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FORMAÇÃO DOCENTE: A TEORIA DA COMPLEXIDADE COMO FONTE DE
PESQUISA PARA A ANÁLISE DA ESCOLHA E DA PERMANÊNCIA DOS
DOCENTES NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO
Elaine de Oliveira Carvalho Moral QUEIROZ - Universidade MackenzieEixo 03: Formação do professor alfabetizador
1. Introdução
Os professores que alfabetizam, considerados no contexto da sala de aula,
revelam uma percepção de sua vivência profissional que tem na crítica da lógica do
sistema seus aspectos objetivos, mas que deixam emergir a subjetividade a partir
dessas considerações pessoais, levando em conta, além de suas singularidades, as
experiências, ações, percepções e sentimentos que revelam sua representação
acerca do fazer docente relativo a prática de alfabetização.
Ao considerar depoimentos de professores alfabetizadores analisados,
identificou-se a necessidade de levar em conta o conceito de subjetividade para
nortear esta reflexão:
Subjetividade é entendida como o espaço de encontro do indivíduocom o mundo social, resultando tanto em marcas singulares naformação do indivíduo quanto na construção de crenças e valorescompartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiênciahistórica e coletiva dos grupos e populações.(https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid)
Partiu-se da hipótese de que alfabetizar é uma prática profissional que implica
a subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo. Tanto quanto a criança o
professor deve ser compreendido em suas singularidades que se constituem na
conjunção do biológico, do social e o cultural.
Neste texto são analisados três depoimentos de professores que valorizam a
alfabetização e identificam nessa ação a possibilidade de partilhar o poder que o ler e
escrever confere ao alfabetizado.
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2. Tecendo a Complexidade na trama das entrevistas com as
professoras alfabetizadoras
Na Etimologia da palavra, Complexidade indica o conjunto de tudo o que é
“abraçado junto”, na ideia de que, na realidade, nada é desligado de nada. Tudo está
relacionado a tudo. Assim é caracterizada a subjetividade humana produzida pela
interação dinâmica e complexa de múltiplas condições. Ela está ligada a vários fatores
que a produzem, nas suas inter relações.
Em depoimentos de três docentes da área da alfabetização, atuantes em
escolas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na cidade de São Paulo investigou-
se as condições da permanência na profissão docente, analisada a luz da Teoria da
Complexidade de Edgar Morin. (QUEIROZ, 2009)
Um dos professores entrevistados aponta que “com certeza a postura do
professor é tudo! Não é o método que ele usa e sim a postura que ele tem, porque na
verdade você dá um poder na mão da criança para ela fazer o que deseja depois que
aprende a ler”.
Ao referir a postura do professor e não o método de ensino como fator decisivo
para ensinar a ler e ao propor que a criança pode fazer o que deseja depois de
aprender a ler, identifica-se na representação do professor o princípio hologramático
que segundo Morin (2005) “é um principio derivado da ideia de holograma. Um
holograma é uma imagem em que cada ponto contém a quase totalidade da
informação sobre o objeto representado” (p.302), que fundamenta a Teoria da
complexidade. Há uma promessa de se poder fazer o que se deseja pelas
possibilidades que a leitura e escrita desvela.
Podemos dizer que essa percepção é um imprinting cultural que “marca os
humanos desde o nascimento, primeiro com o selo da cultura familiar, da escolar em
seguida, depois prossegue na universidade ou na vida profissional” (MORIN, 2006 a,
p. 28), na ação do professor alfabetizador. Admite-se a leitura e a escrita como um
elemento de poder partilhado entre professor e alunos. A subjetividade envolvida
nessa afirmação revela uma condição importante da profissão docente. A Teoria da
Complexidade apresenta o princípio hologramático que, neste caso pode explicar o
quanto da cultura se apresenta nos processos de formação da criança e o quanto a
alfabetização, como processo de socialização, define elementos essenciais na
formação cultural dos membros da sociedade.
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A complexidade observada por Morin na constituição da realidade, indica uma
relação profunda entre os espíritos individuais e a cultura, organizando-se a partir
desse princípio hologramático, que permite identificar a cultura nos espíritos
individuais e estes mergulhados na cultura, produzindo-a.
