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GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: UM OLHAR PARA OS FLUXOS
MIGRATÓRIOS DE ENTRADA NO BRASIL
Krisley Amorim de Araujo1
Luciane Pinho de Almeida2
RESUMO:
O presente trabalho possui como objetivo compreender como o fenômeno da globalização
possui tendências de supressão dos direitos humanos de indivíduos em condição de
migrantes, assim como, relacionar essa realidade com os atuais fluxos de entrada no Brasil.
Desse modo, utilizou-se como embasamento teórico-metodológico os pressupostos da
Psicologia Sócio-Histórica, com o uso de revisão bibliográfica, a qual utiliza como fonte de
dados artigos científicos, notícias, teses dissertações, documentos e livros. Portanto, as novas
configurações migratórias, a entrada de novos povos e comunidades em território brasileiro
nos conduz a refletir sobre a relação entre migração e direitos humanos em tempos de
globalização, sobretudo no que tange à lógica globalizante de liberdade ao capital e restrição
da mobilidade humana. Urge a necessidade das autoridades brasileiras refletirem e
elaborarem estratégias e políticas públicas, migratórias e ações integradas que alcancem essa
população, sendo que as fronteiras fechadas dos países europeus e norte-americanos colocam
o Brasil na rota das migrações internacionais, nisso vemos nos últimos anos a entrada de
haitianos, sírios, venezuelanos, chineses, e colombianos e a exposição dessas populações à
condições de vulnerabilidade, violência, discriminação e violação de direitos. Com base
nisso, destacamos a importância da cooperação internacional e elaboração de políticas
migratórias e públicas pautadas nos princípios dos direitos humanos que alcancem o
cotidiano dos migrantes.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Globalização. Migrações.
1 INTRODUÇÃO
As migrações configuram-se como um fenômeno transnacional contemporâneo. O
número de migrantes internacionais distribuídos geograficamente aponta que uma em cada
dez pessoas que vive em países desenvolvidos é migrante, assim 72,6 milhões vivem na
Europa, 61 milhões, na Ásia, e na América do Norte, 50 milhões (FARIA, 2015, p. 32). O
1 Graduada em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. Mestranda em Psicologia pela Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB). [email protected] 2 Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB). [email protected]
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número de migrações internas também é extremamente elevado, segundo o Relatório de
Desenvolvimento Humano de 2009 do Programa da ONU para o Desenvolvimento Humano
(PNUD), os números chegam a 740 milhões de migrantes internos (FARIA, 2015).
Os dados expressam a magnitude do fenômeno migratório na contemporaneidade,
logo, nenhuma nação pode avaliar o seu futuro independente dos efeitos da mobilidade
humana (ONU, 2012, p. 2). No atual contexto, não há mais países com características
predominantes de emissores de migrantes ou receptores, o caráter mutável da sociedade
moderna exerce influência sobre aspectos econômicos, políticos, sociais e naturais, que por
sua vez, irão traduzir-se em maiores fluxos migratórios pelo globo terrestre, logo, qualquer
país está suscetível a passar por grandes ondas emigratórias como imigratórias, ou como
locais de trânsito. Devido a isso têm-se eliminado os prefixos (-e e –i) dos termos
“migração”, “migrantes” e “migratórios”, essa mudança reflete as transformações no que se
refere às migrações contemporâneas (FARIA, 2015, p. 37).
Com isso, os países apresentam-se com características duais no que se refere às
migrações. O Brasil possui marcas históricas de migrações, pois os diferentes povos que
adentraram em território brasileiro alteraram-se conforme as configurações e eventos do
mundo global, assim como, a saída de migrantes brasileiros em direção ao exterior é
resultado de condições políticas, sociais e econômicas e a significativa influência e fascínio
da globalização.
