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Este texto explica o quadrado semiótico utilizado por Floch.

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  • 21 FLOCH, J. M. A contribuio da semitica estrutural para o design de um hipermercado. Galaxia (So Paulo, Online), n. 27, p. 21-47, jun. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542014119610.

    Apresentao do texto de Jean-Marie Floch

    A semitica nas pesquisas de mercado: a inovao inquietante de uma arena discursiva

    Os empreendimentos comerciais nasceram e desenvolveram-se baseados em

    estudos de campos diversos que se aliaram a fim de garantir a eficcia comunicativa

    das estratgias adotadas. Ao lado do conjunto de campos envolvidos, encontra-se no foco

    das pesquisas mercadolgicas a teoria semitica tanto para realizar anlises quantitativas como,

    e principalmente, anlises qualitativas do mercado.

    Antes mesmo de um empreendimento ter um endereo para vir a existir em uma cidade,

    os estudiosos se ocupam em conceber a sua localidade e ocupao espacial a fim de que

    essas escolhas j contribuam para despertar a ateno do pblico e atra-lo para o interior

    do ponto de venda. Este procedimento se situa aqum da gama de produtos comercializados

    e alm da prpria ambincia criada para a loja existir enquanto um sujeito de ao.

    Desde as primeiras lojas, os investidores privados compreenderam que atuavam

    na criao de lugares para o consumidor alvo estar, de modo que no bastava somente

    atra-los frequentao desses, mas precisavam transform-los em lugar pblico

    de sociabilidade e de partilha e que tambm fossem dotados de atributos conferidores

    de visibilidade social. Nossa sociedade ocidental aprendeu as vantagens de produzir

    espaos projetados para se concretizar em lojas que significassem muito alm de templos

    do consumo e que visavam ser transformadas em templos para se estar e partilhar fatias

    de vida em uma experincia significante do ato de compra. Para chegar complexidade

    dessa compreenso do consumo os especialistas trabalham conjuntamente a partir

    da escolha da localizao de onde posicionar uma loja na cidade, uma vez que esse

    contexto situacional vai se somar ao projeto arquitetural, s decises de materiais, formas

    e cores da construo que vo atuar interativamente na produo de sentido do ponto

    de venda. Cada empreendimento na sua trama de sociabilidades configura ainda uma

    intrincada rede de estratgias de visibilidade tanto da empresa, marcas e seus produtos,

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    quanto do pblico consumidor. As bases do contrato de adeso esto fincadas e, pelas reiteraes dos modos de presena da loja, desenvolve-se um gosto por nela o consumidor querer estar o que torna a sua frequentao um degustar do gosto de seu gosto.

    As razes que levam a uma dada implementao financeira se somam ao conhecimento levantado do que deseja a populao para que o ponto de venda venha a ser um sucesso de pblico com aceitao e adeso. Entrevistas, questionrios de sondagem dos anseios dos consumidores so aplicados a fim de quantificar, mas, sobretudo, qualificar o modo de estar da loja em uma dada espacialidade de compra e venda.

    As lojas so, pois, entendidas como muito mais do que relaes de troca econmica e grandes somas so destinadas na formao de equipes integradas por socilogos, etnlogos, antroplogos, psiclogos e semioticistas para que trabalhem juntos sobre a compreenso da volio dos destinatrios com o propsito de arquitetarem uma configurao do espao comercial que produza sentidos para os que nele adentram visando, principalmente, a transform-los em clientes fidelizados.

    Jean-Marie Floch especializou-se em investigar as condies nas quais o sentido produzido e apreendido e a sua carreira de estudioso das articulaes significantes deu-se no comando de grandes equipes de especialistas diversos. Ele tinha uma habilidade mpar para tecer redes relacionais visando a construo sensvel e inteligvel do que faz sentido para um segmento de pblico. A ocupao de uma superfcie faz-se pelo arranjo de formas, cores e materialidades que edificam uma plstica da expresso, investida de contedos que se pem a circular na imbricada articulao de relaes significantes. Muito de sua capacidade de perscrutao bastante afinada advinha de uma longa observao do objeto de estudo e de uma forte associao composicional. A sua formao de semioticista deu-se com a participao no grupo de pesquisas semiolingusticas que Greimas animava na dinmica coletiva da arquitetura de sua teoria da significao. Com esse terico, Floch cursou o seu doutorado em semitica e esttica. Interessava-se pelos arranjos plsticos da pintura, da fotografia, da mdia, do design e, ao longo de mais de trinta anos, enquanto dedicava-se aos estudos de semitica, comunicao e marketing, animou o Atelier de semitica visual. Foi assim que ele formou muitos semioticistas ligados aos estudos de mercado e abriu um campo de trabalho inter-relacional entre semitica e marketing.

    O artigo que traduzimos e publicamos em Galxia mostra a inventividade sensvel de Jean-Marie Floch e a sua participao em equipes multidisciplinares para estudo de modos de elaborar e interpretar os dados volitivos do consumidor em uma configurao plstica de uma loja como um palco de investimentos semnticos. Esse trabalho flochiano inaugural da insero da teoria semitica em equipes interdisciplinares de estudos de comunicao e marketing. A deciso de o publicarmos deve-se ao fato de que ele guarda ainda hoje a atualidade vigorosa de seu mtodo, propiciando aos leitores brasileiros um aprofundamento no que ainda hoje exemplar do trabalho emprico de construo

    axiolgica e do sentido em pontos de venda.

    Ana Claudia de Oliveira

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    A contribuio da semitica estrutural para o design de um

    hipermercadoJean-Marie Floch

    Resumo: Durante a fase de planejamento da construo de um novo modelo de hipermercado, um estudo semitico foi conduzido a partir do discurso dos consumidores consultados nas suas imediaes, a fim de obter informaes teis realizao de um arranjo espacial estratgico de suas sees. Este artigo demonstra como a identificao de diferentes tipos de valores, atribudos pelos consumidores a esse ponto comercial, foi usada para ajudar a estabelecer zonas e definir a sua arquitetura interior. O estudo semitico empregou a abordagem da teoria da significao desenvolvida por Greimas junto ao Grupo de Pesquisas Semio-Lingusticas.

    Palavras-chave: hipermercado; semitica discursiva; design; consumo; Greimas.

    Abstract: The contribution of structural semiotics to the design of a hypermarket During the planning phase for the construction of a new hypermarket, a semiotic survey was conducted based on the discourse of consumers in the surroundings of the hypermarket, in order to obtain useful information for the strategic spatial arrangement of its sections. This article shows how the identification of different types of values attributed by consumers to this commercial site served to help establish its zones and define its internal architecture. The semiotic study employed the signification theory approach developed by A. J. Greimas with the Semiolinguistic Research Group.

    Keywords: hypermarket; discourse semiotics; design; consumption; Greimas.

    Introduo

    Um supermercado da cadeia Mammouth foi aberto pela Cofradel1 de Lyon, em 1 de outubro de 1986. O hipermercado, de 7.500 metros quadrados, e o shopping center que o abriga atendem uma necessidade ignorada h muito tempo nessa parte

    1 Cofradel (Companhia Francesa do Grande Delta) um grupo de distribuio de varejo, baseado no sudeste da Frana. Opera em 1000 mercados locais, 35 supermercados e seis hipermercados Mammouth.

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    do subrbio de Lyon, onde centros de compras desse porte eram raros. Esse hipermercado

    tem sido mencionado como uma ilustrao concreta do tipo de contribuio que

    a semitica pode oferecer para a definio de um novo tipo de hipermercado.2 A abordagem utilizada no desenho do seu conceito foi baseada no princpio

    da conciliao entre os desejos expressos pelos consumidores, nas suas falas nos grupos de discusso, as preconizaes formuladas pelos responsveis tcnicos e comerciais da companhia e, sobretudo, na abordagem semitica do discurso dos consumidores e a definio do arranjo da planta geral do hipermercado.

