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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO MUDANÇA ESTRATÉGICA: O CASO DA EXPANSÃO DE O BOTICÁRIO DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE KAREN BARRETO CAMPÊLO Rio de Janeiro

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO

MUDANÇA ESTRATÉGICA: O CASO DA EXPANSÃO DE O BOTICÁRIO

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

KAREN BARRETO CAMPÊLO

Rio de Janeiro

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO

TÍTULO MUDANÇA ESTRATÉGICA: O CASO DA EXPANSÃO DE O BOTICÁRIO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR:

KAREN BARRETO CAMPÊLO E

APROVADO EM ___ / ___ / ____.

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________

PAULO ROBERTO DE MENDONÇA MOTTA

Ph.D EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

___________________________________

PAULO REIS VIEIRA

Ph.D EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

____________________________________

UBIRATAN JORGE IORIO DE SOUZA

DOUTOR EM ECONOMIA

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AGRADECIMENTOS

Ao Serviço Social Autônomo PARANACIDADE, empresa onde trabalho, na

pessoa de seu Superintendente, Lubomir Ficinski Dunin, pelo constante incentivo à

obtenção do conhecimento.

À Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas,

nas pessoas de seus professores, funcionários e Coordenadora do Mestrado. Aos

funcionários do Instituto Superior de Administração e Economia de Curitiba.

Ao Professor Ubiratan Jorge Iorio de Souza, por participar da banca

examinadora. Ao Professor Paulo Reis Vieira, também pela participação na banca

examinadora e pelo exemplo em ensinar.

Ao Professor Franklin Galvão, pelos conselhos que tanto contribuíram para a

efetivação desta pesquisa.

A O BOTICÁRIO, por ter permitido testar a teoria em sua trajetória, em

especial ao Edson Paes Sillas, pela maneira como me mostrou a empresa, e aos

integrantes do Departamento de Desenvolvimento de Varejo Maíse Gutz, Sandra

Wurr, Adônis Rique e Paula Caetano, pelas valiosas informações prestadas.

À Tânia Toledo, por sua disposição em contribuir com este trabalho.

Aos meus colegas de mestrado, pela agradável convivência, em especial ao

Renato, pelo apoio constante e inestimável, e à Cristhina, por sua contribuição. Ao

pessoal da OPET, principalmente à Silmara e ao José Ivan Prohmmann, pela

colaboração.

Aos meus colegas de trabalho, nas pessoas da Lygia e do Cavalcante, por

sua expressiva cooperação.

Aos meus filhos, Júlia e Bruno, por compreenderem minhas ausências.

Ao Professor Paulo Roberto Motta, por sua deferência ao conduzir o

desenvolvimento de meu trabalho e pela oportunidade de acesso aos seus

conhecimentos.

Ao João, meu marido, pelo incentivo e cumplicidade em todas as horas, a

quem dedico este trabalho.

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SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .....................................................................vii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................viii LISTA DE QUADROS .................................................................................................ix LISTA DE TABELAS ....................................................................................................x LISTA DE ANEXOS ....................................................................................................xi RESUMO ..................................................................................................................xii ABSTRACT ...............................................................................................................xiii

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................1

1.1. O problema da pesquisa ..................................................................................3 1.2. Objetivos do estudo..........................................................................................3 1.3. A importância do estudo ..................................................................................4 1.4. Estrutura da dissertação ..................................................................................5

2. BASE TEÓRICO-EMPÍRICA ..................................................................................7

2.1. As estratégias organizacionais e suas mudanças ...........................................7 2.1.1. A necessidade das mudanças de estratégia ..........................................10 2.1.2. Como emergem as mudanças de estratégia ..........................................11

2.2. Classificação das mudanças de estratégia ....................................................14 2.2.1. Teoria quântica das mudanças ...............................................................14 2.2.2. O incrementalismo lógico ........................................................................15 2.2.3. A teoria quântica versus a lógica incremental ........................................16 2.2.4. Mudanças incrementais e mudanças descontínuas ...............................17

2.3. Fatores que provocam as mudanças de estratégia .......................................18 2.3.1. Identificação de oportunidades ou riscos no ambiente e adaptações das

empresas às variações ambientais ..............................................................19 2.3.1.1. Mudanças políticas ..........................................................................20 2.3.1.2. Mudanças econômicas ....................................................................20 2.3.1.3. Mudanças sociais ............................................................................21 2.3.1.4. Mudanças tecnológicas ...................................................................22 2.3.1.5. Mudanças no ambiente natural .......................................................22 2.3.1.6. Mudanças na competição ................................................................22

2.3.2. Dinâmica interna das empresas .............................................................23 2.3.3. O inter-relacionamento entre as mudanças ...........................................23

2.4. Os efeitos das mudanças de estratégia .........................................................24 2.4.1. A incerteza do processo de mudança .....................................................24 2.4.2. A mudança como fator de sucesso .........................................................26 2.4.3. Os efeitos das mudanças incrementais e das mudanças descontínuas 27 2.4.4. A resistência como conseqüência natural do processo de mudança .....29

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................31

3.1. Delineamento da pesquisa .............................................................................31 3.1.1. O estudo de caso ....................................................................................31 3.1.2. Sobre o tipo de pesquisa ........................................................................32 3.1.3. A abordagem qualitativa .........................................................................32

3.2. O planejamento do estudo..............................................................................34 3.3. A seleção da empresa e dos entrevistados ...................................................34

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3.3.1. A seleção da empresa ............................................................................34 3.3.2. A seleção dos entrevistados ...................................................................35

3.4. Fontes e coleta de dados ...............................................................................35 3.4.1. Fontes primárias .....................................................................................36 3.4.2. Fontes secundárias .................................................................................37 3.4.3. Facilidades encontradas na coleta de dados ..........................................37

3.5. A análise dos dados .......................................................................................38 3.6. As limitações da pesquisa .............................................................................39

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .....................................................40

4.1. Caracterização da empresa ...........................................................................40 4.1.1. Breve histórico da empresa dividido por categorias de análise ..............43

4.1.1.1. A criação ..........................................................................................43 4.1.1.2. O início do sistema de franquia .......................................................44 4.1.1.3. A formatação do negócio..................................................................45 4.1.1.4. A reestruturação da empresa...........................................................46 4.1.1.5. O aumento da interação com o cliente.............................................47

4.1.2. A expansão de O BOTICÁRIO ...............................................................48 4.2. Capacidade inovadora e mudanças de estratégia..........................................51

4.2.1. Identificação dos principais pontos fortes de O BOTICÁRIO ..................51 4.2.1.1. Quanto aos aspectos genéricos da organização .............................51 4.2.1.2. Quanto às estratégias de recursos humanos ..................................55 4.2.1.3. Quanto às estratégias de marketing ................................................55 4.2.1.4. Quanto ao relacionamento empresa-rede de franquias ..................58 4.2.1.5. Quanto ao atendimento ao cliente....................................................58

4.2.2. MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA: CLASSIFICAÇÃO, ORIGEM E IMPACTOS NA EMPRESA ................................................................................................................59

4.2.2.1. Decisão de acrescentar a fabricação de cosméticos ao negócio da farmácia de manipulação .................................................................60

4.2.2.2. Adoção do sistema de franquia .......................................................60 4.2.2.3. A Implantação do modelo de gestão do franqueado .......................62 4.2.2.4. Padronização dos pontos-de-venda ................................................62 4.2.2.5. O Redesenho organizacional...........................................................63 4.2.2.6. O fim dos franqueados master .......................................................67 4.2.2.7. Criação das gerências regionais .....................................................68 4.2.2.8. Profissionalização do processo de escolha do franqueado..............69 4.2.2.9. Terceirização dos serviços de comunicação ...................................69 4.2.2.10. A implantação da Loja Interativa ...................................................70 4.2.2.11. Reengenharia da cadeia de suprimentos ......................................75 4.2.2.12. Evolução do processo de treinamento ..........................................76

4.2.3. Sobre a classificação das mudanças de estratégia ................................77 4.2.4. Sobre os fatores que ocasionaram as mudanças de estratégia .............80

4.2.4.1. Identificação de oportunidades ou riscos no ambiente ....................80 4. 2.4.2. Adaptações da empresa a variações ambientais ...........................81 4.2.4.3. Dinâmica interna da empresa ..........................................................82 4.2.4.4. O inter-relacionamento entre as mudanças .....................................83

4.2.5. Sobre os efeitos das mudanças...............................................................83 4.3. Sugerindo mudanças para a empresa ...........................................................85

4.3.1. Sobre o que O BOTICÁRIO faz, mas não deveria fazer ........................85 4.3.2. Sobre o que O BOTICÁRIO não faz, mas deveria fazer ........................87

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5. CONCLUSÕES .....................................................................................................92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................98

ANEXOS ..................................................................................................................102

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vii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ONG - Organização Não-Governamental

FBPN - Fundação O BOTICÁRIO de Proteção à Natureza

SAC - Serviço de Atendimento ao Cliente

SAF - Serviço de Atendimento ao Franqueado

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viii

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1- Tipos de estratégia...................................................................................9 FIGURA 2 – Evolução do faturamento da fábrica e da rede de franquias ................50

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LISTA DE QUADROS Quadro 1. Classificação das mudanças de estratégia e respectivas categorias ..........................................................................................................78

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x

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Investimento das indústrias do setor no imobilizado em 2000 sobre o imobilizado de 1999....................................................................................................42

Tabela 2 – Rentabilidade – Retorno do investimento obtido no ano 2000.................42 Tabela 3 – Liderança de mercado .............................................................................43

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xi

LISTA DE ANEXOS ANEXO 1 – LEI No 8.955 DE 15 DE DEZEMBRO DE 1994 ..................................103

ANEXO 2 – FONTES SECUNDÁRIAS .................................................................106

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xii

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi conhecer como ocorreram as mudanças de estratégia em uma organização bem-sucedida.

Configurou-se como um estudo de caso único, que focou O BOTICÁRIO, uma indústria paranaense do setor de cosméticos e perfumes. Os dados secundários da pesquisa foram as reportagens sobre a empresa e entrevistas com membros de sua diretoria constantes de jornais e revistas. Os dados primários foram obtidos principalmente por meio de entrevistas realizadas com os integrantes do Departamento de Desenvolvimento de Varejo da empresa. A análise foi efetuada de forma exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa.

Os dados foram utilizados para caracterizar a empresa, apresentar informações sobre as mudanças de estratégia; classificá-las; identificar fatores que ocasionaram essas mudanças, bem como efeitos dessas mudanças para a organização. Revelaram ser a empresa altamente receptiva às mudanças.

Dentre os fatores que ocasionaram as mudanças de estratégia, destacam-se a flexibilidade que a organização apresenta em adaptar-se às variações ambientais e, sobretudo, a interdependência que existe entre as mudanças. Confirmando o caráter sistêmico das organizações, detecta-se que muitas mudanças ocorridas geraram novas mudanças.

Com relação à classificação das mudanças, verificou-se que as incrementais apresentaram um caráter de evolução de processos, provocando transformações relacionadas mais diretamente às atividades às quais se relacionam. Já as descontínuas envolveram transformações em toda a organização. De todas as mudanças analisadas, somente duas foram consideradas verdadeiras revoluções estratégicas, vindo a confirmar que, na maior parte do tempo, as organizações optam por períodos menos turbulentos em que buscam uma orientação estratégica estabelecida.

Como efeito das mudanças de estratégia apresentadas, detectou-se um grau de resistência, diretamente proporcional ao grau de descontinuidade que a mudança possuía, manifestando-se de forma acentuada quando representava inseguranças de suas implicações aos funcionários. Constatou-se, porém, que todas foram consideradas benéficas à empresa.

Por outro lado, o estudo conclui que outros fatores além das mudanças de estratégia são responsáveis pela rápida expansão da empresa. Dentre esses fatores destacam-se: o lançamento constante de novos produtos; a identificação da empresa com a natureza e com o meio ambiente; a política que utiliza no trato de seus funcionários, a agressiva estratégia de marketing que adota, o rigor com a qualidade de seus produtos; a busca da excelência nos serviços; a maneira de atendimento ao cliente, a adoção do sistema de franquia, o modelo da Loja Interativa, o treinamento que oferece aos integrantes da rede de franqueados e a seus funcionários, a contratação dos melhores profissionais do mundo para assessorarem seus serviços. Não podem ser omitidos, entretanto, como uma das causas do sucesso de O BOTICÁRIO, a intuição, o tino e o feeling de seu Presidente.

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ABSTRACT

The aim of this research was to detect how strategy changes took place in a successful organization.

This was an unique case study focused on O BOTICÁRIO, a cosmetic and perfumery company in the state of Paraná, Brazil. Some information (from primary data) was obtained through interviewing members of the retail development department. Extra information was taken from articles about the company and interviews with members of the board of directors published in newspapers and magazines. The analysis was carried out in an explanatory-descriptive way, with a qualitative approach.

The data, other than serving to characterize the company, was used for a number of purposes. They were: to introduce information about strategy changes in the company; to identify factors that gave rise to these changes; to identify the effects of these changes on the organization; to classify the strategy changes. The data revealed that the company is highly receptive to changes.

Amongst the factors that caused strategy changes the following two factors stand out: the flexibility that the company presents in adapting to environmental variations and, overall, the interdependency that exists between changes. Confirming the systemic character of organizations, it was found that the changes lead to new changes.

When qualifying the strategy changes, it was discovered that the incremental changes were more related to process evolution, i.e., comprehending transformations directly related to the activities to which the changes are associated with. The discontinuous changes, on the contrary, involved transformations throughout the whole company.

Of all the changes that were analyzed only two were considered to be truly strategy revolutions. This confirms the idea that organizations usually choose to search for established strategic paths.

The strategy changes analyzed produced a resistance level. This resistance was directly proportional to the level of discontinuance that the change had. It was verified, however, that all changes were considered beneficial to the company.

The study concludes that other factors are also responsible for the fast expansion of the company. The most important of these are: the constant lauching of new products; the identification of the company with environmental issues; the policy towards employees; the strong marketing strategy; the quality of its products; the excellence on its services; the treatment of consumers; the use of franchise shops; the training provided to all the franchise network and as well as to the employees; and the seek to hire the best professionals to supervise its services. However, it can’t be omitted that particular cause of O BOTICÁRIO’s success is the intuition and the feeling of its President.

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1. INTRODUÇÃO

É extraordinária a mudança por que passa a humanidade. Enfrentam-se a revolta

social e a reestruturação criativa mais profundas de todos os tempos. Mudamos os

estilos de vida, de família, apresentamos modos diferentes de trabalhar e de amar,

temos uma nova economia, novos conflitos políticos, enfim, uma nova civilização. Essa

civilização se caracteriza, graças às revoluções que ainda hoje estão envolvendo o

mundo tecnológico, das informações e da cultura, como uma sociedade não mais

dominada pelos imperativos do desenvolvimento econômico, do gigantismo, da

concentração, da massificação etc., mas como uma sociedade que encontrará sua

razão intrínseca de ser e de se transformar (TOFFLER, 1980).

São múltiplos, complexos e interatuantes os elementos que levam a essa

transformação. Entre os mais importantes estão a revolução tecnológica e da

informática. Porém, a própria inovação parece ser o dado determinante da mudança.

Hoje é a eletrônica, amanhã provavelmente será a bioengenharia que dará suporte e irá

favorecer uma transição, cuja ocorrência, contudo, exigirá a integração de todos os

elementos do contexto social (MERLI, 2000).

Nas organizações, a inovação e as mudanças também se fazem presentes. São

provocadas por elementos complexos e interatuantes, como a mundialização da

economia e a rapidez das alterações no contexto social e político, que afetam a

sobrevivência imediata e a viabilidade futura das organizações. Num ambiente em que,

a competição é intensa, os mercados são vulneráveis, a clientela é versátil e a

tecnologia evolui, a mudança tem se constituído, então, a essência da gestão nos dias

de hoje (MOTTA, 1997).

Nenhuma empresa consegue sobreviver por muito tempo produzindo

simplesmente um dado conjunto de produtos ou adotando determinados processos

rígidos. Para obterem sucesso, as empresas precisam inovar, desprender-se dos

modelos tradicionais de desenvolvimento e crescimento, saltar para modelos que

tragam inovações ao negócio e se diferenciar totalmente dos concorrentes tradicionais.

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Quem continuar no modelo antigo provavelmente não terá fôlego para atuar num

mercado com um modelo completamente diferente do tradicional (NELSON,1991,

MOTTA, 1997, HAMMEL, 2000).

Desde meados da década de 1950, verificam-se uma aceleração e uma

acumulação de eventos que começam a alterar as fronteiras, a estrutura e a dinâmica

do ambiente empresarial. Os novos desafios e os imprevistos passam a ser tão

freqüentes, que Peter Drucker chamou esse período de a “era da descontinuidade”

(ANSOFF e McDONNELL, 1993).

Assim, há necessidade de respostas cada vez mais rápidas às variações

ambientais. Para adquirir vantagem competitiva, as empresas devem ser flexíveis e

oferecer produtos e serviços inovadores ao mercado, imaginando soluções

completamente novas para as necessidades dos clientes, de maneira que os

concorrentes não as consigam imitar. Devem procurar mudar até as características dos

mercados em que atuam, dos processos que utilizam, além, é claro, dos produtos que

geram (BETHLEM, 1998, HAMMEL, 2000). “Todo novo produto, processo ou serviço

começa a ficar obsoleto no dia em que atinge seu ponto de equilíbrio. Portanto, a única

maneira de impedir que seu concorrente torne seu produto, processo ou serviço

obsoleto é você mesmo fazê-lo (DRUCKER, 1988, p. 185).”

Não só os ciclos de vida dos produtos estão encolhendo. Os ciclos de vida das

estratégias estão também se tornando cada vez mais curtos. As empresas devem ser

capazes de reinventar sua estratégia não apenas uma vez por década, em meio às

crises de substituição de um CEO, por exemplo, mas continuamente. À medida que

novas informações surgem, os executivos precisam reconfigurar a estratégia

empresarial, buscando novos alinhamentos, não necessariamente perfeitos. Este deve

ser um processo dinâmico, sem início ou fim definidos (QUINN e VOYER, 1980, e

HAMMEL, 2000).

Desse modo, com a competitividade girando em torno da capacidade que as

organizações apresentam em se transformar, ou seja, da habilidade em desenvolver ou

adaptar novas tecnologias a produtos, serviços e processos, a compreensão da

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dinâmica da inovação e da mudança é essencial, tanto para a sobrevivência como para

o sucesso das empresas (MOTTA, 1997).

1.1. O PROBLEMA DA PESQUISA

Considerando a necessidade de se conhecer melhor a dinâmica da mudança nas

organizações para a sobrevivência e o sucesso, apresenta-se como tema da pesquisa

as mudanças de estratégia de uma empresa que se transformou. A partir de uma

pequena farmácia de manipulação, tornou-se, em apenas 25 anos, uma das maiores e

bem-sucedidas indústrias de perfumes e cosméticos do Brasil.

Assim, pretende-se esclarecer com essa pesquisa o seguinte problema:

COMO OCORRERAM AS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA EM O BOTICÁRIO

AO LONGO DE SUA EXISTÊNCIA?

1.2. OBJETIVOS DO ESTUDO

OBJETIVO GERAL

O objetivo geral do presente estudo é conhecer como ocorreram as mudanças

de estratégia em O BOTICÁRIO em seus 25 anos de existência.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Os objetivos específicos da pesquisa são:

• levantar informações sobre mudanças de estratégia que a empresa apresentou;

• identificar fatores que ocasionaram essas mudanças;

• identificar os efeitos dessas mudanças para a organização;

• classificar as mudanças de estratégia, de acordo com a teoria que embasou o

presente estudo.

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1.3. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

Num ambiente competitivo como o atual, as empresas receptivas às mudanças

de estratégia conseguem se expandir. Vários autores confirmam essa premissa,

considerando as mudanças um dos fatores responsáveis pelo sucesso das

organizações.

Para Motta (1997), Utterback (1996), Quinn e Voyer (1980), por exemplo, as

empresas novas, receptivas às mudanças têm apresentado uma expansão acentuada,

tornando-se, ao longo dos anos, verdadeiros gigantes. Para revigorarem-se, as

empresas mais antigas devem igualmente ser receptivas às mudanças. Caso contrário,

serão varridas do cenário.

A importância de serem desenvolvidos estudos teórico-empíricos sobre as

mudanças de estratégia nas organizações atribui-se, em primeiro lugar, à relevância do

tema.

Constata-se ainda que as mudanças de estratégia não ocorrem da mesma

maneira em todas as empresas, podendo apresentar-se de forma diferente até dentro

da mesma organização, considerando-se o fato de que ela muda ao longo do tempo

(UTTERBACK, 1996).

Por isso, também os estudos sobre as mudanças são importantes, já que

permitem testar aspectos teóricos em outros contextos, diferentes dos já analisados.

Por outro lado, assim como as demais teorias administrativas, aquelas sobre

mudanças organizacionais evoluem, pelo fluxo dinâmico do conhecimento. As novas

descobertas científicas e sistematizações de conhecimento se contrapõem às

anteriores, fazendo-as progredir. Mesmo com esse avanço, as teorias de mudança

organizacional formam um conjunto complexo, confuso e de muitas contradições, que

precisam ser mais bem conhecidas (MOTTA, 1997).

Por meio da melhor compreensão desse conjunto complexo, mediante a análise

das mudanças de estratégia que ocorreram em uma organização bem-sucedida, é

possível aos gestores ampliar a percepção de sua realidade. Nesse sentido, espera-se

que esta pesquisa seja útil para a prática profissional quando da formulação de

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estratégias ou da promoção de mudanças estratégicas nas empresas. Finalmente,

espera-se que a pesquisa possa contribuir para o enriquecimento da literatura

administrativa.

1.4. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Tendo em mente o problema e os objetivos da pesquisa, optou-se por dividir o

estudo em cinco capítulos.

No primeiro capítulo, introduz-se o tema, abordando-se o contexto em que o

problema se insere. Apresentam-se o problema, os objetivos e os fatores que justificam

a pesquisa.

No segundo capítulo, encontra-se a base teórico-empírica que referenciou o

estudo. Inicia-se pela discussão das estratégias e suas mudanças na organização,

seguida de comentários sobre a necessidade dessas mudanças e de comentários

sobre como elas emergem. Então, classificam-se as mudanças de estratégia em

incrementais e descontínuas, destacando-se a teoria quântica das mudanças e o

incrementalismo lógico. Trata-se dos fatores que provocam as mudanças de estratégia,

com enfoque na identificação de oportunidades e riscos no ambiente, adaptação das

empresas às variações ambientais, dinâmica interna das empresas, bem como no inter-

relacionamento entre as mudanças. Prossegue-se com os efeitos das mudanças para

as organizações.

O terceiro capítulo descreve os procedimentos metodológicos adotados no

estudo para que os objetivos previstos pudessem ser alcançados. Apresentam-se o

delineamento da pesquisa e o seu planejamento, a justificativa da escolha da empresa

objeto do estudo e dos entrevistados. Indicam-se as fontes primárias e secundárias

utilizadas na coleta dos dados e as facilidades encontradas durante esse procedimento,

bem como as limitações da pesquisa.

O quarto capítulo apresenta a análise dos dados. Subdivide-se em três seções:

(1) caracterização da empresa; (2) capacidade inovadora e mudanças de estratégia e

(3) sugerindo mudanças para a empresa. Inicialmente, para caracterizar a empresa,

apresentam-se dados sobre seu porte, natureza do negócio e indicadores de

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desempenho. Segue-se com um breve histórico de O BOTICÁRIO, dividido em cinco

categorias de análise e com informações que permitem constatar a expansão que a

empresa vem apresentando. São identificados os pontos fortes de O BOTICÁRIO nos

diferentes aspectos, visando a demonstrar sua capacidade inovadora. Para as

mudanças de estratégia, procurou-se classificá-las, descrever as causas e os efeitos na

organização. Finalmente, apresentam-se sugestões de mudanças para a empresa

levantadas pelos entrevistados.

Do quinto e último capítulo constam as conclusões a que este estudo chegou.

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2. BASE TEÓRICO-EMPÍRICA

As teorias são utilizadas para explicar a realidade e ajudar na solução de

problemas administrativos, sob diferentes perspectivas. Com a teoria, complementa-se

e aperfeiçoa-se a prática. “O pensamento teórico valoriza a compreensão da

organização em seu todo, e, como parte de uma estrutura social maior; procura

causalidades, inter-relações e significados capazes de formar uma coerência de

pensamento sobre seu objeto de análise” (MOTTA, 1997, p. 70).

Este capítulo apresenta as teorias sobre mudanças estratégicas nas

organizações que fundamentaram a análise dos dados e auxiliaram na compreensão da

organização objeto deste estudo.

