FICHAMENTO - As aventuras de Marx contra o Barão de Münchhausen - Thatiane C. Pires

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CINCIAS JURDICAS CURSO DE GRADUAO EM DIREITO SOCIOLOGIA DO DIREITO EDMUNDO LIMA DE ARRUDA JR.

AS AVENTURAS DE KARL MARX CONTRA O BARO DE MNCHHAUSEN MARXISMO E POSITIVISMO NA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO FICHAMENTO

THATIANE CRISTINA PIRES

LWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Baro de Mnchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 8. ed. So Paulo: Cortez, 2003. Por muito tempo os diversos campos do conhecimento humano permaneceram confusos, sem qualquer delimitao de objeto, mtodo ou contedo. Cincia, religio e ideologia compunham um mesmo discurso visando a justificar e reproduzir a ordem social estabelecida. Qualquer tentativa de questionamento da prpria condio era entendida como uma ameaa subversiva ao sistema imutvel do universo, como se este fosse limitado a uma nica verdade, a um nico ponto de vista. Dessa forma, parafraseando Francis Bacon, o conhecimento esteve sempre aliado ao poder, sendo muito difcil desvincul-lo, no decorrer do seu desenvolvimento, de interesses extra-cientficos, bem como do seu carter histrico e da influncia axiolgica e ideolgica do contexto scio-cultural. O advento do capitalismo, no entanto, trouxe consigo a incluso do conhecimento da natureza como varivel de destaque para o desenvolvimento econmico e, assim, as dogmticas religiosa e ideolgica com seus preconceitos obscurantistas foram sendo superadas em uma gradual emancipao da cincia. Criou-se um modelo cientfico-natural de objetividade, ou seja, uma cincia livre de ideologias, julgamentos de valor, pressuposies polticas. Isto , em tese, uma cincia axiologicamente neutra. De fato, muito vlida para o fomento de novas tecnologias e descobertas no campo da fsica e da qumica, mas e quando estendida ao mbito do social?

Diante dos impasses de elaborao de um modelo de objetividade prprio das cincias sociais e humanas, o autor Michael Lwy examina os dilemas, as contradies, os limites e as contribuies das correntes positivista, historicista e marxista, no intuito de pensar a sociologia crtica do conhecimento. No decorrer da obra, Lwy desconstri os argumentos dos principais pensadores, deixando evidente como todo conhecimento e interpretao da realidade social esto ligados, direta ou indiretamente, a uma das grandes vises sociais de mundo, a uma perspectiva global socialmente condicionada, que circunscreve todo um conjunto orgnico, atribulado e estruturado de valores, representaes, ideias e orientaes cognitivas. Tal condicionamento histrico-social do conhecimento, no entanto, ser refutado pela corrente criadora da sociologia como disciplina cientfica: o positivismo. Como um legtimo descendente da filosofia do Iluminismo, no seu calor utpico-revolucionrio contra a ordem feudal-absolutista, teve como intuito inicial a emancipao do conhecimento social frente aos "interesses e paixes" das classes dominantes (aristocracia e clero). Sendo assim, o quadro metodolgico fundamental do positivismo justamente a neutralidade axiolgica do saber, ou seja, uma cincia completamente neutra e rigorosamente objetiva. Para os positivistas, as cincias sociais devem limitar-se observao e explicao causal dos fenmenos sociais, de forma objetiva e neutra, livre de julgamentos de valor. Por isso mesmo, acredita-se em uma "homogeneidade epistemolgica" entre as cincias sociais e naturais, ou seja, que uma mesma metodologia pode ser aplicada a ambas. por sustentar a ideia de que a sociedade, assim como a natureza, regida por leis involuntrias, invariveis e, principalmente, inelutveis que o positivismo usar do mesmo conceito que havia servido de instrumento revolucionrio por excelncia no sculo XVIII, alterando o seu sentido no sculo XIX, para se tornar uma justificao cientfica da ordem social estabelecida. E assim, a concentrao do capital nas mos dos chefes industriais no passa, para positivistas como Augusto Comte, de um exemplo das tais "leis naturais invariveis" da sociedade. Neste sentido, as revolues devem ser to impossveis quato os milagres, isso porque os fenmenos sociais so fatos naturais submetidos a leis naturais, cuja vontade no pode ser interrompida se o humano assim o desejar. Tanto Comte como Durkheim, os principais tericos notadamente positivistas, estavam conscientes do carter profundamente contra-revolucionrio de seu naturalismo sociolgico. Ainda assim, no viam contradio alguma, sequer incompatibilidade entre a tendncia

