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um livro sem qualidades Fotografia 14 Março | 24 Maio 2013 Emanuel Brás Odd job word, o livro De Musil recebe Um livro sem qualidades o elemento de ironia densa. Se é certo que as humanidades parecem, hoje, participar de uma incredulidade sistemática que percorre não apenas a relação entre coisas e nomes, linguagem e mundo, dir-se-ia também que os efeitos dessa incredulidade parecem contaminar a própria estrutura simbólica e material em que a relação entre coisas e nomes se instau- rava. Sim, o livro. Aí ocorria, durante séculos, o enlace profundo entre coisas e nomes. O livro era reserva e utensílio, primeiro de conhecimento irredutível, depois de conhecimento certificado. Ele era expressão plena de uma certa ideia de Civilização. Na transição do século XX um fotógrafo soube mostrar-nos de um só golpe que a ironia musiliana era uma propriedade fundamentalmente não local. Que o homem sem qualidades de Musil não habita uma Kakania qualquer do vasto território impreciso a que o grande escritor poderia ainda chamar de alma. Que o Homem musiliensis veio para ficar e que toda a cultura é irreversivelmente toldada pela sua presença dilacerante. Assim, o livro, esse objecto de reverência e escrúpulo, essa fronteira – de geometria variável, é certo – entre a Civilização e a Barbárie parece submeter-se à mesma lógica de passagem e metamorfose. O livro continua presente como espectro, mas, em simultâneo, nós rimo-nos dos espectros, rimo-nos do livro. Ele emblematiza ainda o que valorizámos num passado próximo (talvez não o valorizemos mais hoje), mas parece desfazer-se nas nossas mãos. Nada lhe traz a infinitude finita de Mallarmé. Tudo no mundo já foi livro, e poucas coisas parecem restar depois dessa experiência que agora é simplesmente túmulo, isto é, património. Só um gesto irónico (e a ironia é uma categoria fundamentalmente moderna) nos poderá fazer evidenciar a agónica persistência dos símbolos na nossa memória cultural. Um livro é queimado (e nenhum livro pós-Holocausto poderá ser queimado sem dor e sem revelação ou possibilidade dela). Um livro é congelado. Um livro serve de matéria (melhor seria dizer, de sem-matéria) sobre a qual se levita, numa imponderabilidade que só o símbolo detém. Um livro desafio o sonho e a gravidade e, dentro de uma chuva de livros, atinge desamparado a cabeça de um homem de pijama (que sonha?, sonhará ainda?). Um livro é sugestão de ruína, lixo, desperdício. Um livro é o passado em explosão comungando com o vento do Paraíso que arrasta o anjo do progresso para diante, para o irreversível que está no sempre futuro. Um livro é. Um livro não é. Odd job word, o livro. Luís Quintais, Março de 2013. Coordenação: José J. G. Moura e Ana Alves Pereira em colaboração com Sílvia Reis e Isabel Carvalho Design Gráfico: Camy Produção Digital: Maria Silva ISBN: 978-989-20-3694-6 Mais Informações em: http://bibliotecaunl.blogspot.com http://www.facebook.com/home.phpref=hp#!/biblioteca.fctunl Acesso ao Campus Metro Transportes do Sul – Estação Universidade Ligação comboio da Ponte – Estação Pragal http://www.fct.unl.pt/candidato/como-chegar-fct Coordenadas GPS 38º 39' 36'' N/ 9º 12' 11'' W

Folheto exposição "um livro sem qualidades"

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Um livro sem qualidades é uma exposição de fotografia, que convoca o livro de uma forma dupla: ao nível da temática da série, e como experiência perceptiva da sequência de imagens. Nas fotografias que Emanuel Brás apresenta, o livro vai aparecendo como um motivo encenado segundo a multiplicidade da sua condição: desde o seu grau zero, como mero artefacto; até ao estatuto de ícone cultural, identificado como um lugar de sonhos, uma fonte de experiência e saber, ou de erudição; passando pela função do livro como suporte de conhecimento, de narrativa, ou somente de informação.

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Page 1: Folheto exposição "um livro sem qualidades"

um livro sem qualidadesFotografia

14 Março | 24 Maio 2013

Emanuel Brás

Odd job word, o livro

De Musil recebe Um livro sem qualidades o elemento de ironia densa. Se é certo que as humanidades

parecem, hoje, participar de uma incredulidade sistemática que percorre não apenas a relação entre

coisas e nomes, linguagem e mundo, dir-se-ia também que os efeitos dessa incredulidade parecem

contaminar a própria estrutura simbólica e material em que a relação entre coisas e nomes se instau-

rava. Sim, o livro. Aí ocorria, durante séculos, o enlace profundo entre coisas e nomes. O livro era

reserva e utensílio, primeiro de conhecimento irredutível, depois de conhecimento certificado. Ele era

expressão plena de uma certa ideia de Civilização.