    A semitica, portanto, desempenhou um duplo papel, estando presente tanto na concepo, quanto no desenho do hipermercado de Lyon. No primeiro, a semitica forneceu um modelo interpretativo para as representaes dos consumidores e suas expectativas sobre o hipermercado. O uso desse modelo permitiu a identificao de diferentes valores atribudos a ele, bem como a revelao da lgica subjacente s rejeies ou expectativas associadas a certos tipos de plantas, ambientes etc. No segundo, contribuiu para a concretizao do desenho do conceito do hipermercado, entregando informaes concretas e precisas sobre a natureza formal da iluminao, zoneamento, sinaltica e itinerrios, de forma a prover uma planta interna que correspondesse aos desejos dos consumidores.

    A moldura torico-metodolgica

    Os resultados dos grupos de discusso foram analisados de acordo com uma

    abordagem semitica estrutural, esta desenhada e desenvolvida pelo Grupo de Pesquisas

    SemioLingusticas, situado em Paris e dirigido por Algirdas Julien Greimas. Essa abordagem

    objetiva elucidar as condies nas quais o sentido produzido e apreendido.

    Assim, sua extenso excede os signos isolados, de modo a dar conta do reconhecimento

    de sistemas de significao manifestos por linguagens verbais e no-verbais. H trs aspectos

    dessa abordagem que se provaram particularmente valiosos para este estudo:

    (1) Sendo a abordagem de natureza estrutural, os prprios termos importam menos

    que as relaes que os interdefinem. Assim, menos no estudo dos prprios signos e

    mais nos dos seus valores contextuais que a abordagem faz emergir as relaes entre as

    vrias representaes e expectativas dos consumidores com relao a hipermercados.

    Dessa forma, uma descrio semitica passa do registro das vrias diferenas observveis

    em plantas de supermercados e da maneira que os consumidores falam sobre como

    a usam, para a definio das relaes que apontam compatibilidades lgicas ou

    contradies existentes entre valores atribudos a esse tipo de espao.

    (2) A abordagem tambm de natureza gerativa: em outras palavras, ela primeiramente

    identifica diferentes camadas constituintes do sentido, organiza-as hierarquicamente

    e, ento, enriquece o sentido ao demonstrar articulao e complexidade crescentes.

    2 Veja o artigo da edio de outubro de 1986 da revista Points de Vente, Un Mammouth de la nouvelle gnration la porte de Lyon, la smiotique au service de lhypermarch, do peridico Libre-Service Actualits n. 1044.

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    A produo de sentido pode, portanto, ser concebida como um caminho que comea com relaes abstratas que, por sua vez, asseguram condies mnimas para a significao, e evoluem para os padres complexos, os quais constituem a base de qualquer manifestao discursiva, seja ela verbal ou de qualquer outra espcie. Juntamente com essas linhas, possvel estabelecer uma relao estrutural entre os servios que foram esperados pelos consumidores, a organizao do tempo e espao e o aprofundamento do sistema de elementos mais importantes do design do hipermercado.

    Alm disso, essa lgica determinou as qualidades perceptveis e materiais que formam a manifestao fsica das diferentes zonas e ambincias. A identificao e ranqueamento, efetuados entre o profundo sistema dos elementos mais importantes para o design do hipermercado, a lgica dos servios e a organizao do tempo e do espao, bem como a manifestao fsica de zonas distintas e ambientaes foram alcanados com base no modelo do percurso gerativo de sentido, elaborado por Greimas e Courts (1979).

    Duas etapas distintas foram abordadas no caminho para o percurso gerativo: uma estruturao semionarrativa e uma discursiva. Estruturas discursivas so etapas pelas quais o sentido transmitido desde o momento em que o formulador do discurso seleciona e ordena as virtualidades oferecidas pelo sistema. Elas so os pontos em que ele escolhe ter um ou mais actantes para preencher uma funo narrativa especfica; tambm a fase em que ele decide se sua expresso permanecer abstrata ou tomar uma forma figurativa.

    Estruturas semionarrativas so as virtualidades que o formulador adota e explora. Portanto, elas precedem s estruturas discursivas no percurso gerativo de significao. Diferentes diferenas so estabelecidas no nvel fundamental e essas so as razes do sentido. Elas tambm determinam as regras que permitem transformaes ou passagens entre posies estabelecidas. O quadrado semitico a representao do que acontece nesse nvel e o seu princpio ser explicado e ilustrado rapidamente. Mas, permita-nos examinar o diagrama que mostra um esboo do percurso gerativo e os elementos-chave que ocorrem no nosso estudo (Figura 1).

    Fig. 1. O percurso gerativo de sentido.

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    (3) Finalmente, a abordagem semitica estruturalista, com seu foco na expresso da lgica do discurso, sempre teve um interesse particular nas formas das narrativas que a regem, indo muito alm da segmentao textual em pargrafos ou frases. O trabalho semitico, que tem sido realizado no campo da narratologia, ser amplamente explorado neste estudo na anlise dos relatos das expedies dos consumidores ao hipermercado, que so narrativas de como terminar as compras o mais rpido possvel ou levar o tempo que precisar, esperar na fila do caixa, pagar, colocar as compras no carro ou, ainda, ficar para almoar ou passear no departamento de roupas... tantas micronarrativas com estruturas e sequncias que se prestam anlise semitica enquanto programas complexos de aes realizadas em funo de sistemas de valores. A condio necessria para que os sistemas de valores sejam absorvidos conscientemente imaterial.

    Cada expedio para o hipermercado descrita ou relatada nas discusses dos grupos foi analisada de acordo com o esquema narrativo. Desenvolvido a partir da semitica narrativa do trabalho de Propp (1928[1958]), esse esquema pode ser considerado como um modelo capaz de lidar com as diferentes formas que uma narrativa pode assumir: conto folclrico, parbola ou, no nosso caso, uma ida ao hipermercado.

    O esquema narrativo a sequncia lgica dos quatro episdios mais importantes que compreendem a estrutura bsica de todos os relatos. o modelo de referncia que representa a organizao subjacente narrativa, articulada pela performance do sujeito e sua competncia implcita, que, por si s, determina a ao da narrativa. No entanto, o sujeito s poder realizar sua performance quando, de fato, adquirir a competncia para realiz-la, em funo de um contrato inicial que ele dever cumprir.

    Paralelamente, uma vez que a performance tenha sido realizada, o sujeito poder receber uma sano, positiva ou negativa, refletindo o quanto essa performance obedeceu ao contrato original. A anlise, portanto, trabalha sobre a premissa de que cada ao pode ser precedida por uma manipulao (levando a um contrato) e ser concluda por um julgamento (levando a uma sano). Nem todos os episdios so necessariamente desenvolvidos ou explorados, mas a existncia de um deles leva presena lgica de outros (Figura 2).

    Fig. 2. O esquema narrativo.

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    Estruturando a lgica do discurso dos consumidores

    Enquanto os relatos das expedies realizadas por consumidores ao hipermercado

    mostraram claramente uma diversidade genuna de experincias e situaes, o nmero

    de padres de comportamento, as crticas e os desejos identificados pelos analistas foram,

    no entanto, relativamente limitados.

    Esses relatos puderam ser organizados, isto , suas inter-relaes puderam ser

    definidas de acordo com a variedade de valores-chave que os consumidores atriburam

    ao hipermercado seja implcita ou explicitamente a que eles se referem como um

    espao que preenche uma funo tanto social quanto econmica.

    Ir ao hipermercado pode ser ento: fazer as compras da semana ou se abastecer

    no tempo mnimo possvel. As pessoas querem encontrar os produtos rapidamente,

    sempre em quantidades suficientes no estoque, sempre na mesma prateleira. Uma visita

    ao hipermercado o cumprimento de um programa de ao que altamente logstico e

    pragmtico: h transporte, encher o carrinho, carregamento ou descarregamento,

    e se deslocar com o mximo grau de eficincia. Por que voc iria a um hipermercado se

    no para economizar tempo? Por que no fazem um hipermercado onde possamos comprar

    ainda mais rapidamente? Eles poderiam construir estacionamentos com diversos nveis para

    economizar espao, assim ficaramos ainda mais prximos dos produtos. Precisaramos

    de um sistema para levar os carrinhos para cima e para baixo, funcionaria muito bem.

    tarefa do semioticista identificar padres recorrentes nas narrativas, similaridades

    presentes em diferentes programas de ao e valores idnticos sendo atribudos

    ao hipermercado, alm de descobrir como esses so negados por outros programas de

    ao, outras formas de usar os hipermercados.

