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FICHAMENTO ÉTICA A NICÔMACO Guilherme Martins Umeda Santos – RA00135826 LIVRO I Cap. 1 “Mas observa-se entre os fins uma certa diferença: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades que os produzem.” “Mas quando tais artes se subordinam a uma única faculdade — assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos cavalos se incluem na arte da equitação, e esta, juntamente com todas as ações militares, na estratégia, há outras artes que também se incluem em terceiras —, em todas elas os fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados, porque estes últimos são procurados abem dos primeiros.” Cap. 2 ”Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem.” “Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra.”

Fichamento Ética a Nicomaco

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Fichamento sobre o livro Ética a Nicomaco, do Aristoteles

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FICHAMENTO TICA A NICMACOGuilherme Martins Umeda Santos RA00135826

LIVRO ICap. 1 Mas observa-se entre os fins uma certa diferena: alguns so atividades, outros so produtos distintos das atividades que os produzem. Mas quando tais artes se subordinam a uma nica faculdade assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos cavalos se incluem na arte da equitao, e esta, juntamente com todas as aes militares, na estratgia, h outras artes que tambm se incluem em terceiras , em todas elas os fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados, porque estes ltimos so procurados abem dos primeiros.Cap. 2 Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais desejado no interesse desse fim; e se verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, ento, o processo se repetiria ao infinito, e intil e vo seria o nosso desejar), evidentemente tal fim ser o bem, ou antes, o sumo bem. Ningum duvidar de que o seu estudo pertena arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra.Cap. 3 Nossa discusso ser adequada se tiver tanta clareza quanto comporta o assunto, pois no se deve exigir a preciso em todos os raciocnios por igual, assim como no se deve busc-la nos produtos de todas as artes mecnicas. Ao tratar, pois, de tais assuntos, e partindo de tais premissas, devemos contentar-nos em indicar a verdade aproximadamente e em linhas gerais; e ao falar de coisas que so verdadeiras apenas em sua maior parte e com base em premissas da mesma espcie, s poderemos tirar concluses da mesma natureza. Ora, cada qual julga bem as coisas que conhece, e dessas coisas ele bom juiz. Sirvam, pois, de prefcio estas observaes sobre o estudante, a espcie de tratamento a ser esperado e o propsito da investigao.Cap. 4 Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e bvia, como o prazer, a riqueza ou as honras, muito embora discordem entre si; e no raro o mesmo homem a identifica com diferentes coisas, com a sade quando est doente, e com a riqueza quando pobre. de presumir, pois, que devamos comear pelas coisas que nos so conhecidas, a ns.Cap. 5 Pode-se dizer, com efeito, que existem trs tipos principais de vida: a que acabamos de mencionar, a vida poltica e a contemplativa. No entanto, afigura-se demasiado superficial para ser aquela que buscamos, visto que depende mais de quem a confere que de quem a recebe, enquanto o bem nos parece ser algo prprio de um homem e que dificilmente lhe poderia ser arrebatado. Est claro, pois, que para eles, ao menos, a virtude mais excelente. Quanto a isto, basta, pois o assunto tem sido suficientemente tratado mesmo nas discusses correntes. Mas evidente que nem mesmo esses so fins; e contudo, muitos argumentos tm sido desperdiados em favor delesCap. 