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GROUPTHINK E OS RISCOS DO CONSENSO PREMATURO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Catarina Marinho Abreu Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro Orientador: Klítia Valeska Bicalho de Sá Rio de Janeiro Março de 2020

GROUPTHINK E OS RISCOS DO CONSENSO ......com pessoas externas ao grupo. De forma prática, trata-se de um fenômeno que leva grupos coesos a viver processos decisórios em que a forte

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GROUPTHINK E OS RISCOS DO CONSENSO PREMATURO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Catarina Marinho Abreu

Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro Orientador: Klítia Valeska Bicalho de Sá

Rio de Janeiro Março de 2020

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Abreu, Catarina Marinho

Groupthink e os riscos do consenso prematuro:

uma revisão bibliográfica / Catarina Marinho Abreu – Rio de

Janeiro: UFRJ / Escola Politécnica, 2019

VIII, 66 p.; 29,7 cm

Klítia Valeska Bicalho de Sá

Projeto de Graduação – UFRJ/ POLI/

Engenharia de Produção, 2020

Referências Bibliográficas: p. 57-62

1. Groupthink. 2. Processos Decisórios 3.

Conselho de Administração 4. Grupos Coesos

I. Sá, Klítia Valeska Bicalho. II. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de

Engenharia de Produção. III. Groupthink e os riscos do

consenso prematuro, uma revisão bibliográfica.

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Agradecimentos Dedico o presente trabalho à minha família, que não mediu esforços ao longo de todos

esses anos para me apoiar na realização de meus sonhos. Sem eles, nada seria

possível.

À minha mãe, por me ensinar desde cedo a importância do estudo, e por ser a prova

viva de que com dedicação somos capazes de qualquer coisa.

Ao meu pai, por ser o meu grande exemplo de engenheiro, por me ensinar todos os

dias a lidar com os problemas da vida real.

Ao meu irmão, por me inspirar a ser melhor sempre.

Ao Gabriel, por estar ao meu lado, acreditar em mim e segurar a minha mão ao longo

de toda a jornada e por ser o melhor amigo que levarei dessa experiência.

Aos professores que generosamente me estenderam a mão sempre que precisei:

Roberto Ivo, Klítia Bicalho e Renato Cameira. Mesmo sem saber, em meio à aridez do

dia-a-dia, vocês foram um sopro de empatia e inspiração. Serei para sempre grata.

À professora Klítia Bicalho, novamente, pela generosidade e dedicação em me

orientar nesse projeto.

Al señor Ignacio Urbelz, por enseñarme el groupthink y motivarme a investigar el tema

en más detalles.

À Fluxo Consultoria, pelas oportunidades e experiências que me fizeram crescer.

À tia Ana, pela certeza de que, de onde quer que esteja, está sempre comigo.

Por fim, a todos os demais colegas, amigos, professores e funcionários que, de

alguma forma, contribuíram para a chegada desse momento.

Meu muito obrigada.

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Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção.

Groupthink e os riscos do consenso prematuro: uma revisão bibliográfica

Catarina Marinho Abreu

Março/2020

Orientador: Klítia Valeska Bicalho de Sá Curso: Engenharia de Produção

A motivação para esse estudo se dá pela importância da qualidade dos

resultados atingidos em grupo no que tange à performance de organizações

como um todo. Ainda, está no potencial impacto que decisões ruins tomadas por

poucos executivos têm na vida de milhares, ou em alguns casos milhões, de

cidadãos. Assim, aqui se realiza uma revisão bibliográfica a respeito do

groupthink, um fenômeno de comportamento que ocorre em pequenos grupos

coesos tomadores de decisão, levando a processos decisórios defeituosos.

Quando de sua ocorrência, indivíduos privilegiam inconscientemente

sentimentos de conforto e otimismo na tomada de decisão, renunciando ao

pensamento crítico adequado e assumindo riscos de maneira inconsequente. No

presente trabalho, além da abordagem sistemática da teoria, apresenta-se uma

avaliação do seu status de aceitação no meio científico, pontuando aspectos de

divergência, como o conceito de grupo coeso. Finalmente, aborda-se múltiplos

casos de aplicação da teoria, com especial atenção para Conselhos de

Administração, equipes de projetos temporárias e para o caso específico da

Crise Financeira de 2008. Nesse ponto, são apresentadas conclusões de

múltiplos autores que contribuem para a compreensão do contexto que propicia

a ocorrência do fenômeno, tal qual das medidas que se pode empregar para

evitá-lo.