A popularização dos fluxos migratórios em diversos setores sociais por meio das
mídias e canais de comunicação tem contribuído para a massificação dessa questão social, o
aumento no número dos fluxos migratórios provoca e requer um posicionamento das
autoridades mundiais, aparatos jurídicos, organizações e instituições, a fim de refletir sobre
mecanismos para lidar com os desafios migratórios futuros. Em contraposição crescem-se
também posturas anti-migrações e xenofóbicas que vêem o migrante como perigoso,
fraudador do sistema de seguridade social ou que irá ocupar postos de emprego destinados
aos nativos. A partir disso, pretende-se desenvolver ao longo do trabalho aspectos
relacionados à conformação dos fluxos migratórios visto à influência do fenômeno da
globalização e seu contraste com os direitos humanos.
A partir disso, os objetivos da pesquisa foram descrever e estudar como o fenômeno
da globalização desenvolve tendências de supressão de direitos humanos, apontar os
principais fluxos de entrada no Brasil nos últimos anos e destacar a necessidade de
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cooperação internacional e elaboração de políticas migratórias e públicas pautadas nos
princípios dos direitos humanos que alcancem o cotidiano dos migrantes.
2 METODOLOGIA
A metodologia dessa proposta foi constituída de pesquisa qualitativa, a qual leva
em conta a realidade observada como fonte de coleta de dados, na qual o pesquisador
constitui-se como principal instrumento. A pesquisa possuiu caráter descritivo e o foco é
indutivo, assim, os dados qualitativos apontam a profundidade de informações e não
aspectos quantitativos.
Utilizou-se como embasamento teórico e metodológico, os pressupostos da
Psicologia Sócio-Histórica, a qual está ancorada na concepção materialista histórica dialética
de Karl Marx. Assim, a forma de análise adotada compreende “o processo histórico humano
a partir das determinações fundamentais da base material sobre a superestrutura, num
processo necessariamente dialético” (KAHHALE; ROSA, 2009, p.25.
Com isso, o método irá buscar apreender o movimento, as relações e as
transformações existentes nos fatos, requerendo ferramentas de viabilização, critérios e
categorias de análise, essas categorias permitem desvendar os fenômenos, propiciando o
conhecimento teórico, partindo da aparência, visando alcançar a essência do objeto, ou seja,
apreender seu processo e concretude, suas relações e movimento (KAHHALE; ROSA, 2009,
p.26).
Logo, o pesquisador, captura a estrutura e a dinâmica da realidade (objeto), por
meio da análise e da síntese, viabiliza a pesquisa através do método e assim reproduz no
plano ideal, a essência do objeto que investigou (NETTO, 2011). Dessa forma, a pesquisa se
estabelece como uma relação entre sujeitos, tendo como objetivo compreender toda a
complexidade dos comportamentos dos sujeitos a partir de suas próprias perspectivas,
correlacionadas ao contexto do qual fazem parte, logo, a problemática de pesquisa não é
criada artificialmente na mente do pesquisador (FREITAS, 2002, p.27), mas é existente no
universo concreto, na matéria que é a constituição do real, tendo como bases sustentadoras
a historicidade e o movimento dialético.
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Utilizou-se como recurso a revisão bibliográfica, a qual utiliza como recursos
“artigos científicos, livros e documentos, nos permitindo a articulação de conceitos e a
sistematização da produção de um determinado campo de conhecimento” (Minayo, 2001,
p.53). Desse modo, destacou-se o uso de artigos científicos, livros, e notícias a fim de
subsidiar as discussões.
3 GLOBALIZAÇÃO E O PROCESSO DE SUPRESSÃO DE DIREITOS
HUMANOS
O fenômeno migratório se dá na sociedade contemporânea com novas
configurações e características, ainda que sua origem remonte aos períodos pré-históricos,
diversos condicionantes da modernidade propiciaram novas modalidades migratórias, como
também, novas formas de exploração, exclusão e dominações dos sujeitos, assim, migrar
tornou-se muito mais do que um deslocamento de um local para o outro, tornou-se uma
questão complexa, sendo necessário aprofundamento e estudo. Desse modo, para
compreender os fluxos migratórios atuais precisamos nos remontar à identificação de seus
principais propulsores e potencializadores, como também refletir sobre o impacto desse
fenômeno no universo subjetivo do sujeito migrante.