Tendo em mente o problema que está sendo averiguado – “COMO OCORRERAM AS

MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA EM O BOTICÁRIO AO LONGO DE SUA EXISTÊNCIA?” – e os

objetivos a que a pesquisa se propõe, dividiu-se o capítulo em quatro partes. A primeira

parte trata da estratégia e suas mudanças nas organizações. A segunda classifica as

mudanças de estratégia. A terceira parte apresenta fatores que provocam as mudanças

de estratégia e, finalmente, a quarta parte refere-se aos efeitos das mudanças de

estratégia nas empresas.

2.1. AS ESTRATÉGIAS ORGANIZACIONAIS E SUAS MUDANÇAS

Não existe consenso sobre o que seja estratégia empresarial, muito menos sobre

como uma empresa deve formulá-la (PORTER, 1987). Entretanto, visando a entender o

fenômeno da mudança de estratégia, inicialmente são apresentados conceitos sobre o

tema.

“Estratégia empresarial é o padrão de decisões em uma empresa que determina e revela seus

objetivos, propósitos ou metas, produz as principais políticas e planos para a obtenção dessas

metas e define a escala de negócios em que a empresa deve se envolver, o tipo de organização

econômica e humana que pretende ser e a natureza da contribuição econômica e não-econômica

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que pretende proporcionar a seus acionistas, funcionários e comunidades” (ANDREWS, 1980, p.

58).

A estratégia é o padrão de consistência de comportamento da empresa ao longo

do tempo (MINTZBERG, AHLSTRAND, LAMPEL, 2000).

A estratégia significa um conjunto de compromissos assumidos por uma

empresa que define seus objetivos e a maneira de alcançá-los (NELSON, 1991).1

Alguns desses compromissos podem estar escritos, outros não. Entretanto, estão

contidos na cultura administrativa da empresa. A estratégia é influenciada pelos valores

da alta direção da empresa. Raramente está expressa em detalhes, mas em linhas

gerais.

A estratégia são os objetivos, as políticas e os planos da organização que,

reunidos, definem o seu escopo e a sua abordagem, visando à sobrevivência e ao

sucesso (RUMELT, 1980).

A estratégia é um plano, uma direção, um guia, um caminho para se ir de um

lugar a outro. Entretanto, quando se analisam as organizações em relação à estratégia

que realmente seguiram nos últimos anos, e, não ao que pretendiam de fato, constata-

se que a resposta dada nega a própria definição do termo (MINTZBERG, AHLSTRAND,

LAMPEL, 2000).

Desse último conceito depreende-se que os compromissos programados, as

intenções, ou seja, as estratégias pretendidas, nem sempre são realizadas. Assim,

estratégias pretendidas podem ser: (1) deliberadas, quando plenamente realizadas, ou

(2) não-realizadas (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000; MINTZBERG e

QUINN, 2001).

Por sua vez, as estratégias deliberadas (plenamente realizadas) algumas vezes

são (1) as que foram pretendidas e outras (2) as que não estavam programadas. No

caso de a estratégia deliberada não ter sido expressamente programada, diz-se que se

trata de estratégia emergente (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000;

MINTZBERG e QUINN, 2001).

1 O autor atribui a Chandler e a estudiosos contemporâneos esse conceito de estratégia.

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9

Algumas correntes de pensamento afirmam que a imagem tradicional da

formulação da estratégia foi uma fantasia, atraente para certos executivos, mas que

não correspondia àquilo que realmente acontecia nas organizações.2 Estudos indicam

que somente 10% das estratégias formuladas chegam a ser implementadas

(MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000).3

A Figura 1 ilustra os tipos de estratégia mencionados anteriormente.

ESTRATÉGIA ESTRATÉGIA

NÃO REALIZADA EMERGENTE

FIGURA 1- Tipos de estratégia.

Fonte: Mintzberg, Ahlstrand, Lampel (2000, p. 19).

A estratégia se preocupa em impor padrões estruturais de comportamento a uma

organização, sob a forma de intenções antecipadas, que se tornam estratégias

deliberadas ou ações, após se encaixarem nos padrões de estratégias emergentes.

Assim, a estratégia lida com a continuidade, não com a mudança. Por qualquer

2 Essa é uma das premissas da Escola de Aprendizado, uma das dez escolas de pensamento para a formulação da estratégia apresentadas por MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL (2000). 3 Estudo de Walter Kiechel (1984), que durante muito tempo escreveu para a Revista Fortune.

Estratégia pretendida

Estratégia realizada

Estratégia deliberada

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definição, a estratégia sugere estabilidade a uma organização (MINTZBERG e QUINN,

2001).

Embora a literatura deixe claro que a estratégia trata de mudanças, na verdade

ela trata de continuidade. Essa é uma curiosa característica da administração

estratégica. Mesmo que “o processo de geração de estratégia possa se dispor a mudar

a direção para a qual uma organização está indo, as estratégias resultantes estabilizam

essa direção” (MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL, op. cit., p. 222).

Porém, por mais que as organizações busquem a estabilidade, sabe-se que

administrar a estratégia é administrar a mudança. É reconhecer quando uma ação de

natureza estratégica é necessária e possível, para agir posicionando mecanismos para

a mudança contínua (MINTZBERG e QUINN, op. cit.).

Administrar mudanças importantes é mais difícil do que possa parecer. Quando a

reorientação acontece, significa sair de um domínio familiar para um futuro menos

definido, no qual as pessoas, muitas vezes, precisam abandonar as raízes de seu

passado bem-sucedido e desenvolver atitudes ou habilidades totalmente novas

(MINTZBERG e QUINN, op. cit.).

2.1.1. A NECESSIDADE DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

Vários autores enfatizam que as mudanças de estratégia que ocorrem nas

organizações ao longo do tempo são necessárias.

Mintzberg, Ahlstrand, Lampel (2000),4 por exemplo, observam como as

mudanças trazem novas combinações de circunstâncias para a organização, devendo a

essência da estratégia permanecer não-estruturada, não-programada, não-rotineira e

ainda não-repetitiva.

Quinn e Voyer (1980) afirmam que a estratégia não é um processo linear. Sua

validade não está em sua estrutura rigorosamente mantida, mas na capacidade de lidar

4 Mintzberg, Ahlstrand, Lampel (2000, p. 21) adaptaram de Chaffee, 1985, essa idéia.

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com eventos imprevisíveis, redistribuindo recursos à medida que novas oportunidades e

novos impulsos emergem.5

Ao informar sobre a necessidade das mudanças de estratégia, Utterback (1996)

destaca que os empreendedores, fundadores de novas empresas, que vencem são

aqueles mais ousados nas experiências e mais flexíveis na adaptação das

configurações iniciais dos produtos às demandas e oportunidades inesperadas. São os

que ponderam o desenvolvimento de forma mais detalhada e sistemática. As empresas

precisam estar preparadas para mudar suas posturas estratégicas e competitivas em

vários pontos ao longo do percurso, para enfrentar os mercados globais em muitas

frentes.

Não só os fundadores de novas empresas precisam se renovar constantemente

e até regenerar seus negócios, mas também as empresas grandes e estabelecidas,

que enfrentam os problemas mais difíceis (UTTERBACK, op. cit.).

Anteriormente, o quadro de inovação enfatizava a criação de novas empresas

por empreendedores dinâmicos. Atualmente, no entanto, algumas empresas continuam

inovadoras além de seu período nascente. Seus funcionários têm liberdade para

perseguir idéias promissoras e desenvolver novos produtos. O apoio é fornecido sem

necessidade de submissão a um sistema rígido de alocação de recursos (QUINN e

VOYER, 1980).

2.1.2. COMO EMERGEM AS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

As mudanças de estratégia nas organizações podem: (1) surgir como produto de

idéias direcionadas e planejadas; (2) originar-se da necessidade de se resolver

problemas, tendo em vista a importância de se reagir a situações problemáticas; ou (3)

emergir do processo de circulação de idéias, tendendo a preconizar modelos menos

dependentes de programações gerenciais. De acordo com essas premissas, o processo

de mudança organizacional pode ocorrer de três diferentes maneiras: (1) intenção

estratégica, (2) reação adaptativa e (3) aprendizado contínuo (MOTTA, 1997).

5 Essa idéia também se constitui numa das prescrições para o incrementalismo lógico apresentadas por MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL (2000, p.139).

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Por meio da intenção estratégica (MOTTA, op. cit.), as organizações são

transformadas mediante uma deliberação racional de intervir na realidade. Nesse caso,

as idéias são predefinidas, e o processo é planejado antes de se deflagrar qualquer

ação prática. Para planejar e acompanhar a introdução da novidade, desde a antevisão

das etapas até a solução dos problemas de adaptação, muitas vezes são formados

grupos especializados na empresa. Assim, as idéias novas são propriedade de umas

poucas pessoas, que as aprendem primeiro por participarem de sua geração, sendo a

implementação da mudança um processo de coletivizar essas idéias, tornando-as

acessíveis aos demais funcionários.

Como reação adaptativa, decorrente da necessidade de resolver problemas, a

mudança caracteriza-se por uma interferência no processo evolucionário da empresa.

Nesse caso, o problema é conhecido, mas não sua solução, buscando-se, para tanto,

respostas em eventos passados ou em idéias novas (MOTTA, op. cit.).

Mintzberg, Ahlstrand, Lampel (2000)6 classificam a mudança de estratégia como

uma reação adaptativa, quando é conseqüência de um processo fragmentado, no qual

as decisões são tomadas à margem, mais para resolver problemas do que para

explorar oportunidades, com pouca consideração sobre metas definitivas ou mesmo por

conexões entre decisões diferentes. Muitos agentes são envolvidos no processo, mas

eles são pouco coordenados por qualquer autoridade central.

Finalmente, a mudança que decorre do aprendizado contínuo é viabilizada num

ambiente organizacional propício, devendo existir: incentivos e meios para que as

pessoas experimentem, corram riscos, tenham seus erros tolerados, manifestem sua

criatividade, aprendam com suas próprias experiências e compreendam, de maneira

clara, o impacto das inovações sobre a empresa. Nesse ambiente, pessoas informadas

em qualquer parte da organização podem contribuir para alterar o seu processo de

estratégia (MOTTA, op. cit.).

Decorrentes do aprendizado contínuo, as estratégias emergem quando as

pessoas aprendem a respeito de uma situação tanto quanto a capacidade da

6 Os autores atribuem essas idéias, que surgiram no início dos anos 1960, sob o rótulo “incrementalismo desarticulado”, a Charles Lindblom, professor de Ciências Políticas na Yale University.

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organização de lidar com essa situação. A administração estratégica deixa de ser então

uma administração de mudanças para ser uma administração por mudanças

(MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000)7.

Os pesquisadores do processo do aprendizado contínuo nas organizações,

descobriram que, quando ocorria um redimensionamento estratégico importante, este

raramente se originava de um esforço formal de planejamento, e nem mesmo das salas

da alta administração. Em vez disso, as estratégias se deviam a uma variedade de

pequenas ações e decisões tomadas por todos os tipos de pessoas diferentes, algumas

de forma acidental ou por sorte, sem nenhuma consideração quanto às suas

conseqüências estratégicas. Tomadas em conjunto ao longo do tempo, essas

pequenas inovações freqüentemente produziam grandes mudanças de direção

(MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000).

A aprendizagem é apontada por Senge (1998) como uma das dimensões que

irão definir a forma e o caráter das empresas líderes do século 21 e se tornará mais

importante do que o controle. As organizações que aprendem, aquelas baseadas no

conhecimento, serão inerentemente mais flexíveis, adaptáveis e mais capazes de “se

reinventarem” continuamente. Num mundo de mudanças cada vez mais aceleradas e

de crescente interdependência, a fonte básica de toda vantagem competitiva estará na

capacidade relativa da empresa de aprender mais rápido que seus concorrentes.

À medida que o mundo se torna mais interligado e os negócios mais complexos

e dinâmicos, o trabalho precisa estar ligado à aprendizagem. As organizações que

realmente terão sucesso no futuro serão aquelas que descobrirem como cultivar nas

pessoas o comprometimento e a capacidade de aprender em todos os níveis da

organização (SENGE, 1998).

7 Os autores também atribuem a Charles Lindblom (1980) essa noção, que, de certa forma, violou as premissas da administração racional, mas descreveu um comportamento com o qual as empresas estavam familiarizadas.

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2.2. CLASSIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

Para melhor entender a classificação das mudanças de estratégia, considera-se

oportuno descrever as idéias de mudança e estabilidade sugeridas pela teoria quântica

das mudanças e o incrementalismo lógico, criado e defendido por Quinn como um

modelo normativo a ser adotado na formulação das estratégias organizacionais.

2.2.1. TEORIA QUÂNTICA DAS MUDANÇAS

De acordo com a teoria quântica das mudanças, as organizações resolvem

formas opostas – por mudanças e pela continuidade, cuidando primeiro de uma e

depois da outra. A evolução organizacional se apresenta em períodos distintos de

convergência e tumulto, num ritmo inconstante (MINTZBERG e QUINN, 2001).

As mudanças de porte em uma orientação estratégica só ocorrem raramente. Na

maior parte do tempo, as organizações buscam uma determinada orientação

estratégica estabelecida, e as mudanças ocorrem geralmente como aperfeiçoamentos

de processos, produtos ou serviços existentes. Voltam-se para a minimização de

desvios em relação ao comportamento histórico. A maioria das organizações opta por

esses períodos de estabilidade, porque obtém sucesso buscando melhoramentos

contínuos em cursos já estabelecidos (MINTZBERG; AHLSTRAND e LAMPEL, 2000,

ANSOFF e McDONNELL, 1993, e MINTZBERG, 1987).

“Na medida do êxito, as organizações tendem a preservar suas rotinas. Tornam-

se dependentes de sua história e condicionadas a repeti-la; têm dificuldade de romper

com o estabelecido por receio de perder as bases de seu sucesso” (MOTTA, 1997, p.

128).

Ocorre, entretanto, que o ambiente externo está sempre se modificando, às

vezes devagar, às vezes drasticamente. Como a mudança social é inexorável, poucas

organizações conseguem contê-la por completo. Dessa forma, gradativamente ou de

repente, a orientação estratégica das organizações fica fora de sincronismo com o

ambiente. Nessas ocasiões, é necessário que seja adotada uma verdadeira revolução

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estratégica,8 durante a qual muitas coisas mudam ao mesmo tempo. O longo período

de mudança evolucionária é subitamente marcado por um ataque de turbulência

revolucionária na qual a organização altera rapidamente muitos de seus padrões

estabelecidos. Depois dessa turbulência, a organização procura saltar novamente para

uma estabilidade. Encontram-se então longos períodos de estabilidade rompidos por

períodos tumultuados de mudanças revolucionárias (MINTZBERG, 1987).

Mintzberg (1987) observa, porém, que algumas organizações criativas adotam

um padrão diferente de mudança e estabilidade, com mais equilíbrio. Empresas

voltadas para produtos mais inovadores precisam disparar de tempos em tempos em

todas as direções para manter sua criatividade. No entanto, após esses períodos de

divergência, também necessitam de acomodação para encontrar alguma ordem no

caos resultante.

Tanto por revoluções quânticas como por ciclos de convergência ou divergência,

as organizações precisam separar, em tempo oportuno, as forças para a mudança e

para a estabilidade, embora a administração estratégica, sob o ponto de vista

convencional, não o indique. É um dilema, durante a feitura da estratégia, reconciliar

essas forças, ou seja, enfocar esforços e obter eficiência operacional, por um lado, e

adaptar e manter aceitação geral a um ambiente externo em mutação, por outro

(MINTZBERG; AHLSTRAND e LAMPEL, 2000 e MINTZBERG, 1987).

Ainda, a teoria quântica aponta que, durante uma revolução estratégica, as

organizações podem desenvolver novas estratégias ou simplesmente adotar aquelas

emergentes9 que foram abandonadas por alguma razão, não partindo da estaca zero

(MINTZBERG, 1987).

2.2.2. O INCREMENTALISMO LÓGICO

De acordo com o incrementalismo lógico, modelo normativo para a tomada de

decisões estratégicas, os processos de definição da estratégia de uma empresa são

8 Mintzberg (1987) atribui a Miller e Friesen o termo revolução estratégica. 9 Sobre as estratégias emergentes, sugere-se ver o item 2.1., A ESTRATÉGIA E SUAS MUDANÇAS NAS ORGANIZAÇÕES, neste capítulo.

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evolutivos e intuitivos. A estratégia global só tende a tomar forma à medida que as

decisões internas e os eventos externos vão fluindo conjuntamente e formando um

consenso entre os membros da alta direção (QUINN e VOYER, 1980).

Para a lógica incremental, “a administração da inovação deverá processar-se por

meio de adaptações, à medida que surgirem as oportunidades e se desenvolverem os

líderes e os centros de poder” (QUINN, 1979, p. 15).

Com freqüência, eventos externos ou internos não previstos anteriormente e que

escapam do controle gerencial provocam mudanças de estratégia nas empresas.

Quando ocorrem, podem faltar tempo, recursos ou informação para que seja possível

realizar uma análise formal e completa de todas as opções possíveis a serem adotadas

e de suas conseqüências. Como decisões prematuras, tomadas sob condições de

tensão, podem significar oportunidades perdidas que dificilmente permitiriam voltar

atrás, recomenda-se que sejam enfrentadas incrementalmente (QUINN e VOYER,

1980).

Por outro lado, as decisões estratégicas não podem ser agregadas em uma

única matriz decisória, tratadas simultaneamente para se obter uma solução ideal. Os

processos apresentam limites, necessidades seqüenciais e de tempo, de se obter

consenso, formar níveis de conforto, de selecionar e treinar pessoas (QUINN e VOYER,

1980).

A lógica incremental evolutiva e intuitiva deve estar presente tanto na formulação

como na implementação da estratégia, podendo ser interpretada de duas maneiras:

como um processo para o desenvolvimento da visão estratégica (formulação) e como

um processo para dar vida a uma visão já existente na mente do estrategista

(implementação) (MINTZBERG, AHLSTRAND, LAMPEL, 2000).

2.2.3. A TEORIA QUÂNTICA VERSUS A LÓGICA INCREMENTAL

A essência do argumento da teoria quântica é que as organizações preferem

ficar em estabilidade na maior parte do tempo, aceitando mudanças incrementais para

melhorar suas estratégias, processos e estrutura. Periodicamente, porém, as

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organizações precisam se submeter a revoluções estratégicas de algum tipo para

realinhar sua orientação geral (MINTZBERG e QUINN, 2001).

Esse argumento difere do conceito de Quinn sobre lógica incremental, que

defende uma mudança mais gradual de pensamento estratégico como um meio de se

chegar a uma mudança importante em uma organização (MINTZBERG e QUINN, op.

cit.).

O ponto de vista incrementalista de Quinn se detém no processo que ocorre na

mente dos gerentes de alta direção durante a criação de novas estratégias. Em virtude

da complexidade envolvida, deve ser adotada uma lógica incremental, interativa e de

aprendizado por parte de todos os participantes-chave (MINTZBERG e QUINN, op. cit.).

A abordagem da teoria quântica, por outro lado, tem seu enfoque não nas

intenções do estrategista, mas nas estratégias que são realizadas na organização. São

estas que parecem mudar de maneira quantitativa. É possível que os gerentes

concebam e promovam suas estratégias pretendidas de forma incremental, mas assim

que isso for realizado, podem mudar sua organização de maneira rápida, quantitativa e

em saltos integrados (MINTZBERG e QUINN, op. cit.).

2.2.4. MUDANÇAS INCREMENTAIS E MUDANÇAS DESCONTÍNUAS

Tushman, Newman e Romanelli (1986) dizem que as mudanças incrementais

são as mudanças de 10%, toleradas por qualquer organização e compatíveis com a

estrutura, os sistemas e os processos prevalecentes.

Considera-se oportuno esclarecer que, para esses autores, as mudanças

incrementais não produzem mudanças de estratégia e, sim, adaptações na estratégia

vigente.

No presente estudo, porém, são consideradas incrementais as mudanças de

estratégia10 que ocorrem em partes da organização ou em suas relações externas, que

10 Ao adotar-se o conceito atribuído a RUMELT (1980) de que a estratégia de uma organização é um conjunto de objetivos, políticas e planos que, reunidos, definem o escopo e a abordagem do empreendimento, visando à sobrevivência e ao sucesso, consideram-se, no presente estudo, também como mudanças de estratégia as incrementais.

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não rompem bruscamente com as formas pelas quais a organização se adapta e

interage com seu ambiente. São as que possuem um caráter mais de evolução de

processos existentes, compatíveis com a estrutura existente da empresa (MOTTA,

1997).11

Para Motta (1997), na perspectiva incrementalista, as organizações estão em

transformação permanente através da inovação, aproveitando oportunidades oferecidas

para a adoção de novos valores e compromissos.

Por outro lado, no presente estudo são consideradas descontínuas as mudanças

que criam uma ruptura baseada num conjunto de novas práticas e ideais

administrativos, alterando fundamentalmente as relações das partes com o todo e as

formas de transações externas da empresa. São abruptas para os participantes

(MOTTA, 1997).

Tusman, Newman e Romanelli (1986) consideram vital para as organizações

administrar as mudanças incrementais durante períodos convergentes, ter a visão para

implementar a mudança descontínua antes que a concorrência o faça e mobilizar uma

equipe de executivos que possa iniciar e administrar os dois tipos de mudança.

Entretanto, a classificação das mudanças em incrementais ou descontínuas

depende da proximidade com que se olha a mudança e do ponto de observação.

Mudanças que parecem incrementais para um observador podem parecer descontínuas

para outro (MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL, 2000).

2.3. FATORES QUE PROVOCAM AS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

As causas das mudanças de estratégia variam desde o aparecimento de um

novo executivo principal, que deseja imprimir seu selo na organização, até o constante

declínio de desempenho da organização, que acaba exigindo uma mudança

descontínua, uma reconceituação de tudo o que a organização faz (MINTZBERG e

QUINN, 2001).

11 Tushman, Newman e Romanelli (1986) esclarecem que as empresas de sucesso passam por longos períodos de convergência, que começam com um encaixe entre estratégia e estrutura. Como esse encaixe nunca é perfeito, promovem meios de melhorar suas missões e mudanças incrementais.

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Outros fatores freqüentemente apontados na literatura como causas de

mudanças de estratégia nas organizações são enumerados a seguir.

2.3.1. IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADES OU RISCOS NO AMBIENTE E ADAPTAÇÕES DAS

EMPRESAS ÀS VARIAÇÕES AMBIENTAIS

As organizações podem ser consideradas organismos, com capacidade de

automanutenção. Interagem com o mundo exterior, procurando obter satisfação de

suas necessidades (BETHLEM, 1998).

A estratégia de uma empresa diz respeito tanto à organização como ao

ambiente. “Uma premissa básica para se pensar a respeito estratégia diz respeito à

impossibilidade de separar organização e ambiente. A organização usa a estratégia

para lidar com as mudanças nos ambientes” (MINTZBERG, AHLSTRAND, LAMPEL,

2000, p. 21).12

A determinação da estratégia adequada para uma empresa começa pela

identificação das oportunidades e riscos em seu ambiente, sendo necessário o encaixe

entre a situação externa (oportunidades e ameaças) e a capacidade interna (pontos

fortes e fracos) (ANDREWS, 1980).

A análise ambiental envolve, então, a busca de mudanças que levem uma

organização a oportunidades ou ameaças. Para Andrews (1980), os executivos que

fazem parte do planejamento estratégico precisam estar a par dos aspectos relativos ao

ambiente de suas empresas, onde ocorrem mudanças em ritmos variados, que

ameaçam todas as estratégias estabelecidas.

Na maioria dos casos, porém, as mudanças de estratégia provocadas por

reações ambientais nas organizações são do tipo descontínuo. Segundo Tushman,

Newman e Romanelli (1986), as mudanças descontínuas13 ocorrem em resposta ou em

antecipação a importantes mudanças ambientais, que requerem mais do que simples

alinhamentos incrementais.

12 Adaptado pelos autores de Chaffee, 1985. 13 Os autores também a denominam mudança de quebra de padrão.

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A reação das organizações à morte e à decadência, por exemplo, é uma

mudança descontínua que necessita de provocações, sobretudo externas, para romper

com a ordem estabelecida (MOTTA, 1997).

No presente trabalho, as diversas partes do ambiente externo a uma organização

(também chamadas subambientes) e a forma como as variáveis ambientais influenciam

a estratégia dessa organização foram definidas a partir de uma adaptação dos

conteúdos apresentados por Churchill, Peter (2000), Bethlem (1998), Andrews (1980) e

Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) sobre o assunto. Dentre as variáveis ambientais

apresentadas por esses autores, selecionaram-se aquelas que foram consideradas, de

algum modo, condicionantes para a estratégia da organização em estudo.

2.3.1.1. Mudanças políticas

O regime político de um país tem influência dominante na forma de operar os

fatores econômicos, organizar o trabalho humano e, portanto, na estrutura e

funcionamento das empresas. A instabilidade política é uma das mais destruidoras

condições de meio ambiente para os negócios.