    Portanto, at para os mesmos consumidores, embora secundariamente,

    o hipermercado pode ser um lugar onde os prprios conceitos de funcionalidade e

    praticidade so contraditrios: Eu pego o essencial primeiro para me livrar disso, ento,

    me dou um mimo () Eu vou dar uma olhada na seo de livros. As pessoas falam em

    passear, e em uma pausa no servio de casa. A intimidade que alguns consumidores

    buscam no supermercado implica a negao da necessidade bsica e da utilidade do

    passeio de compras, embora dessa forma no esteja explcito que: Voc tem que realmente

    querer ir ao hipermercado, se sentir em casa quando est l e ter algo pra fazer alm de

    simplesmente encher o seu carrinho com as coisas que voc precisa.

    luz de tal negao do utilitarismo fundamental do hipermercado, no surpresa

    encontrar narrativas e descries nas quais os consumidores dotam o hipermercado

    da capacidade de encarnar outros valores, valores de vida, como se ele tivesse, por

    exemplo, propores humanas, que fosse amigvel etc. Eu gosto de estar num lugar com

    escala humana, no em algum lugar vasto e opressivo. Hipermercados no so amigveis

    hoje em dia. Essa palavra importante para mim. Voc precisa realmente querer ir l.

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    Isso no acontece comigo () Eu vou porque eu preciso ir. Idealmente, em um

    hipermercado amigvel, haveria um lugar bem ao centro onde voc poderia se sentar,

    falar com as pessoas, comer crepes.

    Outra consumidora do mesmo grupo de discusso respondeu a essa ideia com

    Eu vou s compras com o meu marido. Ele no est interessado em frescuras e amizade

    () Ele s quer saber do oramento. Ele olha a qualidade dos produtos e o preo; o preo,

    no final. De qualquer modo, todo mundo sabe que voc no recebe o mesmo acolhimento

    num hipermercado, como acontece no aougueiro ou no mercadinho do bairro.

    Do mesmo modo que vimos para os valores de funcionalidade e praticidade, os valores

    de vida tambm podem ser negados de maneira que a nfase retorna funcionalidade e

    praticidade: Quaisquer melhorias que voc faa apresentao e ao ambiente, no dever

    afetar os preos. Eu no ia querer nada extico ou estiloso. Eu gostaria que a equipe

    do supermercado fosse facilmente identificvel para que eu possa pedir informaes quando

    precisar, e no quero nada me atrapalhando quando eu estiver com pressa.

    Portanto, esteja o discurso em sua forma expandida (longas descries, narrativas

    detalhadas) ou em forma concisa (um adjetivo, um verbo, uma comparao breve), a anlise

    semitica se faz a partir do reconhecimento das vrias formas de programas narrativos e

    dos objetos de valor que so neles recorrentes e os definem, um em relao ao outro.

    H uma categoria fundamental3 que aqui articula o campo dos vrios valores

    recorrentes presentes no discurso dos consumidores: o supermercado pode ser um

    lugar para abastecimento rpido, de maneira eficiente e econmica ou, pelo contrrio,

    pode ser um espao que representa uma nova maneira de viver, uma viso ultramoderna

    do mercado ou feira, ambos, smbolos mticos de uma forma de sociabilidade amigvel.

    De outro modo, em termos reais ou potenciais, o hipermercado pode ser dotado

    de valores prticos (velocidade, funcionalidade, etc.) ou, pelo contrrio, de valores de

    vida fundamentais: sociabilidade amigvel, modernidade ou o equilbrio (pelo menos

    o possvel) entre natureza e cultura (um grupo de consumidores, na verdade, imaginou

    o hipermercado do futuro como uma grande estufa com diferentes reas, espaos culturais

    e exposio de produtos definidos e conectados por crregos e bosques).

    O fato de que essa categoria seja capaz de organizar todos esses discursos assegura

    a organizao mnima de seus elementos comuns e prov a base para uma potencial

    tipologia do consumidor, de acordo com a nfase que os consumidores do a algum termo

    em particular, ou para qualquer valor particular com o qual o hipermercado dotado.

    Por exemplo, alguns consumidores queiram ou amem ou odeiem definem

    um hipermercado como algo exclusivamente utilitrio, outros sustentam que isso

    3 Alinhado com os princpios do estruturalismo, o termo categoria designa uma relao, isto , um eixo semntico, e no os elementos resultantes de tal relao. Portanto, a categoria gnero s pode ser concebida enquanto for articulada pelos termos masculino/feminino.

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    permite e promove um modo de vida particular; outros, ainda, avaliam que visit-lo

    um compromisso entre o utilitrio e o aprazvel, entre a necessidade e o prazer4.

    Retornaremos tipologia do potencial consumidor em breve. Neste nterim,

    analisaremos a categoria dos valores prticos/bsicos, para tom-la como a fundao

    para o discurso geral do hipermercado.

    A partir da premissa que valores prticos (ou utilitrios) ou de vida (ou bsicos)

    formam uma categoria semntica, podemos proceder com a projeo da categoria em

    um quadrado semitico. Podemos, ento, interdefinir quatro posies de significao e

    assim, quatro potenciais posicionamentos.

    O quadrado semitico

    A primeira observao a ser feita sobre o quadrado semitico que ele representa

    um legado cientfico. Ao tomarmos a afirmao de Sausurre (1916), que no h sentido

    sem a diferena, e a de Hjelmslev (1943[1971]), que a linguagem e, de fato, todos

    os sistemas de significao so sistemas de relaes e no de signos, ns devemos

    considerar vrios tipos de potenciais diferenas que podem criar sentido.

    Na semitica estruturalista, relaes so primordiais; todos os termos nada mais

    so que pontos nos quais as relaes se interceptam. O quadrado semitico (GREIMAS;

    COURTS, 1979[1985] e FLOCH, 1983) uma representao visual das relaes que

    existem entre as caractersticas distinguveis que constituem uma dada categoria semntica.

    Sua construo depende de uma das descobertas fundamentais que a semitica toma

    emprestada da lingustica estrutural, a identificao de dois diferentes tipos de oposio

    em operao nas linguagens: relaes privativas e qualitativas, tambm conhecidas

    como contradio e contrariedade. Isso pode ser mais bem esclarecido por um exemplo:

    a oposio entre homem e mulher. Essa relao pode ser tomada como um eixo semntico

    em que um termo pressupe o outro, o que quer dizer que os dois termos esto numa

    relao qualitativa, ou em contrariedade.

    Mas, individualmente, qualquer um dos termos da categoria tambm pode ser envolvido numa relao privativa: cada termo, marcado pela presena de um trao distintivo, contradiz o termo que pode ser definido pela ausncia desse trao. Nesse exemplo, fmea/no-fmea e macho/no-macho, h duas contradies. No estgio final da composio do quadrado semitico, depois da definio de

    termos contraditrios por uma operao de negao, voltamos-nos a uma operao

    4 Tal comprometimento sustentado no apenas para ser desejvel, mas tambm possvel por outros atores no processo econmico da distribuio de varejo. Bernard Lacan, chefe-executivo da Soprad-Nestl coloca o seguinte sobre merchandising: Produtores e distribuidores, de maneira semelhante, ns devemos ver, juntos, em que medida e por quais meios as lojas podem ser mais bem exploradas em termos de gerenciamento de merchandising, com uma variedade mais apropriada e suprimento de bens para o consumidor, tambm em termos de apelo de merchandising, para que o ato da compra permanea, ou se torne um ato de prazer para o consumidor. Simpsio Internacional, Le printemps du merchandising, Paris, junho de 1986.

