30
FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: UTOPIA OU REALIDADE? Gustavo Heitor Piva Luiz de Andrade 2005

FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

  • Upload
    lehanh

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: UTOPIA OU

REALIDADE?

Gustavo Heitor Piva Luiz de Andrade

2005

Page 2: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

1

FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV

E SUA PROTEÇÃO: UTOPIA OU REALIDADE?

1) Introdução

A indústria da televisão nos dias atuais é extremamente competitiva. Naintensa disputa pela preferência do telespectador, reality shows, quiz shows,game shows e talent shows têm assumido um papel cada vez mais relevantena programação das emissoras.

Seguindo esta tendência, empresas de todo o mundo vêm buscando inserirprogramas do gênero em suas grades e optam muitas vezes pelolicenciamento de formatos de programas já testados em outros países.

O licenciamento de formatos de programas televisivos é uma indústria queatualmente movimenta muitos milhões de dólares. Programas como WhoWants to Be a Millionaire?1, da inglesa Celador Productions, Survivor, datambém inglesa Castaway Television Productions, e Big Brother2, daholandesa Endemol, já tiveram seus formatos licenciados para emissoras dedezenas de países, transformando-se em extraordinárias fontes de renda para seus respectivos idealizadores.

E a receita auferida não se limita ao licenciamento em si. Atualmente, muitosdestes programas são acompanhados de forte carga de merchandising e são decididos pelo público por meio de ligações, o que maximiza ainda mais oenorme valor comercial dos seus formatos.

Um mercado de tal magnitude, claro, atrai a atenção de concorrentes que,muitas vezes, ao invés de optarem pelo licenciamento dos formatos e pagarem os royalties correspondentes, desenvolvem programas semelhantes quepassam a concorrer diretamente com os programas originais.

Tal conduta naturalmente colide com os interesses das empresas produtorasdos formatos e dos seus licenciados, sendo precisamente nesse contexto quesurge um dos temas mais atuais e controversos da área de propriedadeintelectual: a proteção dos formatos de programas de televisão.

Com efeito, até onde vai a idéia e começa a expressão? Até que ponto umprograma baseado nos mesmos elementos do programa de um concorrente é uma infração e, como tal, deve ser reprimida pelos aplicadores do direito?

O objetivo do presente trabalho é examinar a questão da proteção dosformatos de programas de TV e de todas as dificuldades a ela inerentes. Como

1Who Wants to Be a Millionaire? já teve seu formato licenciado para emissoras de nada menos

que 106 países. Fonte: BBCbrasil.com, 12/04/2005.2 O formato do Big Brother já foi licenciado para emissoras de 31 países. Fonte:www.endemol.com, 02/05/2005.

Page 3: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

2

veremos, tribunais de diversos países têm hesitado em reconhecer queformatos de programas estão inseridos no rol das obras intelectuais legalmente protegidas. Outros tribunais, contudo, recentemente se posicionaram demaneira distinta, aquecendo ainda mais a já grande discussão sobre a matéria.

Pode o formato ser protegido? Caso positivo, em quais circunstâncias? Pormeio de quais instrumentos legais? Estas são algumas das perguntas a quenos propomos responder.

2) Por que formatos são comercializados?

Como salientamos, o comércio de formatos existe e vem crescendo a cadaano, independentemente de todas as incertezas em relação à sua proteção.Mas por que isso acontece? Por que empresas concordam em pagar por umproduto, cuja possibilidade de apropriação vem sendo fortemente questionadanos tribunais?

Simplesmente porque, sob o ponto de vista comercial, uma emissora de TVcorre muito menos riscos em lançar um programa cujo formato já foi testado e aprovado em diversos países, do que se tivesse que investir em um programatotalmente novo, cujo formato não foi nem sequer testado na televisão.

Ao optar pelo licenciamento do formato, a empresa também tem acesso a todoo know-how relativo ao programa, o que, embora possa não ser decisivo para o sucesso do mesmo, certamente contribui para o seu bom desenvolvimento nomercado local.

Ademais, como o formato equivale a uma estrutura a ser seguida peloprograma, ele pode ser adaptado às mais diferentes culturas. Exatamente por isso que se obtém uma licença do formato do programa e não do programapropriamente dito.

Tomemos como exemplo os reality shows. Ninguém duvida que um programa feito com participantes do país em que ele está sendo veiculado tem muitomais chances de sucesso do que um programa produzido em outro país quetenha sido simplesmente importado. Certas estratégias comerciais, outrossim,funcionam em um país e não funcionam em outro. Brincadeiras, atrações,assuntos de interesse, hábitos televisivos. Praticamente tudo varia de um país para outro.

Apesar disso, caso estejamos falando de um formato, o respectivo programa sebaseará na mesma estrutura e, portanto, terá o mesmo “look and feel”,independentemente de onde ele estiver sendo produzido.

Ser um produto com relativa garantia de sucesso e que possa se adaptar àscaracterísticas dos mais diversos países e culturas. Este é, sem dúvida, ogrande atrativo dos formatos.

Page 4: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

3

3) A definição de formato

Nenhum país do mundo possui legislação com uma definição de formato deprograma televisivo. Logo, para se atingir uma definição razoavelmentesatisfatória, é necessário examinar as considerações de alguns estudiosos que se debruçaram sobre o tema.

A FRAPA – Format Recognition and Protection Association3, associação comsede em Colônia, Alemanha, os define como:

“The programme format is much more than a mere idea for a serial television programme. When such a “format package” is offered, inaddition to the continually improved creative concept, it also include a tried and tested production plan. Moreover, it contains records of the ratings among the targeted groups in the “ratings bible”. Logos,emblems, and designs for backdrops have been drafted. Music andsound have been recorded. Episodes have been filmed, andexcerpts can be shown as prototype. (…) All this is not a conclusive catalogue. It is merely a list of examples of what can be contained in such a format package when the rights to use a programme formatare offered on the international market”4. (grifo nosso)

Albert Moran, catedrático da área de mídia na Universidade de Griffith,Brisbane, Austrália, diz que:

“A format can be used as the basis of a new program, the programmanifesting itself as a series of episodes, the episodes beingsufficiently similar to seem like installments of the same program and sufficiently distinct to seem like different episodes (…). Thus, fromone point of view, a television format is that set of invariableelements in a program out of which the variable elements of anindividual episode are produced. Equally, a format can be seen as a means of organizing individual episodes”5. (grifo nosso)

No Brasil, Fábio Ulhoa Coelho, um dos maiores comercialistas da novageração, ensina que:

“Formato de programa de televisão, no sentido empregado no meio empresarial televisivo, é um conceito muito mais largo, que nãoabrange só a idéia central do programa, mas compreende umextenso conjunto de informações, técnicas, artísticas, econômicas,

3 A FRAPA é uma associação formada por mais de 100 empresas da indústria doentretenimento, em sua maioria emissoras e produtoras de televisão. Além de fazer lobby pela proteção dos formatos, ela oferece os serviços de registro de formatos e de mediação dedisputas envolvendo formatos de programas televisivos. www.frapa.org. 4 Format Protection in Germany, France and Great Britain, “Economic and Legal Aspects ofInternational Development and Marketing of TV Formats”, págs. 21/22.5 The Wit, The Format Business: Desperately Looking For Zero Risk, in: European Broadcasting Union, Srategic Information Service Briefing, no. 44, November, 2001.

Page 5: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

4

empresariais...O formato de programas televisivos não é apenas aidéia do programa, é a idéia e muito mais”6. (grifo nosso)

Ao se examinar os trechos acima, de pronto percebe-se a dificuldade em sechegar à uma definição estática, totalmente conclusiva, do que vem a ser umformato.

Apesar disso, todas os três autores são unânimes no sentido de que o formato é um pacote, isto é, um conjunto de diversos elementos, informações ecaracterísticas sobre os quais o programa se baseia e se operacionaliza. Emoutras palavras, é a estrutura que descreve e possibilita não só a efetivarealização do programa, como também a sua própria adaptação para atelevisão.

Pela sua própria essência, portanto, os formatos não possuem uma definiçãoconclusiva e ostentam um universo de elementos que obviamente varia de um programa para outro.

Analisemos o Who Wants to Be a Millonaire?7. Em apertada síntese, trata-sede um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao participante e estevai acumulando determinada quantia em dinheiro na medida em que as acerta.

Sob uma perspectiva mais ampla, todavia, o formato do programa contemplauma série de características e regras que, juntas, fazem com que ele sejasimplesmente um dos maiores sucessos da televisão mundial.