6 Seria melhor, talvez, considerar o bem universal e discutir a fundo o que se entende por isso, embora tal investigao nos seja dificultada pela amizade que nos une queles que introduziram as Formas. Ora, o termo "bem" usado tanto na categoria de substncia como na de qualidade e na de relao, e oque existe por si mesmo, isto , a substncia, anterior por natureza ao relativo(este, de fato, como uma derivao e um acidente do ser); de modo que no pode haver uma Ideia comum por cima de todos esses bens. Alm disso, como a palavra "bem" tem tantos sentidos quantos "ser" (visto que predicada tanto na categoria de substncia, como de Deus e da razo, quanto na de qualidade, isto , das virtudes; na de quantidade, isto , daquilo que moderado; na de relao, isto , do til; na de tempo, isto , da oportunidade apropriada; na de espao, isto , do lugar apropriado, etc.), est claro que o bem no pode ser algo nico e universalmente presente, pois se assim fosse no poderia ser predicado em todas as categorias, mas somente numa. Mas o fato que as cincias so muitas, mesmo das coisas que se incluem numa s categoria: da oportunidade, por exemplo, pois que a oportunidade na guerra estudada pela estratgia e na sade pela medicina, enquanto a moderao nos alimentos estudada por esta ltima, e nos exerccios pela cincia da ginstica. Os pitagricos parecem fazer uma concepo mais plausvel do bem quando colocam o "um" na coluna dos bens; e esta opinio, se no nos enganamos, foi adotada por Espeusipo. evidente, pois, que falamos dos bem sem dois sentidos: uns devem ser bens em si mesmos, e os outros, em relao aos primeiros. Que espcie de bens chamaramos bens em si mesmos? O bem, por conseguinte, no uma espcie de elemento comum que corresponda a uma s Ideia. Inegavelmente, o que a viso para o corpo a razo para a alma, e da mesma forma em outros casos. O mesmo se poderia dizer no que se refere Ideia: mesmo ainda que exista algum bem nico que seja universalmente predicvel dos bens ou capaz de existncia separada e independente, claro que ele no poderia ser realizado nem alcanado pelo homem; mas oque ns buscamos aqui algo de atingvel. Entretanto, no provvel que todos os expoentes das artes ignorem e nem sequer desejem conhecer auxlio to valioso.Cap. 7 Por conseguinte, se existe uma finalidade para tudo que fazemos, essa ser o bem realizvel mediante a ao; e, se h mais de uma, sero os bens realizveis atravs dela. Portanto, se s existe um fim absoluto, ser o que estamos procurando; e, se existe mais de um, o mais absoluto de todos ser o que buscamos. Ora, ns chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e aquilo que nunca desejvel no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que sempre desejvel em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa. A felicidade, todavia, ningum a escolhe tendo em vista algum destes, nem, em geral, qualquer coisa que no seja ela prpria. Considerado sob o ngulo da auto-suficincia, o raciocnio parece chegar ao mesmo resultado, porque o bem absoluto considerado como auto-suficiente. A felicidade , portanto, algo absoluto e auto-suficiente, sendo tambm a finalidade da ao. Tal explicao no ofereceria grande dificuldade se pudssemos determinar primeiro a funo do homem. Ou, assim como o olho, a mo, o p e em geral cada parte do corpo tm evidentemente uma funo prpria, poderemos assentar que o homem, do mesmo modo, tem uma funo parte de todas essas? Resta, pois, a vida ativa do elemento que tem um princpio racional; desta, uma parte tem tal princpio no sentido de ser-lhe obediente, e a outra no sentido de possu-lo e de exercer o pensamento. Ora, se a funo do homem uma atividade da alma que segue ou que implica um princpio racional, e se dizemos que "um tal-e-tal" e "um