios seria

aquele que alcançasse a mais completa mediocridade. Além disso, se não há

distinção entre os fundamentos de justificação de uma convicção e as causas

que o produziram, não há diferença entre uma superstição e uma descoberta

científica, pois todos são dependentes dos mesmos fatores psicológicos.

Se as leis da lógica são de cunho psicológico, podemos dizer que a

verdade é passível de ser mudada com o tempo, da mesma forma que uma

gramática pode se alterar com o correr de décadas. Poderíamos dizer que

“todo objeto é idêntico a si mesmo” é uma regra válida no tempo atual, com

exceção de em talvez duas ou três tribos primitivas ainda desconhecidas.

Porém, se uma lei é verdadeira, mesmo que ela seja psicológica, ela deve

ser sempre verdadeira, eternamente verdadeira. As leis da verdade, assim

como todos os pensamentos, são sempre verdadeiras se verdadeiras e

sempre falsas se falsas, não importa em que tempo estivermos. Podemos

dizer que certo faraó do Egito morreu de tuberculose, mesmo que na data

não se soubesse sequer da existência do bacilo de Koch.

Por último, podemos entender que leis psicológicas podem se referir a

composição química do cérebro ou a sua estrutura anatômica. Leis lógicas

não podem se referir a essas características, pois seria absurdo. Se Hebe

Camargo morreu ou não independe do tamanho do cérebro ou da quantidade

de fósforo nele presente, por exemplo.

Page 6: Fato e Verdade

As ideias, incomunicáveis por natureza, não podem ser comparadas

com o que há de real. Como dito em Sobre o Sentido e a Referência: “Se

duas pessoas imaginam a mesma coisa, cada uma ainda tem sua própria

ideia. É as vezes possivel estabelecer diferenças entre ideias, ou mesmo

sensações, entre diferentes homens; mas uma comparação exata não é

possível, pois não podemos ter ambas as ideias juntas em uma mesma

consciência4. De acordo com as notas de Carnap sobre o curso oferecido por

Frege em 1910, “a verdade não pode ser definida como a comparação de

uma ideia com o real, pois algo que é subjetivo não pode ser comparado com

algo objetivo. A verdade não pode ser definida, analisada, reduzida (a

nada)”5. Não é possivel corresponder uma ideia à realidade, dada a sua

incomunicabilidade. Posso apontar uma estrela cadente e dizer que minha

ideia corresponde a aquele pedaço de realidade, mas se há compreensão

mútua do que é minha ideia, então estou transformando algo que é subjetivo

em objetivo. Pode-se ter uma ideia da ideia que tive, uma ilustração mental

de uma estrela cadente por exemplo, mas nunca a minha ideia, já que ela

pertence somente a mim.

Resta a comparação entre duas entidades objetivas, portanto: o

pensamento e a realidade. Porém, Frege nos afirma que o fato é um

pensamento verdadeiro. Como exemplo de pensamentos dados por Frege

estão “leis da natureza, leis matemáticas, fatos históricos”6. É estranho

pensar que fatos são eles mesmos os portadores de verdade. Suporia-se que

eles fossem os eventos que atestariam a verdade de uma proposição ou

enunciado, por exemplo. Mas como compararíamos pensamentos ao mundo

dos objetos físicos? De que maneira isso poderia seria feito?

Os correlatos dos fatos possíveis são, na melhor das hipóteses,

nossas ideias e representações. O que nos resta à comparação, além dos

pensamentos acessados, são nossas sensações, memórias, imaginações,

todas elas pertencentes ao mundo interno, das ideias. “Como saber que o

nome “Lua” tem um Bedeutung ?” pergunta o idealista. Frege não responde

4 Frege Reader, p. 1555 Sluga, Truth and the Imperfection of Language, p. 56 Posthumous Writings, p. 131

Page 7: Fato e Verdade

apontando para a Lua, não pede para que o cético veja ou sinta a Lua. Diz

apenas que pressupomos que haja um Bedeutung, e que esse Bedeutung

não é a ideia de lua, mas a Lua mesma. Olho agora pela janela de casa o

céu, e digo: eu vejo a lua neste momento. O sentido expresso por essa

sentença assertórica é objetivo, então não pode ser comparado com nada

subjetivo, com minhas sensações, para que se ateste sua verdade. Não

depende de minhas sensações a verdade ou falsidade desse enunciado.

“Sensações, sentimentos, humores, inclinações, desejos”7 são coisas que

nós temos, que precisam de um portador, pertencem a um certo mundo

interno. Elas são ideias.

O fato não pode ser um truth-maker porque a comparação de

proposições com eventos seria a comparação de algo objetivo, o

“pensamento” (proposição), com algo subjetivo, nossas ideias e sentidos

(aquilo que “percebemos” como evento). Deve-se apartar o psicológico do

lógico, e as questões sobre a verdade pertencem a esfera do lógico, não do

psicológico. O psicológico é subjetivo, inacessível, não-compartilhável,

enquanto o mundo objetivo é algo compartilhado por todos. As leis da lógica

não são leis empíricas gerais da racionalidade humana - como crê o

materialismo naturalista, linha de pensamento predominante entre os

cientistas e pensadores da época.

