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FILOSOFIA DAS LÓGICAS

Filosofia Das Lógicas - Susan Haack

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  • FILOSOFIA DAS LGICAS

  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho CuradorJos Carlos Souza Trindade

    Diretor-PresidenteJos Castilho Marques Neto

    Editor ExecutivoJzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial AcadmicoAlberto Ikeda

    Antonio Carlos Carrera de SouzaAntonio de Pdua Pithon Cyrino

    Benedito AntunesIsabel Maria F. R. LoureiroLgia M. Vettorato Trevisan

    Lourdes A. M. dos Santos PintoRaul Borges GuimaresRuben Aldrovandi

    Tnia Regina de Luca

  • SUSAN HAACK

    FILOSOFIA DAS LGICAS

    TraduoCezar Augusto Mortari

    Luiz Henrique de Arajo Dutra

  • c1978 Cambridge University Press

    Ttulo original em ingls: Philosophy of Logics

    c1998 da traduo brasileira:

    Fundao Editora da UNESP (FEU)Praa da S, 108

    01001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) 3242-7172

    Home page: www.editora.unesp.brE-mail: [email protected]

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Haack, SusanFilosofia das lgicas / Susan Haack; traduo Cezar Augusto

    Mortari, Luiz Henrique de Arajo Dutra. So Paulo: EditoraUNESP, 2002.

    Ttulo original: Philosophy of LogicsISBN 85-7139-399-0

    1. Filosofia 2. Lgica I. Ttulo.

    02-2892 CDD-160

    ndices para catlogo sistemtico:1. Lgica: Filosofia 1602. Filosofia da lgica 160

    Editora afiliada:

  • para RJH

  • AGRADECIMENTOS

    Este livro baseado, em grande parte, em aulas de filosofia da l-gica ministradas na Universidade de Warwick desde 1971. Agradeoa todos os colegas e amigos com quem discuti as questes levantadasaqui; especialmente a Nuel Belnap, Robin Haack, Peter Hemsworth,Paul Gochet, Dorothy Grover, Graham Priest e Timothy Smiley, porseus comentrios detalhados a meu manuscrito. Sou grata tambm ameus alunos, que muito me ensinaram; e a Jeremy Mynott, por suaorientao editorial e seu apoio.

  • SUMRIO

    Prefcio edio brasileira 13Prefcio 17Notao e abreviaturas 23

    1 Filosofia das lgicas 25Lgica, filosofia da lgica, metalgica 25O mbito da lgica 27

    2 Validade 37Avaliando argumentos 37Validade dedutiva: com alguns breves comentrios sobre

    fora indutiva 40Validade em um sistema; Validade extra-sistemtica;Logica utens e logica docens; Fora indutiva

    Sistemas lgicos formais: o L em vlido-em-L 45Variantes notacionais; Constantes primitivas alternativas;Formulaes axiomtica e de deduo natural; Axiomase/ou regras alternativos

    Validade e forma lgica 51

    3 Conectivos sentenciais 57Consideraes formais 57

    Conjuntos adequados de conectivos: completude funcional;Matrizes caractersticas: decidibilidade; Lgica polivalente

    Os significados dos conectivos 60

  • 10 Filosofia das lgicas

    Linguagens formais e leituras informais; tonk; Objetivosda formalizao; & e e, e ou, etc.

    4 Quantificadores 71Os quantificadores e sua interpretao 71Interldio metafsico: Quine sobre quantificao e

    ontologia; 75O critrio de compromisso ontolgico;Quantificao substitucional e ontologia

    A escolha da interpretao 84Quantificadores substitucionais e verdade; Muito poucosnomes?; Tempo verbal; Modalidade; Quantificao de segundaordem

    5 Termos singulares 91Termos singulares e sua interpretao 91Nomes 92

    Nomes como puramente denotativos; Nomes assemelhadosa descries

    Descries 102Nomes no-denotativos: fico 108

    6 Sentenas, enunciados, proposies 113Trs abordagens 113Sentena, enunciado, proposio 114Letras sentenciais, variveis proposicionais, ou o qu? 118Os portadores de verdade 119

    Os portadores de verdade e a teoria da verdadeO problema reformulado 124

    Validade outra vez

    7 Teorias da verdade 127Um breve resumo 127

    Definies versus critrios de verdadeTeorias da correspondncia 133Teorias da coerncia 136Teorias pragmticas 140A teoria semntica 143

    Condies de adequao para definies de verdade;Adequao material; Correo formal; A definio deverdade de Tarski; Explicao informal; Explicao formal

    Comentrio sobre a teoria semntica 156

  • Filosofia das lgicas 11

    A teoria da redundncia 177Ramsey; Portadores de verdade; A distino lingua-gem-objeto/metalinguagem; Os quantificadores: (p)(se eleafirma que p, p); A teoria prossentencial da verdade

    8 Paradoxos 185O Mentiroso e paradoxos relacionados 185

    Paradoxos da teoria de conjuntos versusparadoxos semnticos?

    Solues para os paradoxos 189Requisitos para uma soluo; A soluo de Russell:a teoria dos tipos, o princpio do crculo vicioso;A soluo de Tarski: a hierarquia de linguagens; A soluode Kripke: fundamentao

    Paradoxo sem falso; algumas observaes sobre a teoria daverdade como redundncia; e o PCV outra vez 202

    9 Lgica e lgicas 207Lgica clssica e lgicas no-clssicas 207Respostas presso para mudar o formalismo clssico 208Primeiro estudo de caso: a lgica do discurso temporal 212Segundo estudo de caso: precisificao versus lgica difusa 219

    Ps-escrito: graus de verdade

    10 Lgica modal 229Verdade necessria 229Sistemas modais 235

    Extenses da lgica clssica; Observaes histricas;Um esboo formal; Relaes entre os sistemas modais

    Crticas da lgica modal 239A lgica modal foi concebida em pecado; A lgica modalno necessria; A interpretao da lgica modal cheia de dificuldades

    Semnticas para lgicas modais 249Semntica formal um esboo; Semntica pura edepravada; Abordagens de mundos possveis; Abordagensde indivduos possveis: identidade transmundana;Confirmadas as dvidas de Quine?

    Perspectivas 258De novo, a implicao: um ps-escrito sobre a lgica

    da relevncia 261

  • 12 Filosofia das lgicas

    Os paradoxos da implicao estrita; Lgica da relevncia

    11 Lgica polivalente 269Sistemas polivalentes 269

    Restries da lgica clssica: lgicas alternativas;Observaes histricas; Esboo formal

    Motivaes filosficas 274Futuros contingentes; Mecnica quntica; Paradoxossemnticos; A falta de significado; Sentido sem denotao;Sentenas indecidveis

    Lgicas polivalentes e valores de verdade 280Lgicas alternativas no-funcional-veritativas 282

    Sobrevaloraes; Lgica intuicionista

    12 Algumas questes metafsicas e epistemolgicassobre a lgica 289

    Questes metafsicas 289Monismo, pluralismo, instrumentalismo; As questesresumidas; Comentrios

    Questes epistemolgicas 302O que falibilismo?; O falibilismo estende-se lgica?;Uma digresso: Dois Dogmas novamente; Revisoda lgica

    Lgica e pensamento 309

    Glossrio 315

    Sugestes de leituras 327

    Bibliografia 331

    ndice 345

  • PREFCIO EDIO BRASILEIRA

    Por que Filosofia das Lgicas? Por que filosofia das, afinal, e noapenas simplesmente lgica? E por que lgicas, no plural, eno apenas lgica, no singular?

    Claro que possvel e pode ser proveitoso estudar lgicaapenas enquanto uma teoria formal, uma pequena parte da matem-tica, e mesmo ensinar lgica formal como um jogo intelectual. Mastratar a lgica apenas de tais maneiras deixar escapar o essencialdo assunto. Dissimular o fato de que a lgica formal dedutiva algica no sentido estrito, e, hoje, senso comum da palavra apenasuma parte da lgica no sentido amplo de teoria do que bom emmatria de raciocnio faz que seja fcil esquecer por que a lgica relevante.

    Os pioneiros da lgica dedutiva moderna, que desenvolveram apoderosa e unificada teoria formal que agora consideramos estabe-lecida, tambm pensaram muito a respeito dos objetivos e das fina-lidades da lgica. Ao defender seu Begriffsschrift, Frege avaliou asvantagens e desvantagens das linguagens formal e natural com-parando a primeira a ferramentas especializadas eficientes para ummbito limitado de tarefas e a ltima mo humana, mais verstil,porm menos eficiente para qualquer tarefa mais especfica. Insis-tiu tambm na superioridade das linguagens formais sobre as naturaispara a tarefa especializada de representar provas de forma explcita e

  • 14 Filosofia das lgicas

    sem ambigidade.1 E ao perguntar Por que estudar lgica? Peirceexplorou a relao da lgica com a psicologia, a natureza da validade,as pressuposies sobre a verdade e o raciocnio, que do s investi-gaes lgicas seu objetivo.2

    Contudo, os estudantes para quem as realizaes de Frege e Peircena formalizao da lgica, alcanadas com esforo, so o conhecidomaterial dos manuais podem no estar conscientes dessas profundasrazes e dessas amplas ramificaes, todas de carter filosfico. Por-tanto, minha abordagem de questes tais como do escopo e finalidadeda lgica; da natureza da validade, da verdade, da necessidade lgi-ca; da relevncia da teoria lgica para os processos de raciocnio; dainterpretao do aparato lgico formal fundamental, como os conec-tivos funcional-veritativos, as letras sentenciais, os quantificadores,os termos singulares; e, de modo mais geral, da relao da lgica for-mal com os argumentos informais em linguagem natural.

    Claro que tambm possvel, e pode tambm ser proveitoso, es-tudar apenas o clculo unificado bivalente proposicional e de predi-cados de primeira ordem, que agora denominamos lgica clssica.Mas prestar ateno apenas lgica clssica deixar escapar as suti-lezas e complexidades destacadas por aqueles que acreditam que elaseja restritiva demais (que h verdades lgicas ou argumentos vlidosque ela no pode representar adequadamente), ou, de fato, equivo-cada (que nem tudo o que ela reconhece como uma verdade lgicaou como um argumento vlido realmente logicamente verdadei-ro/vlido). Por isso, enfoco as lgicas, no plural as muitas e variadasextenses da lgica clssica e desvios em relao a ela: lgicas mo-dais, do tempo, e da relevncia, lgicas polivalentes e difusas, e assimpor diante.

    Afinal de contas, em certa medida, o aparecimento do sistema queagora denominamos lgica clssica foi produto da histria. Mes-mo no momento em que a lgica clssica adquiria sua articula-o cannica nos Principia Mathematica, Hugh MacColl e o prprioPeirce questionavam a adequao da implicao material, e conce-biam lgicas intensionais, com uma relao de implicao mais

    1 Frege, 1882a, 1882b.2 Peirce, Collected Papers, 2.119ss (1902).

  • Prefcio edio brasileira 15

    forte que o condicional material, e comeavam a investigar aquiloque MacColl denominou lgica de trs dimenses, e Peirce, lgi-ca tridica. E encontramos j a observao de Peirce em seu LogicNotebook, em 1909, de que a lgica tridica universalmente ver-dadeira!

    A prpria possibilidade de alternativas lgica clssica pe emgrande destaque questes metafsicas e epistemolgicas fundamen-tais: faz sentido descrever um sistema lgico como correto ou incor-reto? Se o caso, existe apenas um sistema de lgica correto, oupoderia haver mais que um? E com base em que razes deveramosdeterminar se um sistema de lgica correto ou no?