bom tal-e-tal" tm uma funo que a mesma em espcie Porquanto uma andorinha no faz vero, nem um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um breve espao de tempo, no faz um homem feliz e venturoso. Mas, a bem dizer, qualquer um capaz de preencher e articular o que em princpio foi bem delineado; e tambm o tempo parece ser um bom descobridor e colaborador nessa espcie de trabalho. Em alguns casos basta que o fato esteja bem estabelecido, como sucede com os primeiros princpios: o fato a coisa primria ou primeiro princpio. Ora, dos primeiros princpios descobrimos alguns pela induo, outros pela percepo, outros como que por hbito, e outros ainda de diferentes maneiras.Cap. 8 Devemos consider-lo, no entanto, no s luz da nossa concluso e das nossas premissas, mas tambm do que a seu respeito se costuma dizer; pois com uma opinio verdadeira todos os dados se harmonizam, mas com uma opinio falsa os fatos no tardam a entrar em conflito. Ora, os bens tm sido divididos em trs classes, e alguns foram descritos como exteriores, outros como relativos alma ou ao corpo. Outra crena que se harmoniza com a nossa concepo a de que o homem feliz vive bem e age bem; pois definimos praticamente a felicidade como uma espcie de boa vida e boa ao. Mas h, talvez, uma diferena no pequena em colocarmos o sumo bem na posse ou no uso, no estado de nimo ou no ato. Ora, na maioria dos homens os prazeres esto em conflito uns com os outros porque no so aprazveis por natureza, mas os amantes do que nobre se comprazem em coisas que tm aquela qualidade; tal o caso dos atos virtuosos, que no apenas so aprazveis a esses homens, mas em si mesmos e por sua prpria natureza. Sendo assim, as aes virtuosas devem ser aprazveis em si mesmas. Com efeito, todos eles pertencem s mais excelentes atividades; e estas, ou ento, uma delas a melhor , ns a identificamos com a felicidade. Em muitas aes utilizamos como instrumentos os amigos, a riqueza e o poder poltico; e h coisas cuja ausncia empana a felicidade, como a nobreza de nascimento, uma boa descendncia, a beleza. Como dissemos, pois, o homem feliz parece necessitar tambm dessa espcie de prosperidade; e por essa razo alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude.

Cap. 9 Por este motivo, tambm se pergunta se a felicidade deve ser adquirida pela aprendizagem, pelo hbito ou por alguma outra espcie de adestramento, ou se ela nos conferida por alguma providncia divina, ou ainda pelo acaso. Confiar ao acaso o que h de melhor e de mais nobre seria um arranjo muito imperfeito. A resposta pergunta que estamos fazendo tambm evidente pela definio da felicidade, por quando dissemos 14 que ela uma atividade virtuosa da alma, de certa espcie. Pelo mesmo motivo, um menino tampouco feliz, pois que, devido sua idade, ainda no capaz de tais atos; e os meninos a quem chamamos felizes esto simplesmente sendo congratulados por causa das esperanas que neles depositamos.Cap. 10 Ento ningum dever ser considerado feliz enquanto viver, e ser preciso ver o fim, como diz Slon? Efetivamente, acredita-se que para um morto existem males e bens, tanto quanto para os vivos que no tm conscincia deles: por exemplo, as honras e desonras, as boas e ms fortunas dos filhos e dos descendentes em geral. Alguns sero bons e tero a vida que merecem, ao passo que com outros suceder o contrrio; e tambm evidente que os graus de parentesco entre eles e os seus antepassados podem variar indefinidamente. claro que, para acompanhar o passo de suas vicissitudes, deveramos chamar o mesmo homem ora de feliz, ora de desgraado, o que faria do homem feliz um "camaleo, sem base segura". E as mais valiosas dentre elas so mais durveis, porque os homens felizes de bom grado e com muita constncia lhes