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5/13/2018 Gil Cambule Questao-De-facto e Questao de Direito - slidepdf.com
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Questão-de-Facto e Questão-de-Direito:
Distinção e Consequências no Direito Moçambicano
Por Gil Cambule
Advogado1
Assistente universitário2
1 SCAN, Advogados e Consultores
1
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Dedicatória
À Dália,
Minha amada, pela paciência e dedicação
nos momentos em que este texto foi produzido.
2 Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane
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SUMÁRIO
I. Introdução
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II. Do binómio «Facto-Direito» ao binómio «Questão-de-facto e Questão-de-
Direito»
- Facto e Direito
- Da distinção entre facto e Direito à distinção entre questão de facto e questão de Direito
- Critérios ou orientações de distinção
III. A crise na aparente certeza
- Distinção entre questão de facto e questão de Direito: um problema claro?
- O modelo subsuntivo – O facto e o Direito no silogismo judicial
- Castanheira Neves: A crise…
IV. As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano
- Participação dos juízes eleitos ou o Tribunal Colegial e o juiz singular
- Graus de recurso
- Poderes de cognição dos tribunais
- Modificabilidade das decisões de facto
Conclusões
Bibliografia
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Introdução
Propomo-nos a tratar neste do tema d’ A Questão de facto e a Questão de Direito:
determinação e consequências no ordenamento Direito moçambicano.
O Direito é estudado, cultivado, aplicado e até mesmo pensado sempre sob o signo de um
postulado geralmente tido como dado, de modo pacífico: o postulado do binómio facto-
norma, ou se quisermos, o postulado do binómio «facto» e «Direito».
Há uma crença generalizada de que a experiência jurídica implica a aceitação – e, de certomodo, o entendimento – da existência de duas categorias de realidades, ou, mais
correctamente, de duas ordens de realidade, de dois mundos: o mundo do ser e o mundo
do dever ser.
O facto pertencerá, assim, a esse mundo do ser, da realidade dada, a realidade concreta,
neutra, desprovida de qualquer significação normativa, ao mundo do ser… o mundo do
caso.
Diante desse mundo neutro, dessa realidade a-jurídica, existe o mundo do dever ser o
mundo normativo, constituído pelo conjunto de normas de carácter geral, abstractas,
hipotéticas, destinadas a ser aplicadas aos factos, conferindo-lhes significado e
consequência no mundo do dever ser. O facto, entidade concreta, deve subsumir-se à
norma, entidade abstracta.
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Desse postulado, resulta que a actividade forense pode incidir a sua investigação na
determinação e delimitação das realidades próprias do mundo do ser – e aí teremos a
questão de facto – bem como pode, já com base em conceitos dotados de valor normativo e
jurídico, indagar sobre o valor dos mesmos factos na tentativa de lhes conferir um
significado já hipoteticamente fixado pela norma – e aí teremos a chamada questão de Direito.
Intentamos no presente texto – numa abordagem que desde já se reconhece modesta
inconclusiva – reflectir à volta da distinção destas duas questões.
Para tal, começamos por abordar a genérica distinção entre «facto» e «Direito», num
caminho que necessariamente leva à distinção entre a questão de facto e a questão de
Direito.
Partindo dos dados aí apresentados, pomos, a seguir, em causa a validade do próprio
problema da distinção de questão de facto e questão de Direito, nos moldes em que o
assume o modelo silogístico-subsuntivo da aplicação.
Porque inevitável, é com António Castanheira Neves que tentamos sustentar no segundo
capítulo que o problema da distinção é, na verdade um problema em crise, um problema
insanavelmente votado à sua própria insolubilidade, quando apresentado na perspectiva do
modelo do silogismo judicial, mas é também com Castanheira que tentamos, ainda nomesmo capítulo, seguir o caminho inverso: o da assunção e reposição do problema.
No terceiro Capítulo fazemos uma revista do nosso processo – do nosso Processo Civil – e
da nossa Organização Judiciária, na tentativa de surpreender aí as «marcas» que a distinção
deixou como suas consequências.
E terminamos com algumas notas conclusivas.
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« Narra mihi factum, dabu tibi ius
»
Capítulo I
Do binómio «Facto-Direito» ao binómio «Questão-de-facto e Questão-de-Direito»
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1. Facto e Direito
“O elemento dinamizador da ordem jurídica é o facto. Os factos alteram as situações existentes ”3, diz José
de Oliveira Ascensão. Em outra obra, o mesmo autor acrescenta que
“a realidade circunstante só é transformada através de factos.
Nenhuma realidade histórica surge desacompanhada de um facto
histórico originante. Os factos alteram as circunstâncias de equilíbrio
pré-existente. As mudanças criam tristeza por levarem consigo os
estados felizes, como no trecho de Camões de «Sôbolos rios vão por
Babilónia», mas criam também a superação ou, pelo menos, a
esperança de superação das angústias e desajustamentos presentes ”4.
A realidade, a história, o mundo da vida decorre por uma sucessão de factos, sucessão de
eventos de ordem humana, social, convivencial mas também de factos de ordem natural
que criam mudança.
Esses «eventos», enquanto acontecimentos exteriores que modificam a «ordem das coisas»,são, como bem lecciona José de Oliveira Ascensão o elemento dinamizador da ordem
jurídica.
3 José de OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, uma Perspectiva Luso-Brasileira,
Almedina, Coimbra, 11.ª Edição, 2003, p14
4 José de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2003, p.10
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Já o Direito, na sua acepção objectiva, pode, sem preocupação de aprofundamento, ser
conceituado como “conjunto de regras abstractas, hipotéticas e dotadas de coercibilidade que regem as
relações intersubjectivas e sociais numa dada comunidade ”5. Desempenha assim o Direito “uma
função de instrumento de disciplina social fundamental visando alcançar valores como a justiça, a
oportunidade, a exequibilidade, a certeza e a segurança ”6.
Facto e Direito surgem-nos, assim, como duas categorias distintas, dissociadas,
pertencendo a primeira ao chamado domínio do ser enquanto o segundo pertencerá ao
domínio do dever-ser.
Com efeito, enquanto o facto aparece-nos como a realidade dada, como ressalta quando
comummente dizemos “e um facto!”, já o Direito aparece-nos como um comando geral,
hipotético e abstracto que de modo algum se reduz ao facto.
O binómio facto-Direito apresenta-se ao longo da história como o mais importante (ou
pelo mais o mais analisado) da experiência jurídica, apresentando-se esta como a aplicação
do comando (entidade hipotética e abstracta) ao facto (realidade dada e concreta).
2. Da distinção entre o facto e o Direito à distinção entre questão de facto e
questão de Direito
A ideia da separação entre facto e Direito aprimorou-se de tal modo na história do Direito
ao ponto de, na actualidade, o formalismo processual civil estar manifestamente construído
sob a concepção ideológica do que aí se apresenta como facto e aquilo que está posto
como Direito.7
5 Ana PRATA, Dicionário Jurídico, Vol I, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 498
6 Ibidem
7 Cfr. Karinne Emannoela Goettems DOS SANTOS, A questão de facto e a questão de Direito, sob uma
perspectiva hermenêutica , Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas, em 2006 na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, Brasil, p.97
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No Direito processual moçambicano, exemplos elucidativos não faltam, como, aliás, em
sede própria, termos ocasião de apresentar. São os casos de factos que fatalmente
separados do Direito não chegam de modo algum à apreciação dos Tribunais superiores; os
limites apertados da participação dos juízes eleitos na discussão e decisão das matérias
(podendo, apenas, participar na discussão e decisão da matéria de facto); a fixação dos
poderes de cognição do Tribunal Supremo (por regra, acometido apenas à matéria de
Direito); a modificabilidade das decisões em sede de recursos (muito limitada quanto à
matéria de facto).
O nosso processo civil encontra-se assim construído tendo como base a ideia «normal»,
«indiscutida » de que os factos encontram-se inelutavelmente separados do Direito.
A separação do facto do Direito desemboca na separação da chamada questão de facto da
questão de Direito que dá título ao presente texto.
Segundo Ana Prata,
“Considera-se questão de facto, em processo civil toda a matéria que se
resolve no apuramento da verificação de que um certo facto ocorreu ou
das circunstâncias em que se verificou. É ainda matéria de facto e não
de Direito toda a afirmação que envolve conceitos não jurídicos, isto é,dotados de sentido que têm na linguagem corrente ou na de outras áreas
científicas, diversas da do Direito”8.
A mesma autora conceitua como questão de Direito toda aquela que “se resolve pela aplicação
de uma norma jurídica ou exige uma qualificação que se analisa com recurso a um conceito jurídico”9.
Por outras palavras, num primeiro momento, naquilo que se deve considerar questão
fáctica, a actividade do juiz é exercida com recurso às chamadas «máximas da experiência»
no intuito da fixação dos factos e, correspectivamente, a sindicância dos correspondentes
elementos de prova.