São elas: os participantes são sorteados; no próprio programa, eles passampor outro sorteio que determina quais participantes efetivamente terão achance de responder às perguntas; uma vez escolhido, o participante fica de

6 Trecho retirado da sentença proferida pela 4ª Vara Cível da Comarca de Osasco/SP, Brasil, Caso TV Globo Ltda e Endemol Entertainment International B.V. vs. TVSBT – SistemaBrasileiro de Televisão, Processo no. 2315/01 e 2543/01, 16/06/2003, pág. 06.

7

Page 6: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

5

costas para a platéia e de frente para o apresentador e um monitor eletrônico;um computador baseado num sistema aleatório escolhe a pergunta e a coloca no monitor, juntamente com quatro possibilidades de resposta dentre as quaisapenas uma é correta; na medida em que o participante respondecorretamente, as perguntas vão adquirindo um grau cada vez maior dedificuldade; da mesma forma, o participante vai acumulando cada vez maisdinheiro, podendo chegar à cifra máxima que geralmente corresponde a ummilhão de unidades da moeda do país em que o jogo está sendo realizado;caso o participante não saiba a resposta, ele pode, por um número limitado de vezes, optar por não responder e simplesmente “pular” a pergunta;alternativamente, ele pode pedir a ajuda de um grupo formado por algunsintelectuais, de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas erradas pormeio de algum sistema baseado na sorte; caso o participante decida respondera pergunta e escolha a alternativa errada, ele é eliminado e perde toda aquantia que acumulou, o que cria o dilema entre continuar no jogo e tentarganhar mais ou simplesmente sair dele com o que já se ganhou; naturalmente,a produção é toda voltada para criar um clima de apreensão; o rosto doparticipante é focalizado; jingles de suspense são reproduzidos; o apresentadorpergunta reiteradas vezes se aquela é a resposta final do participante; enfim,tudo é direcionado para aumentar a expectativa em torno do jogo e,conseqüentemente, o grau de interesse do telespectador.

Embora a descrição acima não consubstancie uma lista exaustiva, elademonstra as principais características e detalhes do programa, possibilitandoque ele se diferencie dos demais quiz shows do mercado.

Logo, apesar de o programa se basear no tradicional conceito de quiz show e certamente se inserir no gênero de mesmo nome, ele possui elementos que lhe são próprios e que o transformam num bem passível de comercialização.

Tanto é assim que Who Wants to Be a Millionaire?, como salientado, já teveseu formato licenciado para nada menos que 106 países8, não havendo como negar que se trata de um produto amplamente comercializado no mercadointernacional.

Outro exemplo interessante são os reality shows. Muitos deles são programas que se baseiam na idéia central de isolar pessoas em um determinado lugar e filmá-las de modo a revelar todos os conflitos e situações decorrentes daquela convivência. Ora, ninguém dúvida que a idéia de isolar pessoas emdeterminado lugar e as ficar observando é muito antiga. Existem registros, por exemplo, de que Jean Paul Sartre já a explorou na peça teatral “Huis Clos”, emmaio de 1944.9

8 No Brasil, tal programa foi produzido e veiculado sob a denominação Show do Milhão.9 “Théatre”, págs. 115/166, Gallimard, 1947, 150° edição.

Page 7: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

6

Ainda assim, nos dias atuais, um programa baseado na mesma idéia deisolamento, como Survivor10, consegue ser um verdadeiro “arrasa-quarteirão”nos quesitos faturamento e popularidade, não se podendo questionar osucesso do seu respectivo formato.

Por estas razões, existe um relativo consenso de que o formato situa-se entre a idéia e o programa propriamente dito. É mais do que a idéia, uma vez que à ela foram acrescidos diversos elementos. E é menos do que o programa, poispode ser adaptado e modificado.

A grande questão é saber se este meio-termo é legalmente protegido,devendo-se, primeiro, especificar os elementos do próprio formato e determinaro que, de fato, foi ou está sendo licenciado.

Feito isso, o intérprete deve analisar a parcela dos elementos que está sendoeventualmente copiada para, depois, utilizar-se dos possíveis instrumentoslegais aplicáveis para determinar se existe ou não infração.

4) Os possíveis instrumentos legais de proteção

A indústria dos formatos de programas de TV, como salientado, movimentamuito dinheiro. Substanciais investimentos são feitos na área, tanto porempresas idealizadoras de formatos, quanto pelas próprias emissoras detelevisão.

O principal argumento daqueles que advogam pela proteção dos formatos,portanto, se baseia na máxima universal de que ninguém pode “colher aondenão plantou” e se enriquecer injustamente às custas de outrem.

A tão almejada proteção visa, pois, resguardar os investimentos da indústriados formatos, proporcionando-lhe um mínimo de segurança jurídica egarantindo que cada vez mais novos investimentos sejam realizados.

10

Page 8: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

7

Em última instância, alegam eles, isto beneficia o próprio telespectador, quetem à disposição programas de cada vez mais qualidade e uma variedade cada vez maior de formatos que efetivamente chega à televisão.

De outra banda, aqueles que defendem a impossibilidade de se conferirproteção ao formato argumentam que, pelo fato de o mesmo consistir nummero sistema sobre o qual o programa se baseia e se operacionaliza, não épossível garantir ao seu idealizador um direito de exclusividade.

Do contrário, criar-se-ia um privilégio injusto que, além de violar o princípio da livre iniciativa, afronta os legítimos direitos de qualquer concorrente produzir,veicular e explorar comercialmente um programa baseado no mesmo conceito.

Como corolário, o próprio telespectador é o grande prejudicado pois tais“direitos de exclusividade’’ acabam restringindo a oferta de programas nomercado e impedindo uma sadia concorrência entre as emissoras.

Ambos os lados, como se vê, se amparam em argumentos relevantes, ficandoevidente, desde já, uma enorme tensão de princípios constitucionais e infra-constitucionais entre as duas linhas de argumentação. De forma geral, a busca pela proteção dos formatos tem sido efetuada mediante a aplicação de trêsinstitutos, a saber:

Ø direitos autorais;

Ø concorrência desleal; e

Ø direto contratual.

Logo, para decidir conflitos envolvendo formatos, tribunais de todo o mundonecessariamente enfrentam peculiaridades relativas a estas áreas do direito e suas inevitáveis inter-relações. Faz-se, pois, necessário efetuar um detidoexame de cada um desses institutos e dos obstáculos que, de uma forma ou de outra, acabam dificultando sua respectiva aplicação na seara dos formatos de programas de televisão.

4.1) Direitos Autorais

Os direitos autorais são espécie do gênero propriedade intelectual e visamconferir aos autores de obras intelectuais um privilégio temporário de uso egozo por terem contribuído para o desenvolvimento das artes e do progressocientífico da humanidade.

A proteção a tais direitos encontra, pois, duas justificativas de natureza diversa: i) premiar os autores com a prerrogativa de perceber os frutos do seu trabalho, garantido-lhes o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras; e

Page 9: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

8

ii) promover o desenvolvimento das artes e da ciência em busca do bem-comum almejado pela sociedade.

Como forma de propriedade intelectual que são, os direitos autorais sãoreconhecidos e encontram proteção em diversos tratados internacionais e empraticamente todos os ordenamentos jurídicos do mundo.

Dada a importância de tais direitos, muito países chegam a incluí-los no rol dos direitos e garantias fundamentais previstos na própria Constituição. Este é ocaso do Brasil, país cuja Constituição Federal contém o seguinte dispositivo:

Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.

Para mereceram proteção autoral, as obras devem ser originais e serexpressas ou fixadas em qualquer meio ou suporte. Independentemente dequal seja o sistema em questão (droit d’auteur ou copyright), estes sãobasicamente os dois requisitos para que determinada criação se qualifiquecomo uma obra intelectual legalmente protegida.

A Convenção de Berna e a legislação autoral de diversos países contém uma lista exemplificativa das criações que se qualificam como obras protegidas11.Até onde sabemos, todavia, nenhum país contém disposição expressaincluindo os formatos de programas de TV no rol exemplificativo das criaçõeslegalmente protegidas.

Assim, para determinar se o formato se qualifica, o intérprete deve examiná-loe dizer se, pela organização ou disposição do seu conteúdo, ele constitui uma criação de espírito advinda do intelecto. Ao mesmo tempo, deve checar se oformato não se enquadra em nenhum dos exemplos que a lei expressamente exclui da proteção, sendo precisamente nesse momento que surge oproblema.