dedicam os dias de sua vida; e esta parece ser a razo pela qual sempre nos lembramos deles. Todavia, mesmo nesses a nobreza de um homem se deixa ver, quando aceita com resignao muitos grandes infortnios, no por insensibilidade dor, mas por nobreza e grandeza de alma. Se as atividades so, como dissemos, o que d carter vida, nenhum homem feliz pode tornar-se desgraado, porquanto jamais praticar atos odiosos e vis. Se a recuperar, ser num tempo longo e completo, em que houver alcanado muitos e esplndidos sucessos. Sendo assim, chamaremos felizes queles dentre os seres humanos vivos em que essas condies se realizem ou estejam destinadas a realizar-se mas homens felizes.Cap. 11 Mas, visto serem numerosos os acontecimentos que ocorrem, e admitirem toda espcie de diferenas, e j que alguns nos tocam mais de perto e outros menos, antolha-se uma tarefa longa mais do que longa, infinita discutir cada um em detalhe. Pois parece, de acordo com tudo que acabamos de ponderar, que ainda que algo de bom ou mau chegue at eles, devem ser influncias muito fracas e insignificantes, quer em si mesmas, quer para eles; ou, ento, sero tais em grau e em espcie que no possam tornar feliz quem no o , nem roubar a beatitude aos venturosos.Cap. 12 Tendo dado uma resposta definida a essas questes, vejamos agora se a felicidade pertence ao nmero das coisas que so louvadas, ou, antes, das que so estimadas; pois evidente que no podemos coloc-la entre as potencialidades. Isso tambm evidente quando consideramos os louvores dirigidos aos deuses, pois parece absurdo que os deuses sejam aferidos pelos nossos padres; no entanto assim se faz, porque o louvor envolve uma referncia, como dissemos, a alguma outra coisa. E o mesmo vale para as coisas: ningum louva a felicidade como louva a justia, mas antes a chama de bem-aventurada, como algo mais divino e melhor. Tambm parece que Eudoxo estava acertado em seu mtodo de sustentar a supremacia do prazer. O louvor apropriado virtude, pois graas a ela os homens tendem a praticar aes nobres, mas o encmios se dirigem aos atos, quer do corpo, quer da alma.Cap.13 J que a felicidade uma atividade da alma conforme virtude perfeita, devemos considerar a natureza da virtude: pois talvez possamos compreender melhor, por esse meio, a natureza da felicidade. Temos um exemplo disso nos legisladores dos cretenses e dos espartanos, e em quaisquer outros dessa espcie que possa ter havido alhures. Mesmo entre os mdicos, os mais competentes do-se grande trabalho para adquirir o conhecimento do corpo. O poltico, pois, deve estudar a alma tendo em vista os objetivos que mencionamos e quanto baste para o entendimento das questes que estamos discutindo, j que os nossos propsitos no parecem exigir uma investigao mais precisa, que seria, alis, muito trabalhosa. Por exemplo: que a alma tem uma parte racional e outra parte privada de razo. Ora, a excelncia desta faculdade parece ser comum a todas as espcies, e no especificamente humana. Parece haver na alma ainda outro elemento irracional, mas que, em certo sentido, participa da razo. Seja como for, no homem continente ele obedece ao referido princpio; e de presumir que no temperante e no bravo seja mais obediente ainda, pois em tais homens ele fala, a respeito de todas as coisas, com a mesma voz que o princpio racional. nesse sentido que falamos em "atender s razes" do pai e dos amigos, o que bem diverso de ponderar a razo de uma propriedade matemtica. Que, de certo modo, o elemento irracional persuadido pela razo, tambm esto a indic-lo os conselhos que se costuma dar, assim como todas as censuras e exortaes Com efeito, ao falar do carter de um homem no dizemos que ele sbio ou que possui entendimento, mas que calmo ou temperante.