Além do impacto do planejamento nacional sobre o planejamento empresarial, as

relações entre países, entre iniciativa privada e governo e entre trabalhadores e patrões

são variáveis ambientais de natureza política que condicionam a estratégia da empresa.

2.3.1.2 . Mudanças econômicas

O ambiente de uma empresa nos negócios é o padrão de todas as condições e

influências externas que afetam sua vida e seu desenvolvimento.

Os custos financeiros são impactados pelas taxas de juros. A demanda externa é

impactada pela taxa de câmbio. Enfim, as condições do mercado, o número e o volume

de compras dos compradores, os preços dos insumos, os impostos, as despesas legais

são todos influenciados pelas condições econômicas. Para Nelson (1991), as

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21

estratégias escolhidas pelas empresas são rigorosamente determinadas pelo ambiente

econômico em que se situam.

Por isso, as conseqüências das tendências econômicas mundiais precisam ser

monitoradas na definição da estratégia de qualquer empresa. As características da

economia de variar constantemente no tempo tornam o exercício de observar os fatos

econômicos, interpretá-los rapidamente e concluir sua tendência mais provável

indispensável para a direção dos negócios.

2.3.1.3. Mudanças sociais

O ambiente social considera as pessoas de uma sociedade, seus valores,

crenças e comportamentos. O monitoramento do ambiente social prevê o estudo da

demografia, das características da população que levam em conta a diversidade que

apresenta.

A população brasileira é bem variada. Uma das causas dessa diversificação é

atribuída à vinda de imigrantes, que trouxeram consigo diferentes valores. A localização

geográfica, a idade, a raça, o sexo e os níveis de renda e de instrução são algumas das

diferenças entre as pessoas.

Por outro lado, a distribuição das idades da população tem mudado, a exemplo

do número de idosos que vem crescendo no Brasil. As tendências populacionais

impactam a distribuição, a demanda ou o design do produto.

Por essas razões, é importante o conhecimento da demografia na identificação

de padrões de diversidade das empresas e no direcionamento aos clientes de seus

bens e serviços de forma apropriada e eficaz.

No estudo do ambiente social, há necessidade de considerar a cultura do lugar

onde a organização se insere, devido a questões éticas,14 que apresentam variações

com as diferentes culturas.

14 As questões éticas são os princípios e valores morais que regem a forma como um indivíduo ou grupo conduz suas atividades (CHURCHILL, PETER, 2000).

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2.3.1.4. Mudanças tecnológicas

As empresas devem ser permeáveis a mudanças, obter as informações e

manter-se sempre informadas sobre seus próprios produtos e processos e estar em

condições de passar por reengenharia com rapidez.

A importância da informação sobre o desenvolvimento tecnológico é crucial para

as empresas que trabalham em mercados onde os produtos e processos são passíveis

de alterações decorrentes de mudanças tecnológicas. O desenvolvimento tecnológico

das organizações inclui as descobertas da ciência, o impacto do desenvolvimento de

produtos, os melhoramentos do maquinário das indústrias e dos processos e o

progresso da automação e da informática.

2.3.1.5. Mudanças no ambiente natural

Com o aumento da sensibilidade ao impacto de toda a atividade industrial sobre

o meio ambiente físico, torna-se essencial que as empresas considerem como seus

processos, produtos e embalagens podem afetar o ar, a água, a densidade de tráfego e

a qualidade de vida de um modo geral.

Alguns profissionais de marketing descobriram que a consciência ambiental é

muitas vezes não só necessária como lucrativa. Por isso, em certas organizações, essa

consciência inclui o marketing verde, com atividades destinadas a atender ao desejo

dos clientes de proteger o meio ambiente.

2.3.1.6. Mudanças na competição

O ingresso de novos concorrentes e as mudanças de preços no mercado têm

impacto nos preços que a empresa pratica, na participação da empresa nesse mercado

e em sua margem de contribuição. O surgimento de novos produtos impacta a

demanda e os gastos com propaganda.

Os estrategistas precisam avaliar as forças competitivas que afetam a

organização, para ajudá-la a desenvolver uma vantagem competitiva, sendo capazes

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de ter um desempenho melhor que os concorrentes na oferta de algo que o mercado

valorize.

2.3.2. DINÂMICA INTERNA DAS EMPRESAS

Outro fator que provoca mudança de estratégia é a própria dinâmica interna das

empresas.

Mesmo companhias bem-sucedidas procuram meios ainda melhores de defender

suas missões provocando mudanças incrementais, como a adoção de políticas de

aperfeiçoamento em produtos, métodos e processos e o desenvolvimento de pessoal

por meio de treinamento e seleção melhorada (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI,

1986).

Por outro lado, as mudanças descontínuas podem ser provocadas por pontos de

ruptura dentro da empresa interligados com forças externas. Até o tamanho da

organização pode requerer um design de administração novo. Quando ocorre troca de

comando na empresa, por exemplo, a estratégia empresarial pode ser também

completamente alterada (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, op. cit.).

2.3.3. O INTER-RELACIONAMENTO ENTRE AS MUDANÇAS

As mudanças de estratégia também derivam das interações entre os

subsistemas, em vez da liderança por si só.

As empresas são constituídas por várias partes inter-relacionadas, interligadas e

interdependentes, formando sistemas. Essas partes são os departamentos, setores,

serviços (BETHLEM, 1998). Segundo a teoria evolucionária (NELSON, 1991), as

organizações não são regidas pela racionalidade global, nem por qualquer estrutura

consistente isolada que guie as mudanças. As mudanças emergem da interação

cumulativa entre sistemas básicos de ação chamados rotinas: padrões repetitivos de

atividade que sustentam e controlam o funcionamento regular da organização.

As organizações são compostas de uma hierarquia de rotinas, desde a mais

básica até aquelas usadas por gerentes para controlar outras atividades. Embora as

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rotinas transmitam estabilidade à organização, são elas também responsáveis, de

forma inadvertida, pela criação de mudanças. À medida que as rotinas, que são

interligadas, mudam para lidar com novas situações, surgem mudanças maiores.

Assim, mudanças em conjunto irão afetar outras, criando um efeito cascata (NELSON,

op. cit.).

A esse respeito, Motta (1997) confirma que o processo de inovação é sistêmico e

globalista. Qualquer mudança afeta o todo, devendo ser consideradas em sua

administração a totalidade e a interdependência que apresenta.

Para Tushman, Newman e Romanelli (1986), diferentemente das mudanças

incrementais, as mudanças descontínuas envolvem mudanças em toda a organização.

À medida que as estratégias mudam, altera-se também a maior parte da estrutura, das

pessoas e dos processos organizacionais, o que confirma o inter-relacionamento que

existe entre as mudanças.

As mudanças descontínuas podem provocar modificações na distribuição de

poder, na estrutura organizacional, nos sistemas, nos procedimentos, nos fluxos de

trabalho, nas redes de comunicação e nos padrões de tomada de decisão, que

asseguram o rompimento deliberado com o comportamento anterior. Quando surgem

alterações nos fluxos de trabalho e nos procedimentos, são necessárias revisões nas

normas da organização. As mudanças descontínuas podem ainda envolver novos

executivos, geralmente trazidos de fora e colocados em posições-chave na

administração (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, 1986).

2.4. OS EFEITOS DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

Os itens a seguir tratam dos efeitos que as mudanças de estratégia podem

causar às organizações.

2.4.1. A INCERTEZA DO PROCESSO DE MUDANÇA

Uma das características do processo inovador é a incerteza quanto aos

resultados que ele vai produzir (DOSI, 1988).

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Devido às propriedades sistêmicas que a organização também apresenta e ao

contexto contemporâneo, altamente mutante e repleto de interdependências, o

processo de mudança torna-se um tanto imprevisível e pouco controlável. Por ser um

processo sistêmico e complexo, as conseqüências da inovação afetam o todo, mesmo

envolvendo parte da empresa. Na verdade, só o início do processo pode ser bem

conhecido. O final será sempre afetado por forças complexas e emergentes. Até

pequenas mudanças podem levar a grandes rupturas ou ter conseqüências diversas

das planejadas (MOTTA, 1997).

Para Dosi (op. cit.), inovação refere-se a buscas, descobertas, experimentação,

desenvolvimento de novos produtos, processos e arranjos organizacionais. Quase que

por definição, o que se busca não pode ser conhecido com precisão antes que a

atividade seja concretizada. Os resultados da inovação dificilmente podem ser

conhecidos ex ante.

Por exemplo, mesmo quando a inovação é adotada visando à obtenção de lucro,

tendo sido decorrente de oportunidades detectadas no ambiente econômico ou técnico,

qualquer percepção anterior não pode assegurar quais serão os resultados que a

inovação irá produzir (DOSI, ibid.).

Para diminuir a taxa de incerteza da mudança de estratégia e para que a

empresa se beneficie da melhor informação disponível, Quinn e Voyer (1980)

recomendam que se proceda flexível e incrementalmente. Como a estratégia lida com o

desconhecido, envolvendo muitas forças que apresentam diversas possibilidades de

combinação, torna-se difícil prever os eventos.

2.4.2. A MUDANÇA COMO FATOR DE SUCESSO

Vários autores consideram a mudança de estratégia um fator para o sucesso das

organizações.

Para Motta (1997, p. 186), por exemplo, “a inovação fundamenta-se na crença da

melhoria crescente...Refere-se a uma mudança julgada benéfica; é a solução criativa

de problemas, provocando o desenvolvimento da empresa”.

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Inovar é introduzir a novidade sugerindo que alguma tecnologia, habilidade ou

prática organizacional se tornou obsoleta. “Inovação traz a visão do progresso, carrega

a conotação da virtude e do mais bem realizado. Transformar é criar um novo modelo

de organização e produção; significa alterar as próprias premissas sobre a realidade e

compreender a mudança como fundamental para o êxito organizacional” (MOTTA, op.

cit., p. xiv).

Utterback (1996) porém indica que para as mudanças de estratégia se

constituírem na chave para o sucesso corporativo sustentado e não em soluções

limitadas, é necessário que atendam a uma condição: elas não podem ser efêmeras ou

ser provocadas isoladamente.

O autor explica que, entre as panacéias adotadas pelas empresas líderes para

aumentar vendas, produtividade e rentabilidade e ampliar seus períodos de liderança,

encontram-se o dimensionamento correto do negócio (“right sizing”), a redução de

níveis hierárquicos e o desenvolvimento de uma manufatura enxuta nas empresas.

Mais recentemente, os gerentes têm sido instados a ouvir o que o cliente tem a dizer, a

fazer a customização15 em massa de seus produtos e a reengenharia de suas

corporações. Embora cada uma dessas abordagens tenha méritos em si para a

manutenção da corporação e muitas delas tenham gerado resultados admiráveis, elas

são, não obstante, soluções limitadas. Durante um certo tempo, ajudam as empresas a

se tornarem mais eficazes em suas linhas atuais de negócio, mas fazem pouco para

ajudá-las nos casos em que as mudanças recomendadas foram feitas isoladamente ou

se elas foram efêmeras (UTTERBACK, 1996).

Assim, os gerentes devem encarar cada ação que tomam como se fosse um

degrau numa escada estratégica. Embora raramente uma organização possa

desenvolver mais do que uma campanha por mudança ao mesmo tempo, também é

igualmente importante que as campanhas recém-terminadas e vitoriosas não sejam

anuladas pela seguinte. Devem ser consideradas maneiras de montar a escada de

15 Customização, “tradução de customization, palavra inventada por Alvin Toffler para contrapor a idéia de massificação” (MOTTA, 1997, p.36).

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mudanças com efeito cumulativo, no lugar de ficar dando saltos no chão a cada vez

(UTTERBACK, op. cit.).

2.4.3. OS EFEITOS DAS MUDANÇAS INCREMENTAIS E DAS MUDANÇAS DESCONTÍNUAS

Para as empresas cujas estratégias se encaixam nas condições ambientais, as

mudanças incrementais16 otimizam as consistências entre estratégia, estrutura e

pessoas, ocasionando eficiência cada vez maior (TUSHMAN, NEWMAN e

ROMANELLI, 1986).

Tushman, Newman e Romanelli (Op. cit.) e Utterback (1996) observam,

entretanto, que a mudança incremental pode produzir efeitos contrários nas

organizações. À medida que crescem e se tornam mais bem-sucedidas, as empresas

desenvolvem forças internas para a estabilização. As estruturas organizacionais e os

sistemas se tornam completamente interligados, permitindo apenas mudanças

compatíveis com o status quo. Também, os empregados desenvolvem um sentido de

competência ao saber como realizar o trabalho dentro do sistema. A empresa fica

repleta de orgulho, o que muitas vezes pode restringir a solução de problemas e ser

uma fonte de resistência à mudança. As grandes inovações que se constituíram numa

época o sangue vital da empresa, são cada vez menos incentivadas e os

aperfeiçoamentos contínuos e incrementais tornam-se a ordem do dia. Assim, obtém-se

um resultado paradoxal: após longos períodos de sucesso poderá surgir um aumento

da complacência organizacional, diminuindo a flexibilidade e constituindo-se num

obstáculo à habilidade de aprender.

Num ambiente organizacional estável e eficaz, mas conservador, as

recompensas para mudanças incrementais, como o aperfeiçoamento de tecnologias,

produtos e processos existentes, parecem ser maiores que o incentivo para produzir

mudanças descontínuas. As mudanças descontínuas, que abrem novas fronteiras para

a organização, muitas vezes são vistas como difíceis e arriscadas. Em contrapartida, as

inovações incrementais são consideradas produtoras confiáveis de resultados

previsíveis, num prazo muito mais reduzido (UTTERBACK, op. cit.).

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Quanto maior for o período de convergência, maiores são as forças internas para

a estabilidade. As características da organização que foram as fontes-chave do

sucesso passam a ser as sementes do fracasso, principalmente quando ocorrem

mudanças no ambiente externo (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, 1986). A

decisão de não abandonar produtos ou processos desgastados no momento oportuno

pode trazer benefícios somente de curto prazo. Fazer apenas inovações incrementais,

embora seja um caminho seguro e de menor resistência interna, deixa a empresa sem

nenhum preparo para o futuro (UTTERBACK, op. cit.).

As organizações devem ir além da melhoria contínua e dar o salto para as

mudanças radicais. Em um mundo não-linear, apenas as oportunidades para inovações

descontínuas criarão novas riquezas (HAMMEL, 2000).

Também, pela descontinuidade crescente dos desafios ambientais, novos

produtos, novas tecnologias e novos desafios mercadológicos exigem cada vez mais

mudanças descontínuas com relação ao passado. Menos decisões devem ser

baseadas em extrapolação de experiência passada. Um número crescente deve ser de

decisões novas, pouco estruturadas, envolvendo problemas e oportunidades novas

para a empresa, requerendo análise e julgamento imaginativos, em lugar de regras de

decisão baseadas na experiência histórica (ANSOFF e McDONNELL, 1993).

Estudos mostram que as empresas mais bem-sucedidas mantêm um equilíbrio

durante vários anos, mas são capazes de iniciar reorientações quando seus ambientes

mudam. Essas mudanças descontínuas,17 que são verdadeiros tumultos, podem trazer

um vigor renovado para a organização (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, op. cit.).

Empresas não tão bem-sucedidas, por sua vez, ficam presas a determinado

padrão. Seus gerentes não realizam as mudanças necessárias para romper o padrão.

Embora nem todas as mudanças descontínuas tenham sucesso, as organizações que

não as iniciam à medida que o ambiente muda operam com desempenho inferior

(TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, op. cit.).

16 As mudanças consideradas incrementais neste estudo são também chamadas por Tushman, Newman e Romanelli de convergências. 17 As mudanças consideradas descontínuas nesta pesquisa são chamadas de mudanças de quebra de padrões, ou de reorientações, por Tushman, Newman e Romanelli (1986).

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Utterback (1996) conclui que nenhuma das estratégias por si só, ou seja,

produzir somente mudanças incrementais ou produzir somente mudanças

descontínuas, conduz ao domínio de mercado. Todas as evidências indicam a

necessidade de mudanças tanto descontínuas como incrementais. As empresas que

vencem a corrida para o sucesso desenvolveram as virtudes de ambas.

2.4.4. A RESISTÊNCIA COMO CONSEQÜÊNCIA NATURAL DO PROCESSO DE MUDANÇA

A decisão de mudar significa acentuar deliberadamente a desarticulação natural

da organização. As mudanças aguçam as contradições naturais já existentes no meio

organizacional, rompem valores e interesses, gerando apoios e resistências (MOTTA,

1997).

As resistências podem se constituir em esforços dentro da organização para

anular os efeitos da mudança, sendo notadas no uso dos recursos organizacionais para

manifestar oposição, bloquear, retardar e propor. Ocorrem sempre que uma mudança

organizacional introduz um afastamento do comportamento, da cultura e da estrutura de

poder existentes e freqüentemente conduzem a um hiato entre o comportamento de

uma empresa e os imperativos do ambiente (MOTTA, 1997, e ANSOFF e

McDONNELL, 1993).

O processo de mudança não é um processo tranqüilo e seguro para se chegar

aos resultados desejados. As descontinuidades e conflitos lhe são inerentes. Quanto

mais pronunciada e imaginativa for a mudança, maior será a resistência. Assim, além

de criatividade, propensão ao risco e competência ao uso de especialistas, o

empreendedor, atualmente, deve ter a habilidade de ser um gestor carismático de

mudanças descontínuas (MOTTA, 1997, e ANSOFF e McDONNELL, 1993).

Empresas estabelecidas com negócios vultosamente lucrativos são quase

invariavelmente mais conservadoras e avessas ao risco do que os novos concorrentes,

que não têm nada a perder. À medida que as empresas crescem, seus dirigentes

necessariamente operam mais como preservadores do que como criadores. Eles têm

produtos geradores de renda, que precisam ser nutridos e preservados para continuar a

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gerar benefícios para os acionistas e corpo de funcionários, por isso resistem às

mudanças (UTTERBACK, 1996).

O nível de resistência à mudança, além de estar condicionado ao impacto da

mudança no comportamento da organização, depende da extensão do período durante

o qual a mudança está sendo introduzida. Quanto mais lentamente a mudança for

introduzida, maior é a chance de surgirem focos de resistência. Por outro lado, são

também determinantes do nível de resistência à mudança: as ameaças, inseguranças,

perdas de prestígio e de poder para os indivíduos-chave; as contribuições da mudança

para o sucesso; o grau de lealdade do funcionário em relação à organização; o impasse

entre os vários centros de poder existentes (ANSOFF e McDONNALDS,1993).

Motta (1997) confirma que, na maioria das vezes, as resistências à mudança

surgem com as percepções individuais sobre a novidade por: (1) receio do futuro; (2)

recusa ao ônus da transição,18 (3) acomodação ao status funcional como fruto das

dificuldades dos empregados em lidar com a complexidade e a descontinuidade das

condições organizacionais; e, finalmente, (4) receio do passado, já que muitas pessoas

atingidas por fracassos anteriores tornam-se opositoras em relação à mudança.

18 Sobre esse assunto, o autor esclarece que ao contrário das simples variações no status quo, as mudanças descontínuas exigem modificações nas estruturas de poder, provocando ganhos e perdas. Sobretudo chefes possuem a tendência de maximizar a importância de suas tarefas no contexto da empresa, e resistem às mudanças que lhes reduzam poder, recursos e prestígio. Escondem necessidades de mudança, ao transmitirem informações de forma a minimizar ineficiências internas e a maximizar o que lhes é favorável.

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3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos apresentados neste capítulo são coerentes

com o problema que a pesquisa se propôs a responder, com seus objetivos e com os

conceitos estabelecidos na base teórico-empírica que orientaram o estudo.

3.1. DELINEAMENTO DA PESQUISA

A presente pesquisa configurou-se como: (1) um estudo de caso; (2) do tipo

exploratório-descritivo; (3) com abordagem qualitativa.

3.1.1. O ESTUDO DE CASO

Os experimentos, levantamentos, pesquisas históricas, análise de informações

em arquivos e estudos de caso constituem-se estratégias de se fazer pesquisas em

ciências sociais. Embora não sejam bem-definidas as ocasiões em que cada uma

dessas estratégias é usada, quando o problema da pesquisa se apresenta como uma

questão do tipo “como” ou “por que” para um conjunto contemporâneo de

acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle, o estudo

de caso possui vantagens em relação a outras estratégias (YIN, 2001).19

Tendo em vista o problema da pesquisa – COMO OCORRERAM AS MUDANÇAS DE

ESTRATÉGIA EM O BOTICÁRIO EM SEUS 25 ANOS DE EXISTÊNCIA – tratar-se de um estudo de

um contexto contemporâneo sobre o qual o pesquisador não tem nenhum controle, esta

pesquisa configurou-se como um estudo de caso único.20

A unidade de análise foi o Departamento de Desenvolvimento de Varejo de O

BOTICÁRIO.

19 Segundo Carmo Neto (1996), o estudo de caso utiliza casos concretos em vez de hipotéticos (afirmação contida no Guia para a Apresentação de Trabalhos Científicos. Programa de Pós-graduação em Administração. Universidade Federal do Rio Grande do Sul). 20 As razões que justificam a realização do estudo de caso único encontram-se descritas no item 3.2., A SELEÇÃO DA EMPRESA OBJETO DO ESTUDO DE CASO.

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3.1.2. SOBRE O TIPO DE PESQUISA

São condicionantes do tipo de pesquisa que se pretende realizar os objetivos do

trabalho, as possibilidades do pesquisador e a natureza do problema que está sendo

esclarecido. As pesquisas podem ser do tipo exploratório, descritivo ou explicativo

(RICHARDSON, 1999).

É um estudo de caso do tipo explicativo quando se propõe a analisar

detalhadamente o passado, o presente e as intenções sociais de uma instituição. É

uma pesquisa do tipo descritivo quando visa a descrever um fenômeno ou área de

interesse, de forma também detalhada e objetiva; e do tipo exploratório, quando busca

constatar algo em um fenômeno, suas características, procurando posteriormente

explicações para as causas e as conseqüências do dito fenômeno (RICHARDSON,

1999, e BELLO, 2000).

Considerando os objetivos da pesquisa que visam a conhecer como ocorreram

as mudanças de estratégia em O BOTICÁRIO, levantar informações sobre as

mudanças de estratégia na empresa, procurar identificar suas causas e conseqüências

e caracterizar as mudanças de estratégia levantadas, pode-se classificar a pesquisa

como do tipo exploratório-descritivo.

3.1.3. A ABORDAGEM QUALITATIVA

De acordo com os procedimentos sistemáticos adotados para a explicação dos

fenômenos, a forma de abordagem do problema ou o seu nível de aprofundamento, as

pesquisas classificam-se, de uma maneira bastante ampla, em quantitativas e

qualitativas. Os estudos quantitativos, como o próprio nome sugere, caracterizam-se

pela quantificação tanto na coleta de informações como no tratamento dessas

informações por meio de técnicas estatísticas. Já os estudos qualitativos diferem dos

quantitativos na medida em que não empregam um instrumental estatístico como base

do processo de análise de um problema (RICHARDSON, 1999).

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As pesquisas qualitativas, também chamadas de naturalistas, construtivistas

sociais, pós-positivistas, etnográficas, fenomenológicas ou subjetivistas,21 seguem a

tradição compreensiva ou interpretativa. Assim, pela diversidade e flexibilidade que

apresentam, não admitem regras precisas, aplicáveis a uma ampla gama de casos.

“Partem do pressuposto que as pessoas agem em função de suas crenças,

percepções, sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido,

um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado”

(ALVES-MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 131).

As três características essenciais das pesquisas qualitativas são: visão holística,

investigação naturalística e abordagem indutiva. A visão holística considera que a

compreensão do significado de um comportamento só é possível em função da

compreensão da totalidade, das inter-relações que emergem de um dado contexto. A

investigação naturalística é aquela em que a intervenção do pesquisador no contexto

observado é mínima. Finalmente, a abordagem indutiva permite ao pesquisador, a partir

de observações mais livres, deixar que dimensões e categorias de interesse emerjam

progressivamente durante os processos de coleta e análise de dados (ALVES-

MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, op. cit.).

O presente estudo classifica-se então como qualitativo porque permitiu conhecer

o significado da mudança organizacional em função da compreensão das inter-relações

que emergiram do processo (visão holística), não tendo havido a intervenção do

pesquisador no contexto observado (investigação naturalística). Na análise dos dados,

utilizou-se a indução como fonte de informação, ou seja, partiu-se de observações

constatadas para concluir-se sobre situações não-observadas (abordagem indutiva).

Além disso, não se adotou um instrumental estatístico como base do processo de

coleta e análise do problema.

A indução é um processo pelo qual podemos chegar a proposições gerais,

partindo-se de observações particulares. Parte de premissas dos fatos observados para

chegar a uma conclusão que contém informações sobre fatos ou situações não-

observadas. Como fonte de informação, é o mais importante pressuposto para se

21 Alves-Mazzotti, Gewandsznajder (1998, p. 131) atribuem essas denominações a Guba & Lincoln.

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trabalhar cientificamente (ALVES-MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 1998, e

RICHARDSON, 1999).

