Fontes e metodos

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FONTES E MTODOS EM HISTRIA DA EDUCAO

Organizadores:

Clio Juvenal Costa Jos Joaquim Pereira Melo Luiz Hermenegildo Fabiano

FONTES E MTODOS EM HISTRIA DA EDUCAO

2010

Universidade Federal da Grande Dourados COED: Editora UFGD Coordenador Editorial: Edvaldo Cesar Moretti Tcnico de apoio: Givaldo Ramos da Silva Filho Redatora: Raquel Correia de Oliveira Programadora Visual: Marise Massen Frainer Conselho Editorial 2009/2010 Edvaldo Cesar Moretti | Presidente Wedson Desidrio Fernandes | Vide-Reitor Paulo Roberto Cim Queiroz Ghilherme Augusto Biscaro Rita de Cssia Aparecida Pacheco Liberti Rozanna Marques Muzzi Fbio Edir dos Santos Costa Reviso: Clio Juvenal Costa Projeto grfico e capa: Hugo Alex da Silva Impresso: Grfica Massoni Livro produzido em parceria com o Programa de Ps-Graduo em Educao da Universidade Estadual de Maring Minter UEM/FAFIJA. Obra financiada pela SETI/UGF Secretaria de Estado da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior / Unidade Gestora do Fundo Paran & Fundao Araucria de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico do ParanFicha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central UFGD 370.7807 22 F683 Fontes e mtodos em histria da educao. / Organizadores: Clio Juvenal Costa, Joaquim Jos Pereira Melo, Luiz Hermenegildo Fabiano. Dourados, MS : Ed.UFGD, 2010. 350p. ISBN 978-85-61228-69-9

1. Fontes de informaes educacionais. 2. Metodologia da Pesquisa. 3. Pesquisa da educao. 4. Recursos bibliogrficos. 4. Histria da educao. I. Costa, Clio Juvenal. II. Melo, Joaquim Jos Pereira. III. Fabiano, Luiz Hermenegildo.*Termos indexados a partir do Thesaurus Brasileiro da Educao ( INEP)

SUMRIO

APRESENTAO ........................................................................ 7 FONTES E MTODOS: SUA IMPORTNCIA NA DESCOBERTA DAS HERANAS EDUCACIONAIS Jos Joaquim Pereira Melo........................................................13 PESQUISA HISTRICA: O TRABALHO COM FONTES DOCUMENTAIS Margarita Victoria Rodrguez....................................................35 HISTRIA ORAL COMO FONTE: APONTAMENTOS METODOLGICOS E TCNICOS DA PESQUISA Magda Sarat Reinaldo dos Santos..................................................................49 HISTRIA/HISTORIOGRAFIA DA EDUCAO E INOVAO METODOLGICA: FONTES E PERSPECTIVAS Carlos Henrique de Carvalho Luciana Beatriz de Oliveira Bar de Carvalho.............................79 A CONSTITUIO DOS LACEDEMNIOS SEU VALOR HEURSTICO PARA A INICIAO NA LEITURA DE TEXTOS ANTIGOS Gilda Nacia Maciel de Barros................................................111 INTELECTUAIS DA IGREJA MEDIEVAL: AGOSTINHO E TOMS DE AQUINO Terezinha Oliveira ..................................................................127 AS VISITAES ECLESISTICAS DO SCULO XVI E AS SUAS FONTES Peter Johann Mainka...............................................................147

ESCREVER A EDUCAO COLONIAL: SEPARAR, REUNIR E TRANSFORMAR DOCUMENTOS Paulo de Assuno.................................................................167 FONTES JESUTICAS E A EDUCAO BRASILEIRA Clio Juvenal Costa ................................................................193 MTODOS DE FORMAO DE PROFESSORES NO BRASIL IMPRIO: MEMRIA DAS TRAJETRIAS DO ENSINAR E DO APRENDER Ana Paula Gomes Mancini......................................................215 NOTCIA DOCUMENTAL E BIBLIOGRFICA SOBRE AS MISSES DE PROFESSORES PAULISTAS Carlos Monarcha ....................................................................243 OS PARECERES DE RUI BARBOSA E A FORMAO DE PROFESSORES FONTES PARA A HISTRIA DA EDUCAO BRASILEIRA Analete Regina Schelbauer Maria Cristina Gomes Machado............................................267 INSTITUIES ESCOLARES EM MATO GROSSO E MATO GROSSO DO SUL: PRIMEIROS APONTAMENTOS SOBRE A PRODUO HISTORIOGRFICA NOS SCULOS XX E XXI Maria do Carmo Brazil Alessandra Cristina Furtado ..................................................283 A IMPRENSA PEDAGGICA COMO FONTE, TEMA E OBJETO PARA A HISTRIA DA EDUCAO Elaine Rodrigues ...................................................................311 HISTRIA, FONTES E ARIDEZ CULTURAL NA ATUALIDADE Luiz Hermenegildo Fabiano ..................................................327 SOBRE OS AUTORES ..............................................................347

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APRESENTAOO campo da Histria da Educao parece estar se consolidando no cenrio acadmico e cientfico brasileiro. A organizao de inmeros grupos de pesquisa, especialmente da Sociedade Brasileira de Histria da Educao (SBHE), oportunizou e vem oportunizando discusses metodolgicas acerca do papel do historiador da educao, bem como das caractersticas de pesquisas nesta rea. Dentre os vrios pontos discutidos, o uso das fontes , sem dvida, um dos mais importantes e sempre requer ateno especial. Pode-se afirmar que, sem fontes, dificilmente seria possvel atribuir o status cientfico s pesquisas que objetivam ser de Histria da Educao. O uso das fontes nas pesquisas do campo educacional o tema deste livro. Vrios pesquisadores, ao todo dezenove, de oito instituies universitrias do Brasil (UEM, UFGD, UFMS, UFU, USP, Unesp, USJT e Unipam) e uma da Alemanha (Wrzburg), debruaram-se sobre o tema e socializaram aqui suas reflexes. Todos os captulos tm em comum a preocupao com o trato das fontes, inclusive exemplificam como us-las, para que o pesquisador em Histria da Educao possa desenvolver seus estudos de forma a valorizar sempre seus documentos primrios. Os quinze captulos que compem este livro podem ser divididos em temticos e metodolgicos. Os quatro primeiro captulos discutem mais o uso e o trato das fontes em seus aspectos metodolgicos; os demais apresentam as fontes em pesquisas realizadas. Jos Joaquim Pereira Melo, conhecido como Neto pelos amigos, em seu captulo, Fontes e Mtodos: sua importncia na descoberta das heranas educacionais, discute trs aspectos relacionados ao tema do livro: o da discusso geral a respeito de fontes e mtodos, que comporta uma anlise do percurso dessa discusso no processo histrico; o dos procedimentos para a anlise de um tipo de fonte histrica, no caso, o da fonte escrita; finalmente, o da importncia de fontes produzidas em uma rea especfica do conhecimento, a da Histria Antiga, para a discusso educacional.

APRESENTAO

Margarita Victria Rodrguez, em seu texto, Pesquisa Histria: o trabalho com fontes documentais, aponta que o conhecimento cientfico do passado no se restringe aos pesquisadores, mas aos professores tambm, e, embora existam diferenas entre as atividades que desenvolve o pesquisador e as que realiza o professor de histria, em ambos os casos se requer amplos conhecimentos tericos metodolgicos, porque o ensino envolve pesquisa e trabalho com fontes documentais. Magda Sarat e Reinaldo dos Santos apresentam, no captulo Histria Oral como Fonte: apontamentos metodolgicos e tcnicos da pesquisa, a Histria Oral como metodologia, apontando alguns motivos que os fez utiliz-la em pesquisas e, por fim, indicando alguns modos de produzir a documentao, as tcnicas e as possibilidades de realizar um trabalho que tenha a Histria Oral como fonte. Carlos Henrique de Carvalho e Luciana Beatriz de Oliveira Bar de Carvalho, no quarto captulo, intitulado Histria/Historiografia da Educao e Inovao Metodolgica: fontes e perspectivas, defendem as ideias de que o historiador deve, para ser fiel ao seu ofcio, resguardar-se de qualquer concluso ou julgamento a priori; que seus questionamentos ao passado so determinados e condicionados pela sua insero no presente; que suas abordagens sempre estaro sujeitas a revises e, por isso, no se alcana a suposta objetividade a partir de estudos concebidos como definitivos, mas, sim, quando tem a convico da necessidade de rever seus procedimentos e suas concepes. Gilda Nacia Maciel de Barros, em seu artigo, A Constituio dos Lacedemnios seu valor heurstico para a iniciao na leitura de textos antigos, demonstra, por meio de uma anlise do livro do grego Xenofonte, que o conhecimento apreendido pelo historiador a partir de leituras de textos antigos sempre depender, em primeiro lugar, da pergunta que fizer a si mesmo. Inevitavelmente, essa pergunta inicial estar marcada pelo agente que se interroga, seus valores e seu momento. A partir da pergunta, o ato de leitura no mais ser visto como ato inocente. Torna-se instrumento de busca, de algo que, espera-se, o texto venha a oferecer, condicionado por uma perspectiva que o antecede. Nesse sentido, no se espera dos iniciantes na leitura8

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dos antigos que refaam o trabalho do historiador, mas que preparem um exerccio exploratrio e experimental que os aproxime desse trabalho. Terezinha Oliveira, no sexto captulo, intitulado Intelectuais da Igreja Medieval: Agostinho e Toms de Aquino, apresenta os escritos de dois dos maiores intelectuais do cristianismo como fontes privilegiadas para se conhecer o desenvolvimento da racionalidade medieval e, especialmente, o papel da Igreja como uma das principais instituies educativas da Idade Mdia. A autora procura evidenciar, pelo trato das fontes, que no se trata de exaltar ou condenar a instituio social que mais marcou esse perodo, mas de entender que ela somente ocupou esse papel por ser a nica instituio que se encontrava em condies para realizar esse feito histrico. Peter Johann Mainka, em seu captulo, As Visitaes Eclesiasticas do sculo XVI e as suas fontes, defende que um dos instrumentos mais efetivos no processo de confessionalizao, isto na formao das igrejas luterana, catlica e calvinista nos Tempos Modernos aps a ecloso da Reforma Protestante, era a visitao, ou seja, a visita de uma comisso s parquias, a fim de controlar e fiscalizar a vida eclesistica e social nas comunidades. Os relatrios finais dessas visitaes representam fonte valiosa, tanto para a histria da Igreja quanto para a Histria da Educao. Paulo de Assuno, no captulo oitavo, intitulado Escrever a Educao Colonial: separar, reunir e transformar documentos, mostra que os jesutas, em vrias missivas, cartas nuas, relatrios e outros documentos dirigidos aos padres superiores, procuradores, prefeitos e reitores, nos colgios de Lisboa, Porto, Coimbra e demais localidades espalhadas pelo territrio portugus, registraram a forma como atuavam. Essa farta correspondncia permite reconstituir e compreender o pano de fundo do contexto social em que os religiosos viviam e que acabaria por forjar a identidade brasileira. Compreender as interaes dos religiosos com a sociedade colonial, enfatizando suas prticas educacionais, um importante desafio a enfrentar num pas que deve dialogar constantemente com o passado para construir um projeto educacional slido, que atenda, de fato, os anseios da sociedade.9

