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ScientiaAmazonia, v. 3, n.3, 59-71, 2014 Revista on-line http://www.scientia.ufam.edu.br
Set-Dez ISSN:2238.1910
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Fungos toxigênicos e micotoxinas na alimentação de peixes: uma revisão1
Hérlon Mota Atayde2, Ila Maria de Aguiar de Oliveira3; Antônio José Inhamuns4, Maria Francisca
Simas Teixeira5
Submetido 27/04/2014 – Aceito 12/12/2014 – Publicado on-line 30/12/2014
Resumo Certas espécies de fungos filamentosos produzem compostos tóxicos denominados micotoxinas que, ao serem
ingeridas, podem causar micotoxicoses em animais, inclusive ao homem. Entre os fungos micotoxigênicos, os
de maior ocorrência em produtos alimentícios são espécies de Aspergillus, Penicillium e Fusarium, que exigem
condições específicas para o crescimento e produção de micotoxinas. Experimentos realizados com animais,
incluindo peixes, comprovaram a ação nociva dessas toxinas, como redução do peso corporal, efeitos
mutagênico, carcinogênico e/ou teratogênico. Esta revisão apresenta os principais aspectos da atividade
biológica e toxicológica dos fungos filamentosos em ração para peixes e respectivos insumos e aborda o estado
atual das pesquisas sobre o tema.
Palavras-Chave: Fusarium. Aspergillus. fumonisina. Aflatoxina, ração
Abstract
Some mold species can produce mycotoxins, toxic compounds that, after ingested, can lead animal
mycotoxicosis, including to man. Among toxigenic fungi, the food commodities prevalent are
Aspergillus, Penicillium and Fusarium species, which require specific conditions for growth and
mycotoxin production. Experiences with animals, including fishes, proved this toxins harmful action,
like body weight reduction, mutagenic, carcinogenic and teratogenic effect. This review presents the
central aspects of biological and toxicological filamentous fungi activity in fish feeds and respective
ingredients, and discusses the current researches state about this theme.
Key-words: Fusarium. Aspergillus. fumonisin. aflatoxin. feed.
1 Esse artigo de revisão é uma atualização do conteúdo de dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Ciência de Alimentos – Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 2 Autor para correspondência, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), engenheiro de pesca,
Doutor em Ciências Pesqueiras nos Trópicos, autor para correspondência. e-mail: [email protected] 3 Professora da FCF – UFAM, farmacêutica-bioquímica, Doutora em Ciência de Alimentos. e-mail: [email protected] 4 Professor da Faculdade de Ciências Agrárias – UFAM, engenheiro de pesca, Doutor em Ciência de Alimentos. e-mail:
[email protected] 5 Professora do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) – UFAM, bióloga, Doutora em Ciências Biológicas. e-mail:
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1. Introdução A contaminação de produtos agrícolas e
alimentícios por fungos toxigênicos e toxinas tem
sido tratada com maior atenção devido o potencial
impacto negativo na economia regional,
especialmente nos países em desenvolvimento. A
prevenção do crescimento desses microrganismos
nesses produtos está associada às técnicas
adequadas de colheita e pós-colheita, raramente
praticadas conjuntamente com instalações
adequadas de armazenagem (ATANDA et al.,
2006; TACON; METIAN, 2008; GRIESSLER;
ENCARNAÇÃO, 2009).
Espécies de Aspergillus, Fusarium e
Penicillium são fungos toxigênicos e frequentes
contaminantes de insumos e ração animal;
produzem micotoxinas causadoras de vários efeitos
adversos (ACCENSI et al., 2004; SANTACROCE
et al., 2008; PIETSCH et al., 2013).
Os peixes na piscicultura intensiva dependem
totalmente da alimentação fornecida pelo homem
para crescimento e sobrevivência, sendo uma
melhor qualidade dessas rações dependente do
controle sanitário dos insumos utilizados na
fabricação, os quais são muito suscetíveis ao ataque
de fungos, inclusive os micotoxigênicos
(HASHIMOTO et al., 2003; PIETSCH et al.,
2013).
O crescente interesse e aprimoramento de
conhecimentos técnicos em relação à piscicultura
intensiva demandam a utilização de rações
comerciais preferencialmente extrusadas, produto
ao qual se atribui um balanceamento energético
adequado, minimizando problemas no desempenho
zootécnico (SILVA et al., 2003).