A professora assume, contra seus próprios interesses e ratificando as
tendências de análise diagnóstica da esfera educacional, que para alfabetizar tudo
depende da postura do professor, que alfabetizar dependeria de sua postura. Esta tem
sido uma proposição das diversas agências que lidam com os diagnósticos sociais e
que são apropriados pela sociedade, para explicar, inclusive os resultados da
alfabetização.
A análise dos depoimentos levaram em consideração, ainda, um outro princípio
da complexidade, o princípio dialógico que de acordo com Morin (2005), é o princípio
que afirma que, na realidade, há forças opostas ou contrárias sempre atuando e que
são, por necessidade de funcionamento do real, ao mesmo tempo, complementares.
Lutam entre si e, nessa luta mantêm a realidade funcionando. Este princípio aponta a
possibilidade de se compreender a ação do alfabetizador, como a mediação possível
que articula as tensões da sala de aula. A postura do professor é o elemento forte
dessa dialogia.
A professora identifica o quanto a postura do professor ao abordar o aluno, faz
convergir para o entendimento entre aluno e professor, o aprender como possibilidade
de alfabetizar. Este princípio permite reconhecer o quanto de escolha esta posto no
contexto da sala de aula. Também permite corrigir a perspectiva da dependência da
postura do professor para alfabetizar. A postura de abrir o espaço da sala de aula para
incluir o sujeito aluno, em formação, resultaria numa nova postura para a
alfabetização, construída por esse coletivo aprendente. Outro princípio que colaborou para a compreensão da força da ação
profissional do alfabetizador diz respeito a circularidade recursiva. As expectativas
que se tem com relação ao professor alfabetizador são estabelecidas pela sociedade,
levando em conta a função social da escola. A tarefa do professor, por meio da escola,
é alfabetizar. A maneira como a alfabetização ocorre na sala de aula, portanto, além de
estar estabelecida como uma necessidade da sociedade, define como a sociedade
produz saberes e conhecimentos a partir das interações envolvidas nesse processo. O princípio recursivo que, nas palavras de Morin (1990, p.108) define como
“processos em que os produtos e os efeitos são, ao mesmo tempo, causas e
produtores daquilo que os produziu” permite afirmar que:
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[...] o indivíduo se forma como se estivesse num anel de produçãomútua indivíduo/sociedade no qual as interações entre indivíduosproduzem a sociedade; esta constitui um todo organizador, cujasqualidades emergentes retroagem sobre os indivíduos, incorporando-os (MORIN, 2005, p. 167).
Para ele, “se não houvesse uma sociedade e a sua cultura, uma linguagem, um
saber adquirido, não seríamos indivíduos humanos” (MORIN, 1990, p.108).
O estudo revelou que o professor percebe a essencialidade de sua ação
profissional e lida diretamente com múltiplos condicionantes e variáveis envolvidas no
processo de alfabetização.
Recorrendo a Morin (2006 a, p.100) pode-se afirmar que a sala de aula em que
ocorre a alfabetização, desvela as “possibilidades de se apreender em conjunto o texto
e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em
suma, o complexo, isto é, as condições objetivas e subjetivas” do comportamento
humano.
Alfabetizar é uma ação complexa incrustada na lógica da cultura. Pode ser
compreendida a partir dos princípios operadores da complexidade, e se organiza a
partir da escolha do sujeito que decide ser professor.
O pressuposto é que o professor alfabetizador se constitui, absorve, organiza e
reelabora elementos de sua cultura, articula esses elementos a suas condições
internas e partilha com seus alunos. Tanto o professor quanto seus alunos captam por
meio da percepção o que selecionam e interpretam do contexto sócio-cultural em que
estão inseridos.
Essa interpretação é processada com base em códigos internalizados de
valores, crenças e emoções que circulam na sociedade. Essa elaboração é pessoal e
resulta em conhecimento, de acordo com Schnitman (1996).
A sala de aula se organiza a partir da ordem e a desordem, marcada por
relações dialéticas. É possível compreender, por força dessa característica, os
conflitos ali existentes e ao mesmo tempo as possibilidades de reconstituição cotidiana
das práticas que envolvem o ensinar e o aprender. É nessa tensão que todos se
constituem.