    E examinar cuidadosamente os argumentos a favor de lgicas no-clssicas especficas coloca as questes filosficas conhecidas emnova perspectiva. Ao avaliar os argumentos a favor das lgicas po-livalentes, devemos sondar mais profundamente o conceito de ver-dade, a questo dos portadores de verdade, os paradoxos semnticos,a vaguidade. Ao avaliar os argumentos a favor da lgica difusa, de-vemos pensar se a prpria verdade no poderia ser uma questo degrau e como os problemas que aparecem ao se projetarem termosta-tos para condicionadores de ar e fornos de cimento teriam a ver comverdades da lgica ou com a natureza das regras lgicas de infern-cia. Ao avaliar os argumentos a favor das lgicas modais, devemossondar mais profundamente a necessidade, a analiticidade, a verdadelgica. Ao avaliar os argumentos a favor das lgicas da relevncia,devemos sondar mais profundamente o conceito de validade, e assimpor diante.

    Descobri que essas questes to difceis e profundas atraem o in-teresse tanto de estudantes mais avanados, que logo percebem asinterconexes com a filosofia da linguagem, a metafsica, a epistemo-logia, a filosofia da mente, quanto de estudantes menos avanados,que apenas gostariam de ter uma resposta para: Por que estudarlgica?.

    Olhando para trs, vejo que no Prefcio edio inglesa expresseiminha esperana de que meu livro fosse de interesse para professo-res, bem como til para estudantes. Deixe-me aproveitar esta grataoportunidade para dizer a meus novos leitores em lngua portuguesaque gostaria de ter acrescentado naquela oportunidade o seguinte:

  • 16 Filosofia das lgicas

    claro que tambm espero que meu livro seja de interesse para osestudantes, assim como til para os professores!

    Susan HaackCoral Gables, Florida

    Outubro de 1997

  • PREFCIO

    O sculo que se seguiu publicao do Begriffsschrift de Frege as-sistiu a um extraordinrio crescimento no desenvolvimento e no es-tudo de sistemas lgicos. A variedade desse crescimento to im-pressionante quanto sua dimenso. Podem-se distinguir quatro reasprincipais de desenvolvimento, duas em estudos formais, duas em es-tudos filosficos: (i) o desenvolvimento do aparato lgico padro, co-meando com a apresentao, por Frege e por Russell e Whitehead,da sintaxe dos clculos sentencial e de predicados, subseqentementeprovida de uma semntica pela obra de, por exemplo, Post, Wittgen-stein, Lwenheim e Henkin, e estudada de uma perspectiva metal-gica na obra de, por exemplo, Church e Gdel; (ii) o desenvolvimen-to de clculos no-clssicos, tais como as lgicas modais iniciadaspor C. I. Lewis, as lgicas polivalentes iniciadas por ukasiewicz ePost, as lgicas intuicionistas iniciadas por Brouwer. Paralelamen-te a isto, tem-se (iii) o estudo filosfico da aplicao desses sistemasao argumento informal, da interpretao dos conectivos sentenciaise dos quantificadores, de conceitos como os de verdade e verdadelgica; e (iv) o estudo dos objetivos e capacidades da formalizao

    Em geral, traduzimos o termo ingls standard por padro ou usual, em portu-gus. Contudo, em alguns contextos, pareceu mais apropriado utilizar o termoclssico para traduzir standard. (N. T.)

  • 18 Filosofia das lgicas

    por aqueles que, como Carnap e Quine, so otimistas a respeito daimportncia filosfica das linguagens formais, por aqueles que, co-mo F. C. S. Schiller e Strawson, so cticos a respeito das pretensesde relevncia filosfica da lgica simblica, e por aqueles que, comoDewey, reclamam uma concepo mais psicolgica e dinmica da l-gica que aquela predominante.

    Vejo alguma importncia filosfica no fato de que esses desenvol-vimentos tiveram lugar em paralelo e no em srie; pois bom lem-brar que as lgicas no-clssicas se desenvolveram lado a lado comos sistemas clssicos, e que tambm sempre houve crticos no apenasde sistemas formais especficos, mas das aspiraes da prpria forma-lizao.

    Os desenvolvimentos nas quatro reas que distingui no foram, claro, independentes uns dos outros; e vejo tambm importncia fi-losfica na interao entre elas. Por exemplo, embora algumas dasidias principais tanto da lgica modal quanto da lgica polivalentetenham sido antecipadas por MacColl j em 1880, seu desenvolvi-mento formal sistemtico ocorreu, respectivamente, em 1918, de-pois da formalizao cannica dos clculos no-modais nos PrincipiaMathematica, e em 1920, depois da elaborao da semntica de tabe-las de verdade para a lgica bivalente. Contudo, a motivao parao desenvolvimento de clculos no-clssicos derivou no apenas doatrativo matemtico da possibilidade de extenses e modificaes dalgica clssica, mas tambm da crtica filosfica: no caso das lgi-cas modais, da pretenso do condicional material de representar aimplicao, e, no caso das lgicas polivalentes, da suposio de quetoda proposio ou verdadeira ou falsa. E um desenvolvimento emlgica no-clssica provocou outro: dvidas a respeito do sucessodas lgicas modais em formalizar a idia intuitiva de acarretamento(entailment) levaram ao desenvolvimento das lgicas da relevncia,ao mesmo tempo em que o apelo matemtico dos sistemas modaisencorajou o desenvolvimento, por analogia, das lgicas epistmicas,

    Estamos traduzindo ambas as expresses inglesas 2-valued e bivalent por biva-lente. A expresso 2-valued, semelhana de 3-valued e many-valued, poderiaser traduzida por 2-valorada (e 3-valorada, multi-valorada), mas o uso tcnicocorrente em portugus de bivalente, trivalente, polivalente etc. (N. T.)

  • Prefcio 19

    denticas e temporais; ou ainda, a reflexo sobre a motivao filos-fica das lgicas polivalentes levou idia de sobrevaloraes. As ino-vaes formais, por sua vez, deram uma nova dimenso s questesfilosficas originalmente levantadas pelos clculos clssicos: como,por exemplo, questes sobre a interpretao dos quantificadores e suarelao com termos singulares surgiram de uma forma nova e agudaquando a inteligibilidade da lgica modal de predicados foi contes-tada; ou, como antigas preocupaes, se a lgica trata de sentenas,enunciados ou proposies, acabaram sendo implicadas no desafio bivalncia feito pelos sistemas polivalentes. Algumas vezes, novossistemas formais at mesmo desafiaram, explcita ou implicitamente,e mais ou menos radicalmente, pressuposies aceitas sobre os ob-jetivos e aspiraes das lgicas formais: a lgica da relevncia, porexemplo, questiona no apenas a adequao dos condicionais mate-rial e estrito, mas ainda a concepo clssica de validade; o carterdistintivo da lgica intuicionista deriva em parte de um desafio pre-suno logicista da prioridade da lgica em relao matemtica;e a lgica difusa (fuzzy logic) rompe com o princpio tradicional deque a formalizao deveria corrigir ou evitar a vaguidade, mas no secomprometer com ela. E, como lembra este ltimo exemplo, novosdesenvolvimentos formais, algumas vezes, aspiraram a superar aquiloque tanto os defensores quanto os crticos da lgica formal tomaramcomo suas limitaes inerentes tal como sua suposta incapacida-de, enfatizada tanto por Schiller quanto por Strawson, de tratar dosaspectos pragmticos que afetam a aceitabilidade do raciocnio infor-mal, talvez superada, ao menos em parte, pela pragmtica formaliniciada por Montague.

    Minha preocupao neste livro com a filosofia da lgica e nocom sua histria. Porm, minha estratgia foi formulada prestandoateno histria da interao entre questes formais e questes fi-losficas que acabo de esboar. Comeo com a considerao de al-guns problemas levantados pelo aparato lgico padro a interpre-tao dos conectivos sentenciais, letras sentenciais, quantificadores,variveis, constantes individuais, os conceitos de validade, verdade,verdade lgica. A partir do Captulo 9, volto-me para a considera-o da maneira pela qual alguns destes problemas motivaram inova-es formais, lgicas ampliadas (extended) e alternativas (deviant),

  • 20 Filosofia das lgicas

    e os modos pelos quais estes novos formalismos levaram, por sua vez,a uma reavaliao das questes filosficas. E concluo, no ltimo cap-tulo, com algumas questes e bem poucas respostas sobre o statusmetafsico e epistemolgico da lgica, as relaes entre linguagensformais e naturais, e a relevncia da lgica para o raciocnio.

    Dois temas recorrentes no livro tambm refletem essa perspectivahistrica. Aquelas que me parecem ser as questes filosficas vitaisna lgica so postas em evidncia pela considerao (i) da pluralidadedos sistemas lgicos e (ii) das maneiras pelas quais os clculos formaistm a ver com a avaliao do argumento informal. Mais especifica-mente, vou insistir que, em vista da existncia de lgicas alternativas,a prudncia requer uma postura razoavelmente radical sobre a ques-to do status epistemolgico da lgica, e que a interpretao dos re-sultados formais uma tarefa delicada na qual altamente desejveluma ateno criteriosa aos propsitos da formalizao.

    Tentei produzir um livro que seja til como uma introduo aosproblemas filosficos levantados pela lgica, que seja inteligvel a es-tudantes com uma noo da lgica formal elementar e algum conhe-cimento de questes filosficas, embora sem nenhum conhecimen-to prvio da filosofia da lgica. Contudo, no apresentei respostassimples, ou mesmo questes simples, pois os temas interessantes emfilosofia da lgica so complexos e difceis. Em vez disso, procureicomear do comeo, explicando tecnicismos, e ilustrando problemasmuito gerais com estudos especficos de casos. Para esta finalidade,para aqueles que so novos no assunto, acrescentei um glossrio determos possivelmente pouco familiares que so utilizados no texto, ealguns conselhos de orientao para leituras. Ao mesmo tempo, paraaqueles ansiosos por seguir adiante, inclu uma bibliografia generosa(que espero no ser intimidadora). A resposta de meus alunos meencorajou a acreditar que desnecessrio, e at mesmo indesejvel,supersimplificar. Almejei embora tema que o resultado, inevita-velmente, fique aqum da aspirao produzir um livro que seja dealguma utilidade para o estudante e, ao mesmo tempo, de algum in-teresse para o professor.

    Creio que irritante no ter certeza se um autor modificou con-cepes que ele enunciou previamente, ou como o fez; mas, tambm

  • Prefcio 21

    entediante ser submetido a discusses freqentes dos erros passadosde um autor. Portanto, para encontrar um meio termo, indico aqui,brevemente, onde e como modifiquei as idias que tinha enunciadoem Deviant Logic. Primeiro: espero ter feito mais claramente a dis-tino entre questes metafsicas e epistemolgicas sobre o status dalgica; e isso me levou a distinguir mais cuidadosamente a questo domonismo versus pluralismo da questo da revisibilidade, e a sustentarum pluralismo qualificado, em vez do monismo um tanto confusa-mente assumido em Deviant Logic. Segundo: acabei achando queas conseqncias da interpretao substitucional dos quantificadorespara a ontologia so um pouco menos diretas do que eu supunha;e isto me levou a uma considerao mais sutil, ou de qualquer mo-do mais complexa, dos papis respectivos dos quantificadores e dostermos singulares. Suponho, contudo, que devo ter deixado passaralguns erros antigos, alm de ter cometido alguns novos.

