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FUTURO PROMETIDO

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MARIA ALICE DA LUZ

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FUTURO PROMETIDO

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MARIA ALICE DA LUZ

FUTURO PROMETIDO

Até os próprios sonhos ficam mais bonitos quando não ignoram a realidade.

1ª Edição

Curitiba

2016

MARIA ALICE DA LUZ

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FUTURO PROMETIDO

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1

EM CADA OLHAR UMA HISTÓRIA

Em cada olhar, uma história.

As vidraças da alma falam por ela.

Quinze primaveras vividas a ferro e fogo.

Sempre representou a doce minoria.

Estranha para quem julga pelos boatos.

Um encanto para quem decide ouvi-la.

A eterna menina de batom vermelho.

Ser diferente sempre tem um preço.

Escreveu o que sozinha não suportou.

E enquanto todos sorriam, chorou,

Sentada em uma escada qualquer,

Dezenas de dedos apontados em sua direção.

Fechou os olhos e não era pesadelo.

Toda semana tem um fim.

Para o verdadeiro amor disse sim.

Quantos segredos guardam aquele olhar?

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A quantos já disse adeus?

Quantos partiram esse pobre coração?

Onde é o seu lar, pequena menina?

Em qualquer lugar onde se sinta em casa,

Onde por ninguém seja humilhada,

E o pão não desça a garganta com remorso.

Pouco pode ser muito, questão de saber ver,

Saber viver com o que a vida transforma,

Daquilo que parecia definitivo.

Via de regra, feliz ou infelizmente, não foi.

Tirando três, novamente doze.

Acrescentando três, dezoito, maior perante a lei.

Na lei dos mais fracos, à espreita o chacal.

Não há firmeza ao segurar o cajado,

Na terra ficam impressos os seus passos.

Esse foi apenas mais um dia.

Ela vive a esperar por um dia.

Não sabe, não sabe qual é.

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PERSEGUIDOR

Não cubra o Sol.

Não contra-argumente.

Não me obrigue a ser indelicada.

Não se prevaleça da minha fragilidade, reconheço a importância do sofrimento, mas não gosto de rastejar.

Não me molde de acordo com o seu caráter.

Não faça sua covardia um pretexto para coerção.

Não, não diga absolutamente nada porque sei que a sua glória vai custar caro à minha honra.

Não envie essa mensagem. Feche essa página, cli-que em outra, desligue o computador.

Não se embriague de autoconfiança ao se impor, eu tenho o direito de ser quem sou.

Não responda por mim e sim pelos seus atos por-que enquanto vocifera a santidade que não tem, enaltece a falta de senso. Ao contrário do que pensa, eu não renego nenhum dos meus defeitos ou então as virtudes perderiam a função de equilibrar o peso das responsabilidades.

Não superestime a presença. O ar ficou escasso com a sua chegada, preciso me retirar. O eco da sua intragá-vel voz atrapalhou a concentração.

Não decore o meu nome.

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Não olhe no fundo dos meus olhos, não se sua in-tenção for cegar a pureza e surrupiar a paz de espírito.

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CONVERSANDO COM AS ESTRELAS

Penso tanto antes que falar que não falo nem meta-de do que se passa dentro de mim. A escrita é uma interme-diária entre razão e emoção, sonho e realidade, entre mim e você, duas peças tão distantes num quebra-cabeça, aproxi-mada por um abraço todas as noites quando você toca nos meus sentimentos mais profundos e me mostra que não es-tou sozinha.

Se houvesse uma chance, eu faria tudo certo, eu fa-ria tudo dar certo, pelo menos dessa vez. Eu te dedicaria uma centena de músicas de amor, com versos bonitos que falaram por mim, em silêncio. Eu faria da rotina, poesia, contaria os passos até meus lábios juntarem-se aos seus. Eu dar-te-ia muitos beijos de bom dia, boa noite. Eu seria a sua menina, de ninguém mais.

Durmo abraçando meu bichinho de pelúcia, imagi-nando que é você. Essa ternura que me toma conta sempre me ajuda a descansar. Mais um dia se foi e eu sobrevivi. Sou grata pelo fato de estar viva e conversar com as estrelas, continuar tentando, subindo cada degrau com entusiasmo, celebrando as pequenas alegrias do cotidiano porque assim se vive, aprendendo a dançar, depois desocupando o salão para que alguém também desvie das luzes coloridas e con-viva em harmonia com as batidas.

Que tal dizer que sim ou apenas abrir os braços pa-ra que eu sinta as acalentadoras batidas do seu coração? A canção mais bonita para mim, sem dúvida alguma. Um so-nho incrível, excepcional. Nem mil versos chegam perto de

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expressar o quão bom é amar você, não importa que seja em segredo. Juro que não importa. O mais importante já aconte-ceu: você existe... dentro de mim!

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SEU SORRISO

Ah, querido...

Será que existe mais alguém que seja tão fã do seu sorriso quanto eu?

Uma fã secreta, que suspira quase em silêncio...

Alguém que queria ser o motivo desse sorriso.

Alguém que nunca quer perder o pôr-do-sol...

Dizem por aí que os versos de amor não alimentam.

Para quem é insensível, eu sei que os versos são a minha voz.

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INTERPRETANDO AS BORBOLETAS NO

ESTÔMAGO

Dos meus olhos lágrimas o mundo arrancou. Incon-táveis vezes meu pranto secou, sem poder me ver nem abra-çar. A coragem é o tempero do verso, é o nexo da abrupta lógica, do próprio inexplicável suplicando por uma voz. Os caminhos que se apresentam e se estreitam nem sempre são justos.

Baladas tristes eu assobiei enquanto as nuvens de chuva me obrigavam a esquecer do brilho do Sol. Busquei um por que e no silêncio interpretei o passado para ser pre-sente. Escrevi para os céus e uma flor do anjo pousou no parapeito da minha janela.

Cantei rimas tortas, quase roucas, o que importa?

A lucidez do embargou me mostrou o inverso do mundo, o placar do jogo enfocou no preparo momentâneo.

Daqueles amigos que nunca iriam me abandonar, quem está aqui?

À deriva tantas vezes, aderi ao desapego. Amor e posse repelem-se. A sincera entrega provém da afeição, des-tinada a não prender. Assentir. Cativar. Estreitar pretextos sem invadir. Saber o valor da solidão.

Poeta de amor qualquer um pode ser.

O dom está aí.

Tocar-te do lado de dentro, será que consigo?

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É um desafio desnudar minha alma, eu quase sem-pre me espanto com a franqueza, me envergonho de propó-sito porque é tão estranho dizer que tenho tudo de que preci-so.

O amor me ensinou que sorrir é o certo, é o céu no pequeno mundo de alguém. Seu sorriso é o brilho do luar numa praia solitária, é a brisa do piano que ressoa pela sala e me faz cantar outra vez. Meu sorriso é um bocado seu.

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SONHO MAIS LINDO QUE AMAR VOCÊ

E VIVER NA PRIMAVERA, SERÁ QUE

HÁ?

Dias antes o brilho do seu olhar cruzou com o meu, o estômago respondeu.

Borboletas, borboletas.

Corre aqui e sinta as batidas do meu coração que cantam em coro o seu nome, até fazem troça quando você chega e minhas pernas se cruzam para não perder o foco.

Não sou mais criança, já sei o que fazer, que tudo que você precisa é de um sorriso, alguém que te queira bem.

Quem não quer ser o presente de alguém?

Quem não quer um dia mais bonito, que o dia ao menos termine bem?

E se te interessa saber, estou pensando em você agora mesmo, difícil não pensar, ficar uma hora que seja sem sentir um pouquinho do espetáculo das borboletas. Re-sistir ao seu sorriso, que dilema, que martírio!

Deixei um pouco as regras de lado para escrever tudo aquilo que transborda, que o orgulho engole a seco e não fala por achar que não é a hora. Sempre é.

Não importa que minhas palavras te toquem no alto da madrugada, quando eu for vencida pelo sono. Estarei sonhando com você, com o calor do seu abraço, com os seus

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olhos me analisando com ternura. Por vezes, sem palavras, mas quem precisa delas?

Hoje eu descobri que é seu aniversário, motivo pelo qual acordei tão feliz sem saber, quase despencando nas nuvens, sorridente. Eu queria dizer que me esqueci de te dar um presente porque você na minha vida foi o melhor de todos, foi mais que uma alegria passageira que se foi para outro hemisfério. Foi o sopro de coragem que me tirou da inércia, foi à emenda que faltava para o argumento conven-cer. Foi mais do que eu poderia imaginar.

Crê mesmo que simples versos falariam tanta coi-sa?

Viva-voz eu te deveria mil vezes o carinho que queria te dar e não posso. Não posso porque não há modos, porque estou longe demais para ser notada, porque sou ape-nas mais uma garota apaixonada por alguém distante do alcance, por alguém legal e especial demais para ser meu.

Olhar o céu, ver a estrela mais linda e assim ser. Escondido. Afeto preso pelas circunstâncias. Dói dizer que essa alegria não é completa. Se precisar ser guardado, não é da minha vontade, é por medo, por respeito, por coerência. Se não pode ser, melhor nem tentar... Mas e se pudesse ser?

Numa dessas, hoje, quem sabe, eu deposite minha esperança em breves linhas, abrindo meu coração com uma folha em branco porque me desencorajariam caso eu ousasse desbravar a realidade mitificada por trás de um lindo sonho. E um dos meus sonhos é te fazer muito feliz.

Sonho mais lindo que amar você e viver na prima-vera, será que há?

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DIVAGANDO NO INFINITO, NAS

PROFUNDEZAS DE UM AMOR SINCERO

Converse com as estrelas sem receios.

Mentalize a paz, esqueça os ruídos dessa cidade que nunca dorme.

Descanse e nunca se canse de se divertir.