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    de afirmao: o que acontece quando um dos dois termos contraditrios mantido

    em oposio ao contrrio do qual fora projetado?Nesse caso, o outro contrrio considerado uma pressuposio no-recproca:

    a proposio de que um ser no fmea implica sua potencial masculinidade, e a proposio de que um ser no macho implica sua potencial feminilidade. As relaes fmea/no-macho e macho/no-fmea so chamadas relao de complementaridade, e a operao que as constitui conhecida como implicao. A Figura 3 mostra o quadrado

    semitico, ilustrando o nosso exemplo.

    Fig.3. O quadrado semitico (exemplo).

    O quadrado semitico que desenhamos representa a organizao relacional entre vrias situaes sexuais, ou, pode-se dizer, a categoria cultural da sexualidade, relativa a pocas e sociedades. Elas permitem-nos posicionar homem e mulher, hermafroditas e at anjos (que presumimos, para o bem desse exemplo, serem assexuados!).

    O interesse do quadrado semitico claramente se coloca na organizao de um universo cultural coerente, mesmo aquele que no seja considerado como racional. Permite a antecipao de ambos os caminhos que o sentido pode tomar e posies de sentido que so logicamente presentes, mas ainda no se encontram em vigor. Acima de tudo, os temas, imagens, conceitos e expresses posicionados no quadrado semitico sempre existem em definies lgico-semnticas.

    A axiologia de um hipermercado

    A partir de uma breve consulta s regras que governam a composio do quadrado

    semitico, retornamos agora categoria dos valores prticos versus valores de vida,

    que organizam o discurso sobre o hipermercado em um nvel profundo.

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    A projeo dessa categoria em um quadrado semitico mostra quatro tipos de

    valorizao do hipermercado que podem ser logicamente antecipados e, de fato,

    encontrados no discurso dos consumidores. Como vimos anteriormente, alguns

    consumidores, at aqueles cujas preocupaes primrias giravam em torno de velocidade

    e funcionalidade, destacaram um prazer ocasional que poderiam ter ao passearem,

    sonharem acordados, at andarem sem destino, tirando vantagem do tempo que eles

    podem economizar ao no desperdi-lo na compra de itens de papelaria.

    Outros, negaram essencialmente qualquer forma de investimento pessoal

    ou ideolgico no hipermercado e declararam seguramente sua preocupao constante

    com a destruio do mito do hipermercado, usando-o como um comprador informado,

    no um consumidor inocente. Para o bem do argumento, chamemos os valores prticos

    de utilitrios e os valores de vida, existenciais.

    Fig. 4. Os principais valores atribudos ao supermercado.

    O primeiro grupo dota o hipermercado com valores no-utilitrios (como relaxamento, admisso gratuita etc.), e o segundo grupo dota o hipermercado com valores no-existenciais (crtica objetiva, clculo obsessivo das vantagens e desvantagens do preo, ou conexo entre itinerrios e gestos). Podemos, agora, proceder com a apresentao desta axiologia (ex: sistemas de valores revelados e organizados por uma aproximao semitica) na forma de um quadrado semitico. Nomeamos os tipos e posies definidas, como mostramos a seguir:

    - valores utilitrios (valores prticos): posio prtica;

    - valores existenciais (valores de vida): posio utpica;

    - valores no-utilitrios (negao de valores prticos): posio ldica;

    - valores no-existenciais (negao de valores de vida): posio crtica.

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    Deve ser enfatizado que os quatro termos, prtica, utpica5, ldica e crtica,

    so denominaes meramente arbitrrias, impostas pelo analista para, assim, designar

    as quatro posies. Na terminologia semitica, elas so conhecidas como metatermos

    e podem ser facilmente substitudas por outros termos que certos leitores ou especialistas

    em campos particulares achem mais apropriados ou menos ambguos.

    Devemos, agora, ilustrar cada tipo de valor com excertos dos discursos

    dos consumidores j citados acima. Essas citaes constituem a superfcie da

    manifestao da lgica de expectativas e representaes do hipermercado, interdefinidas

    em um nvel profundo e imanente, pelo quadrado semitico.

    Os quatro tipos de valorizao do hipermercado, trazidos pela anlise

    das descries dos consumidores e narrativas, existem em um profundo e, relativamente

    abstrato, nvel do discurso, que o das estruturas semionarrativas.

    Com referncia ao percurso gerativo de sentido, apresentado acima, entende-

    se que, para cada um desses quatro tipos, correspondem respectivamente, no nvel

    das estruturas discursivas, diferentes tempos, espaos, atores e universos figurativos.

    No so apenas valores abstratos que assumem sentido em funo de suas

    correlaes com uma lgica particular, mas tambm zonas, ambientes, servios e

    assim por diante. Portanto, a dimenso concreta do discurso dos consumidores

    se torna significante, e pode ser analisada para prover informaes que, para citar

    apenas um exemplo, podem ser exploradas para fazer caractersticas espaciais e visuais

    do hipermercado se conformarem com os desejos dos consumidores locais (Figura 5).

    Os consumidores falaram muito sobre o espao do hipermercado e desenharam

    muitas imagens dele (deve ser lembrado que um dos objetivos da anlise semitica

    era precisamente contribuir com a arquitetura interior do hipermercado). Numerosas

    metforas urbanas repetidamente emergiram: shoppings, abertura de lojas, conceder

    alvar para um mercado, ou um quadro indicativo apontando para onde ir para uma

    rotatria, um jardim pblico ou avenidas largas.

    5 Utpico no pretende ter o sentido de ilusrio, mas sugere um objetivo final. Na semitica narrativa, um espao utpico o espao no qual um heri conquista a vitria, o lugar onde performances so realizadas e onde o sujeito unido aos seus prprios valores bsicos.

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    Fig. 5. Articulao em quadrado semitico das falas dos consumidores sobre o espao do hipermercado.

    Mostrando a articulao lgica entre as falas, evidencia-se como elas arquitetam projetivamente o interior do hipermercado.

    A anlise semitica considera esses vrios lugares como temas genunos6, isto ,

    como unidades do discurso constitudo como blocos fixos, com sua prpria sintaxe

    relativamente autnoma e sua semntica (que explica o fenmeno de sua migrao,

    estudada principalmente em histria da arte). O estudo das micronarrativas, nas quais esses

    temas esto representados, esclarece como cada um deles pode ilustrar funes especficas

    do hipermercado, e implicar tais tipos de valores, j que cada tema ocorreu como parte

    da narrativa, relacionando um dos programas de ao correspondente ao tipo de valor.

    6 Ver Courts (1985) para um estudo estrutural do tema em etnoliteratura e uma semitica crtica da definio do tema na histria da arte.

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    Fig. 6. As expectativas dos consumidores correspondentes aos principais tipos de valores.

    Deste modo, a cada uma das posies no quadrado semitico, pode ser atribuda

    uma expresso (Figura 7).

    Fig. 7. Temas urbanos.

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    Durante as sesses com os grupos de discusso, cada tema urbano foi explorado e

    suas qualidades espaciais especificadas. Isso significou que qualidades espaciais comuns

    a figuras correspondentes a todos os nossos tipos de valores puderam ser sistematicamente identificadas. Por exemplo, uma rotatria e um mapa de orientao so caracterizados pela viso panptica, ampla e imediata, sugerindo uma organizao espacial circular e que no coloca obstculo algum para impedir o olhar.

