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Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 Lisboa, 30 de novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. 3 Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman renascido", 4 e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, 5 não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa. 5 Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (e.g., deShakespeare e Edgar Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto 6 e Almada Negreiros) para o inglês. 7 Enquanto poeta, escreveu sob múltiplas personalidades heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro–, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros." 8 Biografia[editar | editar código-fonte ] Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus. Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Se depois de eu morrer . Poemas Inconjuntos; escrito entre 1913-15; publicado em Atena nº 5 de Fevereiro de 1925. Primeiros anos em Lisboa[editar | editar código-fonte ]

Fernando Pessoa

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Biografia

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Fernando Antnio Nogueira Pessoa(Lisboa,13 de junhode1888Lisboa,30 de novembrode1935), mais conhecido comoFernando Pessoa, foi umpoeta,filsofoe escritorportugus.3Fernando Pessoa o mais universal poeta portugus. Por ter sido educado nafrica do Sul, numa escola catlica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma ingls do que com o portugus ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crtico literrioHarold Bloomconsiderou Pessoa como "Whitmanrenascido",4e o incluiu no seu cnone entre os 26 melhores escritores da civilizao ocidental,5no apenas da literatura portuguesa mas tambm da inglesa.5Das quatro obras que publicou em vida, trs so nalngua inglesa. Fernando Pessoa traduziu vrias obras em ingls (e.g., deShakespeareeEdgar Poe) para o portugus, e obras portuguesas (nomeadamente deAntnio Botto6eAlmada Negreiros) para o ingls.7Enquanto poeta, escreveu sob mltiplas personalidades heternimos, comoRicardo Reis,lvaro de CamposeAlberto Caeiro, sendo estes ltimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas comoYeats,Pound,Elliotinventaram mscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros."8Biografia[editar|editar cdigo-fonte]Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,No h nada mais simplesTem s duas datas - a da minha nascena e a da minha morte.Entre uma e outra todos os dias so meus.Fernando Pessoa/Alberto Caeiro;Se depois de eu morrer. Poemas Inconjuntos; escrito entre 1913-15; publicado emAtenan 5 de Fevereiro de 1925.Primeiros anos em Lisboa[editar|editar cdigo-fonte]

Fernando Pessoa nasceu neste edifcio, no bairro do Chiado, frente pera de Lisboa, a 13 de junho de 1888.s trs horas e vinte e quatro minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nasce emLisboaFernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n. 4 do Largo de So Carlos, em frente pera de Lisboa (Teatro de So Carlos). De famlias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai,Joaquim de Seabra Pessoa(38), natural de Lisboa, era funcionrio pblico do Ministrio da Justia e crtico musical do Dirio de Notcias. A me,D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa(26), era natural dosAores(mais propriamente, daIlha Terceira). Viviam com eles a av Dionsia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emlia.O poeta, pelo lado paterno, tem as suas razes familiares no concelho deArouca, nas freguesias do denominado Fundo do Concelho deArouca.910.Fernando Antnio foi baptizado em21 de Julhona Baslica dos Mrtires, aoChiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Lusa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageiaSanto Antnio: a famlia reclamava uma ligao genealgica com Fernando de Bulhes, nome de baptismo de Santo Antnio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.A sua infncia e adolescncia foram marcadas por factos que o influenciariam posteriormente. s cinco horas da manh de24 de Julhode 1893, o pai morreu, com 43 anos, vtima detuberculose. A morte foi anunciada noDirio de Notciasdo dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmo Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano.3A me v-se obrigada a leiloar parte da moblia e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n. 104 da Rua de So Maral. Foi tambm neste perodo que surgiu o primeiroheternimode Fernando Pessoa,Chevalier de Pas, facto relatado pelo prprio a Adolfo Casais Monteiro, numacartade 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heternimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantilepgrafede Minha Querida Mam. A me casa-se pela segunda vez em 1895 por procurao, na Igreja de So Mamede, em Lisboa, com o comandante Joo Miguel Rosa, cnsul de Portugal emDurban(frica do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em frica, onde passa a maior parte da juventude e recebe educao inglesa, Pessoa viria a demonstrar desde cedo talento para a literatura.Juventude em Durban[editar|editar cdigo-fonte]