Escute uma música brega, não faz mal algum.

Abraça o travesseiro, espere uns minutinhos para se levantar.

Beije-me no último pensamento do dia, suspire no primeiro.

Dê o seu melhor.

Supere-se.

Não caia na tentação de acomodar-se.

Aventure-se.

Desbrave o outro lado do mundo.

Feche a página.

Boceje para oxigenar o cansaço.

Ore.

Afague a cabeça do seu cãozinho, brinque com ele. Acredite, ele é um grande amigo e nunca vai te abandonar.

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Visite uma pessoa querida. Abra as portas da sua casa para os ventos de outono, feche os olhos para a escuri-dão, mas não para o que diz o seu coração.

Cante o mais alto que puder e se desafinar, não tem problema!

O importante é a diversão, não se esqueça!

Coloca o videogame pra dois, não tem importância se queimar o arroz.

Senta aqui do meu lado, não pensa em nada.

Ouvir o som da sua respiração e a elegia das bati-das do seu coraçãozinho me faz lembrar quando converso com as estrelas, sabendo onde está você.

Dentro de mim é a resposta aproximada dessa rea-lidade nem sempre doce.

Não sei ao certo o que me cabe fazer, eu tenho tan-to quanto um ponto tem de ser o final, uma responsabilida-de.

As palavras brincam nessa harmoniosa atmosfera de dúvidas e noites estreladas.

Sem violão nem talento para dedilhá-lo, essa von-tade mora em mim, é uma pizza adormecida me abocanhan-do sem sacrifícios num domingo de manhã.

Faço a conta de quantas estrelas vão me encantar até me trazerem ao brilho do seu olhar.

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EU ESCOLHERIA NUNCA TE AMAR

Eu não escolhi te amar. Poderia nunca acontecer, ser apenas mais um olhar banal, um dia qualquer perdido no calendário que vai sem dar tanta importância ao meu fôlego de não perder jamais a rota.

Eu escolheria ver o que teria acontecido se eu não tivesse te conhecido naquela noite.

Em outra ocasião seríamos coagidos a nos encon-trarmos?

Se eu tivesse te visto tempos depois, o impacto se-ria o mesmo?

Destino ou coincidência seja lá o que for, nem me atrevo a cavar fundo.

Eu escolheria não gostar de você se isso fizesse minha vida ser mais "fácil", com bem menos dor, menos esperas, menos ansiedade. Se eu conseguisse te tirar do meu coração sem sangrar.

Eu escolheria não gostar de você no Dia dos Namo-rados, no Natal, na virada de ano, para não fingir que estou feliz sem poder te dizer tudo que tenho vontade.

Escolheria viver sem sentir saudades, sem um no-me no meu coração.

Escolheria ser amiga da intuição e não procurar sa-ber se nossos signos combinam, nunca mais te rimar com poesia alguma.

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Os versos nunca me abandonam, estão sempre dis-postos a me colocar em sérias contradições, a transformar em arte as palavras jamais proferidas, a ser uma beleza es-condida num caderno qualquer, num blog com imagens co-loridas e frases inspiradoras.

Escolheria ser criança de novo para fazer às pazes com o tempo e não imaginar quão estranho é me conformar com o fato de que não deixarei frutos para confirmar meu legado.

Escolheria subir em árvores para colher frutas, cor-rer pelos jardins a soltar bolhas e ter a imaginação me fa-zendo vislumbrar cenários que os próprios escritores de fan-tasia invejariam. Meus joelhos ralados agradeceriam a opor-tunidade porque um coração partido não para de bater, con-tinua ali me infernizando, me envenenando, enquanto os anos correm e eu vou deixando de existir na história de al-guém.

Eu escolheria ser qualquer outra pessoa que não precisasse calar os próprios sentimentos para não ser rejeita-da ou porque as possibilidades voltam o gatilho para a mi-nha testa. A qualquer momento meu sonho pode acabar.

Eu escolheria, sem dúvida, que meus lábios juntos aos seus fossem a história. E isso não pode ser.

Alimentar chances para o improvável e não deso-cupar os cômodos, abrir as janelas, deixar o vento circular e bagunçar as folhas, o meu cabelo, não tanto quanto se en-contra o meu coração, inóspito ao bom alvo do cupido, da-quele sem noção que acertou a flecha em você que não olhou para trás, não viu que eu estava aqui. Eu também não vi, apenas senti a entonação daquele momento em que me peguei pensando em você no meio da noite, virando de um canto a outro, esperando o outro dia chegar para poder raci-ocinar com mais calma.

Eu não estava nervosa, como poderia?

Era uma sensação de plenitude que me apanhou de surpresa. Tudo que eu conhecia ficou para trás, todas aque-

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las teorias, tudo que me prendesse a algum ciclo não benéfi-co.

Eu escolheria um atalho menos trabalhoso até a fe-licidade, embora não signifique ausência de problemas, tris-teza. Haveria algo com o que implicar, alguma luta para encarar, algum novo objetivo que me tiraria da cama todas as manhãs.

Escolheria não desejar te abraçar quando a vontade de chorar aperta, não pensar no seu nome, não escutar aque-las músicas que me lembram de você, centímetro por centí-metro. Enganar as borboletas no estômago, ser indiferente ao brilho do seu olhar, sonhar com um futuro que não existe, não está prometido, nunca foi...

Escolheria apagar os sorrisos que você sem saber já me roubou, rasgar as cartas que te escrevi dia desses porque queria falar o que ninguém mais pode saber.

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INCONSISTENTE, INCONSCIENTE,

INEXISTENTE

Em detrimento do despeito,

As linhas pontilhadas finalizaram um ciclo.

Era questão de decidir o que era certo,

Mas a emoção determinou assim,

Não se refaz o que já está feito.

Se as costas formigarem de arrependimento

E as noites nunca mais forem calmas,

Não culpe a mais ninguém.

Não cante drama, não embrome,

Finja que aquele dia jamais existiu.

Eu teria o que é importante,

Não aquele amor de mentirinha

Que você prometeu me dar,

Não esse sentimento rebuscado por ameaças,

Por um lado feliz e o outro anulado.

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Não essa implicância doentia

Controlando meus pulsos, meus passos,

Mastigando lentamente a minha fuga,

Sempre errado e eu tão culpada,

Atribui-se a total falta de senso

Ao parágrafo deficiente e desconexo.

Por onde anda?

Por que esse olhar tão triste?

Não me pergunte mais nada,

Não se aproxime por nada no mundo,

Eu já não tenho um lugar para nós.

É tarde para chantagens,

Para resgatar um laço apodrecido,

Imaginar o que nunca deveria ter sido.

A confiança arrumou a mala e se foi,

A coragem pediu para ir junto,

Ansiosa a alegria juntou-se a elas,

A porta se fechou antes que eu a alcançasse.

Limitei-me a acenar sem ser vista.

Não importa o que vista, continuo nua.

Não importa o que diga, eu não acredito.

Não importam o tempo e nem as manobras,

Eu não tenho de volta... a mim!

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CARNAVAL DE UM POETA TRISTE

Corpos em festa, ruas coloridas, música alta tocan-do em todos os cantos, como é que alguém se atreve a ser triste? Sim, é uma provocação!

Como alguém pode chorar em silêncio quando o país todo festeja por dias a folga?

Será que esse alguém é um país em particular e não está alinhado aos interesses desse grandão que dita todas as regras?

Será que esse pobre poeta solitário está apenas pen-sando em tudo que ninguém pensa nesses dias todos?

Quem pensa também chora em silêncio. As lágri-mas podem ser apenas simbólicas, uma vez que quando ver-tem pelo lado de dentro refletem-se naquele isolamento o qual também é um jeito de ser notado, mas ninguém o faz, ninguém quer se aproximar.

Ele é diferente e a estranheza que isso causa é sem tamanho, irremediável. A caravana passa e o ignora. Amo-res breves nascem e morrem em um beijo. E ele ali. Uma peça fundamental. Observador em potencial, desatento de-mais para ser encontrado pelo amor.

Absteve-se de certezas porque não queria agarrar-se a nada que lhe fosse tirado com ira.

Ele ensimesmou-se depois de sucessivas decep-ções, tentou aprender a fugir das expectativas, embora elas sempre o perseguissem, trazendo aquela alegria que ele tan-to queria resgatar, a alegria que essa festa não tem para ele

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porque as músicas que tocam não são suficientemente insti-gantes para uma dança mais aberta, sensual, convidativa. É apenas um incômodo barulho, um tom rosa demais para seu gosto.

O vermelho até que cai bem, é cor de sangue, de dor, conexão com o coração partido que ainda bate incle-mente, cumprindo um ritual sufocante de resistência.

Ele pensou que estivesse pronto para ser homem, para afirmar que nada o abateria, mas não é assim que inter-preta a profundidade de seus versos, aqueles que alguns pas-sam os olhos e desprezam, porque entendem que se ele não é famoso, de nada vale ser autor.

Outros simplesmente passam os olhos, meneiam positivamente a cabeça e não mergulham nas possibilidades ali vividas, tão bem grifadas, bem sentidas, quase celestiais, porque dor é vida, até certos limites.

Refém da insatisfação, do muito que ainda é pouco, do que é e não basta.

Onde é a festa? Onde está?

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O QUE É SENÃO O BERRO DE UM

CORAÇÃO PARTIDO?

Não basta,

não insinua,

não completa,

não,

de tanto ser sim,

precisa-se de mais,

e ainda é menos,

tão menos

que se esconde

por onde

por ontem

não chorou

por hoje

já desabou,

não mais quis,

não mais falou,

não mais pediu,

relutante, sorriu,

controlar as sílabas

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a não passar do ponto,

lá fora é sol,

por que chove então?