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Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfilment of the requirements for the degree of Industrial Engineer. Groupthink e the risks concerning prematurely reached consensus: a review on

the theory

Catarina Marinho Abreu

March/2020

Advisor: Klítia Valeska Bicalho de Sá Course: Industrial Engineering

The motivation for this study comes from the relevance of group work results for

overall organization’s performances. Also, it comes from the acknowledgement

of the potential impact decisions taken by a mouthful of executives can have in

the lives of thousands, or even millions, of people. Therefore, the project presents

a bibliographic review on groupthink, a behavioural phenomenon that occurs

within small cohesive groups, leading them to defective decision-making

processes. When the phenomenon occurs, groups tend to start privileging

feelings of optimism and a comfortable work atmosphere, thus subconsciously

stepping back on critically evaluating problems and consequently assuming

excessively high risks. On this project, in addition to a systematic approach to the

topic, it is presented an evaluation of its status on the scientific field, signalling

aspects that create the most cases of diverging views, such as the concept of a

cohesive group. Finally, multiple studies that aimed to apply the theory are

presented, with special attention to when it was applied to Corporate Boards, to

project teams or to the specific case of the Global Financial Crises of 2008. On

those, the study points out the findings that contribute to phenomenon

comprehension, as well as of its antecedents and methods for prevention.

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“Se a vida é a soma de todas as nossas decisões, a História é, por conseguinte, o resultado de todas as decisões da humanidade”

Leigh Buchanan e Andrew O’Connell

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Sumário

1. Introdução ............................................................................................................ 1

2. Modelo Original do groupthink .......................................................................... 3

2.1 Conceituação do Fenômeno ......................................................................... 3

2.2 Conceituação de Grupos Coesos ................................................................ 4

2.3 Estudos de Caso ............................................................................................ 5

2.4 Generalização teórica .................................................................................. 19

2.4.1 Antecedentes ........................................................................................... 19

2.4.2 Sintomas .................................................................................................. 21

2.4.3 Métodos de prevenção .......................................................................... 24

3. Avaliação Crítica do Modelo ........................................................................... 30

4. Aplicações da Teoria do Groupthink nas Iniciativas Pública e Privada ... 38

4.1 Aplicações a Conselhos de Administração .............................................. 38

4.2 Aplicações a Equipes de Projeto ............................................................... 45

4.3 Aplicações à Administração Pública .......................................................... 48

4.4 Aplicação ao caso da Guerra do Iraque ................................................... 52

4.5 Aplicação ao caso da Crise Financeira de 2008 ..................................... 53

4.6 Aplicação às Redes Sociais .............................Erro! Indicador não definido.

5. Conclusão .......................................................................................................... 58

6. Referências Bibliográficas ............................................................................... 61

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1. Introdução

A teoria do groupthink trata de problemas associados à tomada de decisão de

grupos, presentes em especial quando tais grupos são coesos. Turner e Pratkanis

(1994) definem grupos coesos como aqueles em que seus membros se esforçam para

manter uma identidade de grupo compartilhada e positiva. O modelo de groupthink foi

originalmente apresentado por Janis (1972), com revisões em estudos posteriores, e o

termo tem sido amplamente utilizado na bibliografia que trata sobre aspectos

psicológicos e sociológicos dos processos de tomada de decisão em grupos.

O estudo das tomadas de decisão – sejam elas individuais ou em grupo – é um

estudo que envolve as mais diversas áreas da ciência. Embora o campo das melhores

práticas para a construção de processos decisórios ainda apresente múltiplas áreas a

serem mais bem exploradas, disciplinas da administração, da economia e das ciências

sociais vêm, ao longo dos anos, se aperfeiçoando de modo a auxiliar líderes na tomada

de melhores decisões. (BUCHANAN E O’CONNELL, 2006)

Nesse sentido, em processos decisórios, espera-se que, desde que dotados de

informação suficiente, indivíduos ajam de forma racional do ponto de vista econômico.