APRESENTAO

Clio Juvenal Costa, no texto Fontes Jesuticas e a Educao Brasileira, apresenta reflexes acerca do uso e do trato das fontes para as pesquisas em Histria da Educao, a partir de sua prpria experincia como pesquisador. Alm disso, mostra a importncia das fontes jesuticas para a compreenso da educao colonial brasileira. Ana Paula Gomes Mancini, no captulo dez, intitulado Mtodos de Formao de Professores no Brasil Imprio: memria das trajetrias do ensinar e do aprender, procura mostrar que a compreenso dos mtodos destinados formao de professores no Brasil Imprio, de 1854 a 1889, constitui-se em um estudo que permite constatar quais mtodos de ensino foram utilizados como baluarte da formao de professores nesse perodo, especialmente no que se refere Escola Normal da Corte em seus anos iniciais de funcionamento. Carlos Monarcha, no captulo Notcia Documental e Bibliogrfica sobre as Misses de Professores Paulistas, trabalha com a documentao referente s misses que professores paulistas realizaram no sculo XX, e defende que, ao propagarem as rigorosas formas escolares prprias das modernas sociedades, definindo, de fato, a instituio escolar, eles suscitaram esprito de unidade confederada na organizao administrativa e na pedagogia escolar na Primeira Repblica, ou seja, pr-dataram a estruturao morfolgica da educao nacional e o ensino de massa das pocas seguintes. Analete Regina Schelbauer e Maria Cristina Gomes Machado, no dcimo segundo captulo, Os Pareceres de Rui Barbosa e a Formao de Professores fontes para a Histria da Educao, apresentam reflexes acerca dos Pareceres de Rui Barbosa sobre a Reforma do Ensino Primrio e Vrias Instituies Complementares da Instruo Pblica, de 1882. Enquanto documentos impressos, os Pareceres se constituem como fonte para a pesquisa sobre a histria da educao brasileira e, especificamente, sobre a histria da formao de professores que, nos ltimos anos do Imprio, viveram um perodo relevante para sua constituio. Maria do Carmo Brazil e Alessandra Cristina Furtado, no captulo, Instituies Escolares em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: primeiros apontamentos sobre a produo10

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historiogrfica nos sculos XX e XXI, analisam a dimenso e a importncia da produo historiogrfica acerca das instituies escolares em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, nos sculos XX e XXI, tendo realizado um levantamento inicial acerca da historiografia educacional produzida sobre esses dois Estados brasileiros, sobretudo as dissertaes e teses desenvolvidas em alguns Programas de Ps-Graduao existentes no Brasil. Elaine Rodrigues, no capitulo quatorze, intitulado A Imprensa Pedaggica como fonte, tema e objeto para a Histria da Educao, trabalhando com o Jornal da Educao, impresso publicado pela Secretaria de Estado da Educao do Paran e que circulou no perodo de 1983 a 1986, procura evidenciar que o uso do impresso pedaggico amplia as possibilidades de insero do historiador da educao na histria, o que repercute, por sua vez, na prpria escrita da Histria da Educao, envolvendo o debate acerca do alargamento da noo de fonte, da definio de temas e objetos para esse campo de pesquisa. Luiz Hermenegildo Fabiano, no ltimo texto deste livro, captulo intitulado Histria, fontes e aridez cultural na atualidade, defende a ideia de que qualquer considerao atual sobre o ambiente escolar e o seu entorno no pode desconsiderar a interferncia da massificao cultural, presente nas mais diversas formas de expresso dos indivduos nela envolvidos. O manancial de recursos culturais que (de)formam a juventude pode ser usado como fonte para o entendimento da prpria sociedade atual. Todos os captulos que compem este livro apresentam carter didtico, no intuito de auxiliar os pesquisadores que a ele tiverem acesso. O que os autores apresentam , muitas vezes, mais o caminho da pesquisa com as fontes do que resultados propriamente ditos de pesquisas j desenvolvidas. No entanto, ficar evidente aos leitores que a prpria reflexo sobre o uso e o trato das fontes j , por si s, resultado de estudos e da experincia de cada pesquisador. Finalmente, ressaltamos que este livro foi idealizado por professores do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring e financiado pelo convnio estabelecido entre a Universidade Estadual de Maring e a

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APRESENTAO

Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Jacarezinho-Pr, para o desenvolvimento do Minter Mestrado Interinstitucional. Boa leitura a todos!

Os organizadores

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FONTES E MTODOS: SUA IMPORTNCIA NA DESCOBERTA DAS HERANAS EDUCACIONAISJos Joaquim Pereira Melo

A reflexo sobre fontes e mtodos da Histria implica considerar tal multiplicidade de aspectos que se tornaria quase impossvel realiz-la no mbito deste trabalho. Destacamos, no entanto, alguns aspectos que consideramos fundamentais nesse tipo de reflexo e direcionamos este texto em trs frentes: a discusso geral a respeito de fontes e mtodos, o que comporta uma anlise do percurso dessa discusso no processo histrico; a dos procedimentos inerentes anlise de um tipo de fonte histrica, no caso, o da fonte escrita; finalmente, a da importncia de fontes produzidas em uma rea especfica do conhecimento, a da Histria Antiga, para a discusso educacional. 1. O percurso histrico do debate e da definio de fontes e mtodos A Histria, nos ltimos sculos, foi sendo marcada por um fluente debate de ordem epistemolgica e metodolgica, o qual, entre outras questes, criou condies para um importante desenvolvimento e uma no menos importante renovao de seu campo de investigao metodolgica. No sculo XIX, especialmente, esses estudos se caracterizaram por uma significativa sequncia de fases e procedimentos, que abrangeram tambm a Histria da Educao. Tal como a Histria, a Educao passou pela discusso a respeito de fontes escritas, sonoras, iconogrficas, pictricas, audiovisuais, arquitetnicas, mobilirias, dentre outras consideradas peas essenciais para se esclarecer as circunstncias concretas dos fenmenos ocorridos em determinadas pocas e sociedades. Na reflexo sobre fontes histricas, por maior complexidade e atualidade com que se possa revesti-la, ainda legtimo lembrar o clssico ensinamento de Charles de Seignobos e Victor Langlois (1946, p.15), comum e aceito entre os

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historiadores da poca: [...] onde no h documentos, no h Histria. Essa lio incentiva-nos a abordar um problema candente entre pesquisadores: a definio do que seja um documento, ou melhor, do que seja um documento histrico. Esse problema ganha maiores contornos quando se tem conta o comum entendimento de documentos histricos como peas escritas, manuscritas ou impressas. No se pode negar que, at nossos dias, uma boa parte dos documentos disposio, para no dizer a maioria, so documentos escritos (BERRIO, 1976, p.453). Isso no surpreendente porque, at meados do sculo passado, essas eram as [...] fontes mais valorizadas pelos pesquisadores (JANOTTI, 2006, p.10). A esse respeito, interessante lembrar os ensinamentos de outro mestre da historiografia, Lucien Febvre, um dos principais representantes do movimento dos Annales. Em seu Combates pela Histria ele aponta a possibilidade de se investigar por meio de outras fontes histricas.A Histria faz-se com documentos escritos, sem dvida, quando eles existem; mas ela pode fazer-se sem documentos escritos, se no os houver. Com tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe utilizar para fabricar o seu mel, falta das flores habituais. Portanto, com palavras. Com signos. Com paisagens e telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas. Com eclipses da Lua e cangas de bois. Com exames de pedras por gelogos e anlises de espadas de metal por qumicos. Numa palavra, com tudo aquilo que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem, significa a presena, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (FEBVRE, 1985, p.249).

Parecem aqui pertinentes as consideraes de Pedro Paulo Funari. Em Os Historiadores e a cultura material, o autor expe sua explicao para a gnese do debate sobre as fontes, derivando-o do cientificismo do sculo XIX, quando se manifestou a preocupao da Histria em buscar a verdade dos fatos.

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Fonte uma metfora, pois o sentido primeiro da palavra designa uma bica dgua, significado esse que o mesmo nas lnguas que originaram esse conceito, no francs, source, e no alemo, Quell. Todos se inspiraram no uso figurado do termo fons (fonte) em latim, da expresso fonte de alguma coisa, no sentido de origem, mas com um significado novo. Assim como das fontes dgua, das documentais jorrariam informaes a serem usadas pelo historiador. Tudo que antes era coletado como objeto de colecionador, de esttuas a pequenos objetos de uso quotidiano, passou a ser considerado no mais algo para o simples deleite, mas uma fonte de informao, capaz de trazer novos dados, indisponveis nos documentos escritos (FUNARI, 2006, p.85).