Uma importante consideração deve ser feita
quanto à contaminação humana indireta pelo
consumo de peixes provenientes de piscicultura
intensiva, alimentados com ração contaminada por
micotoxinas (HASHIMOTO et al., 2003;
TOLOSA et al., 2013) ou por contaminação direta
ocasionada pelo parasitismo fúngico (HASHEM,
2011). Dados sobre a ocorrência de fungos
toxigênicos e micotoxinas em rações para peixe
ainda são escassos, principalmente no Brasil.
Nesta revisão são apresentados os principais
aspectos referentes à atividade biológica e
toxicológica dos fungos em produtos agrícolas
utilizados como insumos na fabricação de
alimentação animal, com ênfase em ração para
peixes.
2. Metodologia Para esse artigo de revisão, optou-se por
levantamento bibliográfico em bibliotecas físicas e
virtuais de instituições públicas e particulares,
nacionais ou internacionais. Entre as bibliotecas
locais, devido acesso facilitado, foram consultadas
a Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), Biblioteca Setorial da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e
Biblioteca da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária Amazônia Ocidental (EMBRAPA).
Para as demais localidades brasileiras, optou-se
pelo acesso remoto, através do Programa de
Comutação Bibliográfica (COMUT) do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(IBICT).
Adicionalmente, as bases de dados científicos
predominantemente utilizadas no âmbito
institucional foram Scientific Eletronic Library
Online (SCIELO) (www.scielo.org), SCOPUS
(www.scopus.com), SCIENCE DIRECT
(www.sciencedirect.com), SPRINGER
(link.springer.com) – importantes plataformas de
intercâmbio científico inseridas no portal
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes). Entre os
sistemas de acesso livre, optou-se pelo Google
acadêmico (scholar.google.com.br), além de
outras.
Foram utilizados os seguintes descritores:
“fungos”, “fungi”, “molds”, “fungos toxigênicos”,
“toxigenic molds”, “toxigenic fungi”,
“micotoxina”, “mycotoxin”, “aflatoxina”,
“aflatoxin”, “fumonisina”, “fumonisin”, “ração
animal”, “animal feed”, “ração para peixes”, “fish
feed”, “piscicultura”, “pisciculture”, “aquicultura”,
“aquaculture”, associados ou não.
O material bibliográfico coletado abrange os
anos de 1964 até 2014. Para inclusão entre os
documentos utilizados nessa revisão, o material
deveria prioritariamente relacionar em seu
conteúdo algum termo identificador de micotoxina
com alimentação ou saúde humana e animal,
principalmente peixes. Ao final, foram
selecionados 74 documentos.
3. Aspectos gerais sobre fungos em
alimentos Fungos são microrganismos que realizam
digestão extracelular e os nutrientes provenientes
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dessa atividade são absorvidos pela célula e/ou
acumulados na forma de glicogênio. No final da
fase exponencial de crescimento, influenciados
pelas condições do substrato, ocorre o metabolismo
secundário, quando produzem algumas enzimas e
substâncias não-essenciais (toxinas, antibióticos,
pigmentos, entre outros) para crescimento e
reprodução, as quais tem atraído a atenção de
pesquisadores em todo o mundo devido o impacto
na saúde humana, produtividade animal e comércio
nacional e internacional (YANONG, 2003;
MARTÍN et al., 2005; LEUNG et al., 2006;
GBORE et al., 2010).
Alimentos in natura ou subprodutos são ricos
em nutrientes que, associados às demais
características intrínsecas e condições ambientais,
são excelentes substratos para fungos, os quais
degradam os nutrientes e promovem alterações
organolépticas comprometedoras da qualidade
nutricional e econômica desses produtos
(HUSSEIN; BRASEL, 2001; YIANNIKOURIS;
JOUANY, 2002; ATAYDE et al., 2005;
MANNING; ABBAS, 2013).
De forma particular, os principais fatores que
influenciam na colonização de fungos em
alimentos são temperatura, umidade do substrato,
atmosfera de armazenamento, processamento,
produção e agentes competidores. Dentre esses, a
umidade, a temperatura e a oxigenação são
condições que propiciam a germinação e a
multiplicação dos esporos de certos fungos
toxigênicos (HUSSEIN; BRASEL, 2001;
YANNIKOURIS; JOUANY, 2002; BENNETT;
KLICH, 2003; BAPTISTA et al., 2004;
FERREIRA et al., 2006; LEUNG et al., 2006;
OLAJUYIGBE et al., 2014).