LIVRO IICap. 1 Por tudo isso, evidencia-se tambm que nenhuma das virtudes morais surge em ns por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hbito contrrio sua natureza. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a receb-las e nos tornamos perfeitos pelo hbito. Com as virtudes d-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exerccio, como tambm sucede com as artes. Esse o propsito de todo legislador, e quem no logra tal desiderato falha no desempenho da sua misso. Se no fosse assim no haveria necessidade de mestres, e todos os homens teriam nascido bons ou mau sem seu ofcio. O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoo da ira: uns se tornam temperantes e calmos, outros intemperantes e irascveis, portando-se de um modo ou de outro em igualdade de circunstncias. E no coisa de somenos que desde a nossa juventude nos habituemos desta ou daquela maneira. Tem, pelo contrrio, imensa importncia, ou melhor: tudo depende disso.Cap. 2 Uma vez que a presente investigao no visa ao conhecimento terico como as outras porque no investigamos para saber o que a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do contrrio o nosso estudo seria intil , devemos examinar agora a natureza dos atos, isto , como devemos pratic-los; pois que, como dissemos, eles determinam a natureza dos estados de carter que da surgem. Uma coisa, porm, deve ser assentada de antemo, e que todo esse tratamento de assuntos de conduta se far em linhas gerais e no de maneira precisa. Comecemos, pois, por frisar que est na natureza dessas coisas o serem destrudas pela falta e pelo excesso, como se observa no referente fora e sade (pois, a fim de obter alguma luz sobre coisas imperceptveis, devemos recorrer evidncia das coisas sensveis). O mesmo acontece com a temperana, a coragem e as outras virtudes, pois o homem que a tudo teme e de tudo foge, no fazendo frente a nada, torna-se um covarde, e o homem que no teme absolutamente nada, mas vai ao encontro de todos os perigos, torna-se temerrio; e, analogamente, o que se entrega a todos os prazeres e no se abstm de nenhum torna-se intemperante, enquanto o que evita todos os prazeres, como fazem os rsticos, se torna de certo modo insensvel. O mesmo ocorre com as virtudes: tornamo-nos temperantes abstendo-nos de prazeres, e depois de nos tornarmos tais que somos mais capazes dessa absteno.Cap. 3 Com efeito, a excelncia moral, relaciona-se com prazeres e dores; por causa do prazer que praticamos ms aes, e por causa da dor que nos abstemos de aes nobres. Outra coisa que est a indic-lo o fato de ser infligido o castigo por esses meios; ora, o castigo uma espcie de cura, e da natureza das curas o efetuarem-se pelos contrrios. Admitimos, pois, que essa espcie de excelncia tende a fazer o que melhor com respeito aos prazeres e s dores, e que o vcio faz o contrrio. Com efeito, alm de ser comum aos animais, este tambm acompanha todos os objetos de escolha, pois at o nobre e o vantajoso se apresentam como agradveis. Por esse motivo, toda a nossa inquirio girar em torno deles, j que, pelo fato de serem legtimos ou ilegtimos, o prazer e a dor que sentimos tm efeito no pequeno sobre as nossas aes. Por outro lado, para usarmos a frase de Herclito, mais difcil lutar contra o prazer do que contra a dor, mas tanto a virtude como a arte se orientam para o mais difcil, que at torna melhores as coisas boas. Demos por assentado, pois, que a virtude tem que ver com prazeres e dores; que, pelos mesmos atos de que ela se origina, tanto acrescida como, se tais atos so praticados de modo diferente, destruda; e que os atos de onde surgiu a virtude so os mesmos em que ela se atualiza.