Tambm no campo dos historiadores da educao, o entendimento de fonte histrica inclui toda e qualquer pea que possibilite a obteno de notcias e informaes sobre o passado histrico-educativo. Assim, a seleo e/ou opo por incorporar ou deixar disponvel esse ou aquele documento em uma investigao educacional significa conferir-lhe a condio de documento histrico-pedaggico. No debate a respeito das diferentes formas de se fazer Historia da Educao, a qual dinamizada e at mesmo fomentada por essa mesma gama de fontes disposio do pesquisador, surge a tendncia de classificar os documentos segundo sua natureza. Exemplificativa, nesse sentido, a classificao documental proposta por Jlio Ruiz Berrio, em El metodo historico en la investigacion historica de la educacion. Nesse texto, o autor ordena os documentos escolares em sete grupos. No primeiro, esto os documentos escritos, que, segundo o autor, vo desde as inscries, correspondncias, dirios, memrias, informes, regulamentos, planos, cartas funcionais, bulas, cedulrios at as obras literrias em geral: livros de textos, apontamentos, dicionrios, estatsticas, textos pedaggicos, peridicos, revistas, guias, livros de conselhos, livros de atas, registro de matrcula, entre outros.15

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O segundo grupo, que abrange os documentos sonoros, compreende discos, fitas magnticas, faixas sonoras, enfim, uma gama de materiais cuja caracterstica bsica seja o som que, em si, contm um fato histrico. No terceiro grupo esto os documentos pictricos: gravaes, quadros, debuxos, fotografias, diapositivas, pelculas, microfilmes. Essa categoria de documentos escolares tambm carrega em seu bojo significativas informaes de carter histrico. Os documentos audiovisuais, que formam o quarto grupo, referem-se, de maneira geral, a todo e qualquer instrumento de registro que possa preservar tanto sons quanto imagens para alm do tempo e espao. Os documentos arquitetnicos fazem parte do quinto grupo: edifcios ou runas, salas de aula, bibliotecas, capelas, cozinhas, dormitrios etc. Nesse caso, o historiador deve atentar no apenas para a estrutura fsica, mas tambm para os materiais utilizados na construo de cada obra arquitetnica, cuja identificao oferece, de maneira mais concreta, os indicativos do que ocorre em um dado perodo histrico. O sexto grupo o dos documentos mobilirios: plpitos, mesas, cadeiras, bancos, esteiras, reprodues etc. Esse tipo de documentos escolares, assim como o quinto, mostra fisicamente a imagem mais aproximada de um determinado momento histrico. No stimo grupo, o dos documentos de utilidade escolar, o autor elenca, conforme a prpria denominao, objetos escolares de qualquer nvel de ensino utilizados ao longo dos sculos: tabuinhas, puzones, penas, tintas, giz, lapizeiros, pedrinhas, mapas, colees de mineralogia, herbrios, papel, rguas, estojos, carteira, cadernos. Acrescenta a esses uma longa lista de materiais que ajudam a recompor a realidade do ensino nos distintos perodos ou a estudar as diferenas existentes entre centros de ensino de uma mesma poca (BERRIO, 1976, p.453455). Para o autor, outras classificaes dos documentos segundo sua natureza, mesmo quando, de forma simplificada, abrangem documentos orais, escritos e arqueolgicos, no so incompatveis com as anteriores.

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Da mesma forma, o autor menciona aquela que, segundo Ernest Bernheim, corresponde intencionalidade histrica dos documentos, ou seja, a que distingue restos de tradio. Por tradio ele faz referncia a fontes cujos objetivos foram/so transmitir um feito. Estas podem ser entendidas como documentos que trazem em si a clara intencionalidade de informar para a posterioridade. Por restos ele se refere queles documentos que no foram produzidos com essa preocupao, pelo menos aparentemente. o caso das fontes arquitetnicas que no foram produzidas com essa inteno, mas que corresponderam ao deliberado propsito de servir como testemunhas de um passado memorvel ou, ainda, da ao de algum personagem ou um fato social. Alm disso, conforme Berrio, no se pode negligenciar a mais corrente e aceita das tendncias historiogrficas, aquela que classifica as fontes em primrias ou secundrias, segundo sua aproximao direta ou indireta com os fatos histricos. Primrias seriam aquelas fontes produzidas por observadores ou participantes diretos dos fatos e cujos testemunhos seriam supostamente fiis verdade. Secundrias, por seu turno, seriam as fontes com informaes prestadas, de maneira indireta, por autores que no foram testemunhas presenciais do acontecido. De modo geral, essas classificaes podem se conjugar em face da possibilidade de enfocar documentos de distintos pontos de vista. No se pode esquecer que algumas fontes so suscetveis de figurar em uma mesma classificao (BERRIO, 1976, p.456). Assim, a investigao histrico-pedaggica, a exemplo de qualquer outra investigao de carter histrico, no se realiza sem o apoio de fatos, dados e informaes contidos em fontes. Por isso, em seu ofcio investigativo, em alguns momentos, o pesquisador deve deixar os fatos falar, em outros, deve faz-los falar, ou seja, deve desvendar a mensagem e o sentido subjacente que neles se encontra. Nesse exerccio, no pode se esquecer daqueles fatos que, aps terem dormido silenciosamente, querem se fazer ouvir (PINSKY, 2006, p.7). Segundo Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas: O pressuposto essencial das metodologias propostas para a anlise de textos em pesquisa histrica o de que um documento 17

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sempre portador de um discurso que, assim considerado, no pode ser visto como algo transparente (1997, p.377). Outra questo a ser considerada em uma reflexo sobre fontes o cuidado com sua abordagem. Por mltiplas razes, uma fonte pode ser portadora de erros, enganos, interpolaes, falsificaes, observaes imprecisas de fatos, falta de habilidade e/ou negligncia em sua exposio, alteraes provocadas por interesses, ideologias e/ou paixo nas suas mais variadas manifestaes (BERRIO, 1976, p.466) por parte de quem as escreveu. A descoberta de mudanas de tendncias pode ser interessante, mas pode significar erro de redao, erro de clculo, pura distrao de quem escrevia [...] (BACELLAR, 2006, p.64). O pesquisador deve estar atento a qualquer uma dessas possibilidades, bem como a outras que possam se apresentar. Em face disso, o historiador no pode se submeter sua fonte, julgar que no documento est a verdade: [...] antes de tudo, ser historiador exige que se desconfie das fontes, das intenes de quem a produziu, somente entendidas com o olhar crtico e a correta contextualizao do documento que se tem em mos (BACELLAR, 2006, p.64). No se pode desconsiderar a natureza da fonte: um informe tcnico, uma poesia laudatria, uma exortao religiosa, um exerccio filosfico no comportam o mesmo significado, o mesmo valor e o mesmo interesse. Afinal, [...] documento algum neutro, e sempre carrega consigo a opinio da pessoa e/ou rgo que o escreveu (BACELLAR, 2006, p.63). Enfim, a fonte traz consigo historicidade (PINSKY, 2006, p.7). Essas circunstncias, se no forem percebidas, podem comprometer a fidedignidade de uma anlise. Alm disso, os fatos histricos somente tm algo a informar quando forem inseridos devidamente no conjunto de que fazem parte: Conocer una realidad histrica, captar su sentido, es hacerse inteligible la relacin entre las partes y el todo en esos conjuntos que contituyen el objetivo de la historia (MARAVALL, 1967, p.74). Como estas so questes que o historiador no pode perder de vista no seu processo de investigao histrica, necessrio adotar estratgias para ultrapassar a materialidade dos fatos, para chegar sua intencionalidade, ao seu sentido. Mantendo-os integrados ao18

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seu mbito histrico, pem-se luz seus antecedentes, sequncias ou repercusses. Caso este procedimento no seja adotado, os fatos no diro nada, ou quase nada, porque estariam alijados do conjunto, convertidos em uma pea de pouca expressividade, despojados do contedo que lhes d significado; somente quando integrados ao quebra-cabea de que fazem parte, ou seja, do sentido de sua existncia que eles tm sentido. Portanto, conhecer fatos, dados e informaes histricas no somente enquadr-los nessa ou naquela condio ou valorizao, segundo os testemunhos das fontes, mas inclu-los de certa maneira no mbito de um conjunto maior de relaes (REDONDO; LASPALAS, 1997, p.77-78), tendo em vista o passado que se pretende reconstruir. Nessa reconstituio, o historiador deve atentar para a no possibilidade de que [...] do arrolamento das fontes surja, ipso facto, a Histria. A reconstruo obedece a uma hiptese a ser testada [...] (PAIVA, 2006, p.15). Mesmo quando se evidencia sua probabilidade, esta carece de ser desvendada e comprovada luz do mtodo cientfico. 2. Os cuidados metodolgicos com as fontes, especialmente a escrita. J se distanciam no tempo tanto o entendimento da historiografia como a simples descrio do passado quanto o tratamento das fontes desprovido de um posicionamento crtico por parte do historiador, ou seja, o entendimento de que a este cabia fazer uma cpia e/ou reproduo dos acontecimentos, conforme o contido na fonte. Refm desta prtica metodolgica, ele se convertia em testemunha dos fatos, em um expectador imparcial que os apresentava objetivamente, sem acrescentar ou retirar nada, fiel ao que transcrevia: os fatos falavam e ele permanecia em silncio, deixando-os falar. De acordo com os novos procedimentos, o historiador tem um papel fundamental no tratamento das fontes. No processo de investigao histrica, o primeiro passo o da seleo e planejamento do objeto a ser estudado, a delimitao do campo de estudos e a definio do esquema conceitual e da concepo

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terica que o orienta. O passo seguinte o da proposio de uma hiptese de trabalho. Para alm desses aspectos tcnicos, cabe ao pesquisador cientificar-se de que toda investigao histrica, de alguma forma, tem incio no contato com o fenmeno histrico que se pretende investigar. Privilegiada a temtica a ser estudada, o pesquisador deve proceder localizao, ao levantamento e classificao das fontes com as quais vai trabalhar. Na sequncia, realizar a anlise, a depurao e a valorizao do seu contedo. Assim, possvel reconhecer a origem e o momento histrico em que a fonte foi produzida, o alcance e o valor que se lhe pode atribuir, para que situao e em que circunstncias ela foi produzida. possvel tambm verificar sua autenticidade, identificar sua natureza e a dimenso de sua credibilidade. Para tanto, algumas questes devem ser consideradas, a exemplo da preocupao ou do objetivo do texto em seus aspectos literal, gramatical, lexicogrfico e do que de fato o texto pode e tem a dizer. O sentido correto de um texto deve ser buscado no seu contexto (BERRIO, 1976, p.463-467). Uma mesma palavra pode conter matizes e significados distintos, dependendo se ela est s ou acompanhada de outros vocbulos. Um dos riscos de se alterar o sentido de uma palavra e/ou de uma frase surge da desconsiderao do seu contexto natural (REDONDO; LASPALAS, 1997, p.76), ou seja, conforme j mencionado, de perceb-las como peas solitrias, independentes, separadas da totalidade de que fazem parte.[...] um dos pontos cruciais do uso de fontes reside na necessidade imperiosa de se entender o texto no contexto de sua poca, e isso diz respeito, tambm, ao significado das palavras e das expresses. Sabemos que os significados mudam com o tempo [...] (BACELLAR, 2006, p.63)

O mesmo cuidado deve ser dado ao vocabulrio, estrutura sinttica, ao estilo: [...] o contedo histrico que se pretende resgatar depende muito da forma do texto: o vocabulrio, os enunciados, os tempos verbais etc. (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.377).