Já no segundo momento, no da quaestio juris , “ para atribuir já um significado a esses factos, um
significado que não pode ser dado senão por essas máximas da experiência e que já é um significado
jurídico, uma qualificação jurídica ”10
8 Ana Prata, Dicionário…, p. 1212
9 Idem, 1211
11
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Alberto dos Reis lecciona que a questão de facto
“de um ponto de vista do julgador, prende-se com e exige uma
actividade investigatória e o concurso de meios que permita o julgador
tomar conhecimento dela, actividade investigatória e meios aqueles que nos mostram como a questão de facto não pode em caso algum (salvo os
factos notórios e os admitidos por acordo) ser conhecido pelo julgador
sozinho, por si, sem o concurso dos outros sujeitos e de meios a tal
destinados ”11.
Enquanto, inversamente, “a questão de Direito, embora exigindo também investigação, resolve-a a juiz
por si sem ser necessário o concurso de outros sujeitos e de outros meios que não o estudo, a reflexão e os seus
conhecimentos das normas e da vida ”12.
Já Castro Mendes afirma que
“a questão de facto qua tale resolve-se, em regra, por consulta de textos
legais facilmente acessíveis ao juiz e, em seguida, por raciocínio ou
dedução; de um modo intimo, portanto, que exige actividade processual
diferenciada para chegar a uma conclusão exacta ou correcta. A
questão porém exige investigação afim de chegar (quanto possível) a uma solução ou resposta verdadeira; tal investigação tem de ser regulada
como uma actividade processual própria e descriminada ”13.
Giuseppe Chiovenda, um mestre de referência incontornável no Direito processual, afirma
por sua vez que “a actividade do juiz dirige-se necessariamente a dois objectivos distintos: exame de
normas como vontade abstracta da lei (questão de Direito), exame dos factos que transformam em concreto
a vontade da lei (questão de facto). Resultado da sua actividade será a vontade da lei ”.14
10 Rui Filipe Serra Serrão PATRICIO, O dolo enquanto elemento do tipo penal (no Direito português atual):
questão-de-facto ou questão-de-Direito? , Relatório apresentado no Seminário de Direito Penal no
âmbito do mestrado em ciências jurídico-criminais, na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de
Lisboa, 1996/7, p.50 (adiante também tratado por Rui PATRÍCIO)
11 Alberto dos Reis, citado Rui PATRÍCIO em O dolo…, p. 50
12 Ibidem
13João de Castro MENDES, Direito Processual Civil , vol II, AAFDL, Lisboa, 1987, pp.688/9
14 Giuseppe CHIOVENDA, As instituições do Direito Processual Civil , Bookseller, Campinas, Brasil, 1998
12
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O nosso Direito processual, dizíamos, encontra-se construído com base na aceitação de
que facto e Direito são grandezas distintas e irredutíveis.
Outro não era, aliás, até há bem pouco o princípio fundamentador da Faculdade da Direito
da Universidade Eduardo Mondlane onde durante a totalidade dos anos do curso, oestudante estudava «o Direito» as normas abstractas, gerais e hipotéticas, relegando-se o
estudo do facto (ou pelo menos o conhecimento dele), da problemática da vida à margem
da abordagem. Actualmente, com a reforma curricular introduzida no ano de 2010,
introduzindo o método do estudo com base no caso concreto querer-se-á quiçá voltar a
reconhecer que o Direito não pode olvidar as suas origens: não pode o estudo do Direito
ignorar a análise da conturbada e conflituosa convivência social que lhe dá origem15.
Preocupação pelo conteúdo destes curricula em que manifestamente se privilegia o estudo
do «Direito» afastado do «facto» já foi apresentada também no Brasil, onde o destacado
processualista Ovídio Baptista da Silva nota que
“o estudante não tem acesso aos «factos», apenas às «regras» pois o Direito tanto na universidade como na
prática continua sendo uma ciência demonstrativa, não uma ciência da compreensão construída
dialecticamente. A retórica, enquanto ciência da argumentação forense, ainda não teve o seu ingresso na
universidade brasileira ”16.
Mais esclarecedor sobre o ensino do Direito tendo em conta o binómio facto-Direito e a
prevalência deste último e excluído o primeiro é ainda o processualista Ovídio Baptista em
outra obra sua em que nota que
15 No momento em que terminámos este texto, já outra mudança se verificou no plano do Curso de
Direito da UEM, parecendo voltar-se ao método anterior. Consta que este regresso não deve,
entretanto, afastar a preocupação por este cunho prático, “fáctico”, das lições… a ver vamos!
16 Ovídio Araújo Baptista da SILVA, Processo e Ideologia, o Paradigma Racionalista, Editora Forense, Rio
de Janeiro, 2004 pp. 36/7
13
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“a busca de segurança jurídica que o racionalismo pretendeu obter
através da utilização de metodologias das ciências da natureza ou da
matemática – origem do normativismo moderno – fez com que a
doutrina e o ensino universitário suprimissem o estudo de «casos»
preocupando-se tanto nos manuais quanto na docência universitária
apenas com a «norma», com a eliminação do «facto». A separação
entre «direito» e «facto», inspirada nos dois mundos kantianos – o
mundo do ser e do dever ser – que deita raízes no racionalismo dos
filósofos do século XVII, permanece intocada na doutrina
contemporânea mesmo que ninguém tenha dúvida de que o Direito,
como ciência da compreensão exista no «facto» hermeneuticamente interpretado”17.
Entre nós, apesar de o ensino do Direito, conforme já anotado acima, parecer querer voltar
a destacar a análise do «facto», acreditando-se que este seja o fundamento da reforma
curricular operada na Faculdade de Direito, parece-nos seguro afirmar que a nível da
doutrina (a pouca – quase inexistente – sobre este ponto em Moçambique) e da
jurisprudência é um dado pacífico a distinção entre facto e Direito e, por consequência no
formalismo processual daquilo que aí se tem como questão de facto e o que se entendecomo questão de Direito.
Estar-se-á, ainda, pelos vistos, naquilo que Castanheira Neves denominou de “atitude que
corresponde à fase mais elementar e também mais ortodoxa do positivismo jurídico legalista, para o qual a
distinção longe de ser um verdadeiro problema se limitava a ser um mero postulado – o postulado da
posição lógica enunciativa de dois «objectos» diversos, a «norma» e os «factos» e nada mais ”18.
É pertinente um pequeno parêntesis para tomarmos nota da evolução histórica da distinção
destas duas realidades: o facto e o Direito.
17 Ovidio Araújo Baptista da SILVA, Processo…, p.36
18 António CASTANHEIRA NEVES, Questão-de-facto e Questão-de-Direito ou O Problema Metodológico
da Juridicidade (Ensaio de uma reposição crítica) I Acrise, Livraria Almedina, Coimbra, 1967, p. 95, nota
de rodapé n.º 13
14
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Na idade média, ao juiz era conferida uma ampla discricionariedade e uma considerável
faculdade de investigação dos factos no intuito de remediar a incerteza que se apresentava
no Direito. Aí, a norma jurídica não fixava elementos da situação fáctica19.
Já no ideário iluminista, muito ligado à ideia da certeza e segurança do Direito, com acorrespondente ansiedade em eliminar as arbitrariedades do juízes a lei vem a adquirir
primazia, o que supõe conferir maior importância e relevo à interpretação do Direito do
que na busca do facto que, entretanto, fica pré-determinado pela Lei com a denominada
fattispecie 20.
Os iluministas, em nome das mencionadas certeza e segurança jurídicas, impõem, então, a
“anulação total do julgador na actividade jurisdicional de aplicação da lei para garantir o postulado unívoco
da lei ”21.
Deste modo, a distinção entre a questão de facto e a questão de Direito aparece-nos com
fundamentos mais políticos em menos em razões de ordem prática.
O certo, porém, é que a distinção está lá, no nosso processo, nos nossos tribunais, na nossa
doutrina, no nosso Direito.
É nessa base que interessa o seu estudo, para lhe conferir fundamentação prática que
eventualmente não tenha ou, inversamente, para revelar o seu sem-sentido, pugnando pela
sua eliminação.
3. Critérios ou orientações de distinção
A distinção de questão de facto e questão de Direito tem se colocado fundamentalmente ao
nível de recurso sendo que historicamente, as orientações afirmadas a respeito
reconduzem-se principalmente a três:
19 Karinne Emanoela Goettems dos SANTOS, A Questão…, p.107
20 Cfr. ibidem
21 Idem, p. 108
15
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a) Orientação de carácter lógico – que recorre à distinção entre o conceito de facto e o
conceito de Direito.
“ Afirma esta orientação que temos a questão de facto quando estiver a
pensar-se algo mediante conceitos ou expressões de sentido comum,
técnico ou científico não jurídicos e uma questão de Direito, pelo
contrário, quando a expressão ou conceito legal for usado com sentido
especificamente jurídico (legal ou doutrinal)”22.
É este sentido adoptado por Ana Prata para quem “é ainda matéria de facto e não de
Direito toda a afirmação que envolve o recurso a conceitos não jurídicos, isto é, dotados do sentidoque têm na língua corrente ou de outras áreas científicas diversas do Direito”23.
b) Orientação de carácter gnoseológico, segundo a qual “questão de facto será a que se
resolve através de juízos e actos puramente cognitivos, questão de Direito a que implica juízos de
valor ou actos de avaliação”24.
c) Orientação de carácter objectivo – a que “recorre a um critério que traduz só por palavras
a distinção entre normas e factos opondo o que for individual-concreto (questão de facto) ao
conceitual (questão de Direito)”25.