Nesta contextualização, a literatura destaca que
a condição ótima para o desenvolvimento de
fungos não é necessariamente a ótima para
produção de micotoxina. Como exemplo,
Aspergillus flavus apresenta crescimento ótimo na
temperatura de 33 ºC, contudo produz micotoxina
na faixa entre 13 a 42 °C; para umidade, tais valores
são dependentes do substrato; para a atividade
água, respectivamente 0,98 e faixa de 0,82 a 1,00
(SCUSSEL, 2000; HUSSEIN; BRASEL, 2001;
PEREIRA et al., 2002; BAPTISTA et al., 2004;
FERREIRA et al., 2006).
A percepção da problemática sobre fungos e
micotoxinas em peixes iniciou-se no início dos
anos 1960, quase concomitante à associação desses
microrganismos e respectivos metabólitos à doença
X dos perus. Naquela época, verificou-se a
presença de hepatocarcinomas em truta arco-íris
(Onchorhyncus mykiss) causados pela inclusão de
farinha de semente de algodão na elaboração da
ração peletizada utilizada no cultivo (MANNING
et al., 2005b).
As rações para peixes armazenadas em
temperaturas acima de 27 °C, umidade ambiente
superior a 62% e conteúdo intrínseco de umidade
maior que 14% propiciam o desenvolvimento de
fungos micotoxigênicos, ou seja, fungos
produtores de micotoxinas (YANONG, 2003;
FEDDERN et al., 2013).
Micotoxinas são metabólitos secundários com
diferenciadas estrutura química e propriedade
biológica; não tem significado bioquímico para o
desenvolvimento desses fungos micotoxigênicos,
contudo atuam como compostos competitivos
favorecendo sua sobrevivência e são capazes de
induzir reação tóxica (micotoxicose) em vários
animais, algumas de natureza mutagênica,
carcinogênica e/ou teratogênica (CAZZANIGA et
al., 2001; BENNET; KLICH, 2003; BOUDRA;
MORGAVI, 2005; BINDER, 2007; FEDDERN et
al., 2013).
A presença desses fungos em produtos
alimentícios não significa a presença de
micotoxinas, mas torna-se condição efetiva para
produção desses metabólitos. Por outro lado, a
ausência dos mesmos não implica na ausência das
micotoxinas, pois esses compostos permanecem
ativos no substrato após a eliminação do
microrganismo (HUSSEIN; BRASEL, 2001;
FERREIRA et al., 2006; FEDDERN et al., 2013).
Com relação às micotoxinas, já foram descritos
mais de 300 tipos, mas somente 20 são
freqüentemente quantificadas em gêneros
alimentícios. Entre essas, ocratoxinas,
tricotecenos, zearalenona, fumonisinas e
aflatoxinas são as de maior nocividade. Tal
característica está relacionada ao tipo, quantidade,
freqüência de ingestão de micotoxinas e também a
idade, saúde e sexo do indivíduo exposto, sendo a
presença isolada ou múltipla desses metabólitos em
alimentos correlacionada a vários surtos e
patologias em peixes e outros vertebrados
(SCUSSEL, 2000; HUSSEIN; BRASEL, 2001;
BENNETT; KLICH, 2003; FERREIRA et al.,
2006; NIZZA; PICCOLO, 2009; MANNING;
ABBAS, 2013).
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3.1. Características e importância de
aflatoxinas e fumonisinas para a saúde
animal Aflatoxinas são micotoxinas produzidas por
espécies de Aspergillus (A. bombicis, A. flavus, A.
flavus var. parvisclerotigenus, A. nomius, A.
ochraceoroseus, A. ochraceus, A. parasiticus, A.
pseudotamarii, A. tamarii, A. toxicarius e A.
zhaoqingensins), Emericella (E. astellata e E.
venezuelensis), Penicillium (P. puberulum, P.
citrinum, P. variabile e P. frequentans) e por
Petromyces em produtos alimentícios conforme as
condições ambientais, métodos de processamento,
produção e armazenamento (HODGES et al., 1964;
MISLIVEC et al., 1968; SCUSSEL, 1998;
HUSSEIN; BRASSEL, 2001; FRISVAD et al.,
2005; FERREIRA et al., 2006; KLICH, 2007).
Dentre os tipos de aflatoxinas, as formas
B1(AFB1), B2(AFB2), G1(AFG1), G2(AFG2) são as
mais importantes (HUSSEIN; BRASEL, 2001;
FERREIRA et al., 2006; SANTACROCE et al.,
2008). A denominação “B” e “G” é devido à
fluorescência azul (blue) ou verde (green)
observada após exposição da toxina à irradiação
ultravioleta e relativa mobilidade durante análise
cromatográfica (BENNETT; KLICH, 2003;
MURPHY et al., 2006), enquanto os números
subscritos “1” e “2” indicam, respectivamente, o
menor e o maior peso molecular do composto
(PITT, 2000).