Contudo, existe uma pluralidade de fatores que podem interferir no processo de modo

que indivíduos incorram em decisões economicamente negativas para si, mesmo com

toda a capacidade de sabê-lo. (BUCHANAN E O’CONNELL, 2006)

Não são poucos os casos existentes capazes de ilustrar esse fato e as suas

consequências. O caso do acidente de Brumadinho, MG, ocorrido em janeiro de 2019,

que resultou na morte de centenas de pessoas, ilustra adequadamente o impacto que

decisões tomadas isoladamente por uma companhia podem ter na sociedade. Não se

pretende aqui, entretanto, sugerir que o caso se trata, necessariamente, da ocorrência

do fenômeno do groupthink, uma vez que, como veremos no capítulo 3, caracterizar um

caso como consequência do fenômeno, sem que se realize a devida análise sistemática,

nos levaria a um vício de linguagem vazio de utilidade. (KROON E ‘T HART, 1991)

A dificuldade encontrada na construção das ditas análises, que fossem

suficientemente adequadas, motivou múltiplas críticas à teoria. Paulus (1998) rebate tais

críticas argumentando que, independentemente das dificuldades para a validação

empírica do modelo de Janis (1972,1982), seus estudos permitiram um indiscutível

avanço no entendimento sobre as falhas que podem existir em processos de tomadas

de decisão em grupo.

Ainda, Paulus (1988), argumenta que uma maior compreensão sobre tais falhas,

não deve inibir os trabalhos em grupo. Isso porque, embora grupos tenham o potencial

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de produzir consequências destrutivas, eles viabilizam o atingimento de metas que

muitas vezes não podem ser alcançadas no trabalho individual. Assim, reforça-se a

importância de que se criem normas e mecanismos formais que orientem os processos

de tomada de decisão em grupos, a serem revisadas continuamente – visto que o

processo de aprendizado sobre o tema é dinâmico e desafiador.

Finalmente, no presente trabalho serão apresentadas as principais

características do modelo proposto por Janis, visando a avaliar como conceitos

presentes no modelo podem ser úteis para explicar algumas recomendações e boas

práticas na gestão de equipes de decisores, nos mais diversos âmbitos da

administração privada e pública.

Além desta introdução, o trabalho possui mais cinco capítulos. No capítulo 2 a

teoria do groupthink é apresentada, com destaque para os principais estudos de casos

utilizados por Janis para apresentar o modelo identificando padrões de sintomas,

antecedentes e métodos de prevenção do fenômeno. No capítulo 3, é apresentada uma

revisão bibliográfica sobre avaliações críticas científicas do modelo. No capítulo 4,

explora-se possíveis aplicações do modelo, apresentando casos contemporâneos e

métodos de pesquisa acerca da teoria em diversos contextos, que vão desde Conselhos

de Administração até equipes de projeto. O capítulo 5 apresenta a conclusão do

presente trabalho e, por fim, no capítulo 6 está exposta a bibliografia utilizada pela

autora.

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2. Modelo Original do Groupthink

2.1 Conceituação do Fenômeno

A seguir são apresentados alguns argumentos de Janis (1972,1982) e um

exemplo presente em Janis e Mann (1965) para explicar o fenômeno.

O fenômeno se caracteriza quando a amabilidade existente entre os membros

de um comitê faz com que o pensamento crítico e independente dê lugar à

complacência, resultando em ações irracionais e, por vezes, desumanizadoras para

com pessoas externas ao grupo.

De forma prática, trata-se de um fenômeno que leva grupos coesos a viver

processos decisórios em que a forte pressão para que se atinja um consenso rápido

leva à deterioração da eficácia mental dos presentes. Destrói, assim, suas respectivas

capacidades de observação da realidade e de realização de julgamento moral de

quaisquer decisões discutidas. Tudo isso sendo provocado por pressões oriundas da

dinâmica existente no comitê em questão.

Até mesmo indivíduos com alto senso de responsabilidade podem sentir tão

intensamente essas pressões, que são levados a buscar agendas paralelas para manter

a mencionada identidade positiva do grupo ou garantir que ele continue existindo, como

ilustra um experimento desenvolvido com um grupo de executivos que desejavam parar

de fumar. (Nesse grupo, próximo do fim das sessões regulares, quando se esperava

que a maioria dos participantes estivessem percebendo melhoras, observou-se uma

comoção geral do grupo para ressaltar o quão difícil era cumprir o desafio. Indo de

encontro à maioria, um dos executivos afirmou haver parado de fumar. O grupo como

um todo criticou sua postura, gerando um clima de animosidade, diferente do vivido até

o momento. Na semana seguinte o mesmo executivo voltou à sessão e informou aos

demais que desde a última sessão havia voltado a fumar duas caixas de cigarro ao dia.