A superação dos pontos de tensão, segundo Morin (2006a) , pode ocorrer
porque há o princípio dialógico, a nortear os confrontos que envolvem a ordem e a
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desordem, que produzem a organização da realidade, como conjunto, tecido junto,
multidimensional e em processo. Para o autor, o princípio dialógico permite manter a
dualidade no seio da unidade, associando os termos ao mesmo tempo
complementares e antagônicos. Assim ocorre a constituição da subjetividade humana.
Há nela contrários sempre em luta e ao mesmo tempo compondo-se e permitindo a
constituição de subjetividades que instituem modos de ser humanos.
Aos princípios da Teoria da Complexidade articulam-se as ideias de autonomia
e auto-organização propostas por Morin (2006b). A ideia de autonomia é inseparável
da ideia de auto-organização. Para ele, a ideia de autonomia depende de seu meio
ambiente, seja ele biológico, cultural ou social. Um ser vivo é autônomo, não
absolutamente, no seu meio ambiente, pois pode fazer por si mesmo muitas coisas,
mas depende dele para, por exemplo, abastecer-se de energia.
O mesmo se dá conosco em relação ao meio cultural do qual dependemos
para nossa expressão lingüística, nossos saberes e para tantas outras coisas. Esta
ideia permite a primeira aproximação com nossa questão central que é compreender a
escolha da profissão docente e a permanência nessa prática entre alfabetizadores. O
que deixa claro no depoimento da professora 1:
[...] as escolas dizem que a maior dificuldade é encontrar um bomprofessor alfabetizador e quando encontram, dificilmente vocêconsegue sair daquela sala. Só se você for para outra escola tentaruma outra sala, porque, na escola em que você está, você acabasendo cristalizado naquela situação de professor alfabetizador.Mas às vezes penso em procurar trabalhar em outro nível e mudarum pouco de sala para você não ficar meio que estigmatizado, comoaquela professora que só sabe alfabetizar e então não vai poder daraula de outro conteúdo ou em outro nível de ensino. Nesse aspecto,eu penso às vezes em mudar. (QUEIROZ, 2009, p. 36)
A fala da professora, tomada a partir da ideia de autonomia relativa e articulada
à ideia pragmática de eficiência ao alfabetizar, permite inferir que o processo de
alfabetização em sua condição histórica, contemporânea, no contexto da cidade de
São Paulo, refaz no cotidiano a lógica complexa em que o professor alfabetizador,
quando capaz de alfabetizar efetivamente, fica condenado a sua condição por ser raro
encontrar um bom profissional dessa esfera do ensino fundamental.
A professora que organizou uma boa prática docente acabou instituída como
referência para alfabetizar, porque o sistema de ensino não foi capaz de prever uma
movimentação na carreira docente que partilhasse o projeto de alfabetização. A
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professora refere o saber alfabetizar como condenação. Neste caso o princípio
recursivo, aplicado a esta situação, permite compreender que a ação minimamente
qualificada pela expectativa da sociedade com relação ao alfabetizar, retroaja sobre a
professora e esta sente-se cristalizada na condição de professora alfabetizadora. Os
sonhos de ministrar outros conteúdos, ficam adiados.
O mais relevante, todavia, é constatar que a professora percebe a prática da
alfabetização como ato profissional menor, já que considera a prática de alfabetizar,
recorrentemente, como estigma. É fundamental refletir sobre o fato do sucesso no
desempenho da função, que requer elevadíssimo grau de autonomia, para alfabetizar,
tornar-se um fardo, na esfera escolar.
Quando Morin (2008) fala de autonomia na dimensão do indivíduo, permite
compreender que cotidianamente o professor alfabetizador pode tomar iniciativas que
resultam em mediações a partir das quais a auto-organização se torna uma realidade
para o professor e para as crianças. Aqui podemos entender que os indivíduos, em
suas interações produzem a sociedade, que por sua vez com sua cultura, suas
normas, retroage sobre os indivíduos humanos e os produz enquanto indivíduos
sociais dotados de uma cultura. Surgiria assim o sujeito? Vejamos uma situação de
sala de aula em que a decisão do professor define o surgimento do sujeito:
[...] eu acho que é a sala mais difícil, que demanda do professor maiorcriatividade, que demanda desse professor muito estudo, muitoempenho, ficar buscando muitas alternativas, porque às vezes vocêestá usando um método específico de alfabetização que funcionacom 90% da sala e para os outros 10% não está funcionando, entãovocê tem que buscar, tem que estudar, tem que trazer atividadescriativas e isso demanda um tempo muito grande do professor.(professora 2; QUEIROZ, 2009, p.36)
O sujeito, pelo princípio da recursividade, se forma pela decisão da professora
em buscar o atendimento dos 10% da sala que não alcança bom desempenho criando
as possibilidades de aprendizagem para essas crianças.
