fibrose quistica

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    Temas da Aula

    1) Introduo

    2) Um pouco de histria

    3) Incidncia

    4) Esperana mdia de vida

    5) Gentica

    6) Fentipo clssico/Fentipo no clssico

    7) Fisiopatologia

    8) Fentipo Grave/Suave

    9) Diagnstico

    10) Complicaes

    11) Preveno/tratamento das infeces pulmonares

    12) Problemas sociais e econmicos

    13) Objectivos a considerar perante o doente com fibrose qustica

    14) Factores que influenciam a sobrevida

    15) Centros Especializados de Referncia

    Bibliografia

    Slides da aula;

    Anotada do ano anterior;

    Kliegman, Behrman, Nelson Textbook of Pediatrics, 18 ed., Saunders, 2007;

    Kumar, Robbins & Cotran Patologia, 7 ed., Elsevier, Rio de Janeiro, 2005;

    Marques G., Sotto-Mayor R., Tratado de Pneumologia Vol.1, 1 ed., Sociedade Portuguesa de

    Pneumologia, 2003, 68:927-943;

    Ramalho AS, Beck S, Meyer M, Penque D, Cutting GR, Amaral M. Five percent of normal cystic

    fibrosis transmembrane conductance regulator mRNA ameliorates the severity of pulmonary

    disease in cystic fibrosis., AM J Respir Cell Mol Biol 2002; 27(5): 619-27;

    Anotadas do 5 Ano 2008/09 Data: 07/01/09

    Disciplina: Pediatria II Prof.: Dra. Celeste Barreto

    Tema da Aula Terico-Prtica: Fibrose Qustica

    Autores: Marlene Ferreira

    Equipa Revisora: Esta aula foi corrigida pela prpria docente.

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    Fibrose Qustica

    1) Introduo

    A aula teve incio com a questo Porque podemos considerar a Fibrose Qustica (FQ) um

    modelo de Doena Crnica e Interdisciplinar?. Antes de mais, convm realar, para alm do

    seu seguimento a nvel interdisciplinar, a importncia da referenciao dos casos de FQ para

    acompanhamento em Centros Especializados.

    Em termos globais, podemos dizer que a FQ constitui uma doena rara, de base gentica,

    de atingimento multissistmico, crnica, que origina grande morbilidade, morte precoce e que

    no tem cura. Entre os vrios problemas que causa, contam-se os mdicos, sociais e

    econmicos.

    2) Um pouco de histria...

    Ao longo do sculo XX e at aos dias de hoje, a compreenso da FQ foi sendo

    progressivamente aprofundada, com o contributo do desenvolvimento de vrios campos

    cientficos, e com implicaes no diagnstico, na abordagem teraputica e no prognstico da

    doena.

    Anos 30 - foi descrito o Sndroma do Beb Salgado, que originava morte precoce;

    Anos 50 - provou-se que este sndrome estava associado a uma elevao dos nveis de

    NaCl no suor;

    Anos 80 - demonstrou-se um defeito no transporte inico, em clulas epiteliais dos rgos

    secretores;

    1985 - descreveu-se a localizao do gene no brao longo do cromossoma 7, com

    transmisso autossmica recessiva;

    1989 - foi identificado e clonado o gene codificante da protena Cystic Fibrosis

    Transmembrane Regulator (CFTR), com funes de canal cloreto - grande marco

    conhecimento da FQ, tendo sido a descoberta amplamente divulgada e publicada

    numa edio da revista Science;

    Dcada de 90 - foi iniciada a identificao de mutaes;

    2008 - actualmente so conhecidas mais de 1604 mutaes, o que no significa que

    todas elas provoquem a doena.

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    Fig. 2 Farrel P., The prevalence of cystic fibrosis in the European Union case report, Journal of

    Cystic Fibrosis, 2008, 450-453

    3) Incidncia

    A incidncia da FQ varia muito de

    raa para raa, de pas para pas e at

    dentro de um mesmo pas, de acordo com

    a regio do mesmo, como se pode

    observar no grfico 1 em relao ao

    Canad.1

    mais comum na raa caucaside,

    onde se estima uma incidncia mdia de

    1:2000 ou 1:3000 recm-nascidos,

    comparativamente s raas negra (1:14

    000) e amarela (1:25 000).

    No existem estudos sobre a incidncia

    de fibrose qustica em Portugal. O artigo

    apresentado recente, e os dados referentes

    ao nosso pas foram obtidos com base nas

    informaes fornecidas pelos profissionais de

    sade.

    A incidncia estimada de FQ, em

    Portugal, de aproximadamente 1:6000.

    O screening (implementado, por

    exemplo, em Espanha) alargado a todos os

    pases, ajuda no s na determinao das

    incidncias e na preveno de novos casos,

    mas, tambm na melhoria do prognstico.

    1 Notar que no grfico os nmeros correspondem a x, exprimindo a incidncia de acordo com o esquema 1:x. Assim, quanto maior

    for o valor de x, maior o tamanho da barra no grfico, mas menor a incidncia. Por exemplo: o valor da incidncia da doena na

    Irlanda 1:2000, o que o dobro da a incidncia na Alemanha, onde a incidncia 1:4000.

    Fig.1 Incidncia do fentipo da FQ em diversos

    pases

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    A alta frequncia do gene da FQ foi, hipoteticamente relacionada, com a resistncia para

    a morbilidade e mortalidade associada clera. As clulas intestinais homozigticas para o

    gene da FQ, cultivadas para a mutao F508 no responderam aos efeitos secretrios da

    clera.

    4) Esperana mdia de vida

    A esperana mdia de vida nos doentes com FQ alterou-se significativamente nas ltimas

    dcadas, tendo vindo a aumentar progressivamente. Foram j relatados casos raros de

    doentes que chegaram a atingir os 50 anos de vida. A esperana mdia de vida actual, de

    acordo com as bases de dados norte-americanas de 35 anos. No Reino Unido, a mdia

    aponta para os 36,8 anos. No entanto, este valor inferior no sexo feminino, comparativamente

    a do sexo masculino.