Embora não se possa afirmar o que motivou a atitude do executivo, pode-se

identificar nesse caso alguns comportamentos típicos do fenômeno, como a baixa

receptividade a fatos que venham de encontro às premissas aceitas pelo grupo e a

domesticação daqueles que ameaçam o sentimento de complacência entre os

integrantes.

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2.2 Conceituação de Grupos Coesos

O nível de coesão, possui um papel preponderante na construção da teoria do

groupthink. Dessa forma, antes de nos aprofundarmos na compreensão do fenômeno,

buscamos introduzir nesse item o conceito de um grupo coeso, como apresentado por

diferentes autores.

Carron (1982), descreve que a coesão em grupos é um processo dinâmico

refletido na tendência de um grupo permanecer unido na busca por suas metas e

objetivos. Para Festinger et al. (1950), a coesão é descrita como o campo integral de

forças que atua em um grupo de modo reter seus integrantes. (De forma mais ampla,

Budman et al., 1993 definem coesão como o nível de conexão entre integrantes de um

grupo, demonstrado a partir de sua capacidade de trabalhar em conjunto, de seu

engajamento construtivo acerca de temas em comum e da propensão dos integrantes

em compartilhar aspectos pessoais de suas vidas pessoais entre si.

Para Janis (1972), grupos coesos se caracterizam por indivíduos que valorizam

o ato de pertencer ao dito coletivo, que agem de maneira solidária para com os demais

– característica também referenciadas na literatura como esprit de corps – e que tendem

a se manter motivados em suas atividades.

Na discussão sobre sua origem, Janis (1972) afirma que a amizade, o prestígio

e o ganho de competência são os três principais fatores para a construção de um grupo

coeso. Para Cota et al. (1995), as alavancas para o desenvolvimento da coesão em um

grupo estão: na sua atratividade e na sua habilidade em auxiliar integrantes a

conquistarem seus objetivos pessoais.

Algumas teorias apontam a coesão entre grupos como um processo

multidimensional, a ser avaliado a partir de múltiplos eixos. Como exemplo, o modelo

de Griffith (1998), sugere que se analise a coesão a partir de dois eixos: o eixo de

direcionamento e o eixo de funções. Segundo essa teoria, o eixo de direcionamento diria

respeito à relação profissional entre líderes, pares e subordinados, enquanto o eixo de

funções estaria relacionado às atividades realizadas pelo grupo e aos aspectos afetivos

da relação entre os integrantes.

Outra proposta multidimensional é vista em Cota et al. (1995), segundo os quais a

avaliação passa por quatro componentes primários. Inicialmente, existe a distinção

entre o integrante estar comprometido com o grupo ou consigo mesmo. Em seguida, a

distinção entre estar comprometido com a tarefa ou com a manutenção do grupo. Soma-

se a isso, o nível de alinhamento de valores entre os integrantes. E por fim, a resistência

que o grupo apresenta diante de forças disruptivas que possam desmontá-lo.

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Para Janis (1972) a coesão em grupos traz consigo diversos benefícios para o

alcance de resultados, seja pela maior fluidez em debates, pelo aumento da sensação

de segurança ou pela redução dos níveis compartilhados de ansiedade em um time,

mas de forma indesejável, tais grupos são suscetíveis ao fenômeno de Groupthink.

Dito isso, ainda que existam riscos de grupos coesos serem acometidos pelo

groupthink, Janis (1972) não defende a opção por grupos não coesos, visto que existem

diversos outros fatores que podem levar a decisões ruins. Para o autor, as maiores

causas de erros em grupos não coesos são a conformidade superficial por medo e a

ocorrência das disputas extremadas. No primeiro caso, a falta de solidariedade leva

indivíduos a suprimir pensamentos contrários ao do grupo, por medo de retaliação ou

recriminação. No segundo, a falta de clareza de um objetivo comum cria o desafio de

se conciliar ideias e interesses distintos, ou até inconciliáveis. Esses passam a lutar por

seus pontos de vista muitas vezes se deixando levar por disputas de poder, o que leva

novamente a processos decisórios defeituosos.