4.1.1) A dicotomia idéia/expressão em relação aos formatos

Tanto o sistema franco-romano, quanto o sistema anglo-saxônico, consagram o axioma de que idéias, métodos, sistemas e conceitos não são passíveis deproteção. Isso significa que as idéias, métodos, etc., em si, não podem ser

11 A Convenção de Berna traz tal lista exemplificativa em seu artigo 2, item 1.

Page 10: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

9

apropriados, devendo sua disseminação se manter livre e afastada dequalquer tipo de restrição.

Este é um dos princípios mais universais que regem o sistema de direitosautorais e se baseia na premissa de que, caso as idéias e métodos pudessem ser objeto de exclusividade, em pouco tempo os autores não mais teriam o quecriar ou desenvolver12.

O resultado seria a total obstrução do progresso das artes e da ciência, ouseja, justamente o contrário do que o sistema de proteção aos direitos autorais visa estimular.

Direitos de autor, portanto, recaem não sobre as idéias e métodos em si, mas sim, e tão somente, sobre a sua respectiva forma de expressão13. Em termos práticos, isso quer dizer que o autor possui direitos somente sobre a específicamaterialização da sua obra, não sobre a idéia, método ou conceito sobre osquais ela se baseia.

Como conseqüência, qualquer um pode trabalhar uma idéia, sem que issoimplique em violação aos direitos daquele que primeiro a explorou. Só existiráinfração se houver reprodução, cópia ou plágio da própria forma deexpressão14.

12 Sobre o tema, vale transcrever preciosa lição de Eliane Y. Abrão, In “Direitos de Autor eDireitos Conexos”, 1ª Ed., pág. 18, 2002: “E há um campo de verdadeira imunidade a qualquer proteção de caráter autoral: é o das idéias, dos conceitos, dos métodos, dos sistemas, doscálculos. Toda obra parte de uma idéia, de um conceito, de uma sinopse, contém um método, um cálculo. Isso é só o ponto de partida. Para se chegar à obra concretizada, há um longocaminho a percorrer, partindo da materialização da idéia à produção da obra até a suadisponibilização ao público. A idéia, ponto de partida, não se confunde com a obra. O resultado sensorial dessas idéias, métodos, conceitos, isto é, a forma ou expressão fixada em basecorpórea, ou incorpórea, é que é protegida pela lei autoral, e não as idéias, os métodos, oscálculos em si ou que nelas se incrustam. Exemplifica-se: o livro de ensino de matemática é de criação de determinado autor, mas não os cálculos utilizados em cada exercício. O mesmoocorre com o livro de ficção que se utiliza do triângulo amoroso, ou das relações sociaisdiferenciadas que permeiam a trama, temas de obras literárias, desde a Antiguidade até oTerceiro Milênio.”13 A Suprema Corte Norte-Americana decidiu: “The primary objective of copyright is not toreward the labor of authors, but to ‘promote the Progress of Science and useful Arts’. Art. I, 8,cl.8. (…) To this end, copyright assures authors the right to their original expression, butencourages others to build freely upon the ideas and information conveyed by a work (…). This principle, known as the idea/expression dichotomy or fact/expression dichotomy, applies to all works of authorship. As applied to a factual compilation, assuming the absence of originalwritten expression, only the compiler’s selection and arrangement may be protected; the rawfacts may be copied at will. This result is neither unfair not unfortunate. It is the means by which copyright advances the progress of science and art (…)”. (Feist Publications, Inc. v. RuralTelephone Service, 499 U.S. 340, 111 S.Ct. 1282, 1991)14 “Copyright does not preclude others from using the ideas or information revealed by theauthor’s work. It pertains to the literary, musical, graphic or artistic form in which the authorexpress intellectual concepts. It enables him to prevent others from reproducing his individualexpression without his consent. But anyone is free to create his own expression of the sameconcepts, or to make practical use of them, as long as he does not copy the author’s form of expression.” (Copyright, Cases and Materials, Gorman & Ginsburg, 6th edition, pg. 12, 2002)

Page 11: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

10

Transportando tais noções para o ramo dos formatos, torna-se absolutamente imperativo para aqueles que defendem sua proteção provar que o formato émais do que uma mera idéia, método, sistema ou conceito. Do contrário, aproteção via direitos autorais será certamente prejudicada.

Diversas são as decisões judiciais que negaram proteção autoral aos formatos por entenderem que eles não passavam de uma idéia. No Brasil, uma dasprimeiras ações do gênero foi julgada em 199515 e tratava-se de um caso no qual a parte Autora (Sra. Marizete Kuhn) havia registrado um formato deprograma perante o órgão brasileiro responsável pelo registro de direitosautorais.

O formato explicitava um programa intitulado O Povo é o Juiz que se baseava numa estória sobre tema polêmico e atual, para aguçar o interesse e acuriosidade dos telespectadores que, ao final, eram instados a se manifestarsobre o fim da trama.

Ao tomar conhecimento de que a maior emissora de televisão do país (TVGlobo Ltda) estava veiculando um programa semanal intitulado Você Decideque também se baseava numa estória polêmica, cujo final também era decidido pelos telespectadores, a parte Autora a acionou alegando que este se tratavade um plágio daquele. Decidiu o juiz:

“De fato, não se pode vislumbrar a prática de apropriação de criação artística, tanto mais porque os roteiros diferem em suas dinâmicas, como admite a própria autora, embora ressalvando que a supressão do debate entre cinco convidados não afeta, no essencial, oprograma que idealizou, muito menos a alteração do título para“Você Decide”, que ela qualifica de sinônima do seu “O Povo é oJuiz”. Os pontos de contato é que num e outro programa cogita-seda narrativa de um fato polêmico, interrompido pelo apresentador,que conclama os telespectadores a opinarem sobre ocomportamento decisivo do personagem central da estória. (...) Talcomo se expôs, o que transparece é que a requerente discute aapropriação de um esboço de programa, sem qualquerdesenvolvimento ou detalhamento, que lhe dessem maiorconcretude, afastando-se do campo teórica das idéias. Ora, oprograma atacado é uma obra completa e acabada, com estruturadefinida, não se podendo nele vislumbrar aspectos de plágio. Naverdade, aquilo que a autora exibe é uma mera idéia, carecida dematerialidade, somente possível diante de um programa concreto”.(...) Concluindo, diria inspirado na regra do art. 6°, da Lei n°5.988/73, que a obra intelectual protegida é a criação do espírito, dequalquer modo exteriorizada. Daí que não se protege idéias e sim a

15 Processo n° 17.289/94, 28a Vara Cível, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro,Juiz Jairo Vasconcelos do Cammo, sentença proferida em 30/06/1995. Decisão confirmada em sede de apelação – Apelação Cível n° 5.731/95, 6ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro. Rel. Des. Mello Serra, 17/04/1996.

Page 12: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

11

sua manifestação real, ou seja, a criação de uma nova forma deexpressá-las, perceptível aos sentidos. (...)”.

Como se vê, entendeu o julgador que não houve cópia de elementosconcretos, consistindo o formato da Autora num mero esboço de programa,sem qualquer desenvolvimento ou detalhamento. Tratava-se, pois, apenas deuma idéia ainda sem forma de expressão efetivamente materializada.

Note-se que o formato da Autora ainda não havia sido adaptado para atelevisão, o que impossibilitou o juiz de fazer uma comparação entre doisprogramas completos e acabados.

Decisões como esta demonstram que, para atrair proteção autoral, oidealizador do formato não pode se limitar a fazer uma simples descrição daidéia sobre a qual ele se baseia, como se isso já fosse suficiente para lheconferir o status de uma obra intelectual.

Isto foi constatado pela própria FRAPA – Format Recognition and ProtectionAssociation, que diz16:

“The most common mistake made by creators of formats is to submit a rudimentary paper version of their idea. The more detailed acreative concept for a television programme is, the more chance ithas of attracting copyright protection. Copyright may help, but itcannot protect a mere idea. It can only protect the expression of an idea. The idea needs to be elaborated if it is to be protected bycopyright. Therefore, my first advice is to develop all aspects of theprogramme concept in as much detail as possible before giving it toanyone.”

Descrever o formato nos seus mais mínimos detalhes. Este é, portanto, oprimeiro passo para desvencilhar o formato do abstrato mundo das idéias etrazê-lo para o mundo das obras intelectuais legalmente protegidas.