conservadora de seus mtodos (por eles reconhecida) e a neutralidade ou imparcialidade cientfica (por eles reinvindicada). A legitimao da ordem estabelecida lhes parece decorrer da constatao estritamente objetiva de certas "verdades elementares". Como Michael Lwy astutamente coloca, o problema das cincias sociais precisamente o fato de que aquilo que para alguns "verdade elementar" no para outros seno um preconceito e vice-versa. A ttulo de argumento, por exemplo, contrariamente aos supracitados autores positivistas, Max Weber considerava as pressuposies, os valores, os pontos de vista ou a viso de mundo no somente como inevitveis, mas tambm como constituindo a prpria condio de toda atividade cientfico-social significativa. Para ele, os valores e as vises de mundo so determinantes na investigao cientfico-social, pois orientam desde a escolha do objeto do conhecimento at a direo que toma a investigao emprica, determinando o que importante ou no. Tambm influenciam na formao do aparelho conceitual propriamente dito e, sobretudo, na elaborao da problemtica da pesquisa, ou seja, as questes que se aplicam realidade. Entretanto, no se trata de algo totalmente relativizado, Weber busca analisar as condies de possibilidade de objetividade do conhecimento cientfico-social, separando as concepes de julgamentos de fato e julgamentos de valor. Assim, uma cincia social Wert-frei aquela livre de julgamentos de valor, ou seja, "axiologicamente neutra" atravs da nodeduo dos fatos a partir dos valores. No entendimento de Weber, os valores determinaram as questes da investigao, mas no as respostas. Neste ponto, Lwy reconhece o valor da teoria weberiana, mas questiona o pensador pelo fato de haver reconhecido a influncia dos valores na definio das questes, mas no na definio das respostas da pesquisa cientfico-social. De fato, a ns nos parece que o tipo de resposta possvel j largamente predeterminado pela prpria formulao da questo. A carga valorativa ou ideolgica da problemtica repercute, portanto, necessariamente sobre o conjunto da pesquisa. Lwy deixa clara sua tendncia marxista ao conceber a realidade social como uma totalidade dialtica e, assim sendo, a escolha do essencial no pode ser, para o autor, neutra. Concepes pessoais de mundo intervm habitualmente sem cessar na argumentao cientfica, perturbam-na permanentemente, em todos os estgios da investigao cientfica. Mantendo essa linha, Karl Popper se distingue dos lugares-comuns do positivismo clssico, reconhecendo o carter necessrio, inevitvel e cientificamente indispensvel dos "pressupostos" ou pontos de vista "preliminares". Para ele, "selecionamos da variedade infinita

dos fatos e da variedade infinita de aspectos dos fatos, os fatos e os aspectos que so interessantes porque esto em relao com uma teoria cientfica mais ou menos preconcebida". Mais do que isso, no desejvel uma total objetividade porque nesse caso as afirmaes comporiam um emaranhado desconexo e sem valor. Na verdade, na sua concepo, a objetividade cientfica ao nvel individual impossvel, seja na pesquisa cientfica polticosocial, seja na natural. Para Popper, "a objetividade est estreitamente ligada ao aspecto social do mtodo cientfico, ao fato de que a cincia e a objetividade cientfica no resultam (e no podem resultar) das tentativas do cientista individual em ser 'objetivo', mas da cooperao de vrios cientistas. A objetividade cientfica pode ser descrita como a intersubjetividade do mtodo cientfico". Aqui inevitvel ao estudante de direito uma comparao com o atual mecanismo judicial de recorrncia s diversas instncias de deciso. Comparando-se o juiz ao cientista individual, fato que sua deciso no est livre de equvocos, muito menos da influncia de valores subjetivos. Desse modo, o recorrer de uma deciso judicial, permitindo ao ru que seja revisada e analisada por outros juzes, seria como a cooperao de vrios cientistas na busca de uma objetividade institucional. No se pode ignorar, porm, que o gnero de "verdade objetiva" que resulta de uma instituio depende em ampla medida das foras econmicas, sociais ou polticas que a controlam e financiam. o mesmo que pensar em um juiz a-poltico, por exemplo - o que na prtica no existe. Em relao a esse "carter pblico do mtodo" proposto por Popper, absolutamente verdadeiro que a cincia no pode progredir sem a liberdade de crtica, debate, confronto entre pontos de vista distintos, tanto no interior de uma mesma viso social de mundo, como entre cientistas ligados a opes axiolgicas e poltico-sociais contraditrias. Lwy categrico ao alertar que a ausncia de um tal debate conduziria esterilizao do pensamento cientfico, ao dogmatismo, ao obscurantismo. Ainda assim, questionvel a possibilidade mesma da existncia de um consenso cientfico geral entre os cientistas sociais. De fato, existe uma diferena qualitativa quanto ao papel, a importncia e a significao das vises de mundo nas cincias humanas e nas cincias naturais. Diferena esta negada pelo positivismo, que dissolve as cincias sociais e naturais "no meio homogneo de um s mtodo cientfico e de um s e nico modelo de objetividade". Diante dos impasses aos quais conduzem as teorias positivista de uma cincia da