  • NOTAO E ABREVIATURAS

    A, B . . . metavariveis, variando sobre letras sentenciaisp, q . . . letras sentenciais negao (no o caso que) disjuno (ou); algumas vezes chamado vel& conjuno (e); (e comercial, ampersand) implicao material (se) equivalncia material (se e somente se)x, y . . . variveis individuais() quantificador existencial (pelo menos um)( ) quantificador universal (para todo)(x) descrio definida (o x tal que . . . )F, G . . . letras predicativas (R, . . . para predicados polidicos)a, b . . . termos singulares= identidadeL necessariamenteM possivelmente implicao estrita implicao relevante

    acarretamento (entailment)

    negao intuicionista{ } conjunto{x | . . . x} o conjunto dos xs que so . . .

  • 24 Filosofia das lgicas

    seqncia (par ordenado, terno . . . n-upla/nupla) pertinncia a conjunto| . . . | o valor de . . .< menor que> maior que menor que ou igual a maior que ou igual asse se e somente sewff frmula bem-formada (well-formed formula)PCV princpio do crculo vicioso conseqncia sinttica conseqncia semnticaMPP modus ponens (de A e A B infira-se B)RAA reductio ad absurdum

  • 1FILOSOFIA DAS LGICAS

    No existe nenhum substitutomatemtico para a filosofia.

    Kripke, 1976

    Lgica, filosofia da lgica, metalgica

    A tarefa da filosofia da lgica, como a entendo, a de investigaros problemas filosficos levantados pela lgica assim como a tarefada filosofia da cincia investigar os problemas filosficos levantadospela cincia, e a da filosofia da matemtica, investigar os problemasfilosficos levantados pela matemtica.

    Uma preocupao central da lgica discriminar entre argumen-tos vlidos e invlidos; e pretende-se que sistemas lgicos formais,tais como os conhecidos clculos sentencial e de predicados, forne-am cnones precisos, padres puramente formais, de validade. As-sim, entre as questes caracteristicamente filosficas levantadas peloempreendimento da lgica esto as seguintes: O que significa dizerque um argumento vlido? que um enunciado se segue de outro?que um enunciado logicamente verdadeiro? A validade deve serexplicada relativamente a algum sistema formal? Ou h uma idiaextra-sistemtica que os sistemas formais procuram representar? O

  • 26 Filosofia das lgicas

    que tem a ver o ser vlido com ser um bom argumento? Como os sis-temas lgicos formais ajudam a avaliar argumentos informais? Qual a similaridade, por exemplo, entre e e &, e o que se deveria pen-sar que p e q representam? H uma lgica formal correta? e o quecorreta poderia significar aqui? Como se reconhece um argumentovlido ou uma verdade lgica? Que sistemas formais podem ser con-siderados lgicas? e por qu? Alguns temas sempre reaparecem: apreocupao com o mbito e os objetivos da lgica, as relaes en-tre lgica formal e argumento informal, e as relaes entre diferentessistemas formais.

    A esfera da filosofia da lgica est relacionada com a da metalgi-ca, mas distingue-se dela. A metalgica o estudo das propriedadesformais dos sistemas lgicos formais. Ela inclui, por exemplo, provas(ou refutaes) de sua consistncia, completude ou decidibilidade.Do mesmo modo, a filosofia da lgica tambm se preocupa com ques-tes sobre sistemas lgicos formais mas com questes filosficas, aoinvs de puramente formais. Tomemos como exemplo as relaes en-tre os clculos sentenciais, o clssico, bivalente, e o polivalente: ofilsofo quer saber em que sentido, se o h, as lgicas polivalentes soalternativas lgica bivalente; se se obrigado a escolher entre osclculos polivalente e bivalente, e se assim , por que razes; quaisseriam as conseqncias para o conceito de verdade se um sistemapolivalente fosse adotado, e assim por diante. Resultados metalgi-cos podem ajudar a responder questes desse tipo: por exemplo, presumivelmente uma condio necessria, embora no suficiente,para que uma lgica polivalente seja uma alternativa sria, que elaseja consistente, e pode ser relevante para questes a respeito de seustatus relativo que (a maioria das) lgicas polivalentes estejam conti-das na lgica bivalente (i.e., que todos os seus teoremas so teoremasda lgica bivalente, mas no vice-versa). Uma segunda diferena que a filosofia da lgica no se ocupa inteiramente com questes so-bre as lgicas formais. O argumento informal e as relaes entre osistema formal e o argumento informal tambm esto dentro de suaesfera. O desenvolvimento dos sistemas formais, de fato, aumentaenormemente a profundidade e o rigor dos estudos lgicos. Mas oestudo do argumento informal freqentemente uma preliminar in-dispensvel para tais desenvolvimentos, e o sucesso em sistematizar

  • Filosofia das lgicas 27

    argumentos informais, um teste de sua utilidade. pertinente dizerque Frege, um dos pioneiros da lgica formal moderna, foi levado adesenvolver o seu Begriffsschrift (1879) porque precisava de um meiomenos ambguo e menos incmodo que o alemo para fornecer pro-vas aritmticas devidamente rigorosas.

    Penso que se deve preferir a expresso filosofia da lgica a lgicafilosfica, que tende a transmitir a desafortunada impresso de queh uma forma peculiar, filosfica, de fazer lgica, em vez de que hproblemas caracteristicamente filosficos sobre a lgica. (Noto que,ao contrrio de lgica filosfica, cincia filosfica e matemticafilosfica nunca ganharam uso corrente.) Meus exemplos j mostra-ram, contudo, que o interesse filosfico se liga ao fato de que noexiste apenas uma lgica formal, mas uma pluralidade delas; e, assim,filosofia das lgicas, espero, ainda melhor.

    O mbito da lgica

    Entre os problemas da filosofia da cincia esto questes sobre ombito da cincia: que domnios do conhecimento (ou conhecimen-to) devem ser considerados cincias? por exemplo, a alquimia, oua astrologia, ou a sociologia, ou a psicologia devem ser consideradascincias genunas? E que razes poderiam ser dadas para incluir ouexcluir um dado domnio de investigao? De maneira similar, entreos problemas da filosofia da lgica esto questes sobre o mbito dalgica e, portanto, sobre o mbito da filosofia da lgica: o que umalgica? que sistemas formais so sistemas de lgica? e o que assim osfaz?1

    Como tenho que comear em alguma parte, vou tomar por supostaa idia intuitiva do que um sistema formal. Contudo, vou indicarque classe de sistemas formais tenho em mente quando falo de lgicasformais.

    Desde o incio, importante distinguir entre sistemas formais in-terpretados e no-interpretados: no-interpretado, um sistema formal

    1 Espero que a importncia de questes como estas se torne cada vez mais patenteno decorrer do livro. Os leitores que acharem esta seo difcil de acompanhartalvez prefiram retornar a ela no final.

  • 28 Filosofia das lgicas

    apenas uma coleo de marcas e no pode, portanto, ser identifi-cado como uma lgica formal, em vez de, digamos, uma formaliza-o de uma teoria matemtica ou fsica. Penso que a pretenso deum sistema formal de ser uma lgica depende de ele possuir uma in-terpretao de acordo com a qual se possa entender que ele almejareunir cnones de argumento vlido: considero, por exemplo, as l-gicas polivalentes como lgicas porque elas possuem interpretaessegundo as quais seus valores so valores de verdade; suas variveis,sentenas; seus operadores, negao, conjuno etc. (Elas possuemtambm outras interpretaes por exemplo, em termos de circuitoseltricos. O isomorfismo entre as interpretaes lgica e eltrica re-levante para o modo como os computadores funcionam. Ver Rescher,1969, p.61, para referncias.) Assim, ao falar de diversos formalismoscomo lgicas, estarei fazendo um apelo implcito a suas interpretaesusuais.

    Ao decidir quais formalismos considerar lgicas, adotei, por ora,a poltica tolerante de conceder o benefcio de qualquer dvida embora depois eu v prestar alguma ateno a argumentos sobre osmotivos pelos quais sistemas que inclu devam ser excludos. Uma ra-zo para essa poltica que ela diminui o perigo de rejeitar um sistemaformal como no realmente uma lgica, quando se deveria pergun-tar seriamente se ele um sistema bom ou til. Temo, por exemplo,que Quine (1970, cap.5) tenha sucumbido a esse perigo, ao excluiro clculo de predicados de segunda ordem por achar que ele se com-promete com uma ontologia de objetos abstratos e intensionais pro-priedades. (De modo similar, eu desconfiaria das definies daquiloque faz algo ser uma obra de arte que encorajassem a fuga a questessobre obras de arte ruins.) De qualquer forma, como lgicas formais,vou incluir:

    lgica tradicional silogstica aristotlicalgica clssica clculo sentencial bivalente

    clculo de predicados2

    2 De acordo com a poltica de benefcio da dvida, entendo que isto inclua a teoriada identidade (i.e., axiomas e regras para =) e o clculo de predicados de segunda

  • Filosofia das lgicas 29

    lgicas ampliadas lgicas modaislgicas temporaislgicas denticaslgicas epistmicaslgicas da preferncialgicas imperativaslgicas erotticas (interrogativas)

    lgicas alternativas lgicas polivalenteslgicas intuicionistaslgicas qunticaslgicas livres

    lgicas indutivas

    A inteno distinguir entre lgicas formais e sistemas de aritm-tica ou geometria, digamos, ou axiomatizaes da biologia, da fsi-ca, e assim por diante. A demarcao no baseada em quaisqueridias muito profundas sobre a natureza essencial da lgica defato, duvido que haja tal natureza essencial. Mas ela no inteira-mente arbitrria; ela corresponde razoavelmente bem, espero, quiloque os autores de filosofia da lgica costumam ter em mente quan-do falam de lgicas; e ela tem pelo menos a seguinte base racionalpragmtica.

    Aqueles sistemas formais que so conhecidos como a lgica pa-dro ou clssica (e que se ensinam em cursos de lgica formal ele-mentar) devem seguramente ser considerados lgicas, se algo deveassim ser considerado. Parece, pois, apropriado admitir tambm co-mo lgicas aqueles sistemas formais que so anlogos aos primeiros.Entre tais sistemas anlogos incluo: extenses da lgica clssica, is-to , sistemas que acrescentam novo vocabulrio lgico (necessaria-mente e possivelmente nas lgicas modais, era o caso que e ser ocaso que nas lgicas temporais, deve e pode nas lgicas denticas,sabe e acredita nas lgicas epistmicas, prefere nas lgicas da pre-ferncia) ao lado de novos axiomas ou regras para o novo vocabul-rio, ou que aplicam operaes lgicas conhecidas a novos itens (sen-

    ordem (i.e., a quantificao ligando F . . . etc., assim como x . . . etc.) alm doclculo de predicados de primeira ordem.

  • 30 Filosofia das lgicas

    tenas imperativas ou interrogativas); divergncias da lgica clssica,i.e., sistemas com o mesmo vocabulrio, mas com axiomas ou regrasdiferentes (em geral, mais restritos); e lgicas indutivas, que procu-ram formalizar uma noo de suporte anloga, porm mais fraca quea de conseqncia lgica. Sua similaridade lgica clssica noapenas similaridade formal, mas ainda similaridade de propsito e deinterpretao pretendida faz que seja natural ver esses sistemas co-mo lgicas. (De maneira alternativa, eu poderia ter comeado coma lgica tradicional aristotlica, da qual a lgica clssica moderna uma extenso, e dali ter prosseguido por um processo similar deanalogia.)