Minúscula

a esperança o é,

ainda tão criança

porque bate o coração

num portão

ninguém o abre,

murchou a flor,

não a entregou,

não poetizou,

não glorificou,

não mais dançou,

não mais aceitou,

deu meia volta,

entortando a raiva,

desconhecida pela sorte,

um esboço a agonizar...

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DIZERES SOBRE A CARÊNCIA

A carência é o cano do revólver voltado contra a própria testa. Alguém puxará o gatilho e matará o que há de melhor em você, portanto não deixe que ninguém entre na sua vida em fases de perdas ou decepções (ou as duas coisas ao mesmo tempo) porque você estará oferecendo a fragili-dade da qual o agressor precisa para te destruir, dando em mãos a munição, o tempo para que a ação seja calculada e executada.

A carência é um tipo de traição, você delega a ou-tro a função de te preencher e quando começa assim, tudo que digo é que não termina bem.

A carência te impede de enxergar a verdadeira rea-lidade, aquela que você nega por medo, por saber que não há ninguém te esperando, enquanto você aguarda a quem vive sem você.

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PEQUENA

Persegui besouros naquele cercado na rua de barro, tive dias lindos e eles eram tão compridos, pelas aventuras preenchidos. Joaninhas andaram pelo meu antebraço macio banhado a talco, renovada pelas pequenas sonecas e grandes filosofias com um cachorro que tinha o dobro do meu tama-nho.

Se meu balão chegou a Marte ou Vênus, teve uma boa viagem. O céu era o pai daquelas nuvens dançarinas, artistas de vanguarda, sem estrelismos nem tiques, irmãs dos chatos trovões e admiradoras do tio distante arco-íris, sem-pre lhes trazia doces.

A Páscoa era daquele coelho branco atarefado com sua cestinha de vime cheia de ovos de chocolate. O Natal, sem um floco de neve, dormi antes de o bom velhinho tro-peçar na mesa de centro da sala, não tinha chaminé para ele entrar com seu uniforme à prova de fuligem.

Eu tive todo o tempo do mundo, mas não ele todo para mim.

Tive vontade de dizer o que não era necessário.

Tive vontade de voltar, sentir com perfeição o fres-cor da liberdade de comer pasta de dente Tandy e acreditar que meus pais não mentiam quando diziam me amar sobre-maneira. Recontado sob os meus olhos, uma viagem cance-lada.

Esse mundo de faz-de-conta não existe mais a não ser na ponta do lápis onde resta algum indício de pureza,

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nem que seja colocando em palavras descrições de um filme colorido, mudo e sensível.

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INTRIGANTE POR NATUREZA

Hoje faz dois anos daquele sonho. Estou com os pés no chão, assentando a sobrevivência. Não contei dois dedos um parágrafo, mas te mandei um abraço. Tenho an-dado tão fora de órbita, sem mim, o que faz parte. Do quê?

Deve ser o anoitecer. Tudo tão escuro, eu tão crian-ça, nesse corpo um tanto desajeitado, quase nada moldado ao embate. Rebate o sim, fico em dúvida. Meu sim é um não, meu talvez invoque a enfermidade do remorso.

Dois anos atrás... quase nada de orgulho... A pre-sença se foi, o que restou foi saudade... Não era da minha alçada decidir nada por ninguém...

São relâmpagos, estou com medo, sempre tenho... Um hábito um tanto inusitado, descomedido...

Pedi licença e engoli o choro, tenho a noite toda pa-ra isso.

Ninguém me viu passar. Ninguém ouviu a mais ninguém, se nem mesmo obedecem ao emprego de um acen-to. Os óculos escuros são o meu charme disfarçado de impa-ciência. Não tão vermelhos quanto o coração partido, meus olhos leem o fim nessas dramáticas entrelinhas. Agora, sem rima nem arrego, o seio do verso prendou o dom.

Tanto quanto estimar os superlativos, pensei em al-go bem melhor, uma ideia de primeira, um exagero eufemís-tico ou apenas místico, intrigante por natureza. A crença é o cordão umbilical do invisível. Seria bom de verdade te con-vidar para um café, formalmente, só para pedir um abraço.

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Se teu sorriso me enganou, vou duvidar. Se tudo acabou, vou protestar. Um minuto de silêncio pela carta que queria te tocar onde poucos sortudos conseguiram: do lado de dentro, onde somos completamente jovens e estamos brutalmente entusiasmados.

São dois anos apenas, há quem tenha esperado por décadas.

A devassa ansiedade passa o corretivo na calma, de que serve?

Minha repetitiva metalinguagem é um chamariz às sinestesias que reparto com o mundo ou bem mais comigo.

No dia de Sol rabisquei o tal do rascunho, ainda ve-rão, quase tarde. Na noite chuvosa um "olá" ao coração par-tido, aquele que sofre sorrindo sem levar em conta o perigo. Sonolento, espera quem nunca vem, conspirando a favor da reconciliação entre as gigantes teimosas a duelar incansa-velmente por sua atenção.

Pragmática, ela diz não ao supérfluo. Já a outra é imediatista e ilimitada, de quase nada arrependida. Elas se complementam, embora não pareça. Nesse meio tempo so-bra um espaço para fingir que escrevo alguma coisa... Ou quem sabe crer que ainda posso sonhar...

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A INQUIETUDE DA ADULAÇÃO

EXTREMA

Inconsciente inferioridade bem delineada pela adu-lação.

Meus passos te preocupam, te ameaçam, te pro-gramam a odiar, e esse convincente amor lança a confiança ao que me prende a ti, pelo carinho que sua soberba aliciada há de derrubar, muralha de indecisão, de mil planos traçados e nenhum cumprido.

O tempo corre e você persegue a sofisticação de uma cópia autenticada, por quase nada, uma tomada de pre-ços pagos com sangue, sorrisos partidos e olheiras bem dis-tintas, refém de palavras.

Nada mais é real, nunca foi, já não se sabe mais o que é essencial, apenas afirma-se que mentira é um charme e o desencanto, fruto.

Você reescreveu o paraíso e por excelência não houve outro, parafraseou respostas, inserindo interrogações nas despedidas.

A doce companhia fez-se medo, uma envolvente teia de delírio.

Vi-me conversando com tantas faces, sem nenhuma visível, senti-me conversando sozinha uma centena de ve-zes, francamente.

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A desconfiança assassina qualquer chance de en-grandecer o afeto, serve tão somente para abrir mais feridas dentro do peito.

A ira escancara os lobos famintos e rivaliza com a fidelidade, nos gritos, insultos descarados, opiniões grifadas com acidez.

O perdão por acaso traz de volta a paz que perdi tentando te decifrar?

Você pede perdão em virtude do remorso ou since-ramente lamenta?

Precede a chantagem, a suposição cuidadosamente encaixada para que a dúvida se implante e perturbe as últi-mas horas do dia.

Não é amizade se não se sobressai o companhei-rismo, se a competitividade apaga o brilho dos olhos.

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PODE ME CHAMAR DE AMOR

Pode me olhar nos olhos, você vai se surpreender por ler uma carta de amor sem nenhuma palavra rebuscada. Os beijos mais inesquecíveis nascem do olhar e brotam ao jorrar dos lábios.

Pode pousar sua mão sobre a minha sem nenhuma vergonha, envolver seus braços por entre os meus ombros e não dizer nada ou pode, desde que quando for dizer que me ama, que seja com vontade, com verdade. Que seja para sempre, ainda que não dependa de nós contar as horas.

Pode chegar mais perto, com certeza. Quando não souber de que lado ficar, vem comigo. Quando precisar de mim, vem. Quando se sentir triste, pensa em mim porque estarei pensando em você. Quando estiver sem sono, esque-ça tudo de ruim, permita-se sonhar um pouco, der guiado pelas asas da sua poderosa imaginação. Envelhece não quem completa mais um aniversário, mas quem deixa de sonhar, de se surpreender, de ser turista na vida.

Perante as circunstâncias, se tiver que planejar, que seja a sua felicidade, e nada mais honrado que fazer alguém feliz, com um sorriso, um verso, um gesto de carinho que não deseja retribuição obrigatória.

Pode saber que eu demorei muito para entender o que era amar de verdade e agora que sei, quero continuar aprendendo, se possível contigo.

Pode saber que se houver uma única chance de ir com você, irei. Todos sabem que o brilho dos meus olhos é

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tanto seu quanto meu, é a inocente magia de alguém que tanto foi magoada e nunca perdeu a fé porque o verdadeiro amor cura feridas, não as abre, estanca as mágoas e faz delas pérolas dentro daquela conchinha angustiada e insegura. Não me calo, não há por quê.

Pode finalmente cuidar do meu coração, me fazer canção, reviver a velha infância num domingo vazio.

Pode me chamar de amor.

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PROMETIDO OU NÃO, FOI UM BEIJO

DE AMOR

Teus olhos apontaram para a menina que eu ainda era.

E eu fugi das minhas próprias desculpas,

Emendando as horas para me perder de você.

Amparada pela culpa,

Fiz troça daquelas lágrimas que derramei

Quando me dei conta do quanto te desejava.

Sufoquei, mais uma vez.

Em outros não encontrei aquela paz

Nem soube ser eu porque sempre tinha que ser ou-tra,

Aquela que eles queriam.

Frustração.

Prometido ou não, foi um beijo de amor

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Que fez sarar aquele coração cicatrizado de tanto se quebrar.

Pra lá de irônico eu te escrevi e ninguém percebeu.

Favoreci a poesia sempre

Desejando ser aquela guitarra espanhola

Que você tocaria a noite toda,

Protegendo-a, sussurrando doçuras.

As músicas dedilham sensações a gosto,

Estão de mãos dadas com a sinceridade,

Sintonizada no bem querer disfarçado de implicân-cia.

Eu gosto do frio porque ele me lembra você,

Quando a janela fica embaçada

E eu sei como nunca que o Sol volta

Tão bonito quanto estava ontem.