    5) Gentica

    O grande marco para o conhecimento cientfico da FQ foi, como j referido, em 1989, a

    identificao do gene mutado da doena. Desde ento houve uma grande evoluo.

    Percebeu-se que a protena que este gene codifica, constitui um canal de cloreto (Cl-) na

    membrana apical das clulas epiteliais. Esta protena designada CFTR (cystic fibrosis

    transmembrane regulator).

    A mutao mais comum a F508del, devida deleco da fenilalanina na posio 508 da

    protena, de 1480 resduos de aminocidos. Foram at ao momento j identificadas cerca de

    1600 mutaes diferentes, no gene CFTR, parte das quais se associam a um deficiente

    Fig. 3 Sobrevida em doentes com FQ no Reino Unido, 2003 (note-se as diferenas entre sexo feminino, a preto e sexo masculino, a branco) European Respiratory Journal

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    transporte de ies, ao nvel da membrana apical das clulas epiteliais, dos rgos com

    expresso do gene.

    muito importante caracterizar funcionalmente todas as mutaes do gene CFTR:

    Classe I: quando no h sntese da protena;

    Classe II: quando ocorre sntese mas h um bloqueio no seu processamento ao nvel do

    retculo endoplasmtico; deste tipo a mutao mais comum, F508del;

    Classe III: quando ocorre um bloqueio na regulao da funo deste canal inico;

    Classe IV: quando apesar do canal inico se encontrar no seu local, a sua condutncia aos

    ies encontra-se alterada;

    Classe V: a protena e funo so normais, mas a sua produo reduzida. A expresso da

    doena mais ligeira.

    A prevalncia da mutao F508del na Europa varivel, dependendo do pas em causa.

    Em Portugal de cerca de 59.3%.

    As mutaes cuja prevalncia ultrapassam os 2%, em cada pas, so consideradas

    importantes e devem ser estudadas, investigadas e caracterizadas em termos genticos, de

    modo a conhecer-se as caractersticas do pas. Em Portugal temos as mutaes R1066C

    (4.8%), A561E(3%) e 3272-26G (2.8%), consideradas comuns.

    Fig.4 Esquema ilustrativo das 5 classes de mutaes no gene CFTR

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    Fig. 6 Aspecto microsc.

    do pncreas de um doente

    com FQ

    6) Fentipo clssico/ Fentipo no clssico

    Na FQ, so afectadas as propriedades de absoro e

    secreo de ies, ao nvel das clulas epiteliais. Enquanto

    doena sistmica, apresenta diversas manifestaes clnicas,

    dependendo do grau expresso do gene CFTR, ao nvel de

    cada rgo, e da importncia da sua funo no mesmo. Nos

    ductos pancreticos, a sua expresso muito elevada,

    bastante maior que a nvel pulmonar.

    Contudo, acaba por ser a nvel pulmonar que haver

    maior importncia na expresso clnica da doena.

    A trade diagnstica no Fentipo Clssico consiste em:

    Infeces respiratrias recorrentes (>95%);

    Insuficincia pancretrica (~85%)

    Valor elevado de cloreto no suor (97-98%);

    Pode existir ainda infertilidade masculina por azoospermia

    obstrutiva.

    O Fentipo No Clssico ocorre em 10-15% dos e pode apresentar-se com achados

    atpicos, tais como:

    Suficincia pancretica (SP) - o que favorece uma boa absoro intestinal e

    consequentemente um bom estado nutricional;

    Pancreatite idioptica;

    Azoospermia obstrutiva - indicao para que, nas consultas de infertilidade masculina, se

    devam realizar exames que permitam excluir a doena (ex. prova do suor).

    Figura 5 Principais rgos

    afectados na fibrose qustica

    As manifestaes clnicas da

    FQ reflectem a expresso da

    CFTR a nvel das clulas

    epiteliais dos vrios orgos com

    maior expresso do gene.

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    Este quadro rene as diferentes formas de apresentao clnica (mais e menos frequentes) que

    podem surgir no doente com Fibrose Qustica:

    Fentipos clnicos de Fibrose Qustica

    Perodo neonatal/

    1 ano de vida Idade pr-escolar/escolar Adolescente/Adulto

    - leus meconial

    - Ictercia prolongada

    - M progresso

    estaturo-ponderal

    - Esteatorreia

    - Diarreia crnica

    - Bronquiolite

    - Bronquite

    - Hiponatrmia

    - Golpe de calor

    - Hipoproteinmia/

    edema

    - Prolapso rectal

    - Tosse persistente com ou sem

    expectorao

    - Pieira recorrente

    - Hipocratismo digital

    - M progresso estaturo-ponderal

    - Hepatomeglia ou doena

    heptica

    - Diarreia crnica

    - Prolapso rectal

    - Doena pulmonar crnica

    supurativa

    - Asma com infeces e alteraes

    radiolgicas

    - Sndroma de obstruo intestinal

    distal

    - Polipose nasal

    - Sinusopatia crnica

    - Doena pulmonar crnica

    supurativa

    - Diabetes mellitus com

    sintomatologia pulmonar

    - Cirrose biliar focal ou

    multilobular

    - Pancreatite ideoptica

    crnica

    - Atraso na puberdade

    - Infertilidade masculina por

    azoospermia

    - Fertilidade feminina

    diminuda

    Perante estes dados o mdico deve sempre considerar, entre os diagnsticos

    diferenciais, o diagnstico de Fibrose Qustica, comeando por pedir a realizao da Prova do

    Suor.

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    7) Fisiopatologia

    Enquanto doena crnica, insidiosamente progressiva, a FQ exibe mltiplas

    complicaes relacionadas com a produo de muco viscoso, infeco e m absoro.

    Fig. 7 - Estrutura da protena reguladora de condutncia da membrana (CFTR):

    - 2 domnios transmembranares (TM1;TM2)

    - 2 domnios de ligao aos nucletidos (NBD1; NBD2)

    - 1 domnio regulador

    Fig. 8

    A CFTR situada na membrana apical das

    clulas epiteliais, uma protena de canal

    Cl- que actua por um mecanismo de

    regulao dependente de AMP cclico

    (AMPc) activado e da ligao adenosina

    trifosfato (ATP) .