    Os consumidores que mencionaram essa metfora urbana imaginaram que todos os departamentos deveriam ser organizados de acordo com o princpio da rotatria. Alternativamente, eles visualizaram, bem ao centro do hipermercado, um quiosque transparente, um tipo de coluna transparente, que deveriam ter uma ou duas anfitris

    para responderem a perguntas sobre informaes e preos.Diametralmente oposta viso panptica, correspondente noo de criticidade

    objetiva diante do hipermercado e de todas as suas ofertas, h um desejo (um desejo pelo ldico, de acordo com os termos do nosso quadrado) de outros consumidores por um labirinto ou um lugar quieto, coberto e relativamente remoto, com nenhum trao do tumulto caracterstico de um hipermercado: um lugar cheio de surpresas e

    descobertas, onde voc pode passear vontade, pelo tempo que quiser. No lugar

    do desejo de conquistar o espao com um olhar, temos aqui o prazer de estar perdido e

    ser seduzido, no sentido etimolgico da palavra, por exemplo, ser desviado ou tomar

    um rumo no planejado do caminho.O mercado de pulgas, que foi mencionado vrias vezes, uma configurao

    previsvel nesse cenrio: o lugar, por excelncia, onde as pessoas circulam (browse) e onde impossvel refazer o itinerrio reverso de algum, por exemplo, com sua chegada a algum lugar especfico, uma vez estabelecido esse objetivo.

    A feira da aldeia e o mercado do porto foram mencionados anteriormente como ilustraes para o hipermercado ideal, ou como meios de descrever uma zona vvida, calorosa e humana, que existem em certos hipermercados. Uma anlise da sua dimenso figurativa os coloca no mesmo grupo com referncias a uma estufa, uma praa com um caf e uma banca de jornal e at mesmo um arquiplago.

    Em cada caso, a organizao espacial caracterizada pela complexidade, organizao e contraste. A recorrncia de tais qualidades espaciais, em configuraes utpicas, ainda mais marcante na medida em que contradizem as qualidades espaciais do hipermercado prtico, por exemplo, com valores de simplicidade e continuidade.

    O hipermercado uma autoestrada de trs pistas com carrinhos se movendo em diferentes velocidades ou uma estao de triagem, com as plataformas na altura correta para simplificar o descarregamento dos carrinhos. Qualquer que seja o produto, voc pega

    o pacote ou a garrafa, mas a no precisa pegar neles novamente, voc continua andando

    e ele encaminhado por um trilho at o seu carro, ou at mesmo para a sua casa.

    O consumidor prtico, um logstico de corao, sonha com a continuidade e a fluidez,

    talvez at com espaos de compra imediatamente adjacentes aos lugares de consumo.

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    Uma potencial tipologia do consumidor

    Foi dito, anteriormente, que uma tipologia do consumidor foi sugerida pela composio

    do quadrado semitico de valores, atribudos ao hipermercado, estabelecidos de acordo com

    o tipo de valores que os consumidores destacam, algumas vezes de maneira peremptria.

    De acordo com o princpio de pressuposio recproca entre sujeito e objeto,

    entende-se, no presente estudo, que diferentes sujeitos-consumidores so pressupostos

    por diferenas nos valores atribudos ao hipermercado. Os termos que so empregados

    para designar esses sujeitos so emprestados de casos de estudo disponveis, nos quais

    as definies de diferentes tipos de usurios preenchem as posies definidas pelo

    quadrado semitico. Apenas dois desgnios usados para o tipo correspondente posio

    prtico so derivados do discurso dos consumidores dos grupos de Lyon, j que eles

    parecem mais expressivos e reflexivos, com implicaes positivas e, o outro, negativas.

    Fig. 8. Uma tipologia do consumidor.

    A vantagem de usar os tipos retirados de estudos de caso disponveis serviu para permitir uma comparao a ser feita entre as ponderaes e as definies sociodemogrficas de outros tipos de estudos que se baseiam em anlises semiticas.

    Ainda, uma vez que cada tipo de consumidor pode ser considerado e estudado como um produtor de discurso, as gravaes de cada sesso de discusso em grupo foram sistematicamente ouvidas muitas vezes, o que tornou possvel enumerar itens caractersticos para cada um dos tipos, e dessa forma, prover informaes vlidas de pesquisa de mercado, a partir de anlise das expectativas dos consumidores sobre a rea de instalao do novo hipermercado.

    A tipologia foi denominada potencial porque os tipos foram construdos de

    posies puras, cada uma considerada de maneira isolada. Entretanto, mais provvel

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    que qualquer consumidor realmente invista o supermercado com valores de vrios tipos,

    seja no prprio momento de sua visita, ou em outros.

    As dimenses espacial e visual do hipermercado

    Embora a semitica tenha possivelmente se adaptado para realizar a concepo

    do hipermercado de Lyon, a partir da anlise do discurso dos consumidores locais, pode-se

    concluir que, na verdade, ela teve um papel crucial. A pedido da Cofradel, visitas foram

    conduzidas a uma variedade de hipermercados nos arredores da regio dos Alpes-Rhne.

    Isso nos deu uma ampla oportunidade para discutirmos arquitetura, itinerrios, tipologias

    comportamentais, aes e estudos semiticos nesse campo.

    Nessas circunstncias, foi possvel observar os locais e analisar, muito concretamente,

    uma srie de problemas que confrontam no apenas aqueles que desenham pontos

    comerciais, mas os colaboradores que os gerenciam.

    Os problemas incluam a justaposio de zonas adjacentes ou ambientaes de

    produtos, a encenao e a disposio dos produtos, a unidade e ritmo no espao,

    tomados com um todo e a correlao entre produtos e ambientes e os tipos de valorizao

    que ns j mencionamos.

    Os problemas eram todos mais agudos pelo fato de que no apenas a nossa anlise

    do discurso, mas tambm uma pesquisa quantitativa demonstraram que, para que

    o hipermercado atendesse o que os consumidores esperavam no sendo ainda o seu

    ideal de hipermercado , seria necessrio abarcar todos os quatro tipos de valores.

    Claramente, isso se apresentou como uma surpresa, j que os resultados indicaram

    expectativas de um hipermercado de ldico a utpico. Um grande nmero de pessoas

    entrevistadas, na verdade, elegeram valores prticos e crticos como suas principais

    expectativas. Mas, como a anlise semitica dos grupos de discusso e outros estudos

    sugeriram expectativas de valores bsicos, no poderiam ser negligenciadas, dadas

    as notas alcanadas pelos itens correspondentes a eles.7

    7 Uma pesquisa foi conduzida pela Domas_Ipsos, em junho de 1986, com uma amostra representativa de quatrocentos consumidores da rea de entrada do novo Mammouth de Lyon. Os principais resultados so apresentados na tabela a seguir:

    O hipermercado ideal como hipermercado: Essencial Ranking Mdia do Ranking1 2 3 Outros

    Iluminado, limpo e organizado 74% 19% 31% 13% 11% 2.2Onde tudo feito no menor tempo possvel 97% 63% 21% 8% 5% 1.5Onde eu posso encontrar a informao que eu preciso para poder escolher 67% 6% 20% 26% 15% 2.8

    Onde eu posso passear com prazer 45% 4% 7% 9% 25% 3.5Que tem personalidade, alma 42% 2% 10% 12% 18% 3.4Onde eu posso compartilhar as compras 28% 1% 2% 9% 16% 3.7Onde eu encontro um lugar para relaxar 26% 3% 5% 7% 11% 3.4

    Onde eu posso encontrar pessoas, como nos mercados 15% 1% 2% 2% 10% 4.0

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    Em vista disso, a primeira fase da concepo do design do hipermercado de Lyon foi

    encontrar um delineamento espacial distinto para permitir a coexistncia de dois pares

    de valores complementares: prticos e crticos de um lado, e utpicos e ldicos no outro.

    Isso foi feito em funo de duas categorias espaciais correlacionadas a valores no discurso

    dos consumidores: um espao simples e contnuo correspondia aos valores prticos e

    crticos, e outro, complexo e descontnuo, correspondia aos valores utpicos e ldicos.

    Fig. 9. Correlao entre caractersticas especiais e valores atribudos ao hipermercado.

    Essas duas categorias espaciais (simples versus complexo, contnuo versus descontnuo) no foram selecionadas por acaso para expressar o conceito do design do Mammouth de Lyon. Elas so as categorias que, em um nvel profundo, organizam as vrias caractersticas espaciais no apenas de acordo com os temas urbanos, que analisamos acima, mas tambm por zonas e departamentos mencionados pelos consumidores para ilustrar um programa especfico de aes empreendidas durante a visita a um hipermercado.