E eu gosto de azul porque cai bem em você.

Seus olhos desnudaram minha tímida alma, com prazer.

Sou uma mulher.

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PROMETIDO OU NÃO, FOI UM BEIJO

DE AMOR

Salvem as borboletas no estômago, não proíbam. Bonito assim é o som do violão te chamando, vem cá!

Vem que eu te chamo de meu bem e se te chamar de amor vou fazer rimar.

Sentimentos não nascem para morrer em mim, mas para ser plural = você e eu, sem competição, sem igual, sempre a somar afeto e subtrair a insegurança.

Salvem os beijos roubados, retribuam. Ninguém é criança pra brincar de esconde, vem cá me encontrar e me abraça bem apertado pra que eu me blinde do mundo por doces instantes. Dediquei uma música ao seu sorriso, mas não cantei porque nunca levei jeito pra isso, nunca fui um pingo afinada e se perco o compasso deixo pra lá, como se deixa o medo e toda forma de distração.

É certo que as oportunidades não se repetem e eu faço dessas palavras as minhas asas para contigo sempre estarem... Quando eu não puder estar, se eu não souber o que falar, quando a saudade vier calibrar a dor...

Salvem o reencontro, não desmereçam a emoção. É sincera. Emerge do calor de uma espera, da janela aberta e sem estrela, como pode ser?

Será que é noite ou delírio?

Pouco se sabe...

FUTURO PROMETIDO

39

A espera ó quer saber quando o martírio chegará ao fim... Hoje... Talvez daqui a dois dias... Ou na próxima sex-ta-feira. Na esfera poética, uma brecha para extrair epifanias distorcidas.

Salvem os dias em que dois são um, não ironizem. Quem ama é o próprio argumento.

Se eu sei o que é amor, vem cá! Você e eu, uma rima perfeita pra eternizar a repetição das batidas dos cora-ções, para ser sonho e não expectativa, para ser alegria, mãos dadas, muito sorvete e frases de continuação.

A tristeza fica no passado, só lá, o que era exagero e nunca acrescentou, o que parecia ser amor e machucou, o que era certo e decepcionou.

Vem cá que eu te mostro o meu quarto e te apre-sento à minha mãe.

Vem que eu te chamo de amor, só assim a partir de agora. Meu amor, para o mundo.

MARIA ALICE DA LUZ

40

19

TRANCADO A SETE CHAVES

Minha timidez é um escudo

Que me protege de tudo,

Mas quem vive escondido

Não vive por inteiro,

Não sente, não se arrisca,

Não se entrega.

Fugir das provas de fogo impostas

É renegar o ar que respira.

FUTURO PROMETIDO

41

20

SUSSURROS, DRAMA E POESIA

Tem um pouco de estrelismo nesse ritual de me es-conder dos flashes de alguma câmera insistente.

Tem segredo que se envolve por mistério, daqueles de fazer o mais destemido roer as unhas.

Tem uma criança escondida atrás da mãe, cobrindo o rostinho com as mãos, querendo se livrar logo daquela situação, ansiando gentilmente por proteção, por um arrego, pela magia oculta na coragem.

Tem medo, tem. E um deles é me olhar no espelho em banheiros femininos. A imperfeição ali está ampliada em 20 vezes.

Tem exagero, sempre tem. Meu terceiro nome (an-tes do sobrenome) é drama, quase cômico, porque depois que passa eu rio um bocado dos meus micos, do quanto mi-nha imaginação é ágil em preparar roteiros constrangedores dirigidos e supervisionados por ninguém menos que a geni-osa preocupação, aquela que já me fez sofrer por antecedên-cia e ainda faz, não menos que brilhante.

A escuridão me abraça, mas estou rouca demais, gritar nunca levou a nada porque ninguém nunca me ouviu.

Tem um quê de cinismo na minha determinação em te evitar.

Tem pranto cristalizado nos meus olhos quando eu te espero e você não vem.

MARIA ALICE DA LUZ

42

Tem orgulho em sua dúbia conotação, um bocado em mim ao falar de você para outros e também em aceitar que não posso mudar o que sinto, nem a rotação da Terra, nem o final daquele filme que eu amo de paixão, mas acho o final muito triste.

Tem noite que não passa, que o frio não vence o sono, que a ansiedade sufoca a respiração, que definitiva-mente a criatividade não aceita um café.

Tem silêncio na minha indagação, um abraço im-plícito em cada aceno. Não quero inibir a razão e nem supe-restimar os apelos dramáticos daquela que chamam carinho-samente de emoção.

Tem dúvida, tem. Quem nunca perdeu para bem depois simplificar tudo e procurar entender por que custava tão caro 'aceitar'. E eu sei um pouco mais do que eu sabia ontem, sem querer me gabar, mas não sei o bastante para que me sustente na vaidade.

Tem mania de perfeição aliada ao medo de dar um passo em falso.

Tem alguém que queria correr o mundo para te dar o abraço que naquele sonho eu iria te dar, mas acordei na melhor parte.

Tem alguém que ainda não olha nos espelhos por puro medo de não estar nos conformes, alguém que ainda reluta em se abrir para não ser machucada.

Tem alguém que te olha mesmo que ninguém mais o esteja fazendo, alguém que escreveria todos os atos de uma opera para cantar o que é amar, entretanto, para que palavras se elas distraem, se abstraem e quase sempre tra-em? É só ver o tanto de casais que dizem se amar quando mal sabem o que é isso.

Tem coração vazio quando está acompanhado, tem coração pleno em si mesmo, cheio de sorrisos quando se sente amado, que distribui afeto e afaga com sutileza, tocan-do bem fundo para curar, chorando para alegrar.

FUTURO PROMETIDO

43

Tem epifanias que a sensatez descarta, sonhos que a distância não mata.

Tem quem não entenda o que quero dizer, mas con-tinuarei dizendo, para quem me ouve com a alma, com cal-ma e sem cobranças.

Tem coisas, porém, que eu quero dizer bem baixi-nho só para você.

MARIA ALICE DA LUZ

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21

A TARDE NÃO É SUA, É DOS

ANUNCIANTES

Toda tarde é a mesma coisa,

naquela mesma bancada,

naquele mesmo canal, tudo igual.

A entonação quer me prender,

Tem uma última informação,

Uma fofoca quente que não devo perder,

Uma confissão bombástica,

Detalhe sórdido de um crime hediondo

De repercussão nacional,

Junto a um mistério que não se cala.

Desastre é ser a última a saber

Quem é o cantor famoso

Que teve filho e não paga pensão,

Quem é a atriz que está com depressão,

O apresentador que pediu demissão,

A nova polêmica da falsa poderosa,

O namoro arranjado do camisa 10,

FUTURO PROMETIDO

45

Amor por contrato, que decepção!

Charlatanismo elitizado,

Tem fantasma pedindo o seu espaço.

Pausa para o recado dos anunciantes.

Nenhum programa sobrevive

Sem aquelas quinquilharias tomando

De dois em dois minutos

Mais da metade do circo televisionado.

Minha bunda tá caída,

Aquele aparelho promete levantá-la.

Celulite é vergonhoso ter,

Das estrias, o que dirá?

Bora comprar aquele gel de algas

Porque ele arde, mas faz efeito.

Tudo para fazer bonito no verão.

Meu cabelo é uma porcaria,

Eu devia usar aquela tinta,

Dizem sempre que homem gosta de loira.

Cabelo virgem tá cafona, não compensa,

Não chama a atenção.

Hora de abandonar esses cachos

ou então dar um jeito nesse liso sem graça.

Vai ver é por isso que ninguém me olha,

Preciso perder a minha barriguinha

Com a tal da cinta que come gordura.

MARIA ALICE DA LUZ

46

Preciso manter a pele sempre jovem

Com aquele creme que promete

O mesmo efeito de uma plástica,

Ser linda como a capa da revista.

Eternizada naquele clique, o máximo.

A tal da novidade nunca é revelada,

Outra tarde que se foi e eu não aprendi nada.

Continuo sem namorado, sem emprego,

Acreditando que há algo de errado comigo.

Sim, é verdade, há...

Porque nunca questionei.

Porque me condicionei a ser público,

A ter minha autoestima massacrada,

O intelecto subestimado.

Porque minha liberdade não faz diferença,

Em me expressar, quiçá.

A técnica de depreciação te faz um lixo,

Mas é a alma do negócio, faturar com a dor,

A insatisfação lucra, mantém o programa no ar,

E o padrão continua a levar almas

Porque muitas mulheres morrem

Quando deixam de gostar de si próprias.

FUTURO PROMETIDO

47

Consumir pode me fazer feliz por agora,

Mas um vício sempre exige mais,

E eu não quero cavoucar nesses defeitos,

Que muito provavelmente nem existem

Quero do mundo algo mais que futilidade.

Estou no canal errado, com certeza.

E eu posso gostar de sofrer,

Viciada em me machucar por não ser,

Um ponto no ibope, outra alienada,

Outra que se vê piada, sem graça.

O enredo é o mesmo, só o cenário mudou.

Exposição de bundas enormes na tela,

"Gostosas" se preparando para o Carnaval,

Algum pagodeiro que engravidou fã

E não cumpre com a responsabilidade de pai,

Algum casal de celebridades que está namorando,

Algum crime hediondo em São Paulo,

Algum artista falecido, a cobertura do funeral.

Eu não quero continuar dando ibope pra isso,

Quando tenho em mim a beleza por ser eu,

Sou minha própria companhia,

Cansei de ser um ponto inútil,

E fechar a hora me sentindo vazia

Quando há tantas coisas que preenchem e ensinam,

E servem para nos mostrar o nosso valor.

MARIA ALICE DA LUZ

48

Até nunca mais!