Para Janis (1972,1982), a conformidade superficial descrita acima, que leva a

que indivíduos renunciem a objeções relevantes para a decisão é distinta à

conformidade encontrada em grupos sob o efeito do groupthink. Isso porque, no

segundo caso, a dinâmica do comitê faz com que os participantes acreditem

genuinamente na crença compartilhada pelo grupo, não tendo clareza de que estão

priorizando o consenso e comprometendo sua avaliação crítica. Em outras palavras, a

conformidade durante o groupthink não é uma decisão política.

Finalmente, Janis (1972) propõe que, para a maioria dos grupos, a otimização

do processo decisório se dará em níveis intermediários de coesão que, enquanto

permitam o livre discurso e previnam a ocorrência da conformidade por medo, possam

proteger o grupo de uma solidariedade tal que leve ao groupthink.

2.3 Estudos de Caso

Janis (1972,1982) apresentou a teoria do groupthink utilizando estudos de casos,

nos quais a dinâmica do processo decisório foi analisada procurando destacar conceitos

recorrentes. Embora esses casos se localizem no contexto da administração pública

norte-americana, a teoria propõe que seus aprendizados sejam interpretados de forma

ampla, generalizada para qualquer pequeno grupo que, sob a liderança de um indivíduo,

tome decisões de suficiente relevância.

Os primeiros três casos dizem respeito a fiascos históricos. Esses se deram, em

parte, em decorrência de tomadas de decisão de baixa qualidade em consequência do

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groupthink. Ou seja, trata-se de casos em que a má qualidade do processo decisório

levou a decisões ruins. Os dois casos restantes apresentam grupos que conseguiram

fugir à regra. Ou seja, que mesmo diante de um contexto que poderia havê-los levado

ao acometimento do fenômeno, obtiveram sucesso no emprego de medidas que vieram

a garantir a ocorrência de um processo decisório de qualidade.

Alguns dos casos analisados por Janis (1972) foram selecionados no presente

trabalho e são apresentados na Tabela 1 e descritos com maior detalhe a seguir.

Tabela 1: Compilação dos casos apresentados no Capítulo 2

Caso/ Grupo decisor Ano Conclusão

Invasão à Baía dos Porcos: plano norte-

americano para depor Fidel Castro,

com o auxílio de um grupo de exilados

cubanos. Conselho do Presidente,

liderado por Jonh F. Kennedy

1961

Ocorrência do groupthink. Grupo coeso,

homogêneo e isolado, assumiu

múltiplas premissas equivocadas,

subestimou o governo cubano e se

deixou levar pela argumentação dos

diretores da CIA.

Invasão à Coreia de Norte: decisão do

governo norte-americano de escalar a

Guerra das Coreias para controlar o

avanço comunista. Comitê de Guerra

do Presidente, liderado por Harry S.

Truman

1950

Ocorrência do groupthink. Grupo

altamente coeso, líder diretivo, em

contexto de crise, superestimou as

capacidades do próprio exército e

assumiu uma visão distorcida e

estereotipada do governo chinês.

Ataque à Base de Pearl Harbor: falha na

proteção da base, destruída pelo

governo japonês. Múltiplos comitês de

decisão, com especial atenção para o

Comando Naval Havaiano, liderado

pelo Almirante Kimmel

1

1941

Ocorrência do groupthink. Grupo coeso,

isolado devido a falhas de

comunicação, ignorou ameaças claras,

subestimou o governo japonês e

manteve o otimismo através de forte

domesticação de dissidentes.

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Caso/ Grupo decisor Ano Conclusão

Crise dos Mísseis: sucesso na

contenção do ápice da Guerra Fria,

ocorrido quando da instalação de

mísseis soviéticos em Cuba. Comitê de

conselheiros do governo, liderado pelo

então presidente Jonh F. Kennedy

1962

Prevenção do groupthink. Grupo coeso,

instaurou novas normas que

privilegiassem o pensamento crítico,

evitou o isolamento envolvendo

especialistas externos, projetou o

inimigo de forma realista e explorou

múltiplas alternativas.