4.1.2) A possível inserção dos formatos no rol das obras protegidas

Como já salientamos, para gozarem de proteção autoral, as obras devem seroriginais e ser expressas ou fixadas em qualquer meio ou suporte.

O requisito da originalidade exprime-se pela necessidade de a obra não seruma cópia ou reprodução de outra obra pré-existente. Para ser original, a obra há de reunir um mínimo de criatividade, de modo a resultar numa criação deespírito advinda do intelecto.

16 General Guide to Format Protection – http://www.frapa.org/guideformatprotection.html

Page 13: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

12

O requisito da fixação, por sua vez, resulta da necessidade de a obra serconcretizada e resultar numa forma de expressão efetivamente materializadaem algum suporte tangível ou intangível.

Para satisfazer o primeiro requisito, o formato do programa há de ser criativo e englobar uma série de elementos que, no conjunto, em função da suaorganização e disposição, resultem numa criação intelectual.

Quanto mais original e criativo for o resultado, e quanto mais detalhes esteresultado contiver, maiores serão as chances de o formato se qualificar comouma criação de espírito merecedora de proteção17.

Para satisfazer o segundo requisito, o formato há de ser descrito e delineado,em pormenores, pelo seu idealizador. Deve, pois, adquirir uma forma deexpressão, o que evidentemente só é possível mediante sua fixação, sejaatravés do papel, seja através da sua própria adaptação para a televisão.

O fato de o formato já ter sido adaptado para a televisão, aliás, pode serextremamente importante, pois, nesse caso, seu idealizador já poderá fornecera respectiva obra audiovisual como parâmetro concreto de comparação para o julgador.

Feito isso, deve-se examinar a legislação do país em que se está pretendendo fazer valer direitos e determinar se o formato ali pode ser enquadrado comouma obra intelectual.

Um dos primeiros casos que se tem notícia envolvendo a proteção de formatos foi decidido na Inglaterra em 1989 (Green vs. Broadcasting Corporation of New Zealand)18. Hughie Green, apresentador e idealizador do programa inglêsOpportunity Knocks, tentou impedir a veiculação de um programa similar naNova Zelândia.

Seu programa era um talent show que possuía certas características como um “clapômetro” para medir a popularidade do participante com a platéia; oapresentador se utilizava de algumas frases peculiares para atrair a atenção do público; todas elas copiadas pelo programa neozelandês que adotou, inclusive, o mesmo título.

A corte inglesa, todavia, entendeu que faltava ‘’suficiente unicidade” ao formato do Opportunity Knocks, o que, segundo ela, fazia com que o formato não se

17 Sobre a questão, vale transcrever passagens do artigo “Europe: Protection of BusinnesConcepts”, de Knud Wallberg, in Trademark World, n° 132, 2000: “TV formats are used asdescribing new entertainment programmes for television. The description then covers theamalgamated knowledge about the editorial, scenografic, technical, economic and otherconditions, which have to be fulfilled to be able to produce such programmes. (…) The common and characteristic feature of these phenomena is that they are not isolated subjects but, on the contrary, products or services consisting of several different elements. (…) When assessing the distinctiveness of a concept it must be considered whether the idea behind the concept isoriginal and whether the single elements in the concept are an expression of an independent innovative effort.”18 Green vs. BCNZ (1989) 2 AII ER 1056 ff.

Page 14: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

13

enquadrasse em nenhuma das obras protegidas pela lei de direitos autoraisinglesa (obra dramática ou argumento literário). Em outras palavras, adotou alinha de que o formato nada mais era do que um conglomerado de idéias e lhe negou a respectiva proteção.

Embora tal decisão venha norteando toda a jurisprudência sobre formatosnaquele país, alguns representantes da doutrina vêm sugerindo que ela nãopõe um ponto final na discussão19, uma vez que o formato do OpportunityKnocks era demasiadamente simples.

Atualmente, de fato, existem programas cujos formatos são infinitamente mais detalhados, o que aumenta em muito suas chances de atrair proteção autoral nas jurisdições dos diversos países em que são veiculados.

O Brasil é um excelente exemplo. A Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei n°9.610/98) dispõe em seus artigos 7° e 8° que:

Art. 7° - São obras intelectuais protegidas as criações de espírito,expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, taiscomo:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

Art. 8° - Não são objeto de proteção como direitos autorais de quetrata esta Lei:

I – as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais.

Para que o formato se enquadre como obra literária, é fundamental que eleseja fixado por escrito, devendo necessariamente existir um roteiro ouargumento com uma detalhada descrição dos elementos sobre os quais oformato se baseia e se operacionaliza.

Já com relação ao inciso XIII, deve-se demonstrar que o formato efetivamente é o resultado de uma seleção organizada de diversos elementos, constituindo, por isso, uma obra intelectual merecedora de proteção.

Ao mesmo tempo, como em qualquer lugar, o formato não pode ser a merarepresentação de uma idéia, sistema, método ou procedimento normativo.

19 Charlotte McConnel, in “I’m a production company...get me a format right”, Copyright World, Fevereiro/2003, pág. 22; e Ben Challis e Jonathan Coad, in “Format Fortunes: Is There Legal Recognition for the Television Format Right?”, Music Business Journal, Agosto/2004http://www.musicjournal.org/04formatfortunes.html.

Page 15: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

14

Ao aplicar as disposições acima na seara dos formatos, os tribunais brasileirostêm sido receptivos em conferir-lhes proteção, não obstante o fato de um dosleading cases (Você Decide) tê-la negado.

A mudança de orientação ocorreu em 1998, por meio de ação intentada pelaTV Globo Ltda e Tokyo Broadcasting System (TBS) em face de TVSBT, sob a alegação de que esta última copiou quadros do programa humorísticoOlimpíadas do Faustão. A ação foi julgada procedente e confirmada pormaioria em segunda instância, nos seguintes termos20:

“Se a legislação autoral sempre procurou assegurar a primazia dacriação intelectual, não se pode excluir dessa proteção a criação de programas lúdicos, apresentados na televisão, que também,merecem o agasalho da Lei n° 5.988/73, bem como da recente Lein° 9.610, de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida alegislação sobre direitos autorais. No caso dos autos, a proteçãoenvolve a realização de uma idéia original, criativa, fruto de umtrabalho criativo de criação intelectual. Não se trata de uma simples ‘idéia’, porque, na verdade, um programa de televisão, um quadrohumorístico, uma cena de novela, uma sala de entrevistas levada ao ar, um telejornal, enfim cada número, ou cada atração, ourepresentação na tela de TV, constitui uma criação artística, ougenericamente um trabalho intelectual, protegido pela lei. A ‘idéia’poderia residir na origem do planejamento, da preparação inicial, dos primeiros contatos e estudos sobre a oportunidade, a pertinência ou viabilidade de sua realização. Mas quando se passa da idéia ao ato, à realização concreta, às providências práticas, à montagem decenários, escolha de personagens, participantes, figurantes,técnicos, equipe de retaguarda, já não se trata de uma ‘idéia’, mas sim da realização de um projeto, prestes a ser concluído e levado ao ar”.

Na decisão acima, o tribunal primeiramente deixou claro que não se podeexcluir da proteção autoral os programas lúdicos apresentados na televisão.Depois, foi enfático no sentido de que o programa humorístico era sim fruto de um trabalho coletivo de criação intelectual e que, portanto, merecia a respectiva tutela.

Note-se, outrossim, que, para afastar o programa da noção de idéia, o tribunalreconheceu a existência de uma série de elementos que, juntos, transformava a realização num projeto passível de proteção.

20 Apelação Cível n° 60.906-4/9 – Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão proferido em 01/12/1998.

Page 16: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

15

Outro caso extremamente importante e que só veio a confirmar esta tendência, foi o recém-julgado Big Brother vs. Casa dos Artistas21.

A Endemol, empresa holandesa titular do formato do Big Brother22, entrou emnegociações com uma emissora local, TVSBT, para licenciar o formato doprograma no Brasil. Durante estas negociações, diversas informações foramtransmitidas à TVSBT que acabou decidindo não adquirir a licença do formato.

Com isso, a Endemol passou a negociar com outra emissora, a TV Globo Ltda,que adquiriu a licença. Antes mesmo do lançamento do programa, contudo, aTVSBT lançou o programa Casa dos Artistas23, reality show do mesmo gênerodo Big Brother que, em poucos dias, se transformou na maior sensação datelevisão brasileira.

