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goffman notas e trechos

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A instituico total um hbrido social, parcialmentecomundade residencial, parcialmente organizaco formal;a reside seu especial interesse sociolgico. H tambm ou-tros motivos que suscitam nosso nteresse por esses estabe-lecimentos, Em nossa sociedade, sao as estufas para mudarpessoas; cada urna um experimento natural sobre o quese pode fazer ao eu. (22)Para o internado, o sentido completo de estar "dentro"nao existe independentemente do sentido especfi~o quepara ele tero "sair" ou "ir para fora", Neste sentido, as instituices totais realmente nao procuram urna vitria cul-tural. Criam e mantero um tipo especfico de tenso entre omundo domstico e o mundo institucional, e usam essatenso persistente como wna forca estratgica no controlede hornens. (23-24) O novato chega ao estabelecimento com urna concep-cao de SI mesmo que se tornou possvel por algumas dis-posices sociais estveis no seu mundo domstico. Ao en-trar, imediatamente despido do apoio dado por taisdisposices. Na linguagem exata de algunias de nossas maisantigas institui9es totas, comeca urna srie de rebaixamen-tos, degradaces, humlhaces e profanaces do eu. O seueu sistemticamente, embora muitas vezes nao intencio-nalmente,mortificado. Comeca a passar por algumas mu-dancas radicis em sua carreira moral, urna carreira com-posta pelas progressivas mudancas que ocorrem nas crencasque tm a seu respeito e a respeito dos outros que sao sig-nificativos para ele.(24) Os processos de admsso talvez pudessern ser denominados"arrumaco" ou "programaco", pois, ao ser "enquadrado",o novato admite ser conformado e codificado num objetoque pode ser colocado na mquina administrativa do esta-belecimento, modelado suavemente pelas operaces de ro-tina. (26)Os internados, bem como os diretores, ativamente bus-cam essas reduces do eu de forma que a mortiflcaco sejacomplementada pela automortificaco, as restrces pela re-nncia, as pancadas pela autoflagelaco, a nquisico pelaconfisso (48) A baixa po-sicao dos internados, quando comparada a que tinham DOmundo externo, e estabelecida inicialmente atravs do pro-cesso de despojarnento, cra uro meio de fracasso pessoalem que a desgraca pessoal se faz sentir constantemente.Como resposta a isso, O internado tende a criar urna "his-t6ria", urna ttica, um conto triste i-e- uro tipo de lamenta-t;aO e defesa - e que conta const~ntemente a ~us C0n;tP~nheiros, como urna forma de explicar a roa baxa posicaopresente. Em conseqncia, o e_u do internado pode tornar--se, mais do que no mundo externo, foco de .sua convers~e de seu interesse, o que leva a excesso de pedade por SImesmo!". Embora a equipe diretora constantemente des-minta tais histrias, audiencia dos internados tende a sermais delicada, e suprime pelo menos parte da des~r~nt;~ edo tdio criados por tais descrices. (62-63) Uma dasvirtudes da doutrina de que os hospitais para doentes men-tais sao hospitais para tratamento de pessoas doentes queos internados, depois de terem dedicado tres ou quatro anosde suas vidas a esse tipo de exlio, podern tentar conven-cer-se de que trabalharam ativamente para sua cura e que,urna vez curados, o tempo a dispendido ter sido uminvestimento razovel e, proveitoso. (64)A carreira moral do doente mentalUma vantagem do conceito de carreira sua ambiva-lencia. Um lado est ligado a assuntos ntimos e preciosos,tais como, por exemplo, a imagem do eu e a segurancasentida; o outro lado se liga a posi!jo oficial, relaces jur-dicas e um estilo de vida, e parte de' um complexo insti-tucional acessvel ao pblico. Portante, o conceitc de car-r~ira permite que andemos do pblico para o ntimo, eVIce-versa, entre o eu e sua socedade significativa, semprecisar depender manifestamente de dados a respeito doque a pessoa diz que imagina ser.(111-112)do sociolgico rigoroso. Nesta perspectiva, a interpre-taco psiquitrica de urna pessoa s se torna significativana medida ero que essa interpreta!;ao altera o seu destinosocial - urna alteraco que se torna fundamental em nossasociedade quando, e apenas quando, a pessoa passa peloprocesso de hospitalizaco-. Por sso, excIuo algumas cate-gorias prximas: os candidatos no-descobertos que seriamconsiderados "doentes" pelos padres psiquitricos, mas quenunca chegam a ser assim considerados por si mesmos oupelos outros, embora possam causar muitos problemas paratodos"; o paciente de consultrio que um psiquiatra con-sider:'l poder tratar com medicamentos ou choques, fora dohospital; o doente mental que participa de relaces psico-teraputicas. E incIuo todos, por mais robustos quanto