3.2. O PLANEJAMENTO DO ESTUDO

O foco e o planejamento do estudo em questão foram delineados a partir da

coleta de dados no decorrer do processo de investigação.

Para justificar essa opção, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998)22

esclarecem que o foco, as categorias teóricas e o planejamento de um estudo

qualitativo devem emergir, por um processo de indução, do conhecimento do contexto,

não podendo ser definidos a priori, pois a realidade múltipla e socialmente construída

de uma dada situação não possibilita a aprendizagem de seu significado de modo

arbitrário e precoce, mas sim no decorrer do processo de investigação.

Dada a natureza idiográfica (não-repetível) e holística dos fenômenos sociais,

nenhuma teoria selecionada a priori é capaz de dar conta de sua realidade no que

tange à especificidade e à globalidade. A focalização prematura do problema e a

adoção de um quadro teórico prévio turvam a visão do pesquisador, levando-o a

desconsiderar aspectos que não se encaixam na teoria e a fazer interpretações

distorcidas dos fenômenos estudados (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER,

ibid.).

3.3. A SELEÇÃO DA EMPRESA E DOS ENTREVISTADOS

3.3.1. A SELEÇÃO DA EMPRESA

A empresa, objeto deste estudo de caso, foi escolhida de forma proposital, em

razão de ser uma empresa cujo faturamento tem crescido em média 16% ao ano, desde

1996. Ocupa o terceiro lugar do Brasil em liderança de mercado no setor de

cosméticos, perdendo somente para a Avon e para a Natura.23

22 Os autores atribuem a Lincoln & Guba os argumentos em favor de se adotar um mínimo de estruturação prévia. 23 Revista Forbes Brasil, 17 de janeiro de 2001.

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Sabia-se de antemão, também, que O BOTICÁRIO possuía um histórico de

inovações, não apresentando obstáculos às mudanças. Até quanto ao canal de

distribuição dos produtos a empresa inovou, criando uma rede de lojas exclusivas,

numa época em que os produtos de seu setor eram vendidos em grandes lojas de

departamentos ou de porta em porta.24

Como a empresa foi considerada uma rica fonte de pesquisa sobre o tema da

mudança organizacional, satisfazendo todas as condições para se testar a teoria,

optou-se por adotar a estratégia de um estudo de caso único, apontada por Yin (2001).

Dentro da empresa, a escolha do Departamento de Desenvolvimento de Varejo

ocorreu por ser o departamento responsável pelas atividades em que as mudanças são

facilmente observadas pelo consumidor, como o padrão arquitetônico dos pontos-de-

venda, entre outras.

Além disso, havia mais facilidade de contato por parte do pesquisador com os

funcionários daquele departamento.

3.3.2. A SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Para escolher os entrevistados, foram observados critérios como antigüidade na

organização; participação nos processos de mudanças de estratégia; conhecimento

detalhado das circunstâncias envolvidas na questão da pesquisa; e capacidade para

expressar detalhes para a compreensão do fenômeno, conforme sugerido por Triviños

(1987).

3.4. FONTES E COLETA DE DADOS

A coleta dos dados que ajudaram a conhecer as mudanças de estratégia em O

BOTICÁRIO verificou-se por meio de fontes primárias e secundárias.

24 Revista Forbes Brasil, 17 de janeiro de 2001.

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36

3.4.1. FONTES PRIMÁRIAS

As fontes primárias de coleta de dados são as que têm uma relação física direta

com os fatos analisados, como o relato ou o registro da experiência de uma pessoa

(RICHARDSON, 1999).

As fontes primárias utilizadas na presente pesquisa foram entrevistas não-

estruturadas, na fase inicial da coleta de dados; entrevistas semi-estruturadas ou

focalizadas e um livro sobre a empresa, escrito por um ex-funcionário, que narra sua

experiência no período em que trabalhou em O BOTICÁRIO, de 1985 a 1991.25

A entrevista não-estruturada foi realizada com um gerente de departamento da

empresa e uma coordenadora de operações, durando cerca de 3 horas.

As entrevistas semi-estruturadas26 foram realizadas com o mesmo gerente,

durando cerca de 2 horas, com três coordenadores e com um funcionário que não

exerce cargo de chefia, por um período de 55 minutos cada uma.

Também, durante cerca de 1 hora e 30 minutos, foi entrevistado um ex-

funcionário, demitido em decorrência de um processo de mudança descontínua que a

empresa apresentou. Esse entrevistado permanece vinculado a O BOTICÁRIO por

meio de prestação de serviços, ora terceirizados.

Todas as entrevistas foram realizadas nas dependências da empresa, com

exceção da última, que se realizou no próprio escritório do entrevistado.

O roteiro utilizado para essas entrevistas foi:

• Fale sobre as grandes conquistas de O BOTICÁRIO nas principais categorias de

existência da empresa.

• Fale sobre as grandes mudanças e inovações nessas categorias.

• Fale sobre as principais dificuldades e obstáculos em cada categoria.

• O que O BOTICÁRIO faz, mas não deveria fazer?

25 Trata-se do livro O FRANCHISING PASSADO A LIMPO, de Wilson M. Meiler (1992). 26 Nas entrevistas semi-estruturadas, o pesquisador faz perguntas específicas e os entrevistados respondem com seus próprios termos (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1999).

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37

• O que O BOTICÁRIO não faz, mas deveria fazer?

As duas últimas questões não foram comentadas pelo ex-funcionário

entrevistado, por alegar estar distante das rotinas administrativas da empresa há mais

de três anos.

Após as entrevistas semi-estruturadas, ofereceu-se aos entrevistados a

oportunidade de analisar as transcrições das fitas gravadas ou das anotações

efetuadas, visando a aumentar a confiabilidade dos dados transcritos.

A fim de obter a expressão autêntica da visão dos entrevistados, na transcrição

das respostas às entrevistas não houve citação das fontes, garantindo o anonimato aos

participantes.

3.4.2. FONTES SECUNDÁRIAS

São secundárias as fontes de informação que não tiveram relação direta com o

acontecimento, tendo sido registradas através de um elemento intermediário.

Classificam-se aí matérias da mídia impressa (RICHARDSON, 1999).

Nesta pesquisa, as fontes de dados secundárias foram reportagens sobre a

empresa e entrevistas com membros de sua diretoria constantes de jornais e revistas e

uma apostila produzida pelo Serviço de Atendimento ao Cliente O BOTICÁRIO, para

atender a solicitações de estudantes.

A relação das fontes secundárias analisadas encontra-se no Anexo 2.

3.4.3. FACILIDADES ENCONTRADAS NA COLETA DE DADOS

Dentre as facilidades encontradas na coleta dos dados destaca-se o grande

volume de informações secundárias existentes sobre a empresa. É vasto o material de

imprensa sobre O BOTICÁRIO. Muitas das informações sobre indicadores de

desempenho da empresa foram extraídas desse material.

Outro facilitador para a obtenção dos dados foi a consulta a um livro escrito

sobre a organização, que narra a experiência de trabalho de um ex-funcionário da

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empresa, no período de 1985 a 1991.27 Esse livro foi importante para o resgate da

memória de O BOTICÁRIO, já que a experiência de alguns entrevistados na empresa

ocorreu em épocas posteriores.

Além disso, a compreensão do fenômeno em estudo foi facilitada por serem

freqüentes as mudanças de estratégia e as inovações na empresa.

Quanto às dificuldades na coleta de dados, foram as normalmente encontradas

em estudos desse tipo.

3.5. A ANÁLISE DOS DADOS28

Inicialmente, na análise dos dados, adicionou-se ao que foi exposto pelos

entrevistados o pensamento de membros da diretoria da empresa obtido nas fontes

secundárias.

Foram utilizadas as seguintes técnicas de análise: (1) as entrevistas semi-

estruturadas realizadas, em sua maioria gravadas, foram transcritas e revisadas, para

evitar erros; (2) a partir da transcrição das respostas, os dados foram organizados

preliminarmente, de acordo com o roteiro oferecido aos entrevistados; (3) verificaram-se

os itens mais freqüentes; (4) as informações provenientes do livro escrito sobre a

empresa foram resumidas e enquadradas no roteiro seguido pelos entrevistados; (5) os

dados secundários foram resumidos e também enquadrados no roteiro das entrevistas.

Todos os itens mencionados nas entrevistas e todas as informações referentes

aos temas em análise encontradas em outras fontes, independentemente da

importância que pudesse a elas ser atribuída pelos entrevistados, foram registrados.

A partir do resumo dos dados e das respostas às entrevistas, foi elaborada a

estrutura descritiva apresentada no Capítulo 4 desta pesquisa.

27 Conforme mencionado no item 3.4.1. 28 A análise dos dados consiste em examinar, categorizar, classificar ou recombinar evidências, tendo em vista as questões do estudo derivadas de teorias prévias sobre mudanças organizacionais (YIN, 2001).

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39

3.6. AS LIMITAÇÕES DA PESQUISA

Pode-se considerar uma limitação da pesquisa o fato de a análise das mudanças

concentrar-se naquelas apontadas pelos entrevistados, embora eles tenham, em suas

respostas, focado a empresa de modo geral. Não foi estabelecida uma ordem de

importância às mudanças analisadas, mesmo detectando-se que duas delas se

repetiram em todas as respostas e conteúdos das fontes secundárias. Essa repetição

permitiu detectar o grau de importância conferido àquelas mudanças. O conteúdo das

fontes secundárias permitiu analisar a organização de um modo mais geral. Sabe-se,

no entanto, que certas mudanças de estratégia que afetaram a atividade de outros

departamentos talvez igualmente importantes na trajetória da empresa não foram

analisadas.

Outro aspecto que pode ser considerado como limitação a esta pesquisa é que,

por ser um estudo qualitativo, os atributos pessoais do investigador e suas perspectivas

sempre o influenciam.

Nesses estudos, porém, “a meta não é produzir um conjunto unificado de

resultados que outro investigador meticuloso teria produzido, na mesma situação ou

estudando os mesmos assuntos. O objetivo é produzir uma descrição coerente e

iluminadora de uma situação baseada no estudo consistente e detalhado dessa

situação” (RICHARDSON, 1999, p. 94).29

29 O autor atribui essa afirmação a Janet Ward-Schofield (1993, p. 202).

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40

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS30

Neste capítulo, encontram-se os dados coletados, dispostos numa estrutura

descritiva, de modo a atender aos objetivos do estudo. Dividiu-se o capítulo em três

seções. A primeira seção apresenta a caracterização de O BOTICÁRIO, com

informações sobre a natureza do negócio, seu porte, a posição que ocupa no mercado,

indicadores de desempenho, entre outras. Prossegue-se com um breve histórico da

empresa, dividido por categorias de análise e com aspectos que demonstram a rápida

expansão que a empresa tem sofrido. A segunda seção trata da capacidade inovadora

da empresa, com a identificação dos pontos fortes sob os diferentes aspectos e das

mudanças de estratégia que apresentou. Finalmente, na terceira seção, são

apresentadas algumas sugestões de mudanças para O BOTICÁRIO.

4.1. CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

O BOTICÁRIO é uma empresa de capital fechado, que vive com recursos

próprios, controle exclusivamente brasileiro, e que fabrica e comercializa cerca de 450

itens de produtos para cuidados com o corpo, faciais, protetores solares, maquiagem,

deocolônias e desodorantes nas linhas feminina, masculina e infantil.

A missão de O BOTICÁRIO é assim descrita: “Obtermos competência para criar

produtos e serviços de beleza e bem-estar, traduzidos em valores percebidos pelos

clientes, bem como conquistar a sua fidelidade e assegurar o crescimento e a

rentabilidade da empresa.”

De uma maneira geral, as atividades da empresa podem ser divididas em duas

grandes frentes: a rede de lojas e a fábrica.

A fábrica, em São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, cuja

edificação recebeu investimentos de 1 milhão de dólares, possui 34.346 m2 de área

30 As informações constantes deste capítulo, cuja origem não foi identificada, são provenientes das fontes primárias e das seguintes fontes secundárias: Revista Exame, jul 2001, Revista Forbes Brasil, jan. 2001, e Apostila produzida pelo Serviço de Atendimento ao Cliente O BOTICÁRIO, mar. 2001.

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construída, contando com mais de 1.220 funcionários entre as áreas de produção e

administrativa. Somente em 2000, a fábrica dobrou sua capacidade de produção.

No exterior, são 66 lojas em Portugal (é uma das maiores franquias de Portugal),

4 na Bolívia, 2 no Peru, 1 no Paraguai e 328 pontos-de-venda multimarcas no Japão.

Quanto à rede de lojas, O BOTICÁRIO adota o sistema de franquia31 e detém o

posto de maior franqueadora do setor de perfumaria e cosméticos do Brasil. A empresa

tem cerca de 2.000 lojas espalhadas pelas capitais brasileiras, grandes cidades e

municípios com mais de 30.000 habitantes. A título de comparação, McDonald’s, outra

marca que está em toda parte, dispõe de 500 lanchonetes no país.

No ano de 2000, a fábrica produziu cerca de 50 milhões de unidades de

produtos. Um novo sistema de operações passou a integrar as linhas de produtos e a

empresa adquiriu equipamentos e tecnologia, possibilitando ganhos em produtividade.

Em 2000, o faturamento indústria e da rede de franquias foi de R$1.170

milhões.32 No mesmo ano, o volume de vendas foi de 165,1 milhões de dólares, e seu

índice de 33,4% de investimento no imobilizado de 2000, sobre o imobilizado de 1999,

ficou bem acima das grandes indústrias do setor (higiene, limpeza e cosméticos)

(Tabela 1).

Quanto à rentabilidade, medida pelo retorno do investimento obtido no ano de

2000, a empresa ocupa o segundo lugar do setor (Tabela 2); e quanto à liderança de

mercado, medida pela percentagem do mercado conquistado nas vendas, detém o

quinto lugar (Tabela 3).

31 Pela lei federal nº 8.955 de 15 de dezembro de 1994, “franquia empresarial (franchising) é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso da marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também, ao direito de uso da tecnologia de implantação e administração do negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”. O conteúdo da Lei nº 8.955 encontra-se no Anexo 1. 32 Revista Forbes Brasil, 17 jan. 2001, p. 60.

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42

Tabela 1 – Investimento das indústrias do setor no imobilizado em 2000 sobre o imobilizado de 1999

EMPRESA

% DE INVESTIMENTO

O BOTICÁRIO 33,4

NATURA 25,1

AVON 23,4

PROCTER & GAMBLE 14,5

KLABIN KIMBERLY 9,1

IND. REUN, RAYM. FONTE 9,0

BOMBRIL 7,3

Fonte: Revista Exame, jul. 2001, p. 188

Tabela 2 – Rentabilidade – Retorno do investimento obtido no ano 2000

EMPRESA

% DE RETORNO

BOMBRIL 9,2

O BOTICÁRIO 4,9

IND. REUN, RAYM. FONTE 4,1

KLABIN KIMBERLY 4,0

PROCTER & GAMBLE 1,7

NATURA -11,8

AVON NA

Fonte: Revista Exame, jul. 2001, p. 188 NA – Não-aplicável

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43

Tabela 3 – Liderança de mercado

EMPRESA

% DE MERCADO CONQUISTADO NAS VENDAS EM 2000

AVON 11,0

NATURA 7,6

BOMBRIL 3,8

KLABIN KIMBERLY 3,3

O BOTICÁRIO 2,3

PROCTER & GAMBLE 2,2

IND. REUN, RAYM. FONTE 0,7

Fonte: Revista Exame, jul. 2001, p. 188

4.1.1. BREVE HISTÓRICO DA EMPRESA DIVIDIDO POR CATEGORIAS DE ANÁLISE

Dividiu-se a história de O BOTICÁRIO em cinco categorias.33 Cada categoria foi

denominada de modo a sugerir o aspecto considerado mais importante naquela fase.

A seguir, é resumido o caminho percorrido pela empresa ao atravessar cada

categoria.34

4.1.1.1. A CRIAÇÃO

O BOTICÁRIO iniciou suas atividades em 22 de março de 1977 a partir de uma

pequena farmácia de manipulação de produtos dermatológicos instalada no centro

histórico de Curitiba, após seu dono e fundador ter se graduado em farmácia e

bioquímica em 1976.

A empresa resumia-se a essa farmácia, chamada Botica Comercial

Farmacêutica, formada por quatro sócios, dois médicos dermatologistas e dois

farmacêuticos recém-formados, que investiram US$3.000,00 no negócio. A empresa

33 Grande parte das informações apresentadas nas três primeiras categorias (até 1991) foi obtida do livro O FRANCHISING PASSADO A LIMPO, de Wilson M. Meiler, que trabalhou em o BOTICÁRIO de 1985 a 1991. 34 Depreende-se das entrevistas, considerando os projetos e programas ora em desenvolvimento, que a empresa ainda esteja atravessando a última categoria citada, o AUMENTO DA INTERAÇÃO COM O CLIENTE, caracterizada pela implantação da Loja Interativa.

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preocupava-se em atender com precisão e qualidade os seus clientes e resumia-se a

uma pequena sala acarpetada sem balcão, com apenas um sofá e uma pequena mesa.

Os farmacêuticos se revezavam no atendimento aos clientes, na arrumação das

prateleiras e na faxina diária. Os médicos prescreviam as receitas e indicavam a

farmácia para seus pacientes.

Com as vendas limitadas pelo próprio mercado onde atuava, o negócio foi

ampliado entrando na área cosmética, com uma linha natural própria, de xampu e

creme hidratante que servia a todos os tipos de pele, ambos à base de algas marinhas,

oferecida aos clientes que visitavam a farmácia. Em pouco tempo, principalmente pela

propaganda boca a boca, as pessoas começaram a se deslocar até a farmácia em

busca dos produtos, que já eram sinônimo de qualidade.

4.1.1.2. O INÍCIO DO SISTEMA DE FRANQUIA

Numa ocasião, quando o presidente da empresa voltava de uma viagem a São

Paulo, percebeu que no Aeroporto Afonso Pena, Região Metropolitana de Curitiba,

estavam sendo construídas cinco lojas. Uma delas seria destinada à instalação de uma

farmácia. Mesmo sendo pequeno o trânsito de pessoas no aeroporto, resolveu,

juntamente com seus sócios, montar ali, a segunda loja, a primeira exclusiva dos

produtos O BOTICÁRIO. Nessa época, a fabricação já englobava mais produtos.

Com a abertura da primeira loja exclusiva no Aeroporto Afonso Pena, em

Curitiba, em 1979, funcionários de empresas aéreas e pessoas que viajavam, passaram

a agir inconscientemente como disseminadores dos produtos. Uma comercialização

informal teve lugar de forma crescente. Em pouco tempo, começaram a surgir pessoas

interessadas em abrir lojas para revender os produtos em suas cidades de origem.

Assim, em 1980, foi inaugurada a primeira loja franqueada em Brasília, ainda

sem um contrato de exclusividade, iniciando-se o processo de franchising, inédito no

Brasil. A Associação Brasileira de Franquias (ABF) se constituiu depois de O

BOTICÁRIO ter iniciado a adoção do sistema: a Lei nº 8.955, que dispõe sobre o

contrato de franquia empresarial (franchising), data somente de 15 de dezembro de

1994.

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Com a implantação do sistema de franquia, os trabalhos de O BOTICÁRIO

passaram a se desenvolver em duas frentes: uma no campo, através dos

revendedores, que, além de franqueados, mais tarde ganharam o status e

responsabilidade de distribuidores35 para um ou mais estados e os próprios

franqueados; e a outra frente, nos bastidores da empresa, onde se desenvolvia o

trabalho de industrialização e de marketing.

Em 1982, foi inaugurada a fábrica no município de São José dos Pinhais, na

Região Metropolitana de Curitiba, que recebeu várias ampliações.

4.1.1.3. A FORMATAÇÃO DO NEGÓCIO

Inicialmente, não havia consciência clara do sistema de franquia. Havia

empresários empreendedores que, com visão de negócio, vislumbravam a

oportunidade de expansão, via instrumentos de terceiros, numa associação não-

convencional. O processo era intuitivo, muito ao acaso. Não havia uma formatação

metódica integrando todas as atividades da empresa. Existiam distribuidores e

revendedores, sem regras definidas.

Os franqueados, carentes de controles e de soluções para os seus problemas do

dia-a-dia, buscavam suas próprias soluções, originando um sistema heterogêneo e de

padrão questionável. Surgiam problemas, como lojas totalmente fora do padrão

BOTICÁRIO, lojas que funcionavam dentro de um sistema de lavanderias e que

vendiam outros tipos de produtos naturais junto com os produtos da marca. Em cada

estado, os produtos eram encontrados em lojas com produtos de marcas diferentes,

quebrando a unidade de apresentação.

Em 1988, mais de 50% das lojas eram mistas e totalmente despadronizadas.

Eram lojas menores em cidades menos populosas, que não comportavam os

investimentos de uma loja exclusiva.

Em 1987, começaram a surgir regras para os franqueados. Em 1988, foram

concluídos o Manual de Normas do Distribuidor e o Manual de Normas do Revendedor

35 Neste trabalho, distribuidores têm o mesmo significado que franqueados master ou subfranqueadores.

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46

(Franqueado), com detalhes sobre os procedimentos nas relações com a empresa,

direitos e deveres do franqueado e da franqueadora, gerando uma relação de

profissionalismo entre os participantes do sistema. O processo de seleção de

franqueados passou por uma reestruturação, obedecendo a critérios definidos.

O surgimento da primeira edição do Manual de Operações, com a consolidação

dos temas de treinamento, operações, promoções e eventos, deu-se em 1992. Nesse

manual, encontram-se as orientações necessárias para a abertura do estabelecimento,

o layout das lojas, a disposição dos produtos, entre outras.

Foi nesse mesmo ano que começaram as exigências quanto à padronização

visual para a rede de lojas, principalmente quanto à exclusividade para os pontos-de-

venda. Os uniformes das vendedoras também foram padronizados.

Para verificar se os franqueados estavam cumprindo as determinações do

franqueador, foi criada uma inspetoria de vendas de campo.

4.1.1.4. A REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA

A expansão desordenada da empresa exigiu maior eficácia dos processos que O

BOTICÁRIO adotava. O negócio precisava ser revitalizado e o modelo de gestão,

revisto.

A partir de 1995, surgiu a necessidade de pensar em O BOTICÁRIO de forma

mais estratégica: quais os caminhos da empresa; o que pretende ser; quais são seus

planos sobre o negócio; qual é a eficiência que a franqueadora apresenta. Nessa

ocasião, foi elaborado o primeiro planejamento estratégico.

Os questionamentos abrangeram diversos aspectos e setores da empresa,

iniciando-se a partir daí o processo de redesenho de toda a organização. Contrataram-

se empresas de consultorias especializadas para ajudar nessa reflexão, que resultou

nas muitas mudanças ocorridas nesse período.

Essa reestruturação da empresa durou dois anos e custou 40 milhões de

dólares. Há quem aponte que os fatores que distinguem O BOTICÁRIO das demais

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empresas do setor devem-se à estratégia de ações adotada pela empresa que

nasceram com o redesenho organizacional.

4.1.1.5. O AUMENTO DA INTERAÇÃO COM O CLIENTE

Uma das ações adotadas após o redesenho organizacional foi a remodelação

dos pontos-de-venda, decorrente da necessidade de revitalizar a marca.

A interatividade é uma tendência no varejo de qualquer setor, e vem ocorrendo

em função da maior diversidade de produtos disponíveis.

As marcas modernas procuram criar uma segmentação tão grande, que se torna

muito difícil mostrar todos os produtos para o consumidor utilizando um balcão, que

limita a área de atendimento e de exposição das lojas.

Quando existiam somente os tipos de tênis Conga e Bamba, era possível ter

uma loja com um vendedor atrás do balcão. A interatividade tem sido objeto de busca

em toda parte do mundo, como forma de permitir que o cliente veja o que quiser e

passe mais tempo na loja. Quanto mais tempo o consumidor passar dentro daquele

determinado ambiente de compra, maior é a probabilidade de ele levar algo para

casa.36

Seguindo essa tendência, O BOTICÁRIO criou a Loja Interativa, um modelo de

lojas baseado no auto-atendimento assistido, que permite a exposição de todos os seus

produtos.

A Loja Interativa é fruto de um projeto que custou 1 milhão de reais e que levou

um ano e três meses para ser implementado. Todas as mudanças que tinham ocorrido

com as lojas até então se referiram somente ao padrão arquitetônico.