    Contudo, a idia de um sistema ser suficientemente similar lgi-ca clssica , obviamente, bastante vaga; e se pode com razo querersaber se o mbito da lgica poderia ser delimitado de alguma formamenos pragmtica e mais precisa.

    Poder-se-ia considerar que a idia tradicional de que a lgica seocupa da validade dos argumentos enquanto tais, isto , sem dizerrespeito a seu assunto de que a lgica , como Ryle coloca clara-mente, neutra a respeito do tema (topic-neutral) oferece um prin-cpio com base no qual se pode delimitar o mbito da lgica. Segundoessa concepo, aqueles sistemas que so aplicveis ao raciocnio inde-pendentemente de seu assunto seriam considerados lgicas. Esta umaidia com a qual simpatizo; embora duvide que ela, de fato, seja apre-ciavelmente mais precisa que a noo de analogia com a lgica clssi-ca com a qual iniciei. Em primeiro lugar, o que significa dizer que umsistema formal aplicvel ao raciocnio sobre tal ou qual assunto?Presumivelmente, pretende-se que seus princpios sejam verdadeirosa respeito de tal raciocnio. Mas o que se entende agora por inde-pendentemente de seu assunto? Poder-se-ia sugerir que enquantoos clculos sentencial e de predicados so indiferentes ao assunto, aaritmtica, por exemplo, no neutra com respeito ao assunto porqueela versa especificamente sobre nmeros. Mas isto levanta questescomplicadas a respeito de sobre (o clculo de predicados de primeiraordem versa sobre indivduos?). Sugere-se, alm disso, que a lgicase aplica ao raciocnio independentemente de seu assunto porque elase ocupa da forma dos argumentos, e no de seu contedo. Mais umavez, penso que a idia ajuda, embora seja ainda imprecisa. Como se

  • Filosofia das lgicas 31

    pode distinguir entre a forma de um argumento e seu contedo? Algica temporal aplicvel a sentenas com flexo temporal (tensedsentences), a lgica imperativa, a sentenas imperativas, e o tempoverbal (tense) ou o modo de uma sentena poderiam, no implausi-velmente, ser vistos como uma questo de sua forma, e no de seucontedo. Mas outros casos so menos claros a idia de forma ne-cessitaria de refinamento para deixar patente que, por exemplo, ofato de uma sentena ser sobre crenas uma questo de forma, maso fato de ser sobre nmeros uma questo de contedo.

    Contudo, a vaguidade da idia de neutralidade com respeito aoassunto e a correlata distino entre forma e contedo no so neces-sariamente questionveis. Como disse, tenho dvidas de que a lgi-ca possua um carter essencial precisamente especificvel. Quandoafirmei, por exemplo, que as lgicas modais se assemelham suficien-temente lgica clssica para serem includas no mbito da lgica,estava implicitamente confiando na idia de que os advrbios neces-sariamente e possivelmente so suficientemente neutros com res-peito ao assunto para consider-los novo vocabulrio lgico. Assim,a idia de neutralidade com respeito ao assunto certamente pode aju-dar a fortalecer as intuies que se tm sobre que sistemas formais sorelevantemente anlogos lgica clssica. Tambm significativoque o lugar onde traar a fronteira entre as lgicas e outros sistemasformais mais duvidoso e mais controvertido em alguns casos do queem outros. Por exemplo: algumas teorias matemticas, especialmen-te a teoria de conjuntos, tm aplicao muito geral, e parecem terfortes afinidades com a lgica, ao passo que as lgicas epistmica ouda preferncia parecem ser mais especficas a um assunto que os for-malismos lgicos padro, e parecem no ter uma pretenso to forte incluso. Em suma, fica-se tanto mais em dvida acerca da exclusode um formalismo matemtico quanto mais geral sua aplicao,e tanto mais em dvida sobre a incluso de um formalismo lgicoquanto menos geral sua aplicao. Isto sugere que a neutralidadecom respeito ao assunto vaga da maneira correta.

    Mais adiante, tais idias vo se mostrar importantes. A distinoentre forma e contedo ser examinada mais de perto quando, noprximo captulo, eu discutir a tese de que a validade de um argu-mento depende de sua forma. E a idia de que a lgica caracteris-

  • 32 Filosofia das lgicas

    ticamente neutra com respeito ao assunto ser relevante quando, noCaptulo 12, eu abordar a questo do monismo versus o pluralismo nalgica, isto , se h, por assim dizer, uma lgica correta, ou se cadauma das diferentes lgicas pode ser apropriada a diferentes reas dodiscurso.

    Algumas vezes, um critrio puramente formal, metalgico, su-gerido para demarcar os sistemas lgicos de outros sistemas formais.Kneale, por exemplo, insiste em que apenas sistemas completos se-jam admitidos no mbito da lgica. O resultado de se adotar um talcritrio seria o de restringir minha lista tolerante. Uma vez que oclculo de predicados de segunda ordem no completo no sentidousual, ele seria, por tais padres, excludo. Esta proposta conta coma vantagem da preciso. Tem-se o direito de perguntar, entretanto,que fundamento racional ela poderia ter por que deveria a com-pletude ser o critrio para um sistema ser uma lgica? Kneale (1956,p.258-9) argumenta assim: o fato de que uma teoria seja incomple-ta mostra que seus conceitos bsicos no podem ser completamenteformalizados, e isto justifica excluir tais teorias do mbito da lgica,tendo em vista o carter essencialmente formal desta. Assim, de mo-do interessante, Kneale est propondo a completude como o testede que um sistema puramente formal. Ele liga a idia precisa decompletude noo mais vaga de neutralidade com respeito ao as-sunto. Contudo, temo que o argumento de Kneale dependa de umequvoco a respeito de formal: o sentido no qual a incompletude dateoria de conjuntos mostra que seu conceito bsico, a pertinncia,no formal , simplesmente, de que o conceito no pode ser com-pletamente caracterizado por um conjunto de axiomas e regras queproduzam todas as verdades que o envolvem essencialmente. No bvio por que algum seria levado a pensar que um tal conceito noseja formal no sentido de que ele pertence ao contedo, em vez depertencer forma dos argumentos.

    Minha impresso de que as perspectivas de um critrio formalbem motivado no so muito promissoras (mas cf. p.46n, a seguir).Um outro exemplo apia esta intuio: se se desse um peso particu-lar ao papel da lgica como um guia para raciocinar, como um meiode avaliao de argumentos informais, poder-se-ia ver alguma razoem requerer que os sistemas lgicos sejam decidveis, que haja um

  • Filosofia das lgicas 33

    procedimento mecnico para estabelecer se uma frmula um teo-rema ou no. Mas isto, de fato, restringiria o mbito da lgica deuma maneira muito severa, pois, ainda que o clculo sentencial sejadecidvel, o clculo de predicados no o .

    notvel que praticamente toda lgica no-clssica tenha, emalgum momento, sido submetida a crticas sob a alegao de que elarealmente no de modo algum uma lgica; o que levanta a suspeitade que uma concepo restritiva do mbito da lgica pode disfararum conservadorismo que seria questionado se fosse proclamado maisabertamente.

    Todavia, pode ser instrutivo examinar alguns argumentos pela ex-cluso de sistemas que, de acordo com a poltica do benefcio dadvida, eu inclu. Dummett insistiu (1973, p.285-8; e cf. Kneale &Kneale, 1962, p.610) que as lgicas epistmicas no so realmen-te lgicas porque crena e conhecimento so noes irremediavel-mente vagas. verdade que um elemento importante na motivaopara a formalizao da lgica tenha sido o de aumentar a preciso,e, conseqentemente, a vaguidade deve normalmente ser evitada naescolha que o lgico faz de constantes, ainda que seja mais questio-nvel se a vaguidade priva absolutamente um conceito de empregolgico. claro que o tratamento do lgico a no, ou e, ou ou,ou se j envolve um considervel ajuste da negao, conjuno etc.,informais (cf. cap.3, p.60). Penso que a questo no simplesmentese conhece e acredita so vagos, mas se sua vaguidade irreme-divel, isto , se elas resistem necessariamente arregimentao. Edeve-se admitir que as lgicas epistmicas encontradas na literatura(cf. Hintikka, 1962) so um tanto desapontadoras, e por uma razopara a qual Dummett chama a ateno: que se tende a encontrarum axioma dizendo que se s acredita que p e q se segue de p, entos acredita que q. Em outras palavras, o conceito ordinrio, vago, decrena trocado por um substituto lgico, chamado talvez de crenaracional, que permite a construo de um sistema formalmente inte-ressante, mas que limita de um modo bastante severo sua relevnciapara argumentos informais a respeito de crena.

    Outros, alm disso, como Lesniewski, sugeriram que os sistemaspolivalentes no deveriam realmente ser considerados lgicas (verRescher, 1969, p.215). verdade que alguns sistemas polivalentes

  • 34 Filosofia das lgicas

    foram concebidos e investigados a partir de interesses puramente for-mais, ou para propsitos da tecnologia de computao. Mas tam-bm verdade, e importante, que pioneiros tais como ukasiewicz eBochvar estavam claramente convencidos de apresentar sistemas l-gicos como alternativas ao aparato clssico. Admiti, no entanto, quea alegao de que um sistema formal uma lgica depende do fatode que ele possua um certo tipo de interpretao. E uma razo quepoderia ser dada para excluir os sistemas polivalentes que eles re-querem uma mudana muito radical na teoria da verdade, ou talvezdos portadores de verdade, para serem suficientemente anlogos l-gica clssica bivalente. Quanto peso se d a este tipo de argumentodepende, obviamente, de quo radical se acredita que seja o efeitoda polivalncia sobre o conceito de verdade (cf. Haack, 1974, cap.3,para uma discusso relevante).

    Concedi tanto aos sistemas epistmicos quanto aos polivalentes obenefcio da dvida a respeito de seu status como lgicas. Contudo,em cada caso, as dvidas que so levantadas esto baseadas em con-sideraes cuja relevncia admito: no caso das lgicas epistmicas, adificuldade de eliminar a vaguidade dos novos operadores; no casodas lgicas polivalentes, a dificuldade de fornecer uma interpretaoapropriada dos novos valores. A relevncia destas consideraes estem colocarem em questo a fora da analogia das lgicas epistmi-cas e polivalentes com a lgica clssica a respeito de seu propsito einterpretao. Minha inclinao, todavia, de admitir esses sistemascomo lgicas e, ao mesmo tempo, claro, submeter suas credenciaiscomo alternativas lgica clssica a um exame rigoroso. Essa tole-rncia ajudar a contrabalanar qualquer conservadorismo inerenteao procedimento de delinear a lgica em analogia com os sistemasclssicos.

    Poder-se-ia razoavelmente perguntar: que importncia tem o mo-do exato pelo qual se delimita o mbito da lgica? Algumas vezesa questo foi considerada crucial para uma tese filosfica; o caso dologicismo fornece um exemplo interessante.