sociedade livre de julgamentos de valor e ideologicamente neutra, faz-se necessria a busca de uma outra noo para a construo de um modelo de objetividade cientfico-social. Para o autor, isto no possvel, seno partindo de certas ideias do historicismo e do marxismo (historicismo), e especialmente integrando nele o momento relativista (histrico e social) da sociologia do conhecimento como etapa dialtica necessria para uma nova concepo do conhecimento objetivo. O historicismo procurou fundamentar a especificidade metodolgica das cincia sociais sobre seu carter necessariamente compreensivo, em contraposio caracterstica puramente explicativa das cincias naturais. Essa diferena fundamental entre os fatos naturais e os fatos histricos e, consequentemente, entre as cincias que os estudam amplamente defendida nesta corrente. Sob tal ponto de vista, todo fenmeno cultural, social ou poltico histrico e no pode ser compreendido seno atravs de e na sua historicidade. Alm disso, no apenas o objeto da pesquisa est imerso no fluxo da historia, mas tambm o sujeito, o prprio pesquisador, sua perspectiva, seu mtodo, seu ponto de vista. Os historicistas reconhecem que esta dmarche conduz a resultados unilaterais e limitados, mas insistem em que necessrio ter a coragem de reconhecer tal limitao. O consolo seria o fato de que o limitado e o particular, na sua opinio, so mais ricos que o comum e o geral. Num primeiro momento, o historicismo surgir como uma reao conservadora s revolues modernas. Ao final do sculo XIX, entretanto, a prpria observao histrica far com que os pensadores dessa doutrina percebam que o prprio movimento histrico condenou ao desaparecimento as antigas estruturas, instituies e valores por eles defendidos. Nesse contexto, o pensamento de Dilthey vem para defender a pluralidade das formas de pensar, cada qual contendo a sua parcela de verdade: "Cada viso de mundo historicamente condicionada, portanto, limitada, relativa Cada uma exprime, nos limites de nosso pensamento, uma dimenso do universo. Cada uma , consequentemente, verdadeira. Mas cada uma delas unilateral". Para este autor, uma viso de conjunto de todas as dimenses no possvel, sendo a verdade composta de mltiplas faces. Se o "momento relavitista" significa que todo conhecimento da sociedade, da economia, da histria, da cultura relativo a uma certa perspectiva, relativizar todo e qualquer conhecimento a um momento histrico determinado, por outro lado, pode levar ao ceticismo, isto , a negao de toda possibilidade de conhecimento objetivo. A questo justamente como,