O padrasto e a me.Em razo do casamento, viaja com a me para Durban, acompanhados por um tio-av, Manuel Gualdino da Cunha, que voltaria para Lisboa no ms seguinte. Viajam no navio Funchal at Madeirae depois no paquete Ingls Hawarden Castle at aoCabo da Boa Esperana. Faz a instruo primria na escola de freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira comunho, e percorre em dois anos o equivalente a quatro.Em 1899 ingressa noLiceu de Durban, onde permanecer durante trs anos e ser um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudnimoAlexander Search, atravs do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, aprovado com distino no primeiro exameCape School High Examinatione escreve os primeiros poemas em ingls. Na mesma altura, morre sua irm Madalena Henriqueta, de dois anos. Em 1901 parte com a famlia para Portugal, para um ano de frias. No navio em que viajam, o paquete Knig, vem o corpo da irm. Em Lisboa, mora com a famlia em Pedrouos e depois na Avenida de D. Carlos I, n. 109, 3. Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce Joo Maria, quarto filho do segundo casamento da me de Pessoa. Viaja com a famlia Ilha Terceira, nos Aores, onde vive a famlia materna. Deslocam-se tambm aTavirapara visitar os parentes paternos. Nessa poca, escreve o poemaQuando ela passa.Tendo de dividir a ateno da me com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexo.Tendo recebido uma educao britnica, que lhe proporcionou um profundo contacto com alngua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em ingls. Mantm contacto com aliteratura inglesaatravs de autores comoShakespeare,Edgar Allan Poe,John Milton,Lord Byron,John Keats,Percy Shelley,Alfred Tennyson, entre outros. O Ingls teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, alm de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, comoO CorvoeAnnabel Leede Edgar Allan Poe. Com excepo deMensagem, os nicos livros publicados em vida so os das colectneas dos seus poemas ingleses:Antinous e 35 SonnetseEnglish Poems I-IIeIII, editados em Lisboa, em 1918 e 1921.

Fernando Pessoa aos seis anos.Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos me, padrasto, irmos e criada Pacincia, que viera com ele regressam a Durban. Volta sozinho para frica no vapor Herzog. Matricula-se naDurban Commercial School, escola comercial de ensino nocturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humansticas para entrar na universidade. Nesse perodo, tenta escrevercontosem ingls, alguns dos quais com o pseudnimo de David Merrick, que deixa inacabados. Em 1903, candidata-se Universidade do Cabo da Boa Esperana. Na prova de exame de admisso, no obtm boa classificao, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos noensaiode estilo ingls. Recebe por isso oQueen Victoria Memorial Prize(Prmio Rainha Vitria).11Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitrio. Aprofunda a sua cultura, lendo clssicos ingleses e latinos. Escreve poesia eprosaem ingls, surgindo os heternimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irm Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crtico intituladoMacaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos estudos na frica do Sul com o Intermediate Examination in Arts, na Universidade, obtendo uma boa classificao.Volta definitiva a Portugal e incio de carreira[editar|editar cdigo-fonte]

Orpheun 2, 1915Deixando a famlia em Durban, regressa definitivamente capital portuguesa, sozinho, em1905. Passa a viver com a av Dionsia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n. 17. A me e o padrasto regressam tambm a Lisboa, durante um perodo de frias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produo de poemas em ingls e, em 1906, matricula-se noCurso Superior de Letras(actualFaculdade de LetrasdaUniversidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. nesta poca que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra deCesrio Verdee pelos sermes doPadre Antnio Vieira.Em Agosto de 1907, morre a sua av Dionsia, deixando-lhe uma pequena herana, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceio da Glria, 38-4., sob o nome de Empreza Ibis Typographica e Editora Officinas a Vapor, que rapidamente vai falncia. A partir de 1908, dedica-se traduo de correspondncia comercial, uma ocupao a que poderamos dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa actividade trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pblica.Inicia a sua atividade de ensasta e crtico literrio com o artigo A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada, a que se seguiriam Reincidindo e A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicolgico publicados em 1912 pela revistaA guia, rgo daRenascena Portuguesa. Frequenta a tertlia literria que se formou em torno do seu tio adoptivo, o poeta, general aposentado Henrique Rosa, no CafA Brasileira, noLargo do Chiadoem Lisboa. Mais tarde, j nos anos vinte, o seu caf preferido seria oMartinho da Arcada, na Praa do Comrcio, onde escrevia e se encontrava com amigos e escritores.Em 1915 participou na revista literriaOrpheu, a qual lanou o movimento modernista em Portugal, causando algum escndalo e muita controvrsia. Esta revista publicou apenas dois nmeros, nos quais Pessoa publicou em seu nome, bem como com oheternimolvaro de Campos. No segundo nmero daOrpheu, Pessoa assume a direco da revista, juntamente comMrio de S-Carneiro.Em Outubro de 1924, juntamente com o artista plstico Ruy Vaz, Fernando Pessoa lanou arevista Athena, na qual fixou o drama em gente dos seusheternimos, publicando poesias de Ricardo Reis, lvaro de Campos e Alberto Caeiro, bem como doortnimoFernando Pessoa.Morte[editar|editar cdigo-fonte]Pessoa foi internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de So Lus dos Franceses, em Lisboa, com diagnstico de "clica heptica" causada por clculo biliar associado acirrose heptica, diagnstico que hoje contestado por estudos mdicos, embora o excessivo consumo de lcool ao longo da sua vida seja consensualmente considerado como um importante factor causal. Segundo um desses estudos, Pessoa no revelava alguns dos sintomas mais tpicos de cirrose heptica, tendo provavelmente sido vtima de umapancreatiteaguda.12Morreu no dia30 de Novembro, com 47 anos de idade. Sua ltima frase foi escrita na cama do hospital, em ingls, com a data de 29 de Novembro de 1935:"I know not what tomorrow will bring"("No sei o que o amanh trar").Legado[editar|editar cdigo-fonte]