Qualquer patologia relacionada ao consumo
de aflatoxinas é denominada aflatoxicose,
classificada como aguda e crônica conforme a
capacidade de causar a morte e câncer,
respectivamente. Tratando-se de aflatoxicose
crônica, predispõe ainda a supressão imunológica e
outras condições patológicas (BENNETT; KLICH,
2003; SELIM et al., 2014).
A AFB1 é o principal tipo sintetizado e o mais
tóxico devido aos efeitos agudo e crônico
observados em animais, inclusive apontada pela
International Agency for Research on Cancer
(IARC) como um carcinógeno Grupo 1, no qual
estão incluídos os compostos comprovadamente
carcinógenos ao homem. Por sua vez, os tipos G1,
B2 e G2 apresentam respectivamente 50, 20 e 10%
da magnitude de toxicidade observada para o tipo
B1 (PITT, 2000; HUSSEIN; BRASSEL, 2001;
BENNETT; KLICH, 2003; FERREIRA et al.,
2006; MURPHY et al., 2006; FEDDERN et al.,
2013).
Efeitos tóxicos observados em numerosos
estudos com animais experimentais submetidos à
aflatoxicoses parecem observáveis em humanos
expostos à AFB1, nos quais a resposta imunológica
e o crescimento corporal, entre outros fatores,
foram suprimidos ou afetados pela presença dessa
micotoxina (FERREIRA et al., 2006; MURPHY et
al., 2006; FEDDERN et al., 2013; SELIM et al.,
2014).
A exposição às aflatoxinas pela dieta é
considerada um importante fator de risco para o
desenvolvimento de carcinoma hepatocelular
primário, mesmo em quantidades muito baixas,
como demonstrado em experimentos com animais,
particularmente em indivíduos expostos à hepatite
B (BENNETT; KLICH, 2003). Embora o fígado
seja o alvo primário, o desenvolvimento de tumores
em outros órgãos foi observado em animais
alimentados com rações contendo aflatoxinas
(FERREIRA et al., 2006).
Na revisão apresentada por HUSSEIN;
BRASSEL (2001) estão citados os resultados
relativos à ação de diferentes níveis de
contaminação por aflatoxinas em diversos animais,
observando-se majoritariamente a redução do
ganho diário de peso e do crescimento corporal,
lesões hepáticas, renais, vasculares e morte do
indivíduo afetado.
Experimentalmente, observou-se ação
sinergística entre AFB1 e o vírus da hepatite B no
desenvolvimento de hepatomas em animais
expostos a ambos os fatores, portanto considerados
cocarcinógenos e, quando concomitantes,
aumentam bastante a probabilidade de
desenvolvimento da doença (PITT, 2000;
BENNETT; KLICH, 2003; FERREIRA et al.,
2006).
A fumonisina, outra importante micotoxina, é
principalmente produzida por Fusarium
verticillioides (sin. F. moniliforme) e Fusarium
proliferatum, de ocorrência predominante em
milho. Entre os vários tipos dessa micotoxina, a
variante B1 (FB1) é considerada mais importante
devido a significativa abundância (70 a 80%) no
conteúdo total de fumonisina em alimentos
contaminados (GRIESSLER; ENCARNAÇÃO,
2009; MANNING, 2010). No entanto, estas e
outras espécies de Fusarium podem sintetizar
outras micotoxinas importantes para alimentos
destinados aos animais, porém são menos
estudadas (GLENN, 2007).
As condições de temperatura ideais para a
produção de fumonisinas variam entre 10 a 30 ºC,
com atividade de água de 0,93. Os efeitos
atribuídos à presença desse metabólito nos
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organismos em geral são supressão do crescimento
e diminuição do ganho de peso corporal, além de
neurotoxicidade e lesões histopatológicas
verificadas principalmente no fígado e rim
(GRIESSLER; ENCARNAÇÃO, 2009;
KOVACIC et al., 2009).
3.2. Micotoxinas em produtos agrícolas Produtos agrícolas após a colheita, como
grãos de cereais ou forragens são substratos
comumente associados à presença de micotoxinas,
os quais são contaminados por fungos
micotoxigênicos pelo parasitismo na planta ou pelo
estado sapróbio do fungo durante a armazenagem
(HUSSEIN; BRASEL, 2001; HUWIG et al., 2001).