Ser sujeito é, dentre outros aspectos, ser capaz de situar-se no centro do seu
mundo para computá-lo e computar-se. A partir daí, se constitui e institui o auto-ego-
centrismo (MORIN, 2008), ou seja, o caráter primordial e fundamental da subjetividade
do ser ao qual ele denomina de espaço egocêntrico que é ocupado pelo sujeito, que o
faz, incluindo e excluindo as mais diversas experiências existenciais ou as mais
diversas experiências de vida como percepções, pensamentos, fantasias e
sentimentos. Esta professora, que não escolheu qualquer contingente de sua sala
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para excluir, acaba excluída pela lógica do sistema de ensino e será “condenada” a
alfabetizar permanentemente, pois não se encontra alfabetizadores com facilidade.
Morin (2008) aponta o auto-ego-centrismo como sendo o caráter primordial e
fundamental da subjetividade ao qual ele denomina de espaço egocêntrico que é
ocupado pelo sujeito, que o faz, incluindo e excluindo as mais diversas experiências
existenciais ou as mais diversas experiências de vida como percepções,
pensamentos, fantasias e sentimentos. Os princípios da inclusão e da exclusão são
fundamentais na constituição da subjetividade humana. É uma ideia importante para a
noção de sujeito e, a partir dela, para a noção de subjetividade.
Esta reflexão permite aprofundar, ainda, as ponderações acerca da condição
da Professora do relato 1, com relação ao que declara quanto ao desejo de excluir a
recorrência de seu trabalho de alfabetização e a inclusão de outras perspectivas de
ensino.
O sentimento da professora, de impotência, diante do desejo de ampliar seu
percurso profissional esbarra num impriting e numa norma do sistema escolar:
professores jovens assumem tarefas árduas que professores experimentados rejeitam.
Isto exclui a competência, em tese, da esfera da alfabetização, por exemplo.
O desejo da professora em ensinar outros conteúdos em outras séries,
entretanto, não conflita com a ideia de plena alfabetização. Os anos iniciais do Ensino
Fundamental são destinados a estabelecer e consolidar a alfabetização e o letramento
das crianças, entre o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental.
Morin (2008, p.55) refere-se à subjetividade como o “ato fundamental de situar-
se no centro do seu mundo para conhecer”, e aí constituir o espaço próprio de como
ser cada um.
O professor em sala de aula fica comprometido com a necessidade de zelar
pela construção de espaços que equilibrem as inclusões e exclusões ao participar da
alfabetização das crianças.
Concomitantemente e concorrentemente, o princípio da inclusão é ao mesmo
tempo, complementar e antagônico ao princípio da exclusão. Assim ele explicita o
princípio da inclusão apontando:
[...] posso inscrever um “nós” em meu “Eu”, como eu posso incluirmeu “Eu” em um “nós”: assim, posso introduzir, em minhasubjetividade e minhas finalidades, os meus, meus parentes, meus
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filhos, minha família, minha pátria. Posso incluir em minhasubjetividade aquela (aquele) que amo e dedicar meu “Eu” ao amor,seja à pessoa amada, seja à pátria comum. (...) Ou seja, temos todos,em nós, este duplo princípio que pode ser diferentemente modulado,distribuído; ou seja, o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e adevoção absoluta. (MORIN, 2002, p.122)
A subjetividade humana é um tecido de muitos fios, de muitas relações. E é
importante levar em conta as relações que a produzem. Essa concepção pode trazer
indicações importantes para a compreensão da subjetividade do professor
alfabetizador e principalmente para a compreensão de elementos desta sua
subjetividade que podem ter influído na sua dupla escolha: a de ser professor
alfabetizador e a de permanecer nessa profissão. Esse sentimento de pertencer que
estabelece a possibilidade de sermos nós, será fundamental para a gestão didática da
sala de aula de alfabetização.