O esplio de Pessoa: a clebre arca, com mais de 25.000 pginas, e a sua "biblioteca inglesa".Pode-se dizer que avidado poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar,criou outras vidas atravs dos seus heternimos, o que foi a sua principal caracterstica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns crticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiroeuou se tudo no teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criao. Ao tratar de temassubjectivose usar a heteronmia,13torna-se enigmtico ao extremo. Este fato o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crtico brasileiroFrederico Barbosadeclara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa".Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, at ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgao da lngua portuguesa: nas prprias palavras do heternimoBernardo Soares, "a minha ptria (sic) a lngua portuguesa". O mesmo empenho patente no seguinte poema:Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no meu esprito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da civilizao e o alargamento da conscincia da humanidade

Fernando Pessoa, carta a Armando Crtes-Rodrigues de 19 de Janeiro de 1915.

ltima residncia do poeta, actual Casa Fernando Pessoa.Analogamente aPompeu, que disse que "navegar preciso; viver no preciso", Pessoa diz, no poemaNavegar Preciso, que "viver no necessrio; o que necessrio criar". Outra interpretao comum deste poema diz respeito ao fato de a navegao ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegao exigiria umaprecisoque a vida poderia dispensar.O poeta mexicanoOctavio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas no tm biografia. A sua obra a sua biografia" e que, no caso de Fernando Pessoa, "nada na sua vida surpreendente nada, excepto os seus poemas". EmThe Western Canon,Harold Bloomincluiu-o entre oscnonesocidentais, no captuloBorges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Portugus(pg. 451, 1995).Na comemorao do centenrio do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para oMosteiro dos Jernimos, confirmando o reconhecimento que no teve em vida.Pessoa e o ocultismo[editar|editar cdigo-fonte]Fernando Pessoa interessava-se peloocultismoe pelomisticismo, com destaque para aMaonariae aRosa-Cruz(embora no se lhe conhea qualquer filiao concreta em Loja ou Fraternidade dessas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizaes iniciticas noDirio de Lisboa(4 de Fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura doEstado Novo. O seu poema hermtico mais conhecido e apreciado entre os estudantes deesoterismointitula-se "No Tmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hbito de fazer consultasastrolgicaspara si mesmo (de acordo com a suacertido de nascimento, nasceu s 15h20, tinha ascendenteEscorpioe o Sol emGmeos).14Realizou mais de milhorscopos.Apreciava tambm muito o trabalho deHelena Blavatskytendo inclusive traduzido, em1916,A Voz do Silncio, assim como lhe suscitava muita curiosidade o famoso ocultistaAleister Crowley, tendo-lhe traduzido o poemaHino a P. Certa vez, lendo uma publicao inglesa de Crowley, encontrou erros no horscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos deastrologiaimpressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, foi a Portugal conhecer o poeta.15Acompanhou-o amagaalem Hanni Larissa Jaeger,16. O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Ingls ter simulado o seu suicdio na Boca do Inferno, o que atraiu vrias polcias Europeias e a ateno dos mdia da poca. Pessoa estaria dentro da encenao, tendo combinado com Crowley a notificao dos jornais e a redaco de um "romance policirio" cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito vrias dezenas de pginas, essa obra de fico nunca foi concretizada17Obra potica[editar|editar cdigo-fonte]

Esttuade Fernando Pessoa da autoria deLagoa Henriques, no cafA Brasileira, noChiado, Lisboa

O poeta um fingidor.Finge to completamenteQue chega a fingir que dorA dor que deveras sente.18