21 Processos nos. 2315/01 e 2543/01, 4a Vara Cível, Comarca de Osasco/SP. Sentençaproferida em 16/06/2003.

22

23

Page 17: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

16

Com isso, a Endemol e a TV Globo Ltda acionaram a TVSBT alegando que o programa exibido por esta última era um flagrante plágio do formato do BigBrother e requerendo a cessação da veiculação do programa, além deindenização.

Ao examinar se formatos de programas televisivos são ou não passíveis deproteção à luz da legislação brasileira, destacou o magistrado:

“Como já foi dito, o formato de um programa não se limita a sua idéia central. Efetivamente, o artigo 8°, I, da Lei n° 9.610/98 dispõe quenão são passíveis de proteção autoral idéias, todavia, é demeridiana compreensão que a idéia mencionada no dispositivo legal é aquela que não passou do campo subjetivo (...). A idéia, fruto deum trabalho coletivo ou individual de criação que se materializa e se personifica através de escritos, formatos manuais, gravações, deveter, e tem, na nossa legislação, proteção”.

Em seguida, passou ele a examinar o formato do Big Brother propriamente dito:

“(...) o formato do programa “Big Brother” não se limita a espiarpessoas trancafiadas em uma casa e ponto final, ele vai muito além disso. O formato contempla um programa com início, meio e fim,com minuciosa descrição, não só dos ambientes em que as pessoas residirão por um período, mas também dos locais onde câmeras são colocadas. Constam do formato detalhes como a utilização demicrofones no corpo dos participantes, ligados 24 horas por dia, tipo de música, a forma como os participantes terão contato com omundo exterior, atividade, entre outros. (...) Estes elementos sãoapenas alguns dos que dão personalidade própria ao formato doprograma “Big Brother”, diferenciando-o de outras experiências quese valeram de expiação de pessoas por câmeras. (...) Todavia, oformato não contempla apenas a forma como se desenvolve oprograma em si, tem ele roteiro com orientação técnica, econômica,comercial e operacional.”

Novamente, para desvencilhar o formato da idéia, o julgador fez questão dedescrever os detalhes e características que dão vida própria ao formato,diferenciando-o das demais experiências que se valeram da idéia de espiarpessoas enclausuradas em determinado lugar.

De acordo com o magistrado, tais detalhes e características são justamente o que tornam o formato uma obra única e original, merecedora da tutelaconferida às criações intelectuais.

Embora o caso ainda se encontre em sede de apelação perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é inegável que a decisão acima constitui umimportantíssimo precedente para a indústria dos formatos, eis que reconhece

Page 18: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

17

expressamente a possibilidade de os formatos serem protegidos via direitoautoral.

4.1.3) A difícil caracterização da infração

É sabido que, para prevalecer numa ação que envolva direitos autorais, o autor deve provar: i) que é titular de direitos sobre uma obra intelectual legalmenteprotegida; e ii) que aqueles direitos foram de alguma forma infringidos.

Tratam-se, pois, de dois requisitos distintos e cumulativos, cuja presença éabsolutamente necessária para se afastar uma suposta violação. Logo, umacorte pode perfeitamente reconhecer que o formato é sim uma obradevidamente protegida, mas, por outro lado, entender que a outra parte não seapropriou de tantos elementos de modo a caracterizar a infração.

A obtenção da declaração de que o formato é passível de proteção, portanto,não é o fim da batalha, mas apenas a metade dela.

Para comprovar a efetiva existência da infração, o titular do formato originaldeve provar que um dos seus direitos sobre a obra (em especial o dereprodução) foi usurpado.

A questão, todavia, torna-se particularmente complicada no ramo dos formatos,pois, na confecção do seu programa, o infrator certamente não reproduzirátodo o formato original, mas apenas alguns dos seus elementos24.

Em função disso, o intérprete terá que determinar o que é original e o que écomum em ambos os formatos, tarefa que definitivamente não é simplesquando se está diante de programas que exploram a mesma idéia, tema ouconceito.

Outra dificuldade advém do demasiado detalhamento do formato original.Como salientamos, para distanciar o formato da mera idéia econseqüentemente atrair proteção autoral, o titular deve descrever o formatonos seus mais mínimos detalhes.

Isso, contudo, pode trazer complicações no momento da caracterização dainfração, pois, se por um lado, o extremo detalhamento ajuda a atrair proteçãopara o formato, por outro, ele torna mais fácil que um programa similar dele se diferencie.

24 Isso foi também foi contatado pela FRAPA: “It is obvious that the adaptation and the original will not be exactly the same, as no imitator would be so stupid to make an identical remake. An imitator with skill and experience will use the original format as a source of programmepossibilities. In addition, the original set of elements and their combination may have to bevaried to fit production resources, channel image, buyer preference, national television culture, and so on. The original will not be completely imitated but rather serves as a general guidewithin which it is possible to introduce various changes to the original”. (General Guide toFormat Protection – http://www.frapa.org/guideformatprotection.html)

Page 19: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

18

O titular do formato, portanto, se vê verdadeiramente entre a “cruz e a espada”,podendo garantir uma declaração de que seu formato é passível de proteção,mas sem, contudo, conseguir o seu principal objetivo que é cessar a veiculação do programa tido como infrator.

Como o sistema de direitos autorais não coíbe a mera semelhança – até parapossibilitar o livre trânsito de obras baseadas nas mesmas idéias e conceitos –,a noção de plágio torna-se fundamental para o exame do conflito entre doisformatos de programas televisivos.

De acordo com a melhor doutrina, plágio é o “apoderamento ideal de todos ou de alguns elementos originais contidos na obra de outro autor, apresentando-os como próprios”.25 Sua configuração “ocorre com a absorção do núcleo darepresentatividade da obra, ou seja, daquilo que a individualiza e correspondeà emanação do intelecto do autor”.26

Embora o plágio muitas vezes não esteja expressamente inserido naslegislações como uma violação ao direito de autor, a doutrina e a jurisprudência assim o vêm reconhecendo quando a obra plagiada é protegida pelo direitoautoral27.

A figura do plágio, portanto, necessariamente envolve a apropriação deelementos originais da obra e exige uma deliberada intenção do infrator decopiar ou de se aproveitar do núcleo da criação. Do contrário, o resultado é anão ocorrência da infração, conforme atesta o seguinte julgado28:

“Direito Autoral. Plágio de programa divulgado em rede de televisão. Inexistência de prova inequívoca de que a obra do autor era doconhecimento dos réus. Para se configurar o plágio literário oumusical há de existir a intenção de copiar ou de se aproveitar daobra de outrem. Temas semelhantes retratando questõesecológicas. Trabalho teatralizado e de ficção, que explora o tãoconhecido tema de conservação do verde e das árvores. Fatosnoticiados em jornais diversos no Rio, Porto Alegre e outras cidades (...) explorando a preservação da natureza e a manutenção dasárvores. Improvimento do recurso”. (grifos nossos)

25 Delia Lipszyc, in Derecho de Autor y Derechos Conexos. Argentina: EdicionesUnesco/Cerlac/Zavalia, p. 567, 1993.26 Carlos Alberto Bittar, in Direito de Autor, 4a edição, pág. 150, 2003.27 “O verdadeiro plágio é uma ofensa ética, e não legal; é do interesse de autoridadesacadêmicas e não dos tribunais. O plágio ocorre quando alguém – um estudante apressado, um professor negligente ou um escritor inescrupuloso – falsamente reivindica como sua aspalavras de outrem, sejam elas protegidas pelo direito autoral, ou não. No entanto, se a obra plagiada é protegida pelo copyright, a reprodução não autorizada é também uma forma deviolação de direito autoral.” (Copyright’s Highway, Harper, Collins, Canadá, 1994, pág.12)(grifos nossos)28 Apelação Cível n° 1992.001.05632, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 4ª Câmara Cível, j. 07/04/1993.

Page 20: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

19

Em se tratando de formatos, a deliberada intenção de cópia torna-se aindamais relevante porque o formato é uma obra que resulta da reunião de diversoselementos que, se considerados isoladamente, podem não ser passíveis dequalquer tipo de proteção29. Logo, realmente deve existir uma reprodução devários daqueles elementos para se caracterizar a infração.

A pergunta é: quantos? Tal questão foi explorada no caso Castaway Television Ltd & Planet 24 Productions Limited vs. Endemol (2004), recentemente julgado pela Suprema Corte da Holanda. A Castaway e sua licenciada acionaram aEndemol alegando que o formato do programa Big Brother é uma cópiafraudulenta do formato do Survivor.