ento, evitar o relativismo total e seu corolrio epistemolgico - o ceticismo. O atalho ecltico mais bvio, e por isso mesmo superficial, aparece em Simmel como uma soluo "sinttica". No movimento fluido do conhecimento, Simmel prope que se dissolvam as "cristalizaes dogmticas", em um processo de "complementaridade e dependncia recproca" dos vrios mtodos subjetivos, que por meio de uma interpenetrao chegariam ao ideal da verdade objetiva. Com a obra de Karl Mannheim, o historicismo relativista ganha uma nova roupagem: a de uma sociologia histrica do conhecimento (com influncia marxista), em busca de um fundamento social para a soluo ecltica tradicional. Os marxistas acreditam desmascarar todas as outras correntes de pensamento, revelando, sob a mscara de objetividade, universalidade e neutralidade, a sua verdadeira face: um ponto de vista de classe tendencioso e parcial. Para Mannheim, exatamente a que se situa a superioridade metodolgica da sociologia do conhecimento sobre o marxismo: ela retira todas as mscaras sem exceo e mostra o carter unilateral, ideolgico e socialmente condicionado de todas as formas de pensamento e de conhecimento cientfico-social, inclusive do marxismo. Uma vez rejeitada a sada marxista, Mannheim se acha diante dos dilemas clssicos do relativismo historicismo: se todo pensamento ou conhecimento dependente de uma perspectiva social e historicamente condicionada, e ligada a um ponto de vista social inevitavelmente parcial e tendencioso, como chegar verdade objetiva ou ao menos a um optimum de veracidade cognitiva? Sua resposta no escapa s armadilhas do atalho j percorrido por Simmel: a "sntese" ecltica. Trata-se, constatando a complementaridade recproca dos diferentes pontos de vista parciais - vinculados a posies sociais distintas -, de atingir uma viso de conjunto (zusammenschauen) pela sntese dinmica destas perspectivas unilaterais. Mannheim reconhece que toda forma de pensamento necessariamente "vinculada a uma posio social" e a est seu vis marxista. Na opinio de Michael Lwy, o momento relativista um dos aspectos mais fecundos da tradio historicista da qual Mannheim o principal representante na sociologia moderna. Toda soluo lcida do problema da objetividade cientfico-social deve necessariamente integrar este momento e vir a super-lo dialeticamente em seguida, na perspectiva de uma sociologia crtica do conhecimento. O relativismo absoluto, de fato, se revela absurdo, sendo foroso, para Lwy, reconhecer que certos pontos de vista so relativamente mais favorveis verdade

objetiva que outros, que certas perspectivas de classe permitem um grau relativamente superior de conhecimento que outras. A questo crucial que permanece que ponto de vista este epistemologicamente privilegiado em relao aos demais. A sociologia do conhecimento de Mannheim atribui tal privilgio cognitivo a uma intelligentsia sem vnculos, isto , uma camada relativamente sem posio de classe, desprovida de vnculos slidos com o espao social e margem da produo. Para ele, os que tm a liberdade de escolha, que examinam todos os pontos de vista antes de tomar posio, so precisamente os que podem chegar a uma viso global e formular uma sntese verdadeiramente dinmica. O meio intelectual, composto de indivduos de origens as mais diversas, seria o mais propcio ao confronto permanente de todos os pontos de vista contraditrios, o que favoreceria o avano de uma viso de conjunto. A resposta marxista, por outro lado, afirma que cada poca a classe revolucionria que representa o mximo de conscincia possvel. Se no florescer da filosofia iluminista era da burguesia revolucionria este privilgio, sob o ponto de vista marxista, ele pertence agora ao proletariado, a classe revolucionria de nossa poca. A partir de sugestes de Lukcs, Gramsci, Lucien Goldmann e Ernst Bloch, chega-se a especificidades do ponto de vista proletrio com relao ao das classes revolucionrias do passado, sobretudo por seu interesse coincidir com o de grande parte da humanidade. Por almejar a abolio de toda dominao de classe, o proletariado no esconde o contedo histrico de sua luta, e por isso mesmo, sob o ponto de vista marxista o qual Michael Lwy compartilha, tem a possibilidade objetiva de ser transparente. O conhecimento objetivo da realidade, da estrutura econmica e social, da relao de foras e da conjuntura poltica , assim, uma condio necessria de sua prtica revolucionria. Em outras palavras, "a verdade uma arma de seu combate". Seguindo essa linha, sem mascarar seu ponto de vista social, o marxismo historicista concebe a cincia ligada viso proletria de mundo como uma forma de transio para a cincia da sociedade sem classes que, por deixar de ser terreno de lutas polticas e sociais entre classes, poderia atingir um grau muito mais elevado de objetividade. Tal anlise, cabe ressalva, contm um ncleo irredutvel de f, como o prprio Lwy reconhece, mais precisamente, de aposta histrica sobre o papel emancipador do proletariado. Dessa forma, o privilgio cognitivo do proletariado fundamentado sobre uma escolha subjetiva, ainda que o autor insista sobre o aspecto "racional", uma aposta sobre o papel histrico do proletariado.

