16
DOSSIÊ OLHARES DO FENÔMENO RELIGIOSO E DO MIO Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v. 12, n.1, p. 90-104, jan./jun. 2011, ISSN 1518-0689 90 Fundamentalismo: um debate introdutório sobre as conceituações do fenômeno Fundamentalism: an introductory debate on conceptualizations of the phenomenon Jair Araújo de Lima – UFRN RESUMO Este trabalho se propõe a problematizar as denições social mente propagadas de fundamentalismo pela mídia e por um tipo especíco de literatura especializada e suas implicações no quadro das representa ções sociais desse fenômeno cultural e religioso. O escopo do trabalho divide-se em três etapas básicas, sendo elas: (1) Análise das variações terminológicas e seus equívocos recorrentes; (2)  As r aízes histórico- sociológi cas do fenômeno e sua c ategorizaç ão primitiva; ( 3) As ressig nicaçõe s e conceituações modernas do fenômeno e sua relação com a denição histórico-sociológica primitiva do fundamentalismo . Palavras-chave: Fundamentalismo. Sociologia da religião. Modernidade. Fenômenos sociais. ABSTRACT Tis paper aims to discuss the denitions of fundamentalism socially propagated by the media and a specic type of literature and its implications in the social representations of this cultural and religious phenomenon. Te scope of work is divided into three basic steps, namely: (1) Analysis of variations in wording and their recurring mistakes, (2) Te historical and sociological roots of the phenomenon and its primitive categorization, (3) Te modern concepts and new meanings the phenomenon and its relation to historical and sociological denition of primitive fundamentalism. Keywords: Fundamentalism. Sociology of religion. Modernity. Social phenomena. odos os meus esforços pessoais têm consistido em derrubar o método corrente em sociologia: evitar partir da ideia de solução para apreender o que nos mostra a experiência social: tensões, antagonismos, lutas e conitos. Julien Freund No domínio das ciências sociais e humanas, toda interpretação ou explicação cria uma distância, que pode ser imensa, entre ela e a realidade. Porém, o intérprete e analista, assim como seu leitor, raramente tomam consciência disto. Raymond Boudon

Fundamentalism o

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 115

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MIO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068990

Fundamentalismo um debate introdutoacuterio

sobre as conceituaccedilotildees do fenocircmenoFundamentalism an introductory debate on conceptualizations of the phenomenon

Jair Arauacutejo de Lima ndash UFRN

RESUMO

Este trabalho se propotildee a problematizar as definiccedilotildees socialmente propagadas de fundamentalismopela miacutedia e por um tipo especiacutefico de literatura especializada e suas implicaccedilotildees no quadro dasrepresentaccedilotildees sociais desse fenocircmeno cultural e religioso O escopo do trabalho divide-se em trecircsetapas baacutesicas sendo elas (1) Anaacutelise das variaccedilotildees terminoloacutegicas e seus equiacutevocos recorrentes (2)

As raiacutezes histoacuterico-socioloacutegicas do fenocircmeno e sua categorizaccedilatildeo primitiva (3) As ressignificaccedilotildees econceituaccedilotildees modernas do fenocircmeno e sua relaccedilatildeo com a definiccedilatildeo histoacuterico-socioloacutegica primitivado fundamentalismo

Palavras-chave Fundamentalismo Sociologia da religiatildeo Modernidade Fenocircmenos sociais

ABSTRACTTis paper aims to discuss the definitions of fundamentalism socially propagated by the media and a specific

type of literature and its implications in the social representations of this cultural and religious phenomenon

Te scope of work is divided into three basic steps namely (1) Analysis of variations in wording and their

recurring mistakes (2) Te historical and sociological roots of the phenomenon and its primitive categorization

(3) Te modern concepts and new meanings the phenomenon and its relation to historical and sociological

definition of primitive fundamentalism

Keywords Fundamentalism Sociology of religion Modernity Social phenomena

odos os meus esforccedilos pessoais tecircm consistido em derrubar o

meacutetodo corrente em sociologia evitar partir da ideia de soluccedilatildeo

para apreender o que nos mostra a experiecircncia social tensotildees

antagonismos lutas e conflitos

Julien Freund

No domiacutenio das ciecircncias sociais e humanas toda interpretaccedilatildeo ou

explicaccedilatildeo cria uma distacircncia que pode ser imensa entre ela e arealidade Poreacutem o inteacuterprete e analista assim como seu leitor