“Esta terceira orientação” porém
22 Rui PATRÍCIO, O dolo… p. 34
23 Ana PRATA, Dicionário… p.1212
24 Rui PATRÍCIO, O dolo… 34
25 Ibidem
16
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“ ficou irremediável e naturalmente ultrapassada logo que se verificou o
carácter geral de certas determinações que se não podiam entender
rigorosamente como jurídicas mas que em virtude daquele carácter geral
não podiam subtrair-se à apreciação dos tribunais supremos, devendo-
se, para o efeito, ser tidos como verdadeira questão de Direito. Seria o
caso da determinação correspondente aos chamados factos gerais e,
sobretudo, às regras da experiência. Até porque, além do mais, não
pode deixar de entender-se que a violação de uma regra de experiência é
revisível na medida em que ela se traduz sempre na violação da
disposição legal cujo conteúdo é precisado graças à regra da
experiência ”26.
Restam-nos assim as duas primeiras orientações que pelo que nos é dado a ver da nossa
jurisprudência (que mais adiante será apresentada), parece que se utilizam de modo
concorrente.
Já entre nós, a nível doutrinal, pode se afirmar com toda a segurança (e correspondente
tristeza) que a distinção entre questão de facto e questão de Direito permanece um terreno
virgem, sem qualquer abordagem pelos autores moçambicanos. Percorrendo as nossas leis
processuais e considerando o importante relevo que a esta distinção é dado a nível dospoderes de cognição dos tribunais – como adiante em sede própria termos ocasião de ver –
só podemos concluir que a distinção entre facto e Direito – e a sua correspondente
distinção entre questão de facto e questão de Direito – são tidos como dados pacíficos pela
nossa doutrina. Distinção imanente no nosso formalismo processual mas sem suporte
doutrinal que auxilie o julgador a interpretá-la e a melhor aplicá-la na decisão do caso.
É neste sentido revelador a afirmação do jovem processualista Tomás Timbane, autor do
único livro de Direito Processual Civil escrito por um moçambicano, segundo o qual
26 Idem, pp.34/5
17
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“importa destacar que a selecção da matéria de facto a realizar no
saneamento tendo em conta as limitações acima impostas só pode versar
sobre factos, havendo necessidade de distinguir entre matéria de facto e
matéria de Direito. Não há critérios seguros para distinguir questão de
facto e questão de Direito, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Diz-se que matéria de facto são situações concretas da vida real que
fundamentam a acção e a defesa ou são os acontecimentos e
circunstâncias concretas, determinados no espaço e no tempo, passados e
presentes, do mundo exterior e da vida anímica, humana que o Direito
objectivo converteu em pressupostos de um efeito jurídico”27.
É o mesmo autor que, citando Paulo Pimenta, lecciona que
“a distinção entre matéria de facto e matéria de Direito marca de forma
indelével todo o processo civil, desde os articulados até a decisão final da
causa, para além de que a estrutura do processo civil radica na clara
distinção entre o campo da intervenção do órgão (colegial ou
singular) incumbindo o julgar a matéria de facto e do juiz a quem
compete lavrar a sentença ”28.
Portanto, a distinção é tomada como fundamental no nosso formalismo processual
nomeadamente em sede de recurso e do funcionamento do tribunal e entretanto não haver
«qualquer critério seguro» para distinguir as duas questões.
Mas será hoje, com os dados actuais do conhecimento jurídico a distinção entre questão de
facto e questão de Direito uma questão pacífica? Parece dever-se afirmar que esta distinção
é uma categoria em crise…
27 Tomas TIMBANE, Lições de Processo Civil I, Escolar Editora, Maputo,2010, p.370
28 Ibidem
18
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Capítulo II
A crise na aparente certeza
19
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1. Distinção entre questão de facto e questão de Direito: um problema claro?
Para abrir este capítulo, nada melhor que reproduzir aqui o sumário do Ac. de 09 de
Agosto de 2004 do Tribunal da Relação de Coimbra proferido na Apelação n.º293/04, com
o Cons. Távora Victor como Relator:
“1. O Direito tem que ser intencionado essencialmente à protecção de interesses axiologicamente legitimados
da vida em sociedade, cuja realização transvaza bastas vezes o apertado esquema silogístico-tradicional.
2. A realização de uma verdadeira justiça material passando sempre pela aplicação da lei mediada pelo
juiz terá que para além do elemento literal da norma encontrar os valores que num dado momento lhe estão
subjacentes e extrair os princípios reguladores adequados a uma correcta solução normativa.
20
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3. E o que se passa em matéria de interpretação da lei sucede de igual forma quanto às situações factuais
esbatendo-se a rígida dicotomia entre o facto e o Direito enfeudada à lógica tradicional.
4. Nesta medida, não tem sido estranho o enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado
nomeadamente pelo contributo das modernas ciências da linguagem e, em particular, pela investigação e progresso no domínio da hermenêutica que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do
Direito.
5. Em matéria de destrinça entre «questão de facto» e «questão de Direito» é hoje um dado adquirido que
muitos conceitos tidos como puros estão já imbuídos de um sentido e não se prende isoladamente a mero
facto ou ao Direito, antes se apresentado como uma simbiose entre ambos
6. São precisamente os casos em que o facto e o Direito são tão próximos na linguagem corrente que é muitodifícil indagar destes factos sem qualquer conotação jurídica prévia.
7. Por outro lado, também ao nível dos leigos, a expressão jurídica extravasou de há muito o campo técnico-
jurídico para se publicizar, tornando-se domínio comum.
8. Não é, pois, de se estranhar que no início do processo cognitivo de uma expressão se surpreenda já uma
pré-compreensão reportando-se à coisa de que o texto fala e à linguagem em que se fala dela. Esta pré-
compreensão que é um fenómeno da natureza não impede todavia o juiz de apreender a especificidade do
caso; só que na sua análise e tratamento, a questão de facto é inseparável da questão de Direito”29.
2. O modelo subsuntivo – o facto e o Direito no silogismo judicial
29 Ac. de 09.08.2004 do T. R. Coimbra, na Apelação n.º 293/04
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O Direito, pelo menos na faceta dele apresentada no surgimento do Estado moderno, é
uma realidade abstracta e coercitiva, separada dos fatos aos quais o mesmo se pretende
aplicar. Necessário é, portanto, “ter presente que a separação entre «direito» e «facto» foi uma
ambição das filosofias modernas, estando ligada sem dúvida à concepção do Direito como uma previsão
normativa ”30.
A relação entre o Direito e os factos que o mesmo interpreta e aos quais se aplica foi,
então, apresenta numa perspectiva do método silogístico-subsuntivo que impunha a
realização do Direito através de um simples e normal acoplamento da lei (premissa maior)
sobre os factos (premissa menor) da qual se extrairia então a «conclusão» que, neste caso,
corresponderia à decisão judicial31.
É dizer
“de início não se pretendia verdadeiramente com a invocação do silogismo mais do
que
traduzir de forma impressiva o enunciado de um princípio regulativo de um
paradigma ou padrão ideal a prescrever às decisões judiciais e como meio de lhe
definir o que político-ideologicamente se pretendia delas. E o que se pretendia era,
sem dúvida a realização destes postulados político-jurídicos: a
exclusiva titularidade do Direito pelo Estado, pelo poder legislativo segundo o
princípio revolucionário e parlamentar da «separação dos poderes»; e a total
exclusão do poder criador do Direito por parte da função judicial já como
consequência daquele princípio já para lograr uma abstracta garantia contra o
arbítrio judicial de que se fizera experiência no ancien régime ”32.
No âmbito do modelo silogístico-subsuntivo, ao juiz cabe a exclusiva tarefa de aplicar o
Direito aos factos ou, por outras palavras subsumir os factos (dados concretos, puros e
neutros) à lei (entidade abstracta, geral e significante).
30 Ovidio Araújo Baptista da SILVA, «Fundamentação das sentenças como garantia constitucional» in
Revista da Hermeneutica Jurídica: Direito, Estado e Democracia: entre a (in)efectividade e o imaginário
social , Livraria do Advogado, Porto Alegre, 4006, p.349.
31 Cfr. Karinne Emanoela Goettems dos SANTOS, A questão… p.80
32 António CASTANHEIRA NEVES, Questão… p.108
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A crença aqui é de que existem os factos desprovidos de qualquer conteúdo de natureza
jurídica (de um significado valorado), realidades neutras, próprias do mundo do ser e, face a
elas, há a norma, entidade abstracta, hipotética, coercitiva que confere significado àqueles
factos no intuito do alcançar a decisão judicial que assim seria o culminar da aplicação do
Direito.
Neste sentido, neste binário modelo subsuntivo, a actuação judicial tem dois momentos
distintos: num deles incide seu foco nesses dados neutros, nestes factos que carecem de
prova e aí a questão que se levantar será a denominada questão de facto. Já num segundo
momento haverá a necessidade de determinar uma certa norma aplicável para aqueles
factos e qualificá-los conforme tal norma, onde se levanta, no seu literal sentido a questão
«quid juris », verdadeira questão de Direito.