Cap. 4 Algum poderia perguntar que entendemos ns ao declarar que devemos tornar-nos justos praticando atos justos e temperantes praticando atos temperantes; porque, se um homem pratica tais atos, que j possui essas virtudes, exatamente como, se faz coisas concordes com as leis da gramtica e da msica, que j gramtico e msico. Um homem, portanto, s gramtico quando faz algo pertencente gramtica e o faz gramaticalmente; e isto significa faz-lo de acordo com os conhecimentos gramaticais que ele prprio possui. Tambm mister que o agente se encontre em determinada condio ao pratic-los: em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo, deve escolher os atos, e escolh-los por eles mesmos; e em terceiro, sua ao deve proceder de um carter firme e imutvel. acertado, pois, dizer que pela prtica de atos justos se gera o homem justo, e pela prtica de atos temperantes, o homem temperante; sem essa prtica, ningum teria sequer a possibilidade de tornar-se bom. Nisto se portam, de certo modo, como enfermos que escutassem atentamente os seus mdicos, mas no fizessem nada do que estes lhes prescrevessem.Cap. 5 Devemos considerar agora o que a virtude. Por exemplo, com referncia clera, nossa posio m se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco, e boa se a sentimos moderadamente; e da mesma forma no que se relaciona com as outras paixes. Ora, nem as virtudes nem os vcios so paixes, porque ningum nos chama bons ou maus devido s nossas paixes, e sim devido s nossas virtudes ou vcios, e porque no somos louvados nem censurados por causa de nossas paixes (o homem que sente medo ou clera no louvado, nem censurado o que simplesmente se encoleriza, mas sim o que se encoleriza de certo modo); mas pelas nossas virtudes e vcios somos efetivamente louvados e censurados. Por outro lado, sentimos clera e medo sem nenhuma escolha de nossa parte, mas as virtudes so modalidades de escolha, ou envolvem escolha. Acresce que possumos as faculdades por natureza, mas no nos tornamos bons ou maus por natureza. Por conseguinte, se as virtudes no so paixes nem faculdades, s resta uma alternativa: a de que sejam disposies de carter. Mostramos, assim, o que a virtude com respeito ao seu gnero.Cap. 6 No basta, contudo, definir a virtude como uma disposio de carter; cumpre dizer que espcie de disposio ela. Por exemplo, a excelncia do olho torna bons tanto o olho como a sua funo, pois graas excelncia do olho que vemos bem. Por exemplo, se dez demais e dois pouco, seis o meio-termo, considerado em funo do objeto, porque excede e excedido por uma quantidade igual; esse nmero intermedirio de acordo com uma proporo aritmtica. Refiro-me virtude moral, pois ela que diz respeito s paixes e aes, nas quais existe excesso, carncia e um meio-termo. Mas senti-los na ocasio apropriada, com referncia aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelncia caractersticos da virtude. Em concluso, a virtude uma espcie de mediania, j que, como vimos, ela pe a sua mira no meio-termo. Por isso, o primeiro fcil e o segundo difcil fcil errara mira, difcil atingir o alvo. E assim, no que toca sua substncia e definio que lhe estabelece a essncia, a virtude uma mediania; com referncia ao sumo bem e ao mais justo, , porm, um extremo. E, no que se refere a essas coisas, tampouco a bondade ou maldade dependem de cometer adultrio com a mulher apropriada, na ocasio e da maneira convenientes, mas fazer simplesmente qualquer delas um mal. Em suma, do excesso ou da falta no h meio-termo, como tambm no h excesso ou falta de meio-termo.

Cap. 7 No devemos, porm, contentar-nos com esta exposio geral; mister aplic-la tambm aos fatos individuais. Pessoas deficientes no tocante aos prazeres no so muito encontradias, e por este motivo no receberam nome; chamemo-las, porm, "insensveis". No que se refere a dar e receber dinheiro o meio-termo a liberalidade; o excesso e a deficincia, respectivamente, prodigalidade e avareza. Ainda no que diz respeito ao dinheiro, existem outras disposies: um meio-termo, a magnificncia (pois o homem magnificente difere do liberal; o primeiro lida com grandes quantias, o segundo com quantias pequenas); um excesso, a vulgaridade e o mau gosto; e uma deficincia, a mesquinhez; estas diferem das disposies contrrias liberalidade, e mais tarde diremos em qu. Porque possvel desejar a honra como se deve, mais do que se deve e menos