O avanço do conhecimento científico proporcionou diversas descobertas e
transformações no mundo, permitindo a criação de instituições, sistemas, estruturas, como
também, a emergência de novas problemáticas sociais que demandavam respostas, uma
delas foi o grande êxodo rural que se deu em função da formação da sociedade industrial,
iniciado principalmente nos países europeus, em que um grande contingente populacional
deslocou-se para os grandes centros em busca de trabalho, esse dado revela uma nova
conformação social que implicará no estabelecimento de novas condições de vida. Logo, as
invenções sociais possuem o potencial de reordenar o mundo, de igual modo, as
transformações nas estruturas econômicas da sociedade de um modelo para outro, alteram
toda uma cadeia de relações que já se encontra configurada, assim, quando o homem
intervém na natureza ele produz modificações, logo, o sujeito é transformado para viver
nesse novo ambiente criado por ele, desse modo o sujeito se constrói e reconstrói na ação
sobre a realidade objetiva.
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Sobre isso Ianni (2001) vai destacar atores responsáveis pela coordenação de tais
mudanças:
Na realidade, são principalmente as “elites” dominantes
(envolvendo indivíduos, grupos, classes, organizações
governamentais, organizações bi e multilaterais, corporações
nacionais e transnacionais) alguns dos principais “atores” que
concretamente agem de modo a produzir, orientar e dinamizar
“desvios” destinados a provocar mudança ou evolução. (IANNI,
2001, p.91)
Desse modo, a sobrevivência dos sistemas sociais humanos em uma realidade
mutável está relacionada à sua capacidade de adaptação. Podemos apontar a globalização
como um fenômeno desencadeador de grandes mudanças a níveis mundiais. Bauman (2005)
afirma que as tendências globalizantes afetam “estruturas estatais, condições de trabalho, a
produção cultural, a vida quotidiana e as relações entre o e o outro” (p. 11). A globalização
provou que o globo terrestre é muito mais do que uma figura astronômica, mas um espaço
de invenção das relações sociais promovendo novas definições de tempo e espaço, como
também impulsionando uma série de grandes transformações sociais, políticas e econômicas,
as quais irão suscitar alterações no cenário mundial.
As primeiras aparições da globalização se dão junto ao desenvolvimento da
sociedade capitalista, Ianni (2001, p.14) também aponta que:
... desde que o capitalismo desenvolveu-se na Europa,
apresentou sempre conotações internacionais, multinacionas,
transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulação
originária do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, da
dependência e da interdependência.” (IANNI, 2001, p.14)
Portanto, afirma-se o caráter histórico da globalização e a sua presença desde os
primórdios do modelo econômico capitalista, sendo assim, ela é marcada por interesses
comerciais com ênfase na livre circulação do capital, a fim de constituir uma economia
aberta e sem limites geográficos (MARTINE, 2005). Logo, as tendências globalizantes
trazem consigo o slogan de “Mundo sem fronteiras”, em contrapartida a promoção desse
movimento global é determinado pelas exigências da reprodução ampliada do capital por
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meio da articulação de mercados, empresas, corporações e forças produtivas, as quais irão
produzir a estratificação global, comportando de um lado setores beneficiados pelo processo
de acumulação capitalista e do outro, regiões periféricas que se encontram em desvantagem
e a serviço das leis do mercado. A consolidação dessa divisão opera-se por meio da criação
de aparatos jurídicos, institucionais e políticos. Assim, juntamente com a globalização, o
capital adquire caráter universal, transpondo a soberania nacional.