Entretanto, a partir do momento em que como vimos os próprios processualistas apenas
tomam a distinção como um dado – e até os ordenamentos jurídicos lhe atribuem
consequências notáveis na marcha do processo judicial e até na fixação dos poderes
cognitivos dos tribunais e fixação dos graus de recursos – sem, no entanto, clarificar a
importante questão do critério da distinção, torna-se imperioso questionar, e aqui com
Chaim Perelman “será verdade, como pretendem vários juristas, que o raciocínio do juiz pode ser
reduzido a um silogismo, de um modo esquemático, no qual a premissa maior enunciaria a regra doDireito, a menor ofereceria os elementos fácticos e a decisão constituiria a decisão judicial? ” é o mesmo
Perelman que afirma logo a seguir que tal análise é inadmissível pois suprimiria todas as
dificuldades levantadas pela distinção do facto e do Direito33.
A distinção entre questão de facto e questão de Direito parece-nos, assim, uma questão por
ser repensada, por ser reavaliada, revisitada, uma questão em crise…
Entendimento que nos reporta ao estudo do pensamento que a nosso ver mais
profundamente tratou do nosso tema na língua portuguesa: António Castanheira Neves.
33 Chaim PERELMAN, Ética e Direito, Editora Martins Fontes, S. Paulo, 1996, pp. 571/2
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3. Castanheira Neves: a Crise
Hoje, uma abordagem do tema da distinção de questão de facto e questão de Direito que
não contemplasse um estudo do pensamento do Professor Castanheira Neves seria
necessariamente incompleto. Este autor português apresentou em 1967 uma monumental
tese de Doutoramento precisamente intitulada: “ Questão-de-facto – Questão-de-Direito (Ensaio
de uma reposição crítica) ” na qual aborda com impressionante profundidade o tema que nosocupa.
Como acertadamente afirma Rui Patrício,
“Castanheira Neves parte de uma ideia de crise acerca do problema de
distinção entre a questão de facto e questão de Direito porque «o pensamento
jurídico não assume válida e autenticamente o problema ou porque se ocupa dele de um modo que simplesmente o oculta ou porque injustificadamente
pensa tê-lo ultrapassado» e intenta, mais do que o seu esclarecimento, a
reposição do problema ”34.
Com efeito, logo a abrir a sua tese, Castanheira Neves afirma que “a analítica problemática que
nos permita esclarecer e ao fim assumir um certo problema é o que se propõe este livro”35.
Desde logo, Castanheira Neves coloca o problema da distinção da questão de facto e
questão de Direito – que entende não ter sido ainda discutido convenientemente no
Direito – como “nódulo problemático-metodológico do pensamento jurídico enquanto verdadeiro o pensar
objectivamente constitutivo da juridicidade ”, tratar-se-á, diz o mestre português de encarar o
problema como “o problema metodológico da juridicidade ”36.
34 Rui PATRÍCIO, O dolo…, p.35
35 António de CASTANHEIRA NEVES, Prefácio da Obra Questão de facto… op cit.
36 Idem
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Este problema apresenta-se então para este autor não de modo lateral e sem a necessária de
se esclarecer e justificar a si próprio, um problema meramente «incidental» à margem, no
processo decisório como parecem entender vários processualistas, outrossim, este
problema apresenta-se no centro do próprio pensar e decidir jurídico, de tal sorte que a
superação da distinção apresentada no modelo silogístico significará mesmo que
“o decidir jurídico, afastada a possibilidade da sua redução a um mero
deduzir em abstracto – pois que é um decidir normativo em concreto –
se oferecesse como uma síntese jurídico-material em que o jurídico e o
factual participam unitariamente integrando a unidade jurídica do caso
concreto decidendo e decidido, isto é, integrando de modo compositum
e indivisível tanto a unidade intencional interrogativa do concreto problema jurídico como a unidade intencional significativa da decisão
concretamente proferida ”37.
Não pretendemos de modo algum apresentar com toda a amplitude – aliás nem o
conseguiríamos – o pensamento de Castanheira Neves, nos seus fundamentos,
desenvolvimentos, conclusões e consequências, outrossim, apenas abordar à guisa de um
enunciado geral aquilo que são os respectivos pontos fundamentais.
O autor luso, dizíamos, parte de uma ideia de crise; o problema de distinção entre questão
de facto e questão de Direito seria um problema em crise. Com efeito, anteriormente tido
como um dado pacífico, com indiscutível, a possibilidade de distinção entre facto e Direito,
diz aquele autor, começou a ser posta em causa por certos autores como Binding e Whelhi
que directamente declararam a sua impossibilidade lógica38. São estes autores que pela
primeira vez proclamaram de um modo directo e inequívoco aquilo que viria a ser
apelidado de tese da impossibilidade metodológica da distinção.
Posteriormente, a tese da impossibilidade generalizou-se, tendo-se transformado o
problema da distinção num problema em crise, de tal sorte que hoje, a doutrina que ainda o
afirma com certa vivacidade, apenas o faz com uma renúncia crítica, quer dizer, “ a tese da
impossibilidade denuncia, a todas as luzes, uma típica situação de crise enquanto traduz um cepticismo nas
soluções a emergir de um fundo de dogmatismo nos pressupostos ”39.
37 idem
38 Cfr. António CASTANHEIRA NEVES, Questão…, p.91
39 Idem, p.95
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Na verdade, o carácter metodologicamente insolúvel da distinção começou a revelar-se
cedo, tendo se notado que mesma de modo algum poderia ter qualquer efeito útil no
campo do conhecimento e interpretação das normas jurídicas e determinação e prova dos
factos, tendo-se assim, restringido mesmo doutrinalmente ao momento ou ao acto de
aplicação concreta do Direito, por ser apenas aí, no momento da relação concreta entre o
Direito e o facto que a distinção teria algum sentido.
Fora desse momento, o facto e o Direito apresentam-se numa unidade tal que a sua
distinção como categorias separadas e irredutíveis torna-se impossível.
Com efeito, nota mestre português
“uma distinção, ainda quando pensada em geral ou qualquer que seja o seu tipo e natureza só tem sentido na base dos dois pressupostos
exigidos com lógica de necessidade: exige-se tanto uma «razão de
diferença» (pela qual os termos a distinguir e distintos se justifiquem
autónomos ou relativamente irredutíveis um perante o outro) como uma
«razão de coerência» (aquela em que haverá de pensar-se uma qualquer
unidade entre os termos, a possibilitar-lhes a propria relação por que se
diferenciem). Distinguir é necessariamente (ou tal como lógico-
puramente o exige a estrutura conceitual-fenomenológica de distinguir)
afirmar uma razão de diferença no fundo de uma razão de coerência,
pois sempre a análise pressupõe a síntese. E no nosso caso, a razão de
coerência, a unidade pressuposta, não deixa de impor-se-nos como uma
natureza muito particular ”40.
Sucede, entretanto, que o facto e o Direito não apresentam uma «razão de diferença» nosentido de se terem por autónomos e relativamente irredutíveis entre si, mas, curiosamente,
também não apresentam a tal «razão de coerência» por lhes faltar um «quê», aquela unidade
que nos servisse de base para diferenciar.
Na verdade, o facto e o Direito encontram-se conexionados não por uma correlatividade
puramente lógica, posto que há neles uma unidade de carácter analítico mas se encontram
conexionados por uma unidade de carácter sintético.
40 Idem, p.96
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Na verdade, lecciona o autor luso,
“se o «direito» e o «facto» não vão referidos uma ao outro por força da
analítica das suas intencionalidades simplesmente lógicas, nem por isso
é menos evidente conexioná-los numa necessária correlação, embora ainda por esclarecer. Disso se dava também conta Radbruch quando
afirmava posto que de um modo insuficiente e também só formal que «é
lícito dizer-se a priori não haver nenhuma norma jurídica que não
regule algo». A norma e o facto implicam-se e só têm sentido através da
unidade de um nexo normativo no qual a norma manifesta a intenção
de uma específica validade, o dado positivo ou negativamente valioso. E
nexo de uma unidade decerto sintética uma vez que só numa síntese se pode superar a tensão de uma particular negatividade estática entre a
norma e o facto, a tensão normativa entre a validade e o dano”41.
Aceitando-se esta unidade sintético-material, Castanheira Neves insiste no entendimento de
que o problema da distinção não pode ter sentido em qualquer outro momento da
experiência jurídica que não apenas no momento da aplicação concreta do Direito.
O «facto» e o «Direito» não podem ser compreendidos senão nessa unidade na medida em
que eles apenas apresentam dois momentos, duas facetas complementares da mesma
intenção totalizante42.
“Por isso”, lecciona o mestre português,
“é então impossível querer decompor a unidade objectiva (do caso
jurídico concreto) ou significativa (da decisão jurídica concreta) em dois
elementos significativo-conceituais absolutamente (contraditoriamente)
distintos cada um deles, «em si» - como o exige a distinção
41 Idem, pp. 99/100
42 Cfr. Idem, p.102
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conceitual pura ou simplesmente lógico-formal – como impossível é
querer dividir em termos de discrição lógica (dividir em duas «coisas»
separadas) quer a sintética e construtiva intenção axiológico-normativa
do Direito, quer a estrutura dinâmica e sintética do problemático da
decisão concreta ”43.