Um televisor desligado no meio da tarde

Faz mais poesia que duas horas de embromação.

FUTURO PROMETIDO

49

22

SENTIDO, DIREÇÃO, AFETO, VOCÊ!

A vida tem mais sentido

Quando você tem por que lutar.

Por quem viver.

Por um suspiro.

Por um alguém que te faz acreditar

Que vale a pena acordar.

Por um sonho.

De um sonho, pus-me pé,

A contragosto do destino,

O propósito atrasou-se, não era esperado.

A vida precisa de um porquê,

Nós precisamos de explicações

Até para o que já parece esclarecido.

E temos medo daquilo que somos,

Um bocado também do desconhecido.

A indiferença infantiliza,

Mas não há sombra para nos abrigarmos.

MARIA ALICE DA LUZ

50

Não somos tão diferentes assim.

A vida se converte de recomeços,

E se faz presente nas insistências.

Dentre as pequeninas reviravoltas,

Uma surpresa boa, sem fôlego fiquei.

Foi naquele dia em que conheci você.

Deixei o espaço em branco,

Uma resolução mais apurada hei de ter,

Quando o amor puder ser conjugado

Num termo plural, um sonho bilateral,

Ideia que se encaixa com o verbo

E a sonoridade não atordoa nem se desgasta.

E haverá espaço para quem, enfim?

O amor verdadeiro nunca tem fim.

Dentre aqueles que falam e nada dizem,

seu silêncio é uma estimulante antologia,

e eu respiro dessa vontade de ser.

Alegria...

Menina...

Anjo...

Ser...

A coragem que abandonei,

FUTURO PROMETIDO

51

A resposta que não dei,

A força que não tive para sair da sala,

Cor num cenário cinza e opaco.

Se você abrir mão do seu sorriso

Por Deus do céu, vai escurecer o dia.

Seus lábios brilham como os seus olhos

E colam nos meus, bem de leve,

Eu tenho sonhado com os braços

As asas de um anjo que me mantém de pé.

Distância não é nada

Quando do lado de dentro se está.

Não há porto mais seguro

Que te esperar chegar,

Que confiar meus segredos a você.

O melhor de mim.

Até o que sobre mim não sei.

Os versos de amor já são seus,

E eles cantam a música do meu coração,

Ainda cantam bem baixinho,

Também pudera, eu sinto medo!

Estrofes longas, portas abertas.

Sou minha melhor amiga,

Mas aceito que seja meu melhor amigo,

E mude um pouco as regras,

MARIA ALICE DA LUZ

52

Desde que não me tire do jogo,

Que eu ainda seja livre para voar,

Para criar o meu próprio trajeto

E escolher as flores que vou plantar.

A vida vale a pena

Quando a queda te mostra a humanidade,

A solidariedade vinda do inesperado,

A bondade escondida na simplicidade,

Quando num abraço a dor fica menor.

Você bem que vale a tentativa,

Comentário com utilidade faz crescer,

Do resto não hei de dar conta,

Prefiro a complicada matemática,

Não agradar ninguém é meu foco agora.

Você faz com que eu me sinta importante,

No entanto por mais que o mundo gire e gire,

Sem você essa noite não tem graça,

E eu não sei se viver teria algum diferencial

Se eu passasse por esse mundo sem te ver.

FUTURO PROMETIDO

53

23

A UM PASSO DE MIM

Declamo a saudade da pureza,

Daquela menina que se encontrava

Olhando dentro dos seus olhos.

Eu acho que ela está morta,

Porque esse sono já dura tanto tempo.

Perder faz parte de viver,

Errar também apresenta vantagens.

Só não queria ter medo de amar.

Não foi sua culpa, nem minha.

A imaturidade me testou, eu falhei.

Demorei a aceitar que te merecia,

Caí nos braços de outro para te esquecer,

Porque eu sonhava e me punia,

Sempre foi você, a vida toda.

Eu me guardei para esse momento,

Quando nada te impediria de ser meu.

MARIA ALICE DA LUZ

54

Tão bonito quando escrito,

Um desastre quando se trata de mim.

As músicas consentem,

A timidez me faz fugir correndo de você,

Principalmente quando te mencionam

e eu balbucio quase latindo que estou bem.

Chorei anteontem, você não veio.

Sorri escondida, você voltou.

Verbo transitivo contraditório,

O argumento vai contra o ventilador,

Embora já seja outono por aqui

E as noites sejam bem frias,

Sentir medo não altera os fatos,

Não reescreve os parágrafos desalinhados,

Provoca a heresia da negação,

Um escopo da covardia, é vero.

É o bilhete sem resposta,

A iniciativa terá de ser sua, caso aceite...

Porque se você esperar por mim

Vai precisar de uma cadeira para descansar.

Eu tomaria uma providência

E alguns goles de vinho para desinibir,

Não a ponto de perder a consciência,

FUTURO PROMETIDO

55

Desde que a timidez se recuse a fazer parte.

Ser a menininha retraída não me beneficia,

Atitude descabida, não condizente,

Esse jogo de palavras me deixa doente,

Minha garganta dói porque eu quero falar,

Se irreversível é só a morte,

A vergonha há de ser passageira,

Talvez nem sei do quê, ali ela está.

A um passo de mim, entre você.

Meu passado tem feridas,

Presumo que o seu também deve ter,

Porém você não se abala e segue,

Com essa força interior que eu admiro,

Viajei no seu sorriso, disse que sim.

E eu adoro a cor dos seus olhos,

Castanhos como os meus, tão doces,

Eu faria uma canção se inspirada estivesse.

Às vezes eu gosto de sonhar,

Numa sequência qualquer hei de encontrar

A solução para domar o medo e ser,

Deixar os ventos me guiarem

Na direção onde você estiver,

Para que me veja então sorrir,

Se alguma lágrima cair é puramente emoção,

MARIA ALICE DA LUZ

56

Quem não chora quando se faz transparente?

Não preciso saber de tudo.

FUTURO PROMETIDO

57

24

ONDE DÓI?

Onde dói?

Você está bem, mas onde dói?

É o coração partido?

O choro reprimido?

O que você está tentando me dizer?

É porque você se sente muito só?

E ninguém reconhece seu valor?

Por que dói?

Você desconversa, por quê?

Não mais confiou?

Quem ao seu coração machucou?

Tem medo de se apegar outra vez?

Por que foge do meu olhar?

Por que tem tanto medo de amar?

Onde dói?

A palavra que não bastou?

MARIA ALICE DA LUZ

58

A frase que enganou?

Por que não diz para mim?

Por que tem medo que eu me vá?

Por que não sabe como se comportar?

Por que lhe aflige a resposta?

Os dias sem nenhuma conclusão?

Por que dói?

Por que tem medo do medo?

E se sair do medo, partir pra outro?

Por que não segura a minha mão?

Por hoje, esqueça o resto.

Não busque se apropriar da verdade.

Vem cá, me dá um abraço.

Eu estou aqui e não quero que sofra.

Eu estarei aqui enquanto puder.

Eu estou aqui somente por sua causa.

Por hoje, não vai doer.

FUTURO PROMETIDO

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25

OS ADULTOS TAMBÉM CHORAM

Eu não sou tão serena quanto sugerem, não sou tão forte quanto esperam.

Quem disse que os adultos não choram quando fi-cam sozinhos?

Adultos também têm medo do escuro, e nas noites em que não dormem, temem o futuro; quem não se sente desolado perante o desconhecido?

A responsabilidade cabe a quem?

O futuro é um redemoinho a destruir a fé para re-modelá-la de acordo com o que fica de cada um.

Num dia amor, no outro orgulho, lembrança, atre-vidamente indiferente.

Ontem nós, amanhã eles.

Os adultos precisam de colo, tanto quanto os pe-quenos. Acontece que nessa correria os mais "fracos" ficam esquecidos e os fortes, ainda que fingidos, sempre sobrevi-vem.

Por um mundo com mais abraços e menos indire-tas, menos fofocas e mais, muito mais, apreço, muito mais empatia, por mais segurança e menos impulsividade.

Por um mundo em que assumir seus medos não se-ja pretexto para covardia.

MARIA ALICE DA LUZ

60

26

QUEM SE VAI

Quem se vai, leva pedaços de quem fica, e quem fi-ca guarda no coração a vontade de rever quem se vai, por-que esse abraço não fica por dar.

Fica no coração a certeza de um amanhã colorido pelos olhos que já conheceram a tristeza.

Quem se vai sempre fica em quem fica.

FUTURO PROMETIDO

61

27

MEDOS CALCULADOS

Chora porque a lembrança é forte,

A presença é ausente e o pleonasmo, sério.

Chora porque transbordou a paciência,

Porque ninguém jamais saberá consolar.

Cabendo as palavras aqui, dito foi que sim.

Fui minha melhor amiga outra vez,

Roubando as horas para saber lidar

Com todos os medos calculados.

Chora, para bombear o coração de dor

E não deixar que se parta mais.

MARIA ALICE DA LUZ

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28

UM ARCO-ÍRIS SOBRE O MAR

Era apenas outro fim de tarde,

Era apenas mais um dia.

Primavera em estado de espera,

Galhos quebrados, folhas secas.

Antes fosse um frio na barriga,

Comumente associado ao susto,

Já faz tempo que fui dispensada,

Nunca tive pique para maratonista

E em função disso perdi o trem.

São tempos difíceis para todos,

E a tristeza já grudou na memória,

Vício descontente, desconcertante.

Brilhou sobre o mar um arco-íris,

Era final de tarde, ainda sei me lembrar.

Eu fiquei feito criança na multidão,

FUTURO PROMETIDO

63

Não fiz questão de registrar com celular,

Porque guardei aqueles minutos

Nas preciosidades do meu coração.

Ninguém me viu entrar nem sair,

Mas fui embora dali com a convicção

De que a tristeza está chegando ao fim.