    A sua disfuno vai alterar a quantidade de

    sdio e gua das secrees dos rgos

    com expresso do gene CFTR.

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    A CASCATA DA PATOGNESE NA FIBROSE QUSTICA

    Gene FQ deficiente

    Protena CFTR deficiente

    Permeabilidade ao Cl- anmala

    Transporte inico alterado

    Teor de gua no Lq. Superf. Alveolar

    Composio Anmala de Muco

    Obstruo brnquica

    Infeces bacterianas

    Inflamao

    Bronquiectasias

    +

    Insuficincia pulmonar

    CFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaCCFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaCCFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaCCFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaCCFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaCCFTR

    Chloride

    Sodium

    ENaC

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    Via area obstruda Via area normal

    Desde h mais de 20 anos que a presena de muco espesso na FQ foi associado ao

    defeito gentico da CFTR, que funcionando como canal de cloreto, vai regular o transporte de

    ies cloreto na membrana apical das clulas epiteliais respiratrias e epiteliais secretoras e

    mucosas das glndulas da submucosa.

    A CFTR tambm exerce influncia noutros canais reguladores, quer aninicos quer

    catinicos, nomeadamente no transporte de sdio. Esta protena, ao regular a secreo apical

    de cloreto, gera uma voltagem transepitelial lmen-negativa, forando a secreo de sdio.

    A secreo de sal (CL e Na), por uma questo de equilbrio da presso osmtica dentro e

    fora da clula, tem por consequncia a secreo de H2O. A CFTR controla, portanto, a

    quantidade e composio do fluido respiratrio, com consequncias quer no estado de

    hidratao do muco quer na sua composio.

    Na FQ ocorre deficiente secreo apical de cloreto com absoro de sdio aumentada o

    que torna as secrees muito espessas.

    Inmeros grupos de investigadores tm trabalhado no sentido da melhor compreenso da

    doena, e tm surgido novas hipteses, que procuram explicar o mecanismo patolgico

    subjacente. Uma das hipteses recentemente colocada, sustenta que a patognese na FQ

    possa dever-se, no tanto ao defeito no transporte de cloreto mas, principalmente, a um defeito

    no transporte de bicarbonato.

    Pulmo Normal Pulmo na FQ

    Fig. 9 Comparao entre a superfcie respiratria do pulmo normal e do pulmo com FQ;

    aspecto microscpico

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    SISTEMA RESPIRATRIO

    Lquido de superfcie das vias areas:

    - soluo aquosa (90% de H2O) com duas camadas;

    - papel na: hidratao das vias respiratrias, imunidade inata, defesa anti-microbiana;

    - contm: ies, mucinas, defensinas, lactoferrina, IgA, proteases/antiproteases, etc..

    Lquido peri-ciliar:

    - o transporte mucociliar vai ser realizado com maior/menor eficcia consoante o pH, a

    composio inica e as propriedades fsicas do lquido peri-ciliar.

    ABORDAGEM POR SISTEMAS

    A nvel respiratrio, a deficiente regulao/activao do canal CFTR

    estimulada pelo AMPc, a nvel epitelial conduz a uma deficiente secreo apical de Cl- e a uma

    absoro de Na+ aumentada, diminuio da secreo de gua e maior reabsoro do fluido

    periciliar.

    O resultado um volume anormal de fluido na superfcie das vias areas com formao

    de muco espesso ineficaz para o transporte mucociliar e criao de condies para o

    aparecimento de infeces e inflamao.

    FIBROSE QUSTICA NORMAL VIA AREA

    LQUIDO DE

    SUPERFCIE

    DAS VIAS

    AREAS

    CAMADA DE MUCO

    LQUIDO PERI-CILIAR

    Fig. 10 - Esquema

    representativo das camadas

    que compem o lquido Da

    superfcie das vias areas.

    Fig. 11 Formao das secrees respiratrias no pulmo normal e no pulmo com FQ

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    A infeco brnquica crnica, que perpetua o ciclo de inflamao crnica e infeco

    conduz destruio pulmonar. Esta ltima ocorre mediante a aco de enzimas proteolticas,

    libertadas por bactrias e clulas inflamatrias.

    Apesar de, ao nascer, a evidncia actual aponte para que o pulmo seja normal, sem

    infeco e inflamao, cedo surge o estigma da primeira infeco e, depois da infeco

    crnica.

    A maioria dos doentes encontra-se colonizada com:

    A infeco brnquica crnica conduz a produo de expectorao, hiperinsuflao,

    bronquiectasias e, nos estadios terminais, a insuficincia

    pulmonar e morte.

    O hipocratismo digital (dedos em baqueta de tambor e

    unhas em vidro de relgio - consequncia da m oxigenao

    dos tecidos, ou seja, da insuficincia respiratria crnica)

    frequente em doentes com FQ, mesmo sem doena pulmonar

    grave.

    A sinusite crnica est quase sempre presente e os plipos nasais so frequentes.

    As infeces pulmonares com certas estirpes virulentas como Burkholderia cepacia so

    particularmente difceis de tratar e podem associar-se a

    deteriorao clnica.

    Aspergilose broncopulmonar alrgica (ABPA) pode

    tambm complicar a doena pulmonar por FQ e requerer

    tratamento com esterides e antifngicos.

    Outras potenciais complicaes pulmonares da FQ incluem

    atelectasia, bronquiectasias progressivas, hemoptise e

    pneumotrax. As hemoptises minor so uma complicao muito

    frequente na adolescncia.