A partir disso, começamos a visualizar um capital móvel que se desloca com
facilidade nas fronteiras sob efeito da globalização, ademais, as facilidades de mobilidade
restringem-se quando o assunto é “capital humano”, Martine (2005) afirma que:
...as fronteiras abrem-se para o fluxo de capitais e
mercadorias, mas estão cada vez mais fechadas aos migrantes: essa
é a grande inconsistência que define o atual momento histórico no
que se refere às migrações internacionais.
Desse modo, vê-se que os migrantes ainda ficam imobilizados frente à lógica da
soberania do Estado, caracterizado pelas políticas de controle migratório. Nessa mesma linha
Bauman (2001), resgata de Friedman que na atualidade uma das coisas que não estão em
vias de extinção são as fronteiras, mas que na contramão disso, as fronteiras parecem ser
levantadas a cada esquina das vizinhanças do mundo. Essa realidade expressa a
operacionalização de uma inclusão social perversa por meio da “garantia” de mobilidade
humana a poucos, no entanto, dadas as barreiras que se impõem à indivíduos pobres de países
subdesenvolvidos no que se refere ao deslocamento entre as fronteiras, ocorre, na verdade
uma exclusão através de aparatos jurídicos e burocráticos pautados na identidade e na
segurança nacional, as glórias da globalização terminam se restringindo aos membros da
elite dominante.
Assim, as migrações contemporâneas refletem as características de uma sociedade
conflituosa permeada pela divisão de classes, a qual legitima uma falsa inclusão por meio de
ferramentas de servidão e exploração dos sujeitos, realidade essa que os migrantes
encontram em terras estrangeiras, por meio da oferta de empregos mal remunerados e
expostos à situações de violação de direitos. Nessa lógica a passagem é liberada àqueles que
interessam às sociedades dominantes, assim, esse sistema inclui para excluir, operando desse
modo o que Sawaia (1999) chama de dialética exclusão/inclusão. Com isso, o migrante ao
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inserir-se na lógica moderna globalizante, em vias de necessidade ou autonomia se depara
com processos de exclusão nos mais diversos níveis, predominando uma visão dialética do
migrante como (in)desejado.
O fluxo da globalização também promove a dispersão em escala global das forças
produtivas e das relações de produção de modo desigual e contraditório. A força de trabalho
se torna transnacional e as formas de exploração se complexificam, trabalhadores das mais
diversas qualificações, países e etnias dispõem de mão de obra barata aos países
desenvolvidos (IANNI, 1998). Na perspectiva marxista a globalização representa o
desenvolvimento ampliado do capitalismo moderno, bem como implica em uma nova
possibilidade de reprodução do capital, quando falamos de capital, o compreendemos
enquanto uma categoria social complexa que abrange o processo de produção da mercadoria,
lucro, mais-valia, dinheiro como forma de valor, força de trabalho, instituições, modos de
vida, aparatos jurídico-político, elementos que formam as relações de produção.
Nesse formato, inserem-se as populações migrantes nas relações sociais de
produção do capitalismo, Vendramini (2018) disserta acerca das migrações contemporâneas
em uma sociedade capitalista e afirma que esse modelo social funciona como um propulsor
das migrações, bem como o capital se sustenta por meio dos deslocamentos do exército
industrial de reserva, com isso, se verifica um grande contingente populacional migrando
para os grandes centros em períodos de crises sociais, econômicas, políticas, ambientais,
produzindo uma sobrevida à acumulação capitalista, na medida em que os migrantes se
configuram como uma mão de obra barata, sujeitando-se a longas jornadas de trabalho,
ocupações de baixa qualificação e ausentes de valorização social, direitos concernentes ao
trabalho e proteção social. Portanto, as migrações promovem uma sobrevida ao modo
capitalista de produção e de sociedade,
Nesse mesmo entendimento, Rossini (1986, p.578) complementa que:
O modo de produção capitalista exige, para sua manutenção,
a existência de excedentes de trabalhadores para a viabilização da
expansão da produção. A mão-de-obra excedente existe no sentido
de favorecer a reprodução do capital. Na realidade, a migração se
constitui como um movimento “necessário” ao desenvolvimento
capitalista.