Assim, conclui Castanheira Neves, o problema de distinção entre facto e Direito e,
correspectivamente, o problema da distinção entre questão de facto e questão de Direito
revela-se uma verdadeira aporética –
“aporética esta decerto imanente no sentido e estrutura da teoria lógico-
subsuntiva da aplicação do Direito, com ser uma aporética que dela
mesma logicamente emerge ao tentar realizar a sua específica intenção
metodológica pois são os próprios desenvolvimentos do seu esquema
silogístico-subsuntivo, e naquele plano que é o seu – no plano lógico-
teorético ou lógico-conceitual – a mostrarem-nos a distinção lógicamente
impossível, insanavelmente aporética. O que não é senão outra forma de
dizer que o esquema subsuntivo pela via mesma da lógica a que com
tanta fé sacrifica a si próprio se anula ”44.
Assim, o modelo lógico subsuntivo lógico-subsuntivo, o modelo do silogismo judiciário
colocou sempre o problema da distinção entre «facto» e «Direito» como um modelo
explicativo da decisão judicial, perspectiva que Castanheira Neves procura demonstrar a sua
invalidade metodológica , como, aliás, acima sucintamente tentámos apontar.
Nessa sede, Castanheira Neves tenciona ultrapassar este modelo – modelo este que, aliás,
nunca assumiu devidamente o problema da distinção entre «facto» e «Direito», ocupando-se
dele de um modo que simplesmente o oculta ou, inversamente, assumindo-o como
problema ultrapassado.
O autor português desvela a crise insolúvel que o problema enfrenta na perspectiva de
teoria subsuntiva e intenta empreender uma “reposição crítica do problema”: “a analítica
problemática que nos permita esclarecer e ao fim assumir um certo problema é o que se propõe este livro”,
diz o autor45.
43 Idem, p. 102
44 Idem, p. 103/4
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No entender de Castanheira Neves,
“a questão-de-facto comporta dois momentos fundamentais. Em
primeiro lugar, a determinação no âmbito da relevância jurídica a
reconhecer à situação histórico-concreta problemática. Ou seja, trata-se
de delimitar e determinar, na globalidade da situação histórica em que
o problema jurídico concreto se situa, o âmbito e o conteúdo da
relevância jurídica dessa situação problemática. Este é, afinal, o campo
da «pré-compreensão», da antecipação do sentido da intuição de uma
relevância jurídica do caso, momento indispensável para prosseguir. Em
segundo lugar, a comprovação dos elementos específicos dessa relevância
e dos seus efeitos; aqui, fundamentalmente, o problema da prova, o
problema da verdade jurídica como verdade prática. Mas não se trata,
como nas concepções tradicionais, da prova de factos puros, mas da
comprovação de que o problema jurídico, como problema prático, existe,
tem fundamento fáctico”46.
Já no que respeita à questão de Direito, Castanheira neves distingue a questão de Direito
em abstracto que teria como objectivo a determinação do critério jurídico que orienta e
concorre para a fundamentação da solução jurídica do caso a decidir da questão de Direito
em concreto que “comporta uma comprovação (ou não) da questão de facto no primeiro dos seus
sentidos apontados ”47.
Se à questão de Direito em abstracto corresponde a escolha da norma aplicável, essa norma
será uma hipótese de solução do caso concreto “uma antecipação ou projecto de solução que na
questão de Direito em concreto se submeterá a uma verdadeira experimentação metodológica ”48.
A questão de Direito em concreto no entender de Castanheira Neves é, por excelência o
campo da discussão das lacunas e da analogia, sendo que a sua resolução por mediação da
norma comporta três momentos:
45 António CASTANHEIRA NEVES, Prefácio da Obra Questão…, op cit.
46 Rui PATRICIO, O dolo… p.35
47 Idem, p.36
48 Idem, p.37
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a) confrontação entre a norma-critério e o caso a decidir;
b) reponderação da problemática e da normatividade da norma perante o caso concreto; c)
aquele em que se apela aos fundamentos da validade sistemática, fundamentos da
normativa juridicidade do sistema.
A terminar esta brevíssima (e reconhecidamente imperfeita) apresentação do pensamento
de Castanheira Neves a respeito do nosso tema, importa notar que aquele esboça também
um critério relativo à distinção entre questão de facto e questão de Direito, no que diz
respeito ao recurso perante o tribunal de revista: “admitido o recurso por um fundamento
legalmente previsto, o S. T. como tribunal de «revista», conhecerá da causa até o onde o exija a conexão
problemática das questões desde que lhe o permitam os poderes de que pode dispor ”49.
49 Castanheira Neves, Questão… p. 36
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Capítulo III
As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano
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Denominámo-las consequências da distinção, mas talvez a designação correcta fosse a de
«marcas» da distinção no ordenamento jurídico moçambicano. Em que aspectos concretos
do Direito moçambicano é que podemos surpreender estas marcas da distinção entre
questão de facto e questão de Direito? É o que passamos a analisar
1. Participação dos Juízes Eleitos
À luz das normas actualmente vigentes, respeitantes à Organização Judiciária em
Moçambique, os Tribunais podem funcionar como órgãos colegiais ou, antes, com um juiz
singular.
Com efeito, o Tribunal Supremo e os Tribunais Superiores de Recurso sempre devem
funcionar como órgãos colegiais na apreciação das causas e tomada de decisões (arts. 41; 42
e 48 da Lei n.º 24/2007 de 20 de Agosto, Lei da Organização Judiciária).
Diversamente, nos termos do art. 70, n.º 1 da Lei da Organização Judiciária, “em primeira
instância, o tribunal judicial de província pode funcionar como tribunal singular ou colegial, conforme
determinado pela lei de processo”.
Os tribunais judiciais de distrito, também esses, podem funcionar como tribunal singularou colegial, conforme for determinado pela lei de processo (art. 81 da mesma lei).
Em todos estes tribunais encontram afectas duas categorias de juízes, designadamente: os
juízes profissionais (também designados juízes de Direito) e os juízes eleitos (também
designados leigos, são pessoas de reconhecida idoneidade e residentes na área do tribunal
em causa, sem qualquer formação jurídica).
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A determinação ou distinção das questões de facto e questões de Direito no âmbito de um
processo judicial tem uma influência capital na fixação na competência ou do campo de
actuação destes juízes eleitos já que a lei, de modo geral, condiciona ou limita a sua
participação à discussão de matéria de facto.
Com efeito, o artigo 17 da Lei da Organização Judiciária estabelece que
“1. os juízes eleito participam nos julgamentos em primeira instância,
em todos os casos previstos na lei processual ou sempre que a sua
intervenção for determinada pelo juiz da causa, promovida pelo
ministério Público ou requerida pelas partes.
2. A participação dos juízes eleitos é restrita à discussão e decisão sobre matéria de facto.
3. Os juízes eleitos podem ainda ser ouvidos sempre que os tribunais
judiciais de distrito apreciarem em recurso as decisões dos tribunais
comunitários ”.
Desta disposição da Lei da Organização Judiciária que preferimos citar na íntegra ressaltam
dois pontos fundamentais: a) os juízes eleitos têm, na organização judiciária moçambicana
um amplo campo de actuação desde o órgão máximo da estrutura (Tribunal Supremo) até à
base (Tribunal Judicial de Distrito de 2.ª classe); e b) mais importante para a nossa
abordagem, os juízes eleitos não discutem matéria de Direito.
Do topo à base da orgânica dos Tribunais Judiciais, os juízes eleitos, onde participem,
apenas podem intervir quando em causa esteja a discussão e decisão sobre matéria de
facto.
É no artigo 646.º do Código de Processo Civil que encontramos o regime dasconsequências emergentes da violação das regras sobre esta participação dos juízes eleitos,
em tribunal colegial.
À luz daquele artigo (seu n.º2), o julgamento deve ser anulado quando se constate que as
questões de facto foram julgadas pelo tribunal singular quando o deviam ser pelo tribunal
colectivo.
33
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Já, inversamente, as respostas dadas ao tribunal colectivo sobre questões de Direito têm-se
por não escritas. Assim entendeu o Tribunal Supremo no Ac. de 24 de Abril de 1998 da
Apelação 152/97 quer estabeleceu que a
“ falta da reunião do tribunal colectivo em violação do disposto no n.º1do art. 10 alínea b), n.º1 do art. 49 e n.º do art. 50, todos da Lei n.º
10/92 de 06 de Maio, aplicável por força do art. 28 da Lei 18/92
de 14 de Outubro acarreta a nulidade do julgamento, conforme
estatuído no n.º2 do art. 646.º do Código de Processo Civil, o que deve
ser declarado”.
O Tribunal Supremo tem entendido que a participação dos juízes eleitos nos tribunais
judiciais de província não é obrigatória quando se trate de audiência preliminar. A
justificação de peso é que nessa audiência, não se discute matéria de facto, podendo-se,
porém, discutir matéria de Direito que, como vimos, está excluída das competências
atribuídas aos juízes eleitos.
O artigo 508.º do CPC que dispõe sobre a audiência preliminar e o despacho saneador
estabelece no seu n.º1 que, entre outros, a audiência preliminar pode ter como fim facultar
às partes a discussão de facto e de Direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar
excepções ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito
da causa. Mais importante, o n.º3 daquele artigo dispõe que “se ao juiz se afigurar possível
conhecer do pedido no despacho saneador, a audiência preliminar é obrigatória sob pena de nulidade nos
termos da alínea d) do artigo 668.º ”.