    Staphylococcus

    aureus

    Haemophilus

    influenzae

    Burkholderia

    cepacia*

    Pseudomonas

    aeruginosa

    *predomina nos doentes mais velhos com doena avanada; altamente patognica, muito

    contagiosa e causa problemas graves

    Fig.14 Aspecto

    macrosc. do pulmo de

    um doente com FQ

    Fig. 12 Principais bactrias colonizadoras do pulmo, no doente com FQ

    Fig. 13 Hipocratismo digital

  • Fibrose Qustica

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    SISTEMA REPRODUTOR

    SISTEMA GASTROINTESTINAL

    A nvel digestivo, a maioria dos doentes com FQ (80-95%) apresenta

    insuficincia do pncreas excrino nos primeiros meses de vida, como resultado do bloqueio

    dos ductos pancreticos, por diminuio da secreo de bicarbonato e fluido ductal.

    Para alm da deficincia em enzimas pancreticas, ocorre desregulao do transporte

    inico nos entercitos, nas clulas das criptas e nas vilosidades intestinais. A secreo de

    electrlitos reduzida, tal como a secreo de gua, e h atraso no trnsito intestinal.

    Verifica-se m digesto e consequente malabsoro de protenas e gorduras resultando

    em: atraso do desenvolvimento estaturo-ponderal (apesar do apetite aumentado), esteatorreia

    (fezes abundantes, gordurosas e ftidas), e dfices vitamnicos secundrios (vitaminas A, D, E,

    K) em doentes no tratados.

    Cerca de 10% dos doentes, nascem com obstruo intestinal provocada por mecnio

    excessivamente espesso (leus meconial). Em doentes mais velhos, a obstruo intestinal pode

    ocorrer devido a obstruo intestinal distal (SOID). (Deve-se ao defeito na secreo de cloreto

    no entercito com reduzida secreo de electrlitos e gua mas tambm insuficincia

    pancretica e ao atraso no trnsito intestinal.)

    A doena heptica caracteriza-se pelo aparecimento de cirrose biliar focal/multilobular. De

    facto, a disfuno do canal de cloreto conduz ao aumento da viscosidade da blis e alterao

    da composio dos cidos biliares. Ocorre distenso dos pequenos ductos biliares, seguida de

    proliferao, inflamao crnica e fibrose dos espaos porta.

    Em adolescentes e adultos, pode desenvolver-se um dfice relativo de insulina. A

    hiperglicmia e a diabetes relacionadas com FQ podem tornar-se sintomticas, mas

    cetoacidose rara.

    A nvel reprodutor, o espessamento do muco do tracto genito-

    reprodutor leva sua disfuno.

    No sexo feminino observa-se diminuio da fertilidade. Amenorreia secundria

    apresenta-se frequentemente como resultado da doena crnica e marcada reduo da massa

    corporal.

    No sexo masculino, observa-se esterilidade em 97-98% dos doentes. Por atrofia ou

    ausncia de canais deferentes, o transporte de esperma inadequado e surge a chamada

    azoospermia obstrutiva..

  • Fibrose Qustica

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    GLNDULAS SUDORPARAS

    A nvel das glndulas sudorparas, o transporte dos ies est alterado,

    havendo uma incapacidade da clula em secretar fluidos e conservar ies sdio e cloreto.

    Como resultado, produz-se suor com concentrao de cloreto e sdio elevada.

    Por sudao excessiva, a excreo salina pode ser importante e conduzir a desidratao

    hiponatrmica.

    Nota:

    Nos pases mais quentes a criana pode apresentar a Sndrome da perda de sal que se

    revela sob a forma de desidratao hipoclormica e hipoclormica e alcalose.

    As funes do CFTR so especficas de tecido, por isso, o impacto de uma mutao no

    gene CFTR tambm especfica de tecido:

    nas glndulas sudorparas CFTR:

    - funo: reabsorver ies cloreto luminais e aumentar a reabsoro de sdio via ENaC

    - mutaes: conduzem diminuio da absoro de NaCl e produo de suor hipertnico.

    no epitlio respiratrio e intestinal CFTR:

    - funo: secreo luminal activa de cloreto

    - mutaes: conduzem perda/diminuio da secreo de cloreto para dentro do lmen

    e diminuio do contedo em gua do fludo luminal.

    O CFTR regula mltiplos canais inicos e processos celulares adicionais, entre os quais o

    canal de sdio epitelial (ENaC), localizado na superfcie apical das clulas epiteliais excrinas.

    ENaC responsvel pelo transporte intracitoplasmtico de sdio, tornando o fluido

    luminal hipotnico. CFTR inibe normalmente ENaC. Na FQ, por defeito da protena CFTR,

    aumenta a actividade de ENaC, acelerando o transporte de sdio atravs da membrana apical.

    FIBROSE QUSTICA NORMAL LMEN DA GLNDULA

    SUDORPARA

    Fig. 15 Secreo do em glndula sudorpara normal e em glndula com o gene da FQ

  • Fibrose Qustica

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    Mas h uma excepo nos canais sudorparos, a actividade de ENaC, decresce em

    resultado de mutaes de CFTR ( formado um suor hipertnico rico, no s em cloreto mas,

    tambm em sdio (suor salgado).

    8) Fentipo grave/suave

    Enquanto doena autossmica recessiva, na FQ necessrio que os 2 alelos estejam

    afectados para que ocorra a doena. Desconhecem-se os mecanismos moleculares que esto

    na base da grande variabilidade clnica entre doentes.

    As mutaes IV e V esto associadas a fentipos mais suaves e parecem ser dominantes

    sobre as mais graves. Quer isto dizer que, na presena de duas mutaes de diferentes

    classes, se a de um alelo for de classe V, o fentipo clnico tem probabilidade de ser mais

    benigno.

    Temos assim um fentipo grave ou um fentipo suave:

    FENTIPO GRAVE FENTIPO SUAVE

    Tipo de mutao 2 mutaes graves 1 das mutaes suave

    Diagnstico Precoce

    (por regra 1 ano)

    Funo pancretica Insuficincia

    pancretica (>95% dos

    casos)

    Suficincia pancretica

    (70-80% dos casos)

    Estado nutricional Mau Bom

    leus meconial - incidncia Elevada No comum

    Prova do suor [ ] cloreto Elevado (>80mmol/L) Geralmente < 80 mmol/L

    Funo pulmonar Varivel Varivel

    Fertilidade masculina Infrtil Possvel

    Quanto mais grave o fentipo, maior probabilidade de presena de mutaes de classe I,

    mutaes de classe II e mutaes de classe III. O diagnstico mais precoce e a probabilidade

    de haver compromisso da funo pancretica maior, assim como infeco precoce por P.

    aeruginosa.