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De posse dos dados obtidos com essas aes, possvel buscar uma aproximao com o autor, desvendar suas preocupaes, tendncias, ideologias, objetivos. No se pode esquecer de que a credibilidade de uma fonte repousa, em grande medida, na credibilidade do seu autor. Com base no entorno da personalidade, interesses e objetivos do autor, possvel chegar sua qualidade de testemunha: se estava bem informado quando da produo do documento; se podia e/ou pode ser fiel aos fatos, dados e informaes relatadas ou, ainda, se assim queria e/ou quis faz-lo (BERRIO, 1976, p.468-469). Um testemunho pode trazer enganos e/ou at mesmo mentiras, possibilidades que no devem ser descartadas, da a importncia de contrast-lo devidamente. Cabe ao historiador [...] cruzar fontes, cotejar informaes, justapor documentos, relacionar texto e contexto, estabelecer constantes, identificar mudanas e permanncias (BACELLAR, 2006, p.72). Estas questes devem ser convenientemente consideradas e observadas. Respaldado por essas informaes, o pesquisador estaria preparado para a identificao, reconstruo do passado, sempre tendo em vista que os fatos, dados e informaes levantadas nem sempre falam por si, nem externam toda a mensagem que encerram. A interpretao um exerccio difcil, at mesmo arriscado, medida que projeta o pesquisador para o interior dos fatos, dados e informaes, discusses e anlises, com o objetivo de capturar o seu sentido, significado e inteno mais ntimos. Essas dificuldades merecem ainda mais ateno [...] no caso de pesquisas voltadas para a histria das idias, do pensamento poltico, das mentalidades e da cultura (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.377). Existem dois momentos significativos da interpretao. Um deles diz respeito formulao da hiptese, um ensaio de execuo, cujo fio condutor o enunciado de um resultado provisrio do problema de pesquisa, sem se perder de vista se plausvel, razovel e principalmente exequvel. Outro diz respeito generalizao, um processo mental de abstrao, que leva adoo de um termo ou a uma proposio de carter universal, ou

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seja, propriedade ou ao estudo daquilo que assumiu a condio de geral. A concluso, sntese ou construo, resultante da reconstruo inerente investigao histrica. , a rigor, um exerccio de configurao da realidade histrica, que, de alguma forma, o pesquisador recriou. Esse trabalho de configurao, de sntese, depende da capacidade imaginativa e criativa do pesquisador para suprir as lacunas, fazer as conexes (at mesmo descobri-las), esboar hipteses, reconstruir o sentido dos fatos, entre outros. A sntese, conforme se coloca, passa a ser uma espcie de estrutura mental possibilitada pelos fatos histricos, desde que estes no sejam considerados como peas soltas de um quebracabea e sim como peas integradas a um conjunto (REDONDO; LASPALAS, 1997, p.77-78), como componentes de uma totalidade que lhes d sentido, j que existe uma articulao interna com as demais peas. O distanciamento dessa totalidade pode comprometer o contedo de que so portadores e at mesmo aquele do qual so partes integrantes e indivisveis. Nestes termos, o tratamento das fontes, ao mesmo tempo em que viabiliza a realizao da pesquisa histrica e, como resultado, da pesquisa em Histria da Educao, qualifica o pesquisador para um recuo no tempo, uma visita ao passado, para uma metodologia histrica de anlise da educao como produto humano. Em outros termos, medida que se insere a educao no movimento social mais abrangente, possvel observ-la de uma maneira mais isenta e distanciada do imediatismo da ao educativa. O afastamento para dialogar com o passado favorece o entendimento dos enfrentamentos, das contradies sociais e, como resultado, amplia o horizonte de anlise das questes educativas na atualidade. Esse ir e vir, presente-passado, exige um exorcismo das influncias e dos preconceitos da dinmica social do presente. Para se projetar em momentos histricos distanciados no tempo, como os da Antiguidade, necessrio encontrar um modo peculiar de entender a realidade. Assim, conceitos e princpios l elaborados podem ser levantados, repensados e analisados em sua dinmica prpria e, ao mesmo22

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tempo, ser considerados na anlise das questes que se colocam para os homens de hoje (ESPER, 1997, p.5-7). Dessa maneira, possvel discutir a dinmica e a permanncia de valores produzidos historicamente com a preocupao de direcionar o homem na busca do ser ideal e entender por que eles no permanecem refns de um tempo ou de uma poca especfica. Apesar de reconhecer a possibilidade de permanncias, fundamental que o pesquisador compreenda que as concepes de mundo, de sociedade, de homem e de educao esto em constante transformao. O historiador deve considerar que existe a necessidade de os sujeitos histricos serem reconsiderados periodicamente, de objetivarem sua insero na esfera de novas propostas, as quais, por sua vez, ganham corpo com as constantes modificaes da viso de conjunto (MARROU, 1997, p.11), especialmente as relaes que se estabelecem entre os homens, no sentido de reorganizao da vida. 3. Histria e Histria da Educao: a importncia das fontes antigas A Histria, entre altos e baixos, encontrou, e continua encontrando, um nmero significativo de pensadores que entendem o estudo do passado da humanidade como curiosidade ou, no melhor dos casos, como um exerccio de erudio desprovido de carter cientfico. Alavanca estas consideraes a denncia da impossibilidade de a histria se fazer cincia, a exemplo do racionalismo cartesiano que j a desconsiderava como fonte de verdadeiro conhecimento (REDONDO; LASPALAS, 1997, p.80). Afinal, segundo Descartes, a misso da cincia era a unificao de [...] todos os conhecimentos humanos a partir de bases seguras, para que pudesse construir um edifcio cientfico plenamente iluminado pela verdade e, por isso mesmo, todo feito de certezas racionais (PESSANHA, 1979, p.VI). Nos sculos XVI e XVII, a exemplo de Bacon (15611626), que defendia a tese de que [...] a cincia a investigao emprica, nascida do contato com o real (ANDRADE, 1979, p.XXIII), e de que o verdadeiro saber era resultado de23

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experincias fidedignas, e de Hobbes (1588-1679), que, com o seu racionalismo empirista, buscou na cincia geometria e fsica o modelo a ser aplicado, ao mesmo tempo em que [...] imps razo e experincia um modo de vida comum (MONTEIRO; SILVA, 1979, p.VIII), outros pensadores excluram a histria do rol dos conceitos de cincia. No sculo XIX, seguindo orientao semelhante, pensadores desconsideraram sua capacidade de estabelecer generalizaes e pressupostos, exigncia das cincias como tal. Na contemporaneidade, tomados por um presentismo e/ou historicismo imediatista, autores relativizaram-na, vinculando sua validade e importncia a uma poca ou a um perodo determinado. Encaminhando a discusso sobre as exigncias que o pesquisador deve cumprir para uma instncia particular, a da Histria da Educao, cabe afirmar que, nesse caso, o percurso para a conquista do status de cincia no foi diferente do que ocorreu com a cincia histrica. O processo foi complexo, dadas as dificuldades encontradas na construo de uma identidade que atendesse s exigncias do protocolo cientfico. Semelhantemente ao que ocorreu com a Histria, o estudo do passado educativo, em sua especificidade, segundo seus crticos, tem um campo de abrangncia restrito, assim como restrito o pblico interessado. Isso refora o entendimento de sua pouca expressividade, uma preocupao ilustrativa que no incorpora maiores sentidos para alm da categoria profissional para a qual foi pensada. Estes so motivos suficientes para converter a Histria da Educao em alvo de crticas. No caso especfico da Histria da Educao na Antiguidade, entende-se que as questes histrico-pedaggicas no guardam proximidade com o pesquisador, pois pertencem, por definio, ao pretrito ou se perderam no tempo. Avaliaes dessa natureza levam ao entendimento de que a educao praticada na Antiguidade estaria pronta, acabada, portanto, morta. Disso decorreria, para seus crticos, sua falta de relevncia para a contemporaneidade. Pelo mesmo motivo, desconsiderar-se-ia o sistema educativo, coerente e determinado, desenvolvido na sociedade mediterrnea antiga.

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No entanto, esse fenmeno foi resultante do amadurecimento civilizacional, em razo especialmente de fenmenos oriundos da rotina pedaggica. Foi essa rotina que criou as condies para que esse processo educativo chegasse plenitude de seus quadros, programas e mtodos, bem como que mantivesse por sculos sua estrutura e prtica. A dinamicidade da educao clssica indiscutvel, o que se evidencia quando a cultura grega ultrapassou suas fronteiras, expandindo-se para Roma, Itlia e o Ocidente latinizado. Nesse processo de expanso dos gregos e de transposio de sua cultura, as adaptaes foram de pouca expressividade. Nesse caso, importante destacar o vigor dos romanos: em seu processo de expanso social, econmico e cultural, eles tambm contriburam para a preservao das caractersticas da cultura e da educao gregas, atribuindo-lhe novas dimenses. A vigncia da educao clssica permaneceu tambm, independente, paralela a si mesma, no Oriente bizantino. Sua interrupo foi promovida por acontecimentos marcantes, a exemplo das invases brbaras e do desaparecimento dos quadros polticos e administrativos do Imprio romano. importante mencionar tambm a permanncia da educao clssica aps a converso do mundo mediterrneo ao cristianismo, a despeito de este se apresentar como uma proposta transformadora. Seus reflexos ainda eram visveis quando a educao monstica iniciou o processo que a transformaria no modelo de educao do medievo ocidental, correspondendo ao processo de transformao social pelo qual passava a Europa Ocidental. Isso no poderia ter sido diferente, j que a nova sociedade que se organizava, a medieval, requisitava um modelo de homem de acordo com suas necessidades, fazendo frente forte e recorrente presena clssica. No entanto, os procedimentos da pedagogia clssica foram retomados no perodo do Renascimento carolngio, embora sua proposta de renovao desses estudos possa ser considerada imperfeita em relao ao passado que tentava recuperar. De qualquer forma, o mundo carolngio revitalizou a tradio interrompida. Enfim, foi com o grande Renascimento dos sculos XV e XVI, quando se retornou mais estrita tradio clssica, que o conceito moderno de educao ganhou contornos.25

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Em suma, a gnese da tradio pedaggica ocidental foi uma herana da cultura greco-latina. Essa intimidade coloca-se, de maneira significativa, no sistema educativo da contemporaneidade, conforme discusso j consagrada pela historiografia da educao, mas, em muitos dos casos, desconsiderada pela tendncia imediatista de se explicar o agora educativo. Por isso, antes de se desconsiderar o fenmeno educativo na Antiguidade, necessrio conhec-lo, compreend-lo, perceb-lo como um modelo proposto para a reflexo. No se trata de utiliz-lo necessariamente como modelo a ser imitado, copiado e implantado na contemporaneidade (MARROU, 1998, p.12-13): suas particularidades, seu distanciamento no tempo e no espao tornam-no impraticvel no presente.Quando a mudana social acelera ou transforma a sociedade para alm de um certo ponto, o passado deve cessar de ser o padro do preaficasente, e pode, no mximo, tornar-se modelo para o mesmo. Devemos voltar aos caminhos de nossos antepassados quando j no os trilhamos automaticamente, ou quando no provvel que o faamos. Isso implica, uma transformao fundamental no prprio passado. Ele agora se torna, e deve se tornar, uma mscara para inovao, pois no expressa a repetio daquilo que ocorreu antes, mas aes que so, por definio, diferentes das anteriores (HOBSBAWM, 1998, p.25-26).