Após serem derrotadas nas duas primeiras instâncias, as autoras recorrerampara a Suprema Corte que, se valendo de uma boa dose de pragmatismo,decidiu:

“A format consists of a combination of unprotected elements…Aninfringement can only be involved if a similar selection of several ofthese elements have been copied in an identifiable way. If all theseelements have been copied, there is no doubt. In that case copyright infringement is involved. If only one (unprotected) element has been copied, the situation is also clear: in that case no infringement isinvolved. A general answer to the question of how many elementsmust have been copied for infringement to be involved cannot begiven; this depends on the circumstances of the case”.

A Suprema Corte holandesa, como se vê, preferiu não responder a pergunta de forma direta, apenas ressaltando que a quantidade de elementos a seremcopiados depende das circunstâncias de cada caso. E nesse aspecto,confirmou a decisão do Tribunal de Recursos, atestando que a quantidade de elementos em comum entre ambos os programas não era suficiente parademonstrar que o formato do Big Brother é uma cópia fraudulenta do formato do Survivor30.

Uma decisão no mesmo sentido já havia sido proferida pelo Tribunal deRecursos de Paris no caso Sportissimo31, em que dois autores acionaram uma emissora por veicular um programa que, segundo eles, era um plágio do seuformato.

De acordo com o tribunal, tal formato realmente não se limitava a umemaranhado de regras abstratas mas compreendia uma detalhada elaboraçãoda seqüência de diversos elementos que, para resultar no programa,necessariamente demandava criatividade dos autores.

29 Existem elementos isolados que podem ser protegidos via aplicação de institutos dapropriedade industrial, ou seja, das marcas, patentes e desenhos industriais. 30 Apesar da negativa à pretensão das autoras, a decisão da Suprema Corte holandesa foibastante comemorada pela indústria dos formatos pois reconheceu expressamente apossibilidade de eles serem protegidos pelo direito autoral.31 CA Paris, Decisão de 27/03/1998 – “Sportissimo”, recueil Dalloz 1999, 28e Cahier, Juris., 417

Page 21: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

20

O formato, portanto, foi examinado sob uma perspectiva de conjunto e não sob seus elementos isolados, o que, de acordo com o tribunal, autorizava oentendimento de que ele merecia proteção autoral. Isso, contudo, nãorepresentou a vitória na ação pois, ao comparar ambos os formatos, a corteconstatou diferenças relevantes entre os mesmos e concluiu que o segundonão era um plágio do primeiro.

Entendimento diverso adotou o magistrado brasileiro no caso Big Brother vs.Casa dos Artistas. Neste caso, o juiz não só reconheceu a viabilidade de seconferir proteção autoral ao formato do Big Brother, como entendeu que oformato da Casa dos Artistas era “uma mal disfarçada e grosseira cópia” domesmo.

Nesse contexto, o fato de a TVSBT ter mantido negociações com a Endemol no período que precedeu o lançamento da “Casa dos Artistas” foi decisivo para a formação da convicção do juiz. E como se não bastasse a própriasemelhança entre os programas, trechos inteiros da descrição do formato doBig Brother foram servilmente copiados na descrição submetida perante o juízocomo o formato da Casa dos Artistas. Vejamos um trecho da sentença:

“Ficou notório, com a exibição dos programas “Casa dos Artistas” e “Big Brother”, pela TVSBT e TV Globo, a gritante semelhançaexistente entre ambos, semelhança esta que não é fruto do acaso,mas de uma mal disfarçada, e grosseira cópia, perpetrada pelosRequeridos, do formato do programa “Big Brother”. (...) O plágioperpetrado pelos Requeridos se torna evidente, entretanto, não naincontestável identidade entre os programas que foram levados aoar, mas na presença de trechos inteiros, constantes na “obraliterária” de autoria de José Luiz Nascimento, consistente no formato “Casa dos Artistas”, que constituem cópia literal do formato do BigBrother. Por incompetência, ou na falsa certeza de impunidade, não se preocuparam os Requeridos, em dizer as mesmas coisas comoutras palavras, ao copiar o formato do “Big Brother”.

No caso específico, portanto, entendeu o magistrado que tinha fortes eirrefutáveis indícios de que a TVSBT copiou fraudulentamente o formato doprograma anterior e impediu a veiculação do programa Casa dos Artistas tendo a violação ao direito de autor como o principal alicerce do julgado.

Além disso, condenou a ré a pagar uma indenização de R$ 6.000.000,00(aproximadamente US$ 2.500.000,00) à TV GLOBO, de R$ 2.250.000,00 àEndemol (aproximadamente US$ 1.000.000,00), mais lucros cessantes aserem apurados em fase de liquidação de sentença.

Conclui-se daí que, não obstante as dificuldades encontradas mundo afora, aproteção dos formatos via direito autoral já é uma realidade em algumasjurisdições.

Page 22: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

21

4.2) Concorrência desleal

A doutrina e os tribunais de praticamente todos os países são unânimes emreconhecer a dificuldade de se definir a concorrência desleal, o que é explicadopelo fato de o instituto abranger todos os atos contrários aos usos honestos em matéria industrial ou comercial 32.

Não obstante a amplitude do tema, o fato é que todo ato de concorrênciadesleal necessariamente envolve a noção de aproveitamento indevido doesforço, ou de desvio fraudulento da clientela, de um concorrente.

Trata-se, pois, de um instituto que vem sendo cumulativamente aplicado – outentando ser aplicado – pelas emissoras e idealizadoras de formatos empraticamente todas as disputas envolvendo formatos de programas televisivos.

A maior dificuldade para a aplicação do instituto geralmente resulta dadiscordância dos tribunais em proteger via concorrência desleal um bem que,no seu entendimento, não é passível de proteção via direito de autor.

O raciocínio é de que se o bem não é protegido via direito autoral, ele pode ser licitamente reproduzido. E se ele pode ser licitamente reproduzido, suareprodução não pode atentar contra as normas concorrenciais. Até agora, este vem sendo o entendimento majoritário adotado pelos tribunais.

Já existem, contudo, julgados que impediram a veiculação de programas combase no instituto da concorrência desleal, não obstante o entendimento de queo formato original não se qualificava como uma obra protegida pelo direito deautor.

Tais decisões decorreram especialmente da conduta ardil e maliciosa dosidealizadores dos programas infratores, sendo extremamente importanteexaminar o contexto de cada caso.

Logo, em todas as disputas envolvendo formatos, mesmo nos países em que a proteção via direito de autor não vem sendo reconhecida, o titular do formatooriginal deve atentar para as específicas circunstâncias do caso pois aproteção por meio do instituto da concorrência desleal pode ser viável33.

32 Clóvis da Costa Rodrigues, maior precursor do estudo da concorrência desleal no Brasil,salientou: “Que é concorrência desleal? Qual a sua natureza e razão de ser no domínio dodireito? Defini-la em todo o rigor de sua apresentação jurídica é – confessam-no os tratadistas – uma verdadeira e temerária dificuldade. E interpretá-la na imponderável extensão de suasinfinitas formas – impõe-se-nos abordar um dos mais latos problemas antepostos à modernaanálise sociológica” (...). In Concorrência Desleal, pág. 29, Ed. Peixoto, 1945.33 A proteção dos formatos e outras obras via concorrência desleal, não obstante a ausência de proteção autoral, vem sendo reconhecida, em circunstâncias excepcionais, por parte dadoutrina: “Copyright law protects the work and determines that it may not be imitated.Competition law, on the other hand, does not protect the accomplishment as such, but judges the conduct and asks whether the kind of imitation is anticompetitive, because the purpose ofcompetition law is to protect the rules of competition. Therefore, a supplementary protectionagainst imitation under competition law is only possible if there are additionally specialcircumstances in the conduct of the imitator that cause the imitation to appear as

Page 23: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

22

Um dos casos mais emblemáticos envolvendo a questão aconteceu naDinamarca, em 199934. A Celador, idealizadora do Who Wants to Be aMillionaire?, licenciou o formato para a maior emissora local, a TV2, quepassou a produzir e veicular o programa naquele país.

Pouco depois, a DR, maior concorrente da TV2 no mercado dinamarquês,desenvolveu o Double or Quits, programa com precisamente as mesmascaracterísticas do Who Wants to Be a Millionaire?.

A corte entendeu que ambos os programas tinham “strikingly much in common”e ressaltou que todas aquelas semelhanças não adviam de uma meracoincidência. Ademais, considerou o formato do Who Wants to Be aMillionaire? uma criação única que, embora são se qualificasse como obraprotegida pela lei de direitos autorais do país, merecia proteção com base nas normas de concorrência.