    J em relao funo pulmonar observa-se grande variabilidade, no se conseguindo

    correlacionar o gentipo com o fentipo. Mesmo em casos de fentipo suave, os doentes

    chegam frequentemente idade adulta e a sua funo pulmonar deteriora-se.

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    O aparelho respiratrio grande causa de mortalidade e morbilidade na FQ.

    As alteraes radiogrficas reflectem bem a progresso da doena. Inicialmente, a

    radiografia do trax pode ser normal mas, com a evoluo, surgem imagens sugestivas de:

    1) Obstruo dos bronquolos hiperinsuflao focal/generalizada, procidncia esternal,

    aumento do dimetro anteroposterior do trax e depresso diafragmtica;

    2) Obstruo brnquica atelectasia segmentar/lobar

    3) Infeco crnica imagens lineares em carril, imagens nodulares/qusticas,

    bronquioloectasias/bronquiectasias;

    4) Impacto mucide imagens em anel

    5) Alargamento do mediastino por adenopatias ou dilatao das artrias pulmonares

    associada hipertenso pulmonar

    6) Cardiomeglia se cor pulmonale.

    Para exemplificar foram mostradas radiografias de diferentes fases da vida de uma

    doente do HSM:

    10-10-2000 Radiografia do trax que revela a presena de bronquiectasias bilaterais.

    01-07-1993 Primeira radiografia do trax, tirada aquando do diagnstico.

    22-11-2006 Radiografia do trax que revela a existncia de leses mais extensas, coincidentes com o diagnstico de aspergilose broncopulmonar alrgica

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    A sobrevida dos doentes com FQ est relacionada com os microorganismos que

    colonizam o tracto respiratrio. Assim:

    INFECO

    DESTRUIO PULMONAR

    INFLAMAO

    SECREES ESPESSAS

    ESTADIO TERMINAL

    Fig. 16 Radiografia do trax em

    doente com FQ, com doena pulmonar

    avanada.

    Fig. 17 TAC torcica de um doente com

    FQ, com doena pulmonar em estdio

    terminal. Verifica-se quase total ausncia

    de parnquima, um aspecto rendilhado

    que denota bronquiectasias saculares e

    cavidades.

    15,6 A

    27,8 A

    39,1 A

    A

    Fig. 18 - Relao sobrevida

    colonizao microbiana no doentes

    com FQ

  • Fibrose Qustica

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    9) Diagnstico

    Para que seja feito o diagnstico de FQ necessrio reunir pelo menos dois critrios, um de cada

    uma dos quadros apresentados a seguir:

    A Prova do Suor deve ser realizada mediante referenciao cuidadosa, uma vez que,

    quando incorrectamente realizada, origina resultados falso-positivos ou falso-negativos.

    importante que os tcnicos que a executam, sejam experientes e qualificados, de modo a que

    se obtenha uma real quantificao do io Cl-.

    A realizao de qualquer uma das Provas do Suor, requer estimulao prvia da

    sudorese, sendo que esta deve ser feita apenas com pilocarpina.

    Aps a estimulao com pilocarpina, o mdico pode optar por uma de duas provas:

    Prova diagnstica: Quantitative Pilocarpine Iontophoresis

    De acordo com esta tcnica, se a concentrao de Cl- :

    >60 mEq/L prova positiva

    40-60 Eq/L resultados borderline

    A. Fentipos clnicos

    - Manifestaes sino-pulmonares crnicas

    - Manifestaes gastrointestinais ou nutricionais

    - Sndrome de perda de sal

    - Azoospermia obstrutiva (CBAVD)

    B. Histria familiar irmo c/FQ

    C. Screening neonatal

    1. Prova do suor

    patolgica (duas)

    2. Identificao de 2

    mutaes CFTR

    conhecidas como

    causa de FQ

    3. Diferena de

    potencial

    transepitelial nasal

    anormal

    Cystic Fibrosis Consensus Panel, J Pdiatric 1998

    Fig.19 Estimulao pela pilocarpina

    (actualmente a pilocarpina administrada

    atravs de discos de gel que so

    colocados sob a pele)

  • Fibrose Qustica

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    Prova de screening: Wescor Macrodut Sweat Check

    Trata-se de um teste semiquantitativo, que permite avaliar a concentrao, no apenas do

    io cloreto mas, tambm, de outros ies presentes no suor. Aps o perodo definido para a

    sudao (tempo de actuao da pilocarpina), coloca-se o disco com tubo colector em espiral,

    que quantifica a amostra (se ou no suficiente) e permite a posterior obteno do resultado.

    De acordo com esta tcnica, considera-se:

    Resultado positivo se [NaCl] > 80 mmol/L

    Resultado borderline [NaCl] 50 - 80mmol/L.

    considerada uma prova de screening pelo que, se se obtiver um resultado positivo deve

    ser feita confirmao atravs da quantificao do cloreto titulao coulimtrica. (Quantitative

    Pilocarpine Iontophoresis).

    Existem actualmente outros mtodos de diagnstico disponveis:

    medio dos potenciais nasais - realizada mediante a instilao de vrios solutos; exige

    uma grande colaborao do doente que deve permanecer mais de 1h sem se mexer; a

    tcnica difcil de pr em prtica e no se realiza em Portugal;

    quantificao da elastase fecal - funciona pela avaliao indirecta do atingimento do

    pncreas;

    tcnica de avaliao da secreo de Cl- a nvel das clulas epiteliais da mucosa rectal (em

    fase de investigao);

    espermograma - que se baseia nas repercusses a nvel do tracto reprodutor masculino;

    anlise do DNA do sangue perifrico - visa a identificao das mutaes.

    sequenciao de todo o gene CFTR - no constitui exame de rotina do diagnstico de FQ

    e s deve ser realizado em casos seleccionados, quando solicitado por um elemento de

    centro especializado.

