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Cintia Aparecida Chagas Universidade Federal de Minas Gerais Representante das instituições mantenedoras de cursos superiores de Arquivologia Conarq

GESTÃO DE DOCUMENTOS NO BRASILconarq.arquivonacional.gov.br/images/debate/Debate_pl...Constituição Federal de 1988 art. 216, 2.º “Cabem à administração pública, na forma

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Cintia Aparecida Chagas Universidade Federal de Minas Gerais

Representante das instituições mantenedoras de cursos superiores de Arquivologia

Conarq

“Es aquella política que formula objetivos y propone los medios apropiados para servir a los derechos y necesidades de la sociedad en su conjunto; de las instituciones productoras/receptoras de los documentos; de los interesados individuales o instituciones y, por último, de los investigadores retrospectivos” (VAZQUEZ, 2015, p. 94).

“[...] o conjunto de premissas, decisões e ações - produzidas pelo Estado e inseridas nas agendas governamentais em nome do interesse social - que contemplam os diversos aspectos (administrativo, legal, científico, cultural, tecnológico, etc.) relativos à produção, uso e preservação da informação arquivística de natureza pública e privada” (JARDIM, 2006, p. 10).

COUTURE (1998) defende que a legislação arquivística é essencial e encontra-se no “coração do arquivo”, é sua base jurídica. Alerta, no entanto, que a simples existência de uma lei não é tudo, ela deve ser parte de uma política de arquivos cujos componentes são uma legislação e regulamentação, os recursos (humanos, materiais e financeiros) e um programa de intervenção.

Criação do DASP, em 1938 Momento de ruptura na

administração pública brasileira, início de um debate a respeito da

adoção dos procedimentos da administração científica (SANTOS,

2008).

Início década de 1940 o DASP promoveu concursos para os

cargos das carreiras de arquivologista e arquivista.

Entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, a

gestão de José Honório Rodrigues, à frente do Arquivo Nacional, foi

fundamental para o desenvolvimento da área.

◦ Durante esse período, visitaram o Arquivo Nacional os arquivistas Henri

Boullier de Branche, da França e Teodore Schellenberg, dos Estados

Unidos.

1980 Início da gestão de Celina Vargas do Amaral Peixoto

◦ Diagnóstico que norteou as transformações pelas quais o Arquivo Nacional passou nos anos 1980

◦ Setembro de 1980 formada comissão ministerial para “apresentar sugestões legislativas para as questões de arquivos” . A versão final do anteprojeto foi publicada no Diário Oficial de 1 de junho de 1981.

◦ Dezembro de 1984, após a incorporação de sugestões de diversas áreas, o anteprojeto foi encaminhado ao Congresso Nacional, e tramitou durante dois anos por diversas comissões.

◦ Instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987 foi retirado pelo próprio AN, pois a instituição havia assumido a iniciativa da defesa da proposição de elevar à categoria de norma constitucional o princípio do acesso do cidadão à informação pública e que se atribuísse à administração pública a incumbência da gestão dos documentos governamentais.

◦ Promulgação da Constituição (1988) Revisto o anteprojeto enviado em 1984. O novo anteprojeto foi encaminhado ao Ministério da Justiça, apontado por ela como uma versão mais moderna e atualizada, compatível com a nova Carta constitucional (JARDIM, 2014).

A Lei de Arquivos foi aprovada pelo Congresso Nacional, em 8 de janeiro de 1991

Constituição Federal de 1988

◦ art. 216, § 2.º

“Cabem à administração pública, na forma de lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”.

Lei 8159/1991 (Lei Federal de Arquivos)

◦ Art. 1º

“É dever do poder público a gestão documental e a proteção especial

a documentos de arquivo, como instrumento de apoio à administração, à cultura e ao desenvolvimento científico e como elemento de prova e informação”.

Lei nº 12.527/2011 (LAI)

Instrumentos de transparência pública governamental Proximidade com o cidadão

•Criado em 1991 •Influenciado pelas diretrizes presentes na Lei 8159/1991

•Preocupação com a gestão dos documentos produzidos e acumulados pelos órgãos e entidades do Poder Executivo do município de Belo Horizonte.