A globalização ainda acentua as desigualdades entre os países, o que corrobora no
aumento da necessidade de migrar, a qual também está relacionada com a esperança de
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melhores condições de vida em outros locais, predominando uma visão idealista das
sociedades dominantes. Sobretudo, os tempos globais propiciam um aumento elevado nas
migrações internacionais, somado a isso temos as inovações tecnológicas de comunicação e
transporte, logo, esses fatores têm diluído as fronteiras e aproximado países, culturas e
pessoas.
4 FLUXOS MIGRATÓRIOS DE ENTRADA PARA O BRASIL
Faria (2015) afirma que “o mundo possui 250 milhões de migrantes internacionais
(3,2% da população mundial)”, a Organização Internacional para Migrações (OIM), estima
para 2050 um número de 405 milhões de migrantes (OIM, 2010 apud FARIA, 2015). Os
fluxos migratórios contemporâneos possuem causas multidimensionais em resposta a fatores
como crescimento demográfico, conflitos armados, crises políticas, econômicas, catástrofes
naturais e aspectos relacionados à produção e trabalho.
Levando em conta o que foi mencionado e observando a realidade do nosso país, é
possível ver que os dados históricos da constituição do Brasil revelam a sua inserção nas
rotas migratórias desde seus primórdios. A formação social brasileira e o seu crescimento
deram-se também a partir do protagonismo, da atividade e do trabalho de migrantes, logo,
migração e mescla de culturas não se constitui uma novidade no contexto brasileiro. Nesse
sentido, é importante lembrar dos portugueses, espanhóis, holandeses e africanos de diversas
nacionalidades que passaram pelo país.
Nos anos 2010-2016, o Brasil apresentou um fluxo maior de migração resultado de
crises econômicas, questões ambientais e de conflitos e guerras que vem ocorrendo em
diversos países do mundo, assim o país está recebendo, especialmente haitianos, africanos,
senegaleses, colombianos, asiáticos e sírios. Esses dados revelam a mobilidade humana
brasileira no que se refere à recepção de migrantes, apresentando uma nova face, uma nova
configuração, o migrante atual é diferente do migrante do século passado, devido a diversos
fatores históricos, sociais, econômicos e políticos que criaram essas condições, o migrante
que surge no presente é consequência do processo de acumulação capitalista e dos efeitos da
globalização que se somam a desastres ambientais e eventos atípicos que estão ocorrendo
em um plano internacional. Essa migração por certo traz impactos nacionais e locais.
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Com a atual crise econômica brasileira, os entraves políticos e a iminência da crise
financeira acirrada, principalmente em 2016, alteram-se as rotas migratórias que outrora se
destinavam para o Brasil, assim, muitos migrantes têm se destinado para outros países da
América Latina que apresentam uma situação financeira mais favorável. Todavia, embora
contraditoriamente o fluxo de recebimento dos migrantes estrangeiros tenha diminuído, o
fechamento da Europa e de países norte-americanos, coloca o Brasil na rota das migrações
internacionais, registra-se um grande número de estrangeiros já estabelecidos em território
brasileiro e que ainda não gozam da efetividade de direitos sociais tão necessários à vida
social.
Velasco e Mantovani (2016) destacam que “em 10 anos, o número de imigrantes
aumentou 160%”, segundo dados da Polícia Federal, em 2015, quase 120 mil estrangeiros
deram entrada no país, nesses números destacam-se a entrada de haitianos, seguidos pelos
bolivianos, colombianos, argentinos, chineses, portugueses e norte-americanos, têm-se
agora também a entrada de venezuelanos, que segundo dados do Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e do governo brasileiro, 32.744 venezuelanos
solicitaram refúgio e 27.804 adentraram as fronteiras brasileiras com autorização de
residência por vias alternativas ao sistema de refúgio, condição que totaliza mais de 60.000
venezuelanos registrados pelas autoridades brasileiras em 2018.