Esta concepção oferece uma compreensão da subjetividade articulando seus
aspectos sociais, culturais e biológicos. É preciso entender a subjetividade como
organização do mundo interno (vivências, experiências, valores, razões, paixões,
vontades, desejos e conflitos) e do mundo externo (social e profissional) e suas
interdependências, bem como é necessário levar em conta os componentes biológicas
dessa realidade.
O sujeito nem sempre tem plena consciência do sentido do seu agir. As
determinações ou motivações do agir são as mais diversas e se alojam na
subjetividade de tal modo que nem todas elas podem ser claramente percebidas e,
muito menos, analisadas conscientemente. Podem ser conhecidas ou desconhecidas
e, em decorrência disso, isto é do risco do seu desconhecimento, podem trazer ilusões
e ingenuidade a seu respeito. Daí a necessidade de investigar a seu respeito.
O que dizem os professores que declaram ter escolhido serem professores
alfabetizadores? Será que eles escolheram ou foram escolhidos? É o que se tentará
mostrar a seguir. Espera-se obter iluminações ou mais lucidez sobre a prática dos
professores alfabetizadores e contribuir assim para o avanço do entendimento desta
prática e da melhor maneira de conduzi-la. Há sempre o risco dos erros, como diz
Morin:
[...] o conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoria, é ofruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e dopensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Esteconhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta ainterpretação, o que introduz o risco de erro na subjetividade do
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conhecedor, de sua visão de mundo e de seus princípios deconhecimento (MORIN, 2000, p.20).
Conhecer é, portanto um ato autônomo. Ainda que relativo. Implica o risco da
interpretação e, portanto pressupõe a certeza da construção e a possibilidade da
reconstrução.
Por hipótese pode-se afirmar que ser professor é correr o risco desse
permanente construir e reconstruir. Vejamos o que diz a Professora 1, na continuidade
de seu relato:
[...] aí é que entendo que quando um adulto não é alfabetizado ele sesente inferiorizado, porque ele não tem o poder da leitura, isso émuito sério! O professor da alfabetização é importante por isso, sóque não são todos os professores que conseguem passar para acriança a importância daquilo que ela está adquirindo e que ela temum poder, que ela tem autonomia e poder de escolha. (QUEIROZ,2009, p.38)
A professora reconhece a importância da alfabetização mas mantém uma visão
ingênua que acredita na centralidade da docência como elemento decisivo para a
alfabetização da criança. Supõe que pode passar para a criança a importância daquilo
que está adquirindo. A ideia de passar conhecimento e de aquisição de conhecimento
porque alguém o passou conflita com a ideia seguinte de partilha de poder de escolha
que caberia a criança.
A ideia de escolha que cabe a criança, pode parecer inconsistente. Mas
fortalecer essa intuição da professora de que a criança pode escolher rumos em sua
aprendizagem traz uma possibilidade de enfraquecimento da ideia predominante de
que os professores apenas reproduzem modos de ensinar e aprender.
Em Morin (2006), como vimos acima, vamos encontrar a noção de imprinting
cultural como marca indestrutível das primeiras experiências da infância pela
estabilização seletiva das sinapses que marcarão irreversivelmente o espírito
individual no seu modo de conhecer e agir. Ocorre que nem todos percorrem
processos de desenvolvimento regulares e semelhantes. Cada criança pode romper
esse imprinting, por meio das interações em sala de aula, mediadas pela ação
docente. As condições culturais em que ocorre a alfabetização, entretanto, desprezada
e relegada a um segundo plano na representação de certa elite docente, exige a
reconstituição de outras possibilidades para o trabalho docente de alfabetização:
[...] na rede estadual já passei pela proposta tradicional, já passei pelaproposta de Emilia Ferreiro, construtivista, e hoje estamos numa
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proposta do ler e escrever. Que também parte de um conhecimentoque a criança traz. Então...., isso tudo me atrai. Essas mudanças,essas conquistas são um dos motivos por que eu gosto de serprofessora alfabetizadora. Alfabetizar não é uma coisa que continuasempre igual. Tem vários desafios, a gente tá todo dia aprendendo.(Professora 2; QUEIROZ, 2009, p.40)
Em meio as complexidades da atividade docente é importante compreender
que a opção da formação profissional, pressupõe que o professor estará apto a
ensinar e, portanto, alfabetizar, após esse processo. O professor enquanto
alfabetizador participa da produção da aprendizagem, do letramento da criança, mas,
de acordo com o relato acima, admite-se que ser professor exige uma relação
permanente com a própria aprendizagem o que institui a construção do sujeito
professor.