    Fig.20 Wescor

    Macrodut Sweat Check

  • Fibrose Qustica

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    10) Complicaes

    Pulmonares

    Pneumotrax mais frequente na idade adulta (20% dos casos), diminui a sobrevida e

    tm um enorme risco de recorrncia (50-70%)

    Hemoptises, que podem ser:

    - Minor, muito frequentes a partir da adolescncia, correspondentes a destruio das

    paredes brnquicas, em geral acompanham episdios de agudizaes e tm que ser

    tratadas;

    - Major, que podem causar morte imediata, exigem a realizao de embolizao de

    artrias brnquicas (de emergncia ou rapidamente programadas), que s podem ser

    realizadas por tcnicos especializados, em hospitais centrais para que os riscos

    associados sejam os menores possveis.

    Nutricionais

    A nvel nutricional, a principal complicao o desequilbrio energtico. Este advm

    das grandes perdas energticas, nomeadamente mediante absoro ineficaz das gorduras e

    protenas por insuficincia pancretica, diminuio do apetite (sobretudo nos episdios

    infecciosos) e o aumento das necessidades calricas.

    Desde que se preconize uma dieta sem restries em gorduras e hipercalrica,

    associada administrao de enzimas pancreticas com proteco gstrica, o desequilbrio

    energtico diminui e a sobrevida dos doentes aumenta.

    Outras situaes que tambm predispem ao desequilbrio energtico so:

    - Alterao da motilidade intestinal

    - Doena heptica

    - Problemas psicossociais (muito frequentes, sobretudo em idade escolar; estas

    crianas preferem comer menos a ter que tomar os comprimidos de enzimas frente

    dos colegas).

    As necessidades calricas, aumentadas, estimam-se em cerca de 120-150% das

    necessidades normais (sendo as necessidades proteicas de 150 a 200% as normais). O

    consumo energtico basal (NEB) est aumentado de 7-35% do normal ( 120% nos

    homozigticos F508del, 111% nos heterozigticos). Em situaes de maior deteriorao

    pulmonar as necessidades energticas aumentam exponencialmente (para VEMS

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    As prprias teraputicas, nomeadamente com Salbutamol aumentam as necessidades

    energticas e tambm a infeco a Pseudomonas aeruginosa ou outro processo inflamatrio.

    Compensar estas necessidades aumentadas muito complicado.

    Gastrointestinais

    Tambm exigem, como as anteriores, uma actuao imediata por especialistas:

    Fig. 22 - UK CF Trust database 2003

    Fig. 21- Impacto da doena pulmonar no desequilbrio energtico.

    (Adaptado de Martin F. et al, J Pediatr 1991)

    Adaptado de Martin F. et al, J Pediatr 1991

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    Podem referir-se ainda:

    - Sndrome da Obstruo Intestinal Distal (mais comum nas crianas mais velhas e nos

    adultos e o equivalente ao leus Meconial do recm-nascido);

    - hematemeses;

    - patologia da vescula;

    - pancreatite;

    - refluxo gastro-esofgico (RGE).

    Este ltimo bastante frequente, sobretudo nos adultos, mas tambm em cerca de 20%

    dos lactentes com menos de 6 meses e em 25%-100% no total dos doentes.

    Os factores precipitantes de RGE so: tosse crnica, hiperinsuflao torcica e aumento

    da presso toraco-abdominal. Para o diagnstico de RGE a pHmetria o exame mais indicado.

    A imagem relativa a uma criana com FQ e com

    uma marcada hepatoesplenomegalia, com cirrose

    heptica e grave hipertenso portal e hematemeses. O

    quadro pulmonar no era grave. Foi submetida a

    transplante heptico com sucesso e aps o mesmo, a

    sua qualidade de vida melhorou. De referir a

    manifestao de satisfao da doente por poder vestir

    calas ps-transplante e a completa adeso

    teraputica, ao contrrio do que acontecia antes! Estas

    pequenas vitrias para os doentes, ajudam-nos a

    perceber que por vezes h que ponderar bem as

    restries muito exigentes e limitaes para a realizao destas intervenes, quando afinal se

    tornam to gratificantes e compensadoras do ponto de vista da qualidade de vida do doente.

    Diabetes mellitus

    Outra complicao da FQ a diabetes. Surge em 76% dos doentes com mais de 30 anos

    e a prevalncia aumenta com a idade. Associa-se a menor sobrevida, especialmente no sexo

    feminino. Manifesta-se por hiperglicmia e intolerncia a glicose; no entanto, no se podem

    impor dietas muito rgidas devido necessidade de um aporte energtico adequado. Da que

    para o controlo metablico fundamental o ajuste das doses de insulina.

    Fig. 23 Fotografia de uma criana

    com FQ com marcada

    hepatoesplenomegalia

  • Fibrose Qustica

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    Osteoporose

    A osteoporose uma complicao frequente, sobretudo em adultos, mas de forma

    precoce. Manifesta-se frequentemente por fracturas espontneas, como por exemplo de

    costelas, que se observam com alguma frequncia nas radiografias do trax, apesar de

    ausncia de sintomas. Os doentes devem ser estudados tambm a este nvel, de modo a

    actuar ainda na idade peditrica e prevenir doena grave no adulto.

    Caso Clnico de FQ

    Fig. 24 - Este esquema

    representa a evoluo da FQ

    numa doente, sendo que a

    verde esto representados

    os anos com maior nmero

    de internamentos.

    Legenda:

    PA = Pseudomonas aeruginosa.

    MRSA = Staphylococcus aureus metycilin-resistant

    (Quando detectada obriga a isolamento dos outros doentes).

    ABPA = Apergilose Bronco-pulmonar Alrgica.

    DM = Diabetes mellitus

    O diagnstico de diabetes foi feito mediante exames realizados antes da prescrio de

    corticides orais para tratamento de Aspergilose Bronco-pulmonar Alrgica.

    Em resumo, na FQ:

    a grande morbilidade e a mortalidade est associada doena pulmonar progressiva;

    a insuficincia pancretica e a consequente mal-absoro so controladas

    parcialmente;

    a diabetes, complicaes gastrointestinais, osteoporose e doena heptica, so

    problemas particulares.