A entrada dos haitianos ao Brasil após a ocorrência do terremoto que atingiu o país
em janeiro de 20210 e as condições políticas e econômicas do país, tornou visível o
despreparo do Brasil frente às demandas das migrações internacionais, em que esses
migrantes ficaram expostos à condições precária de higiene e privacidade, expostos ao
racionamento de água e alimentos em cidades de fronteira como Acre, Brasiléia e Tabatinga
(SILVA, 2015a). Véran, Noal e Fainstat (2014) apresentam que não houve outros de
dispositivos de assistência a essa população, assim eles ficaram ausentes de políticas
públicas e auxílios governamentais.
Novamente, assistimos à entrada de outro grupo de migrantes, os venezuelanos e o
Brasil não estava preparado e mais uma vez viu-se a inserção de migrantes em condições
precária vida assistência, exposição à situações de violência, discriminação, vulnerabilidade.
Historicamente no Brasil, os migrantes têm sido alvo de ataques, repressões e
discriminações, realidade existente também em outros países, expressando um olhar global
de negação dos direitos dos migrantes.
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Outrossim, a presença haitiana traz à tona o modo como a sociedade brasileira lida
com as relações raciais, preconceitos de cor, considerando a herança de uma sociedade que
se constituiu por meio do trabalho escravo e da discriminação racial. Faz-se necessário,
pontuar que o contexto atual suscita novas formas de xenofobia que podem ganhar
conotações raciais, produzindo estigmas de grupos diferenciados, pois ainda permanece no
imaginário a compreensão de migração, como a migração europeia de sujeitos brancos, uma
migração bem sucedida, assim, a integração de migrantes de raças e etnias plurais conduz o
país à um processo de aceitação das diferenças, reconhecimento do migrante enquanto
sujeito de direitos e a promoção de um diálogo intercultural (SILVA, 2015b)
A Pastoral dos Migrantes em São Paulo vem denunciando casos de explorações e
reivindicando os direitos dos migrantes. Logo, destaca-se a necessidade de cooperação
internacional entre os países, pois o caráter dual das migrações coloca o cenário mundial
sujeito a sofrer os efeitos desse fenômeno, assim, o aumento da responsabilidade dos países
pode diminuir a violação de direitos humanos de migrantes e o descaso em relação à defesa
dos nacionais em terras estrangeiras (CASTRO, 2008)
É visto que a globalização promove o encurtamento das distâncias e produz uma
concepção de encolhimento do mundo, facilitando o contato com diferentes povos,
despertando interesses e oportunidades de sobrevivência em outros países, no entanto, tem
crescido a repressão dos movimentos migratórios, por meio da sofisticação de tecnologias
de segurança, ampliação de muros em fronteira, maior vigilância. Tais práticas estão
relacionadas também à produção do medo norte-americano e eurocêntrico, decorrente do
ataque terrorista às Torres Gêmeas, assim, o migrante é visualizado como criminoso,
perigoso, indesejado. Além disso, predomina-se também, racismos, discriminações e
intolerância, as quais desqualificam e não corroboram com os princípios dos direitos
humanos.