É justamente nestas ocasiões em que ao juiz se afigura possível conhecer imediatamente do
mérito da causa que o Tribunal Supremo tem entendido que a participação dos juízes
eleitos não é obrigatória, não podendo, assim, a sua falta determinar a nulidade do acto.
Muito elucidativo desta posição do Supremo moçambicano é o Ac. de 27 de Junho de
199850, com o Cons. Luís Filipe Sacramento como Relator, que passamos a transcrever na
íntegra:
“Sumário:
50 Ac. do Tribunal Supremo de 27 de Junho de 1998, Relator: Cons. Luis Filipe Sacramento
34
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Na audiência preparatória não se mostra necessária a intervenção dos juízes eleitos já que não se discute
matéria de facto e, portanto, não se aplicam as regras contidas nos artigos 10, n.º1, 49, n.º1 alínea b) e
n.º1 do artigo 50 da Lei n.º 10/92 de 06 de Maio.
Exposição:
Nos presentes autos de apelação, na nota de revisão que antecede suscita-se como prévia uma questão de
natureza processual relacionada com a falta da constituição do tribunal colectivo que, a proceder, impedirá o
conhecimento do fundo da causa.
A questão levantada diz respeito ao facto de na audiência preparatória cuja acta se encontra junta a fls.
37, não terem participado juízes eleitos contrariando-se deste modo o estatuído no artigo 50 da Lei
n.º19/92 de 06 de Maio.
De acordo com a lei, só tem lugar a participação dos juízes eleitos nos tribunais de província quando
funciona em primeira instância e apenas quando decida sobre matéria de facto conforme o disposto no artigo
10, n.º1; 49, n.º1,a alínea b) e 50, n.º1, todos da Lei n.º 10/92 e conjugados.
Daqui se retira que a intervenção dos juízes eleitos só se efectiva quando haja que discutir e decidir sobre
matéria de facto.
Ora, a audiência preparatória tem lugar quando findos os articulados, se mostre possível ao juiz conhecer
do pedido com efeito de obter a conciliação das partes em primeiro lugar, discutir do pedido ou de excepções
em segundo lugar, como se alcança do artigo 508.º do CPC.
Resulta assim evidente que se está perante um acto processual em que não tem lugar a discussão e decisão
da matéria de facto, razão pela qual não têm que intervir nele os juízes eleitos.
Consequentemente conclui-se que não se aplique à audiência preparatória as regras contidas nos artigos 10,n.º1; 49, n.º 1 al. b) e 50, n.º1 da Lei 10/92 de 06 de Maio e, portanto, que neste caso não se coloque o
problema de falta de constituição d
O Tribunal Colectivo (…).
35
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Acordam em conferência na secção cível do Tribunal Supremo, nos autos de Apelação n.º 136/97 em que
é Apelante Albano de Sousa e Apelado Fernão Linquindo Sunde em subscrever a exposição de fls. 124-v
e 125 e, consequentemente, em julgar ultrapassada a questão prévia suscitada na nota de revisão relativa à
falta de constituição do tribunal colectivo, por não se aplicar ás audiências preparatórias as regras
estabelecidas nos artigos 10, n.º1; 49.º, n.º1 b) e 50, n.º1, todos da Lei n.º 10/92 de 06 de Maio por não
se tratar de acto judicial em que tenha lugar discussão e decisão sobre matéria de facto”.
É um entendimento que faz sentido, tendo em conta que nesta audiência, por regra, a
matéria de facto não é discutida já que a mesma, a ser discutida, sê-lo-á na audiência de
discussão e julgamento. Na audiência preliminar ou o juiz julga que a matéria de facto se
apresenta com suficiente clareza e conhece do mérito da causa sem necessidade de
qualquer discussão ou, inversamente, entende que a mesma ainda carece de esclarecimento,
remetendo a mesma para a fase seguinte do processo, rectius , fase de instrução, o que
culminará com a discussão da mesma na audiência final. Em qualquer dos casos, a
audiência preliminar não é momento para que a matéria de facto seja discutida e, como tal,
a participação dos juízes eleitos não se afigura obrigatória.
Sendo a questão de mérito unicamente de Direito, é também permitido ao juiz decidi-la
nesta fase, como bem se sabe e conforme se preceitua no artigo 510.º do CPC:
“ findos os articulados e realizada a audiência preliminar, nos casos em
que a ela houver lugar, nos termos do artigo 508.º, pode ser proferido,
dentro de quinze dias, despacho saneador para os fins seguintes (…)
c) conhecer directamente o pedido se a questão de mérito for unicamente
de Direito e poder já ser decidida com a necessária segurança, ou se,
sendo a questão de Direito e de facto, ou só de facto, o processo contiver
todos os elementos para uma decisão conscienciosa ”.
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Quanto à chamada audiência final, a audiência de discussão e julgamento da causa, parece-
nos seguro afirmar que à luz do Direito vigente, desde que a lei não imponha especialmente
o contrário, sempre deverão participar os juízes eleitos, lembre-se, com o tribunal
funcionando em primeira instância. É o entendimento que se retira do artigo 646.º, n.º1
nos termos do qual, a discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do
tribunal colectivo dispondo ainda o mesmo artigo que o julgamento será anulado sempre as
questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devessem ser pelo tribunal
colectivo (n.º2 daquele artigo).
Do exposto nesta fase, resulta então claro que a participação dos juízes eleitos é
completamente vedada quando o tribunal funcione como instância de recurso já que a
mesma só é permitida nos julgamentos em primeira instância (art. 17, n.º1 da Lei da
Organização Judiciária). Por outro lado, mesmo em se tratando do funcionamento do
tribunal em primeira instância, não pode a intervenção do juiz eleito extravasar o estrito
limite das questões de facto sob pena de toda e qualquer resposta dada nessa sede, ser dada
por não escrita, tornando-se assim, completamente irrelevante para a decisão da causa (art.
646, n.º3 do CPC).
2. Graus de recurso
A determinação da matéria de facto e da matéria de Direito tem, também, à luz do
ordenamento jurídico moçambicano, uma forte repercussão na fixação dos graus de
recurso.
Com efeito, dispõe o artigo 19 da Lei da Organização Judiciária que
“1. Das decisões proferidas pelos tribunais em primeira instância, sobre
matéria de facto, há apenas um grau de recurso, excepto nos casos
especialmente previstos na lei.
2. Sobre matéria de Direito há apenas dois graus de recurso, excepto
nos casos especialmente previstos na lei.
3. Das decisões sobre matéria de direito proferidas pelos tribunais judiciais de província cabe recurso directo para o Tribunal Supremo”.
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Assim, consoante a matéria a impugnar por via do recurso seja de facto ou de Direito,
teremos diferentes graus.
Em se tratando de decisão sobre matéria de facto, a não ser que a Lei disponha de modo
diverso, há apenas um grau de recurso. O que significa dizer que um caso decidido pelo Tribunal Judicial de Distrito (quer seja de primeira ou segunda classe), em princípio, não
pode na sua decisão de facto ser reapreciado pelo Tribunal Supremo, portanto, mesmo na
melhor das hipóteses, terminará no Tribunal Judicial de Província.
Entende-se então que é às instâncias inferiores que se deve conferir o poder de apreciar e
decidir sobre os factos que interessam à decisão global da causa. É nessas instâncias que
melhor se apreciará e decidirá sobre a prova dado o facto de ser também aí onde se
verificará em pleno os importantes princípios de imediação e da oralidade que caracterizam
o nosso Direito Probatório.
Às instâncias superiores, nomeadamente ao Tribunal Supremo, caberá assim papel de outra
índole, a aplicação da lei aos factos, o que implica a interpretação do Direito e a fixação da
jurisprudência. É neste sentido esclarecedor o artigo 41 da Lei da Organização Judiciária,
nos termos do qual “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o Tribunal Supremo apenas conhece
de matéria de Direito”.
Em conformidade, quanto à matéria de Direito, diz o preceito legal, há dois graus de
recurso.
Ao atingir o campo sensível da admissão do recurso, a distinção entre o que num processo
judicial representa questão-de-facto daquilo que no mesmo processo constituiria questão-
de-Direito ganha assim importância capital porquanto toca até o princípio constitucional de
acesso de todos os cidadãos à justiça.
Com efeito, o pleno acesso dos cidadãos implica a garantia de que todos acedam aos
tribunais, tenham direito de defesa, de assistência jurídica e patrocínio judiciário. Mas
também implica a possibilidade de os cidadãos vencidos em certos processos judiciais
terem o direito de ver a sua causa reapreciada imparcialmente por um órgão diferente do
que inicialmente decidiu.
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Nota importante de se destacar nesta fase é a que resulta da interpretação dos artigos 19,
n.º3 da Lei da Organização Judiciária e do artigo 725.º do CPC. Aquele primeiro dispõe que
“das decisões sobre matéria de direito proferidas pelos tribunais judiciais de província em segunda instância
cabe recurso directo para o Tribunal Supremo”. Admite-se assim o chamado recurso « per saltum »
que passará, neste caso, por «saltar» o Tribunal Superior de Recurso para ver a causa
reapreciada imediatamente no Supremo, a partir de um Tribunal judicial de província.
3. Poderes de cognição dos tribunais
A determinação da matéria de facto e de Direito tem também, à luz do Direito vigente,
importantes consequências no que respeita aos poderes de cognição dos tribunais judiciais.