•Primeira tabela de temporalidade e destinação de documentos a contemplar as atividades meio e fim entre os municípios do Brasil.

•19 Secretarias e órgãos equivalentes na administração direta. •9 Secretarias de Administração Municipal Regional (à época da pesquisa equivaliam a Secretarias Municipais, em processo de transição para o nível de Secretaria Municipal Adjunta, conforme Lei Municipal 10.878/2015)

Entrevistas na modalidade semi-estruturada com 29 gerentes ocupantes de gerências relacionadas às atividades meio e fim da Prefeitura de Belo Horizonte.

Atividades-meio gerentes no maior nível hierárquico, dentro das Secretarias Municipais, cujas denominações tinham a palavra “administrativo”, “administração” ou “gestão”. (Foram levantadas 17 gerências incluindo uma Secretaria Municipal de Administração Regional e foram realizadas 13 entrevistas)

Atividades-fim gerentes de gerências cujas atribuições encontram-se no escopo central da missão do órgão. (Foram entrevistados 16 gerentes – um por secretaria)

Entrevistas realizadas entre 10/12/2015 e 04/03/2016

TABELA 1 – Formação escolar e acadêmica dos gerentes de atividade-meio e fim da PBH entrevistados para a pesquisa.

Atividade-meio Atividade-fim

Formação Quantidade Percentual Quantidade Percentual

Curso superior incompleto 2 15,38% 0 0%

Curso superior completo 8 61,54% 9 56,25%

Pós-graduação lato sensu 3 23,08% 4 25,00%

Mestrado 0 0% 2 12,5%

Doutorado 0 0% 1 6,25%

Total 13 100% 16 100%

• Quase 70% dos gerentes ( em ambos os conjuntos) são funcionários de carreira.

• Atividades-meio: 9 dos 13 têm cargo efetivo na administração municipal.

• Atividades-fim: 11 dos 16 têm cargo efetivo na

administração municipal.

TABELA 4 – Tempo de atuação do gerente na Prefeitura

Tempo de Prefeitura Quantidade de gerentes

(Atividade-meio)

Quantidade de gerentes

(Atividade-fim)

Acima de 31 anos 3 2

Entre 26 e 30 anos 1 0

Entre 21 e 25 anos 3 1

Entre 16 e 20 anos 0 4

Entre 11 e 15 anos 0 4

Entre 6 e 10 anos 4 3

5 anos ou menos 2 2

Total 13 16

Apenas um gerente

TABELA 6– Unidade responsável pela coordenação da gestão de documentos, segundo os gerentes entrevistados.

Unidade responsável pela coordenação da gestão de documentos Quantidade

Não sabe 9

Secretaria Municipal Adjunta de Modernização 6

Gerência de Arquivos (GEARQUI) 5

Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte 4

Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Administrativa (SMAGEA) 4

Câmara Técnica 1

Controladoria Geral do Município 1

Fundação Municipal de Cultura 1

Não existe 1

Prodabel 1

Secretaria de Transparência 1

Secretaria Municipal de Planejamento 1

Total de respostas 35*

*Alguns entrevistados citaram mais de uma unidade organizacional

TABELA 7 – Conhecimento dos gerentes sobre o APCBH

Conhecimento sobre o APCBH Quantidade

Não conhece 22

Conhece pouco/ouviu falar 4

Conhece 3

Total 29

TABELA 8 Conhecimento sobre a Tabela de Temporalidade e Destinação de Documentos de Arquivo da PBH.