    Portanto, os temas urbanos dos corredores, a avenida o cruzamento ou o mercado, adquiriram sentido total, assim como os vrios tipos de itinerrios descritos nas discusses dos grupos ou observados em outros hipermercados: ir ao mercado de pulgas, ir diretamente compra dos bsicos, ento, parar em um bar local, e assim por diante.

    As correlaes

    ESPAO CONTNUO, SIMPLES vs. ESPAO DESCONTNUO, COMPLEXO

    VALORES PRTICOS, CRTICOS vs. VALORES UTPICOS, LDICOS

    implicam uma abordagem paradigmtica para o espao, que objetiva tornar

    o sistema espacial evidente, isto , estrutur-lo de modo que o sistema se torne visvel.

    Outra abordagem complementar pode, e deve, ser aplicada: a sintagmtica, que olha

    para o espao como um processo ou sequncia.

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    Qualquer fenmeno tomado como objeto de anlise pode ser considerado sob

    os dois aspectos, o do sistema e o do processo. O sistema o conjunto completo de relaes

    de diferena e semelhana que definem os potenciais implicados pela organizao efetiva

    do objeto sendo analisado; o processo o conjunto completo de arranjos de elementos

    selecionados em combinao, a presena coletiva que constitui o objeto em si.

    Ento, posto que o consideremos como objeto semitico, quer dizer, um todo de

    significao, um objeto pode ser estudado em termos de seu sistema, de acordo com

    o seu eixo paradigmtico, ou do seu processo, de acordo com o seu eixo sintagmtico.

    O eixo paradigmtico caracterizado por uma hierarquia de relaes do tipo ou ou,

    e o eixo sintagmtico, por uma hierarquia de relaes do tipo e e.

    A abordagem sintagmtica tende a sugerir uma orientao geral ou direo; ela

    organiza a sequncia, a progresso e sries de tenses e ritmos entre as vrias zonas e

    tipos de espao. Na planta do hipermercado de Lyon, como proposto, aps a anlise

    (plano 1), as gndolas de toda a rea de convenincia, comeando da entrada principal,

    foram dispostas em um ngulo oblquo, de maneira a criar uma orientao em direo a,

    ou uma ligao com as zonas utpica e ldica.

    A maioria dos consumidores procurariam os quatro principais valores no hipermercado,

    supondo que possam se satisfazer com seus valores utpicos e ldicos (por exemplo,

    passeando ou desfrutando da experincia medieval do corredor ou mercado), uma vez

    que tivessem feito suas compras bsicas. A experincia ldica e mesmo a utpica,

    no hipermercado, so pressupostas pela realizao da experincia prtica, utilitria.

    A planta angulosa teria ainda a vantagem de permitir a minoria que veio ao

    supermercado somente para dar uma olhada, entrar e passar pelas zonas ldica e utpica

    diretamente, j que o plano geral do hipermercado era incluir uma entrada secundria.

    Tal concepo abstrata de espao ainda teria de ser convertida em um espao concreto

    que a realidade do hipermercado para o consumidor, que o percebe essencialmente como

    um arranjo de prateleiras, corredores, mini-lojas e um sem nmero de displays de produtos.

    Os vrios departamentos e famlias de produtos foram descritos e representados

    pelos grupos de discusso de consumidores e analisados como grupos semnticos que

    puderam ser articulados, de maneira global, de acordo com os quatro tipos de valores.

    O discurso foi sistematicamente revisado, para descobrir quais famlias de produtos

    e quais departamentos foram mencionados quando os consumidores estavam narrando

    um programa de ao prtico, um programa ldico ou um utpico. Desse modo,

    os departamentos de livros, perfumes e moda surgiram como universos figurativos,

    correspondentes ao programa ldico. Ns j tnhamos atentado para a observao de

    uma mulher: Eu pego o essencial primeiro para me livrar disso, ento, me dou um mimo

    () vou passear no departamento de livros. Outra apresentou um argumento similar:

    Eu vou ao supermercado uma vez por semana, aos domingos, porque eu trabalho e no

    gosto de fazer compras ao entardecer. Eu conheo a loja muito bem, e eu fao uma lista

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    de tudo o que eu quero. Ento, eu vou e pego as coisas que preciso. Mas, depois disso,

    se eu ainda quero passear, vou a outros departamentos, como o de roupas ou perfumes. Por conveno, fazer compras envolve apenas o prtico e o funcional, que inclui

    produtos de limpeza, alimentos bsicos e bebidas, com exceo de vinhos. Certos departamentos chegaram a apresentar dois, s vezes, trs programas de aes de diferentes valores. O departamento de carnes, por exemplo, posiciona-se sob valores utpicos, quando consumidores falam sobre cortes frescos, ou a presena de um aougueiro especializado para dar conselhos e informaes, mas sob valores crticos, quando eles falam sobre carne pr-embalada ou ter uma rea de preparao que possa ser vista por uma divisria de vidro.

    Assim, os diferentes departamentos e famlias de produtos no foram considerados isoladamente, ou de acordo com a lgica comum do gerenciamento de lojas e merchandising, mas definidas e articuladas uma em relao outra, de acordo com a lgica do discurso dos consumidores. Uma nova abordagem para o zoneamento resultou com distines, como convenincia/utpico ou convenincia/entretenimento, de uma transversalidade das delimitaes mais tradicionais de universos de produtos. Isso aconteceu principalmente com txteis, produtos domsticos e bens de uso dirio. O plano 1 mostra a representao desse zoneamento dos consumidores.

    Pl. 1. Zoneamento baseado na anlise do discurso.

    Essa planta um tipo de sntese visual do resultado da anlise dos programas de

    compra que foram relatados nas sesses dos grupos. Ela mostra uma progresso organizada

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    ao longo das gndolas dispostas em ngulos a partir de bens de consumo durveis e bens de uso dirio, para produtos mais festivos, sugerindo um nvel de status mais elevado, encerrando a praa triangular menor, formada pelo mercado, as barracas ao longo da parede do fundo e os espaos para compras ao longo do corredor-arcada.

    Tambm se pode dizer que esse zoneamento foi desenhado para a claridade e a legibilidade, no apenas em termos de diferentes qualidades espaciais, mas de diferentes qualidades de iluminao. A zona prtica, alinhada aos desejos dos consumidores, recebe a forte e uniforme iluminao do hipermercado tradicional; na zona ldica, a luz mais suave e difusa, dando a impresso de uma atmosfera mais ntima de uma passagem fechada; e zona utpica dada o efeito mais prximo luz do dia, a luz de um espao aberto ao tempo.

    Como o zoneamento foi realmente implementado

    De volta ao percurso gerativo de sentido, podemos dizer que o hipermercado Mammouth de Lyon foi concebido, em termos da sua estrutura semionarrativa, para a coexistncia de quatro principais tipos de valores atribudos a ele por seus consumidores, e que possui, em termos de estrutura discursiva, espaos, tempos, atores e figuras do universo comercial, todos promovendo o estabelecimento de servios e zoneamentos relativamente novos.

    Vrias semanas se passaram em tentativas de fazer a converso do hipermercado ideal, como definido pelos consumidores locais, com o design exato, concreto e definitivo, o que necessariamente teve de levar em conta no apenas restries tcnicas e logsticas, mas tambm o rigor da segurana pblica e regulamentos de segurana e das demandas comerciais de um estilo de merchandising, que baseado tanto em gerenciamento quanto em apelo.

    Para examinar as divergncias entre a concepo original e o design final, preciso distinguir entre dois fatores: restries tcnicas na construo e servios de um hipermercado e qualquer coisa que implique uma lgica mais profissional.

    A visualizao da planta (plano 2) mostra que faltam gndolas alinhadas de maneira obliqua para as zonas prticas (foi impossvel disponibilizar um nmero suficiente de metros lineares de prateleiras para vrios departamentos nessa zona), e, de fato, a zona prtica foi dividida em duas grandes reas.