Em 1998, início da implantação do projeto, cerca de 400 lojas passaram para o

novo formato. Em janeiro de 2000, a marca contava com 687 lojas interativas, no

universo de 1.737 pontos no país; em janeiro de 2001, das 2.000 lojas da rede,

aproximadamente 1.500 apresentam o novo layout, o aspecto mais visível para o

consumidor. Antes de o projeto ser implementado em definitivo, foram analisadas três

36 Revista Varejo & Tecnologia. jan. 2001, p. 22.

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lojas-piloto em Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo, no período de setembro de 1997 a

fevereiro de 1998. A Loja Interativa evidencia aspectos fundamentais para O

BOTICÁRIO: natureza, sonho, “brasilidade” e tecnologia.

4.1.2. A EXPANSÃO DE O BOTICÁRIO

O primeiro salto da empresa deveu-se à coragem e à criatividade de seu

proprietário: a aquisição de um lote de 70.000 frascos de perfume vazios de uma

empresa – Perfumaria Chanson – de São Paulo que havia fechado, pertencente ao

grupo Sílvio Santos. A falta de espaço – os frascos empilhados em cada sala do

pequeno prédio que ocupava –, aliada às dificuldades financeiras para pagar aquela

compra, transformou-se na força motriz para que se criasse uma fragrância para encher

os frascos e se tentasse vendê-los o mais rapidamente possível. Assim, em 1978,

nasceu o perfume ACQUA FRESCA, que se tornou um sucesso de vendas.

Nesse fato são nítidos os valores do maior acionista na definição da estratégia

da empresa. Também na implantação da primeira loja exclusiva dos produtos no

Aeroporto Afonso Pena sobressai a intuição do presidente na condução dos destinos da

empresa.37

Para BETHLEM (1998), os valores do grupo de comando ou da estrutura do

poder que domina uma empresa têm enorme importância no estudo da formulação de

sua estratégia. Assim, o processo estratégico é o apanágio do grupo de comando da

empresa. É ele que determina o que a empresa é e o que quer ser, o que faz e o que

quer fazer. Por isso, os valores do grupo de comando têm enorme importância não só

para o planejamento estratégico, como também para todos os demais aspectos do

management. Por mais profissionalizadas que se tornem, as empresas sempre

funcionam à imagem e semelhança de seus donos.

Em 1985, com oito anos de vida, a empresa contava com cerca de 470

franqueados em todo o Brasil; ao final de 1986, já eram 750 franqueados e 12

distribuidores, que ganharam territórios definidos para abrir suas próprias lojas e

37 Comentários sobre a implantação da loja no Aeroporto Afonso Pena encontram-se descritos no item 4.1.1.2., O INÍCIO DO SISTEMA DE FRANQUIAS deste capítulo.

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49

nomear outros revendedores (franqueados). Em 1988, o número de franqueados subiu

para 1.070. Nessa época, os produtos de O BOTICÁRIO vendiam-se por si.

O BOTICÁRIO começou a expansão internacional em 1986, por intermédio de

parentes de franqueados que viviam em Portugal. Quando chegou a esse país, a

empresa se deparou com costumes diferentes dos existentes no Brasil. Campanhas de

produtos adotadas no Brasil muitas vezes não eram consideradas adequadas aos

padrões culturais portugueses, por exemplo. Como havia duas lojas e “o volume não

era suficiente para manter a operação, assumimos a operação, e de lá para cá tivemos

um período de alta aprendizagem, pois há muitas diferenças de língua e costumes

entre Portugal e o Brasil”, comenta Artur Grynbaum, diretor comercial da empresa.38

Nas organizações, a variável cultural do ambiente onde a organização se insere

tem sido intensamente estudada e debatida para o desenvolvimento de um estilo de

administração e de fazer negócios (BETHLEM, 1998).

Por esse motivo, as empresas multinacionais, quase sem exceção,

abandonaram a tendência que adotavam no passado de considerar a cultura de seu

próprio povo como a medida de todas as outras e procuram ajustar produtos, técnicas

de marketing, de gerência e de comunicação social à cultura dos países em que

operam. As ideologias e crenças podem representar barreiras intransponíveis a

negócios e técnicas. Em casos extremos, é impossível instalar um frigorífico de carnes

(que implica um matadouro) em certas regiões como na Índia, em que o povo não

admite matar vacas ou outros animais, se pensar em abater suínos em países árabes,

animal considerado impuro, e que agências de publicidade terão dificuldades no Irã ou

em outro país onde o fundamentalismo islâmico não permite imagens do mundo real

(BETHLEM, op. cit.).

A escalada internacional de O BOTICÁRIO, entretanto, evoluiu mais lentamente

que o esperado.

O faturamento de O BOTICÁRIO tem crescido, em média, 16% ao ano, desde

1996. A partir da implantação da Loja Interativa, esse índice atingiu 20%.

38 Revista Varejo & Tecnologia, jan. 2001, p. 22.

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50

O número de empregados passou de 4 em 1977, a 27 em 1982 e a 1.100 em

2000. O parque industrial, que tinha 1.000 m2 em 1982, chegou a 10.000 m2 em 2000.

A capacidade produtiva, que era de 400 mil unidades em 1982, passou para 50 milhões

de unidades em 2000. Nesse ano, o aumento de vendas, já descontada a inflação, foi

de 4,1%, a participação de mercado conquistado nas vendas entre as sete maiores

companhias do setor foi de 2,3%39, e, considerando a presença de mercado no Brasil e

no exterior, a marca apresentou uma expansão de 12% em número de pontos-de-

venda em relação a 1999. O total de produtos lançados cresceu 87% em relação a

1999.

Na Figura 2, é apresentada a evolução de faturamento da fábrica e da rede de

franquias no período entre 1996 e 2000.

FIGURA 2 – EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO DA FÁBRICA E DA REDE DE FRANQUIAS

FONTE: DADOS SECUNDÁRIOS40

39 Ver Tabela 3 neste capítulo. 40 Revista Forbes Brasil, jan. 2001, p. 60.

616698

853

960

1.170

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

1996 1997 1998 1999 2000

ANO

FATU

RA

ME

NTO

(R

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S)

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51

4.2. CAPACIDADE INOVADORA E MUDANÇAS DE ESTRAT ÉGIA

Para se determinar a estratégia acertada de uma organização, é necessário que

se promova o encaixe entre a situação externa (oportunidades e ameaças) e a

capacidade interna (pontos fortes e fracos) (ANDREWS, 1980).

Antes de se examinar as mudanças de estratégia que O BOTICÁRIO

apresentou, optou-se por analisar sua capacidade inovadora, os pontos fortes que o

distinguem das demais empresas.

4.2.1. IDENTIFICAÇÃO DOS PRINCIPAIS PONTOS FORTES DE O BOTICÁRIO

A competência distinta de uma organização é mais do que ela pode fazer; é o

que ela pode fazer particularmente bem. Durante a formulação da estratégia de uma

organização, na identificação dos seus pontos fortes, visando a transferi-los para

oportunidades mais lucrativas, deve-se olhar além da capacidade da empresa de

inventar novos produtos. Devem-se examinar outros caminhos que também poderão se

constituir em oportunidades como novos serviços de marketing, novos métodos de

distribuição, novos valores na combinação preço-qualidade e outros tipos de

merchandising criativo. O esforço de encontrar ou de criar uma competência distinta

talvez encerre a chave do sucesso de uma companhia (MINTZBERG e QUINN, 2001).

Os pontos fortes da empresa identificados nas entrevistas estão descritos a

seguir.

4.2.1.1. QUANTO AOS ASPECTOS GENÉRICOS DA ORGANIZAÇÃO

O BOTICÁRIO tem crescido por “algumas vezes, saber perceber o que o

mercado queria antes dos concorrentes. Outras, ajuda do destino” (Miguel Krigsner,

Presidente de O BOTICÁRIO).41

Entretanto, o principal fator de sucesso da empresa apontado nas entrevistas, foi

“o carisma, a aura, o feeling, o tino do Dr. Miguel “[Krigsner]. Esse fator sempre

determinou a forma de condução do negócio.

41 Revista Forbes Brasil, 17 jan. 2001, p. 60.

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52

A esse respeito, Senge (1998) esclarece que depois de muitas décadas sendo

oficialmente ignorada, a intuição na gerência vem recebendo cada vez mais atenção e

aceitação. Hoje, diversos estudos mostram que gerentes e líderes experientes se

apóiam muito na sua intuição, já que eles não tentam resolver problemas complexos

inteiramente com base na racionalidade. Lançam mão de palpites, reconhecem padrões

e traçam analogias e paralelos intuitivos com outras situações aparentemente

discrepantes.

Outro fator apontado como causa do sucesso foi a preocupação constante com

mudanças que a empresa mantém: hoje, estuda-se como mudar as Lojas Interativas,

que ainda fazem tanto sucesso. Procura inovar o processo de atendimento ao cliente.

Também, na fase em que a marca já está consolidada, a empresa está aumentando

seu mix de produtos, entrando em outros segmentos de cosméticos, de maquiagem, o

que antigamente ocorria de modo mais lento.

Essa procura constante por mudanças é defendida numa das prescrições do

incrementalismo lógico, modelo normativo para a tomada de decisões estratégicas

apresentado por Quinn (1979). O modelo preconiza que as organizações devem

empenhar-se em mudanças constantes. Mesmo quando a organização chega a um

novo consenso, também este não deve se tornar inflexível. Assim, os executivos devem

introduzir novos focos e estímulos para começar a mudar os próprios impulsos

estratégicos que acabaram de solidificar. 42

A empresa inova sempre. O desenvolvimento de novos produtos é uma prática

que se tornou rotina em O BOTICÁRIO, sendo fundamental nas empresas em que o

consumidor compra por impulso. Modifica o layout, a disposição arquitetônica das lojas

e o arranjo físico para exposição dos produtos. Sabe, entretanto, que essas mudanças

são facilmente copiáveis pelos concorrentes.

Assim, a inovação passa a focar o processo de atendimento ao cliente. Neste

momento, as atenções da empresa voltam-se para a revitalização da interação com o

cliente.

42 As prescrições para o incrementalismo lógico podem ser analisadas em MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL (2000, p. 138).

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53

Sobre o assunto, Thurow (apud Motta, 1997, p. 37) observa que “no século XXI,

a vantagem competitiva sustentável será mais dependente de novos processos

tecnológicos e menos de novas tecnologias de produtos. Novos produtos podem

facilmente ser copiados. O que era primordial (inventar novos produtos) torna-se

secundário e o que costumava ser secundário (inventar e aperfeiçoar novos processos)

torna-se primordial.”

O preço, o desempenho e as características dos produtos tenderão a se igualar

em importância a longo prazo. As inovações nos produtos tendem a ser copiadas

rapidamente, servindo de estímulo às empresas para ganhar uma parcela marginal de

mercado dos concorrentes. Assim, a ênfase de inovação tenderá a ocorrer na forma de

aperfeiçoamentos do processo, que são mais difíceis de serem copiados

(UTTERBACK, 1996).43

O que distingue O BOTICÁRIO é uma política que nasceu de uma grande

mudança (redesenho organizacional) com ações em várias frentes: (1) duplicação da

capacidade de produção, o que permitiu reverter a tendência de sazonalidade nas

vendas, como a lembrança aos perfumes somente em grandes datas, a exemplo do Dia

dos Namorados e do Dia das Mães; (2) inclusão de novos itens em sua linha de

produção; (3) aquisição de equipamentos e de tecnologia para concorrer com as

marcas líderes no mercado em produtos de beleza.

A razão que fez de O BOTICÁRIO a melhor empresa do setor (cosméticos,

limpeza e higiene) no ano de 2000 foi um raro equilíbrio entre expansão, solidez

financeira e bom ambiente de trabalho.44

Também, O BOTICÁRIO cresceu porque fugiu do óbvio. Num mercado

dominado por marcas estrangeiras, foi batizada com um nome português antigo. Ainda,

começou a distribuição de seus produtos por meio de um sistema de franquia, numa

época em que os produtos do setor utilizavam outros canais.

43 Utterback (1996) deixa claro, entretanto, que as taxas de inovação do produto e do processo são interdependentes. Inicialmente, na fase denominada fluida, as organizações preocupam-se mais com a inovação do produto. Passam por uma fase transitória, quando o produto se padroniza, aumentando a transformação no processo de inovação. Finalmente, as taxas de inovação de produto e de processos se equivalem, quando o incrementalismo se torna rotina. 44 Revista Exame, jul. 2001.

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54

A expansão foi também atribuída pelos entrevistados à busca permanente da

excelência técnica e à rigorosa relação de respeito com fornecedores, colaboradores e

consumidores.

Por outro lado, a identificação de O BOTICÁRIO com a natureza e o meio

ambiente foi igualmente considerada um fator que impulsionou sua expansão. Em 25

de setembro de 1990, surgiu a Fundação O BOTICÁRIO de Proteção à Natureza

(FBPN), com o objetivo de financiar projetos relacionados à pesquisa e à proteção da

vida silvestre, áreas verdes e unidades de conservação. Além da redução de impostos,

a entidade conquistou o público por financiar projetos voltados para a proteção do meio

ambiente.

A estrutura da Fundação conta com diretores e funcionários da empresa que

trabalham sem qualquer remuneração adicional. Com trabalhos na área de educação

ambiental, a Fundação desenvolve parcerias com entidades internacionais.

Normalmente, os projetos são desenvolvidos por Organizações Não-Governamentais

(ONG’s) em todo o mundo. Os recursos da FBPN são provenientes de um fundo

formado por 1% da receita líquida da indústria O BOTICÁRIO. A Fundação O

BOTICÁRIO de Proteção à Natureza é a terceira entidade do país que mais patrocina

projetos de manejo para a conservação ou recuperação do ecossistema da Mata

Atlântica, tendo aí investido desde a sua criação, cerca de US$2 milhões.45

A Fundação tem um programa de reciclagem de papel para utilização na

confecção de cadernos infantis. Mantém cursos de confecção de cestas para a

Associação dos Artesãos de Salto Morato, em Guaraqueçaba, litoral norte do Paraná,

região classificada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, onde a Fundação

possui uma área de preservação ambiental de 1.716 ha. O programa de artesanato é

uma opção às ações de extração ilegal de palmito para as famílias que dele participam.

As cestas, em três modelos, estão presentes em algumas Lojas Interativas. Ao todo, a

FBPN desembolsou 3,8 milhões de dólares para financiar 660 projetos.

45 Jornal GAZETA DO POVO, Curitiba, 01/12/01, p. 12.

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55

Finalmente, afirma-se que o que tem feito a empresa crescer não é um único

fator, nem se limita a iniciativas do ano que passou (2000).46

4.2.1.2. QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE RECURSOS HUMANOS

Quanto às estratégias de recursos humanos, inicialmente foi apontada como um

ponto forte a filosofia da empresa no tratamento de seus funcionários. Os benefícios

concedidos, que se somam ao salário, sempre foram muitos: bolsas de estudo,

inclusive na forma de ajuda de pagamento da escola dos dependentes dos

funcionários; pagamento de cursos de idiomas estrangeiros, graduação, pós-

graduação; plano de saúde; atendimento ambulatorial, dentista e médico que atuam na

empresa; auxílio na compra de medicamentos, leite em pó. A empresa também

concede orientação às funcionárias sobre cuidados na fase pré-natal, de parto e pós-

parto. Existe uma Associação de Funcionários com sede campestre, onde são

promovidas atividades como aulas de ginástica.

Ao investir no treinamento e na qualificação profissional de seus empregados a

organização promove a ascensão interna, para o preenchimento das vagas que

surgem.

A empresa criou em 1977 o Centro de Atendimento à Criança Anneliese

Krisgner, com capacidade para 130 crianças. Esse centro atende, em período integral,

os filhos das funcionárias, de quatro meses até seis anos de idade.

O BOTICÁRIO tem no funcionário um grande aliado. A maioria dos funcionários

identifica-se com a marca: existe um vínculo emocional muito forte entre a marca e as

pessoas que lá trabalham. Elas sentem que fazem parte do grupo.

4.2.1.3. QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE MARKETING

Os produtos e a marca beneficiaram-se de alguns fatores – oportunidade,

autenticidade, qualidade, crescente valorização do natural. A qualidade dos produtos,

46 Revista EXAME, Jul. 2001.

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que alia matérias-primas de alta qualidade à manipulação cuidadosa, fez com que a

marca encontrasse o sucesso nacional em pouco tempo.

É grande a quantidade de lançamentos de novos produtos que a empresa

promove. Os novos produtos são lançados após pesquisas científicas e estudos

mercadológicos que lhes garantem qualidade e inovação. Para tanto, a empresa forma

parcerias com universidades e centros de pesquisa.

Nos produtos que incorporam fragrâncias em sua composição, as essências

utilizadas são fornecidas pelos mesmos fornecedores que atendem grandes marcas

mundiais como Dior, Lancôme, Hermès, Givenchy e Yves Saint-Laurent.

O BOTICÁRIO acompanha os movimentos mundiais, tanto em relação aos

produtos quanto à forma de comercialização e aos pontos-de-venda, preocupando-se

em estar na vanguarda dos processos. Sempre contratou profissionais de alta

capacitação e reconhecimento nos mercados nacional e internacional também para o

design de embalagens e a arquitetura de interiores e remodelação dos pontos-de-

venda.

Depois da preocupação com o desenvolvimento do produto, a empresa tem duas

prioridades: o marketing e o design das embalagens, afirma Silvana Cassol, diretora de

marketing de O BOTICÁRIO.47

A empresa sempre utilizou uma agressiva estratégia de marketing. Contratou os

melhores profissionais de marketing do Brasil, como Washington Olivetto, da W/Brasil,

que trabalhou para O BOTICÁRIO de 1988 a 1999, sendo apontado pela diretoria da

empresa como um dos responsáveis pela imagem da marca. Essa imagem, que vem

sendo construída há muito tempo, tem hoje uma presença muito forte no mercado. Em

2000, os investimentos em marketing totalizaram R$36 milhões.

O BOTICÁRIO imprimiu à sua marca conceitos essenciais como natureza,

tecnologia, sonho e “brasilidade”, que são evidenciados no modelo de Loja Interativa

que apresenta48. Investe nos benefícios dos produtos naturais como fonte de beleza.

Foi uma das primeiras marcas ligar o conceito de beleza, o cosmético, à saúde. Usa na

47 Revista Forbes Brasil, 17 jan. 2001, p. 65.

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formulação de seus produtos essências extraídas das plantas brasileiras. Suas

campanhas de propaganda ressaltam o uso de aromas e propriedades de plantas

nativas da flora brasileira. A empresa assina “Natural do Brasil”.

As atividades promocionais são padronizadas. Atualmente, embora cada

franqueado contrate uma agência de propaganda local, toda atividade promocional

deve enquadrar-se no padrão determinado pela matriz, que também direciona a

escolha da agência local.

Outro fator identificado como um ponto forte da empresa foi a adoção do sistema

de franquia para a venda dos produtos. A adoção da rede de lojas exclusivas para a

venda dos produtos foi um grande impulsionador da marca. Para Churchill e Peter

(2000), as franquias têm índices de fracasso bem abaixo de os outros negócios.49

Desde a primeira loja exclusiva dos produtos, no Aeroporto Afonso Pena, a

empresa sempre adotou a estratégia de posicionar os pontos-de-venda em locais

adequados para o crescimento da marca.

Foi também apontada como responsável pelo sucesso da empresa a

padronização (unidade) nos processos e nos pontos-de-venda, com o mesmo produto,

atendimento e preço em todo o Brasil. É adotada a mesma solução visual e de

comunicação para o país inteiro. Atualmente, começam a ser introduzidas variações de

acordo com o perfil do negócio, tais como o uso, nas vitrines, de painéis secundários

apresentando pequenos regionalismos, embora os painéis principais permaneçam

iguais.

Finalmente, a implantação da Loja Interativa é considerada um dos principais

pontos fortes de O BOTICÁRIO.

48 Conforme mencionado no item 4.1.1.5., O AUMENTO DA INTERAÇÃO COM O CLIENTE. 49 Apesar das vantagens que o sistema oferece, CHURCHILL e PETER (2000) esclarecem que os arranjos de franquias podem apresentar problemas. Do ponto de vista do franqueador, pode ser difícil encontrar franqueados suficientemente qualificados. Para o franqueado, pode ser problemático quando o franqueador não compreende o seu mercado local.

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4.2.1.4. QUANTO AO RELACIONAMENTO EMPRESA-REDE DE FRANQUIAS

Hoje, tanto a escolha do franqueado como o relacionamento que a empresa

mantém com ele acontecem de forma mais profissionalizada.

Existe o Serviço de Atendimento ao Franqueado – SAF. Esse serviço recebe

reclamações dos franqueados e presta-lhes as orientações necessárias.

Para melhor avaliar o perfil do franqueado-operador50 e para que a empresa

possa ajudá-lo a superar suas deficiências, O BOTICÁRIO faz uso de um programa que

permite detectar as potencialidades e os aspectos que precisam ser melhorados em

cada estabelecimento franqueado.

Atualmente, inicia-se também a implantação de um programa destinado ao

pessoal de frente e de retaguarda das lojas, para avaliar o impacto de treinamentos

realizados sobre o desempenho de vendas. O programa cruza informações sobre

treinamento com o desempenho do pessoal nas vendas após esse treinamento.

Os franqueados recebem diariamente da matriz dicas de beleza, reforços aos

treinamentos realizados e orientações para as vendas pela Rádio O BOTICÁRIO. A

rádio, que tem ajudado os franqueados a aumentar as vendas e divulgar produtos aos

clientes que estão nas lojas, promove a arte e a cultura das diferentes regiões do Brasil.

4.2.1.5. QUANTO AO ATENDIMENTO AO CLIENTE

De acordo com pesquisas realizadas, o consumidor vê no modo de atendimento

o grande diferencial do negócio O BOTICÁRIO.

A empresa possui, como canal de comunicação com seus clientes, o Serviço de

Atendimento ao Cliente (SAC), criado em 1989. Utilizando esse serviço, os clientes, via

Internet, telefone ou carta, têm a oportunidade de manifestar suas dúvidas, sugestões

ou reclamações. O SAC fornece informações sobre produtos, promoções,

procedimentos de cuidado com o corpo e embelezamento. Toda solicitação ao SAC

50 A empresa distingue o franqueado operador, que além de ser proprietário do estabelecimento franqueado, opera o negócio, daquele que, embora proprietário, concede a operação a outra pessoa. Existem na rede de franquias vários estabelecimentos de um mesmo dono que não são operados por ele.

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59

recebe atendimento personalizado, por uma equipe de operadores que atendem às

solicitações por telefone e de redatores que respondem às cartas.51

Fazem parte do SAC os clubes de relacionamentos TATHY,52 voltado para

clientes jovens, por volta dos 16 anos de idade, MA CHÉRIE, para crianças de 12 a 14

anos de idade e BOTI, para crianças de 7 a 12 anos de idade. Através dos clubes de

relacionamento, os consumidores se comunicam com a empresa, contando sua

experiência no uso dos produtos e até detalhes de suas vidas. Tratam a empresa como

se fosse uma pessoa. Todas as mensagens recebidas são respondidas. Essa

comunicação aproxima muito os consumidores da empresa.

Desde 1998 O BOTICÁRIO implantou um sistema de fidelização, por meio de um

projeto-piloto que atingiu 100 lojas no Paraná. O sistema, que objetiva monitorar os

hábitos dos consumidores e torná-los fiéis por meio de um programa de pontuação, foi

estendido para a rede de lojas no início de 2000. Em janeiro de 2001, contava com

mais de 700 cartões em atividade, tendo sido responsável por um aumento de 30% nas

vendas e pelo aumento de 20% na freqüência nas lojas.

4.2.2. MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA: CLASSIFICAÇÃO, ORIGEM E IMPACTOS NA EMPRESA

Para melhor entender como ocorreram as mudanças de estratégia em O

BOTICÁRIO, visando a responder ao problema da pesquisa, foram selecionadas para

análise todas as mudanças apresentadas nas entrevistas, em número de doze.

A fim de caracterizar cada mudança, procurou-se determinar aspectos da

situação da empresa anteriormente à mudança, os fatores que a originaram, os

impactos da mudança sobre a empresa e ainda classificou-se a mudança de acordo

com a teoria que embasou esta pesquisa.53

Na análise das respostas às questões das entrevistas, verificou-se que,

dependendo do tempo de trabalho na empresa, as mudanças apontadas coincidiam.

Entretanto, foram mencionados por todos o redesenho organizacional e a implantação

51 Foram mais de 30.000 as cartas recebidas pelo SAC no ano de 2000. 52 O nome do clube, o mesmo do perfume TATHY, originou-se do nome de uma das filhas do presidente, Tathiana.

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da Loja Interativa. Esta última, para a rede de franqueados, foi a mais importante

mudança no ponto-de-venda ocorrida nos últimos cinco anos, tendo em vista o

crescimento que proporcionou.54

A seguir, são apresentadas as mudanças de estratégia identificadas pelos

entrevistados. A ordem em que as mudanças aparecem é a cronológica,

independentemente da importância que ela possa ter representado para a empresa.