Era para ser mais um fim de tarde,

Era para ser apenas mais um dia.

Eu, que havia ido dormir tão triste,

Acordei abraçada por um anjo,

Encontrei um dente de leão junto a mim.

Seja bem-vinda, esperança.

MARIA ALICE DA LUZ

64

29

SOCIEDADE E HIPOCRISIA, POR

QUE SÃO SINÔNIMOS?

Falam de combater o envelhecimento facial,

Celulite, estrias, flacidez, bigode chinês,

Esconder a barriguinha, rosto sem espinhas,

Sacrificam-se a esconder os fios de cabelo branco,

O anonimato, no entanto, permite que as máscaras caiam

E as pessoas mostrem o pior de si mesmas

Disseminando o discurso de ódio em comentários,

Protegidos pela impunidade, nunca serão julgados.

Tanto falam de acabar com o preconceito e o prati-cam

Naquelas piadinhas inofensivas no churrasco,

Na mesa do almoço enquanto passa o jornal,

O julgamento velado sobre a vida do outro,

Num golpe de hipocrisia abraça por dever,

Mas aprende que falar pelas costas não é falsidade.

Dedicam tempo a moldar a escultura que o público vê,

FUTURO PROMETIDO

65

Docemente atraente feita pra convencer,

Que sai com água e um chumaço de algodão.

A verdadeira imperfeição ninguém quer procurar,

Porque é sempre mais simples vê-la no outro,

Falta humildade para reconhecer o próprio medo.

Ninguém quer passar por covarde nem sem graça,

Mas as piadas que contam sempre são,

Porque se o riso faz o choro de outro, não é alegria,

É a maldade protegida pela falta de educação,

Pelo fato de que levar a vida tão a sério prejudica,

E o que me diz de todos esses pré-conceitos

Encalacrados e pelas novas gerações herdados?

A maioria desligou no botão o senso crítico,

É sempre mais fácil escolher ficar numa posição segura,

Ser a massa que opina sem saber o que se passa

Porque essa fase de roubar frase feita já cansou.

É melhor assumir que não tem um posicionamento claro

A mudar suas convicções para ter aceitação.

Repetir sem refletir é assoprar poeira contra o ven-tilador,

é somente varrer estigmas e retroceder sem atuar.

MARIA ALICE DA LUZ

66

30

JÁ BASTA DE SUSTOS POR HOJE

Essencial, para ser. Ficou pelo ar, uma traga lenta que queria ter forma, não exatamente a mais atraente, sem que fosse obrigada a seguir em linha reta, para cima, sem nenhum deslumbre. Não comuniquei que o exílio foi simbó-lico, queria aqueles dias longe de perguntas.

Minha alma silencia e te encontra no espelho do horizonte, nem que seja a léguas distantes. Eu te sinto e é o que importa. Faço companhia ao meu coração partido como se ele fosse uma entidade registrada em cartório. Poetica-mente falando, é. E eu empenho meu melhor para que acre-ditem, quero falar de amor. Inexperiente até a ponta dos pés, virando do avesso e continuando no mesmo ritmo frenético para repetir palavras e as pernas bambearem.

Apesar de me concentrar até o primeiro lampejo de dor anunciar que não houve efeito. Contradições embebeci-das com vinho azedo, enquanto fazia um redemoinho com a taça e fingia levar aos lábios, sem de fato experimentar. O cansaço era tanto que eu me irritava somente de pensar nele.

Uma reviravolta a tudo isso é a noite foi totalmente em claro, apesar de os olhos cerrados forçarem sonhos que não queriam vir. Quase sempre são sequências tortas de um futuro assustador onde meus passos não ficam gravados em lugar nenhum, onde há reação e nenhuma ação. Talvez uma prisão, porém sem condenação. Se eu pudesse pedir uma única coisa hoje seria para te ver mais um pouquinho, sei lá, para me enganar com o seu sorriso. Ele serve. Você, mais.

Ora, por que eu minto se não há razão para isso?

FUTURO PROMETIDO

67

Penso em todos aqueles encaixes harmoniosos for-mando parágrafos divinos, eis que eles me pertenceriam, extraídos de um surto inacreditável de liberdade criativa acima de toda meta e expectativa.

Ora, por quê?

Mal dou conta dos meus cadarços, sou pragmática e irremediavelmente crítica, uma das faces negativas de ser minha melhor amiga. Conheço-me conforme os sombreados do espelho e nunca decoro a exata localização dos pontos cardeais, embora defenda a beleza de cada estação, singu-larmente com predições mais aguçadas, toscamente falando, rabiscadas, para lá e para cá com mil manias incuráveis, acessos de choros, escondendo o rosto.

Parece coisa boba reagir assim como se eu não pas-sasse de uma menina de sétima série. Poetas sabem falar de amor. Até que provem que não. Até que decidam falar. Até que se manifestem céticos ao suspirar. Eu me enquadro nes-se meio-termo, tentando. O que você quiser. Do jeito que você entender.

Concreto, crocante, nunca desatualizado. Indiferen-te, quiçá mimado. De quem menos se espera, vem à surpre-sa. Nem sempre boa, nem sempre a ponto de descartar. Diria que não estou nos meus melhores dias para escrever porque meu começo fica sem fim, a honestidade me amedronta por-que apesar de toda essa pose de adulta que eu faço o mundo acreditar, eu sou mesmo uma menina de sétima série à deri-va desse redemoinho de hipocrisia que permeia ser e pare-cer. Não sucumbirei. Não farei nenhuma comparação reso-luta.

Minha metade é apenas a introdução, eu estou me acostumando com essa ideia, já basta de sustos por hoje.

MARIA ALICE DA LUZ

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31

O QUE TEM A PRIMAVERA?

Tem flor colorindo a avenida.

Flor de todo tipo.

As folhas verdes preenchem o horizonte e sacodem os galhos conforme o ritmo do vento.

Tem parque cheio de gente até o sol se por.

Gente comemorando que a época de chuva final-mente voltou.

Tem neblina de manhã, temporal no fim de tarde e noite para relembrar o inverno.

Tem que adiantar o relógio em alguns estados, não é todo mundo que gosta.

Tem feriado?

Ah... tem!

Mas consciência, ainda não.

Tem pernilongo para sujar a parede, sambando na cara dos repelentes.

Tem cor de renovação e som de amanhecer.

Tem liquidação por todos os cantos, a metade do dobro do preço.

Tem shopping apresentando a decoração natalina e eu nem sequer pendurei a guirlanda na porta de entrada.

Tem música triste tocando em loja de departamen-to, gente imprimindo ensalamento.

FUTURO PROMETIDO

69

Tem bimestre para fechar, calçada cheia de folheto de vestibular.

Tem eleição (e segundo turno) nos anos pares, tem.

Mas revolução é bandeira branca, todo mundo faz de conta que acredita.

Tem música que leva o nome dela.

Metáforas prescritas.

Tem ligação com o amor, magia almiscarada e um dente de leão a sobrevoar pela selva de pedra, assoprando um desejo que chega aos céus junto a uma oração.

Tem dia para acabar?

Tem.

Mas não fiquem tristes, elas voltará no ano que vem, com hora marcada.

MARIA ALICE DA LUZ

70

32

ELEIÇÃO

Enfim, só.

Sem áudio, ecoa a dor.

São passos para trás.

Venceu o temor,

O conveniente ficou.

O Gigante queria curtidas,

Não acordou para a vida.

É mais que tristeza!

Nem sei distinguir...

Lágrimas de sal,

Sutileza petrificada,

Cegueira generalizada.

Ninguém aprendeu,

A gentileza cedeu,

Incerta de um futuro justo,

Luta fadada à ilegalidade.

FUTURO PROMETIDO

71

Será uma sílaba torta?

Imaculada pelos porquês.

Nenhum lugar acolhe.

A esperança não tem cor,

Nem o dia a ser noite.

Parece desordem,

É mais, é inenarrável.

Parece final, abalado.

São nuvens de chuva,

Deve ser um anjo chorando.

Ninguém se informou.

Houve tantos desencontros,

Nenhuma sombra,

Fortemente à frente,

Tem o medo, o gelo.

Tão estranho.

Tão injusto.

Tanto quanto a definição.

Por hoje, desacredito.

Não me pergunte nada amanhã.

MARIA ALICE DA LUZ

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33

METALINGUAGEM MASTIGÁVEL

Sozinha não posso mudar o mundo, mas cabe-me ser a mudança que desejo.

Aplicá-la aos meus passos, em meus discursos.

Palavras vazias entortam-se.

Falar pouco não é o mesmo que calar-se.

Silêncio nem sempre é consentimento, embora se entenda que sim.

Confrontar a maioria?

Não literalmente.

Assumir que faz parte da minoria?

Quase lá.

Minoria por proporção ou desinformação?

Ler não é saber, mas é a primeira etapa para apren-der.

Entender para aplicar.

A opressão é a falta de liberdade ou a tática para que o restante seja ilusão?

Todo lado tem dois lados.

Toda resposta vem acompanhada de uma dúvida e em cada uma delas, vários caminhos, de modo que as per-guntas nunca terão fim, nem o conhecimento.

Viver é escolher.

FUTURO PROMETIDO

73

Por conta própria.

Sem a sombra do medo agigantando os riscos.

O medo já decide.

Nem sempre bem.

Até parece gentil da parte dele dar dois passos a frente, mas a conclusão é desastrosa.

O prospecto da revolta não cabe em frases de efei-to.

Angústia atemporal, faxina sem estratégia.

Recolho-me se gritar, com todas as lágrimas presas ao gelo da incompreensão.

Sozinha sempre é mais difícil.

Do meu jeito alguém já pode ter feito.

Espere, do meu jeito, não.

Talvez, sem apoio.

Eu estive de um lado sem saber bem o porquê.