    Pl. 2. Visualizao da planta implantada.

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    A primeira e maior parte inclui alimentos, txteis e roupas ntimas. Artigos secos e

    bebidas, de um lado; queijos, guloseimas e comida congelada, para o outro; os corners

    de frutas e vegetais e produtos vendidos granel, que so colocados na rea utpica,

    atraem o consumidor para a parede do fundo, quando ele chega pela entrada secundria.

    A segunda parte da zona prtica localizada logo direita da entrada principal, e

    inclui produtos para uso domstico. As zonas utpica e ldica esto situadas ao fundo

    do espao como um todo, com apenas dois departamentos (os mercados para a zona

    utpica e a perfumaria e a moda para a zona ldica) so colocadas frente de modo

    a atrair os consumidores que chegam ao hipermercado.

    A zona prtica, a parte do hipermercado na qual o consumidor deseja realizar

    a sua compra rapidamente e em condies otimizadas, tratada de maneira tradicional,

    com grandes corredores retangulares. Essa zona contm os departamentos de produtos de

    consumo de massa, como secos, bebidas, produtos frescos nos moldes do autosservio,

    ferragens e equipamentos para a casa, material de limpeza etc.

    A distribuio dos produtos leva em conta as necessidades dos consumidores, e onde

    possvel, os produtos so agrupados por universo. A zona utpica contm os produtos

    frescos e tendas. A rea de frutas e a rea de vegetais so desenhadas para sugerir uma

    semelhana com um mercado a cu aberto.

    Produtos vendidos granel ficam em uma zona especial, desenhada para sugerir um

    mercadinho de bairro antigo, prximo ao departamento de alimentos de luxo e saudveis.

    A zona utpica sinalizada por grandes placas indicadoras suspensas acima das

    prateleiras no resto do hipermercado. Aqui, o departamento pode realizar a sua prpria

    sinalizao. Ento, por exemplo, o departamento de peixes frescos indicado por cermica

    azul, uma luz azulada e uma tenda clara, totalmente visvel.

    A zona de ldica foi dividida em zonas especializadas, um pouco como

    as encontradas nas zonas de pedestres de um centro de cidade: produtos para a mesa,

    material esportivo, produtos para iluminao, presentes, som, fotografia, etc. Tudo

    organizado de maneira a estimular um passeio, no qual os produtos so vistos e

    selecionados em paz e tranquilidade.

    As gndolas no so alinhadas de maneira contnua e tampouco possuem alturas

    uniformes. Na verdade, a escolha do mobilirio de exposio varia notavelmente de

    departamento para departamento. No departamento txtil, por exemplo, a apresentao

    formatada de acordo com o modelo geralmente encontrado em uma loja de departamentos.

    Finalmente, a zona crtica, consiste essencialmente em um ponto focal,

    localizado na interseo do corredor de principal acesso ao hipermercado e no corredor

    central dentro dele ( um balco em que uma recepcionista pode fornecer informaes

    aos consumidores e chamar o gerente de algum departamento para assistncia assuntos

    mais tcnicos ou detalhados, a qualquer hora, e graa a um sistema de rdio por

    bipe) e os caixas, que so equipados com leitores a laser. O caixa s precisa entregar

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    uma nota fiscal ao cliente: o pagamento feito em um caixa separado (um para cada duas

    caixas-registradoras), colocados mais ao fundo.

    Antes de pagar, o consumidor pode empacotar as suas compras em uma rea

    livre, onde h porta-bagagens de plstico em um suporte automtico. Ali, ele poder

    demorar o quanto quiser, checar os itens na nota, e escolher sua forma de pagamento.

    Quando ele estiver pronto, poder dirigir-se ao caixa para realizar o pagamento.

    Na sua forma final, o design do hipermercado de Lyon realmente original?

    Talvez a representao da organizao geral, como mostrada na planta, possa

    decepcionar um leitor que desconhea a distribuio tradicional do espao de um

    hipermercado, ou aquele demasiado sensvel ao aspecto grfico de um plano ou esquema

    (e, portanto, suscetvel a menosprezar a contribuio decisiva da terceira dimenso para

    um espao arquitetnico). A caracterstica apreendida mais imediatamente dos vrios

    planos desenhados para representar os clientes do hipermercado (como construdos

    pelo seu discurso) certamente a escolha dos ngulos oblquos.

    Na realidade, eles foram projetados para desempenhar um papel importante:

    a criao da orientao de trfego dentro do espao e do contraste e unidade necessrios

    para garantir uma percepo dinmica do hipermercado. Eles tambm ajudaram a

    definir o espao da praa e, de maneira mais geral, foram simblicos para os mais

    novos aspectos do Mammouth de Lyon. Mas os efeitos de diferentes lugares e a unidade

    na dinmica do espao foram subsequentemente alcanados pelo uso de luz e variadas

    alturas. O entrelaamento de valores, atribudos ao supermercado, e os aspectos de suas

    qualidades espaciais so atingidos pela escolha de materiais e esquemas cromticos,

    efetivos no apenas em termos da diferenciao mtua de seus quatro tons, mas tambm

    para o produto encenado em cada zona.

    Como resultado da abordagem sintagmtica do conceito de seu design e

    o pensamento articulado de suas caractersticas espaciais e qualidades visuais, o designer

    de interiores, Christian Bessete, pde construir um padro geral para as alturas das zonas.

    O teto falso de madeira natural na rea do mercado e as estruturas tridimensionais

    que formam um dossel sobre a rea ldica (moda, perfumaria, livros, fotografia e

    departamento de som) criam depresses em comparao com a altura das trs partes da

    zona prtica. O plano da terceira zona uma projeo de perspectiva axonomtrica,

    que indica o fluxo geral na altura da zona e as ligaes rtmicas que so colocadas

    entre os diferentes espaos.

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    Pl. 3. Projeo de perspectiva axonomtrica, com marcao de fluxos e ritmos.

    Concluso

    Este experimento no foi realizado inteiramente sem precedentes. Articulaes concretas entre um estudo semitico das expectativas e representaes do pblico alvo de um espao comercial, de um lado, e a definio de um conceito arquitetnico dependente de resultados de uma anlise semitica, de outro, j foram realizadas muitas vezes, mais notavelmente por bancos e butiques de luxo. Entretanto, nesse projeto, em particular, foi a primeira vez em que tal articulao foi experimentada para a concepo de um dispositivo de vendas rpidas, envolvendo tantos produtos. Esta tambm foi a primeira vez em que tanta distino foi atribuda s reflexes e propostas de consumidores em potencial.

    Em termos semiticos, o princpio de uma semiose, isto , a relao entre significado (contedo) e significante (expresso) foi estabelecida. A principal funo do semioticista, durante os encontros realizados em todo o perodo de definio do conceito do design, foi assegurar as caractersticas da expresso e contedo que dotariam o hipermercado com um grau de originalidade a ser efetivamente implementado, alm de garantir que qualquer modificao que tivesse de ser feita devido a consideraes tcnicas no seriam fundamentalmente debilitantes do projeto. Portanto, coube ao semioticista distinguir claramente o que relacionou a forma de expresso forma do contedo do hipermercado (as invariantes do projeto, que determinaram a base de sua planta e a parte essencial de seu apelo) e que relacionaram substncia de cada plano (o que constituiu as variveis de expresso e contedo do projeto).

    Aqui, o trabalho anterior, que desenvolvemos em semitica plstica (Floch, 1985)

    foi explorado. A semitica plstica toma como seu objeto visual linguagens constitudas

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    pela correlao denominada semissimblica entre uma categoria da expresso e uma

    categoria do contedo.8 Essas linguagens atuam de modo a reorganizar a dimenso figurativa

    de pinturas, psteres e filmes, corrompendo-a para produzir um discurso diferente, tanto

    de maneira mais abstrata, como, mais frequentemente, de natureza ideolgica.Uma quantidade considervel de provas pde ser produzida derivada de anlises de

    pinturas, arquiteturas e filmes de modo a demonstrar que o sentido no foi transmitido

    pelas cores isoladamente, mas por figuras cromticas; em outras palavras, por conjuntos

    de figuras distintivas (por exemplo: cores saturadas + claras + foscas, ou no-saturadas +

    escuras + foscas), cada uma podendo ser produzida em cores diferentes ou combinaes

    de acordo com os materiais, superfcies e iluminao da zona em questo.