Em análise de milho – importante insumo para
rações – efetuada na fase de pós-colheita, no
Paraná, detectou-se a presença de diversas espécies
de Aspergillus produtoras de aflatoxinas, inclusive
algumas sintetizando simultaneamente os quatro
principais tipos (FARIAS et al., 2000). De acordo
com BOUDRA; MORGAVI (2005), a produção de
toxinas por A. fumigatus em meios de cultura e em
insumos de rações significam riscos à saúde dos
animais que consomem rações contaminadas.
Milhos, oleaginosas e leguminosas tornam-se
suscetíveis a essa situação quando apresentam
umidade absoluta entre 18 a 22%, 9 a 15% e 17 a
23%, respectivamente, recomendando-se a
estocagem em umidade ambiente entre 13 a 15,5%,
7 a 8% e 12 a 16,5%, respectivamente. Para maior
segurança, é necessária a secagem 1 a 2% abaixo
desses valores, ainda aliada à retirada homogênea
da umidade, ausência de roedores e boa ventilação
no local de armazenamento (SCUSSEL, 2000).
3.3. Fungos e micotoxinas em ração para
peixes A ração comercial é um elemento importante
na moderna produção animal devido atender a
exigência nutricional de determinada espécie.
Quando esse produto é fabricado a partir da mistura
de outros insumos (a exemplo de premix –
elemento básico de qualquer ração, formado pela
homogeneização de vitaminas, minerais,
aminoácidos e aditivos) com produtos agrícolas e
subprodutos de baixa qualidade, tornam os animais
mais suscetíveis aos efeitos deletérios após
ingestão de rações contaminadas por fungos e/ou
micotoxinas (HASHIMOTO et al., 2003;
ACCENSI et al., 2004; CRAVET; LECOEUR,
2006; NIZZA; PICCOLO, 2009; GBORE et al.,
2010; MANNING; ABBAS, 2013).
O crescimento de tilápias alimentadas com
rações peletizadas elaboradas com farinha de
palmito contaminada por Aspergillus flavus ficou
comprometido, sendo este fato atribuído ao
decréscimo da digestibilidade e presença de fatores
antinutricionais no alimento fornecido (LIM et al.,
2001), provavelmente as micotoxinas sintetizadas
pelo fungo contaminante.
Experimento realizado em rohu (Labeo
rohita), a principal carpa cultivada na Índia
constata efeitos imunossupressores induzidos pela
injeção intraperitoneal de AFB1 (SAHOO;
MUKHERJEE, 2001). Efeitos negativos no
crescimento e lesões hepáticas foram atestados em
tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) após
ingestão dessa micotoxina em concentrações
maiores que 0,25 mg/Kg de ração (TUAN et al.,
2002). A associação da ingestão de aflatoxinas com
outras micotoxinas potencializou seus efeitos
negativos, conforme constatado pela pesquisa
utilizando hepatócitos de Cyprinus carpio (HE et
al., 2010).
Em Portugal, um levantamento sobre a
contaminação de ração animal por micotoxinas
mostrou resultados negativos para aflatoxinas em
todas as amostras analisadas de ração para peixes
(MARTINS et al., 2008). Na Europa Central,
apesar da prevalência de baixos índices de
micotoxinas em rações comerciais para
ciprinídeos, alguns dados foram preocupantes
devido ao alto índice de deoxinivalenol (DEO)
(PIETSCH et al., 2013) que, em outro experimento,
demonstrou efeitos imunossupressores em C.
carpio cultivada (PIETSCH et al., 2014).
Outros dados de HASHIMOTO et al. (2003)
são as análises quantitativas de aflatoxinas totais
em rações de peixes utilizadas no Paraná-Brasil
com valores médios de 3,32 ng/g em rações
extrusadas e de 1,40 ng/g em rações peletizadas.
Estudos com FB1 fornecida através de ração
para o bagre de canal (I. punctatus) mostram
resultados antagônicos. BROWN et al. (1994)
sugerem que exemplares adultos podem tolerar
rações com níveis de contaminação acima de 300
mg/Kg por períodos superiores a cinco semanas,
sem apresentarem danos macro ou microscópicos.
Por sua vez, o experimento de LUMLERTDACHA
et al. (1995) aponta que concentrações iguais ou
maiores que 20 mg/Kg dessa micotoxina são
tóxicas para os estágios de vida juvenil e adulto
dessa espécie, devido constatarem uma relação
proporcional direta entre o teor de toxinas e os
efeitos negativos observados no crescimento e nos
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caracteres hematológicos e histopatológicos,
potencializados segundo LUMLERTDACHA;
LOVELL (1995) pela exposição a fatores de
virulência.