Fernando Pessoa, "Autopsicografia", 27 de Novembro de 1930.(1 publ.in Presena, n 36, Coimbra: Novembro 1932.)>>>

Considera-se que a grande criao esttica de Pessoa foi a inveno heteronmica que atravessa toda a sua obra. Osheternimos, diferentemente dospseudnimos, so personalidades poticas completas: identidades que, em princpio falsas, se tornam verdadeiras atravs da sua manifestao artstica prpria e diversa do autor original. Entre os heternimos, o prprio Fernando Pessoa passou a ser chamadoortnimo, porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o prprio ortnimo tornou-se apenas mais um heternimo entre os outros. Os trs heternimos mais conhecidos (e tambm aqueles com maior obra potica) foramlvaro de Campos,Ricardo ReiseAlberto Caeiro. Um quarto heternimo de grande importncia na obra de Pessoa Bernardo Soares, autor doLivro do Desassossego, importante obra literria do sculo XX. Bernardo considerado um semi-heternimo por ter muitas semelhanas com Fernando Pessoa e no possuir uma personalidade muito caracterstica, ao contrrio dos trs primeiros, que possuem at mesmo data de nascimento e morte (excepo para Ricardo Reis, que no possui data de falecimento). Por essa razo,Jos Saramago, laureado com oPrmio Nobel, escreveu o livroO ano da morte de Ricardo Reis.Atravs dos heternimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexo sobre a relao entreverdade,existnciaeidentidade. Este ltimo fator possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta.Com uma tal falta de gente coexistvel, como h hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer seno inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de esprito?19

Diversos estudiosos de Pessoa procuraram enumerar seuspseudnimos,heternimos,semi-heternimos, personagens fictcias e poetas medinicos. Em 1966 aportuguesaTeresa Rita Lopesfez um primeiro levantamento, com 18 nomes.Antonio Pina Coelho, tambm portugus, elevou em seguida a relao para 21. A mesma Teresa Rita Lopes apresentou um levantamento mais detalhado em 1990, chegando a 72 nomes.20Em2009oholandsMichal Stokerchegou a 83 heternimos. Mais recentemente, obrasileiroJos Paulo Cavalcanti Filho, utilizando critrio mais amplo, apresentou uma lista com 127 nomes.21Ortnimo[editar|editar cdigo-fonte]

Mensagem, de Fernando Pessoa, 1 ed., 1934.A obraortnimade Pessoa passou por diferentes fases, mas envolve basicamente a procura de um certo patriotismo perdido, atravs de uma atitudesebastianistareinventada. Oortnimofoi profundamente influenciado, em vrios momentos, por doutrinas religiosas (como ateosofia) e sociedades secretas (como aMaonaria). A poesia resultante tem um certo ar mtico, herico (quasepico, mas no na acepo original do termo) e por vezestrgico. Pessoa um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradies, uma viso simultaneamente mltipla e unitria da vida. Uma explicao para a criao dos trs principais heternimos e o semi-heternimoBernardo Soares, reside nas vrias formas que tinha de olhar o mundo, apoiando-se noracionalismoe pensamento oriental.22O ortnimo considerado, s por si, comosimbolistaemodernistapela evanescncia, indefinio e insatisfao, bem como pela inovao praticada atravs de diversas sendas de formulao do discurso potico (sensaccionismo,paulismo,interseccionismo, etc.).23Fernando Pessoa foi marcado tambm pela poesia musical e subjectiva, voltada essencialmente para a metalinguagem e os temas relativos a Portugal, como osebastianismopresente na principal obra de "Pessoaele-mesmo",Mensagem, uma coletnea de poemas sobre as grandes personagens histricos portugueses. Publicado em 1934, apenas um ano antes da morte do autor, este foi o nico livro de Fernando Pessoa em Lngua Portuguesa editado em vida. Foi contemplado com oPrmio Antero de Quental, na categoria de poema ou poesia solta, doSecretariado da Propaganda Nacional(SPN).2HeternimoseSemi-heternimos[editar|editar cdigo-fonte]lvaro de Campos[editar|editar cdigo-fonte]Ver artigo principal:lvaro de CamposTABACARIANo sou nada.Nunca serei nada.No posso querer ser nada. parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.Janelas do meu quarto,Do meu quarto de um dos milhes do mundo que ningum sabe quem (E se soubessem quem , o que saberiam?),Dais para o mistrio de uma rua cruzada constantemente por gente,Para uma rua inacessvel a todos os pensamentos,Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,Com o mistrio das coisas por baixo das pedras e dos seres,Com a morte a pr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,Com o Destino a conduzir a carroa de tudo pela estrada de nada._____________________________________________________

lvaro de Campos: "Tabacaria" (excerto)