Presença coadjuvante.

Não era bom.

Se todas as minhas ideologias não forem unânimes, tanto melhor.

Exercê-las engrandece a força de vontade.

Começa por aí.

Por mim.

Não sei qual direção, nem por quanto tempo, nem dos resultados.

Adverbialmente falando, o talvez é o meu vício mastigável.

Claro.

Íntegro.

MARIA ALICE DA LUZ

74

Reconhecido.

Transcrito.

Linha após linha.

Escrever sobre escrever para calcular as palavras sem medir as linhas e as ironias.

Ainda sigo triste, sorrindo.

As coligações são paradoxais.

Sou um retalho de todas as minhas contradições e por isso rimo tão bem com a solidão.

FUTURO PROMETIDO

75

34

AVANTE E ALÉM

Você é a luz da primavera,

Eu sou uma tarde de outono.

Você é o comentário desprendido,

Eu sou a palavra não dita.

Você é o sol e tem o universo todo para si,

Eu sou uma estrela triste vagando sozinha numa imensidão,

Sem um lugar para mim.

Não posso te chamar de meu,

Se você é o sol, é certo que sou a lua.

Não importa como, estamos sempre separados.

Não importa o que haja, nem o eclipse nos aproxi-ma.

Sigo com meu coração batendo em seu nome.

Sigo te sentindo bem baixinho aonde quer que eu vá,

Traçando vogais e consoantes para explicar o invi-sível.

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Você é o sorriso aberto de um ideal concreto,

Eu sou uma lágrima tímida de quem matou mais um sonho para continuar viva.

Dor igual eu não sei se você já degustou.

Presumo que não.

E adoraria presumir precipitadamente.

Você é um vídeo viral,

Eu sou uma letra cheia de metáforas mal interpre-tadas.

Um dueto de soul music apreciado pela minoria.

Dedilhando notas imaginárias e solos instrumentais épicos,

Simplesmente é inapropriado aceitar o ponto final.

E ser assim.

Você e eu, meros opostos, fim.

Você é um beijo de boa noite, eu sou a insônia.

Correm as horas, decorrem as estações,

Se estiver conformada, não sou eu.

Sou, num prazo de tão curto, assustador.

Ficarei bem, não é a primeira vez que persisto nes-se erro.

Amar deve ser.

Sempre amar a quem não me ama.

E detestar quem se aproximar.

Por proteção.

Por raiva mesmo.

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Detestar reconhecer que nenhum daqueles rostos é o seu.

Somos diferentes demais.

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ESQUECER, NÃO SE ESQUECE

Esquecer, não se esquece, nem com um demasiado esforço para tal.

Cai bem uma reprogramação, sem mágoas, sem nenhum indício de mesquinhez, até porque seria retrógrado, ingrato e no pico da honestidade, só me resta confessar que é impossível te ver sob as lentes do ódio.

Se for o contrário do amor, que seja.

Não para mim.

Com o tempo pensarei bem menos se assim conve-niente for.

Talvez eu pense em outro alguém com mais ardor.

Talvez reconsidere.

Esquecer, certamente, não.

Os primeiros dias são sempre os mais doloridos e os mais cheios de contradições aliadas a uma estranha força que vem de um conformismo dissimulado.

Pareço bem.

Sim, digo que estou e faço uma força imensa para convencer. Recaem pontadas, é o coração partido exigindo atenção.

Nesse momento falta-me uma definição mais exata da eternidade e essa palavra me assusta, tudo que menos quero agora é falar como se tivesse certeza do que digo, porque não tenho, apenas utilizo-me da minha única vontade

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que é escrever para aliviar essa sensação de estar desabriga-da em um mundo tão grande que deveria me conceder um espaço, um canto em que eu pudesse permanecer até aquie-tar a dor, até conseguir comentá-la sem que meus olhos se encham de lágrimas e traiam toda a firmeza com que venho me portando desde aquele dia.

Algumas verdades foram colocadas para serem re-conhecidas mentiras, é o que sempre foram.

Fingir que não é para você que estou escrevendo, que não sinto a sua falta, que não me importa nem um pouco o que você vai fazer, por quê?

Se te encontrar de novo me interessa tanto quanto o contrário.

Se não consigo me imaginar ao lado de mais nin-guém.

Se minhas lágrimas de dor querem se secar nos seus ombros.

Esquecer vai requerer de mim toda a frieza que não desejo ter.

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ESCRITO A LÁPIS

Muitas vezes repeti a mim mesma que não me im-portava com o que pensavam a meu respeito, que lidava bem com meus próprios medos. A estratégia de defesa visa-va escapar de um inoportuno sofrimento.

Quem nunca tentou?

Quem nunca precisou ser forte?

Sem olhar para trás, disse adeus e ninguém me res-pondeu, ninguém sentia a minha ausência.

Cansada de ser julgada, difamada, maltratada.

Cansada de ser o melhor que cabia ser e não bastar.

Cansada de implorar pelo amor alheio e estar sem-pre em último plano.

Cansada de entrar na vida dos outros "tarde de-mais", de ser lembrada por dar um ombro amigo nas adver-sidades e em contrapartida aprender a chorar sozinha.

Cansada de ser apenas mais um número em muitas contas.

Cansada de mim.

O fardo era maior que a resistência. Ainda assim, segui. Impus-me a um ritmo mais lento, apenas desejava chegar a algum lugar, encontrar um cantinho confortável para permanecer o maior tempo que pudesse, sem levar mi-nhas culpas junto, fruto de escolhas impensadas, impulsivas, originadas em um profundo sentimento de carência.

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Eu precisava de mim mesma.

Ao meu lado um caderno e dúvidas à parte. Rabis-co a lápis para não ter medo de corrigir.

Faz parte do jogo.

Eis que falei sobre você, inadvertidamente, tentan-do não deixar claro que tudo mudou antes que pudesse haver rendição ou qualquer gesto semelhante.

Não sobrou tempo.

O caminho era aquele.

Era você.

A presença que me preenchia.

A ausência que secretamente eu dava pela falta.

Um nítido verso reescrito para caber dentro de um tímido olhar.

Depois de tudo.

Logo após jurar que manteria distância de proble-mas.

Pois bem, havia um inconveniente, uma curva. Eu não podia controlar a velocidade com que os pensamentos se propagaram. Não tive o mínimo de chance para dizer não.

Sempre foi sim.

Foi você.

Em negrito ou sublinhado para reforçar a importân-cia.

Sei lá.

Desordenando os parágrafos, remontando teorias, desmontando outras, disfarçando o pulsar de um coração partido com as responsabilidades, dividindo minha dor com um público que não conhece o seu nome, mas tem ciência da sua relevância nas linhas tortas as quais o dom se aprimo-ra, seja para passar despercebido ou não, seja para nunca te entregar o meu coração, embora não me reste outra alterna-

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tiva a não ser colocar em pratos limpos, com franqueza acei-tar ou pelo menos mentir um pouquinho mais dizendo que confio nas artimanhas do destino e pacientemente me servir de mais esperança, nem que seja para seguir fisicamente viva.

Quem nunca desejou apagar essa encruzilhada?

Respostas, meu reino por apenas uma.

Preciso aprender a perguntar.

Nas minhas notas mentais lembrar-me sem falta de mandar o orgulho se catar e parar de bancar o sabido.

E escrever uma nova história se preciso for. O final feliz é opcional. Se há final, feliz não é.

A alegria é urgente e imediata, o amanhã tem preo-cupação e ela não divide espaço com mais ninguém.

Sim ou sim, ela admira os determinados, mas an-seia pela coragem dos desavisados e vibra na direção dos indecisos para que eles deixem de sê-lo ou abram uma pe-quena concessão para que não percam o senso de humor.

Depois de te conhecer, meus versos não querem fa-zer sentido, querem a chance de existir.

É esse o caminho.

Tragá-los.

À revelia.

Sem amarras.

Inflados.

Recortados.

Recontados.

Discordáveis.

Subentendidos.

Intimamente universais.

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Secretos por serem seus, sensíveis sem perderem a conexão com a inspiração.

Equivalentes ao beijo de amor que ainda não ga-nhei, mas o vento soprou e trouxe-me a saudade de um so-nho que não sei se foi ou algum dia será a minha realidade.

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ALGUÉM

Quem sou eu?

Ainda tenho sérias dúvidas ao me descrever.

Corto trechos, coloco outros, ainda acho que não basta.

Quem sou eu?

Quem você quer que eu seja, não mais.

Quem penso que sou agora.

O que vou ser quando mudar de ideia.

Alguém que não tem mais medo de ser quem é.

Alguém no mundo.

Apenas outro alguém.

Uma alma dentro de um corpo.

Alguém que apesar de ter tido o coração partido, ainda não perdeu o costume de confiar.

Uma poesia, uma canção, o sopro de um vento frio para aliviar o calor.

Um sorriso inacabado, apenas um coração batendo por alguns sonhos loucos.

Alguém que ri sozinha pensando e lembrando de cenas engraçadas, que passa longe do conceito de normali-dade, que tem paciência até certo ponto, mas não suporta argumentos estúpidos.

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Alguém que espera não estar aqui em vão.

Errante, consciente, impulsiva.

Uma em um milhão.

Mais uma na multidão.

(Um) Certo alguém.

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FLOR DE NOVEMBRO

Um sorriso desconcertante.

Uma certeza volúvel.

Uma ironia agridoce.

Um abraço recíproco.

Um inconsciente clamor.

A revolta ascendente.

A alegria inquietante.

Indignação fomentada.

Pranto atemporal.

Passível de se rimar.

Aprendiz determinada.

Viciada em reticências.

Entre o início e o final.

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UM ANO NOVO OU UM NOVO ANO?

Para onde a vida vai me levar?

No ano que vem, onde eu vou estar?