Conhece Gerente Ativ. meio Gerente Ativ. Fim

Sim 10 10

Não 3 6

Total 13 16

TABELA 10 – Eliminação de documentos – gerentes de atividades-meio

Já eliminou documentos Quantidade

Não 5

Sim (de acordo com os procedimentos legais) 5

Sim (em desacordo com os procedimentos legais) 2

Total 12*

TABELA 11 – Eliminação de documentos – gerentes de atividades finalísticas

Já eliminou documentos Quantidade

Não 10

Sim (de acordo com os procedimentos legais) 2

Sim (em desacordo com os procedimentos legais) 4

Total 16

Um dos entrevistados das áreas finalísticas afirmou ter ocorrido a eliminação acidental de documentos, ou seja, a falta de cuidado com os documentos teve como consequência sua perda. Nas palavras do entrevistado:

(...) Nós já eliminamos por força maior. A gente teve um problema aí com uns arquivos, mas que também já tinham passado da data de acordo com a tabela que ficavam guardados num depósito (...), se eu não me engano, e teve uma enchente lá e esses arquivos foram transferidos para (...) e a gente teve que fazer o descarte porque eles estavam ilegíveis, impossíveis de ser identificados (AF-14).

• .

TABELA 12 – Recolhimento de documentos ao APCBH

Recolheu documentos ao APCBH Quantidade

Sim 0

Não 24

Não soube responder 3

Total 27*

Produz Ativ.meio Ativid. Fim

Não 7 9

Sim 3 7

Total 10* 16

* Essa pergunta não foi feita a um dos gerentes na fase de testes das entrevistas.

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

Atividade-meio Todas as respostas positivas referiram-se ao mesmo sistema, o Portal da Gestão. Nesse portal são encaminhadas as demandas à Câmara de Coordenação Geral da Prefeitura Atividade-fim Sistemas diversos utilizados para gerenciar as atividades das gerências, assim como boletins eletrônicos, processos eletrônicos oriundos do poder judiciário, notas técnicas, boletins diários de notícias e agenda do Prefeito.

“Nasce e termina digital também. No final das contas, existe um ofício em papel ainda. O ofício em papel é o resumo do que aconteceu, mas nem seria um resumo, seria falando que aquilo que foi pedido foi aprovado. Mas, de qualquer maneira, então existe ainda esse resíduo sólido, mas, a grande maioria é digital, as tramitações nós enviamos para o secretário, o secretário devolve, passa para outro servidor, tudo digital (AM-11)”.

O sistema tem objetivado a redução da produção de documentos em papel; de acordo com estes depoimentos, o sistema é alimentado com informações e somente o “impresso” é considerado como “documento”.

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

Digitalizam Quantidade

Sim 17

Não 5

Não soube responder 1

Total 23

Diversas finalidades: • De processos antes de enviar para o arquivo de guarda terceirizada,

visando diminuir custos ao evitar-se pedir a movimentação do processo para consulta.

• Agilizar a tramitação e, em alguns casos, não envia mais o original (o que é o original?)

[...] e aí a gente já iniciou uma conversa, mas muito incipiente, de voltar a discutir se hoje ainda nós precisamos trabalhar com a tabela de temporalidade em alguns documentos (...)

[...]mas a gente entende que hoje você já tem um

mundo de arquivamento virtual, você já tem uma situação de arquivamento virtual que a gente quer saber se precisa do arquivamento físico, porque algumas são de trinta anos e hoje a gente tem a possibilidade de digitalizar, de deixar esses documentos em outros meios (AF-11).

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

Outro gerente falou da necessidade de cortar custos e que a Prefeitura, eventualmente, para evitar o custo com transporte de correspondências, permite que alguns documentos sejam digitalizados e tramitados somente digitalmente pelo e-mail. Nessa situação, o original fica no órgão de origem.

Então a prefeitura colocou que todos os ofícios internos, aquele que tem, precisa ser por ofício, a gente tem alguns documentos, nós temos o decreto que estabelece que o e-mail institucional ele tem validade como documento oficial, (...) e alguns que a gente pode ficar interno que vão digitalizados. Então você imprime o documento, assina o documento e digitaliza e manda por e-mail (AF-15).

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

Conforme pôde ser visto nas entrevistas com os gerentes, há um questionamento sobre as mudanças na avaliação de documentos frente à realidade de produção em massa de documentos digitais e até mesmo da própria necessidade da avaliação.

Diante desse quadro, coloca-se novamente a questão da avaliação de documentos. Seria ela desnecessária, já que os documentos nato-digitais ou digitalizados ocupariam muito menos espaço físico do que os documentos analógicos? Diante disso, faz-se necessário discutir a questão da fragilidade do documento digital, associada tanto às mídias de armazenamento, quanto à necessidade de atualização permanente dos formatos e suportes. .