Em determinado momento da obra, o autor Michel Lwy apresenta uma curiosa analogia entre atitude historicista e a do positivismo: nos dois casos, o ponto de vista prprio (ou a ideologia) faz parte do campo-do-percebido-como-evidente e no so considerados 'tendenciosos' ou axiologicamente engajados. Para os dois, sua perspectiva decorre da "ordem natural das coisas", natural significando para os positivistas a harmonia das leis naturais eternas da vida social e, para os historicistas conservadores, o crescimento histrico "orgnico" das instituies. interessante observar que em todo momento do livro as crticas do autor esto carregadas de subjetividade e limitadas a uma pr-determinada viso de mundo que ele considera ideal - notoriamente um marxismo historicista - com a diferena de ser o ponto de vista nele confesso e at defendido como inevitvel. Isso em si no seria um exemplo da impossibilidade de objetividade das cincias sociais? problemtica das influncias axiolgicas sobre o cientista social, os positivistas respondem com um perfil do socilogo que mais se parece com a personagem do Baro de Mnchhausen: "um heri que consegue, atravs de um golpe genial, escapar ao pntano onde ele e seu cavalo estavam sendo tragados, ao puxar a si prprio pelos cabelos". Para Durkheim, o socilogo deve "ignorar" os conflitos ideolgicos, "fazer calar as paixes e os preconceitos" e "afastar sistematicamente todas as prenoes". Ou seja, basta para tanto estar precavido em uma total "serenidade e imparcialidade cientficas". Tambm Weber parece propor que o remdio para o que ele caracteriza como uma "fraqueza humana" (a de deixar-se influenciar por ideais pessoais) o "dever elementar do controle cientfico de si prprio"- o que na prtica conduz velha problemtica positivista da "boa vontade" e s aventuras do Baro de Mnchhausen. O pensamento de Popper tem uma dimenso original que, de acordo com Lwy, lhe d uma superioridade indiscutvel sobre os outros positivistas: o reconhecimento lcido de que a objetividade cientfica no poderia ser o resultado de qualquer "boa vontade" individual do homem da cincia, de sua pretensa capacidade de se liberar de seus prprios "preconceitos". E aqui sua crtica deve ser estendida sociologia do conhecimento quando se supe querer "reformar as cincias sociais tornando o cientista social consciente das foras sociais e ideolgicas que lhe tm inconscientemente guiado". Como tomar conscincia de algo que inconscientemente lhe guia? Em contraposio ao cientista mitolgico Baro de Mnchhausen, surge a figura do

cientista social como pintor de uma paisagem. Assim, o resultado (a pintura) depende em primeiro lugar do que o artista pode ver, isto , do observatrio onde ele se acha situado, existindo muitos nveis superiores, inferiores e intermedirios, cada qual com a sua possibilidade objetiva de um viso determinada da paisagem. Os limites estruturais do horizonte no dependem da boa ou m vontade do observador, mas da altura e da posio em que ele se encontra. No entanto, a qualidade da paisagem reproduzida no painel pelo artista no depender somente do observatrio mas tambm do prprio pintor, de sua forma de olhar e de sua arte de pintar. Tal "forma de olhar" diz respeito s determinaes subjetivas do cientista, que vo alm da posio classe, como nacionalidade, religio, gerao, cultura, sexo, pertinncia a categorias sociais ou a organizaes como partidos, seitas, igrejas. Quanto "arte de pintar", a cincia propriamente dita, tem sua autonomia no sentido de apresentar princpios prprios de atividade, uma disciplina constrangedora prpria, sua lgica interna e a prpria especificidade enquanto prtica que visa verdade. Este ltimo princpio, mrito do positivismo, de fato comum a todas as cincias: a inteno-de-verdade, busca do conhecimento como objetivo em si, a recusa de substituir este objetivo por finalidade extra-cientficas. Alm disso, h procedimentos prestabelecidos com relao ao objeto determinado, com inteno de formular um conhecimento vlido, mediante reunio, controle, anlise e interpretao de dados empricos. Tais princpios independem da viso social de mundo do cientista. Por outro lado, a "arte de pintar" tambm remete a um saber acumulado, um ponto de partida necessrio para toda produo nova. As diferentes vises de mundo, bem como suas intenes de uma sociologia do conhecimento, serviram como um prembulo para as determinaes e vises de mundo subsequentes. O socilogo no tem super-poderes para flutuar sobre a sociedade e de l observ-la imparcialmente. Tem sim armas crticas que englobam uma gama de conceitos, de mtodos, de tcnicas j acumulada por seus antecessores. O ponto de partida constitui-se mediante as leituras e as anlises das obras anteriores. Esta , portanto, a compreenso crtica da prpria histria. A busca pelo conhecimento objetivo, a necessidade de verdade inerente ao humano, no a uma determinada classe ou a um determinado sujeito.