    O logicismo a tese (sugerida por Leibniz, mas desenvolvida emdetalhe por Frege) de que a aritmtica redutvel lgica, isto , deque os enunciados aritmticos podem ser expressos em termos pura-mente lgicos, e de que, ento, os teoremas aritmticos podem ser

  • Filosofia das lgicas 35

    derivados de axiomas puramente lgicos.3 Uma vez que um certoconjunto de frmulas pode, no sentido explicado, ser reduzido a umcerto outro conjunto, se isto reduzir a aritmtica lgica depende-r de se permitir que o primeiro conjunto adequadamente representea aritmtica, e se o outro conjunto est propriamente descrito comopuramente lgico. No caso do logicismo, h espao para dvida arespeito dos dois pontos. Pode-se alegar que o teorema da incomple-tude de Gdel mostra que no possvel derivar todas as verdades daaritmtica de qualquer conjunto de axiomas, e assim, a fortiori, no possvel deriv-las de qualquer conjunto de axiomas puramente l-gicos. Ou, mais especificamente ligado presente questo, pode-sealegar que os axiomas aos quais Frege reduziu os postulados de Pea-no para a aritmtica no so puramente lgicos, mas matemticos,uma vez que eles incluem princpios da teoria de conjuntos. Quine,por exemplo (1970, p.64ss), argumenta que a teoria de conjuntos nodeveria ser tomada como parte da lgica. Entretanto, suas razes nochegam a ser conclusivas: ele adverte que h teorias de conjuntosalternativas, mas h tambm lgicas alternativas (cf. cap. 9-12). Eele faz objeo aos fortes compromissos ontolgicos que a teoria deconjuntos envolve. Mas o critrio de compromisso ontolgico queele emprega discutvel (ver cap.4, p.75).

    Aqui est, pois, um caso em que o destino de uma teoria filosfi-ca parece depender da demarcao da lgica. Mas no um tantodesalentador pensar que a verdade do logicismo deva depender deuma questo to pragmtica como considerei ser aquela do mbitoda lgica? Penso que no, uma vez que se v um pouco mais fundo,e se pergunte por que dever-se-ia pensar que importa se a aritm-tica de fato puramente lgica. O problema realmente importantefica obscurecido, ou assim me parece, ao se colocar a questo comose o mbito da lgica fosse o ponto principal. Por que Frege achouque era importante mostrar que a aritmtica redutvel lgica? A

    3 Frege concebeu o primeiro sistema lgico formal inteiramente desenvolvido comouma preliminar, como ele esperava, para estabelecer a verdade do logicismo aoderivar, de fato, os postulados de Peano para a aritmtica de seus axiomas lgicos.Ele desenvolveu o aparato lgico em 1879, forneceu as definies lgicas apro-priadas para os termos aritmticos em 1884, e as derivaes em 1893 e 1903; verCarnap (1931), para uma introduo clara filosofia logicista da matemtica.

  • 36 Filosofia das lgicas

    motivao para o logicismo foi, ao menos em parte, epistemolgi-ca. Frege pensava que os princpios da lgica eram auto-evidentes,de modo que se se puder mostrar que as leis da aritmtica so delesderivveis, mostra-se, deste modo, que elas so epistemologicamen-te firmes elas adquirem inocncia por associao, por assim dizer.Ocorreu, contudo, que a lgica de Frege (ou a lgica) era incon-sistente o paradoxo de Russell pode ser derivado nela (cf. cap.8).A resposta de Frege descoberta da inconsistncia foi admitir queele nunca tinha realmente pensado que o axioma relevante fosse toauto-evidente quanto os outros um comentrio que bem pode levara um saudvel ceticismo a respeito do conceito de auto-evidncia. Arelevncia dessa histria para o assunto presente, entretanto, esta:que, uma vez que a base de Frege lgica ou no no tem a es-tabilidade epistemolgica que ele pensava, o aspecto epistemolgicode seu programa est perdido independentemente da deciso sobre ademarcao da lgica.

    Uma coisa pelo menos deve estar inteiramente clara por ora: que aquesto se um sistema formal deve ser considerado como uma lgicaou no , ela prpria, uma questo que envolve problemas filosficosbastante profundos e difceis. O melhor que a presena universaldos problemas filosficos na lgica esteja evidente desde o princpio.Pois o prprio rigor, que a principal virtude da lgica formal, tam-bm tende a lhe dar um ar de autoridade, como se ela estivesse acimado exame filosfico. E esta tambm uma razo pela qual enfatizo apluralidade dos sistemas lgicos; pois, ao se decidir entre alternativas,freqentemente se obrigado a reconhecer preconcepes metafsi-cas ou epistemolgicas que, de outra maneira, teriam permanecidoimplcitas.

  • 2VALIDADE

    Avaliando argumentos

    Os argumentos so avaliados atravs de uma grande variedade demodos. Alguns, por exemplo, so considerados mais persuasivos ouconvincentes que outros; alguns, mais interessantes ou fecundos queoutros, e assim por diante. Os tipos de avaliao possveis podem ser,de maneira geral, assim classificados:

    (i) lgica: h uma conexo do tipo apropriado entre aspremissas e a concluso?

    (ii) material: as premissas e a concluso so verdadeiras?(iii) retrica: o argumento persuasivo, atraente, interessante

    para a audincia?

    Dei apenas a indicao mais vaga dos tipos de questo caractersti-cos de cada dimenso da avaliao, mas uma indicao no muitoprecisa deve ser adequada para os propsitos presentes. A catego-ria separada dada s consideraes retricas no visa sugerir que avalidade de um argumento, ou a verdade de suas premissas, seja to-talmente irrelevante para sua capacidade de persuaso. Ao contrrio,visa levar em conta o fato de que, embora se as pessoas fossem com-pletamente racionais, elas seriam persuadidas apenas por argumentos

  • 38 Filosofia das lgicas

    vlidos com premissas verdadeiras, de fato, elas so muito freqente-mente persuadidas por argumentos invlidos ou argumentos com fal-sas premissas, e no so persuadidas por argumentos corretos (sound)(cf. p.41) (ver, por exemplo, Thouless, 1930; Stebbing, 1939; Flew,1975; Geach, 1976, para uma discusso de tais falhas de racionalida-de, e conselhos sobre como evit-las).

    No que se segue vou me ocupar quase exclusivamente da primeiradimenso da avaliao, a lgica. Nesta dimenso, por sua vez, precisodistinguir diferentes padres de avaliao que possam ser emprega-dos: isto , um argumento pode ser considerado dedutivamente vlido,ou dedutivamente invlido mas indutivamente forte, ou nenhum dosdois. Os padres dedutivos, como isto indica, e como veremos commais detalhes depois, so mais rigorosos que os indutivos a conexoentre premissas e concluso tem de ser, por assim dizer, mais estreitapara a validade dedutiva que para a fora indutiva.1

    Algumas vezes, sugere-se (por exemplo, Barker, 1965; Salmon,1967) que h dois tipos de argumentos: de um lado, argumentos dedu-tivos e, de outro, argumentos indutivos. Esta distino, pelo menostal como normalmente explicada, apenas confunde as coisas. Diz-seque os argumentos dedutivos so explicativos ou no-ampliativos,isto , eles no contm nada na concluso que j no esteja conti-do nas premissas. Se se pretende, como parece, que isto seja umaexplicao do que significa um argumento ser dedutivamente vlido,ela tende a se mostrar ou falsa, se no contm nada que j no es-teja contido nas premissas for tomado literalmente (pois enquantoA e B, portanto A satisfaz esta condio, A, portanto AB, quetambm dedutivamente vlido, no o faz), ou ento trivial, se nocontm nada na concluso que no esteja contido nas premissas fortomado metaforicamente (pois o que o teste de que A B estimplicitamente contido em A, se no que AB se segue dedutiva-mente de A?). Por outro lado, diz-se que os argumentos indutivosso ampliativos ou no-explicativos, quer dizer, suas conclusesvo alm do que est contido em suas premissas. Isto torna as coi-

    1 Alguns autores, sobretudo Peirce e, mais recentemente, Hanson, pensam que htambm outros padres lgicos, padres abdutivos. Cf. Haack (1977b), para umadiscusso relevante.

  • Validade 39

    sas piores, porque no pode ser tomado, simetricamente explicaode argumento dedutivo, como uma explicao do que significa umargumento ser indutivamente forte. Pois tudo o que diz sobre os ar-gumentos indutivos que eles no so dedutivamente vlidos, masnem todos os argumentos dedutivamente invlidos so indutivamen-te fortes.

    Assim (seguindo Skyrms, por exemplo, 1966, cap.1), prefiro apre-sentar o assunto da seguinte maneira: no que haja dois tipos deargumento, mas os argumentos podem ser logicamente avaliados porpadres diferentes, dedutivos ou indutivos; eles podem ser deduti-vamente vlidos, indutivamente fortes, ou nenhum dos dois. E istotorna claro quais deveriam ser as prximas questes: O que umargumento? Que condies um argumento deve satisfazer para serconsiderado dedutivamente vlido ou indutivamente forte?

    O que um argumento? Bem, reconhece-se que h a pretensode que algumas partes do discurso apiem uma concluso por meiode premissas, que levem a uma concluso a partir de premissas. Nodiscurso informal nas lnguas naturais, essa inteno pode ser assi-nalada ao se marcar a passagem de um enunciado a outro atravsde expresses tais como portanto, logo, segue-se que, porque, eassim por diante; na lgica formal, pela apresentao de uma seqn-cia de frmulas com a indicao, em cada linha, de que se sustentaque ela se segue por tal e qual regra de inferncia de tal e qual li-nha anterior, ou linhas. O que se julga ser vlido ou invlido pode,entretanto, ser compreendido simplesmente como uma parte do dis-curso: se se considera o argumento formal, uma seqncia de wffs

    de uma linguagem formal ou, se se considera o argumento informal,uma seqncia de sentenas (ou talvez enunciados ou proposies;cf. cap.6) da linguagem natural. (De modo similar, algumas das coi-sas que as pessoas dizem so ditas com inteno assertiva o falantepretende sustentar sua verdade e outras, no. Mas o que dito que verdadeiro ou falso.)

    No original, em ingls, usam-se as expresses abreviadas wff e wffs para indi-car, respectivamente, well-formed formula e well-formed formulas; isto , frmulabem-formada e frmulas bem-formadas. O uso mundialmente consagrado dessasabreviaturas nos fez mant-las tambm nesta edio. (N. T.)

  • 40 Filosofia das lgicas

    Validade dedutiva: com alguns breves comentriossobre fora indutiva

    Validade em um sistema

    Em um sistema lgico formal, a validade pode ser definida tan-to sinttica quanto semanticamente, isto , em termos dos axiomasou regras do sistema, e em termos de sua interpretao. Vou repre-sentar um argumento formal como uma seqncia de frmulas bem-formadas (i.e., sentenas gramaticais de uma linguagem formal; dora-vante wffs) A1 . . .An1,An, (n > 1) da qual A1 . . .An1 so as premis-sas e An, a concluso. A validade sinttica pode ser explicada, ento,nos seguintes termos:

    A1 . . .An1,An vlido-em-L exatamente no caso de An serderivvel de A1 . . .An1, e dos axiomas de L, se os h, pelasregras de inferncia de L.

    Isto usualmente representado por: A1 . . .An1 An.A validade semntica pode ser explicada nos seguintes termos:

    A1 . . .An1,An vlido-em-L exatamente no caso de An serverdadeira em todas as interpretaes nas quais A1 . . .An1so verdadeiras.

    Isto usualmente representado por: A1 . . .An1 An.O L em

    e

    serve para lembrar que ambas estas concepesde validade so relativas a sistemas.

    Em correspondncia com as idias sinttica e semntica de valida-de de seqncias de wffs esto, respectivamente, as idias de teore-micidade (theoremhood) e verdade lgica das wffs. Pode-se ter notadoque admiti a possibilidade de argumentos consistindo em apenas umawff (algumas vezes, estes so chamados de concluses sem premis-sas). Se as idias de validade que acabo de esboar forem aplicadas aeste caso especial, o resultado ser:

    A vlida-em-L ( um teorema de L) exatamente no caso deA seguir-se dos axiomas de L, se os h, pelas regras deinferncia de L (

    A).