O conhecimento dos encaminhamentos educacionais na Antiguidade estimula e favorece a reflexo sobre erros cometidos e/ou solues propostas que no cumpriam o seu fim. Uma realidade determinada que demonstrou sua validade e eficcia pode ajudar a regular, analogicamente, a ao/prtica presente, bem como oferecer maior grau de certeza a projetos para o futuro, em face da profundidade, solidez e consistncia que conquistou ao longo dos tempos. Para alm dessas discusses, vale considerar a condio valorativa do desvendamento da operatividade (virtualidade) do passado pedaggico na realidade educativa do presente. A explicao da realidade educativa no presente suscita26

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prospectivamente a seguinte virtualidade: [...] para saber para onde se vai, importante saber de onde se veio. Criam-se, assim, condies para a libertao da teoria e da prtica educativa de enganos, enfoques ou planejamentos que a experincia do passado revelou como improdutivos; contribui-se para a formao integral do aluno, ampliando seus conhecimentos, fundamentando a sua capacidade crtica, contrastando o horizonte de sua formao tcnica e potencializando sua dimenso tica (REDONDO; LASPALAS, 1997, p.80). Uma orientao nessa direo pe em evidncia que o dilogo com o passado, mesmo com a riqueza que o particulariza, no requisita a renncia ao que somos, a negao de ns mesmos, mas viabiliza maiores contornos para nossas perspectivas e retira do moderno a suficincia que dificulta perceber que se foi e possvel ser diferente do que se hoje. Tais questes, ao mesmo tempo em que nos levam a refletir, contm o pressuposto da necessidade da mudana de rota das nossas aes, prticas e postulados e convida a uma reflexo sobre sua solidez e sobre o firme fundamento que sustenta a sua particularidade (MARROU, 1998, p.13). Nessa perspectiva, a compreenso do homem se faz pela investigao de seus conflitos e diversidade de comportamentos, colocando-o em face das lutas e das contradies do seu tempo. Os distintos comportamentos devem ser estudados em correlao com as necessidades sociais geradas pelo processo histrico, as quais requerem novas posturas em relao ao cotidiano. Antagnicos, velhos e novos comportamentos so observados em luta, permitindo comprovar que isso ocorre na mesma medida em que so contraditrias as preocupaes e as necessidades humanas que caracterizam as relaes sociais. Aprofundando o estudo dessas relaes, possvel observar que, em seu bojo, emergem atores sociais que promovem a paulatina negao do modelo envelhecido e, ao mesmo tempo, desencadeiam um processo de elaborao do que seria o novo. Em suma, de acordo com o tratamento dado questo, possvel concluir que o novo s se estabelece na luta contra as velhas formas de comportamento, na utilizao de materiais, suportes e subsdios do passado para justificar ou sedimentar os comportamentos emergentes. Por outro lado, isso permite tambm identificar as marcas que o27

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passado deixa nos homens de outras pocas e em que circunstncias isso acontece. Desse modo, compreende-se a educao como parte da dinmica da sociedade, ou seja, como produto histrico dos homens. Pode-se dizer que, de acordo com as necessidades diferenciadas produzidas nos diferentes momentos, ela adquire tambm diferentes formas e propostas. Enfim, o processo educacional deve ser percebido nas relaes que os homens travam entre si, objetivando produzir ou reproduzir a sua prpria existncia naquele(s) momento(s) determinado(s). Ele deve ser equacionado pelas necessidades criadas por eles mesmos, principalmente quando o modelo de homem existente apresenta sinais de que j no uma referncia, devendo modificar-se e abandonar as tradies e costumes que at ento dirigiram suas aes e pensamentos (ESPER, 1997, p.9-11). A contramo desse entendimento significa desconsiderar que, no conhecimento histrico e, por extenso, no educacional, manifesta-se um aspecto particular do conhecimento do homem, ou seja, o de que ele tambm portador, como exigncia da sua prpria natureza, da transformao. Dessa forma, assume um carter provisrio (MARROU, 1998, p.11), portanto, passvel de transformaes, medida que as circunstncias sociais assim o requerem. Cabe ao estudioso considerar essa dinmica.O passado , portanto, uma dimenso permanente da conscincia humana, um componente inevitvel das instituies, valores e outros padres da sociedade humana. O problema para os historiadores analisar a natureza desse sentido do passado na sociedade e localizar suas mudanas e transformaes (HOBSBAWM, 1998, p.22).

Nesse processo de anlise do sentido do passado e das mudanas e transformaes que se apresentam na ordem do dia, o pesquisador deve considerar que, indistintamente da existncia de testemunhos escolares, so importantes para a insero no ethos de uma determinada educao aqueles documentos que fornecem a possibilidade de se formar um quadro das ideias vigentes de um povo. A religio, a poltica, a arte, a literatura e os mitos de uma sociedade educam de modo difuso, porm inquestionvel.28

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Esses documentos devem ser analisados de acordo com as particularidades da sua produo. Alguns so atribudos a apenas um autor, a exemplo de Hesodo (VIII a.C) e Confcio (551-479 a.C), outros a vrios, como o caso dos Vedas na literatura oral preexistente; existem outros ainda cuja autoria continua suscitando discusses, como o caso de Homero (VIII a.C). Para muitos, esses documentos distanciam-se da tarefa cotidiana da formao. Porm, as observaes mais triviais da conveno diria no meio familiar encontram-se intimamente ligadas aos juzos de valores disseminados pelas correntes religiosas, polticas e literrias. Isso no surpreendente, desde que se considere a educao como uma estratgia coletiva ou mesmo individual, por meio da qual uma dada sociedade e seus indivduos buscam incutir nas novas geraes ou setores os cnones e valores que particularizam a vida de sua civilizao. A rigor, as sabedorias contidas nesses documentos configuram uma educao de carter legtimo, pelo simples fato de condicionar a vida dos jovens s aspiraes e expectativas dos adultos (GALINO, 1973, p.9-10). Portanto, no se deve desconsiderar a educao na Antiguidade como prtica humana que ainda tem uma mensagem positiva a oferecer. Nessa direo, destacamos as possibilidades ainda presentes nos pensamentos de Ccero (106-43 a.C) e de Sneca (4 a.C-65 d.C), meno realizada simplesmente por que, em nossas pesquisas, realizamos um trnsito entre esses pensadores. Entre as reflexes desenvolvidas em Filosofia entre ceptismo e confuso, Junguer Leonhardt menciona que as elaboraes de Ccero, fundamentais no apenas para o conjunto da cultura latina, mas tambm para a cultura ocidental, ainda podem ser colocadas na pauta das discusses contemporneas. Para o autor, o estudo das contribuies e/ou influncias da obra ciceroniana ainda no se esgotou: a ateno filosfica renovada a Ccero ainda promete algumas surpresas (LEONHARDT, 2003, p.99). Com a mesma preocupao, Maria Zambrano, em seu trabalho El pensamiento vivo de Sneca, defende a necessidade de se desvendar no pensamento senequiano as contribuies que esse29

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grande nome da latinidade e da cultura ocidental ainda tem a oferecer para a contemporaneidade.[...] una figura as apetecida es slo una incgnita si no averiguamos lo que de verdad nos trae, no que de ella vamos a buscar; cosa que puede o no coincidir con lo que de ella ha transcendido en otros momentos [...] y como criaturas del tiempo ya ido, son enigmas que necessitan una nueva interpretacin [...]. Pues todo lo que pertence al pasado necessita ser revivido, aclarado, para que no detenga nuestra vida (ZAMBRANO, 1992, p.14).

Assim, um estudo dos pensamentos de Ccero e de Sneca demonstra que, mesmo guardando as devidas diferenas de tempo, de preocupaes e objetivos que os particularizam, possvel verificar que esses autores no ficaram limitados aos seus momentos histricos, mas invadiram outros tempos, distanciados dos seus, num processo dinmico e criador que evidencia a validade de seus pensamentos em outras sociedades. Estudar essas influncias seria de grande valia, especialmente para o campo educacional. Para estudar a permanncia dos pensamentos de Ccero e Sneca seria necessrio visitar distintos momentos histricos, realizar um exerccio arqueolgico para proceder ao levantamento de suas prdigas contribuies aos pares desses diferentes tempos. Consideramos que um estudo dessa natureza extremamente importante para o campo dos fundamentos histricos e filosficos da educao. Em suma, o que se quer esclarecer com esta discusso que esses pensares, preocupados com a formao e at mesmo com a regenerao do homem, seja de um grupo seja da sociedade, so perenes porque encontram vida no tempo (LEFORT, 1994, p.123). Com essa conquista, ganham a condio de efetividade e permanncia e, portanto, esto sempre disposio do processo educativo, desde que os educadores estejam abertos a conhec-los. No podemos nos esquecer de que as ideias expressas nesses documentos, embora tenham tido origem no passado e pertenam ao passado, no esto mortas: ao ser crivadas,30

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analisadas e compreendidas historicamente, tornam-se passveis de ser incorporadas ao pensamento atual, constituindo uma herana em proveito do caminhar educativo contemporneo (MARAVALL, 1967, p.195). Dessa maneira, a pesquisa em Histria da Educao na Antiguidade, respaldada no dilogo estabelecido com as fontes e orientada pelo mtodo, contribui para uma maior compreenso da forma como as questes educativas so pensadas pela teoria da educao na atualidade. Em termos conclusivos, vale enfatizar que, em que pesem as crticas ao estudo do fenmeno educativo da Antiguidade e ao fato de que estas desconsideram seu processo dinmico e criador e as possibilidades de que ele contribua para o pensar educacional na atualidade, ele, a exemplo de qualquer outra investigao histrica, lana mo de fontes e mtodos em busca de sustentabilidade cientfica. Ou seja, o valor e a originalidade desse tipo de pesquisa tambm pode ser aquilatado pelo apelo s fontes e aos mtodos, no caso, legados escritos, testemunhos diretos ou contemporneos do objeto a ser investigado. Vale enfatizar tambm que a ligao direta dessas heranas culturais e, por extenso, educacionais com objeto de pesquisa um equvoco. Essa relao deve ser submetida ao crivo crtico do pesquisador e busca das pistas que elas tm a oferecer para a soluo do problema levantado. Por meio desse exerccio, que reivindica reflexo, interrogao, problematizao, possvel enunciar os valores caractersticos, traar o entorno e demarcar um problema digno de ser desvendado. Com os recursos do mtodo, institui-se uma marcha ordenada intelectualmente, cuja finalidade chegar a um dado conhecimento ou demonstrar, por meio de raciocnio concludente, o que se situou como verdade. Trata-se, portanto, de uma operao consciente e organizada, que possibilita a elaborao de uma prtica reflexiva e tem como resultado a produo de ideias acerca do que se problematizou. Dispor de um mtodo e de fontes condio precpua para que a realizao de uma pesquisa em Histria da Educao na Antiguidade seja merecedora de credibilidade e respeitabilidade acadmica e cientfica.