raramente tomam consciecircncia disto

Raymond Boudon

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 91

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Debater ou estudar o fundamentalismo e as identidades dele derivadas ou a ele atreladas

eacute uma das agendas das Ciecircncias Sociais em nossa eacutepoca A difusatildeo do termo daacute-se no acircmbito da

miacutedia em razatildeo dos atentados do dia 11 de setembro de 2001 agraves duas torres do World Trade Center

e a decorrente ideologia da seguranccedila interna e externa do EUA e no acircmbito acadecircmico eacute realizadopela via dos eixos temaacuteticos que frequentemente o trazem agrave baila identidades modernas pluralis-

mo cultural e religioso direitos das minorias e movimentos reacionaacuterios e por fim as temaacuteticas da

toleracircncia e da relativizaccedilatildeo cultural

Salvo exceccedilotildees moacutedicas tais como em Ernest Gellner (1994 p 13) autor em que aparece a

expressatildeo insoacutelita ldquoo fundamentalismo eacute uacutetil para a sociedaderdquo e ainda Zigmunt Bauman (1998 p

228) onde surge a porccedilatildeo natildeo popular ldquoo fundamentalismo eacute um remeacutedio radical contra esse veneno

da sociedade de consumo conduzida pelo mercado e poacutes-moderna []rdquo

Pode-se ateacute discordar de Gellner e Bauman natildeo obstante natildeo eacute possiacutevel uma criacutetica desdenho-sa do uso impopular que fazem do termo fundamentalismo e da conotaccedilatildeo positiva que atribuem

ao fenocircmeno

Recentemente Antocircnio Flaacutevio Pierucci (2006) ndash cuja concepccedilatildeo do termo segue oposta agrave com-

preensatildeo de Gellner e Bauman e agrave nossa ndash comentou (e isso nos serve aqui) que tem observado um

ldquouso frouxo do conceito que tem-se generalizadordquo (p 01) ambeacutem Veronica Melander (2000) tem

apontado que devemos impor limites agraves recentes expansotildees do conceito

O fato eacute que ndash inclusive no acircmbito acadecircmico ndash a associaccedilatildeo que se faz ao termo tem sido

reincidentemente deturpadora tanto do seu sentido histoacuterico original e circunstancial quanto das

conotaccedilotildees positivas que a ele podem ser legitimamente atribuiacutedas1

Eacute provaacutevel que algum adepto dos usos indiscriminados e inexatos do termo venha a qua-

lificar-nos de fundamentalistas terminoloacutegicos uma vez que defendemos um sentido proacuteprio e

apropriado para ele Deste modo estaria (esse nosso criacutetico virtual) incorrendo exatamente num

dos desdobramentos academicamente perigosos dos usos desleixados da terminologia cientiacutefica

isto eacute atribuir ao rigor acadecircmico-cientiacutefico um sentido de intoleracircncia de perfeccionismo pedan-

te ou violento ou seja de ldquofundamentalismordquo em sua acepccedilatildeo equivocada Pierucci (2006 p 01)

reconhece que natildeo se deve ldquotomar toda convicccedilatildeo pessoal ou tomada de posiccedilatildeo inegociaacutevel como

fundamentalistardquo Queremos demonstrar aqui que eacute precisamente isso que estaacute ocorrendo nos usosteoloacutegicos midiaacuteticos e (em certos acircmbitos) acadecircmicos do termo

O nosso interesse neste trabalho eacute demonstrar ndash pelo recurso agrave anaacutelise do discurso e da

fundamentaccedilatildeo teoacuterica fornecida pela literatura da aacuterea ndash como se estaacute popularizando nos meios

midiaacuteticos e em alguns meios acadecircmicos uma conceituaccedilatildeo equiacutevoca do termo e sua consequente

representaccedilatildeo tendenciosa e portanto incompleta ais atribuiccedilotildees equiacutevocas do termo realizam-se

de pelo menos trecircs formas

1 Na Ciecircncia por exemplo o termo eacute sinocircnimo de fundacionalismo e ndash mesmo aqueles que antagonizam com este sistema por motivos epistemoloacutegicos

devem admitir ndash neste sentido sua conotaccedilatildeo natildeo pode ser devidamente compreendida como sendo negativa (Cf GELLNER 1994)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068992

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e

circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais

amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa

eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais

2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO

1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa

conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)

3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas

ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e

apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao

seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de

toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia

o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo

e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica

Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas

interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND

1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo

(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade

semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo

indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de

especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4

O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p

12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser

operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico

em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)

Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-

tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-

nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista

eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos

fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci

mas temos duas ressalvas agrave sua proposta

Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando

o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao

movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER

2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca

3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da

porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima

pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 93

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande

contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-

valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci

propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo

de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo

De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se

definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo

aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-

talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-

prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo

O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os

fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-

to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999

SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)

Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de

fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-

to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo

cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou

meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-

minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia

abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)

Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte

negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do

termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos

diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo

islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR

1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental

e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-

damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas

que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee

uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo

teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais

islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais

A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo

conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-

to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do

termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068994

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo

devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica

A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do

fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-

ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito

internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert

Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo

histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-

ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas

anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo

particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por

meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por

exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam

no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de

abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que

em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se

fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade

As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve

promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem

-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo

nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos

cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana

Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-

mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia

poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior

parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles

demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta

Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta

de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo

dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies

acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende

que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia

rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente

ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)

natildeo-ocidentais

Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de

termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente

5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 2: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 91

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Debater ou estudar o fundamentalismo e as identidades dele derivadas ou a ele atreladas

eacute uma das agendas das Ciecircncias Sociais em nossa eacutepoca A difusatildeo do termo daacute-se no acircmbito da

miacutedia em razatildeo dos atentados do dia 11 de setembro de 2001 agraves duas torres do World Trade Center

e a decorrente ideologia da seguranccedila interna e externa do EUA e no acircmbito acadecircmico eacute realizadopela via dos eixos temaacuteticos que frequentemente o trazem agrave baila identidades modernas pluralis-

mo cultural e religioso direitos das minorias e movimentos reacionaacuterios e por fim as temaacuteticas da

toleracircncia e da relativizaccedilatildeo cultural

Salvo exceccedilotildees moacutedicas tais como em Ernest Gellner (1994 p 13) autor em que aparece a

expressatildeo insoacutelita ldquoo fundamentalismo eacute uacutetil para a sociedaderdquo e ainda Zigmunt Bauman (1998 p

228) onde surge a porccedilatildeo natildeo popular ldquoo fundamentalismo eacute um remeacutedio radical contra esse veneno

da sociedade de consumo conduzida pelo mercado e poacutes-moderna []rdquo

Pode-se ateacute discordar de Gellner e Bauman natildeo obstante natildeo eacute possiacutevel uma criacutetica desdenho-sa do uso impopular que fazem do termo fundamentalismo e da conotaccedilatildeo positiva que atribuem

ao fenocircmeno

Recentemente Antocircnio Flaacutevio Pierucci (2006) ndash cuja concepccedilatildeo do termo segue oposta agrave com-

preensatildeo de Gellner e Bauman e agrave nossa ndash comentou (e isso nos serve aqui) que tem observado um

ldquouso frouxo do conceito que tem-se generalizadordquo (p 01) ambeacutem Veronica Melander (2000) tem

apontado que devemos impor limites agraves recentes expansotildees do conceito

O fato eacute que ndash inclusive no acircmbito acadecircmico ndash a associaccedilatildeo que se faz ao termo tem sido

reincidentemente deturpadora tanto do seu sentido histoacuterico original e circunstancial quanto das

conotaccedilotildees positivas que a ele podem ser legitimamente atribuiacutedas1

Eacute provaacutevel que algum adepto dos usos indiscriminados e inexatos do termo venha a qua-

lificar-nos de fundamentalistas terminoloacutegicos uma vez que defendemos um sentido proacuteprio e

apropriado para ele Deste modo estaria (esse nosso criacutetico virtual) incorrendo exatamente num

dos desdobramentos academicamente perigosos dos usos desleixados da terminologia cientiacutefica

isto eacute atribuir ao rigor acadecircmico-cientiacutefico um sentido de intoleracircncia de perfeccionismo pedan-

te ou violento ou seja de ldquofundamentalismordquo em sua acepccedilatildeo equivocada Pierucci (2006 p 01)

reconhece que natildeo se deve ldquotomar toda convicccedilatildeo pessoal ou tomada de posiccedilatildeo inegociaacutevel como

fundamentalistardquo Queremos demonstrar aqui que eacute precisamente isso que estaacute ocorrendo nos usosteoloacutegicos midiaacuteticos e (em certos acircmbitos) acadecircmicos do termo