do que se deve, e o homem que excede em tais desejos chamado ambicioso, o que fica aqum desambicioso, enquanto a pessoa intermediria no tem nome. A razo disso ser dada mais adiante; agora, porm, falemos sobre as demais disposies, de acordo com o mtodo indicado. No tocante clera tambm h um excesso, uma falta e um meio-termo. preciso, portanto, falar destes dois, a fim de melhor compreendermos que em todas as coisas o meio-termo louvvel e os extremos nem louvveis nem corretos, mas dignos de censura. No que toca verdade, o intermedirio a pessoa verdica e ao meio-termo podemos chamar veracidade, enquanto a simulao que exagera a jactncia e a pessoa que se caracteriza por esse hbito jactanciosa; e a que subestima a falsa modstia, a que corresponde a pessoa falsamente modesta. Quanto aprazibilidade no proporcionar divertimento, a pessoa intermediria espirituosa e ao meio-termo chamamos esprito; o excesso achocarrice, e a pessoa caracterizada por ele, um chocarreiro, enquanto a pessoa que mostra deficincia uma espcie de rstico e a sua disposio a rusticidade. Vejamos, finalmente, a terceira espcie de aprazibilidade, isto , a que se manifesta na vida em geral. Tambm h meios-termos nas paixes e relativamente a elas, pois que a vergonha no uma virtude, e no obstante louvamos os modestos. O homem que se caracteriza pela justa indignao confrange-se com a m fortuna imerecida; o invejoso, que o ultrapassa, aflige-se com toda boa fortuna alheia; e o despeitado, longe de se afligir, chega ao ponto de rejubilar-se. Quanto justia, como o significado deste termo no simples, aps descrever as outras disposies distinguiremos nele duas espcies e mostraremos em que sentido cada uma delas um meio-termo; e trataremos do mesmo modo as virtudes racionais.Cap. 8 Com efeito, o bravo parece temerrio em relao ao covarde, e covarde em relao ao temerrio; e, da mesma forma, o temperante parece um voluptuoso em relao ao insensvel e insensvel em relao ao voluptuoso, e o liberal parece prdigo em confronto como avaro e avaro em confronto com o prdigo. Opostas como so umas s outras essas disposies, a maior contrariedade a que se observa entre os extremos, e no destes para com o meio-termo; porquanto os extremos esto mais longe um do outro que do meio-termo, assim como o grande est mais longe do pequeno e o pequeno do grande, do que ambos esto do igual. Os extremos, porm, mostram a maior disparidade entre si; ora, os contrrios so definidos como as coisas que mais se afastam uma da outra, de modo que as coisas mais afastadas entre si so mais contrrias. Por exemplo, no a temeridade, que representa um excesso, mas a covardia, uma deficincia, que mais se ope coragem; mas no caso da temperana, o que mais se lhe ope a intemperana, um excesso. Isso se deve a dois motivos, um dos quais reside na prpria coisa: pelo fato de um dos extremos estar mais prximo do meio-termo e assemelhar-se mais a ele, no opomos ao meio-termo esse extremo, e sim o seu contrrio. Por exemplo, ns prprios tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos mais facilmente levados intemperana do que conteno.Cap.9 Est, pois, suficientemente esclarecido que a virtude moral um meio-termo, e em que sentido devemos entender esta expresso; e que um meio-termo entre dois vcios, um dos quais envolve excesso e o outro deficincia, e isso porque a sua natureza visar mediania nas paixes e nos atos. Por isso a bondade tanto rara como nobre e louvvel. Por conseguinte, quem visa ao meio-termo deve primeiro afastar-se do que lhe mais contrrio, como aconselha Calipso: Passa ao largo de tal ressaca e de tal surriada. preciso forar-nos a ir na direo do extremo contrrio, porque chegaremos ao estado intermedirio afastando-nos o mais que pudermos do erro, como procedem aqueles que procuram endireitar varas tortas. Em resumo, procedendo dessa forma que teremos mais probabilidades de acertar com o meio-termo. E s vezes louvamos os que ficam aqum da medida, qualificando-os de calmos, e outras vezes louvamos os que se encolerizam, chamando-os de varonis. Isso no fcil de determinar pelo raciocnio, como tudo que seja percebido pelos sentidos; tais coisas dependem de circunstncias particulares, e quem decide apercepo. Fica bem claro, pois, que em todas as coisas o meio-termo digno de ser louvado, mas que s vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras vezes para a deficincia.