O relevante de hoje, amanhã o será?

E eu serei ao menos metade do que sou?

Ou nem 1/4 ou um 1/10 para recordar?

Terei mais saudades do que queixas?

Mais amigos do que lembranças?

Porque o inverso disso é a minha rotina.

Minha casa ainda será aqui?

Ou o meu lar sempre será outro lugar?

Para onde a vida vai me levar?

O ano que vem, novo vem, ou igual será?

Igual, porque não, um plágio malfeito

de um sonho ruim do qual ainda não acordei.

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A NOITE MAIS LONGA DO MUNDO

As horas são um fardo para quem não quer conti-nuar acordado.

A beleza é indiferente, as palavras voam pelo vento e não voltam.

O travesseiro acolhe a alma bagunçada por todos os falsos sinais.

O remorso machuca mais que qualquer golpe de foice.

A música soa tão alto que os soluços são meros gemidos de prazer.

A noite será longa e você sabe bem que não pode fugir da dor.

Esconder o rosto debaixo dos cobertores, abraçar um bicho de pelúcia, escrever avidamente sobre tudo o que estava tão guardado, pronto para ser dito quando houvesse uma ocasião perfeita.

Pois eu sinto lhe dizer que o dia perfeito não existe, nunca vai existir.

Todos os dias são um milagre, no entanto, cadê o de hoje?

É certo que a dor nos faz cegos para o restante das coisas.

Os pensamentos não se remontam na escuridão, a esperança é tola.

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Os rostos conhecidos são cansativos, o futuro é um calabouço de medos, que somados escancaram a fragilidade da criança crescida.

Muito obrigada por me lembrar de que é hora da re-feição, eu estou sem fome!

Você sabe como as coisas são, encher o estômago para não doer, se nem o gosto por isso eu tenho mais, é ape-nas sobreviver!

Por hoje e enquanto permanecer esse clima hostil e inconclusivo.

As horas bailam no sentido retrógrado à vontade, teimosas!

Várias agulhadas incendeiam o coração, o silêncio é criminoso.

De trás para frente, tanto faz, as linhas não pegam o espírito da coisa.

Esse tumulto disfarçado de frases feitas é o que chamam de ser forte.

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AMANHÃ HAVERÁ DE SER UM NOVO

DIA

Aquela conhecida frase "O que eu sou ninguém mais pode ser" passou a dominar os meus pensamentos com uma força avassaladora. Aquelas decisões acaloradas que eu queria tomar em nome da perceptível aceitação eram apenas as sombras do meu próprio medo de me aceitar e não temer que o destino da minha história conduza-me a outros hori-zontes.

Ninguém pode se curvar perante o seu reflexo, ele é uma releitura de todos os ângulos que compõem o âmago e seu equivalente no exterior. Um complementa o outro sem arrancar-lhe a beleza e a necessidade. Ninguém pode negar que as nossas falhas quando reconhecidas pesam muito me-nos, mas até que isso seja possível, é sempre mais confortá-vel dar com o rosto contra a parede e tentar viver um sonho incoerente.

Ainda é cedo para escrever reticentes conclusões, mas me ocorre que não quero esconder-me dentre tantos disfarces nem me utilizar de meias palavras. Seria muito bom receber do destino (nesse momento) algum sinal de que esses dias esquisitos vão passar, que essas nuvens que impe-dem tanto o sol quanto a chuva de fluírem vão se dissipar no céu indeciso entre o cinzento e o alaranjado, o dia e a noite, equilibrando ambas as energias sem sobrecargas.

Converso com Deus no silêncio dos meus pensa-mentos desordenados, da angústia crescente que irrompe em lágrimas de dor, deixando-me sem ar. A fé é o colo que me

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sustenta, o afago que me faz cruzar as mãos e com os meus olhos tristes mirar essa noite e crer do fundo do meu coração que tudo vai ficar bem, que de agora em diante a decisão é minha e ninguém deve interferir. Vou atrás da felicidade que precisa de mim para continuar, dos meus sonhos que são diferentes daqueles que muitas pessoas me invocam a crer.

Não esconderei minhas alegrias nem os meus amo-res nem as pequeninas flores que fazem a diferença todas as manhãs, escondidas atrás de sorrisos, presenças, palavras, ideais, pétalas que tocaram aquele coração ferido pela indi-ferença. Não esconderei que a graça de viver encontra-se naquilo que sou, na esfera visível e na leitura da minha al-ma.

Aqueles olhos que buscavam no passado alguma referência já não desejam mais nada daquilo. O maior apuro que estou enfrentando é esse, reconhecer que eu sou outra pessoa agora e que apesar de todas as dúvidas, quero situar-me no presente, no tempo que tenho favorável ou não pa-ra ser.

Numa dessas, amanhã a aflição que me engole hoje será a minha inspiração. Amanhã haverá de ser outro dia.

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2000 MILHAS

Nos meus sonhos você está presente. Nem parece ser tão breve, é real demais, os ponteiros do relógio nem indicam que horas são. Sinto seus braços me envolverem e seus lábios aos meus juntarem-se. Eu também não tenho mais medo, nem me lembro que sou eu. Esqueço-me que entre o sonho e a realidade existe a saudade.

Entre mim e você tantas milhas separando.

Não cai neve aqui, estou no hemisfério das águas, mas faz tanto frio que quando abraço o travesseiro suspiro surpresa com as esperanças aquecidas dentro do meu cora-ção, ouvindo essa música tão bonita que expressa melhor do que qualquer outro meio a minha atual fase, de alguém que com resignação aceita a condição que está para aí sim modi-ficá-la com a cautela requerida.

A impulsividade nunca venceu, você sabe que não. E se o medo sinalizar que venceu a fé, direi que ele está ten-tando me confundir, querendo que eu acredite que tudo está perdido, mas não é assim que sinto. Sei que não é o fim.

Não ainda.

Não agora.

Passou da meia-noite. Apesar de ser uma noite fria e tímida, tanto quanto eu, vejo os fogos iluminarem as re-dondezas. Da janela o meu olhar mira para esse céu de bri-gadeiro com tantas nuvens escondendo as estrelas. Seu amor é como aquela estrela que posso ver quando estou pronta

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para dormir, por mais que nem sempre esteja ao alcance dos meus olhos, saber que está ali me acalma.

Não importa quanto tempo eu precise para me re-compor, eu sempre desejarei ficar com você. A saudade chega a irritar por ser clichê.

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MEU CAMINHO

Direto de um domingo pacato eu vou tamborilar nessa tábua uma canção especial de fé e esperança. De tudo que faz o mundo girar, é o que sobra. Nesse caso, nada se perde, até a dor se transforma em verso e segue adiante a sua missão. Os pensamentos giram em torno de uma órbita bastante perspicaz que nunca se contenta em contemplar o tédio. As ideias se reciclam e continuam úteis, pertinentes.

Nesse coração não tem espaço para meias verdades e rancores desnecessários. Ele sempre se espreme para rece-ber alguém especial, vai acreditar como se fosse à primeira vez.

Esse coração de menina é valente, engana-se pen-sando que essa fragilidade é um convite ao fracasso. Quem não conhece que leve a impressão que quiser. Não faço questão de me estender. A conclusão é pessoal, não uma regra a ser seguida com rigor.

Eu não fui uma pessoa nada legal no passado que já deixa de ser recente, com muita bravura. Todas as pancadas que dei contra portas fechadas serviram para me mostrar que aquele não era o meu lugar, que o papel que eu queria en-carnar as vestes já não serviam no meu corpo em transfor-mação. Eu estava renegando o meu desabrochar olhando com nostalgia para o passado distorcido que idealizei.

Perdi a conta de quantas pessoas magoei, de quan-tas vezes eu fui indiferente ao fato de não saber escutar. Normalmente eu culpava a todos por não serem o que eu desejava que eles fossem, mas nunca tive humildade para

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indagar se eu estava sendo alguém desejável, se eu gostava mais da ideia que tinha e não da essência, tão melhor que qualquer projeção sujeita a falhas nem sempre corrigíveis.

Não queria ser esse alguém novamente. Não queria por nada no mundo voltar para aquela época de apatia, des-gosto e pouca força de vontade. Incerto ou não, o presente é o que me interessa. O caminho é sempre para frente, com curvas, subidas, desvios. E é para lá que eu vou, vestindo roupas confortáveis sem preocupação se a moda me aclama, escutando as minhas músicas calmas, com um bom livro para me acompanhar nas paradas periódicas, um caderno para anotar meus versos cansados. Senta-se ao meu lado quem quiser, não obrigarei ninguém a me suportar.

Minha presença não me atormenta, às vezes é mais do que suficiente, tanto é que quando vejo tantas garotas escrevendo bobagens sobre si mesmas e se mutilando em qualquer que seja o sentido para ser salvas por garotos tão imaturos quanto elas, busco em nenhum momento dar-lhes lições de moral repletas de demagogia, mas procurar, ainda que imperfeita, ser aquilo que gostaria de ser, dizendo o que eu demorei tanto a entender. E ainda tem tanta coisa que eu nem sequer suspeito.

Quem me vê sorrindo nem sequer suspeita que meu coração já foi partido tantas vezes e apesar do medo que se apossa às vezes, eu não vou fugir do verdadeiro amor. Em meus sonhos sinto aquele toque acariciar meu introvertido âmago e essa ardente liberdade me proporciona algum tem-po que tem sido muito enriquecedor para apaixonar-me por mim.

Decidi, por hoje, não me preocupar. Gosto muito dessa canção e nunca me cansarei de ouvi-la. Por hoje quero agradecer pelas manobras usadas pelo acaso (ou pelas fres-tas da imposição) que contribuíram fortemente para que hoje essas palavras fluíssem sem pudor. Até os próprios sonhos ficam mais bonitos quando não ignoram a realidade.

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