Na transição do século XX um fotógrafo soube mostrar-nos de um só golpe que a ironia musiliana

era uma propriedade fundamentalmente não local. Que o homem sem qualidades de Musil não

habita uma Kakania qualquer do vasto território impreciso a que o grande escritor poderia ainda

chamar de alma. Que o Homem musiliensis veio para ficar e que toda a cultura é irreversivelmente

toldada pela sua presença dilacerante. Assim, o livro, esse objecto de reverência e escrúpulo, essa

fronteira – de geometria variável, é certo – entre a Civilização e a Barbárie parece submeter-se à

mesma lógica de passagem e metamorfose. O livro continua presente como espectro, mas, em

simultâneo, nós rimo-nos dos espectros, rimo-nos do livro. Ele emblematiza ainda o que valorizámos

num passado próximo (talvez não o valorizemos mais hoje), mas parece desfazer-se nas nossas mãos.

Nada lhe traz a infinitude finita de Mallarmé. Tudo no mundo já foi livro, e poucas coisas parecem

restar depois dessa experiência que agora é simplesmente túmulo, isto é, património.

Só um gesto irónico (e a ironia é uma categoria fundamentalmente moderna) nos poderá fazer

evidenciar a agónica persistência dos símbolos na nossa memória cultural. Um livro é queimado (e

nenhum livro pós-Holocausto poderá ser queimado sem dor e sem revelação ou possibilidade dela).

Um livro é congelado. Um livro serve de matéria (melhor seria dizer, de sem-matéria) sobre a qual se

levita, numa imponderabilidade que só o símbolo detém. Um livro desafio o sonho e a gravidade e,

dentro de uma chuva de livros, atinge desamparado a cabeça de um homem de pijama (que sonha?,

sonhará ainda?). Um livro é sugestão de ruína, lixo, desperdício. Um livro é o passado em explosão

comungando com o vento do Paraíso que arrasta o anjo do progresso para diante, para o irreversível

que está no sempre futuro. Um livro é. Um livro não é. Odd job word, o livro.

Luís Quintais, Março de 2013.

Coordenação: José J. G. Moura e Ana Alves Pereira

em colaboração com Sílvia Reis e Isabel Carvalho

Design Gráfico:

Camy

Produção Digital:

Maria Silva

ISBN: 978-989-20-3694-6

Mais Informações em:

http://bibliotecaunl.blogspot.com

http://www.facebook.com/home.phpref=hp#!/biblioteca.fctunl

Acesso ao Campus

Metro Transportes do Sul – Estação Universidade

Ligação comboio da Ponte – Estação Pragal

http://www.fct.unl.pt/candidato/como-chegar-fct

Coordenadas GPS 38º 39' 36'' N/ 9º 12' 11'' W

Page 2: Folheto exposição "um livro sem qualidades"

A libertação de “um livro sem qualidades”

Emanuel Brás traz, às Salas Multiusos e Estúdio, obras fotográficas e uma projeção vídeo interativa

subordinadas ao tema: “um livro sem qualidades”…

O tópico da exposição apresentada na Biblioteca da FCT é um desafio, uma interrogação, uma

provocação que requer do visitante expectativa e desejo de revelação da proposta.

Artista multifacetado e Fotógrafo experiente, com uma perspetiva inovadora de quem tem trabalha-

do as artes visuais de diferentes ângulos, Emanuel Brás propõe 4 fotos de grande formato que

apresentam o livro em contextos inusitados... Como se este objeto familiar deixasse de o ser, ao

assumir “poses” e “atitudes” cénicas, ao desempenhar papéis quase teatrais de personagens em

conflito ou mesmo exibicionistas, ao transvasar o conteúdo das páginas da obra numa tentativa de

libertação final... Libertação que, na sala contígua, assume uma dinâmica de desafio interativo.