  • Validade 41

    e

    A vlida em L ( uma verdade lgica de L) exatamente nocaso de A ser verdadeira em todas as intepretaes de L(

    A).

    Representei a teoremicidade e a verdade lgica, por assim dizer,como casos especiais, respectivamente, de validade sinttica e se-mntica. Teria sido tambm possvel abordar o assunto pelo ladooposto, e explicar a validade como a teoremicidade do condicionalcorrespondente. A primeira abordagem tem a vantagem de enfatizara preocupao da lgica com a conexo entre premissas e concluso,que a razo de t-la escolhido.

    Como as idias sinttica e semntica se encaixam? Bem, natural-mente, aspira-se a ter um sistema formal no qual exatamente aquelaswffs que so sintaticamente vlidas sejam semanticamente vlidas (osresultados da correo2 e da completude mostram que a teoremici-dade e a verdade lgica coincidem).

    Validade extra-sistemtica

    As concepes sinttica e semntica de validade at aqui consi-deradas so relativas a sistemas e se aplicam apenas a argumentosformais. O que ocorre, contudo, quando algum considera vlido umargumento informal? Suponho que se esteja alegando que sua con-cluso se segue de suas premissas, que suas premissas no poderiam serverdadeiras e sua concluso falsa. (Se, alm de ser vlido, um argu-mento possui premissas verdadeiras e assim, sendo vlido, tambmpossui concluso verdadeira ele dito correto.) Quando, intuitiva-mente, consideramos bons alguns argumentos informais ordinrios,e outros maus, provavelmente, algo semelhante a esta concepo devalidade est sendo aplicado. claro que considerar um argumentobom tende a envolver mais que consider-lo vlido; mas reconhe-cemos que a validade uma virtude importante de um argumento,embora no a nica.

    2 Um sentido diferente de correto (sound), aplicando-se no a sistemas lgicos,mas a argumentos, ser definido abaixo.

  • 42 Filosofia das lgicas

    Surge a questo se h tambm uma concepo informal, extra-sis-temtica, que corresponda s noes relativas a sistemas de teoremi-cidade e verdade lgica. Penso que h, embora suspeite que ela sejaum pouco menos desenvolvida e central que a idia extra-sistemticade validade (uma outra razo para tratar a verdade lgica como umcaso especial de validade e no o inverso). A idia extra-sistemticade um argumento vlido como aquele tal que suas premissas no po-deriam ser verdadeiras e sua concluso falsa, adaptada ao caso de umnico enunciado (assim como as definies formais foram adaptadasao caso de concluses sem premissas), resulta na noo de um enun-ciado que no poderia ser falso em outras palavras, na noo de umaverdade necessria. E, de fato, algo semelhante a essa idia pode serencontrado no nvel informal. Por exemplo, considera-se que algunsenunciados so tautolgicos. No sentido no-tcnico, isto significaque esses enunciados so trivialmente verdadeiros, eles apenas dizem(como sugere a etimologia de tautolgico) a mesma coisa duas vezese, conseqentemente, no poderiam ser falsos. A noo informal detautologia, claro, mais ampla que o uso tcnico, que inclui ape-nas verdades lgicas da lgica funcional-veritativa. E a idia informalde verdade necessria tambm mais ampla que a idia formal deverdade lgica (cf. cap.10, p.229). No deveria provocar nenhumagrande surpresa que essas prprias concepes informais tenham si-do refinadas com o desenvolvimento e o estudo de sistemas lgicosformais.

    Mas o que se pode dizer sobre a conexo entre as concepes devalidade relativas a sistemas, aplicveis a argumentos formais, e aconcepo extra-sistemtica, aplicvel a argumentos informais? Al-guma coisa como: os sistemas lgicos formais visam formalizar argu-mentos informais, para represent-los em termos precisos, rigorosos egeneralizveis. E um sistema lgico formal aceitvel deve ser tal que,se um argumento informal dado nele representado por um certo ar-gumento formal, ento este argumento formal deveria ser vlido nosistema apenas no caso de ser vlido o argumento informal no sentidoextra-sistemtico.

  • Validade 43

    Logica utens e logica docens

    De fato, provvel que haja um processo de ajustamento bastan-te complexo. Pode-se comear a desenvolver um sistema formal combase em juzos intuitivos da validade extra-sistemtica de argumentosinformais, representando esses argumentos em uma notao simbli-ca, e concebendo regras de inferncia de tal maneira que as represen-taes formais dos argumentos informais considerados (in)vlidos se-jam (in)vlidas no sistema. Contudo, dadas essas regras, outros argu-mentos formais mostrar-se-o vlidos no sistema, talvez argumentosformais que representam argumentos informais intuitivamente con-siderados invlidos. E, ento, pode-se revisar as regras do sistema ou,em vez disso, especialmente se uma regra agradavelmente simples eplausvel, e a intuio da validade informal no forte, pode-se revi-sar a opinio que se tem da validade do argumento informal, ou aindaa opinio que se tem da convenincia de representar esse argumen-to informal deste modo particular. E uma vez que um sistema lgicoformal se torne bem-estabelecido, claro que provvel que, por suavez, ele discipline as intuies que se tm sobre a validade ou inva-lidade de argumentos informais. Seguindo Peirce (que, por sua vez,tomou emprestada a terminologia dos lgicos medievais), podem-sechamar os juzos no-refletidos que se tm da validade dos argumen-tos informais de logica utens; os juzos mais rigorosos e precisos, de-senvolvidos enquanto os sistemas formais so concebidos, atravs dereflexo sobre os mesmos juzos, de logica docens. O quadro algocomo a Figura 1.

    Alguns autores tm dvidas sobre a adequao da concepo ex-tra-sistemtica de validade como a expliquei acima. O que, especi-ficamente, eles questionam na idia de um argumento ser vlido se impossvel para suas premissas serem verdadeiras e sua conclusofalsa, o e. De acordo com esta explicao, se as premissas de umargumento so impossveis, ou se sua concluso necessria, ento,desde que a fortiori impossvel que suas premissas sejam verdadei-ras e sua concluso falsa, esse argumento vlido. E isto assim, claro, mesmo que suas premissas sejam completamente irrelevantes

    Em latim no original; respectivamente, a lgica que se usa e a lgica que se ensina.(N. T.)

  • 44 Filosofia das lgicas

    logica utens logica docensargumentos informais argumentos formais

    representaosimblica doargumentoinformal

    validade extra- validade relativasistemtica a sistemas

    FIGURA 1

    para sua concluso. Os proponentes da lgica da relevncia, portan-to, pem em questo essa concepo de validade; e por causa destequestionamento, eles insistem na adoo de uma lgica formal no-clssica que requeira a relevncia das premissas para a concluso (verAnderson & Belnap, 1975, 22.2.1, e cf. cap.10, p.261). Assim, suainsatisfao com a concepo informal usual de validade est intima-mente ligada a seu desafio lgica clssica. (Convencionalmente, asconsideraes de relevncia tendem a ser relegadas dimenso ret-rica da avaliao de argumentos, e no dimenso lgica.)

    Fora indutiva

    A fora indutiva poderia ser caracterizada, sinttica ou semanti-camente, relativamente a sistemas formais da lgica indutiva. Entre-tanto, desde que no h nenhum sistema formal de lgica indutivaque tenha algo que se aproxime do tipo de consolidao (entrench-ment) de que goza a lgica clssica dedutiva, a idia extra-sistemtica,no caso da fora indutiva, tem um papel especialmente central. Aidia que um argumento indutivamente forte se suas premissasdo um certo grau de apoio, mesmo que menos do que um apoioconclusivo, a sua concluso: isto , se improvvel que suas premissassejam verdadeiras e sua concluso falsa. (Note-se que se se colocamas coisas desta forma, todos os argumentos dedutivamente vlidosseriam considerados indutivamente fortes. A validade dedutiva se-r um caso limite da fora indutiva, no qual a probabilidade de aspremissas serem verdadeiras e a concluso falsa zero.)

  • Validade 45

    Vale notar, contudo, que em sua caracterizao da idia extra-sistemtica de fora indutiva, Skyrms (1966, p.9-11) insiste na for-mulao: improvvel, dado que as premissas sejam verdadeiras, quea concluso seja falsa, porque ele no quer admitir que a alta proba-bilidade de sua concluso ou a baixa probabilidade de suas premissassejam suficientes, por si mesmas, para a fora indutiva de um argu-mento. Ento, de forma significativa, sua concepo da fora indu-tiva estreitamente anloga concepo de validade dedutiva doslgicos relevantes.3

    Sistemas lgicos formais: o L em vlido-em-L

    Distingui acima as concepes de validade relativas a sistemas,aplicveis a argumentos formais, de uma concepo extra-sistemti-ca, aplicvel a argumentos informais. Uma explicao adequada dasprimeiras da validade-em-L requer, obviamente, alguma explica-o de como se identificam e se individualizam os sistemas formais. Oproblema pode ser ilustrado considerando-se a lgica sentencial en-contrada, digamos, nos Principia Mathematica (Russell & Whitehead,1910) e no Beginning Logic (Lemmon, 1965): se se estiver preocu-pado com a diferena entre as lgicas bivalentes e polivalentes, elassero naturalmente vistas como formulaes alternativas do mesmosistema (bivalente), ao passo que se se estiver preocupado com o con-traste entre as tcnicas axiomtica e de deduo natural (ver a seguir,p.46), elas podem ser tomadas como exemplos de sistemas diferentes.

    De modo a ter alguma terminologia adequadamente neutra, vouchamar uma apresentao especfica de um sistema de uma formu-lao de um sistema lgico. Assim sendo, as diferenas entre for-mulaes so de dois tipos principais: diferenas de vocabulrio, ediferenas de axiomas e/ou regras de inferncia. Vou esboar primei-ro algumas diferenas significativas entre formulaes e, ento, dar

    3 Notoriamente, claro, h um problema sobre a justificao da induo. Nadano que eu disse mostra que haja quaisquer argumentos que sejam (dedutivamenteinvlidos, mas) indutivamente fortes. De fato, penso que a deduo e a induoso mais simtricas do que se supe em geral; cf. Haack (1976a).

  • 46 Filosofia das lgicas

    duas explicaes para o mesmo sistema, uma mais ampla e outramais restrita.

    Variantes notacionais

    Expresses tipograficamente diferentes podem ser usadas para asmesmas operaes (por exemplo, para as mesmas funes de verda-de). Entre as variantes notacionais correntes mais comuns encon-tram-se:

    para a negao: p, p, p, Nppara a disjuno: p q, Apqpara a conjuno: p& q, p q, p q, Kpqpara a implicao material: p q, p q, Cpqpara a equivalncia material: p q, p q, p q, Epqpara a quantificao universal: (x), (x), x, xpara a quantificao existencial: (x), (x), x, x

    Em cada caso, a ltima notao a polonesa, que tem a vantagem dedispensar os parnteses: os operadores precedem as frmulas que elesregem, e o escopo determinado sem parnteses.

    Constantes primitivas alternativas

    Diferentes conjuntos de constantes so equivalentes em poder ex-pressivo, por exemplo, & e , ou e , para expressar funesde verdade bivalentes, (x) e , ou (x) e , para quantificaoexistencial e universal. Algumas formulaes tomam, por exemplo,& e como primitivas, e definem e . Outras tomam e como primitivas, e definem & e , e assim por diante. Os PrincipiaMathematica, por exemplo, tm apenas a negao e a disjuno comoprimitivas, enquanto o Beginning Logic tem a negao, a disjuno, aconjuno e a implicao material.