Por sua vez, a pesquisa efetuada por TUAN et
al. (2003) demonstrou sensibilidade dessa espécie
para índices de FB1 a partir de 10 mg/Kg de ração,
sendo os efeitos negativos observados no ganho de
peso e na eficiência alimentar também diretamente
proporcionais à dose ingerida. No entanto, outras
variáveis observadas nesse estudo não
demonstraram esse mesmo comportamento.
Majoritariamente, as alimentações de peixes
utilizando rações contendo concentrações tóxicas
de micotoxinas tornam o animal cultivado mais
suscetível à ação de patógenos.
LUMLERTDACHA; LOVELL (1995),
MANNING et al. (2005a) verificaram que o bagre
de canal (I. punctatus) alimentado com rações
contendo FB1, ocratoxina A (OTA) ou T-2 teve a
taxa de mortalidade aumentada quando efetuou-se
sua exposição à bactéria patogênica Edwardsiella
ictaluri.
Pesquisa com essa espécie de peixe mostrou
resultado discrepante bastante interessante. O
consumo da micotoxina DEO, administrado em
diferentes concentrações via ração experimental,
resultou na maior taxa de sobrevivência aos
indivíduos posteriormente expostos a essa bactéria
patogênica, principalmente aqueles que
consumiram os maiores teores da micotoxina.
Apesar da falta de comprovação nessa espécie, esse
resultado é devido ao aumento das
imunoglobulinas, conforme observação em prévio
experimento com camundongos (MANNING et
al., 2013).
Outro destaque sobre a ação de micotoxinas
está descrito por CARLSON et al. (2001), que cita
o efeito carcinogênico da fumonisina B1 (FB1)
administrada para truta arco-íris (Oncorhynchus
mykiss) em associação com AFB1 e n-metil-n’-
nitro-nitrosoguanidina. Por sua vez, a pesquisa
efetuada por TUAN et al. (2003) demonstrou
sensibilidade dessa espécie para índices de FB1 a
partir de 10 mg/Kg de ração, sendo os efeitos
negativos observados no ganho de peso e na
eficiência alimentar também diretamente
proporcionais à dose ingerida. No entanto, outras
variáveis observadas nesse estudo não
demonstraram esse mesmo comportamento.
A truta arco-íris (O. mykiss) é considerada
uma espécie muito sensível à micotoxinas,
particularmente aflatoxinas tipo B. De acordo com
Sinnhuber et al. (MANNING et al., 2005b), a
simples exposição de seus ovos em solução de
aflatoxinas B resultou meses mais tarde em
significativo número de indivíduos com
hepatocarcinomas. Problemas similares foram
descritos por pesquisas posteriores, inclusive
utilizando outros tipos de micotoxinas (HOOFT et
al., 2011; WOZNY et al., 2013)
Uma importante espécie de peixe cultivado
em várias partes do mundo – a carpa (C. carpio) –
mostrou sensibilidade quando no estágio juvenil e
alimentada com ração contendo FB1 em diferentes
concentrações (0,5; 5,0; 10 e 100 mg/Kg de
produto). Apesar de nenhuma mortalidade ter sido
observada, exames confirmaram dano ao
crescimento corporal, maior incidência de
processos inflamatórios causados por
microrganismos oportunistas, alterações hemato-
sorológicas e neurotoxicidade (letargia, edema
cerebral, morte celular por apoptose, acúmulo de
células inflamatórias), os quais foram
proporcionais à dose administrada (PEPELJNJAK
et al., 2002; KOVACIC et al., 2009).
Larvas de bagre africano (Clarias gariepinus)
também tiveram o ganho de peso, os parâmetros
hematológicos e os constituintes protéicos do soro
negativamente afetados pela ingestão de
fumonisina através da ração. Os resultados obtidos
alertam que os teores a partir de 5 mg/Kg de
produto possibilitam a ocorrência de efeitos
imunossupressores e consequente impacto
negativo no desempenho zootécnico do cultivo
(GBORE et al., 2010).
Apesar de pouco estudadas, o efeito de outras
toxinas em espécies de peixes já foram verificadas.
Por exemplo, a OTA e a toxina T-2 administradas
para bagre de canal (I. punctatus) também reduziu
o crescimento corporal e lesionou o tecido
hepatopancreático dessa espécie, entre outros
sintomas (MANNING et al., 2003a; 2003b),
principalmente quando exposto a fatores de
virulência (MANNING et al., 2005a).