José J. G. Moura, Diretor Biblioteca

Fernando J. Santana, Diretor FCT

Curriculum | Emanuel Brás | [email protected]ção:

2008 –…- Projecto de doutoramento no Research Centre for Land/Water and the Visual Arts, Univer-

sity of Plymouth, Reino Unido; 2000- Master of Arts pelo Goldsmiths College, Londres; 1997-

Licenciatura em Filosofia, pela Universidade de Coimbra;1987- Curso de Fotografia, pelo Centro de

Estudos de Fotografia, Coimbra.

Exposições individuais:

2012- reservatório de mutações, Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira;

2010- lugares de afecção, Encontros da Imagem edição sobre as Transmutações da Paisagem,

Museu D. Diogo de Sousa, Braga;

2009- lugares de afecção, CAPC- Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Março/Abril;

2008- Laboratório Chimico de Coimbra: memória do lugar, galeria da Ordem dos Arquitectos, Lisboa;

2006- Laboratório Chimico. memória do lugar, Museu da Ciência da UC; série desenvolvida

a partir do projecto do museu, com a autoria dos arquitectos João Mendes Ribeiro, Desirée

Pedro e Carlos Antunes.

2004- Envoltório, Livraria XM, Coimbra;

2003- Ralo, Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa;

2003- Da experiência do lugar à Paisagem, intervenção com fotografia in situ na zona de Marvila,

Lisboa, em articulação com o projecto de sinalética “Sinais a cidade habitada”;

1999- Paisagens das lagoas de Vela e Braças: fotografia in situ;

1997- Coimbra dos Pequenitos, edifício Chiado, Coimbra;

1997- Tocar do Tempo, Encontros da Imagem, Braga.

Exposições colectivas:

2012- MatrizCaldas, Museu do Hospital e das Caldas, Caldas da Rainha;

2010- Mono: (monocromia, uma evocação ao Grupo Cores), CAPC, Círculo de Artes Plásticas de

Coimbra;

2010- Finding Place, Scott Building, Faculty of Arts, University of Plymouth, Reino Unido;

2007- 7 visões de William Blake, Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra;

2007- Habitação, TAGV- Teatro Académico de Gil Vicente;

2006- roaring machine, Teatro Académico de Gil Vicente;

2005- Uma Extensão do Olhar: entre a fotografia e a imagem fotográfica, obras da Colecção PLMJ,

Centro de Artes Visuais, Coimbra;

2004- Luzboa, intervenção na fachada do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (continuação da

exposição individual Ralo);

2000- Scopophilia, Galeria Westland Place, Londres;

1996- Jovens Criadores 96, Fábrica da Cordoaria Nacional, Lisboa;

1995- Baixa de Coimbra- imagens e movimentos, Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra;

1991- Frágil, CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra.

Publicações (fotografias):

2011- Alves Redol: Horizonte revelado, Museu do Neo-Realismo e Assírio & Alvim, Vila Franca de Xira.

2010- Transmutações da Paisagem, Encontros da Imagem 2010, Braga.

2008- Capas dos Relatório e Contas, e Relatório, actividade do BES.

2007-

Jornal arquitectos, n° 229, Lisboa, Outubro-Dezembro.

Vamos falar sobre habitação [em Coimbra]?, Ed. Pro Urbe, Coimbra.

Vazios Urbanos, Ed. Trienal da Arquitectura de Lisboa/ Caleidoscópio, Lisboa.

Arquitectura e Arte, n° 46, Junho, Lisboa, p. 40-45;

Arquitecturas- Programa Conceito Matéria, Ed. Caleidoscópio.

Arquitectura Ibérica: Reabilitação, #19, Março, Lisboa.

2006-

Acreditar, Ed. Sopa das Letras, Lisboa.

Museu da Ciência: luz e matéria, Ed. Universidade de Coimbra.

Encontros da Imagem 20 anos, Braga.

Etnográfica, ed. Centro de Estudos de Antropologia Social, ISCTE, Lisboa.

2005- Uma extensão do olhar: entre a fotografia e a imagem fotográfica obras da

colecção da Fundação PLMJ, ed. CAV, Coimbra.

2004-

Extensão do olhar, uma antologia visual da fotografia portuguesa contemporânea”,

obras da colecção da Fundação PLMJ, ed. Assírio e Alvim, Lisboa.

Luzboa, A arte da Luz em Lisboa, ed. Extramuros, Lisboa.

(outros publicados de 2003 a 1999).

Colecções:

BESart, Banco Espírito Santo, Lisboa / Colecção Nacional de Fotografia- Centro Português de Fotogra-

fia / Círculo de Artes Plásticas de Coimbra / Encontros da Imagem, Braga / Fundação PLMJ., Lisboa.