O nosso interesse neste trabalho eacute demonstrar ndash pelo recurso agrave anaacutelise do discurso e da

fundamentaccedilatildeo teoacuterica fornecida pela literatura da aacuterea ndash como se estaacute popularizando nos meios

midiaacuteticos e em alguns meios acadecircmicos uma conceituaccedilatildeo equiacutevoca do termo e sua consequente

representaccedilatildeo tendenciosa e portanto incompleta ais atribuiccedilotildees equiacutevocas do termo realizam-se

de pelo menos trecircs formas

1 Na Ciecircncia por exemplo o termo eacute sinocircnimo de fundacionalismo e ndash mesmo aqueles que antagonizam com este sistema por motivos epistemoloacutegicos

devem admitir ndash neste sentido sua conotaccedilatildeo natildeo pode ser devidamente compreendida como sendo negativa (Cf GELLNER 1994)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068992

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e

circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais

amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa

eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais

2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO

1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa

conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)

3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas

ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e

apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao

seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de

toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia

o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo

e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica

Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas

interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND

1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo

(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade

semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo

indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de

especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4

O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p

12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser

operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico

em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)

Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-

tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-

nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista

eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos

fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci

mas temos duas ressalvas agrave sua proposta

Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando

o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao

movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER

2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca

3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da

porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima

pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 93

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande

contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-

valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci

propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo

de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo

De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se

definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo

aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-

talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-

prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo

O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os

fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-

to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999

SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)

Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de

fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-

to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo

cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou

meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-

minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia

abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)

Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte

negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do

termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos

diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo

islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR

1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental

e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-

damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas

que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee

uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo

teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais

islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais

A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo

conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-

to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do

termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068994

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo

devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica

A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do

fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-

ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito

internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert

Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo

histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-

ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas

anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo

particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por

meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por

exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam

no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de

abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que

em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se

fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade

As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve

promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem

-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo

nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos

cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana

Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-

mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia

poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior

parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles

demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta

Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta

de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo

dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies

acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende

que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia

rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente

ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)

natildeo-ocidentais

Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de

termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente

5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 3: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068992

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e

circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais

amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa

eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais

2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO

1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa

conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)

3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas

ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e

apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao

seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de

toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia

o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo

e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica

Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas

interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND

1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo

(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade

semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo

indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de

especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4

O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p

12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser

operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico

em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)

Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-

tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-

nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista

eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos

fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci

mas temos duas ressalvas agrave sua proposta

Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando

o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao

movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER

2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca

3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da

porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima

pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 93

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande

contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-

valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci

propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo

de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo

De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se

definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo

aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-

talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-

prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo

O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os

fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-

to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999

SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)

Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de

fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-

to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo

cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou

meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-

minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia

abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)

Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte

negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do

termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos

diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo

islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR

1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental

e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-

damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas

que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee

uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo

teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais

islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais

A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo

conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-

to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do

termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068994

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo

devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica

A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do

fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-

ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito

internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert

Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo

histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-

ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas

anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo

particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por

meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por

exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam

no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de

abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que

em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se

fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade

As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve

promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem

-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo

nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos

cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana

Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-

mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia

poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior

parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles

demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta

Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta

de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo

dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies

acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende

que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia

rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente

ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)

natildeo-ocidentais

Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de

termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente

5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 4: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 93

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande

contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-

valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci

propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo

de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo

De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se

definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo

aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-

talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-

prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo

O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os

fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-

to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999

SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)

Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de

fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-

to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo

cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou

meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-

minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia

abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)

Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte

negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do

termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos

diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo

islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR

1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental

e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-

damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas

que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee

uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo

teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais

islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais

A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo

conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-

to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do

termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068994

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo

devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica

A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do

fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-

ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito

internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert

Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo

histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-

ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas

anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo

particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por

meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por

exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam

no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de

abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que

em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se

fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade

As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve

promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem

-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo

nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos

cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana

Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-

mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia

poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior

parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles

demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta

Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta

de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo

dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies

acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende

que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia

rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente

ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)

natildeo-ocidentais

Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de

termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente

5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 5: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068994