Entre todos osheternimos,lvaro de Camposfoi o nico a manifestar fases poticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educao inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensao de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo.Comea a sua trajetria como umdecadentista(influenciado pelosimbolismo), mas logo adere aofuturismo.lvaro de Campos revoltado e crtico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical. Nesta poca escreveu as "Odes", publicadas na revistaOrpheu, em 1915, e o "Ultimatum", publicado na revistaPortugal Futurista, em 1917.Aps uma srie de desiluses com a existncia, assume uma veianiilista, expressa no poema "Tabacaria", considerado um dos mais conhecidos e influentes poemas da lngua portuguesa.Ricardo Reis[editar|editar cdigo-fonte]Ver artigo principal:Ricardo ReisO heternimo Ricardo Reis descrito como um mdico que se definia comolatinistaemonrquico. De certa maneira, simboliza a herana clssica na literatura ocidental, expressa nasimetria, naharmoniae num certobucolismo, com elementosepicuristaseesticos. O fim inexorvel de todos os seres vivos uma constante na sua obra, clssica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia no-crist.Segundo Pessoa, Reis mudou-se para oBrasilem protesto proclamao daRepblicaem Portugal e no se sabe o ano da sua morte.EmO ano da morte de Ricardo Reis,Jos Saramagocontinua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heternimo aps a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um dilogo com o seu heternimo, sobrevivente ao criador.Alberto Caeiro[editar|editar cdigo-fonte]Ver artigo principal:Alberto CaeiroPor sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como campons, quase sem estudos formais. Teve apenas a instruo primria, mas considerado o mestre entre os heternimos (pelo ortnimo). Depois da morte do pai e da me, permaneceu em casa com uma tia-av, vivendo de modestos rendimentos e morreu detuberculose. Tambm conhecido como o poeta-filsofo, mas rejeitava este ttulo e pregava uma "no-filosofia". Acreditava que os seres simplesmenteso, e nada mais: irritava-se com ametafsicae qualquer tipo de simbologia para a vida.Os escritos pessoanos que versam sobre a caracterizao dos heternimos, "Pessoa-ele-mesmo", lvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heternimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase mstico, enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compar-lo ao deusP, e Pessoa esboa-lhe um horscopo no qual lhe atribui o signo deleo, associado ao elementofogo. A relevncia destas aluses advm da explicao de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronmia. Citando a atuao dos quatro elementos daastrologiasobre a personalidade dos indivduos, Pessoa escreve:"Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, prprios e verdicos, e esses so os libertadores. Caeiro dessa raa, Caeiro teve essa fora."Dos principais heternimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o nico a no escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.Possua uma linguagem esttica direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu iderio resume-se no versoH metafsica bastante em no pensar em nada. A sua obra est agrupada na coletneaPoemas Completos de Alberto Caeiro.Bernardo Soares[editar|editar cdigo-fonte]Ver artigo principal:Bernardo SoaresBernardo Soares , dentro da fico de seu prprioLivro do Desassossego, um simples ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Conheceu Fernando Pessoa numa pequena casa de pasto frequentada por ambos. Foi a que Bernardo deu a ler a Fernando seu livro, que, mesmo escrito em forma de fragmentos, considerado uma das obras fundadoras da fico portuguesa nosculo XX.24Bernardo Soares muitas vezes considerado um semi-heternimo porque, como seu prprio criador explica:"No sendo a personalidade a minha, , no diferente da minha, mas uma simples mutilao dela. Sou eu menos o raciocnio e afectividade."A instncia da fico que se desenvolve no livro insignificante, porque trata-se de uma "autobiografia sem factos", como o prprio Fernando Pessoa situa o livro. Dessa forma, o que interessa em sua prosa fragmentria a dramaticidade das reflexes humanas que vm tona na insistncia de uma escrita que se reconhece invivel, intil e imperfeita, beira do tdio, do trgico e da indiferena esttica. O fato de Fernando Pessoa considerar (em cartas e anotaes pessoais) Bernardo Soares um semi-heternimo faz pensar na maior proximidade de temperamento entre Pessoa e Soares. Nesse sentido, para alguns, o jogo heteronmico ganha em complexidade e Pessoa logra o xito da construo de si mesmo como o mais instigante mito literrio portugus na Modernidade.Cronologia[editar|editar cdigo-fonte]