4.2.2.1. DECISÃO DE ACRESCENTAR A FABRICAÇÃO DE COSMÉTICOS AO NEGÓCIO DA

FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO

A Botica Comercial Farmacêutica, que manipulava produtos dermatológicos,

passou a fabricar cosméticos à base de produtos naturais. Sentiu-se necessidade de

ampliar o leque de produtos oferecidos pela empresa, por dificuldades de mercado,

quando médicos dermatologistas de Curitiba, ao saberem que dois dos sócios da

farmácia eram também médicos dermatologistas, deixaram de indicá-la a seus

pacientes.

O aumento da oferta de produtos, mudança classificada como descontínua, foi

possível a partir de pesquisas com substâncias naturais e de cursos de especialização

realizados pelos sócios farmacêuticos para a fabricação de produtos com ingredientes

naturais em sua composição. Havia uma tendência de mercado em valorizar produtos

com essas características. Iniciou-se a produção de cosméticos, xampu e creme

hidratante, ambos à base de algas marinhas, que eram oferecidos aos clientes da

farmácia.

Com isso, e visando a ter mais um ponto para a venda de produtos, foi instalada

a primeira loja da marca no Aeroporto Afonso Pena, Região Metropolitana de Curitiba.

53 A teoria a respeito da classificação das mudanças encontra-se descrita no item 2.3., CLASSIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA, do Capítulo 2. 54 Informação extraída da Apostila produzida pelo Serviço de Atendimento ao Cliente O BOTICÁRIO.

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4.2.2.2. ADOÇÃO DO SISTEMA DE FRANQUIA

Com a instalação da loja no aeroporto Afonso Pena, O BOTICÁRIO passou a ter

mais um ponto-de-venda além do situado no Centro Histórico de Curitiba. Pela

localização da segunda loja, os produtos começaram a ser conhecidos pelos turistas e

funcionários das empresas aéreas. Devido à qualidade dos produtos, gradativamente

esses consumidores demonstraram interesse em ter acesso a eles em outras cidades,

e também em passar a vendê-los em suas cidades de origem.

Foi então inaugurada a loja de produtos de O BOTICÁRIO em Brasília, a

semente do sistema de franquia, um novo modelo de distribuição de produtos do setor

que não tardou a ser copiado pelos concorrentes, como Água de Cheiro e Clorophylla.

Pode-se dizer, assim, que essa mudança, classificada como descontínua,

originou-se, principalmente, pela qualidade dos produtos e pela localização da segunda

loja instalada.

A adoção do sistema de franquia para distribuir seus produtos foi uma das

grandes inovações de O BOTICÁRIO: na época, os produtos cosméticos e de

perfumaria eram vendidos ou em grandes lojas de departamentos, como os da marca

Max Factor, ou de porta em porta, a exemplo da Avon e da Natura.

Para Mintzberg (1996), muitas organizações abandonam as estratégias de

integração vertical em troca de novas estratégias de terceirização, que permitem a

agregação de competências, como a rede de franquias.

A tendência (MINTZBERG, 1996) é a organização descartar quantas

competências não-essenciais puder, a fim de se tornar flexível e se concentrar naquilo

que sabe fazer melhor.

A organização é um modelo em que as essências competitivas são

representadas pelo design de produto e processo e pela produção. Essas essências

competitivas, que precisam ser aprimoradas como a chave para seu futuro, explicam as

vantagens comparativas e competitivas da organização. Diferem das demais

competências não-essenciais, de natureza comum, mais imitáveis, representadas no

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modelo organizacional por outras atividades como vendas, marketing e distribuição

física (MINTZBERG, 1996).

A partir da adoção do sistema de franquia, O BOTICÁRIO não parou mais de

crescer.

4.2.2.3. A IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO DO FRANQUEADO

Como conseqüência da adoção do sistema de franquia, houve necessidade de

implantação do modelo de gestão do franqueado, já que o crescimento quantitativo da

empresa precedeu o qualitativo, verificando-se de modo rápido e desordenado.

Nos primeiros anos após a institucionalização do sistema de franquia, a estrutura

de distribuidores e revendedores carecia de orientação. A comunicação entre a matriz e

os distribuidores não era eficaz, e faltava controle das suas atividades. As regras

existentes diziam respeito somente aos procedimentos para pedidos, vendas e trocas

de produtos.

A situação começou a se reverter em 1987, quando surgiram os primeiros

manuais de procedimentos como partes de um sistema de gestão do franqueado, com

regras claras e definidas. Foram editados o Manual de Normas do Distribuidor e, em

seguida, o Manual de Normas do Revendedor ou Manual do Franqueado.

A empresa passou a exigir mais de seus franqueados no tocante à padronização

dos pontos-de-venda e aos procedimentos adotados. Com isso, o número de lojas

franqueadas diminuiu de 1.200 para 800. Saíram os franqueados que não se ajustavam

ao perfil da marca.

Em 1992, O BOTICÁRIO começou a implantar o seu contrato de franquias.

O sistema de gestão do franqueado, mudança de caráter evolutivo, classificada

como incremental, possibilitou à empresa um maior controle do negócio.

4.2.2.4. PADRONIZAÇÃO DOS PONTOS-DE-VENDA

Com a institucionalização do sistema de franquia e o conseqüente crescimento

rápido e desordenado da empresa, os produtos de O BOTICÁRIO eram vendidos em

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lojas mistas, multimarcas, em outros tipos de comércio como lojas de roupas ou

acessórios, farmácias e até em lavanderias. O tipo de loja que vendia os produtos

variava em cada estado. Não havia uma unidade de apresentação.

Visando ao fortalecimento da imagem da marca, a empresa passou a adotar a

padronização de todos os pontos-de-venda. Com a adoção dessa mudança

incremental, as lojas da rede de franquias, no Brasil, passaram a ser exclusivas,

monomarcas.

Era curioso notar que o volume de vendas crescia sempre que uma loja mista se

tornava exclusiva. Passou-se também a utilizar a mesma solução visual para todos os

pontos-de-venda.

Atualmente, porém, começam a ser adotadas pequenas variações, de acordo

com os diferentes perfis de negócio. Por exemplo, para lojas com faturamento menor,

são usadas para a confecção das vitrines soluções que permitem ajustes, com

acabamentos mais simplificados, de menor custo, conforme a projeção de vendas e o

local da loja.

A empresa se beneficiou com a padronização dos pontos-de-venda. Além do

fortalecimento da imagem da marca, obteve ganhos de competitividade nos mercados

nacional e internacional.

4.2.2.5. O REDESENHO ORGANIZACIONAL

As causas dessa mudança de estratégia são atribuídas principalmente à

necessidade de revitalização do negócio e à estabilização da economia.

Embora a companhia estivesse em situação financeira confortável e tivesse uma

marca forte, ainda havia o que melhorar. Antes da estabilização da economia, a

empresa buscava ganhos operacionais, mas sempre lucrava com a ciranda financeira.

“Com a estabilização da economia, começamos a fazer planejamento de longo prazo e

redesenhamos a empresa para os próximos anos” (Artur Grynbaum, Diretor Comercial

de O BOTICÁRIO).55

55 Informação contida na Revista Varejo & Tecnologia, jan. 2001, p. 22.

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Em 1995, para adequar a empresa a um mercado de moeda estável, em

conformidade com o Plano Real recém criado no Brasil, foi iniciado um processo de

redesenho da organização, que custou 40 milhões de reais, “uma revolução que varreu

a empresa. Pouca coisa ficou de pé”.56

O redesenho organizacional foi, na empresa, a mudança de estratégia que

apresentou o mais alto grau de descontinuidade.

Para Tusman, Newman e Romanelli (1986), somente os executivos mais

eficientes prevêem a necessidade de uma mudança de porte. Reconhecem as

oportunidades e ameaças do ambiente e tomam medidas ousadas para lidar com elas.

Agindo antes de serem forçados a tal, têm mais tempo para planejar suas mudanças.

As equipes executivas visionárias são exceções, entretanto. A maior parte das

mudanças descontínuas é adiada até que uma crise financeira as force a tomar

decisões drásticas (TUSMAN, NEWMAN e ROMANELLI, 1986).

À frente dos trabalhos do redenho esteve uma equipe de 12 funcionários,

escolhidos internamente (não exerciam cargos de chefia e executavam funções em

diversos níveis), que se dedicou exclusivamente ao projeto durante 10 meses. Quando

necessário, eram convidados outros profissionais envolvidos com os processos em

análise e formavam equipes part time do projeto. Os trabalhos eram conduzidos por

duas empresas de consultoria: Arthur D. Little,57 cujo foco eram os processos internos e

fluxos de trabalho, e Gouveia de Souza, cujo foco eram as atividades de varejo. Na

ocasião, conseguiu-se ver o íntimo da organização. A equipe buscava informações

internas, revia processos, redesenhava fluxos e identificava o que tinha que ser

melhorado, apresentando para a diretoria após a conclusão de cada etapa. Criavam-se

então workshops com os outros funcionários.

O envolvimento da diretoria em cada etapa do processo é necessário, conforme

observam Tushman, Newman e Romanelli. Dadas a enormidade de uma mudança

56 Revista Exame, jul. 2001, p. 188. 57 De acordo com Bethlem (1998), a empresa Arthur D. Little é provavelmente a mais antiga e uma das maiores firmas de consultoria dos Estados Unidos, tendo desenvolvido um modelo muito utilizado por empresas daquele país na formulação das estratégias de produtos e serviços a serem oferecidos aos clientes.

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desse tipo e as resistências que provoca na empresa, os altos executivos precisam

participar na especificação da estratégia, estrutura, pessoas e sistemas

organizacionais, bem como no desenvolvimento dos planos de implementação.

Foram vários os efeitos que o redesenho organizacional provocou na empresa.

Inicialmente, houve, por parte de alguns funcionários, forte resistência à mudança.

Foram demitidos muitos profissionais que não se adaptaram à nova situação em

todos os níveis, desde diretores, superintendentes e gerentes até os de chão de fábrica.

Até mesmo alguns que participaram da equipe que conduziu o processo e os de frente

dos negócios foram demitidos. Dos 27 gerentes, 24 foram cortados58. Instaurou-se um

clima de medo, insegurança e descrédito entre os colaboradores, fornecedores e

funcionários, que tinham medo de perder seu emprego. Havia um desgaste interno

muito grande.

Devido ao clima de insegurança reinante, aumentaram a competitividade interna,

a disputa por espaço entre os funcionários, o que pode ser notado ainda hoje.

Foram contratados novos profissionais, que trouxeram consigo novas equipes,

novas idéias. Os processos de contratação de pessoal também sofreram remodelações.

Para Tushman, Newman e Romanelli (1986), mudanças desse tipo envolvem

novos executivos para os papéis-chave da administração, geralmente trazidos de fora,

que terão provavelmente o impulso e as habilidades apropriadas à nova estratégia, uma

vez que os hábitos e as expectativas dos antigos empregados da empresa são difíceis

de romper.

Para reenfocar a organização, são necessários comprometimento com a nova

missão, energia para superar a inércia prevalecente e liberdade de obrigações

anteriores ligadas ao status quo (TUSHMAN, NEWMAN e ROMANELLI, ibid.).

Embora o processo de redesenho organizacional seja a mudança de estratégia

com o mais alto grau de descontinuidade apresentado na empresa, para Quinn (1979)

mudanças desse tipo, modificações macroorgânicas, deveriam se processar

tipicamente de maneira incremental. As manobras organizacionais de larga escala têm

58 Revista Exame, jul 2001, p. 188.

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efeitos negativos sobre a estrutura motivacional da empresa. A incrementação lógica

ajudaria a evitar esses efeitos negativos (QUINN e VOYER, 1980).

Nessas situações, os executivos devem considerar os novos papéis,

capacidades e prováveis reações individuais de muitas das pessoas afetadas, podendo

“ser necessário aguardar a formação ou aposentadoria de colegas estimados antes de

realizar qualquer modificação” (QUINN, 1979, p. 18).

Uma outra conseqüência do redesenho organizacional foi a criação do modelo

da Loja Interativa. Foi adotada uma nova forma de distribuição dos produtos. Ocorreu o

fim dos franqueados master, que eram responsáveis pela distribuição dos produtos em

cada região do país. As lojas passaram a ser abastecidas a partir da matriz de O

BOTICÁRIO, na cidade de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba.

Reduziu-se também o número de fornecedores.

Houve reformulação da estrutura organizacional e mudanças na forma de

administrar os negócios, que passou a ser feita por processos. Foram criados quatro

grandes grupos: comercial, marketing, logística e gestão. Os departamentos de

marketing e comercial foram remodelados. Foram criadas as gerências regionais e

contratados os consultores de campo. Os serviços de comunicação, em grande parte,

passaram a ser terceirizados.

Segundo Nelson (1991), mudanças de estratégia podem até demandar

mudanças na condução da empresa, mas produzir mudanças na estrutura é muito mais

difícil. Embora seja fácil mudar o organograma, produzir mudanças significativas no

processo decisório, inclusive no nível operacional da empresa, é bem mais complicado.

Ou seja, eliminar uma estrutura antiga pode até não apresentar grandes dificuldades,

mas é grande a tarefa de fazer com que uma estrutura nova opere de maneira efetiva.

No caso de uma grande mudança de estratégia demandar uma nova estrutura, é

necessário algum tempo para a obtenção de uma estrutura que produza resultados

efetivos (NELSON, op. cit.).

Outro efeito produzido pelo redesenho organizacional foi a situação de conflito

criada entre o sonho e a magia que reinavam internamente e o novo ambiente criado.

Diminuiu a afetividade existente na empresa. O estilo gerencial mais paternalista deu

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lugar a outro com características mais profissionais. Surgiu, por parte dos funcionários

mais antigos, um sentimento de ausência ou de pouca permanência do presidente na

empresa, que se tornou mais impessoal.

No entanto, há quem aponte que as oportunidades aos funcionários deixaram de

ser oferecidas por critérios de relacionamento. A empresa começou a reconhecer mais

o valor profissional.

A partir do redesenho, surgiu uma nova empresa, com uma nova cultura

organizacional. O BOTICÁRIO tornou-se maior, mais ágil, mais moderno. Nos

mercados nacional e internacional, verificou-se o aumento de sua vantagem

competitiva.

4.2.2.6. O FIM DOS FRANQUEADOS MASTER

Toda a distribuição da matriz aos franqueados era feita via franqueados master.

Em 1986, eram 12 os distribuidores. Em 1991, esse número cresceu para 18. No final

de 1997, eram 23.

Os distribuidores respondiam pelas regiões em territórios definidos (um ou mais

estados), tinham suas próprias lojas e nomeavam os revendedores (franqueados).

Eram responsáveis tanto pela distribuição como pela estocagem de produtos.

Todo o relacionamento da matriz com os franqueados também era via

distribuidores. Com intermediários, muitas coisas se perdiam e a comunicação muitas

vezes era prejudicada. Havia laços de amizade entre o presidente, os profissionais da

matriz e os distribuidores, os primeiros a acreditarem na marca.

Como conseqüência do redesenho organizacional, essa estrutura de

distribuidores e revendedores foi modificada.

A princípio, alguns distribuidores, ao passarem a ser somente franqueados,

viram seus ganhos diminuírem e resistiram. Foram desfeitas sociedades comerciais

existentes em alguns pontos de distribuição, e alguns instrutores que atuavam nos

pontos de distribuição foram aproveitados pela franqueadora.

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Após a implantação dessa mudança, considerada descontínua, o relacionamento

do franqueado com o franqueador passou a ser direto, o que possibilitou um melhor

entendimento dos problemas e da realidade dos franqueados. Como a distribuição dos

produtos aos pontos-de-venda passou a ser efetuada pela matriz, houve necessidade

de alterar os procedimentos de estocagem para reduzir o tempo de atendimento dos

pedidos, entre a produção e a revenda dos produtos.

Além da gestão de estoques foi preciso rever todo o processo de fabricação, com

a adaptação do parque fabril para obter melhoria da eficiência operacional e atender à

nova demanda de produtos.

4.2.2.7. CRIAÇÃO DAS GERÊNCIAS REGIONAIS

Durante a vigência da estrutura externa de distribuidores e revendedores, havia

somente um gerente nacional na matriz, que tentava resolver os problemas dos

franqueados nas diferentes regiões.

O relacionamento dos franqueados com a matriz era feito via franqueado master

e sentia-se necessidade de um controle mais eficiente sobre os distribuidores e

revendedores.

Com o fim dos franqueados master, foram criadas as gerências regionais,

mudança considerada descontínua, também decorrente do redesenho organizacional.

As atividades da empresa no Brasil foram divididas em cinco regiões, conforme o

efeito da parcela de faturamento dos franqueados na receita global da empresa e o

potencial de mercado. Cada região passou a ter seu próprio gerente regional,

funcionário da franqueadora, responsável pelos eventos da mídia, promoções, pela

solução de dificuldades dos franqueados e pelos assuntos referentes à expansão de

franquias.

Subordinados aos gerentes regionais, encontram-se em média dez consultores

de campo, que visitam os franqueados nos mais longínquos lugares e dão apoio à

equipe da matriz no relacionamento com os franqueados. Os consultores de campo são

a interface da matriz com os franqueados.

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Como conseqüência da criação das gerências regionais, houve um aumento da

agilidade da empresa no atendimento às solicitações dos franqueados. A empresa

passou a conhecer melhor a realidade dos franqueados, possibilitando, de forma mais

adequada, a solução de seus problemas.

4.2.2.8. PROFISSIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE ESCOLHA DO FRANQUEADO

Quando a escolha do franqueado era feita pelo franqueado master, muitas vezes

eram adotados critérios primários, como de amizade ou parentesco. Para estabelecer

um ponto-de-venda, era avaliada somente a disponibilidade de recursos do franqueado.

Com a revitalização dos processos da empresa proporcionada pelo redesenho

organizacional, inicialmente houve resistência e não-adaptação de franqueados quanto

à implantação de mudanças estabelecidas.

Por outro lado, sentiu-se necessidade de franqueados-operadores serem mais

especializados. Surgiram problemas pela falta de perfil empreendedor e de preparo de

alguns franqueados, que apresentavam dificuldades em áreas essenciais, como

logística, por exemplo.

Com isso, a empresa começou a avaliar o perfil do franqueado, descredenciando

os franqueados que não possuíam o perfil desejado.

Posteriormente, O BOTICÁRIO passou a utilizar uma ferramenta59 que permite

ao próprio franqueado conhecer sua potencialidade e os aspectos que precisam ser

melhorados em sua franquia.

Como conseqüência da profissionalização do processo de escolha do

franqueado, mudança considerada incremental, evolutiva, a empresa obteve maior

hegemonia entre os franqueados, maior padronização no atendimento, aumentando os

índices de aceitação pelos franqueados das mudanças estabelecidas pela

franqueadora.

59 Essa ferramenta foi identificada como um programa chamado CALIPER.

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4.2.2.9. TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO

Antes do redesenho organizacional, existia uma agência de propaganda, house-

agency, da própria empresa, a B&K. Na época, institucionalizou-se a cobrança de um

valor mensal para propaganda de cada franqueado. Houve resistências quanto a essa

cobrança. A house tinha uma equipe de redatores, diretores de arte e designers de

embalagem responsável pela criação de textos para as franquias, embalagens, novos

produtos, folders etc. Todos os trabalhos para os franqueados de todo o Brasil eram

elaborados na house agency.

Com o processo de reengenharia/redesenho, a partir de 1988, a house agency

transformou-se numa pequena área de comunicação na empresa, e agências externas

passaram a ser contratadas para os trabalhos de comunicação da empresa. Essa

mudança foi considerada descontínua.

Hoje em dia, cada franqueado tem a sua agência de publicidade e propaganda

local, embora todo o trabalho de comunicação tenha que apresentar o mesmo padrão.

Mesmo a escolha da agência local é analisada pela matriz. Existem campanhas

institucionais nacionais, como a campanha de Natal, que são da marca como um todo,

promovidas pela franqueadora, mas se o franqueado quiser promover um evento em

sua região, deverá contratar uma agência local, até serviços de rádio e alto-falantes,

conforme sua realidade, desde que devidamente enquadrado no perfil da empresa.

De 1988 a 1999, as campanhas de O BOTICÁRIO passaram a ser desenvolvidas

pela W/Brasil, de Washington Olivetto. A partir dessa parceria, diminuiu a resistência

dos franqueados ao pagamento da verba mensal para propaganda, que passaram a

elogiar as campanhas, juntamente com os próprios consumidores.

4.2.2.10. A IMPLANTAÇÃO DA LOJA INTERATIVA

A mudança estratégica da implantação da Loja Interativa surgiu da necessidade

de se combater o processo natural de envelhecimento da marca.

Antes do redesenho organizacional, as lojas de O BOTICÁRIO eram CLASSIC,

que apresentavam um determinado visual. O projeto AQUÁRIOS, para a remodelação

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das lojas, estava no auge da implantação. Com o redesenho organizacional, decidiu-se

desenvolver um projeto conceitualmente diferenciado, um modelo de loja que

atendesse à demanda do mercado.

Naquela época, as atendentes dispunham-se atrás de um balcão e forneciam os

produtos solicitados pelos consumidores. Dificilmente o cliente pedia para experimentar

muitos produtos, pois se sentia inibido e constrangido. O momento de compra resumia-

se ao contato com a vendedora, sendo impossível saber qualquer informação sobre os

produtos sem consultá-la. A vendedora é quem controlava o processo de compra,

fazendo a seleção dos produtos para o cliente.

O consumidor não tinha acesso aos produtos e respectivos preços. Grande parte

dos produtos era desconhecida. Dos 390 itens existentes na época, somente as

deocolônias e alguns desodorantes eram mais conhecidos. No formato de loja

tradicional, conseguiam-se expor, no máximo, 100 itens.

Para se chegar ao modelo da Loja Interativa, foi realizado benchmarking com

perfumarias americanas e européias e lojas pertencentes a outros setores de negócio

espalhadas pelo mundo. O novo formato escolhido para os pontos-de-venda se inspirou

em lojas conhecidas no mercado internacional, como Sephora e Nike Town, nos

Estados Unidos.

Sobre a prática de benchmarking, Motta (1997) observa que a alta velocidade

das mudanças causa desatualização rápida de produtos, processos, tecnologia e

conhecimentos. Por isso, as estratégias antigas de referenciar-se no domínio do

mercado e na independência não mais resistem à alta velocidade das transformações

tecnológicas. Os concorrentes passam, então, a ser parceiros potenciais na busca de

vantagem cooperativa, ampliando a potencialidade dos aliados e produzindo uma nova

capacidade estratégica de ação e progresso.

Para assegurar o desenvolvimento e a sobrevivência das empresas, é

fundamental monitorar continuamente o meio ambiente em que a empresa opera para

perceber os primeiros sinais de uma mudança significativa (MOTTA, op. cit.).

Desse modo, torna-se possível o benchmarking, que proporciona às empresas o

acesso a recursos e informações cruciais para o progresso tecnológico, e ainda

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proceder a alterações estruturais, processuais e em produtos nas empresas (MOTTA,

ibid.).

O benchmarking visa a colocar a empresa na mesma marca ou nível do

competidor. De preferência, no nível dos melhores competidores ou, na atual fase de

globalização, do melhor do mundo. O que é importante no processo é a noção da

comparação e da procura por igualar-se aos melhores para competir com vantagem, o

que, embora pareça óbvio, é praticado por poucos (BETHLEM, 1998, e UTTERBACK,

1996).

Utterback (1996) afirma, porém, que a maioria das empresas procura os indícios

de sinais vitais da mudança tecnológica nos lugares errados: no universo de suas

concorrentes tradicionais. Os concorrentes grandes e semelhantes são o foco de

benchmarking desenvolvido por muitas empresas. Nesse caso, o benchmarking é uma

fonte excelente de informações para orientar a mudança evolucionária60 e o

aperfeiçoamento contínuo, mas deixa muito a desejar quando se trata de identificar

sinais de descontinuidades. O exame de empresas novas e obscuras e de fontes não-

convencionais de concorrência traz mais resultados, embora essas fontes sejam mais

obscuras e difíceis de monitorar.

O BOTICÁRIO é membro da sociedade internacional de benchmarking, com

sede na Suíça. Constatou-se numa das entrevistas que as práticas de benchmarking

realizadas pela empresa ocorrem também em fontes com produtos diversos do setor de

perfumes. Na ocasião, a viagem que iria ser feita por um dos entrevistados objetivava

observar práticas de varejo em lojas de outro setor. Muitas das mudanças de processos

adotadas na empresa decorreram de observações a empresas de outros ramos, até do

setor de entretenimento do grupo Disney.

Além do benchmarking, outro fator responsável pelo modelo da Loja Interativa foi

o resultado das pesquisas encomendadas pela rede, que apontaram que a maioria das

pessoas consultadas ligava a marca O BOTICÁRIO apenas a perfumes,

desconhecendo outros produtos como os cosméticos, por exemplo.

60 Neste trabalho, as mudanças evolucionárias são chamadas de incrementais.

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O modelo da Loja Interativa seguiu as tendências do varejo mundial de

interatividade.