Um fator reforçador desse processo, o qual legitima esses discursos, são as políticas
de Estado referente às migrações, o Brasil aprovou recentemente uma nova lei referente à
migração, a qual possui como objetivo regular a entrada e permanência de estrangeiros no
país, com repúdio à discriminação e criminalização da migração, além disso, visa promover
o acesso e tratamento igualitários de migrantes, assim como sua entrada e permanência no
país, essa nova lei, vem substituir o antigo e incoerente Estatuto do Estrangeiro, elaborado
no período da Ditadura Militar, o qual possui premissas que incorporam o migrante como
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perigoso e ameaça para os interesses nacionais. No entanto, após, mudanças nos ministérios
e eleições de 2018, o novo governo toma a decisão de não assinar o Pacto Global de
Migração da ONU (PASE, 2019) que visa a melhoria das condições de vida de migrantes e
propõe diretrizes de cooperação entre países para lidar com a questão migratória. A não
assinatura entra em contraste com a conquista da Nova Lei da Migração aprovada em 2017
pelo Congresso Nacional e pode comprometer as atuações do Brasil no cenário internacional
e nacional acerca das migrações, bem como pode comprometer a viabilização de políticas
migratórias e públicas à esse público.
Portanto, é notável a concepção das migrações ao longo das décadas anteriores
ausentes de um enfoque de direitos humanos, abrindo margem para violações e diferenças
entre direitos da população nativa versus direitos da população estrangeira, sendo que a
segunda, termina sempre ocupando uma posição de subalternidade, no entanto, vemos no
mundo atual ainda a pulverização ou o retorno de ideias conservadoras e distantes de um
discurso de direitos humanos, principalmente no que tange ao sujeito migrante.
A noção contemporânea de direitos humanos da Declaração Universal de 1948
possui direcionamentos com ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência
dos direitos humanos, como também, essas concepções têm se orientado para valores como
igualdade, liberdade e diversidade. Logo, a efetivação desses direitos exige um espaço de
luta, ação social e envolvimento político, assim, lidar com a multiculturalidade, preservar
direitos fundamentais dos indivíduos e o reconhecimento da diferença, torna-se um grande
desafio frente aos fluxos migratórios contemporâneos, muito mais que instrumentos
jurídicos, urge a necessidade de criação programas sociais, políticas de acolhimento,
capacitação de profissionais e ferramentas de assistência e inclusão à população migrante, a
fim de que a lei não operacionalize-se apenas no campo das ideias e se distancie de uma ação
social efetiva que produza transformação no cotidiano de vida dos migrantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, é possível verificar que os pressupostos orientadores da globalização
possuem tendências pautadas em interesses comerciais, pautados na hegemonia do capital,
assim, a sua livre circulação é estimulada, porém, quando trata-se de pessoas, as fronteiras
se fecham. Com isso, as lógicas e instrumentos que operacionalizam esses movimentos
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migratórios ainda se encontram ancoradas princípios da reprodução do capital. Logo, vê-se
que o cenário global apresenta uma dificuldade de reconhecer a diferença e lidar com
questões multiculturais e garantir direitos fundamentais aos migrantes, aumentando um
estranhamento em relação àquele que chega, configurando-se uma situação paradoxal, visto
que a bandeira levantada pela globalização de Mundo Sem Fronteiras carrega consigo um
discurso de livre acesso e mobilidade para alguns e repressão da circulação de outros.
Desse modo, a consideração das ameaças aos direitos humanos dos migrantes,
suscita a necessidade de articular ações integradas entre os países, assegurando direitos de ir
e vir e retirando esses indivíduos da ilegalidade, a qual deixa margem à violação de direitos
e ações de traficantes de pessoas. A fim de evitar situações deste caráter, ressaltamos a
importância em tomar as migrações como tema de educação continuada, sendo viabilizado
por meio de campanhas de sensibilização da sociedade, por meio da inclusão da temática
nos currículos de ensino médio e superior, cursos de graduação, formação de agentes
públicos abrangendo todos os níveis da administração pública
Consonante à isso o investimento em políticas públicas alcança a operacionalização
dos processos, assim as políticas de garantia de direitos fundamentais precisam ser
elaboradas ouvindo o próprio migrante, seus interesses, anseios e perspectivas, logo, urge a
necessidade de uma concepção ampliada de direitos humanos pautada no multiculturalismo,
devido à velocidade em que compõem os fluxos migratórios contemporâneos.
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