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Desses referenciais depende, em grande parte, a legitimidade do estudo e da pesquisa em Histria da Educao na Antiguidade. O trnsito e o dilogo com fontes, apoiados em um mtodo, nos auxiliam a descobrir que os princpios ticos e morais defendidos naquele momento para fazer do homem um ser virtuoso e melhor, de forma a atender aos reclamos e necessidades daquela sociedade, aproximam-se dos complexos problemas que os homens enfrentam na atualidade. Ao mesmo tempo, levam ao entendimento de que as preocupaes com o aperfeioamento do homem apresentam traos de semelhana em todos os tempos, lugares e culturas, mas, a rigor, assumem diferentes perfis e funes de acordo com as particularidades de cada poca. Finalmente, reiteramos a importncia de se investigar as possveis contribuies das propostas educacionais da Antiguidade para o presente. Sua investigao, com base nos referenciais aqui propostos, pode e deve contribuir para o robustecimento do processo formativo, para a criao de atitudes e hbitos intelectuais, ticos e morais prprios dessa esfera profissional e cientfica.

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PESQUISA HISTRICA: O TRABALHO COM FONTES DOCUMENTAISMargarita Victoria Rodrguez

A pesquisa histrica exige que o pesquisador tenha domnio do contedo histrico e pressupe o prvio conhecimento da metodologia do trabalho cientfico, ou seja, a capacidade de conhecer e utilizar tcnicas, instrumentos de coleta e procedimentos para a anlise das fontes coletadas, referentes a um determinado objeto de pesquisa. Tambm os professores que lidam com o ensino de histria so desafiados a abordar o passado cientificamente, levando em considerao a historiografia e as estratgias das prticas pedaggicas. Embora existam diferenas entre as atividades que desenvolve o pesquisador e as que realiza o professor de histria, em ambos os casos requerem-se amplos conhecimentos tericos e metodolgicos, porque o ensino envolve pesquisa e trabalho com fontes documentais. O processo histrico uma espiral, na qual o pesquisador se situa no centro, ou seja, no interior do campo histrico. Marx e Engels assinalam que a histria a[...] sucesso de diferentes geraes, cada uma das quais explora os materiais, os capitais e as foras de produo a ela transmitidas pelas geraes anteriores, ou seja, de um lado, prossegue em condies completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de outro, modifica as circunstncias anteriores atravs de uma atividade totalmente diversa (MARX e ENGELS, 1977, p. 70).

Embora exista uma regularidade nos fenmenos sociais, a vontade humana intervm nos acontecimentos histricos. So os prprios homens que fazem a sua histria, mas no de modo arbitrrio, seno sob certas condies determinadas. Assim, devese abordar especificamente a histria da educao, tentando evitar as formulaes tradicionais que a concebem como uma atividade terica e prtica que descreve objetivamente como os povos produziram, transmitiram e distriburam seus saberes.

PESQUISA HISTRICA: O TRABALHO COM FONTES DOCUMENTAIS

A pesquisa da histria da educao deve superar os limites tanto dos paradigmas tradicionais, que tendem a analisar os processos educacionais de forma autnoma em relao ao desenrolar da ao educativa, quanto da chamada histria das mentalidades ou nova histria cultural, que pretende acabar com a velha histria da pedagogia. Ao se deslocar o foco para as expresses cotidianas do imaginrio dos agentes educativos, d-se origem a mltiplas histrias dos saberes pedaggicos, histrias essas diferentes, divergentes e at mesmo contrapostas entre si, impedindo sua articulao numa histria unificada (SAVIANI, 1999). Embora a inteno seja superar a viso tradicional, no implica necessariamente a renncia compreenso articulada e racional do movimento objetivo em favor de uma abordagem relativista e fragmentada. Sob o ponto de vista metodolgico, tanto a pesquisa como o ensino da histria devem privilegiar a anlise de longa durao, que prioriza a sntese sobre a anlise, ou seja, parte-se das fontes disponveis na busca da construo de snteses explicativas, sejam elas j consagradas ou que se pretendem inovadoras. A adoo do critrio dos movimentos histricos orgnicos e conjunturais permite elaborar uma periodizao que tambm leva em considerao os eventos de tempo curto (BRAUDEL, 1992). Os movimentos orgnicos so relativamente permanentes, enquanto que os movimentos conjunturais so ocasionais, imediatos, quase acidentais (GRAMSCI, 1975). Essa abordagem possibilita a captao do processo histrico em sua unidade dinmica e contraditria. Para a anlise da estrutura, necessrio, constatar, a diferena entre os movimentos orgnicos e os conjunturais. fundamental desenvolver uma metodologia que permita entender as contradies internas da estrutura social dos diferentes perodos histricos, com o intuito de estudar essas ondas em suas diversas oscilaes, facilitando a reconstruo das relaes entre estrutura e superestrutura e entre o desenvolvimento do movimento orgnico e do movimento da conjuntura. Dado que a histria um processo contnuo, constitudo por rupturas e descontinuidades, e no uma mera somatria de fatos, o estudo histrico entendido como uma construo social, e no uma sucesso linear de fatos. No se36

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trata, portanto, de um desencadeamento incessante de causas e efeitos que se sucedem num dado espao e tempo. Tanto a sociedade quanto a realidade so dinmicas e concretamente definidas. Assim, a histria constitui-se num processo dinmico e transformador, medida que se torna [...] o eixo da explicao e compreenso cientficas e tem na ao uma das principais categorias epistemolgicas (FAZENDA, 1997, p. 106). Os historiadores visam anlise das sucessivas mudanas das estruturas econmicas e da formao das classes sociais ao longo do tempo. Procuram compreender e explicar esse processo dinmico, a partir do estudo e da interpretao das provas, vestgios materiais, documentos disponveis do passado. Essa tarefa requer critrios especficos para discriminar e selecionar as fontes que se pretendem analisar para entender os inmeros fatos e fenmenos que aconteceram no passado. Entretanto, a coleta de documentos de diversa ndole uma atividade muito frequente nas instituies educativas. A catalogao de fontes, a organizao e a anlise que permita uma interpretao do material so aes que envolvem tanto o professor como os alunos, propiciando um aprendizado que visa valorizao da histria e do acervo histrico. Tambm implica a visita a diversos espaos que renem documentao, como arquivos, bibliotecas, hemerotecas, fonotecas, museus, entre outros. O manuseio das fontes documentais uma ferramenta necessria para poder interpretar, criticar a fonte pesquisada e, consequentemente, construir conhecimento histrico. Apesar dos avanos acadmicos na formao de professores, as instituies formadoras ainda tm muita dificuldade para introduzir os estudos das fontes histricas como contedo programtico e como estratgias didtico-metodolgicas para o ensino da histria. Cabe destacar que existem vrios Grupos de Pesquisa no Brasil1 - muitos deles vinculados aos1

Podemos mencionar, entre outros, os trabalhos que desenvolvem o Grupo de Pesquisa Memria, Histria e Educao MEMRIA (UNICAMP); Grupo de Pesquisa em Ensino de Histria/UFMT; Grupo de Estudo e Pesquisa em Histria, Educao e Sociedade GHES, da Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES; Laboratrio de Estudos e Pesquisas em Ensino de Histria LABEPEH (UFMG); Grupo de Pesquisa: Educao e Histria: cultura

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Programas de Ps-Graduao - que contribuem para o conhecimento e o debate sobre a pesquisa e o ensino de histria. Salienta-se, ainda, que, a partir das reformas curriculares implantadas nos anos 1990, intensificaram-se as discusses e o interesse sobre a utilizao das fontes documentais nas prticas de ensino de histria. A pesquisa em arquivos e centros de documentao Embora se registre um grande avano com respeito importncia da conservao das fontes documentais para o conhecimento do patrimnio cultural e histrico, pesquisadores, professores e alunos defrontam-se com muitas dificuldades para desenvolver as pesquisas histricas. Em geral, os arquivos e os locais onde se guardam essas fontes apresentam muitos problemas de acesso e conservao. A Amrica Latina caracteriza-se por sua formao social multicultural, multitnica, plurilngue, e conta com um patrimnio arqueolgico, histrico, artstico e etnolgico muito rico e complexo. Esse patrimnio um elemento fundamental para a constituio da identidade das diversas naes do continente. As aes governamentais para promover a pesquisa, a conservao e a divulgao de sua histria intensificaram-se no final do sculo XX, motivadas pela luta que inmeras instituies de pesquisa e pesquisadores empreenderam em defesa da preservao do patrimnio histrico, mas os programas oficiais ainda so insuficientes. Pases como Mxico, Argentina, Brasil e Peru so influenciados por documentos2 e recomendaes, produzidos emescolar e prtica pedaggica (Universidade Tuiuti do Paran); Grupo de Pesquisa Histria e Educao: saberes e prticas - GRUPHESP (Faculdade de Educao da Universidade Federal Fluminense); Grupo de Estudos e Pesquisas em Histria da Educao (UFS); Grupo de Estudos e Pesquisas em Histria da Educao (UFMG). 2 A Carta de Atenas, aprovada pelo Congresso Internacional de Restaurao de Monumentos (1931); O Tratado sobre a proteo de Instituies artsticas e cientficas e monumentos histricos. Pacto de Roerich, (Estados Unidos, abril de 1935); Conveno Cultural Europeia (Paris, dezembro de 1954); A Carta de Veneza (Carta Internacional sobre a Conservao e Restaurao de Monumentos e Stios; 1964); As Normas de Quito, definidas pela Reunio