Resultados de pesquisas também indicaram ser o atendimento oferecido pelo

BOTICÁRIO o grande diferencial do negócio. Esse fator foi importante na definição da

forma de atendimento ao cliente que a Loja Interativa iria adotar: o auto-atendimento

assistido, baseado no trabalho das consultoras que respondem às dúvidas dos clientes

e procuram orientá-los quando solicitadas.

Com isso, as atendentes transformaram-se em consultoras de vendas. Os

clientes podem fazer as compras sozinhos ou pedir auxílio das vendedoras, mas a

interação e o relacionamento com o cliente melhoraram.

Essa flexibilidade no atendimento permite que o cliente se sinta confortável

dentro da loja, ao mesmo tempo não se sentindo abandonado.

O modelo de Loja Interativa começou a ser implantado em toda a rede de lojas

após a obtenção de resultados favoráveis dos testes piloto em três unidades, instaladas

em Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte, realizados no período de setembro de 1997 a

fevereiro de 1998.

Inicialmente, a implantação da Loja Interativa na rede suscitou em alguns

franqueados resistência à mudança. Para quebrar essa resistência, houve divulgação

das vantagens da Loja Interativa e dos resultados do projeto-piloto, através de

mensagem do presidente em fita de vídeo.

Diretamente no ponto-de-venda, o modelo adotado permitiu que os clientes

passassem o tempo que desejassem na loja, sem terem o constrangimento de achar

que estavam atrapalhando, tomando o tempo da vendedora ou deixando outros clientes

esperando a vez de serem atendidos. Os produtos passaram a ser expostos em

estandes, de forma a estar ao alcance do cliente, facilitando suas escolhas e

possibilitando a experimentação. Os homens passaram a fazer parte do público-alvo,

tendo também os produtos a eles expostos.

O modelo da Loja Interativa, além de mudanças na apresentação dos produtos,

provocou transformações no gerenciamento, nos sistemas de estocagem e na

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automação do check-out. Houve redução no tempo de fechamento das vendas. As lojas

foram informatizadas: juntamente com o computador localizado no caixa, foram

instalados scanners e microterminais em pontos estratégicos, onde as vendas são

totalizadas, cabendo ao responsável pelo caixa apenas receber o pagamento.

Passou-se a exigir um novo perfil da equipe de vendas, substituindo-se aqueles

profissionais que não apresentavam o perfil exigido. Todo o pessoal precisou ser

treinado para operar as máquinas e atender ao cliente de outra maneira, oferecendo a

ele uma experiência de compra. Foi criado um plano de remuneração para a equipe das

lojas.

Houve necessidade de reformulação dos Manuais de Normas e Procedimentos

da empresa. Para Tushman, Newman e Romanelli (1986), as mudanças descontínuas

exigem novos procedimentos, fluxos de trabalho, redes de comunicação e padrões de

tomada de decisão. Com essas alterações, são necessárias revisões nas normas

estabelecidas.

A maior exposição de toda a linha de produtos fez com que a empresa fosse

reconhecida como uma companhia plena na área de perfumaria e cosméticos. Antes,

ela era vista somente como produtora de perfumes.

A implantação da Loja Interativa trouxe uma mudança ao conceito do negócio.

Por ter provocado uma ruptura baseada num conjunto de novas práticas, a implantação

da Loja Interativa é considerada uma mudança descontínua que a empresa apresentou.

A marca foi revitalizada e fortalecida. Mais que uma simples mudança de layout,

o projeto originou uma nova concepção na operação para varejo em vários aspectos.

O BOTICÁRIO passou a ser visto como uma empresa mais inovadora e arrojada.

“Ganhamos uma imagem mais ágil e moderna” (Miguel Krigsner, Presidente de O

BOTICÁRIO).61

O novo modelo refletiu em atividades de outras áreas da empresa: no processo

de fabricação, visando ao aumento da capacidade produtiva; na forma de distribuição

61 Revista Exame, jul. 2001, p. 188.

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de produtos, na gestão de estoques. Foram construídos um novo parque fabril, com

34.347 m2 de área construída e um novo centro de distribuição.

Verificaram-se aumento da fidelidade do consumidor ao produto e maior

satisfação do cliente. As Lojas Interativas proporcionaram um crescimento de 25% nas

vendas, quando comparadas com as de anos anteriores. O faturamento passou a ser

mais significativo em itens de menor desempenho, que ficavam escondidos. Ocorreu

um aumento médio de 20% nas vendas por loja, mas, em algumas categorias de

produtos, esse crescimento foi superior a 40%.

4.2.2.11. REENGENHARIA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS

Antes do redesenho organizacional, toda a distribuição de produtos da matriz aos

franqueados e a estocagem eram feitas via franqueados master. O fim dos franqueados

master indicou a necessidade de mudança no sistema de estocagem dos produtos.

Ocorriam problemas de integração entre os fornecedores, os agentes de fabricação, a

distribuição de produtos e os franqueados.

Por outro lado, a implantação da Loja Interativa provocou um aumento de

vendas.

Assim, sentiu-se necessidade de transformar os procedimentos relativos à

distribuição de produtos. Houve a realização de benchmarking nos melhores centros de

distribuição em âmbito mundial.

Ainda, de acordo com Cherto (1998),62 o gerenciamento da cadeia de

suprimentos (supply chain), em março de 1988, era a vertente da moda em termos de

administração, depois da reengenharia, do downsizing, da gestão da qualidade total, do

just-in-time.

A transformação da cadeia de suprimentos resultou na construção, em 2000, do

Centro de Distribuição na sede, Região Metropolitana de Curitiba, totalmente

informatizado, que se tornou referência nacional. O projeto recebeu investimentos de

62 Jornal Folha de São Paulo, 16 mar. 1998.

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grande porte, da ordem de R$5,5 milhões. Por outro lado, possibilitou o estreitamento

dos laços entre fornecedor, fabricante, distribuidor e franqueado.

Com essa mudança, também classificada como descontínua, a empresa ganhou

maior eficiência operacional, o que produz melhoria na imagem da marca.

4.2.2.12. EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE TREINAMENTO

Inicialmente o treinamento era realizado por uma profissional que visitava os

distribuidores de norte a sul do país, tentando educar os franqueados. Mais tarde, foi

criado o Centro de Treinamento O BOTICÁRIO, em Curitiba.

Entretanto, os treinamentos promovidos no centro tornaram-se inviáveis, devido

aos altos custos de deslocamento dos franqueados master e das vendedoras provindos

de localidades remotas.

Foram então editados programas de treinamento modular aplicáveis pelos

próprios franqueados, com a utilização de material didático audiovisual, avaliado pelo

setor responsável na matriz.

As mudanças que o processo de treinamento sofreu, todas evolutivas,

incrementais, podem ser atribuídas ao surgimento de novas tecnologias, ao

crescimento da empresa, ao aumento do número de franqueados e conseqüentemente

de pessoal a ser treinado, que exigiu técnicas mais eficazes que atingissem a todos.

Para garantir uma padronização no treinamento a 7.000 profissionais,

considerando somente o pessoal de frente de loja, ou a 10.300 profissionais, incluindo o

pessoal de retaguarda de loja, oriundos dos mais de 2.000 estabelecimentos

franqueados da rede, foi implantado, em 2001, o projeto “multiplicadores on the job”.

Cada ponto-de-venda tem um multiplicador, responsável pelo treinamento básico aos

novos funcionários.

Devido às diferenças regionais, as instrutoras foram divididas por região de

atendimento. Cada região tem a sua própria instrutora, conhecedora daquela realidade.

Com isso, os treinamentos passaram a ser mais adequados.

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A partir de 2001, a empresa passou a adotar o ensino a distância, e-learning,

não-limitado à rede de Internet, mas com a utilização de material impresso e vídeo

tradicionais. Com isso, obteve maior agilidade na transmissão das informações

necessárias, como a divulgação de novos produtos, por exemplo.

Nesse mesmo ano, começaram-se a medir os resultados efetivos dos

treinamentos realizados a distância. O multiplicador on the job acompanha e informa,

via Internet, a produtividade de vendas de cada funcionário treinado, durante um

período de 90 dias após o treinamento.

Passou-se a implantar o PRÁCTICO, software de frente e retaguarda de loja que

permite analisar o desempenho de determinada consultora de vendas entre as 7.000

existentes. Esse sistema, que já existe em 721 lojas, será estendido a toda a rede e

contribuirá para a avaliação do impacto do treinamento no desempenho de vendas,

atualmente informado pelos multiplicadores. O sistema leva em conta a possibilidade da

influência de outros fatores além do treinamento sobre as vendas, tais como promoções

ou datas comemorativas.

4.2.3. SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

As mudanças de estratégia apresentadas no item 4.2.2. foram classificadas

levando-se em consideração os conceitos que embasaram a presente pesquisa.

Conforme mencionado anteriormente,63 foram consideradas incrementais as

mudanças menores, em partes da organização ou em suas relações externas, que não

romperam bruscamente com as formas pelas quais a organização se adapta e interage

com seu ambiente. São as que possuem um caráter mais de evolução de processos

existentes (MOTTA, 1997). Com esse caráter evolutivo, essas mudanças na empresa

envolveram transformações mais dirigidas aos processos aos quais se relacionam.

Já como descontínuas foram consideradas as mudanças que criaram uma

ruptura baseada num conjunto de novas práticas e ideais administrativos, alterando

fundamentalmente as relações das partes com o todo e as formas de transações

63 A classificação das mudanças de estratégia é tratada no item 2.2. do Capítulo 2, Base teórico-empírica.

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externas da empresa (MOTTA, 1997). Diferentemente das incrementais, as mudanças

descontínuas envolveram transformações em toda a organização.

Para melhor entender as mudanças de estratégia que ocorreram em O

BOTICÁRIO, o Quadro 1 apresenta um resumo com a classificação de cada mudança.

QUADRO 1. CLASSIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA E RESPECTIVAS CATEGORIAS

DESCRIÇÃO DA MUDANÇA TIPO (DESCONTÍNUA OU INCREMENTAL)

CATEGORIA EM QUE OCORREU64/ PERÍODO

Decisão de fabricar cosméticos Descontínua Criação/ 1977

Adoção do sistema de franquia Descontínua Início do sistema de franquia/ 1980

Implantação do modelo de gestão do franqueado.

Incremental Formatação do negócio/ a partir de 1987

Padronização dos pontos-de-venda

Incremental

Formatação do negócio/ a partir de 1987

Redesenho organizacional Descontínua

Reestruturação da empresa/ 1995-1997

Fim dos franqueados master Descontínua Reestruturação da empresa/ 1998

Criação das gerências regionais Descontínua Reestruturação da empresa/ 1998

Profissionalização do processo de escolha do franqueado

Incremental Reestruturação da empresa/ a partir de

1998 Terceirização dos serviços de comunicação

Descontínua Reestruturação da empresa/ 1998

A Loja Interativa Descontínua Reestruturação da empresa

Aumento da interação com o cliente/ 199865

Reengenharia da cadeia de suprimentos

Descontínua Reestruturação da empresa/ 1998

Evolução do processo de treinamento

Incremental A partir da formatação do negócio/ (a partir de

1987) Fonte: Dados primários e secundários.

64 Todas as mudanças decorrentes do redesenho organizacional foram situadas na categoria REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA. Exceção foi feita para a implantação da LOJA INTERATIVA, que, embora decorrente do redesenho organizacional, também foi situada na categoria do AUMENTO DA INTERAÇÃO COM O CLIENTE, por ser o fator mais importante que ocorreu nessa categoria.

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• CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A TEORIA QUÂNTICA DAS MUDANÇAS

De acordo com a teoria quântica das mudanças,66 de todas as mudanças

descontínuas que a empresa apresentou, classificam-se como revoluções estratégicas,

durante as quais muitas coisas mudaram ao mesmo tempo, somente o redesenho

organizacional e a implantação da Loja Interativa.

Na maior parte do tempo, a organização buscou aperfeiçoamentos de processos,

produtos ou serviços existentes, melhoramentos contínuos em cursos já estabelecidos.

Identificou-se que, por ocasião de redesenho organizacional e da implantação da

Loja Interativa, para não ficar fora de sincronismo com o ambiente, ocorreram períodos

de turbulência revolucionária em que a organização alterou rapidamente muitos de seus

padrões estabelecidos.

• SOBRE O PROCESSO PELO QUAL AS MUDANÇAS EMERGIRAM

A respeito do processo pelo qual as mudanças de estratégia da organização em

estudo emergiram,67 identifica-se que as mudanças surgiram como uma reação

adaptativa, pela necessidade de se resolver problemas: (1) a implantação do modelo de

gestão do franqueado; (2) a padronização dos pontos-de-venda e (3) a

profissionalização do processo de escolha do franqueado.

A implantação do modelo de gestão do franqueado surgiu para solucionar os

problemas decorrentes da falta de regras definidas aos distribuidores e franqueados. A

padronização dos pontos-de-venda foi decorrente de situações que prejudicavam a

imagem da marca, como a venda de produtos até em lavanderias, conforme havia sido

detectado. Não havia uma unidade de apresentação. Finalmente, a profissionalização

do processo de escolha do franqueado originou-se das dificuldades que alguns

franqueados apresentavam em aceitar as determinações emanadas da matriz.

65 O projeto-piloto da Loja Interativa ocorreu em 1997, em três lojas (Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo). Após os resultados favoráveis do projeto-piloto, iniciou-se a implantação do modelo nas demais lojas da rede em 1998. 66 A teoria quântica das mudanças é tratada no item 2.2.1. do Capítulo 2. 67 Sobre esse assunto, ver item 2.1.2. Como emergem as mudanças de estratégia, do Capítulo 2.

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Por outro lado, juntamente com a evolução do processo de treinamento, as

mudanças também incrementais e de caráter evolutivo da implantação do modelo de

gestão do franqueado, da padronização dos pontos-de-venda e da profissionalização

do processo de escolha do franqueado emergiram do aprendizado contínuo cultivado

na organização.

Nas mudanças decorrentes de uma intenção estratégica, houve uma deliberação

racional de intervir na realidade. As idéias são predefinidas, e o processo é planejado

antes de se deflagrar qualquer ação prática, sendo muitas vezes formados grupos

especializados na empresa (MOTTA, 1997). Essa situação pode ser constatada

principalmente na realização do redesenho organizacional, embora tenha sido também

identificada na implantação da Loja Interativa e nas outras mudanças descontínuas que

surgiram em conseqüência do redesenho.

4.2.4. SOBRE OS FATORES QUE OCASIONARAM AS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA

Verificou-se que as mudanças de estratégia analisadas foram decorrentes de: (1)

identificação de oportunidades e riscos no ambiente; (2) adaptações da empresa a

variações ambientais; (3) dinâmica interna da empresa e (4) inter-relacionamento entre

as mudanças.68

4.2.4.1. IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADES OU RISCOS NO AMBIENTE

Muitas das mudanças de estratégia de O BOTICÁRIO foram provenientes de

oportunidades detectadas no ambiente externo, que se encaixaram com a capacidade

que a organização apresentava. Nesse caso, enquadram-se as seguintes mudanças.

• DECISÃO DE ACRESCENTAR A FABRICAÇÃO DE COSMÉTICOS AO NEGÓCIO DA FARMÁCIA DE

MANIPULAÇÃO

A decisão de fabricar cosméticos foi decorrente de um risco representado pelas

dificuldades de mercado, causadas por médicos dermatologistas de Curitiba, que, ao

saberem que dois dos sócios da farmácia eram também médicos dermatologistas,

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deixaram de indicá-la a seus pacientes. Esse risco apresentado pelo ambiente externo

se encaixou na capacidade que a empresa possuía de fabricar outro tipo de produto, no

caso cosméticos com ingredientes à base de produtos naturais. Os farmacêuticos, na

ocasião, haviam acabado de concluir cursos de especialização para a fabricação

desses produtos. A opção por cosméticos com ingredientes à base de produtos naturais

talvez tenha surgido de outra tendência apresentada pelo ambiente em que os

consumidores passaram a valorizar produtos com essas características.

• ADOÇÃO DO SISTEMA DE FRANQUIA

Decorreu de uma oportunidade representada pelo interesse dos clientes, turistas

que passavam pelo aeroporto, em ter acesso aos produtos de qualidade que a empresa

oferecia.

4. 2.4.2. ADAPTAÇÕES DA EMPRESA A VARIAÇÕES AMBIENTAIS

A seguir são apresentadas as mudanças de estratégia decorrentes de

adaptações da empresa a variações ambientais.

• IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO DO FRANQUEADO E PADRONIZAÇÃO DOS PONTOS-

DE-VENDA

Essas mudanças originaram-se de necessidades da empresa em se adaptar ao

ambiente competitivo.

• O PROCESSO DE REDESENHO ORGANIZACIONAL

Um dos fatores que provocaram o processo de redesenho organizacional foi a

necessidade de adequar a empresa a um mercado de moeda estável, que consiste em

uma variável do ambiente econômico e político externo à organização.

Por outro lado, a busca pela revitalização da marca e pela revisão do modelo de

gestão pode ser caracterizada como adequação da empresa ao ambiente competitivo.

68 Para maiores esclarecimentos sobre esse assunto, ver item 2.3., FATORES QUE PROVOCAM AS MUDANÇAS

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• A LOJA INTERATIVA

O modelo da Loja Interativa surgiu de uma tendência do varejo mundial. Para

acompanhar as variações apresentadas pelo ambiente competitivo, a empresa mudou

sua forma de expor os produtos e aliou essa forma a um de seus pontos fortes, o

atendimento que dispensava a seus clientes. Surgiu daí o auto-atendimento assistido,

que se encontra nas Lojas Interativas.

• A REENGENHARIA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS

Pode-se identificar, nos fatores que provocaram essa mudança, a busca da

adaptação da empresa ao ambiente competitivo, uma vez que, quando de sua

implantação, era a vertente da moda como modelo de mudança organizacional.

• EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE TREINAMENTO

A evolução do processo de treinamento, com a adoção de métodos como o de

ensino a distância, só foi possível devido ao acompanhamento, pela empresa, do

ambiente tecnológico.

4.2.4.3. DINÂMICA INTERNA DA EMPRESA

Tanto as mudanças descontínuas como as incrementais ocorridas na empresa

podem ser atribuídas à sua dinâmica interna. O redesenho organizacional, por exemplo,

foi decorrência da necessidade de revisão do modelo de gestão; a implantação da Loja

Interativa surgiu da intenção de revitalizar a imagem da marca.

Mudanças incrementais, como a implantação do modelo de gestão do

franqueado, a padronização dos pontos-de-venda; a profissionalização do processo de

escolha do franqueado e a evolução do processo de treinamento também constituíram

meios de a empresa aperfeiçoar seus processos.

DE ESTRATÉGIA, do Capítulo 2.

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4.2.4.4. O INTER-RELACIONAMENTO ENTRE AS MUDANÇAS

Confirmando o caráter sistêmico das organizações e a teoria evolucionária,

muitas das mudanças de estratégia apresentadas por O BOTICÁRIO decorreram de

outras mudanças ocorridas anteriormente. As mudanças afetaram outras, criando um

efeito cascata.

Incluem-se nesse caso: a implantação do modelo de gestão do franqueado e a

padronização dos pontos-de-venda que se originaram da adoção do sistema de

franquia, o fim dos franqueados master, a criação das gerências regionais, a

profissionalização do processos de escolha do franqueado, a terceirização dos serviços

de comunicação, a Loja Interativa e a reengenharia da cadeia de suprimentos, que

surgiram a partir do redesenho organizacional, a profissionalização do processo de

escolha do franqueado e a reengenharia da cadeia de suprimentos, que ocorreram

devido ao fim dos franqueados master, e finalmente a evolução do processo de

treinamento, que se deu graças às mudanças sofridas anteriormente, pela necessidade

de propiciar aos empregados um melhor preparo ante situações novas.

4.2.5. SOBRE OS EFEITOS DAS MUDANÇAS

Todas as mudanças estudadas, tanto as incrementais como as descontínuas,

foram consideradas benéficas para O BOTICÁRIO.

Mesmo tendo provocado grandes rupturas, o reconhecimento da importância das

mudanças para o sucesso da empresa foi unânime entre os entrevistados. Sobre o

redesenho organizacional, por exemplo, afirmou-se que, a partir de então, surgiu uma

nova empresa com uma nova cultura organizacional, tornando O BOTICÁRIO mais ágil

e mais moderno.

Outro efeito das mudanças de estratégia também apontado foi a resistência que

elas causaram. Essa resistência foi facilmente notada sobretudo quando (1) do

redesenho organizacional; (2) do fim dos franqueados master; (3) da implantação da

Loja Interativa.

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A resistência ocorre (ANSOFF e McDONNELL,1993) sempre que uma mudança

organizacional introduz um afastamento descontínuo do comportamento, da cultura e

da estrutura de poder existentes. É proporcional ao grau de descontinuidade que a

mudança apresenta. Do ponto de vista de um analista estratégico, a resistência é uma

manifestação de irracionalidade da organização ao se recusar a reconhecer novas

dimensões da realidade, mas, do ponto de vista de um cientista político ou de um

especialista em comportamento, a resistência é uma manifestação natural das

desigualdades de raciocínio durante a interação de grupos e indivíduos.

Por ocasião do redesenho organizacional, houve resistência às mudanças por

parte de funcionários que não se adaptaram à nova filosofia da empresa. Muitos

profissionais foram demitidos, ocorrendo mesmo perda de alguns talentos. As

demissões atingiram até gerentes, supervisores e diretores.

A resistência que surgiu nessa ocasião é justificada por Ansoff e McDonnell

(1993): esclarecem eles que os indivíduos resistem à mudança quando ela os torna

inseguros de seu impacto e de suas implicações. Resistirão na proporção do nível de

ameaça e desconforto introduzido pela mudança. Com isso, os indivíduos adotam uma

perspectiva de curto prazo quanto às conseqüências da mudança e raramente se

preocupam com o impacto dos incrementos futuros.

Quando da saída dos franqueados master, houve quebra do relacionamento que

existia entre a empresa e eles, que foram as primeiras pessoas a acreditarem na

marca, a crescerem com a empresa.

Anteriormente à mudança, os ganhos dos franqueados master eram

provenientes tanto das atividades que exerciam como franqueados como das que

exerciam como distribuidores. Atribui-se, então, a resistência apresentada à

possibilidade de diminuição de receita que sofreriam.

Finalmente, quando da implantação da Loja Interativa, houve descrédito inicial da

rede de franquias em relação ao projeto. As resistências surgiram porque elas

representavam riscos que eram estranhos aos indivíduos (ANSOFF, McDONNELL,

1993).

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Para aumentar a aceitação ao projeto, houve uma intensa campanha

desenvolvida pela franqueadora, inclusive com mensagem do Presidente narrando os

benefícios trazidos pelo projeto-piloto.69

4.3. SUGERINDO MUDANÇAS PARA A EMPRESA

Para que os entrevistados sugerissem mudanças que, na sua percepção, a

empresa deveria adotar, foram feitas duas perguntas. A primeira foi sobre o que O

BOTICÁRIO faz, mas não deveria fazer. A segunda foi sobre o que a empresa não faz,

mas deveria. A seguir são apresentadas as respostas a essas perguntas.

4.3.1. SOBRE O QUE O BOTICÁRIO FAZ, MAS NÃO DEVERIA FAZER

Os aspectos apontados sobre esse assunto referem-se a sugestões de

mudanças incrementais, aperfeiçoamentos de certos processos. Dentre esses,

destacam-se: (1) abrir várias frentes de trabalho ao mesmo tempo; (2) executar

simultaneamente atividades similares em mais de uma área da empresa; e (3) deixar de

seguir o planejamento estratégico.

Sobre o primeiro aspecto – abrir várias frentes de trabalho ao mesmo tempo –,

foi esclarecido que a empresa desenvolvia muitos projetos simultaneamente, todos

importantes. Naquela ocasião, por exemplo, a empresa estava desenvolvendo,

somente na área comercial, de 18 a 20 projetos. Alguns relacionavam-se a processos

internos de distribuição, outros a atividades de loja, a canais complementares de

vendas, a atendimento ao cliente no ponto-de-venda, todos voltados para o aumento do

giro de produtos.

A busca constante por inovação e a vontade de estar na frente dos concorrentes

podem gerar perda de energia, desgaste nas pessoas, e até prejudicar os resultados. O

ritmo da empresa também prejudica a qualidade de vida dos funcionários, que precisam

fazer horas extras à noite, levar trabalho para casa, trabalhar durante os finais de

semana. “Às vezes, percebe-se que muito foi feito, não com a qualidade necessária.

Ocorre retrabalho.”

.69 Esse assunto é comentado no item 4.2.2.10., A LOJA INTERATIVA, neste capítulo.

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A esse respeito, Rumelt (1980) aponta que um dos testes a ser utilizado na

avaliação da estratégia de uma organização é quanto à viabilidade dessa estratégia. É

considerada viável aquela que não sobrecarrega os recursos disponíveis nem cria

problemas insuperáveis.