    Formulaes axiomtica e de deduo natural

    Um sistema axiomtico de lgica (por exemplo, Principia Mathe-matica) inclui, ao lado de uma ou mais regras de inferncia, um con-

  • Validade 47

    junto privilegiado de wffs, os axiomas, que podem ser usados em qual-quer ponto de um argumento, e cuja verdade inquestionada no sis-tema. Os axiomas so includos entre os teoremas do sistema, umavez que, trivialmente, eles so derivveis de si mesmos. (Um sistemaaxiomtico deve ter pelo menos uma regra de inferncia, j que ne-nhuma derivao ou prova seria possvel sem os meios para se passarde uma wff a outra.)

    Uma formulao de deduo natural (por exemplo, BeginningLogic), ao contrrio, conta apenas com regras de inferncia. (Uma re-gra de hipteses permitir que se inicie sem a necessidade de axiomasdos quais se possa comear.) Vale observar que as regras de deduonatural tm um carter indireto, quase-metalgico mesmo. Conside-remos a regra de eliminao da disjuno: se se derivouC da hipteseA (mais, possivelmente, outras hipteses) e se se derivou C da hip-tese B (mais, possivelmente, outras hipteses), pode-se derivar C dahiptese de que A B (mais quaisquer outras hipteses usadas naderivao de C a partir de A e de B).4

    Algumas vezes, axiomas cuja verdade no conhecida, ou mesmocuja falsidade sabida, so adotados simplesmente com o objetivode investigar suas conseqncias. Um famoso exemplo vem da his-tria da geometria. Saccheri tomou o contraditrio do postulado dasparalelas de Euclides como um axioma, esperando mostrar que o re-sultado seria um sistema inconsistente e, logo, que o postulado dasparalelas era dedutvel dos outros axiomas de Euclides. Desde queesse postulado realmente independente dos outros, ele no foi bem-sucedido em seu objetivo. (Cf. a discusso das regras de inferncia dePrior para tonk, cap.3, p.61).

    Exatamente os mesmos argumentos vlidos e teoremas podem sergerados ou axiomaticamente ou por meio de regras de deduo natu-ral: pelos axiomas dos Principia Mathematica ou as regras de BeginningLogic, por exemplo. Mas claro que isto no quer dizer que a di-

    4 Cf. Blanch (1962) e Prawitz (1965), para uma discusso detalhada, respectiva-mente, das tcnicas axiomtica e de deduo natural. A apresentao pioneiraem deduo natural, em Gentzen (1934), inclui um axioma. Gentzen tambmformulou um clculo metalgico, o clculo de seqentes. Ver Hacking (1979) pa-ra uma tentativa interessante de demarcar formalmente o mbito da lgica comreferncia ao clculo de seqentes.

  • 48 Filosofia das lgicas

    ferena entre as tcnicas de deduo natural e axiomtica seja semimportncia. Kneale (1956, 4), por exemplo, argumenta que as for-mulaes em deduo natural refletem melhor a preocupao centralda lgica com a validade dos argumentos. Um efeito desafortuna-do da formulao axiomtica do Begriffsschrift e dos Principia, sugereKneale, foi um deslocamento da ateno da validade dos argumentospara a verdade lgica das wffs. E Blumberg (1967, p.24) sugere queas formulaes em deduo natural realam a diferena entre a l-gica formal e outras teorias formais, tais como, digamos, a geometriaou a biologia, que requerem axiomas especiais relacionados com seusassuntos, alm de uma base comum de regras lgicas de inferncia.Concordo em enfatizar a preocupao da lgica com argumentos, econcordo que com as apresentaes da lgica formal atravs de de-duo natural, essa preocupao colocada em evidncia. Contudo,uma vez que a validade dos argumentos e a verdade lgica das fr-mulas esto intimamente ligadas, uma formulao axiomtica noprecisa necessariamente distorcer a perspectiva que se tem. Carnap(1934) destaca que se podem pensar os axiomas como regras de infe-rncia bastante peculiares, com a finalidade de se poder inferir a wffdada de quaisquer premissas ou de nenhuma.) E a distino entre ossistemas lgicos e outros sistemas formais no precisaria tampouco seperder em uma apresentao axiomtica da lgica, uma vez que restalugar para uma distino entre axiomas lgicos e especficos (i.e., geo-mtricos, biolgicos, ou o que seja). A propsito, alguns filsofos dacincia instrumentalistas tm instado a que as leis cientficas sejamvistas como regras, e no como axiomas.

    Axiomas e/ou regras alternativos

    Se duas formulaes so variantes notacionais, seus axiomas e/ouregras vo diferir pelo menos tipograficamente. Alm disso, se elastomam diferentes constantes como primitivas, cada uma vai, usual-mente, empregar suas constantes primitivas em seus axiomas e/ouregras. (s vezes, contudo, um sistema formulado de tal manei-ra que constantes definidas aparecem nos axiomas/regras. Nos Prin-cipia, apenas e so primitivos, mas tambm aparece nosaxiomas.)

  • Validade 49

    Algumas formulaes empregam esquemas de axiomas, em vez deaxiomas e uma regra de substituio. A diferena est em ter, diga-mos, o axioma:

    (p q) ((q r) (p r))

    e a regra de que qualquer instncia substitutiva de um axioma umteorema, e ter o esquema:

    (A B) ((B C) (A C))

    no qual o uso das metavariveis A, B, C indica que no impor-ta que wff da linguagem seja colocada no lugar dessas letras, a wffresultante um axioma.

    Inteiramente parte das divergncias de notao e apresentaoj mencionadas, formulaes diferentes podem simplesmente ter di-ferentes conjuntos de axiomas/regras, mesmo quando so descon-tadas as diferenas notacionais: seus conjuntos de axiomas/regraspodem coincidir parcialmente ou mesmo ser inteiramente distintos.Como exemplo, comparemos os esquemas de axiomas de Mendelsone os de Meredith, ambos com e , para o clculo sentencialbivalente:

    Conjunto de Mendelson:1. (A (B A))2. ((A (B C)) ((A B) (A C)))3. ((B A) ((B A) B))Conjunto de Meredith:1. ((((A B) (C D)) C) E)

    ((E A) (D A))(E ver Prior, 1955, p.301ss, Mendelson, 1964, p.40-1, para conjuntosalternativos de axiomas.)

    O exemplo que acaba de ser dado de conjuntos alternativos deaxiomas para o clculo sentencial bivalente; as formulaes alterna-tivas geram exatamente os mesmos conjuntos de teoremas e infern-cias vlidas. Uma outra maneira na qual as formulaes podem diferir

  • 50 Filosofia das lgicas

    que elas podem resultar em diferentes teoremas ou inferncias vli-das. Por exemplo, a lgica sentencial intuicionista no possui algunsteoremas clssicos, incluindo a dupla negao e o terceiro excludo.

    Nesta altura, tenho material suficiente para voltar a meu problemaoriginal, o de quando tratar formulaes alternativas como formula-es do mesmo sistema. Vou sugerir duas explicaes de o mesmosistema, uma mais ampla e outra mais restrita, cada uma delas ade-quada para certos propsitos.

    O sentido mais restrito: L1 e L2 so formulaes alternativas domesmo sistema se possuem osmesmos axiomas e/ou regras de inferncia,desde que tenham sido descontadas diferenas de notao (por exem-plo, substituindo & por ) e de constantes primitivas (por exemplo,substituindo p& q por (pq)).

    O sentido mais amplo: L1 e L2 so formulaes alternativas domesmo sistema se eles possuem os mesmos teoremas e inferncias vli-das, desde que tenham sido descontadas diferenas de notao e deconstantes primitivas.

    Um exemplo: as formulaes dos Principia Mathematica e do Be-ginning Logic so formulaes de sistemas diferentes no sentido maisrestrito (uma possui axiomas mais modus ponens, e a outra, apenasregras de inferncia), mas do mesmo sistema no sentido mais amplo(elas geram os mesmos teoremas e inferncias).

    Estes dois sentidos de mesmo sistema vo ajudar, espero, a recon-ciliar algumas intuies conflitantes. O mais restrito destes dois sen-tidos parece apropriado para se usar nas definies de validade-em-L,ao passo que o sentido mais amplo vai ser mais til para contrastar,por exemplo, lgicas bivalentes e polivalentes. Uma vantagem dosentido mais restrito para a explicao da validade que ele evita umcrculo que, de outra forma, ameaa ocorrer, com teorema e infe-rncia vlida sendo definidos relativamente a um sistema, e sistemasendo definido relativamente a conjuntos de teoremas e infernciasvlidas.

    O sentido mais restrito tambm vai ser til para a discusso deformulaes inconsistentes. Desde que, exceto em alguns sistemasno-convencionais, qualquer coisa se segue de uma contradio, emvirtude do teorema A (A B), todos os sistemas inconsistentes

  • Validade 51

    sero considerados o mesmo sistema no sentido mais amplo. O sen-tido mais restrito permite que se respeite a intuio de que algumas,embora no todas, as formulaes inconsistentes sejam, entretanto,de interesse filosfico considervel. Um exemplo seria o sistema deFrege, no qual o paradoxo de Russell um teorema.

    Validade e forma lgica

    No se pode dizer se um argumento informal vlido (no sentidoextra-sistemtico) meramente ao investigar os valores de verdade desuas premissas e concluso. Se o argumento tem premissas verdadei-ras e concluso falsa, isto mostra que ele invlido. Mas se ele tempremissas verdadeiras e concluso verdadeira, ou premissas falsas econcluso verdadeira, ou premissas falsas e concluso falsa, isto nomostra que ele vlido. Pois ele vlido apenas se no puder ter, eno apenas no tiver, premissas verdadeiras e concluso falsa. Umatcnica que freqentemente til para mostrar que um argumento invlido, ainda que, de fato, ele no tenha premissas verdadeirase concluso falsa, a de encontrar um outro argumento que seja damesma forma e que, de fato, tenha premissas verdadeiras e conclusofalsa. Por exemplo, para mostrar que: Ou a prova de Gdel invli-da, ou a aritmtica incompleta, portanto a aritmtica incompleta,embora tenha premissas verdadeiras e concluso verdadeira, , entre-tanto, invlido, poder-se-ia indicar que o argumento estruturalmentesimilar: Ou 7 + 5 = 12 ou os ces miam, portanto os ces miam tempremissa verdadeira e concluso falsa. claro que este um mtodomelhor para mostrar a invalidade que para mostrar a validade. Seno se pode encontrar um argumento de mesma forma com premis-sas verdadeiras e concluso falsa, isto no prova conclusiva de queum argumento seja vlido (cf. Massey, 1974).

    Para mostrar que um argumento invlido, o que se busca umargumento estruturalmente similar com premissas verdadeiras e con-cluso falsa. E isto sugere que h alguma verdade na mxima de queos argumentos so vlidos ou invlidos em virtude de sua forma. E ossistemas lgicos formais so concebidos para representar de um modoesquemtico, generalizado, a estrutura que julgamos ser compartilha-

  • 52 Filosofia das lgicas

    da por um grupo de argumentos informais, e que julgamos ser a basede sua validade ou invalidade. Isto tende a sugerir, por sua vez, umaimagem dos argumentos informais como tendo uma estrutura nica ereconhecvel, como compostos, por assim dizer, de um esqueleto (asexpresses que constituem sua forma) recoberto de carne (as expres-ses que constituem seu contedo); e do lgico formal como algumque simplesmente concebe smbolos para representar as constanteslgicas, os componentes estruturais. Isto, contudo, simplifica de-mais. Penso que uma imagem melhor a seguinte. Reconhecem-sesimilaridades estruturais entre argumentos informais, similaridadescaracteristicamente marcadas pela ocorrncia de certas expressestais como e, ou a menos que, ou todo. (No se deveria, entre-tanto, esperar que cada argumento informal tenha necessariamenteum nico lugar neste modelo.) O lgico formal seleciona, dentre asexpresses cujas ocorrncias marcam similaridades estruturais, aque-las que (por diversas razes, a funcionalidade veritativa, por exemplo,cf. cap.3, p.60). so candidatas promissoras ao tratamento formal.