Para que uma decisão nestes termos fosse proferida, não há dúvida de que ofato de o Who Wants to Be a Millionaire? já estar sendo veiculado localmente,bem como existir uma feroz concorrência entre as empresas, foi fundamental.

Isso fez com que o juiz visualizasse os efetivos prejuízos causados à licenciadado programa original e reconhecesse que a DR adotou uma conduta anti-competitiva ao desenvolver e veicular o seu próprio programa apropriando-sedos elementos do programa concorrente.

Esta não foi a situação, por exemplo, do já citado caso Green vs. BroadcastingCorporation of New Zealand. Ali, o titular do formato original veiculava seuprograma na Inglaterra e tentava impedir a produção e veiculação de umprograma com o mesmo título e características na Nova Zelândia.

Não existia, pois, concorrência direta entre os programas, o que levou ojulgador a rejeitar, inclusive, a tese de “passing off” desenvolvida pelo Sr.Green. No direito anglo-saxônico, a doutrina do “passing off” inclui-se no largoescopo da concorrência desleal e abrange especialmente situações em que o consumidor é confundido por um ato fraudulento, sendo levado a adquirir umproduto por outro.

A corte inglesa entendeu que este não era o caso uma vez que os programas em questão estavam sendo veiculados em países distintos e disputando,conseqüentemente, audiências diversas. Em seu entendimento, portanto, atese só poderia ser aplicada se os programas estivessem sendo veiculados nomesmo país.

Casos como estes da Dinamarca e da Inglaterra demonstram a grandeimportância da concorrência direta entre as emissoras, sendo certo que suaexistência pode muitas vezes ser decisiva para o deslinde da questão.

anticompetitive conduct” (Format Protection in Germany, France and Great Britain, “Economicand Legal Aspects of International Development and Marketing of TV Formats”, p. 46/47)34 Celador & TV2 vs. RD (UFR 1999 1762)

Page 24: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

23

No Brasil, o instituto da concorrência desleal vem sendo cumulativamenteaplicado em todas as disputas envolvendo formatos de programas televisivosentre concorrentes35. A lei brasileira sobre o tema (Lei n° 9.279/96) dispõe que:

Art. 195 – Comete crime de concorrência desleal quem:

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, deconhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis naindústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles quesejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnicono assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ouempregatícia, mesmo após o término do contrato.

Existem, pois, dois dispositivos que idealizadores de formatos e seuslicenciados podem se utilizar para reprimir ações desleais de concorrentes no país.

O inciso III do artigo enumera o mais freqüente e abrangente ato deconcorrência desleal, pois são muitas as práticas que podem resultar no desvio fraudulento de clientela, representada, no caso de programas televisivos, pelos telespectadores e pelos anunciantes que alugam os espaços publicitárioscorrespondentes.

Mas o que seria o meio fraudulento ali descrito? Em que pesem asdivergências doutrinárias, entende-se que existe fraude em todo artifício ouardil utilizado para induzir alguém em erro36, o que certamente pode ocorrerquando determinado agente se apropria indevidamente da criação de umconcorrente e a apresenta como própria.

O inciso XI, por sua vez, vislumbra a hipótese em que o infrator teve acesso ainformações ou dados confidenciais sobre o formato, situação que é bastantecomum nas negociações que precedem a aquisição da licença do mesmo.

Tais questões foram discutidas no já citado caso Big Brother vs Casa dosArtistas. Como salientamos, a TVSBT negociou com a Endemol a aquisição da

35 Sobre a cumulação dos direitos intelectuais com a concorrência desleal no Brasil, éelucidativo o comentário de Denis Borges Barbosa: “Uma questão interessante é se aexistência de direito exclusivo exclui as pretensões relativas à concorrência desleal; se o magisda exclusividade exclui o minis da tutela à concorrência. Embora se encontrem eminentesargumentos neste sentido, fato é que a concorrência desleal (técnica ou metaforicamente) seacha corretamente cumulada na jurisprudência dos nossos tribunais. Tal se dá especialmente, levando em conta os aspectos que excedem aos limites do direito exclusivo, ou comoagravante da lesão de direito abstrata.” (In Uma Introdução À Propriedade Intelectual, pág. 277, 2ª Edição, Editora Lúmen Júris) 36 Celso Delmanto, in Crimes de Concorrência Desleal, Ed. da Universidade de São Paulo, pág.81, 1975.

Page 25: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

24

licença do formato do Big Brother, tendo tido, com isso, acesso a diversasinformações e detalhes relativos ao programa.

Pouco tempo depois, ela lançou o programa Casa dos Artistasdesacompanhado de prévia divulgação, como se fosse apenas mais um quadro de um programa de auditório. Ademais, passou a monitorar assiduamente apossível tomada de medidas judiciais por parte da Endemol e da sualicenciada.

Todos estes indícios foram apontados pelo juiz como provas da condutadesleal da empresa, conforme se observa pelos seguintes trechos da sentença:

“No dia 28/10/2001 a TVSBT lançou o programa “Caso dos Artistas”

de surpresa, sem qualquer propaganda prévia, sem ter cotas depatrocínio, como se fora um quadro lançado, de improviso, noprograma de auditório, atitude esta que não esconde o objetivovisado, de não propiciar às Autoras a tomada das medidas cabíveis, inclusive, para evitar a contrafação. Entretanto, sabedora de que não ficariam as Autoras inertes, a TVSBT armou um singular aparatopara tentar neutralizar qualquer iniciativa que pudessem elas tomar.(...) A desmedida preocupação da TVSBT retro gizada, por si só,deixa transparecer a ilegalidade dos atos praticados por ela, emconluio com os demais Requeridos, no sorrateiro lançamento doprograma “Casa dos Artistas”, pois nenhuma pessoa jurídica que no desenvolvimento de suas atividades se pauta pela ética eobservância do ordenamento jurídico, tem a preocupação de armaruma verdadeira operação de guerra para neutralizar, legítimas eesperadas, reações dos concorrentes na defesa dos seus direitos.(...) O artigo 195, III, e XI, da Lei 9.279/96, dispões que comete crime de concorrência desleal quem emprega maio fraudulento paradesviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem, e quem divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos,informações ou dados confidenciais a que teve acesso medianterelação contratual, mesmo após terminado o contrato. Os tiposprevistos no dispositivo legal acima destacado, refletem a atuaçãodos Requeridos”. (grifo nosso)

Por tudo isso, depreende-se que, numa disputa envolvendo formatos, a relação de concorrência entre as emissoras e os indícios de que uma adotou umapostura desleal em relação à outra, são elementos extremamente importantes que podem, e devem, ser utilizados para tentar se coibir a prática tida comofraudulenta.

4.3) Direito Contratual

Além dos institutos supra examinados, a proteção para os formatos tambémpode ser buscada via direito contratual, notadamente quando o titular e

Page 26: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

25

idealizador do formato inicia negociações com uma produtora ou com a própria emissora de televisão.

O contrato a ser celebrado com o possível futuro licenciado deve conter umacláusula de confidencialidade, de modo a garantir que as informações e oknow-how transmitidos durante as negociações preliminares depois não sejamdivulgadas ou simplesmente repassadas a terceiros, caso um contratodefinitivo não seja alcançado.

Deve conter, outrossim, uma cláusula obrigacional, pela qual a emissora detelevisão se comprometa a não utilizar as referidas informações para produzir, veicular ou de qualquer forma auxiliar na produção de um programa baseado no formato que lhe foi submetido.

No caso do contrato de licença propriamente dito, uma cláusula deexclusividade e outra de não-concorrência são importantes para impor aolicenciado restrições em relação à futura utilização do know-how após aexpiração do contrato.

Isso evita, por exemplo, que a emissora adquira a licença do formato, receba o know-how e, no ano seguinte, já desenvolva um programa próprio sem pagarroyalties que substitua, ou que até mesmo concorra, com o programa doformato original.

Uma vez celebrado, o contrato faz lei entre as partes, devendo elas cumprirtodas as obrigações que assumiram, sob pena de arcar com as respectivasmultas, sem prejuízo das indenizações cabíveis.

A maior vantagem do direito contratual no ramo dos formatos, portanto, égarantir ao titular do formato uma segurança jurídica, independentemente daproteção que a lei lhe confere.

Logo, se existe um contrato, a questão de o formato ser, de per se, passível de proteção deixa de ser o ponto nodal da controvérsia, devendo o intérpreteatentar para as obrigações que foram assumidas pelas partes contratantes.