A ocorrência do segundo aspecto – executar simultaneamente atividades

similares em mais de uma área da empresa – foi justificada pelo fato de O BOTICÁRIO

atuar em várias frentes: indústria, varejo, distribuição de produtos. Uma das causas

desse problema foi atribuída às deficiências existentes no processo de comunicação

interna na empresa.

Sobre o terceiro aspecto – deixar de seguir o planejamento estratégico que sofre

muita alteração no decorrer do ano –, foi esclarecido que o maior problema decorrente

das mudanças de foco na empresa é que os recursos (principalmente humanos) são

definidos por ocasião da formulação do planejamento estratégico para as estratégias

pretendidas. A todo instante, surgem novos projetos (estratégias emergentes) que

devem ser realizados. Como na maioria das vezes, tanto as pretendidas como as

emergentes tornam-se estratégias deliberadas (plenamente realizadas), os recursos

previstos tornam-se escassos. Esses fatos provocam tensão nos funcionários e a

sensação de não poder, muitas vezes, conferir aos projetos a qualidade necessária.

Uma das prescrições do incrementalismo lógico70 trata desse assunto. Segundo

essa prescrição, as empresas devem estruturar conscientemente a flexibilidade. Uma

vez que ninguém pode prever a forma ou o momento das oportunidades e ameaças

que uma empresa pode encontrar, a lógica recomenda que os executivos incluam a

flexibilidade em suas organizações e tenham recursos prontos para aplicar de modo

incremental à medida que os eventos surjam (QUINN e VOYER, 1980).

Negar a necessidade de mudanças de estratégia nas organizações, porém, seria

como negar tudo o que os autores afirmam sobre a importância dessas mudanças.

Quinn e Voyer (1980), por exemplo, afirmam que a validade de uma estratégia está na

70 Conforme mencionado, o incrementalismo lógico é indicado por Quinn e Voyer (1980) como modelo de mudança estratégica. Sobre as prescrições do modelo, ver MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL (2000, p. 139).

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sua capacidade de lidar com eventos imprevisíveis, detectando as oportunidades e

ameaças que o ambiente oferece.

Mesmo nas entrevistas, embora apontado como um fator de desgaste, o fato de

O BOTICÁRIO ser uma empresa constantemente preocupada com mudanças foi

considerado um dos pontos fortes da empresa em seus aspectos genéricos.71

Mintzberg, Ahlstrand, Lampel (2000) enfatizam que, como as mudanças trazem

novas combinações de circunstâncias para a organização, a essência da estratégia

deve permanecer não-estruturada, não-programada, não-rotineira e ainda não-

repetitiva.72

4.3.2. SOBRE O QUE O BOTICÁRIO NÃO FAZ, MAS DEVERIA FAZER

Também como sugestões sobre possíveis mudanças que a empresa poderia

realizar, apresentam-se a seguir as percepções dos entrevistados sobre o que O

BOTICÁRIO não faz, mas deveria fazer.

Sobre o assunto, verificou-se constrangimento e até uma certa dúvida nas

respostas, já que os entrevistados consideraram difícil indicar omissões no

desempenho de uma empresa que conquistou a posição que ocupa no mercado em tão

curto período de existência.

Pode-se encontrar justificativa para essa atitude em Rumelt (1980). Segundo o

autor, para muitos executivos, se uma companhia cresceu ou se o ritmo de lucratividade

foi normal ou melhorou, a estratégia adotada é a correta. E sabe-se que os índices de

crescimento de O BOTICÁRIO são acentuados.

Por outro lado, tendo em vista o envolvimento emocional com a marca e o

elevado nível de satisfação no desempenho das funções que um dos entrevistados

possuía, ele informou ser difícil estabelecer pontos negativos na atuação de O

BOTICÁRIO.

71 Ver item 4.2.1.1., IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS FORTES QUANTO AOS ASPECTOS GENÉRICOS DA ORGANIZAÇÃO. 72 Outros comentários sobre o tema podem ser encontrados no item 2.1.1., A NECESSIDADE DAS MUDANÇAS DE ESTRATÉGIA da BASE TEÓRICO-EMPÍRICA, Capítulo 2.

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Entre os pontos levantados, em geral, destaca-se a necessidade de: (1)

descentralização do processo de planejamento estratégico e de monitoramento dos

resultados da empresa; (2) segmentação de mercado; (3) promoção de

aperfeiçoamentos no processo de gestão de unidade franqueada.

Sobre a necessidade de descentralização do processo de planejamento

estratégico e de monitoramento dos resultados da empresa, foi apontado que deveria

haver mais trânsito entre os departamentos. Com o crescimento de O BOTICÁRIO, o

planejamento estratégico e o monitoramento dos resultados deveriam ser aprimorados,

mais descentralizados e compartilhados entre os funcionários, saindo da esfera

exclusiva da diretoria. A franqueadora, responsável pela formulação das estratégias,

deveria estar mais na ponta, saber mais sobre o que se passa com o franqueado,

conhecer a realidade de cada um, desde a do interior da Bahia até a da grande loja de

São Paulo. Deveria haver maior integração, talvez por meio de convenções que

possibilitassem maior divulgação da realidade de cada franqueado.

A esse respeito, Mintzberg (1987, p. 117) recomenda que o trabalho da mente e

das mãos não deve ser separado nas organizações. Esclarece que “o vendedor que

encontra o cliente com uma necessidade não-atendida talvez possua o item mais

estratégico de informação de toda a organização. Todavia, essa informação é inútil se

ele não puder criar uma estratégia em resposta a essa necessidade ou não puder

transmiti-la a quem possa“.

A idéia de que a estratégia deva acontecer longe dos detalhes do dia-a-dia é um

dos enganos da administração estratégica convencional, podendo ser a causa de

grandes fracassos nos negócios hoje em dia (MINTZBERG, ibid.).

Também para Bethlem (1998), a participação de funcionários no processo

estratégico permite a equalização de seus valores com os da direção, diminuindo os

resultados não-esperados, os desvios de objetivos, e, às vezes, até os eliminando.

Sobre o segundo ponto, a necessidade de segmentação de mercado, foi

observado que O BOTICÁRIO deveria preocupar-se mais com as peculiaridades

regionais. “A empresa está muito engessada em alguns processos.” Por exemplo, o

mesmo tipo de produto é vendido, tanto no Sul como no Nordeste ou no Norte do Brasil.

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Existe o mesmo tipo de atendimento ao cliente. “Embora o modelo de distribuição dos

produtos, o franchising, seja vencedor e exija certa padronização para fortalecer a

imagem da marca, o momento da empresa, do mercado, do volume de negócios pede

maior entendimento das flexibilidades regionais.”73

O consumidor, em geral, solicita um tratamento mais diferenciado. Há dois anos

e mais fortemente agora, o consumidor de O BOTICÁRIO começa a ser visto pela

empresa de forma não tão massificada, tão “pasteurizada”. No momento, então, seria a

oportunidade de a empresa de ampliar sua ação desse modo.74

O perfil do cliente é diferente nas várias regiões do Brasil, embora todos

busquem ser bem-atendidos. Na Bahia, por exemplo, o cliente quer ser tocado pela

consultora de vendas. No Norte e no Nordeste, o homem gosta de produtos de mulher.

No Sul, não. No Nordeste, o cliente exige um estilo mais paternalista do franqueado, há

um maior envolvimento com o cliente no ponto-de-venda, que quer falar com o gerente

mais freqüentemente que no Sul.

É curioso, porém, o fato de que a padronização dos processos, produtos, preços

e pontos-de-venda tenha sido apontada anteriormente como causa do sucesso, como

ponto forte da empresa,75 e encarada como fundamental para consolidar a imagem da

marca num sistema de franquia.

Sobre esse assunto, Mintzberg (1996), a partir das estratégias genéricas de uma

organização, apresenta dois tipos de estratégia para distinguir a essência de negócios:

um conjunto de estratégias de diferenciação e um conjunto de estratégias de escopo. A

diferenciação se concentra no produto, adotando a perspectiva do cliente e existindo

quando o cliente percebe alguma característica do produto que agrega valor. Já o

escopo é definido como um conceito movido pela demanda, a partir do mercado,

73 A empresa passou a apresentar variações na montagem de suas vitrines, conforme o perfil do franqueado e atendendo a diferenças regionais. A esse respeito, ver item 4.2.1.3., IDENTIFICAÇÃO DOS PRINCIPAIS PONTOS FORTES QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE MARKETING, neste capítulo. 74 O BOTICÁRIO possui a linha de produtos Natural Colors, adequada à cor e ao tipo de pele e a linha Universal adequada a diferentes tipos de cabelo, Essas linhas levam em conta as distinções étnicas da mulher brasileira. Para atender ao segmento de mercado formado pelos adolescentes, lançou recentemente produtos com preço mais acessível, com a mesma qualidade, mas com embalagens mais simplificadas. 75 Ver item 4.2.1.3., IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS FORTES QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE MARKETING.

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adotando a perspectiva do produtor. Existe na mente da organização em termos de

como ela difunde e desagrega mercados. Os produtos são diferenciados para atingir

vários segmentos de mercado, o que os especialistas de marketing chamam de

segmentação.

Essa segmentação de mercado tem sido amplamente considerada pelas

empresas, que cada vez mais procuram atender ao gosto dos seus consumidores. A

título de exemplo, cita-se o caso das pesquisas efetuadas por uma indústria de

alimentos, que indicaram que “os consumidores nordestinos preferem pratos mais

temperados que os do Sul e do Sudeste” (CHURCHILL e PETER, 2000, p. 209).

A idéia de atendimento ao consumidor de forma mais personalizada, não tão

massificada, é apontada por Motta (2000) como um dos valores da pós-modernidade

gerencial. A história da gestão empresarial (MOTTA, ibid.) manifestou-se pelo ideal da

uniformidade para maior eficiência, sendo rechaçada a flexibilidade. No período da

Revolução Industrial, os modelos eram aperfeiçoados para a produção em massa em

detrimento da variedade. Entre as mudanças descontínuas e dramáticas iniciadas nos

anos 1970, a variação em produtos e serviços passa a ser considerada um fator para o

sucesso nas empresas. Como resultado desse processo, surge a customização,

provocando a busca desenfreada por novas tecnologias para produzir variedades com

eficiência.

Assim, à medida que a revolução tecnológica, científica e econômica avança,

ocorre cada vez menos necessidade de padronização, que durante séculos

caracterizou a sociedade industrial. Os indivíduos passam a ter o pleno e livre arbítrio

de exprimir suas próprias necessidades. Fenômenos como a moda, o consumo em

massa de filmes, da música, da arte em geral, assim como dos bens de consumo

primários, se libertariam das constrições “massificantes” da Revolução Industrial para

se tornar fatores subjetivos, livres de qualquer condicionamento (MERLI, 2000).

Ainda quanto à sugestão de promover melhorias no processo de gestão da

unidade franqueada no atendimento às necessidades dos franqueados, foi apontado

principalmente que as soluções dos problemas dos franqueados deveriam ser

alcançadas em conjunto, entre empresa e franqueado.

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Os problemas variam de acordo com o tipo de franqueado (grande ou pequeno),

com as dificuldades de distribuição de produtos aos franqueados, com as distâncias até

a matriz, com as diferenças regionais. No Nordeste, por exemplo, o franqueado exige

da franqueadora mais paternalismo na solução de seus problemas.

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5. CONCLUSÕES

No período em que atravessamos, com a necessidade premente de se implantar

mudanças, gerenciar tem se tornado tarefa difícil para os dirigentes. A compreensão

das mudanças, de suas origens, características e efeitos nas organizações pode

colaborar com essa tarefa. Nesse intuito, este capítulo apresenta as conclusões, ou

constatações, a que esta pesquisa chegou, sugerindo aspectos a serem estudados

para aumentar essa compreensão em pesquisas futuras.

Constata-se primeiramente, na empresa estudada, onde as inovações são

constantes, sua receptividade às mudanças. Tão logo uma mudança é implantada, já

se pensa na seguinte, ou em aprimorar o que recentemente foi mudado ou o que já

existia.

A começar pela fabricação de cosméticos à base de ingredientes naturais, a

empresa demonstrou capacidade em mudar sua estratégia quando necessário.

A seguir, introduziu mudanças na maneira de distribuir seus produtos. Naquela

época, em que os produtos do setor eram vendidos de porta em porta (como os da

Avon e da Natura) ou em grandes lojas de departamentos (como os da Max Factor), O

BOTICÁRIO passou a adotar o sistema de franquia, inédito no Brasil.

Prosseguiu aprimorando seus processos, procurando aperfeiçoamentos ao longo

de sua história, numa contínua evolução. Criou regras e procedimentos que

fortaleceram sua imagem, como a implantação do modelo de gestão do franqueado e

da padronização do ponto-de-venda.

Quando sentiu necessidade de rever seu modelo de gestão, promoveu a maior

mudança estratégica de todos os tempos: o redesenho organizacional. Na ocasião, a

análise de todos os seus processos gerou mudança de estrutura, da forma de

administrar seus negócios, remodelou serviços, demitiu funcionários e contratou novos

talentos, transformando-se assim numa nova empresa.

Na seqüência, implantou todas as mudanças que decorreram do redesenho

organizacional: o fim dos franqueados master, a criação das gerências regionais, a

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profissionalização do processos de escolha do franqueado, a terceirização dos serviços

de comunicação, a reengenharia da cadeia de suprimentos e a implantação da Loja

Interativa, essa última considerada a mudança mais importante para a rede de

franquias nos últimos anos.

Finalmente, para dar suporte às mudanças sempre presentes em sua trajetória, e

em conformidade com as estratégias de recursos humanos que adota, O BOTICÁRIO

tem promovido a evolução do processo de treinamento de seus funcionários e

franqueados.

Muitas das mudanças apresentadas pelos entrevistados relacionam-se

diretamente às suas atividades. Se fosse estudado outro departamento da empresa, as

atividades envolvidas seriam outras, mas é grande a probabilidade de serem

identificadas várias mudanças de estratégia, algumas até diferentes das apontadas

nessa entrevista. Afirma-se isso pelo comportamento da empresa, pela receptividade

que apresenta às mudanças.

O segundo aspecto constatado refere-se aos fatores que ocasionaram as

mudanças de estratégia.

A esse respeito, observa-se que sete das doze mudanças analisadas surgiram

em decorrência ou da identificação de oportunidades ou riscos no ambiente externo à

empresa, que se encaixaram com seus pontos fortes, ou de adaptações da empresa a

variações ambientais.

A decisão de acrescentar a fabricação de cosméticos ao negócio da farmácia de

manipulação surgiu devido às dificuldades financeiras causadas pela desistência de

médicos dermatologistas de indicar a empresa a seus pacientes. Esse fato se tornou

uma oportunidade para a empresa que se encaixou com a capacidade que possuía em

fabricar cosméticos à base de ingredientes naturais. A partir dessa mudança, O

BOTICÁRIO transformou-se numa das maiores indústrias do setor de cosméticos do

Brasil.

Também, a adoção do sistema de franquia foi decorrente de uma oportunidade

detectada no ambiente, traduzida pelo interesse demonstrado pelos turistas e

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funcionários de empresas aéreas que circulavam pelo aeroporto de abrir

estabelecimentos com produtos de O BOTICÁRIO nas suas cidades de origem.

Por sua vez, para se adaptar às variações ambientais, foram promovidas pela

empresa cinco das mudanças analisadas: (1) implantação do modelo de gestão do

franqueado; (2) a Loja Interativa, (3) a reengenharia da cadeia de suprimentos, (4) a

evolução do processo de treinamento, essas, devido à necessidade de se adaptar ao

ambiente competitivo e (5) o redesenho organizacional, decorrente das variações

políticas e econômicas do país, que passou a apresentar um mercado de moeda

estável, após um longo período de instabilidade econômica e quadro inflacionário.

Outro fator responsável pelas mudanças de estratégia de O BOTICÁRIO foi a

dinâmica interna da empresa, caracterizada pelo estilo inovador e pela receptividade às

mudanças. O redesenho organizacional, por exemplo, surgiu da intenção de revisar o

modelo de gestão. A Loja Interativa, da intenção de revitalizar a imagem da marca. As

mudanças incrementais, que consistiram no aperfeiçoamento de processos, foram

decorrentes igualmente da dinâmica da empresa.

Constatou-se também que nove das doze mudanças analisadas resultaram do

inter-relacionamento existente entre as mudanças. Como são interdependentes, as

mudanças ocorridas geram outras, criando um efeito cascata, o que confirma a teoria

evolucionária defendida por Nelson (1991).

Em relação à classificação das mudanças analisadas, verificou-se que as

mudanças de estratégia mais apontadas pelos funcionários foram descontínuas, com

quebra dos padrões existentes. Por ter sido tão marcante o redesenho organizacional,

por exemplo, houve quem afirmasse que a história da empresa se divide em duas

fases: antes e depois do redesenho.

Oito das doze mudanças apontadas são descontínuas. Classificaram-se como tal

em razão de terem criado um conjunto de novas práticas e alterarem as relações das

partes com o todo e as formas de transação externa da empresa. Diferentemente das

mudanças incrementais, as descontínuas envolveram transformações em toda a

organização.

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Convém esclarecer que as mudanças consideradas incrementais apresentaram

um caráter de evolução de processos existentes, envolvendo transformações mais

dirigidas aos processos aos quais se relacionam.

No entanto, de todas as mudanças analisadas, somente duas foram classificadas

como verdadeiras revoluções estratégicas: o redesenho organizacional e a implantação

da Loja Interativa. Durante a realização dessas mudanças, muitas coisas se alteraram.

Esse fato comprova a afirmativa de Mintzberg (1987) de que as mudanças

revolucionárias só ocorrem raramente. Na maior parte do tempo, as organizações

optam por períodos menos turbulentos, em que buscam uma determinada orientação

estratégica estabelecida. As mudanças, nesses períodos, ocorrem geralmente como

aperfeiçoamentos de processos, produtos ou serviços existentes, e as organizações

voltam-se para a minimização de desvios em relação ao comportamento histórico.

O redesenho organizacional acarretou um grande número de demissões (dos 27

gerentes, 24 foram substituídos). Dessa forma, deixou de ser seguida a recomendação

feita por Quinn (1991), segundo a qual, nessas ocasiões, é imperativo que as empresas

adotem suas decisões de modo incremental, para não ferir suscetibilidades. O autor

inclusive recomenda que seja aguardado o tempo para que alguns funcionários se

aposentem, antes de se iniciar o processo de mudança.

Por outro lado, constatou-se que, para efetuar a demissão e a contratação de

funcionários, a empresa agiu de acordo com as recomendações de Tushman, Newman

e Romanelli (1986). Esses autores observam que mudanças revolucionárias via de

regra envolvem, para os papéis-chave da administração, novos executivos, trazidos de

fora. Esses executivos proporcionam o impulso e as habilidades apropriadas à nova

estratégia, já que os hábitos e as expectativas dos antigos empregados da empresa

são difíceis de romper.

A respeito do processo pelo qual as mudanças emergem – intenção estratégica,

reação adaptativa ou aprendizado contínuo –, conclui-se que todas as mudanças

incrementais, de caráter evolutivo, emergiram do aprendizado contínuo, prática

presente no ambiente de O BOTICÁRIO. Constatou-se também que tanto o redesenho

organizacional como todas as mudanças dele decorrentes surgiram a partir de uma

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intenção estratégica. Como uma reação adaptativa, para resolver problemas oriundos

de situações que prejudicavam a imagem da marca, caracterizaram-se as mudanças

para implantação do modelo de gestão do franqueado, da padronização do ponto-de-

venda. Nessa mesma linha, a profissionalização da escolha do franqueado surgiu para

diminuir suas dificuldades em aceitar as orientações estabelecidas pela matriz.

Outro aspecto analisado refere-se aos efeitos das mudanças. Sobre a resistência

dos funcionários ou dos franqueados às mudanças, constatou-se que ela foi

proporcional ao grau de descontinuidade da mudança. A resistência se manifestou de

forma acentuada, quando representou insegurança quanto às suas implicações aos

funcionários, como ocorreu com o redesenho organizacional.

Por outro lado, todas as mudanças de estratégia relatadas pelos entrevistados

foram consideradas um fator de sucesso para a empresa. Mesmo o entrevistado que foi

demitido em decorrência do redesenho organizacional afirmou que este trouxe grandes

benefícios a O BOTICÁRIO.

Embora reconhecendo que as mudanças aumentaram a vantagem competitiva

da empresa, alguns entrevistados afirmaram que perseguir o objetivo de estar à frente

dos concorrentes, produzindo sempre transformações nos processos existentes,

aumenta sua dedicação à empresa. Essa corrida desenfreada por mudanças impede a

reflexão necessária sobre as atividades desenvolvidas, acarretando muitas vezes

retrabalho.

Por outro lado, verificaram-se aspectos como as variações nas vitrines, a

segmentação de mercado de produtos, que evidenciam a preocupação crescente da

empresa com as peculiaridades regionais, embora o sistema de franquia exija a

padronização em alguns de seus componentes.

Tendo em vista as considerações deste estudo sobre os efeitos benéficos das

mudanças de estratégia, não se pode negar a importância do estilo inovador de O

BOTICÁRIO no crescimento que vem apresentando.

No entanto, conclui-se também que outros motivos são responsáveis pelo

sucesso da empresa. Dentre esses destacam-se: o lançamento constante de novos

produtos; a identificação da empresa com a natureza e com o meio ambiente; a política

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que utiliza no trato de seus funcionários; a agressiva estratégia de marketing que adota;

o rigor com a qualidade de seus produtos; a busca da excelência nos serviços; os

processos e a capacidade instalada de produção; o design das embalagens dos

produtos; a maneira de atendimento ao cliente; a adoção do sistema de franquia; o

modelo da Loja Interativa; o treinamento que oferece aos funcionários da matriz e da

rede de franqueados; a contratação dos melhores profissionais para assessorarem

seus serviços.

Considera-se que todos esses fatores contribuíram para o sucesso da empresa.

No entanto, não se pode omitir um dos mais importantes para a vertiginosa expansão

que O BOTICÁRIO vem apresentando: a intuição, o feeling e o tino de seu presidente.

Para finalizar, visando a aumentar a compreensão do fenômeno da mudança de

estratégia, sugere-se que sejam desenvolvidos estudos enfocando outros aspectos

dessas mudanças, diferentes dos aqui analisados ou ainda que os mesmos conceitos

teóricos que embasaram esta pesquisa sejam testados em outros contextos

organizacionais.

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ANEXOS

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ANEXO 1 – LEI No 8.955 DE 15 DE DEZEMBRO DE 1994

Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 8.955 DE 15 DE DEZEMBRO DE 1994.

Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Os contratos de franquia empresarial são disciplinados por esta lei.

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

Art. 3º Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações:

I - histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços;

II - balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios;

III - indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia;

IV - descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;

V - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;

VI - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;

VII - especificações quanto ao:

a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da franquia;

b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e

c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento;

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VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:

a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties);

b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;

c) taxa de publicidade ou semelhante;

d) seguro mínimo; e

e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados;

IX - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone;

X - em relação ao território, deve ser especificado o seguinte:

a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e

b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações;

XI - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores;

XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a:

a) supervisão de rede;

b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado;

c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos;

d) treinamento dos funcionários do franqueado;

e) manuais de franquia;

f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e

g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado;

XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador;

XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e

b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador;

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XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade.

Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este.

Parágrafo único. Na hipótese do não-cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.

Art. 5º (VETADO).

Art. 6º O contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público.

Art. 7º A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Art. 8º O disposto nesta lei aplica-se aos sistemas de franquia instalados e operados no território nacional.

Art. 9º Para os fins desta lei, o termo franqueador, quando utilizado em qualquer de seus dispositivos, serve também para designar o subfranqueador, da mesma forma que as disposições que se refiram ao franqueado aplicam-se ao subfranqueado.

Art. 10. Esta lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação.

Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 15 de dezembro de 1994; 173º da Independência e 106º da República.

ITAMAR FRANCO

Ciro Ferreira Gomes

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ANEXO 2 – FONTES SECUNDÁRIAS 1. Apostila produzida pelo Serviço de Atendimento ao Cliente O BOTICÁRIO, mar.

2001. Disponível em http://www.boticario.com.br 2. Cosmetics international, The news bulletin of cosmetics industry, “O BOTICARIO

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1998. 7. Jornal Estado de Minas Gerais. “Nova loja de O BOTICÁRIO Inova Sistema de

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Curitiba, p.12, 01 dez. 2001. 9. Jornal Gazeta do Povo, “Exposição Reproduz a Natureza Brasileira”. Curitiba, p. 7,

13 dez. 2001. 10. Jornal Gazeta Mercantil, “O BOTICÁRIO Investe R$ 1 Milhão no Projeto de Lojas

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pp. 20-25, jan. 2001.