    Esta imagem esquemtica como j comea a explicar porque que tentativas de especificar quais expresses do ingls de-veriam ser consideradas como constantes lgicas tendem a con-cluir com o reconhecimento um tanto desconfortvel de que nemtodas as expresses adequadamente neutras em relao ao assun-to (Ryle, 1954), nem todas as expresses que parecem ser essenciaispara a validade dos argumentos informais (von Wright, 1957) so re-presentadas no simbolismo da lgica formal. Por exemplo, diversos to neutro em relao ao assunto e pode ser to essencial a umargumento quanto todo. O aparelhamento dos lgicos formais in-clui um anlogo deste, mas no daquele termo. Compare-se com aenumerao de Quine das constantes lgicas: partculas bsicas taiscomo , no, e, ou, a menos que, se, ento, nenhum(neither), nem (nor), algum, todo etc. (1940, p.1). notvelque a lista compreenda apenas aquelas expresses do portugus [oudo ingls] que podem ser confortavelmente representadas no clculosentencial e no clculo de predicados clssicos, e que ela exclua ne-cessariamente e possivelmente, por exemplo, sem dvida por causa

    Ou do portugus etc., isto , da lngua de que se trata. (N. T.)

  • Validade 53

    do ceticismo de Quine em relao inteligibilidade da lgica modal.O etc., claro, nada ajuda, j que no se d nenhuma indicao doque se consideraria como um acrscimo permissvel lista.

    A relao entre os argumentos informais e suas representaes for-mais, como se poderia esperar, no diretamente um-a-um. Um ar-gumento informal pode ser representado apropriadamente de diver-sas maneiras em diferentes formalismos. Por exemplo:

    Todo nmero natural ou maior que ou igual a zero, e todonmero natural ou mpar ou par, portanto todo nmeronatural ou maior que ou igual a zero e ou mpar ou par

    poderia corretamente ser representado no clculo sentencial como:

    pq

    e no clculo de predicados como:

    (x)Fx& (x)Gx(x)(Fx&Gx)

    (Notemos que a disponibilidade de representaes alternativas noprecisa depender de qualquer ambigidade no original, embora seum argumento informal for ambguo, isto naturalmente significarque ele tem mais de uma representao formal; cf. o esplendidamen-te ambguo se voc pode comer qualquer peixe, voc pode comerqualquer peixe de Anscombe.)

    p portanto q invlido, mas (x)Fx& (x)Gx portanto (x)(Fx&Gx) vlido. E uma vez que o segundo revela mais da estrutura do ar-gumento original, informal, que o primeiro, pode-se ser tentado apensar que a melhor representao formal ser aquela que exiba aomximo a estrutura. Mas meu argumento informal pode ser repre-sentado, de novo no simbolismo do clculo de predicados, com aestrutura mais revelada ainda, como:

    (x)(FxGx)& (x)(Hx Ix)(x)((FxGx)& (Hx Ix))

  • 54 Filosofia das lgicas

    claro que h um sentido no qual isto exibe mais estrutura do quese precisa. prefervel pensar a representao formal tima comoaquela que revela o mnimo de estrutura em conformidade com ofornecimento de um argumento formal que vlido no sistema seo argumento informal considerado vlido extra-sistematicamente.Esta a mxima da anlise superficial de Quine (1960, p.160): Nococe onde no est coando.

    Na interao entre logica utens e logica docens, sugeri (p.43) quese pode achar que vale a pena sacrificar juzos pr-formais de valida-de para facilidade (smoothness) da teoria formal, ou modificar-se umateoria formal para acomodar avaliaes de argumentos informais, ou e este ponto que desejo investigar aqui revisar-se a concepoque se tem do modo apropriado de representar um argumento infor-mal na lgica formal. Um critrio pelo qual se julga se um argumen-to informal est corretamente representado por um certo argumentoformal o de que juzos intuitivos de validade so respeitados. Porexemplo, a confiana que se tem de que Algum primeiro-ministroou algum rainha, portanto o primeiro-ministro rainha invlidolevaria a se resistir em represent-lo por um argumento formal vlidono clculo de predicados, como:

    a = ba = cb = c

    e requerer algo como o argumento invlido:

    (x)Fx& (x)Gx(x)Fx = (x)Gx

    Se, por outro lado, julga-se vlido um argumento informal, procurar-se- uma representao por meio de um argumento formal vlido.Por exemplo, dentro dos limites do clculo de predicados clssico,os predicados modificados por advrbios so normalmente represen-tados por meio de novas letras predicativas; assim, um argumentocomo:

    O presidente assinou o tratado com uma caneta vermelha.Portanto, o presidente assinou o tratado.

  • Validade 55

    seria representado como:FaGa

    onde a representa o presidente, F representa assinou o tratadocom a caneta vermelha e G, assinou o tratado. claro que este um argumento invlido no clculo de predicados. E, portanto, ten-do em vista a validade presumida do argumento original, informal,tem-se reivindicado que seja concebido algum meio mais claro pararepresentar a modificao adverbial, que no suprima simplesmentea conexo lgica entre o predicado modificado por advrbio e suaforma no-modificada. Davidson (1968a), por exemplo, prope umarepresentao nos seguintes termos:

    (x)(x era a assinatura do tratado pelo Presidentee x era feita com uma caneta vermelha)

    (x)(x era a assinatura de um tratado pelo Presidente)que, como o argumento original, vlido. Notemos que isto forne-ce ao argumento original uma representao no clculo de predica-dos clssico pela quantificao sobre eventos e pelo tratamento dosadvrbios como predicados de eventos. Uma outra possibilidade se-ria a de estender o formalismo clssico, por exemplo, pela adio deoperadores de predicados para representar advrbios. No caso dosadvrbios modais, necessariamente e possivelmente, este tipo deextenso do vocabulrio da lgica formal j se deu.

    Alguns filsofos da lgica insistiram na reivindicao de um qua-dro mais ntido, de acordo com o qual cada argumento informal temuma nica forma lgica talvez no reconhecvel imediatamente que a representao simblica correta ir exibir. Essa concepo foisustentada, por exemplo, por Wittgenstein e por Russell durante seusperodos de Atomismo lgico (ver, por exemplo, Russell, 1918, Witt-genstein, 1922; e cf. o comentrio sobre a teoria das descries deRussell no cap.5, p.102). Pois eles almejavam conceber uma lingua-gem nica, idealmente clara, na qual a forma lgica seria perfeita-mente exibida. Mais recentemente, Davidson tomou uma posio

  • 56 Filosofia das lgicas

    similar: para ele, a forma lgica de um argumento sua representa-o em uma linguagem formal para a qual a verdade possa ser defini-da de acordo com as restries impostas pela teoria de Tarski (cap.7,p.143). Russell pensava que a forma gramatical de uma sentenatende a ser enganadora com relao a sua forma lgica. Alguns au-tores recentes, impressionados pela postulao de Chomsky de umaestrutura gramatical profunda subjacente estrutura gramatical su-perficial (ver Chomsky, 1957), mas talvez totalmente diferente dela,sugeriram que a forma lgica de um argumento poderia ser identifica-da com sua estrutura gramatical profunda (ver Harman, 1970). A es-trutura gramatical/lgica profunda relevante teria, presumivelmente,que ser universal entre as lnguas, j que, de outro modo, poder-se-iacorrer o risco de admitir que um argumento possa ser vlido, digamos,em hebraico, mas invlido em hindi. E, na minha opinio, duvidosoque se tenha o direito de esperar que os lingistas vo eventualmentedescobrir uma estrutura gramatical suficientemente rica e universal.Assim, no posso ser inteiramente otimista sobre as perspectivas des-te quadro agradavelmente bem-ordenado, como se admite. Noobstante isto, entretanto, no vejo razo para desnimo em face dainterdependncia entre juzos de validade intuitivos, informais, intui-es com respeito aos aspectos estruturais essenciais dos argumentosinformais, e o desenvolvimento de sistemas lgicos formais. Ao con-trrio, pode-se mesmo sentir certa satisfao em relao maneiracomo isto explica por que questes centrais da filosofia da lgica seagrupariam em torno do problema do ajuste entre argumentos infor-mais e suas representaes formais: uma questo que, a respeito dosconectivos, quantificadores e termos singulares, os prximos trs ca-ptulos vo investigar de forma mais aprofundada.

  • 3CONECTIVOS SENTENCIAIS

    Consideraes formais

    Vou comear esboando alguns aspectos formais importantes dosconectivos sentenciais, e passar considerao de algumas questesfilosficas sobre o significado dos conectivos.

    Conjuntos adequados de conectivos: completude funcional

    Os conectivos , &, , e do clculo sentencial cls-sico so funcional-veritativos: o valor de verdade de uma senten-a composta formada por meio deles depende apenas dos valores deverdade de seus componentes. Um conjunto de conectivos ade-quado se pode expressar todas as funes de verdade. H 16 (22

    2)

    funes de verdade bivalentes de dois argumentos.1 Cada um dosconjuntos {,}, {,}, {,&}, {|} e {} (A | B no ambosA e B e A B nem A nem B) adequado para expressar todas

    1 A saber:A B 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16v v v v v v v v v v f f f f f f f fv f v v v v f f f f v v v v f f f ff v v v f f v v f f v v f f v v f ff f v f v f v f v f v f v f v f v f

  • 58 Filosofia das lgicas

    elas. Um sistema formal funcionalmente completo se tem um con-junto adequado de conectivos. Por exemplo, o dos Principia, com e como primitivos, funcionalmente completo, ao passo queo fragmento implicacional do clculo sentencial, com apenas ,no o . Muitas formulaes por exemplo, Lemmon (1965) tmmais conectivos do que necessrio para a completude funcional. porque h conjuntos alternativos adequados de conectivos quese tem formulaes do clculo sentencial com diferentes conjuntosde primitivos. Dado qualquer conjunto adequado, os outros conec-tivos podem ser definidos. Por exemplo, com e como pri-mitivos, A B pode ser definido como A B e, ento, A&B como (A B). Com | ou primitivos, A pode ser de-finido como A | A ou A A. Algumas formulaes empregamuma constante, F, que deve ter sempre o valor f , e definem Acomo A F. Em cada caso, a correo das definies pode serverificada ao se compararem as tabelas de verdade do definiens e dodefiniendum e observar que elas correspondem mesma funo deverdade.

    Matrizes caractersticas: decidibilidade

    Uma matriz, ou conjunto de tabelas de verdade, M, caractersti-ca para um sistema S sse todos os teoremas de S, e apenas eles, sodesignados em M, e todas as inferncias vlidas de S, e apenas elas,preservam a designao em M. Qualquer valor pode ser designado,mas, usualmente, trata-se de designar o valor verossmil, ou talvez,no caso de lgicas polivalentes, os valores verossmeis. Na lgica bi-valente, claro, v designado. Uma wff designada em M sse tomaum valor designado qualquer que seja a atribuio feita as suas partesatmicas. Uma regra, deA1 . . .An,