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encontros internacionais e nacionais, promovidos por instituies que regulam a organizao de arquivos e museus em nvel mundial. Porm, as polticas de preservao do patrimnio ainda so deficientes, tanto no tratamento das fontes como na sua catalogao e conservao, especialmente por falta de verbas destinada pesquisa histrica e manuteno dos arquivos existentes. Dado que a preservao do capital cultural um assunto de interesse pblico, o papel do Estado fundamental na gesto e articulao de polticas pblicas que se coadunem com as iniciativas da sociedade civil. Tambm as instituies educativas tm um papel importante no processo de pesquisa, organizao e conservao do patrimnio cultural. Lidar com fontes histricas implica planejamento e procedimentos metodolgicos, alm do domnio de conceitos e categorias do Mtodo da Histria. Para pesquisar em arquivos histricos, requer-se um preparo especfico. A seguir, distinguiremos os diferentes locais onde o pesquisador pode encontrar fontes histricas:sobre Conservao e Utilizao de Monumentos e Lugares de Interesse Histrico e Artstico (1967); A Recomendao relativa proteo da beleza e do carter dos locais e paisagens (1962) e a Recomendao sobre a proteo no mbito nacional do patrimnio cultural e natural (Paris, 1972), aprovadas pela Conferncia Geral da UNESCO; Bruges Resolutions ( Resolues para a Conservao de pequenas Cidades Histricas, IV Assemblia Geral do ICOMOS, Rothernburg ob der Tauber, maio de 1975); Conveno sobre a proteo do Patrimnio Arqueolgico, Histrico e Artstico das naes americanas (San Salvador, junho de 1976); Nairobi Recommendations Recomendaes concernentes Salvaguarda e Papel Contemporneo de reas Histricas (Nairobi, novembro de 1976); A Carta de Burra, adotada pelo International Council of Monuments and Sites ICOMOS- (Austrlia, 1979 y revises de 1981 y 1988) para a conservao de Locais de Cultural significado; Carta de Florena (Comit Internacional de Jardins Histricos, ICOMOSIFLA, Florena, maio de 1981); Deschambault Declaration (Carta de Quebec para a Preservao de seu Patrimnio, Quebec, abril de 1982); Declarao de Roma (Comit Nacional Italiano, junho de 1983); Carta de Washington (Carta para a conservao de cidades histricas em reas urbanas Assembleia Geral do ICOMOS, Washington, outubro de 1987); Primeiro Seminrio brasileiro sobre a preservao e a revitalizao de centros histricos, ICOMOS (Brasil, julho de 1987); Carta de Nova Orleans (Nova Orleans, 1992); Carta para a proteo de Cidades Histricas nos Estados Unidos ICOMOS/US (Comit sobre as Cidades Histricas, Washington, maio de 1992); Carta de Nova Zelndia (Carta para a Conservao de Lugares de Valor Patrimonial Cultural, Nova Zelndia, outubro de 1992).

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a) Arquivos Pblicos: podem ser instituies internacionais, nacionais, estaduais, locais; arquivos militares; judeus; universitrios; hospitalares; porturios; legislativos, entre outros. b) Arquivos privados: eclesisticos do bispado; episcopais; catedralcios; paroquiais, conventos, seminrios, confrarias e irmandades; museus, arquivos de imprensas; familiares. c) Arquivos de procedncia privada, mas de propriedade, gesto e acesso pblico: renem colees e documentos produtos de doaes de arquivos e bibliotecas pessoais ou de uma famlia que so cedidos para visitao e utilizao pblicas. d) Bibliotecas pblicas e privadas: centros que contam com acervos bibliogrficos e, em alguns casos, tambm dispem de hemerotecas, que renem peridicos e revistas. e) Museus pblicos e privados: conservam documentos e artefatos diversos. Muitos so instituies cientficas que contam com hemeroteca e biblioteca e podem reunir peas de origens antropolgicas, materiais etnogrficos e artesanais, organizados em salas e acompanhados de material informativo. Como temos assinalado, a prtica histrica origina-se num projeto de pesquisa que serve de eixo articulador do trabalho a ser realizado. Pressupe a definio de um objeto de pesquisa e a elaborao de questes norteadoras ou de hipteses a serem investigadas. Alm de [...] conhecimento prvio do contexto social, cultural e material a ser estudado (SAMARA e TUPPY, 2007, p. 11). Portanto, um dos primeiros passos para o estudo histrico e a leitura crtica dos documentos a realizao de um levantamento bibliogrfico que vise a aprimorar o conhecimento produzido a respeito do objeto de pesquisa, permitindo reconhecer as contribuies temticas e identificar lacunas na produo existente. Outro aspecto precpuo a delimitao do perodo a ser estudado. O perodo histrico o lapso de tempo que se caracteriza por determinados fatores e agentes que configuram com sua permanncia uma estrutura estvel que evolui de modo imperceptvel e que se configura num espao de inteligibilidade histrica (ARSTEGUI, 1995). O trabalho com documentos exige a definio de uma periodizao adequada que situe claramente o pesquisador no

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tempo histrico. Para tanto, segundo Bauer (1982), devem-se considerar trs aspectos: 1. Cada perodo deduz-se de seu objeto, ou seja, baseado em fatos histricos propriamente ditos ou no contexto e circunstncias que abarca. Deve-se evitar a utilizao de concepes presentistas no julgamento e posterior segmentao temporal. 2. Todo perodo histrico deve reunir uma srie de caractersticas prprias, que o delimita e configura, distinguindo-se claramente do perodo que lhe precede e do que lhe sucede. No se devem adotar posicionamentos de rupturas inapropriados ou inexatos. 3. Para distinguir os perodos, devem-se adotar critrios de anlises de natureza uniforme, porque o uso de diferentes critrios pode originar distintas periodizaes complementares (BAUER, 1982). A periodizao resulta de uma reflexo sobre permanncias e mutaes nos modos de produo e nas formas de organizao que as sociedades adotam num dado espao e tempo. Assim, em cada perodo histrico so produzidos inmeros documentos que do conta do processo histrico. primordial observar e definir claramente que tipos de documentos sero analisados para entender um dado perodo histrico. Mas a definio do documento histrico depende da formao cientfica, da opo metodolgica e da postura ideolgica do pesquisador. Tambm muda no tempo e no espao, em funo dos prprios avanos da produo e da pesquisa historiogrfica. Considera-se o documento histrico:[...] uma referncia fundamental, concretizada em objetos, provas, testemunhos, entre os outros referenciais, que, ao garantirem a autenticidade ao acontecimento, distinguem a narrativa histrica da fico literria. Sendo registros acabados de um fato, em si mesmo, porm poucas informaes podem oferecer sem uma anlise crtica especializada. As explicaes que proporcionam sobre o passado dependem do tipo de organizao o mtodo adotado por cada pesquisador (SAMARA e TUPPY, 2007, p. 19). 41

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As fontes histricas, segundo Topolsky (1985), podem ser diretas ou indiretas e fontes escritas ou no escritas. As fontes diretas so as informaes a respeito de acontecimentos e sucessos que no foram interpretados; fontes indiretas so aquelas que oferecem informao intencionada transmitida por intermedirios. Segundo a classificao tradicional ainda utilizada pelos historiadores as fontes podem organizar-se em: a) Fontes escritas: realizadas sobre material duro ou em pedra; tambm sobre material brando (papiro, pergaminho ou papel, cdices ou documentos soltos); ou fontes impressas (crnicas, histricas, colees de documentos, edies crticas de manuscritos). Essas fontes so tambm chamadas de documentais. b) Fontes materiais: aqueles vestgios que no so documentos, tais como utenslios, mveis, vestimentas, fsseis, pinturas, construes, monumentos, entre outros. c) Fontes orais ou tradicionais: so informaes e conhecimentos de fatos histricos que se transmitem e se mantm pela tradio oral, mas que, quando so escritas, se transformam em fontes escritas. A coleta de depoimentos orais aproxima-nos do passado recente. A memria dos adultos, especialmente informantes do entorno mais imediato, fornece informao sobre os ltimos anos das cidades, ofcios, objetos, trabalhos, festas, costumes, acontecimentos sociais, polticos, militares, entre outros. A partir das contribuies de outras cincias, foram incorporadas nas pesquisas histricas novas fontes: 1) Fontes iconogrficas: pinturas ou esculturas; 2) Fontes grficas e imagem: fotografias, postais, ilustraes, gravaes, retratos, cinema e televiso; 3) Fontes arqueolgicas; 4) Fontes hemerogrficas: peridicos, revistas, jornais, boletins, monografias, entre outras; 5) Fontes informatizadas e novas tecnologias. Todas essas fontes so excelentes meios para se conhecer o passado; sua interpretao exige um exerccio prvio de contextualizao histrica. Anlise crtica das fontes documentais O documento [...] o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da histria da poca, da sociedade que42

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o produziu, mas tambm das pocas sucessivas durante as quais continua a viver [...] (LE GOFF, 1984, p. 103). E, como afirma Rodrguez (2004, p. 26):Toda comunicao escrita ou oral pressupe a existncia de um locutor (eu), um interlocutor (tu) e o lugar (aqui) e o tempo (agora). Por Um lado, o sujeito locutor tem sempre um contrato (contrato de discurso); est preocupado com aquele que vai ler. Por outro lado, pertence a um grupo, que possui, tambm, um contrato e est inserido num contexto histrico, social e ideolgico determinado.

Portanto, a produo do documento no se fecha em si mesma; ela est contextualizada e adquire conotao histrica medida que reflete ou explica um fato e um tempo especficos da produo humana, seja ela material ou simblica. Sendo assim, o pesquisador tem que levar em considerao que os documentos[...] so elaborados por pessoas de pocas e grupos sociais diferentes, e a produo destas pessoas permeada de elementos determinantes, seja pelo cargo que ocupa ou pela sua prpria insero social. Em tal sentido, o historiador deve ficar muito alerta e no pode esquecer o contexto da produo dos textos (RODRGUEZ, 2004, p. 26).

O ofcio do historiador executa-se mediante a localizao de diversos tipos de registros. Por conseguinte, o pesquisador, uma vez que escolhe a fonte documental escrita, oral, artefatos, entre outras - dever observar alguns procedimentos bsicos de trabalho para a anlise de contedo: 1. Verificar a relevncia do documento para o entendimento do objeto de pesquisa, ou o assunto a ser estudado, classificando aquelas fontes consideradas principais e secundrias.