É ao cientista materialista que Frege fará sua admoestação. “Facts,

facts, facts, cries the scientist if he wants to bring home the necessity of a firm

foundation. What is a fact? A fact is a thought that is true”8. Esse cientista

naturalista mantém a tese de que seres humanos são seres sensórios, e que

seu conhecimento vem a partir da percepção sensória da realidade e não de

construções especulativas conceituais. Os caminhos que as ciências

tomavam a época de Frege levavam a um psicologismo fisiológico, uma

espécie de ultra empirismo a qual o filósofo se voltou contra.9 Czolbe, o

7 Frege Reader, p. 1348 Frege Reader, p. 3429 Sluga foi o responsável por apontar, através de uma reconstrução histórica, que as teses fregeanas eram contra o naturalismo materialista alemão, e não contra o idealismo hegeliano, como dizia Dummett em Frege: Philosophy of Language. No prefácio a segunda edição de seu livro, Dummett faz uma nota apontando que que a crítica está “aparentemente correta”.

Page 8: Fato e Verdade

filósofo com a teoria epistemológica mais sofisticada da tradição naturalista,

dizia que o dado fundamental “é a percepção sensória. (…) Psicologia é a

ciência fundamental, não a lógica, não o pensamento especulativo”10. Essa

psicologia é fisiológica: “Qualidades sensórias de visão e som, paladar, olfato

e temperatura (…) são apenas movimentos no sistema nervoso. (…) A

consciência é apenas um movimento reflexivo das fibras do cérebro. (…) O

que chamamos associação de ideias é apenas um caso de ressonância no

cérebro. (…) A alma ou self é apenas a soma destas atividades psicológico-

fisiológicas”.11 Conceitos, juízos e inferências não se dão por comparação ou

abstração, mas por necessidade física, devido a estrutura molecular do

cérebro.

O empirismo surge da dificuldade de se perceber que, “apesar de

nossos juízos serem causalmente determinados, nem todas essas causas

são justificações. Como uma direção empirista da filosofia falha em

considerar essa distinção, se conclui que todo nosso conhecimento é

empírico, por causa da causalidade empírica de nosso pensar (thinking)”12.

Em Pensamento, Frege já aponta desde o início que o empirismo deve ser

evitado como regra fundamental: “qualquer coisa que os sentidos possam

perceber é excluído do reino das coisas sobre as quais surge a questão da

verdade”13. Ele exemplifica: “O Sol nasceu é reconhecido por nós como

verdadeiro com base em nossas impressões sensoriais, mas o Sol nasceu

não é um objeto emitindo raios que alcançam meus olhos, não é uma coisa

visível como o Sol.” 14

Não devemos, da mesma maneira, acreditar que o conhecimento

surge a partir da soma das experiências dos indivíduos. Frege se opõe a

aqueles que “reconhecem a indução como único processo de inferência (e

mesmo aqueles que vêem não como inferência, mas como hábito)”15,

afirmando que a indução “pode ser justificada apenas por meio das

10 Sluga, Frege, p. 2911 idem12 Logic, p.213 Frege Reader, p. 32814 idem15 Frege Reader, p. 91

Page 9: Fato e Verdade

proposições gerais da aritmética”16

Como o cientista pode então alcançar os fatos verdadeiros com o rigor

necessário de uma ciência? Através da utilização da conceitografia. Iniciando

através da conceitografia a dedução de pensamentos a partir de verdades

lógicas, teremos a conservação da verdade desta para a aritmética, que nos

fornecerá as bases da teoria da probabilidade - e assim de uma teoria da

indução - levantando as bases fundamentais das ciências empíricas. Para

isso a conceitografia foi criada: como lingua characteristica das ciências, para

que nela não se confunda o lógico, aquilo que diz respeito a verdade, com o

psicológico.

O cientista pede por fatos para garantir a verdade de suas

proposições, pois ainda padece das confusões empiristas. É através da

utilização da linguagem formalizada própria para seus propósitos, a

conceitografia, que a ciência alcançará os fatos - sua firme fundação - pois

verá com claridade suas deduções, sem os problemas gerados pela

linguagem comum. Nesta linguagem, predicados de verdade serão

desnecessários, pois ela é conservada em todas as deduções. A

conceitografia dará sustentação para uma fundamentação mais clara da

matemática, e consequentemente uma teoria das probabilidades que servirá

como sustentação das ciências empíricas.

Bibliografia

FREGE, Gottlob, The Frege Reader, ed. M. Beaney, Blackwell, 1997.

_____, Foundations of Arithmetic, tr. de J.L. Austin, Blackwell, 1953

_____, Posthumous Writings, tr. de P. Long, R. White e R. Hargreaves,

Oxford, 1979.

SLUGA, Hans, Gottlob Frege, Routledge, 1980.

_____, Truth and the Imperfection of Language, In:Grazer

Philosophische Studien, vol. 75, Rodopi, 2007

16 Foundations of Arithmetic. pp 16-17