A zearalenona (ZEN) prejudicou a
reprodução, enquanto a citrinina e patulina
afetaram o desenvolvimento embrionário do
paulistinha (Danio rerio) (SCHWARTZ, 2010;
2011; WU et al., 2012). Em trutas cultivadas na
Polônia, a ZEN não foi detectada no músculo
dorsal, apesar de detectada nos ovários. Esse
resultado apresenta a impossibilidade de
comprometimento da saúde dos consumidores
desses animais, contudo pode afetar negativamente
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a produtividade das truticulturas (WOZNY et al.,
2013).
Por sua vez, a DEO apresentou severos efeitos
na truta arco-íris (O. mykiss) (HOOFT et al., 2011).
Em outro experimento, comprometimentos de
natureza hematológica, sorológica e histológica
também foram verificados nessa espécie, sem
constatações de prejuízos nos índices biométricos
(MATEJOVA et al., 2014). A associação de DEO
e AFB1 em hepatócitos de C. carpio resultou em
maiores efeitos adversos quando comparados à
ação de cada micotoxina isolada (HE et al., 2010).
Na Arábia Saudita, fungos micotoxigênicos
foram isolados de peixes cultivados. Essa situação
suscitou a recomendação de análises periódicas e
medidas preventivas a serem adotadas pelas
pisciculturas locais, prevenindo problemas de
saúde pública (HASHEM, 2011).
No Brasil, Hashimoto et al. (2003) detectaram
a co-ocorrência de aflatoxina e fumonisina em
rações extrusadas e peletizadas para peixe e
sugeriram o risco de sinergismo tóxico ao qual o
peixe cultivado com esse produto estava
submetido. ATAYDE (2008) isolou fungos de
rações comerciais extrusadas para peixes e
detectou exemplares com alto potencial tóxico
segundo teste contra A. salina.
Barbosa et al. (2013) e Cardoso Filho et al.
(2013), ao analisarem rações coletadas no interior
das propriedades piscicultoras brasileiras
identificaram índices médios da contaminação por
fungos de 2,9 x 103 e 2,1 x 103, respectivamente,
em UFC/g. Em outro estudo realizado por Nunes
(2009) e Almeida et al. (2011) a contaminação por
fungos foi positiva em rações para peixes
adquiridas no fabricante, cujos valores foram 2,4 x
104 UFC/g e máximo de 2,0 x 103 UFC/g,
respectivamente. Essas taxas de colonização
microbiana foram superiores aos encontrados na
pesquisa de Atayde (2008), condição que mostra os
bons procedimentos durante o processamento nas
fábricas de ração no Estado do Amazonas.
A comercialização de ração no varejo, no
formato popularmente chamado “no retalho”,
quando variáveis porém pequenas porções são
vendidas, contribui para a contaminação.
Olajuyigbe et al (2014) obtiveram 100% de
amostras de ração para peixe vendidas no varejo
contaminadas por fungos Aspergillus seção Flavi e
aflatoxinas. Todas as espécies identificadas
(A.flavus e A. tamarii; 83,05% e 16,95%,
respectivamente) foram constatadas como
micotoxigênicas e 88,9% das amostras
apresentavam aflatoxinas em quantidade superior a
10 µg/kg. A ocorrência dessa micotoxina também
pode estar associada à outros fatores pré-venda da
ração analisada, como matéria-prima contaminada,
condições de processamento e manuseio durante
fabricação, entre outros.
Os experimentos no Brasil utilizando peixes
concentram-se nos efeitos da aflatoxina sobre o
jundiá (Rhamdia quellen), desconhecendo-se
trabalhos utilizando outras micotoxinas, conforme
descrição abaixo.
Na pesquisa de Lopes et al. (2005), Vieira et
al. (2006) e Lopes et al. (2010), administrando
teores crescentes de aflatoxina através de ração
para o jundiá (R. quelen), as alterações observadas
– anemia, redução da glicose sanguínea e proteínas
muscular e hepática – foram, em sua maioria,
proporcionais a dose ingerida e similares aquelas
verificadas em outros peixes. No entanto,
mortalidade e diminuições significativas do peso e
comprimento somente foram atestadas quando
alimentados com teores a partir de 204 ppb/Kg de
produto.
Quanto à deposição tecidual de aflatoxina,
teores a partir de 90 ppb/Kg de ração já permitiram
a detecção da toxina na carcaça e, no fígado,
somente a partir de 350 ppb/Kg de ração (LOPES
et al., 2005).
Dados capazes de suscitar ainda mais o
potencial bioacumulador dessas toxinas e a
necessidade de administrar ração isenta das
mesmas aos peixes cultivados foram publicados
por Tolosa et al. (2013) e Huang et al. (2014).