Nos termos do artigo 29 da Lei da Organização Judiciária, a função jurisdicional é exercida
pelos seguintes tribunais: o
• Tribunal Supremo;
• Tribunais Superiores de Recurso;
• Tribunais Judiciais de Província;
• Tribunais Judiciais de Distrito.
Quando as circunstâncias assim o justifiquem, permite a lei a criação de tribunais judiciais
de competência especializada (Cfr. art. 29, n.º1 da Lei da organização Judiciária).
Em regra, o Tribunal Supremo conhece apenas de matéria de Direito. É o que estatui o
artigo 41 da Lei da organização Judiciária, o que se coaduna com as suas competências
principais que são, nomeadamente, a uniformização de jurisprudência e a decisão de
conflitos de competência.
Pode, entretanto, o Supremo conhecer de matéria de facto quando ele funcione como
Tribunal de 1.ª instância (artigo 51 da Lei da Organização Judiciária).
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Já os Tribunais Superiores de Recurso – que são essencialmente tribunais de recurso –
conhecem de matéria de facto e de Direito quando julguem em primeira instância ou
quando, funcionando como tribunal de recurso, julgam, em segunda instância, os recursos
das decisões dos tribunais judiciais de província.
Já não podem, porém, conhecer de matéria de facto naquelas situações em que o caso,
interposto no tribunal judicial de distrito, tenha sido reapreciado de facto e de Direito pelo
tribunal de província.
Portanto, conforme já anotado, sobre matéria de facto há apenas um grau de recurso
(artigo 19, n.º1 da Lei da Organização Judiciária).
Quanto aos Tribunais Judiciais de Província ressalta que os mesmos podem, em princípio,tanto funcionando em primeira como em segunda instância, conhecer de matéria de facto e
de matéria de Direito pelas razões já expostas no parágrafo anterior. Não podem, porém,
estes tribunais, em sede de recurso, conhecer de matéria de facto em casos interpostos no
Tribunal Judicial de Distrito de 2.ª classe que tenham conhecido recurso no Tribunal
Judicial de Distrito de 1.ª classe.
Os Tribunais Judiciais de Distrito, tanto de primeira como de segunda classe, é seguro
afirmar-se que os mesmo têm poderes de cognição plenos no sentido de que podemconhecer de matéria de facto e de matéria de facto sem qualquer restrição.
4. Modificabilidade da decisão de facto
A determinação de matéria de facto e de matéria de Direito tem, também, importantes
consequências em sede de recurso, mais concretamente no que respeita à modificabilidade
das decisões de facto.
Refira-se que à luz do Direito Processual vigente em Moçambique, estão previstos como
recursos ordinários a apelação, a revista, o agravo e o recurso para o Plenário do Tribunal
Supremo, prevendo-se como extraordinários a revisão, a oposição de terceiro e a suspensão
de execução e anulação de sentenças manifestamente injustas e ilegais.
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Em linha de princípio, as decisões sobre matéria de Direito podem sempre ser modificadas
pela instância de recurso, independentemente da espécie de recurso em causa. Já quanto à
matéria de facto e pelas razões já apontadas acima, a lei impõe algumas restrições à sua
reapreciação e consequente modificação.
Com efeito, no que em específico se refere ao recurso de apelação, as decisões sobre
matéria de facto apenas podem ser modificadas nas seguintes situações: (cfr. art. 712 do
CPC)
a) quando constem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à
decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido
gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base
neles proferida. É, portanto, uma situação em que o tribunal hierarquicamente
superior contacta com a prova, do mesmo modo como contactou o tribuna
recorrido, seja porque o tribunal de recurso tem consigo todos os elementos de
prova fundamentais daquela decisão sobre a matéria de facto (por os mesmos
constarem do processo), seja porque fundamentando-se a decisão em depoimentos
dos intervenientes processuais, os mesmos tenham sido gravados;
b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível
de ser destruída por quaisquer outras provas. Parece-nos ser aqui o caso em que a
análise dos elementos probatórios e a decisão sobre a matéria de facto revelam,
com toda a certeza e suficiente clareza que os factos foram mal apreciados,
porquanto os mesmos decididamente impunham uma decisão diversa daquela do
tribunal de primeira instância;
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c) se o recorrente apresentar documento novo, superveniente e que, por si só, seja
suficiente para destruir a prova em que a decisão se assentou. Aqui estamos diante
da situação em que um documento que podia influir na decisão da matéria de facto,
por ser superveniente, nem sequer foi apreciado pelo tribunal recorrido. É de toda
a lógica que introduzido o documento supervenientemente na lide, o mesmo terá
de ser apreciado pelo tribunal de recurso, sendo que se for susceptível de influir na
decisão de facto, deverá poder modificar-se esta com fundamento no aludido
documento;
d) ainda em sede de recurso de apelação é permitido ao tribunal superior (em 2.ª
instância) anular a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto,mesmo oficiosamente, quando repute deficientes, obscuras ou contraditórias as
decisões sobre determinados pontos da matéria de facto ou quando considere
dispensável a ampliação desta, nos termos da alínea f) do art. 650.º do CPC.
Quanto ao recurso de revista, a lei dispõe que a decisão proferida pelo tribunal recorrido
quanto à matéria de facto não pode ser alterada salvo caso excepcional de anulação de
sentença com fundamento na sua nulidade (disposições conjugadas dos artigos 729.º e
722.º, n.º2 do CPC).
O recurso de agravo, regulado nos artigos 733.º e seguintes do CPC, incide essencialmente
sobre questões de Direito, não se apresentando aí, com a necessária relevância a questão da
modificabilidade da matéria de facto.
No caso do recurso de revisão regulado nos artigos 771.º e seguintes do CPC resulta claro
que a matéria de facto pode ser modificada pela 2ª instância.
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Com efeito, a título de exemplo, nos casos em que o recurso tenha tido como fundamente
o decurso da acção ou execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu,
mostrando-se que faltou a sua citação ou é nula a citação feita (cfr. art. 771, al. f)), anulam-
se todos os termos posteriores à citação do réu ou ao momento em que aquela devia ter
sido feita, ordenando-se que o réu seja citado para a causa. Anulando-se aqueles trâmites e
procedendo-se à citação do réu para os termos do processo, fácil é de notar que todos os
elementos probatórios terão de ser reapreciados, o que, consequentemente, ditará, em
princípio a modificação da decisão de facto.
Outras circunstâncias no recurso de revisão em que a decisão pode ser modificada são as
previstas nas alíneas a) e e) do artigo 771 do CPC que passamos a citar:
“a) quando se mostre por sentença criminal passada em julgado que [a
decisão] foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou
corrupção do juiz ou algum dos juízes que na decisão intervieram;
(…)
e)quando se apresente documentos de que a parte não tivesse
conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que
foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida ”.
Portanto, numa circunstância (alínea a) do artigo771.º do CPC), estamos diante de uma
situação em que o julgador não actua com a necessária imparcialidade e a desejada
independência; outrossim, movido por razão antijurídica, voluntariamente aprecia os factos
de modo tendencioso, atribuindo-lhes sentido e efeitos que não são os que seriam
normalmente queridos pelo Direito.
Noutra circunstância, apresenta-se um documento cuja apreciação não ocorreu em primeira
instância por a apresentação não ter sido possível. Nestes casos, estabelece a lei de
processo, “ profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a
cada uma das partes o prazo de oito dias para alegar por escrito” (art. 776.º b) do CPC).
Outras circunstâncias em que se afigura possível a modificação da matéria de facto são as
previstas nas alíneas b), d) e e) do artigo 771.º do CPC.
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Trata-se das situações em que uma sentença a transitada em julgado venha a revelar a
falsidade de um documento, de um acto judicial, um depoimento ou declaração de perito
que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever; aquelas situações
em que tenha sido declarada nula ou anulada por sentença já transitada em julgado a
confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse, bom como aquelas
situações em que a confissão, desistência ou transacção é nula, por violação do disposto
nos artigos 37.º e 297.º do CPC.
Nestas circunstâncias, estabelece o CPC, deve ordenar-se que “que sigam os termos necessários
para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da
revisão não tenha prejudicado” (art. 776.º c)). Se a causa vai ser novamente instruída e julgada, a
decisão de facto poderá também sofrer modificação.
O recurso de oposição de terceiro funda-se na circunstância de a decisão recorrida ter
resultado de simulação processual das partes, envolvendo prejuízo para o terceiro que dela
recorre.
A lei não se pronuncia clara e expressamente a este respeito mas parece-nos aqui dever-se
concluir pela modificabilidade da decisão de facto em segunda instância nos termos do
artigo 29, n.º1 da Lei da Organização Judiciária. Efectivamente, seria ilógico, pensar-se que
provada a simulação a simulação processual das partes no processo que levou à decisão
recorrida, a parte de facto dessa mesma decisão possa sempre continuar incólume quando
o tribunal de recurso ( rectius , tribunal de segunda instância) poder conhecer de matéria de
facto.
O mesmo entendimento deve ser assumido no que se refere à prerrogativa do Procurador
Geral da República de requerer a suspensão da execução e anulação de sentenças
manifestamente injustas.