É importante notar, todavia, que o contrato não altera a sistemática de umordenamento jurídico em relação à questão do que é apropriável e do que não é. Em outras palavras, não é porque existem estipulações contratuais queidéias ou métodos passarão a ser objeto de proteção.

Deve ficar claro, portanto, que o contrato não cria normas autorais ou direitosde exclusividade, mas sim, dele podem advir obrigações que, pelo princípio da pacta sunt servanta, a parte contratante deve respeitar.

Ademais, como o contrato obriga apenas as partes contratantes, nada impedeque um terceiro estranho ao negócio jurídico se aproprie indevidamente deelementos do formato e lance o respectivo programa. Neste caso, somente nalei o titular do formato pode buscar algum tipo de proteção.

Page 27: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

26

Muitos são os casos envolvendo formatos que as partes litigantes tinhamalgum vínculo contratual. A esse respeito, vale atentar novamente para oemblemático caso Big Brother vs. Casa dos Artistas.

Durante a negociação relativa à licença do formato, a TVSBT e a Endemolcelebraram um protocolo de intenções que continha uma cláusula deconfidencialidade e uma cláusula obrigacional pela qual a TVSBT secomprometeu a não utilizar as informações transmitidas, para qualquer fim. E tendo a empresa lançado o programa Casa dos Artistas, não perdoou o juiz:

“Há que se repisar ter tido a TVSBT, como restou documentalmente demonstrado, conhecimento do formato do programa “Big Brother”quando, através de um protocolo de intenções, negociava suaveiculação no Brasil. Não concretizada a negociação, por um deverético, moral e legal, não poderia a TVSBT utilizar-se dasinformações obtidas da Endemol, sob o manto da confidencialidade, expressamente prevista no instrumento firmado entre elas, além deestar, a vedação, contida em legislação vigente. A toda evidência, o disposto nas seções 7 e 10 do protocolo de intenções havido entre a TVSBT e a Endemol, tinha como objetivo, entre outros, o de advertir a TVSBT para que não se valesse ela dos dados e informaçõesobtidas no curso das negociações, para qualquer fim. E o termotemporal de 01/10/2000 dizia respeito, expressamente, à vedação da TVSBT de, até aquela data, desenvolver ou adquirir de terceirosformato de programa do gênero novela da vida real. Nãoautorizando, por evidente, a TVSBT a, verificado o termo, simular a aquisição, de terceiros, de cópia do formato do “Big Brother” e lançar no país o programa “Casa dos Artistas”.

Também sob o prisma obrigacional, destarte, o juiz vislumbrou ilicitude naconduta da Ré, repelindo, sob todas as perspectivas, a apropriação e autilização de elementos do formato da empresa holandesa e sua licenciada.

5) Conclusão

Diante das considerações acima, depreende-se que a questão da proteção dos formatos de programas de TV é uma seara propícia para calorosos e, às vezes, intermináveis debates.

Vimos que o mercado do licenciamento de formatos não só existe comomovimenta muitos milhões de dólares, tornando-se absolutamente urgentepara a indústria que os tribunais lhe confiram proteção.

Tal proteção pode ser buscada mediante a aplicação de três institutos distintosmas enfrenta sérios obstáculos legais. Direitos autorais não protegem idéias,métodos ou sistemas. Do contrário, obstruiriam justamente aquilo que visamestimular.

Page 28: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

27

Como resultado, o maior desafio para a inserção dos formatos no rol das obras intelectuais legalmente protegidas é provar que ele não é apenas um método,um sistema, mas sim, uma criação original passível de proteção.

Para tanto, o formato deve possuir uma detalhada descrição e ser dotado deum tal grau de originalidade e criatividade que efetivamente se diferencie detodos os seus congêneres no mercado.

Embora o approach majoritário adotado pelos tribunais ainda seja um tantoquanto conservador, já existem decisões na Holanda, França e Brasilreconhecendo a possibilidade de se conferir proteção autoral aos formatos.

Ultrapassada a primeira etapa (reconhecimento da proteção), o titular devecomprovar a reprodução de diversos elementos do seu formato de modo acaracterizar a efetiva existência da infração.

Na maioria das vezes isso não é fácil pois o infrator não copiará todos oselementos, mas apenas alguns deles, tornando-se fundamental a noção deplágio, ou seja, a apropriação indevida do núcleo representativo-intelectual daobra.

O formato, ademais, há de ser examinado como um todo, devendo o intérprete se ater ao conjunto da criação e não aos seus elementos isolados, os quais,normalmente, não são passíveis de proteção autoral.

A existência de concorrência entre as partes também é um fator extremamenterelevante, podendo o instituto da concorrência desleal ser, muitas vezes, atémais eficiente que o próprio direito de autor.

Isso sem contar a via contratual que, se bem delineada, constitui um importantemecanismo de proteção pelo menos em relação às partes com as quais otitular do formato celebrou algum contrato.

Por tudo isso, concluímos que não se pode negar, de pronto, qualquer tipo deproteção aos formatos. Muito pelo contrário. O aplicador do direito deve sempreconsiderar os detalhes do caso e pode, dependendo das circunstâncias,encontrar satisfatórias formas de proteção e afastar a respectiva violação.

A questão, contudo, não pode ser resolvida de forma exata, como umaequação matemática, uma vez que cada formato possui suas própriaspeculiaridades, podendo o resultado certamente variar de um caso para outro.

O fato é, portanto, que as discussões em torno do tema estão longe do fim,não havendo dúvida de que a possibilidade de se proteger formatos deprogramas de TV será uma questão cada vez mais abordada, e enfrentada,pelos profissionais que militam na área de propriedade intelectual.

Page 29: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

28

BIBLIOGRAFIA

Artigos

CHALLIS, Ben e COAD, Jonathan; “Format Fortunes: Is There Legal Recognition forthe Television Format Right?”, Music Business Journal, Agosto/2004;

FRAPA – “Format Protection in Germany, France and Great Britain, Economic andLegal Aspects of International Development and Marketing of TV Formats”;

FRAPA – General Guide to Format Protection - www.frapa.org;

GANDELMAN, Henrique; “O que é plágio?”, Revista da Associação Brasileira dePropriedade Intelectual (ABPI), n° 75, mar/abr/2005, págs. 36/45;

GOUGH, Lindsay; “The drama over format rights”, Managing Intellectual Property,Mai/2002;

GOYANES, Marcelo; “A Tutela Jurídica do Formato de Programa de Televisão”,Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), n° 70,mai/jun/2004;

KARNELL, Gunnar W. G; “Copyright to Sequels – With Special Regard to TelevisionShow Formats”, International Review of Industrial Property and Copyright law –nov/2000;

MCCONNEL, Charlotte; “I’m a production company...get me a format right”, CopyrightWorld, Fev/2003;

MORAN, Albert; “The Wit, The Format Business: Desperately Looking For Zero Risk, in: European Broadcasting Union”, Srategic Information Service Briefing, no. 44, Nov/2001;

WALLBERG, Knud, “Europe: Protection of Businnes Concepts”, in Trademark World,n° 132, 2000.

Livros

ABRÃO, Eliane Y.; “Direitos de Autor e Direitos Conexos”, 1ª Ed., 2002, Brasil;

BARBOSA, Denis Borges; “Uma Introdução À Propriedade Intelectual”, 2ª Edição,Editora Lúmen Júris;

BITTAR, Carlos Alberto; “Direito de Autor”, 4ª edição, 2003;

DELMANTO, Celso; “Crimes de Concorrência Desleal”, Ed. da Universidade de SãoPaulo, 1975;

GORMAN & GINSBURG; “Copyright, Cases and Materials”, 6th edition, 2002;

HARPER, Collins Copyright’s Highway, Canadá, 1994;

Page 30: FORMATOS DE PROGRAMAS DE TV E SUA PROTEÇÃO: … · de um quiz show no qual o apresentador faz perguntas ao ... de um amigo ou tentar eliminar algumas das respostas ... e veiculado

29

LIPSZYC, Delia; “Derecho de Autor y Derechos Conexos”. Argentina: EdicionesUnesco/Cerlac/Zavalia, 1993;

MCCARTHY, J. Thomas; “McCarthy on Trademarks and Unfair Competition”, 4ª ed.vol. 04;

ROGRIGUES, Clóvis da Costa; “Concorrência Desleal”, pág. 29, Ed. Peixoto, 1945.