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2. Anlise contextual: verificar e questionar os aspectos econmicos, sociais, polticos, psicolgicos e institucionais que envolvem o documento produzido. 3. No caso das fontes escritas, constatar se foi elaborada pelo narrador ou se foi um fato contado a ele por outro sujeito, ou seja, verificar o foco narrativo. 4. Realizar uma exaustiva leitura do documento para comparar os elementos internos dos textos e compreender a lgica interna do documento, para detectar possveis contradies ou incoerncias. Conforme o perodo histrico, os documentos so classificados e organizados de diversas formas, adotando diferentes nomeaes, de acordo com o contedo. Segundo Samara e Tuppy (2007), em funo do tema escolhido e do perodo estudado - colonial, monrquico e/ou republicano podem-se encontrar nos arquivos os seguintes documentos: - listas nominativas de habitantes, conhecidas, tambm, como maos ou mapas de populao. Primeiros levantamentos populacionais registrados a partir do sculo XVIII, com objetivos militares, estratgicos e fiscais. So listas nominais de todos os habitantes das vilas e contm informaes sobre as residncias e propriedades, com dados sobre parentesco, condio social, origem familiar e racial, entre outros. - recenseamentos gerais da populao: censos demogrficos da fase pr-estatstica e proto-estattica, Essas fontes trazem informaes a respeito da populao num determinado tempo (tamanho, distribuio territorial, sexo, idade, etnia, situao conjugal, religio, educao, ocupao, profisso, entre outras). - autos de Querela: registram contendas entre indivduos queixas por maus tratos, discriminao, ofensas-, revelando os confrontos de interesses, especialmente no perodo colonial. - registros de batismo, casamento e bito: documentos regulamentados pela Legislao Eclesistica eram registros civis e notariais semelhantes aos do perodo republicano. Os registros de batismo incluem o nome da criana, dos pais, dos padrinhos e dos proprietrios (caso fosse um escravo), estado conjugal e freguesia a que pertenciam. O assento do casamento era realizado44

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em livros diferentes para os casamentos entre homens e mulheres livres, libertos e cativos, e continham dados sobre o nome dos noivos, dos pais e dos padrinhos, assim como a assinatura do padre responsvel pelo ritual; o local da realizao da cerimnia, a natureza da filiao (legtima, ilegtima, exposta) dos noivos, o estado civil dos pais e dos noivos, o local de batismo e a residncia. Os registros dos falecimentos tm dados sobre a data do bito, o nome do falecido, a assinatura do padre responsvel pelo ritual fnebre, o local do enterro, o modo em que se amortalhava o corpo, e a causa da morte (SAMARA e TUPPY, 2007, p. 90). - inventrios: so documentos processuais que guardam o arrolamento da acumulao da fortuna de todo o ciclo de vida de um indivduo. - testamentos: so documentos que expressam as ltimas vontades de um sujeito nos momentos prvios sua morte, renem registros histricos, apresentam relatos individuais, e expressam, em muitos casos, os modos de vida coletivos e o comportamento de uma sociedade ou grupo social. - documentos de Cmara: registram informaes sobre as atividades legislativas do perodo colonial. As Atas da Cmara contm nomes dos vereadores, data e local das sesses ordinrias e os assuntos discutidos. Os Registros da Cmara apresentam diversos contedos, incluem registros de correspondncias, atestado de nobreza, diversas peties, aldeamentos indgenas, entre outros. O Livro de datas das terras registra dados da cesso das terras aos moradores e inclui os dados das peties. - processos de divrcio e nulidade de casamentos: renem informaes sobre a instituio do matrimnio do perodo colonial e monrquico. A igreja resolvia os casos de divrcio e de nulidade dos casamentos. - processos-crime: apresentam listas de infraes. No mbito eclesistico, renem informaes sobre recusas de pagamentos de dzimo, disputas pela organizao das festas litrgicas, desobedincia da autoridade religiosa, delitos contra a moral, desvios sexuais, entre outras. Nos perodos colonial e republicano, os autos cveis, ligados ao foro pblico, registravam as aes que prejudicavam o bom andamento da vida cotidiana injrias, insultos, assassinatos, roubos, furtos, etc.45

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- cartas de legitimao: documentos da monarquia portuguesa. Eram pedidos de reconhecimento de prole ilcita enviados ao rei. - livros de devassas e visitaes: registram as Visitaes do Santo Ofcio da Inquisio, durante o perodo colonial, durante as quais se identificavam e castigavam os infiis. Nos livros encontram-se inmeras informaes sobre hbitos, costumes, medos, crenas, relaes comerciais, entre outras. - processos de Genere, Vitae ET Moribus: so investigaes sobre as origens tnicas e sociais, e os antecedentes morais dos candidatos carreira sacerdotal. - livro do Tombo e documentos relativos s irmandades, recolhimentos, seminrios, confrarias e santas casas: renem diversas informaes sob a tica religiosa; registravam informaes sobre a vida cotidiana. - dispensas matrimoniais e processos de esponsais: documentos do perodo colonial, que regulamentavam a realizao de casamentos. - outros documentos eclesisticos: prprios do perodo colonial, tais como Rol das diversas freguesias relatrios de procos que visitavam as vilas para registrar e investigar o comportamento moral dos indivduos; Rol dos confessados ou Rol da desobriga arrolamento anual realizado pelo proco da freguesia ou vila, a respeito da situao espiritual de cada fiel, perante os sacramentos obrigatrios; Status Animarum um documento similar ao anterior, trata-se de uma listagem de todas as pessoas; Livros de ordenao e votos relao nominal dos sacerdotes ordenados, com diversos dados pessoais. - outras listagens civis: fornecem diversos dados demogrficos, reunidos em listas de regimentos de milcias e listas de matrculas de escravos. - documentos sobre imigrao e ncleo coloniais: renem dados sobre a imigrao do pas nas ltimas dcadas do sculo XIX e na primeira metade do XX. - documentos de polcia: registros das aes repressivas do Estado, livros de ocorrncia, fichas de arquivo, pronturios de indivduos, instituies, sindicatos e partidos. - processos de tutela: registravam as nomeaes dos juzes de tutores para os rfos.

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- processos de cobrana, execuo e adjudicao de bens: registravam dvidas no quitadas, e envolviam casas contratadoras de caf e agricultores. - documentos pessoais e entrevistas: constituem acervos pessoais que renem dados da vida de indivduos notrios correspondncias, dirios pessoais, agendas e autobiografias. Embora se verifique a existncia de vrios tipos de documentos escritos, ainda [...] no do conta, porm, do amplo leque de fontes primrias e secundrias utilizadas pelos historiadores nas ltimas dcadas (SAMARA e TUPPY, 2007, p. 115). Alm disso, a pesquisa histrica no se limita apenas utilizao de fontes escritas. Verificam-se muitos estudos que se valem de diversos registros, de acordo com o objeto de estudo. Enfim, dada a diversidade das fontes documentais e os diferentes espaos de conservao, o pesquisador deve contar com um projeto de pesquisa no qual se delimitem o perodo histrico e o objeto a ser estudado, evitando-se a disperso e a perda do foco da pesquisa. Tambm importante contar com uma adequada formao acadmica, que permita selecionar a bibliografia pertinente para a elaborao do referencial terico, e questionar os documentos histricos de forma sistemtica. Com efeito, o ofcio do historiador est em constante transformao. As possibilidades de pesquisa so infinitas, dadas as inmeras possibilidades que oferece a abrangncia de fontes disponveis, situao que propicia, tambm, o estudo crtico da histria em sala de aula, em todos os nveis e etapas do ensino.

REFERNCIAS ARSTEGUI, Julio. La investigacin histrica: teora y mtodo. Barcelona: Crtica, 1995. BAUER, Guillermo. Introduccin al Estudio de la Historia. Barcelona: Bosch, 2o edio, 1970. BRAUDEL, F. Histria e cincias sociais: a longa durao. In: Escritos sobre a histria. So Paulo: Perspectiva, 1992.

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FAZENDA, Ivani. Metodologia da Pesquisa Educacional. So Paulo: Cortez Editora, 1997. GRAMSCI, Antonio. Quaderni Del crcere. Torino: Einaudi, 1975, v.3. KOSIK, Karel. Dialtica do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Encilopdia Einaudi. V.I Memria e Histria. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia Alem. So Paulo: Grijaldo, 1977. RODRGUEZ, Margarita Victoria. A pesquisa documental e o estudo histrico de polticas educacionais. In: O Guardador de Inutenslios. Cadernos de Cultura. n. 7, p. 17-30, maio 2004. SAMARA, Eni de Mesquita e TUPY Ismnia Spnola Silveira Truzzi. Histria & Documento e metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autntica, 2007. SAVIANI, Dermeval e outros. Pesquisa em Histria da Educao. Perspectivas de anlise, objetos e fontes. Belo Horizonte: HG Edies, 1999. TOPOLSKY, Jersy. Metodologa de la historia. Madrid: Ediciones Ctedra, 1985.

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HISTRIA ORAL COMO FONTE: APONTAMENTOS METODOLGICOS E TCNICOS DA PESQUISAMagda Sarat Reinaldo dos Santos

A Histria Oral como possibilidade metodolgica tem sido utilizada muito recentemente, e nem sempre, esteve dentro da academia como recurso terico metodolgico, espao onde ficou durante muito tempo a margem da historiografia e das pesquisas histricas. Nos ltimos anos ela tem tido um espao significativo e passou a ser mais uma ferramenta na pesquisa que permite ao historiador responder suas indagaes, assim como permitiu dar visibilidade a diferentes grupos sociais, por se tratar de uma histria recente que usufrui da fonte oral como possibilidade de pesquisa. Este trabalho pretende apresent-la como metodologia, apontar alguns motivos que nos faz utiliz-la em nossas pesquisas e, por fim, apontar alguns modos de produzir a documentao, as tcnicas e as possibilidades de realizar um trabalho que tenha a Histria Oral como fonte. As origens da Histria Oral O nascimento da Histria Oral se d na metade do sculo XX como uma tcnica de produo de documentao histrica, criada por Alan Nevis em 1948, historiador da Universidade de Columbia, que comeou a gravar depoimentos de pessoas importantes na vida americana. Dessa forma modesta ela nasce. O intento da primeira gerao, na dcada de 50, era somente compilar material para historiadores futuros. Porm foi a segunda gerao, movida pelas mudanas ocorridas