[...] apesar de ter 40 anos de idade, eu gosto de ser uma pessoaaberta, eu gosto de estar aprendendo todos os dias e ser umaprofessora alfabetizadora. Hoje, o professor alfabetizador tem que serum professor flexível, tem que ser um professor que goste de estaraprendendo a todo momento, que se dedica, que é interessado poraquilo que faz, de estar buscando a todo momento, e eu gosto de serassim. Então, esse é um dos motivos que me leva a escolher uma 1ªsérie. Um outro motivo é que, dentro da rede estadual, as professorasmais antigas são as professoras que escolhem primeiro as classes,porque corre uma escala por pontos, e daqui eu sou a mais nova eacaba sobrando a 1ª série. Eu não escolho, eu sou escolhida. Então,sobra a 1ª série. Mas eu gosto de ficar com ela! (Professora 3;QUEIROZ, 2009, p.40)
Verifica-se que há aspectos da subjetividade, como o afeto, por exemplo, que
encaminham esses professores a se identificar com esse espaço educativo. Dessa
forma, identificamos o princípio do circuito recursivo, que permite localizar esses
profissionais como produtores e causadores nas e pelas interações promovidas pelo
contexto alfabetizador e, ao mesmo tempo,, produzidos e causados por elas: os
efeitos são causados, mas eles são também causas daquilo que os produz nessa
circularidade recursiva.
Relaciona-se a escolha profissional ao princípio dialógico (MORIN, 2005), que
afirma existir a associação de forças opostas ou contrárias atuando e que são por
necessidade de funcionamento do real, ao mesmo tempo complementares. Em nossas
vidas ocorrem sempre determinações e escolhas que são concomitantes, antagônicas
e complementares. Como exemplo, o professor que estuda as correntes do
pensamento pedagógico ao conduzir a primeira série que sobrou, indica o potencial de
escolhas que cabe ao sujeito.
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3. Conclusões
As reflexões deste texto, decorrentes de estudos realizados por QUEIROZ
(2009), foram realizadas a partir dos depoimentos de professores alfabetizadores, no
intuito de ampliar o horizonte de conhecimentos que pudessem contribuir para
entender os motivos das escolhas docentes em tornarem-se e permanecerem nessa
função.
Para o estudo foi necessário pesquisar a respeito do próprio conceito de
subjetividade, assim como também a constituição das subjetividades dos sujeitos, já
que são seres singulares que se constituem na conjunção do biológico com o social e
o cultural.
Os professores revelam elementos que estão juntos ainda que sejam opostos e
contrários. Acabam sendo também concorrentes e se complementam. Não somos
apenas determinados, assim como também não somos apenas um ser que escolhe,
somos os dois ao mesmo tempo. Entende-se que as professoras teriam autonomia de
aceitar ou não o cargo disponibilizado, mas a dependência relativa à necessidade de
conseguirem o emprego marca a determinação de uma escolha.
Há escolhas que transformam o professor em sujeito escolhido. Todavia a
possibilidade do exercício autônomo da profissão docente, pode interferir nessa ação
favorecendo os processos que podem determinar as escolhas dos professores.
Conforme afirma Morin (2006a), tudo está ligado a tudo, ou seja, tanto os
fatores internos, quanto os externos foram importantes na determinação e no peso da
subjetividade dos professores, na escolha e na permanência nas classes de
alfabetização.
REFERÊNCIAS
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MORIN, E. & LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. Trad. NurimarM. Falci. São Paulo: Petrópolis, 2000.
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SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. São Paulo:Artmed, 1996.