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo

devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica

A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do

fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-

ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito

internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert

Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo

histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-

ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas

anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo

particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por

meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por

exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam

no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de

abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que

em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se

fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade

As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve

promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem

-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo

nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos

cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana

Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-

mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia

poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior

parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles

demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta

Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta

de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo

dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies

acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende

que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia

rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente

ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)

natildeo-ocidentais

Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de

termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente

5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 6: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 615

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 95

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal

postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-

maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa

que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo

natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do

outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-

cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em

igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso

do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo

Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca

anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria

o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e

sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)

Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve

Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e

queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de

discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras

argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre

temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale

novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees

Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste

postulado

Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode

ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto

sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute

na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela

de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo

se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura

sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)

Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de

restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-

plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago

Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele

adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se

de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 7: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 715

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068996

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos

que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas

Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-

diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que

professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado

sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos

dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-

mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund

Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa

deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica

da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e

estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar

em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-

paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos

condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados

agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo

O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo

a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em

discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita

A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns

da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se

inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo

Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e

tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria

enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para

a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e

assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua

tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem

superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as

Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-

guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto

de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)

Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-

damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto

sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-

ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos

os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os

6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)

e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 8: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 815

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 97

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas

torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu

Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de

uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta

ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em

diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias

Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-

jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo

no ldquomundo da vidardquo

Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-

sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou

grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-

delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia

realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)

anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas

correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997

GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto

natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e

instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)

As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-

tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica

ambos fictiacutecios

Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute

religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto

de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo

A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-

ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem

do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo

em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar

o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos

tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os

possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo

que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de

certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo

Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo

que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em

Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a

concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-

sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 9: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 915

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068998

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder

o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o

oacutedio muacutetuo entre grupos rivais

Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-

danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu

saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo

o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo

Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno

bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos

e positivos do termo

Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no

sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan

Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)

Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-

demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-

versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo

(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os

quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos

datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper

pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes

satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico

Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo

como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no

mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que

satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo

balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem

artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno

Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo

cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade

normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da

conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-

to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto

natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas

crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas

7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com

o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH

McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes

em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 10: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1015

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo

com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo

Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash

que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade

biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato

de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja

a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)

Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-

mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-

de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a

um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10

Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como

fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio

inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio

Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11

Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal

uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto

tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do

nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)

Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos

setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)

que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-

dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo

Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter

conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-

tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na

epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)

9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo

fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes

em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais

e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre

estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)

10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo

em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas

culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas

natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente

sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p

20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo

11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura

da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 11: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1115

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689100

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato

de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo

aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele

chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees

Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo

de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou

oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente

Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees

para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos

do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-

taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes

Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual

seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-

vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam

nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos

O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os

agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica

identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-

metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-

versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade

semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus

estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora

serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-

recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo

como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam

a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de

modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo

Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que

alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de

12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade

enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 12: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1215

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra

fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo

ou negativo

Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais

se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-

das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL

1997 p 08)

Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo

estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-

sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo

assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)

O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-

mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo

Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que

fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele

[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico

preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um

agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento

do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples

subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se

radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)

Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p

23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos

Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que

um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra

uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14

seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem

no nosso modo de entender fundamentalista

Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo

eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que

sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode

concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua

emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo

de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo

do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados

por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando

assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico

14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 13: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1315

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma

praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas

que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos

ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos

noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas

as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo

(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)

Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos

ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito

nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das

formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as

comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para

que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados

As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias

sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves

quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-

der e explicar

Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de

conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor

metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais

REFEREcircNCIAS

BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998

BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008

BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997

BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995

BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997

BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009

BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993

BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007

CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010

CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 14: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1415

JAIR ARAUacuteJO DE LIMA

Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982

CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011

COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995

DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3

DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005

______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002

ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001

FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003

FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987

GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994

GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002

GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997

GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011

GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006

HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000

HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008

JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms

comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366

LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004

LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO

Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19

LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980

LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991

MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992

McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007

MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005

Page 15: Fundamentalism o

7232019 Fundamentalism o

httpslidepdfcomreaderfullfundamentalism-o 1515

FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO

DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO

MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005

NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245

______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde

o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326

______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a

conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343

NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005

ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996

PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)

Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07

______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira

(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368

______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985

______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978

______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980

POPPER Karl Conhecimento objetivo

Belo Horizonte Itatiaia 1999

RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006

SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970

SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino

de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996

SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003

AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860

VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010

VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005