    O fato que um estudo semitico fora conduzido por meio da definio e processo criativo do hipermercado de Lyon, claramente teve o efeito benfico de permitir a integrao das expectativas da rea de captao dos consumidores potenciais, na medida em que a lgica deles foi investigada e formalizada, e que essa lgica pode conferir sentido para indicaes muito completas ou notaes referentes a ambientes, itinerrios, mobilirio da loja, servios, etc.

    Outro efeito benfico, entretanto, foi que o estudo permitiu tanto equipe de gesto

    de projetos da Cofradel quanto equipe de designers trabalhar com o mesmo modelo de referncia e o mesmo esquema de reflexo, numa base em que todas as partes puderam

    explicitar, formular e comunicar suas ideias, preocupaes e experincias. Pela explicao

    e a formalizao do discurso ou discursos dos consumidores, o estudo provocou uma

    reao considervel do gerenciamento e dos designers de maneiras diferentes, e, portanto, os estimulou a formalizar os seus prprios discursos.

    Dessa forma, o estudo contribuiu para uma melhor elucidao de uma problemtica

    comum s habilidades e nveis de responsabilidade de diferentes especialistas envolvidos

    no grupo desse projeto. Ainda assim, o real sucesso do hipermercado Mammouth de Lyon no depender, obviamente, deste estudo. Todavia, ele levanta dois pontos fundamentais:

    A incorporao dos quatro maiores tipos de valores deveria ser restrita somente ao prprio hipermercado, ou expandida para todo o centro de compras

    8 Hjelmslev (1943[1971]) indicou primeiramente a distino entre sistemas simblicos dos sistemas semiticos propriamente. Sistemas simblicos so linguagens cujos dois planos esto em total conformidade: isso significa que para cada elemento da expresso, corresponde um elemento do contedo. De fato, no h valor em analisar tal sistema em ambos os nveis de expresso e contedo, j que eles tm apenas uma e a mesma forma. Nesse sentido, as linguagens formais, como o semforo as luzes de trnsito, so exemplos de sistemas simblicos. Sistemas semiticos so linguagens em cujos planos no esto em conformidade, onde expresso e contedo devem ser distintos e estudados separadamente como, por exemplo, as lnguas naturais francesas, russas, etc., que so exemplos clssicos de tais sistemas semiticos. Trabalhos recentes em poesia e artes plsticas trouxeram tona a importncia de um terceiro tipo de linguagem: os sistemas semissimblicos, que so definidos pela conformidade no entre elementos individuais de ambos os planos, mas entre categorias de expresso e contedo. A categoria visual/espacial em tmpanos medievais (Arq.), representando o Juzo Final, por exemplo, corresponde categoria semntica recompensa/punio. Tais sistemas so muito mais comuns do que imaginamos. Pense, por exemplo, no arranjo da categoria sim/no (afirmao/negao) e a categoria dos movimentos com a cabea que correspondem a verticalidade/horizontalidade.

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    (shopping)? Essa questo , talvez, mais relevante pelo fato de que a forma

    original do supermercado permaneceu como a tradicional forma de caixa (o

    paraleleppedo). No futuro, este tipo de estudo no deveria ser tomado como

    pesquisa para a projeo de futuros shoppings centers, e o resultado comunicado

    aos seus desenvolvedores? Dessa maneira, todo o prdio, ou talvez o grupo de

    prdios, que constituiriam o shopping center, poderia refletir os quatro tipos de

    valores e estimular a sua coexistncia.

    Com o seu design, especificamente direcionado para realizar novas distribuies

    espaciais da maneira mais facilmente identificvel, poderia o Mammouth

    de Lyon requerer um esforo semitico particular, por assim dizer, de

    consumidores locais que esto demasiado acostumados com o cdigo do

    hipermercado, poderosamente representado pelo hipermercado Carrefour

    no subrbio de Ecully? Deixe-nos supor que mais e mais consumidores

    locais estaro dispostos a aprender o cdigo do novo hipermercado, que

    particularmente novo, principalmente porque ele corresponde intimamente

    a uma lgica que eles seguiro somente se a realidade dos servios e preos

    propostos no for desqualificada em comparao aos hipermercados tradicionais,

    e se a publicidade, que ele recebeu, possuir um efeito duradouro sobre sua

    originalidade e no seu futuro.

    Traduo de Slvia Alencar, com a colaborao de Jenara

    Miranda. Reviso de Ana Claudia de Oliveira e Yvana

    Fechine. O estudo semitico foi uma consultoria para

    o cliente Cofradel e foi publicado tanto no International

    Journal of Research in Marketing, 4 (1988), p. 233-252,

    como nas Actes Smiotiques, Documents n. 87 (1987), que

    nos cedeu o direito de traduo para o portugus.

    J.-M. Floch foi por dcadas diretor do Atelier de Semitica

    Visual que funcionava no Grupo de Pesquisas Semio-

    Lingusticas (Groupe de Recherches Smio-Linguistiques),

    junto cole des Hautes tudes en Sciences Sociales e ligado

    ao CNRS: Centre National de la Recherche Scientifique da

    Frana. Foi professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo

    de Versalhes (Frana), da cole Suprieure des Sciences

    conomiques et Commerciales (ESSEC) e do Institut

    dtudes Politiques de Paris; e tambm diretor-associado

    do Instituto Ipsos-Smiotique em Paris. Deixou um

    conjunto de publicaes em que se destaca a construo

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    da semitica plstica como modelo de anlise do plano

    da expresso dos objetos das mdias, do design e das artes,

    entre os quais: Petites Mythologies de lil et de lesprit

    (Paris-Amsterdam, Hads-Benjamins, 1985); Les formes

    dempreinte (Brandt, Cartier-Bresson, Doisneau, Stieglitz,

    Strand. Prigueux: Fanlac, 1986), Smiotique, marketing

    et communication (Paris, PUF, 1990), Identits visuelles

    (Paris, PUF, 1995. Reed. 2010), Une lecture de Tintim au

    Tibet (Paris, PUF, 1997) e, postumamente, organizado por

    Jerome Collin, a partir de notas de J.-M. Floch, Lecture de

    la Trinit dAndrei Roublev (Paris, PUF, 2010).

    Referncias

    COURTS, J. Le Conte populaire: Potique et mythologie. Paris: Presses Universitaires de France, 1985.

    FLOCH, J-M. Le carr: semiotique: Pour une topographie du sens. Semiotique et publicit ll, Institute de Recherches et dEtudes sur la Publicit, Paris: IREP, 1983.

    ______. Petites mythologies de lil et de lesprit. Paris and Amsterdam: Hades Benjamines, 1985.

    ______. Un Mammouth de la nouvelle gnration la porte de Lyon, la smiotique au service de lhypermarch. Points de vente, Libre-service Actualits n. 1044, 1986.

    GREIMAS, A. J.; COURTS, J. Smiotique-dictionaire raisonn de Ia thorie du langage. vols 1 e 2. Paris: Hachette Universit, 1979[1985]. (Traduo para o ingls por Larry Crist, Daniel Patte e Gary Phillips. Semiotics and Language, an analytical dictionary. Bloomington: Indiana University Press)

    HJELMSLEV, L. Prolgomnes a une thorie du langage. 2a. ed. Paris: Editions de Minuit, 1943[1971]. (Traduo por Una Canger e Annick Ewer. Prolegmena to a theory of language)

    PROPP, V. Morphology of the folktale. Traduzido por Laurence Scott. Austin: Texas Univesity Press, 1928[1958].

    SAUSSURE, F. Cours de linguistique gneral. Paris: Payot, 1916.