Com efeito, dispõe o artigo 782, n.º 3 alínea c) que “ quando o Tribunal Supremo ordena a
suspensão da execução da sentença deve reapreciar a sentença impugnada, decidindo ou ordenando que se
decida conforme lhe pareça mais adequado”. Pode assim o Tribunal Supremo, funcionando como
tribunal de segunda instância modificar a decisão de facto adoptada pelo tribunal de
primeira instância.
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São estes os «momentos» do ordenamento jurídico moçambicano em que julgamos que a
distinção entre questão de facto e questão de Direito se apresenta com mais relevância.
Chegados aqui, julgamos poder já avançar para uma tentativa de «fecho» da nossa reflexão,
o que a fazemos com as «conclusões» que se seguem.
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Conclusões
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1. As ideias que a seguir apresentamos, menos do que verdadeiras conclusões, melhor
se deveriam chamar «tópicos finais » assumindo-se as mesmas apenas como notas finais
da nossa reflexão. Tal é a sinuosidade do nosso tema e o facto de o mesmo não ter
ainda sido devidamente abordado no nosso meio jurídico que nos levam, menos do
que a tentar uma abordagem conclusiva sobre o mesmo, buscar apenas a sua devida
colocação, ou, como diria Castanheira Neves, buscar a sua reposição.
2. A ideia da distinção entre facto e Direito, enfeudada na crença da sua irredutibilidade
por o primeiro pertencer ao mundo do ser (da realidade dada, neutra e concreta) e osegundo pertencer ao mundo do dever-ser (da norma, entidade abstracta, geral e
hipotética) encontra-se na base da reflexão jurídica e, sobretudo, no fundamento da
função jurisdicional.
3. No modelo lógico-subsuntivo, no modelo da função jurisdicional caracterizada pelo
silogismo judicial, a distinção entre questão facto e Direito dá conteúdo à distinção
entre a questão-de-facto e questão-de-Direito, no entendimento de que a função
jurisdicional comportaria essencialmente três momentos – característicos dosilogismo – designadamente o momento da norma (premissa maior), geral, abstracta,
hipotética que se aplicaria aos factos – segundo momento – (premissa menor)
levando a uma decisão (conclusão – terceiro momento). No âmbito desse modelo,
fácil seria distinguir a questão de facto – por a mesma se referir ao apuramento e
delimitação dos factos, carecendo de prova – da questão de Direito – a qual se
referiria à qualificação jurídica dos factos; já não matéria de prova e sim, função de
conferir sentido e consequências jurídicos aos factos.
4. No modelo lógico-subsuntivo, na verdade, a distinção entre questão de facto e
questão de Direito nem sequer se coloca como um problema ou, como diz
Castanheira Neves, a sua colocação é de um certo modo que o torna sem sentido,
posto que se entende o facto como inelutavelmente separado (do) e totalmente
irredutível ao Direito. Distintas desse modo, as duas unidades carecem de uma
«razão de diferença» que justifique a sua distinção como um problema, assim como
carecem de uma «razão de coerência», a unidade que daria sentido a qualquertentativa de distinção.
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5. Sucede, entretanto que o «facto» e o «Direito» com que trabalham os juristas não se
apresentam como grandezas totalmente separadas, irredutíveis, antes se
conexionando por razões que levam a que o entendimento de um apenas seja
possível implicando o outro: o facto do jurista é o «facto jurídico» e a norma é
sempre uma norma para regular factos; estas realidades não se compreendem fora
desta unidade. Difícil ou quase impossível é pensar um facto totalmente despido de
qualquer significação normativa, assim como impossível será imaginar uma norma
completamente abstracta, hipotética, sem qualquer referência à realidade factual. O
facto, na sua concretude, só pode ser entendido na fenomenológica generalidade
enquanto, por sua vez a norma, não pode ser compreendida fora da sua latente
concretude, por a mesma sempre se referir ao facto e nela buscar a sua aplicação.
6. É aqui que separar se torna uma acção problemática; que questionar apenas «a nível
dos factos» e, posteriormente, «questionar a nível do Direito» torna-se um problema.
Problema que, aceitamos dizer com Castanheira Neves, é um problema
metodológico da juridicidade.
7. À volta desta distinção, o nosso Direito impõe-se limites a si mesmo no seu próprio
«dizer-se» - na actividade jurisdicional. Os limites dos poderes cognitivos dos nossos
tribunais, nomeadamente das instâncias superiores, são delimitados por aquilo a queaí se entende ser matéria de facto e o que entende posto como matéria de Direito.
Também à volta desta distinção, o nosso Direito impõe limites de acesso à justiça
para os cidadãos: o reexame das causas (a sua possibilidade ou impossibilidade)
encontra-se delimitado por essa distinção.
8. Distinção imanente à nossa juris-dição, distinção aceite, pacífica, recorrente nos
nossos tribunais, uma distinção «silogísticamemente» aplaudida, «subsuntivamente»
assumida. No nosso Direito, nos nossos tribunais ela não é problema: é umpostulado. Por isso, afirmam tranquilamente os nossos processualistas, «não há
critérios seguros para distinção de matéria de facto e matéria de Direito» e ficam-se por aí.
9. A distinção tem, entretanto, consequências muito sérias no nosso Direito, conforme
vimos no ponto 7 supra , sendo, por outro lado, que a mesma coloca o nosso juiz no
reprovável papel de mero aplicador cego de normas processuais sem alma; um juiz
que, fiel ao principio iluminista e politico-ideológico da separação dos poderes, é
avesso a uma interpretação criadora do Direito. É o juiz que em nome da legalidade,
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em nome da sacrossanta separação de poderes, sacrifica impiedosamente a justiça
material do caso concreto. É o juiz da Lei!
10. Neste estado de coisas, em Moçambique, o problema da distinção entre questão de
facto e questão de Direito precisa, assim, de ser … reposto ou, mais correctamente, posto.
Bibliografia
A) Doutrina
1. CASTANHEIRA NEVES, António, Questão-de-facto e Questão-de-direito ou O Problema metodológico da juridicidade (Ensaio de uma reposição crítica) I A crise , Livraria Almedina, Coimbra,1967;
2. CASTRO MENDES, João de, Direito Processual Civil , Vol II, AAFDL, 1987;
3. CHIOVENDA, Giuseppe , As Instituições do Direito Processual Civil , Bookseller, Brasil, 1998;
4. OLIVEIRA ASCENSÃO, José de, O Direito, Introdução e Teoria Geral, uma perspectiva Luso- Brasileira , Almedina, Coimbra, 11ª Edição, 2003;
--------------------------------------, Direito Civil, Teoria Geral, Vol II , 2.ª Edição, CoimbraEditora, 2003;
5. PATRÍCIO, Rui Filipe Serra Serrão, O dolo enquanto elemento do tipo penal (no Direito Português actual) questão-de-facto ou questão-de-Direito? , Relatório apresentado no Seminário de DireitoPenal no âmbito do Curso de mestrado em Ciências Jurídico-Criminais da Faculdade deDireito da Universidade Clássica de Lisboa, ano de 1997;
6. PERELMAN, Chaim, Ética e Direito, Editora Martins, São Paulo, 1996;
7. PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Vol I, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008;
8. SANTOS, Karinne Emanoela Goettems dos, A Questão de Facto e Questão de Direito sob uma perspectiva hermenêutica , Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas, Universidade do RioSinos, 2006;
9. SILVA, Ovídio Baptista Araújo da, Processo e Ideologia, o Paradigma Racionalista , EditoraForense, Rio de Janeiro, 2004;
10. TIMBANE, Tomás, Lições de Processo Civil I , Escolar Editora, Maputo, 2010;
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B) Legislação
- Código de Processo Civil – Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembrode 1961, tornado extensivo ao (então) Ultramar pela Portaria n.º 19 305, de 30 de Julho de1962 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 47 690 de 11 de Maio de 1967, Decreto-Lei n.º323/70 de 11 de Julho, Decreto-Lei n.º 1/2005 de 27 de Dezembro e Decreto-Lei n.º1/2009 de 24 de Abril;
- Lei da Organização Judiciária – Lei n.º 24/2007 de 20 de Agosto;
C) Jurisprudência
- Ac. do Tribunal Supremo de 27 de Junho de 1998, Relator: Cons. Luís Filipe Sacramento;
- Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09 de Agosto de 2004, na Apelação 293/04, Relator:
Cons. Távora Victor;
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Índice
Sumário -- 4
Introdução --5
Capítulo I. Do binómio «Facto-Direito» ao binómio «Questão-de-facto e Questão-
de-Direito --7
1. Facto e Direito--8
2. Da distinção entre facto e Direito à distinção entre questão de facto e questão de Direito
-- 9
3. Critérios ou orientações de distinção -- 14
Capítulo II. A crise na aparente certeza -- 18
1. Distinção entre questão de facto e questão de Direito: um problema claro? -- 19
2. O modelo subsuntivo – O facto e o Direito no silogismo judicial -- 20
3. Castanheira Neves: A crise… -- 22
Capítulo III. As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano
-- 30
1. Participação dos juízes eleitos ou o Tribunal Colegial e o juiz singular -- 31
2. Graus de recurso -- 36
51
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3. Poderes de cognição dos tribunais -- 38
4. Modificabilidade das decisões de facto -- 39
Conclusões -- 44
Bibliografia -- 47
52