  • Fibrose Qustica

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    11) Preveno/tratamento das infeces:

    cinesiterapia diria, exerccio fsico, dornase , soro salino hipertnico optimizao

    do transporte mucociliar

    antibioterapia profiltica

    antibioterapia agudizao

    antibioterapia da infeco crnica - antibiticos inalados

    Em situaes de insuficincia respiratria parcial ou total h indicao de:

    oxigenoterapia de longa durao e, em alguns casos...

    ventiloterapia

    12) Problemas sociais e econmicos

    Pode gerar-se uma difcil relao entre irmos (criana com FQ recebe mais ateno e

    mimos dos pais, por exemplo);

    H uma mudana de actividades e objectivos no seio da famlia;

    Surgem determinadas tarefas e compromissos, dietas especiais, situaes, que tal como

    as anteriores, predispem ao conflito;

    So constantes as teraputicas dirias prolongadas (por vezes mais de 1h), consultas,

    hospitalizaes;

    A relao conjugal afectada, pois questiona-se a origem gentica da doena, h uma

    sobrecarga trabalho dos cnjuges;

    No fcil a adaptao do domiclio para que seja prximo do centro especializado;

    Pode haver, por parte do doente, isolamento, nomeadamente por vergonha, ou medo do

    contgio;

    Surgem preocupao pelos problemas mdicos e apoio nos tratamentos

    Os problemas na escola resultam no s da vivncia diria da doena mas, tambm, das

    expectativas futuras, atendendo morte precoce; a orientao profissional deve ser

    adaptada a profisses que no representem grande exigncia a nvel fsico,

    nomeadamente sem poeiras ou poluio;

    H um aumento das responsabilidades e dificuldades financeiras, apesar do actual apoio

    estatal.

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    13) Objectivos a considerar perante o doente com FQ

    melhorar a qualidade de vida do doente e famlia (o doente nunca sofre sozinho, h toda

    uma famlia envolvida);

    aumentar a sobrevida;

    controlar a deteriorao pulmonar, cumprindo uma teraputica continua e evitando a

    infeco / episdios de agudizao da funo pulmonar (estar alerta para situaes de

    aumento da expectorao, alterao das suas caractersticas, aumento da fadiga ou

    diminuio do apetite);2

    obter equilbrio nutricional, controlando o peso e evitando que diminua, por exemplo;

    identificar precocemente factores com impacto negativo na sobrevida e na qualidade de

    vida.

    14) Factores que influenciam a sobrevida

    Em termos de aumento da sobrevida, para alm da suficincia pancretica, o bom status

    nutricional determinante.

    Contribuindo para a diminuio da sobrevida temos factores tais como: a infeco a

    Burkholderia cepacia, a Diabetes mellitus e episdios de exacerbao aguda.

    Os factores de maior sobrevida so, deste modo:

    Diagnstico precoce (screening neonatal), conhecendo o perfil das mutaes genticas;

    A comparticipao do apoio doena;

    O seguimento em Centros Especializados, essenciais para a optimizao do tratamento dos

    doentes, para uma melhor relao custo-eficcia3 (dada a centralizao dos servios),

    melhor prestao de cuidados e qualidade de vida dos doentes, atendendo s

    competncias tcnico-cientficas de que se dispe.

    15) Centros Especializados de Referncia

    2 A Dr. referiu que os doentes conhecem bem os episdios de agudizaes e podem prever a necessidade de internamento

    quando percebem os seus sintomas; por vezes ocultam as queixas para protelar a hospitalizao.

    3 As ampolas de tobramicina, por exemplo, so dispendiosas, pelo que tm de ser administradas se necessrio, quando h

    indicaes para tal. no Centro Especializado que se consegue uma optimizao dos custos tambm a este nvel.

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    O Consenso Europeu de Centros Especializados de Referncia criou, em 2004 alguns

    critrios para que estes assim possam ser designados:

    1) mnimo exigido 50 doentes em seguimento permanente

    2) capacidade de tratamento de todas as complicaes associadas FQ

    3) insero preferencial, num Hospital Universitrio com possibilidade de investigao

    (mediante equipa que envolva a colaborao das reas de Gentica, Biologia Molecular e

    Celular, Bioqumica, Biotecnologia e Fisiologia)

    J os Centros Satlites, devem apresentar:

    1) mnimo 20 doentes;

    2) ligao ao Centro Especializado;

    Adaptando estas orientaes ao nosso hospital, o Centro Especializado do HSM, apoia o

    Centro Satlite de Ponta Delgada.

    Nestes Centros Especializados de Referncia deve ainda verificar-se uma adaptao

    realidade de cada pas e s estruturas j existentes.

    Da Equipa Multidisciplinar nestes Centros Especializados devem constar:

    pediatra/pneumologista, enfermeira especializada, cinesiterapeuta, dietista, psicloga clnica,

    assistente social, farmacutica, secretria.

    Para funcionar adequadamente, estes Centros Especializados devem dispor de:

    Laboratrio de Funo Pulmonar;

    Servio Radiologia (TAC);

    Servio de bacteriologia com experincia na identificao de bactrias comuns na FQ;

    Realizao de Prova de Suor e Estudo Gentico;

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    Especialistas em embolizao de artrias brnquicas;

    Especialistas em colocao de portcaths (implantes subcutneos que permitem

    administrao e.v. e, assim, diminuem a necessodade de canalizao e.v. repetida em doentes

    com ciclos teraputicos frequentes)

    Especialistas em realizao de gastrostomias.

    Um Centro de FQ deve proporcionar:

    acompanhamento em regime de ambulatrio, de internamento e cuidados domicilirios;

    infra-estruras e poltica de controlo das infeces cruzadas;

    programa de transio da Pediatria para Centro de Adultos;

    ligao a Centro de Transplante;

    uma primeira consulta, mas tambm observaes e monitorizaes peridicas, para avaliao

    do estadio e evoluo da doena;

    programas de ensino e treino ao doente e famlia, sobretudo a nvel da teraputica.

    articulao com outras especialidades gastroenterologia, hepatologia, radiologia, otorrino,

    obstetrcia/gineclogia (por vezes algumas doentes

    engravidam a requerem acompanhamento especial), gentica, endocrinologia, cardiologia,

    cirurgia geral e cardio-torcica, reumatologia.