◦ Eu acho seguro, mais seguro que o papel porque

ele, até onde eu sei, eu tenho a segurança do banco de dados, tem o backup realizado pela Prodabel, porque a gente tem o nosso banco de dados e a Prodabel ela realiza backups diariamente. Então acredito eu de não se perder facilmente um documento quando ele é digitalizado e arquivado em um processo eletrônico. (AF-6).

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

“Para mim, qualquer papel, qualquer processo que entra aqui, qualquer ofício, uma declaração que seja, a gente vive de documento, a burocracia, dentro da burocracia. Eu entendo que tudo isso é documento.” (AM-3, grifo nosso).

“Tudo que tramita aqui na minha mão, prá mim é documento. Eu tenho os processos [...]. Os papéis que eu lido com eles, eu chamo eles todos de documentos, as planilhas...”. (AM-4, grifo nosso)

CAPÍTULO 5 - PERCEPÇÕES DOS ADMINISTRADORES FRENTE À POLÍTICA ARQUIVÍSTICA MUNICIPAL

Percebeu-se uma conceituação muito limitada de documento, demonstrando um grande desconhecimento do documento arquivístico.

O suporte é visto como elemento definidor.

Confusão entre documento e informação.

Pelo conteúdo das falas, percebeu-se despreparo dos gerentes em lidar com os documentos digitais.

A visão desses gerentes reflete o baixo nível da implementação de uma política arquivística no poder executivo municipal, sobretudo no que diz respeito ao tratamento de documentos digitais.

Os resultados dessa pesquisa mostram a disseminação de documentos digitais na rotina da administração pública do município de Belo Horizonte em descompasso com a gestão adequada desses documentos.

Necessidade urgente de desenvolvimento de um SIGAD.

O desenvolvimento de tais sistemas esbarra na falta de instrumentos básicos de gestão de documentos como os planos de classificação e a consequente necessidade de revisão da tabela de temporalidade vigente.

Indiferença ou completo desconhecimento dos serviços administrativos em relação ao universo arquivístico.

No caso de Belo Horizonte, não há como considerar a implementação de uma política arquivística sem a participação ativa daqueles profissionais responsáveis pelo gerenciamento das atividades meio e fim das secretarias.

Não se pode afirmar haver uma política arquivística implementada na prefeitura, a despeito de todo o trabalho desenvolvido pelo APCBH ao longo dos seus 26 anos de existência.

CONCLUSÃO

COUTURE, Carol. Rôle et champ d'application de la législation archivistique. Ciberlegenda, n. 1, 1998. Disponível em: <http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/view/231>. Acesso em: 5 abr. 2014.

JARDIM, José Maria. O cenário arquivístico brasileiro nos anos 1980. In: MARQUES, Angélica Alves da Cunha; RODRIGUES, Georgete Medleg; SANTOS, Paulo Roberto Elian dos (Org.). História da Arquivologia no Brasil: instituições, associativismo e produção científica. Rio de Janeiro: Associação dos Arquivistas Brasileiros, 2014. p. 143-172.

JARDIM, José Maria. Políticas públicas arquivísticas: princípios, atores e processos. Arquivo & Administração, v. 5, n.2, p. 5-16, 2006.

SANTOS, Paulo Roberto Elian dos. Administração pública, arquivos e documentação no Brasil: a presença do Departamento Administrativo do Serviço Público nas décadas de 1930 a 1950. In: MARQUES, Angelica Alves da Cunha et al. (Org.). História da Arquivologia no Brasil: instituições, associativismo e produção científica. Rio de Janeiro: Associação dos Arquivistas Brasileiros, 2014. P. 17-48.

VÁZQUEZ, Manuel. Hacia uma política archivística. In: ANDRADE, Ana Célia Navarro de (Org.) Archivos y documentos: textos seminales. São Paulo: ARQ-SP, 2015. p. 94-113.

Cintia Aparecida Chagas

[email protected]