aotemperamento, que de alguma forma sao apanhados pelapesada mquina de servicos de hospitais para doentes men-tais. (112) (aqui a categoria estaria menos vinculada ao hospcio propriamente dito que a publicidade ou socialidade do diagnstico em tal contexto, quer dizer, o doente mental como papel no teatro coletivo, que no pode escapar ao estigma que a internao lhe impe.)A interpr~t~4!rao oficial da sociedade que os internados de hospitaispara doentes mentais a esto, fundamentalme~te, porquesofrem de doencas mentais. No entanto, !1a. medida e~ queos "mentalmente doentes" fora dos hospitais se aproximamnumricamente dos internados _ou at os superam, pode-se dizer que os doentes mentis internados sofrem, nao dedoenca mental, mas de outras circunstancias.(117-118)ver no final da subsesso sobre a interpretao de si configurada como narrativa do pr-internamentoPortanto, o sistema de enfermarias um exemplo ex-tremo da maneira pela qual os fatos fsicos de urn estabe-lecimento podem ser explicitamente empregados para mo-delar a concepco que urna pessoa tem de si mesma. Almdisso, ~ mandato psiquitrico oficial dos membros dos hos-pitais -para doentes mentais provoca ataques ainda maisdiretos e violentos contra a imagem que o internado temde si mesmo. Quanto mais "mdico" e "progressista" foruro hospital - quanto mais tenta ser teraputico e naoapenas "depsito" - mais precisa enfrentar a afirmaco daalta adminstraco de que seu passado foi uro fracasso, quea causa disso est nele mesmo, que sua atitude diante davida errada, e que, se desejar ser 'urna pessoa, precisamudar sua maneira de lidar coro as pessoas e suas concep-;es de si mesmo. Muitas vezes, tomar consciencia dovalor moral desses ataques verbais ao ser abrigado a aceitaressa interpretaco psiquitrica de si mesmo em perodosestabelecidos de consso, seja em sesses individuais, seja,em psicoterapia de grupo.(128)Aqui, possvel apresentar um aspecto da carreiramoral dos internados e que tem relaco com multas carrei-ras morais. Considerando-se o estdio que qualquer pessoaatingiu numa carreira, geralmente verificamos que constriurna imagem do curso de sua vida - passado, presente efuturo - que corta, abstrai e deforma de tal maneira quepermite urna vso de si mesmo que possa expor de ma-neira til nas situaces presentes. Muito freqentemente, aestratgia da pessoa com relaco ao eu a coloca, defensi-vamente, num acordo fundamental com os valores bsicos /de sua sociedade, e assim pode ser denominada uma apolo-gia. Se a pessoa consegue apresentar urna interpretaco desua situaco presente que mostre a atuaco de qualidadespessoais favorveis no passado, e um destino favorvel quea aguarde no futuro, pode-se dizer que tero urna histria detriunfo. Se os fatos do passado e do presente de urna pessoasao extremamente sombros, o melhor que pode fazer mostrar que nao responsvel por aquiIo que veo a ser,e a expresso histria triste adequada. nteressante notarque, quanto rnais o passado de urna pessoa a afasta de con-cordancia aparente com valores morais centris, mais pareceabrigada a contar essa histria triste para qualquer com-panhia que encontre. 129Se a parte psiquitrica deve mpor-lhe suas nter-pretaces quanto a sua eonstitui!Jao pessoal, deve ser capazde mostrar ao paciente, minuciosamente, como sua versode seu passado e de seu carter muito melhor que aquelaque apresentas (131-132)A equipe dirigente tem tambm meios ideais _ almdo :feito especular do ambiente - para negar as racionali-zacoes do paciente. A atual doutrina psiquitrica define adoenca mental cof?o algo que pode ter suas razes nos pri-metros anos de vida do paciente, mostrar sinais durantetoda a sua vida, e invadir quase todos os setores de suaatividade atual, Portanto, nao preciso definir qualquer~g:nento de seu passado ou de seu presente, alm da juris-dl~ao e do mandato .da avaliaco psiquitrica. Os hospitaispara doentes mentis burocraticamente institucionalizamesse mandato extremamente amplo ao formalmente basearseu tratamento do paciente ern seu diagnstico e, por ssona interpreta~ao psiquitrica de seu passado. (132)Cada carreira moral, e, atrs desta, cada eu, se desen-volvem .dentro dos limites de um sistema institucional, sejaum estbelecimento social - por exemplo, um hospital psi-quitrico - seja um complexo de relaces pessoais e pro-fissionais. Portanto, o eu pode ser visto como algo que seinsere nas dsposces que um sistema social estabelece paraseus participantes. Neste sentido, o eu nao urna proprie-darle da pessoa a que atribudo, mas reside no padro decontrole social que exercido pela pessoa e .por aquelesque a cercam. Pode-se dizer que esse tipo de disposicosocial nao apenas apia, mas constitui o eu.142