    A nvel de Internamento, este Centro deve poder garantir:

    quartos de isolamento;

    monitorizao da SatO2;

    sesses de cinesioterapia, pelo menos 2x/dia;

    semanalmente exame bacteriolgico de secrees brnquicas e espirometria;

    reavaliao por fisioterapeuta, dietista, assistente social,...

    O doente deve ter acesso permanente (24h/24h) ao centro, nomeadamente mediante

    consulta telefnica, observao em emergncia/urgncia ou consulta, bem como a garantia

    que dispe de vaga no internamento, sempre que se precisar.

    Para a transio dos doentes da Pediatria para a Pneumologia segue-se um Protocolo

    de Transio que preconiza:

    idade ideal entre os 18-21 anos, mas flexvel, dependendo da maturidade e situao clnica

    (por exemplo, um doente instvel ou em fase terminal no se transferem doentes da Pediatria

    para a Pneumologia dos adultos, pois a equipa completamente diferente);

  • Fibrose Qustica

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    estreita cooperao entre a unidade peditrica e a de adultos, incluindo elaborao de

    protocolos de acompanhamento, mesma poltica de controlo de infeces, etc.

    consulta de transio (processo gradual, no imediato).

    No HSM em 1986 organizou-se a consulta de FQ na Unidade de Pneumologia

    Peditrica. Actualmente dispe-se de duas consultas especializadas de FQ, no Servio de

    Pediatria, com 61 doentes (individualizada em 1986, pela Dr. Celeste Barreto) e no Servio de

    Pneumologia, com 42 doentes (individualizada em 2003, pela Dr Pilar Azevedo). O Programa

    de Transio teve incio em 2000 e so realizadas reunies mensais das duas equipas

    multidisciplinares.

    No s cada Centro Especializado deve fazer o melhor, como os resultados devem ser

    integrados a nvel mais lato. O projecto EuroCareCF, com o apoio da Comunidade Europeia,

    procura melhorar o conhecimento e abordagem da doena e assim melhor cuidar e

    acompanhar os doentes, mediante uma integrao das vrias vertentes de investigao.

    Neste sentido, cria guidelines e d apoio a especialistas em vrios pontos geogrficos.

    A nvel de Investigao Bsica temos em Portugal a Professora Margarida Amaral da

    FCUL, coordenadora da Unidade de Investigao de Fibrose Qustica do Instituto Ricardo

    Jorge e responsvel a nvel europeu pelo projecto da investigao bsica e co-cordenadora do

    EuroCareCF.

    Em colaborao com o Instituto Ricardo Jorge e a Universidade de Freiburg, foi realizado

    um estudo para avaliao de um possvel novo mtodo de diagnstico e de prognstico.

  • Fibrose Qustica

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    Em 2004 foram publicados os resultados do estudo da Avaliao da Secreo de Cloreto

    Intestinal Mediada pela Protena CFTR que concluiu que a anlise (quantificao) do mRNA

    CFTR normal e a avaliao da Secreo de Cl- mediada pela CFTR no clon (medies em

    micro-cmara de Ussing), constituem parmetros muito teis para o diagnstico e

    prognstico da FQ.

    O Programa EuroCare CF dispe de um Registo (European CF Registry) que permite a

    comparao dos resultados para que cada pas possa melhorar os seus.

    Os seus objectivos so:

    conhecer quantos doentes com Fibrose Qustica existem em cada pas;

    obrigatoriamente saber o seu perfil demogrfico;

    opcionalmente conhecer o seu estado clnico, nomeadamente que infeces respiratrias e a

    que estirpes j apresentaram;

    medir, seguir e comparar aspectos da Fibrose Qustica e do seu tratamento nos pases

    participantes, possibilitando uma melhoria na forma de lidar com a doena; facultar dados

    para investigao epidemiolgica;

    identificar grupos especficos de doentes para estudos multicntricos ( necessrio grupos

    com determinada dimenso, quando estamos a falar de doentes com o mesmo gentipo, por

    exemplo, para poder avaliar os resultados com validade).

    Para terminar, lembrar que a misso de um Centro Especializado em Fibrose Qustica

    passa pela tentativa de diminuir a gravidade dos estdios onde se encontra o doente, tornando-

    o mais saudvel e com a maior qualidade de vida possvel a ele e famlia.

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    De acordo com Yankaskas J. (2006 NACFC), pode prever-se, nos prximos 5 anos, um

    aumento em 5 a 10 anos da esperana mdia de vida dos doentes com FQ se ao nvel dos

    cuidados prestados forem implementadas medidas que reflictam concluses de estudos de

    Medicina Baseada na Evidncia. No esquecer que cada doente no est sozinho, na medida

    em que se inscreve num determinado ecossistema: encontra-se rodeado pela famlia (pais,

    irmos, por vezes at filhos, familiares mais distantes), frequenta uma escola ou tem um

    emprego, relaciona-se com colegas e amigos. Ainda no contexto da comunidade, seguido

    pelos tcnicos de sade, com os quais tem um contacto frequente; a nvel mais alargado

    integra-se numa sociedade, marcada por determinada cultura, atitudes,

    valores e polticas sociais.

    A equipa multidisciplinar que segue estes doentes tem atender a toda esta

    envolvncia, relacionando-se prxima e regularmente no s com o doente mas tambm com a

    famlia (a famlia acaba por integrar a prpria equipa multidisciplinar).

    Neste crculo de relaes atender ainda importncia das associaes de

    solidariedade social e de apoio doena, com um papel significativo ao nvel do suporte

    prestados, nomeadamente mediante presso e exigncias a nveis polticos e governamental,

    de segurana social, criao de empregos, etc.

    Bom estudo!