Na pesquisa de Tolosa et al. (2013), a presença
em músculo de peixes da micotoxina sintetizada
por Fusarium sp. somente foi detectada nas
amostras dos exemplares cultivados, sendo
ausentes nas amostras dos exemplares selvagens.
Huang et al. (2014) detectaram a deposição
muscular de AFB1 em carpa Carassius auratus
gibelio cultivada, sendo os índices dessa
micotoxina diretamente proporcionais à
quantidade adicionada na ração utilizada.
Já no Amazonas, verificou-se a toxicidade de
fungos isolados de rações extrusadas produzidas
por fábricas locais e destinadas à piscicultura. Para
os ensaios de toxicidade, foram utilizados náuplios
estágio 1 de Artemia salina. Constatou-se grave
atividade biológica dos biocompostos produzidos
pela maioria das espécies isoladas, indicando
preocupação devido os riscos à produtividade, à
saúde animal e aos consumidores desses animais
cultivados (ATAYDE et al., 2008).
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Pesquisas relacionadas aos teores de
micotoxinas em rações produzidas no Amazonas
ou na parte comestível de animais cultivados nesse
Estado, assim como os efeitos desses
micometabólitos em peixes regionais são
inexistentes, significando uma importante lacuna a
ser preenchida.
3.4. Efeito da extrusão nas micotoxinas A fabricação de rações por extrusão consiste
num processo de cozimento dos insumos em alta
temperatura (130 a 150 °C), pressão (30 a 60 atm)
e umidade controlada em curto espaço de tempo,
favorecendo a estabilidade da ração na superfície
da água, facilitando o manejo alimentar, além de
inibir fatores antinutricionais (KUBITZA, 1999;
AMARAL, 2002).
A farinha de milho previamente contaminada
com DEO e aflatoxinas, quando submetida ao
processo de extrusão a 150 e 180 ºC, apresentou
reduções nesses compostos [DEO-99,5%(máximo)
e AFB1-25%(máximo)], principalmente a 180 ºC
(CAZZANIGA et al., 2001).
Em outras análises, quando foi feita a
comparação da eficiência do processo de extrusão
relativa à redução de aflatoxina durante o
processamento de sementes de algodão, foi
comprovado que o decréscimo do teor de
aflatoxina estava associado à temperatura
empregada e não ao número de estágios de
processamento extrusivo, tanto que ao utilizarem
três estágios de processamento a 104 oC, dois
estágios a 132 oC e um estágio a 160 oC, a redução
correspondeu a 55, 50 e 76%, respectivamente
(BUSER; ABBAS, 2002).
4. Considerações finais A atividade biológica dos fungos filamentosos
nos diversos ecossistemas proporciona a produção
de compostos de importância médica, ambiental e
alimentícia. Contudo, em condições restritas e
seletivas, certas espécies desses microrganismos
produzem e excretam para o substrato diversos
metabólitos secundários, entre os quais as
micotoxinas, que se destacam pelo impacto
negativo na saúde animal e humana.
Dentre as micotoxinas, a associação de
técnicas específicas para análise de aflatoxinas
proporcionam à detecção dessas micotoxinas em
outras espécies de fungos anamorfos, além de
linhagens de A. flavus e A. parasiticus.
Fungos filamentosos e as micotoxinas quando
presentes em produtos alimentícios comprometem
a qualidade nutricional e causam perdas
econômicas, condição que exigiu o
desenvolvimento de legislação nacional de maior
amplitude, de forma a incluir outras toxinas
fúngicas.
Especificamente em peixes, as consequências
normalmente observadas são diminuição do
crescimento, queda na alimentação, pobre
conversão alimentar e aumentada suscetibilidade à
doenças, além da preocupante bioacumulação
dessas toxinas no tecido muscular.
Na região amazônica, devido o grande
consumo per capita e o crescente aumento do
mercado de peixes cultivados, há necessidade de
estudos para verificação qualitativa e quantitativa
de micotoxinas no alimento fornecido a esses
animais, visando à obtenção de produtos e
subprodutos de qualidade, de forma a garantir a
saúde do consumidor.
Agradecimentos Ao CNPq e CAPES, pelo apoio financeiro.
Divulgação Este artigo é inédito e não está sendo
considerado para qualquer outra publicação. Os
autores e revisores não relataram qualquer conflito
de interesse durante a sua avaliação. Logo, a revista
Scientia Amazonia detém os direitos autorais, tem
a aprovação e a permissão dos autores para
divulgação deste artigo, por meio eletrônico.
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