Plano Marshall: plano de intervenção

financeira dos EUA objetivando a

recuperação da economia europeia.

Múltiplos comitês de decisão, com

especial atenção para alguns

executivos do Ministério de Relações

Exteriores, liderados por George

Kennan

1947

Prevenção do groupthink. Grupo coeso,

atuou em ambiente de tensão pelo

prazo curto, evitou o isolamento pela

inclusão de múltiplos comitês, avaliou o

adversário comunista como um igual.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Janis (1972, 1982)

2.3.1 A operação na Baía dos Porcos

O fiasco da Baía dos Porcos ocorreu quando, em 1961, um grupo de exilados

cubanos, auxiliados pela marinha americana, foi deixado em um ponto do litoral cubano,

denominado Baía dos Porcos, com o objetivo de marchar até Havana. Os mil e

quatrocentos cubanos receberiam, através de navios americanos, a munição necessária

para liderar a deposição de Fidel Castro, mas essa munição nunca chegou. O governo

cubano suprimiu a invasão, contra-atacando com mais de vinte mil soldados, e os

objetivos da operação não foram alcançados. O plano, liderado pelo então presidente

Jonh F. Kennedy, junto a seus conselheiros, veio a se tornar uma das piores decisões

já tomadas pelo governo americano e trouxe graves consequências para a política

internacional mundial, tal como para as relações exteriores dos EUA.

Diferentemente do que se poderia supor a partir do resultado alcançado, todos

os homens que fizeram parte do grupo de decisão da política em questão eram

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capacitados, experientes e sensatos, eram capazes de realizar análises objetivas e

racionais e estavam acostumados a expor suas opiniões. Eram analiticamente fortes,

mas juntos foram incapazes de identificar que o plano possuía graves falhas.

O fracasso se sustentou, em parte, por premissas claramente incorretas, à época

assumidas como verdade. Os membros do grupo mantiveram um alto nível de

solidariedade a partir do desenvolvimento inconsciente de ilusões compartilhadas e

normas de comportamento, que passaram a interferir em sua capacidade de avaliar a

realidade e testar hipóteses criticamente. A seguir, apresentamos as principais

premissas construídas pelos conselheiros do presidente Kennedy:

1) O comitê acreditava que ninguém descobriria que os EUA estavam por

trás do ataque. À época, muitos conselheiros externos advertiram o comitê sobre o risco

de a informação vazar, mas esse manteve a confiança de que mesmo os céticos seriam

convencidos de que o país não estava envolvido no caso. Ao fim, o plano, e o

protagonismo dos EUA em sua construção, foram expostos pela mídia, enfraquecendo

severamente a credibilidade do país para com seus aliados.

2) Acreditava-se que a força aérea cubana possuía uma ineficiência tal que

seria facilmente derrotada antes da invasão ao país e que, uma vez derrotada, seria

simples levar munição e demais suprimentos para que os exilados cubanos pudessem

lutar pela derrocada de Fidel Castro. Contudo, metade da frota americana que deveria

atacar a força aérea foi destruída, de forma que os navios levando recursos foram

também destruídos antes de chegar às tropas. Ao fim, os homens foram deixados

militarmente desassistidos para lutar no litoral cubano.

3) Acreditava-se, no comitê, que os exilados cubanos estavam dispostos a

avançar na frente de ataque sem ajuda dos EUA. Entretanto, a maioria dos envolvidos

no ataque haviam sido falsamente informados de que a marinha americana também

participaria do combate. Por fim, os mil e quatrocentos presentes no único centro de

treinamento dedicado a esse ataque haviam sido informados de que o número de tropas

envolvidas era significativamente maior.

4) Também importante, havia a premissa de que o exército de Fidel Castro

possuía um despreparo tal que possibilitaria à brigada uma instalação segura. Contudo,

dentro de um dia desde a invasão, Castro foi capaz de colocar vinte mil homens em

posição para o contra-ataque e mais vinte mil em sobreaviso. Ou seja, claramente

derrotando os invasores em vinte e quatro horas.

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5) Os conselheiros de Kennedy acreditavam que os dissidentes do regime

se uniriam à invasão para derrubar o governo. Enquanto isso, a realidade eram números

confiáveis que sugeriam que a maioria dos cubanos apoiava Castro, além de não haver,

à época, indícios de que a oposição se posicionaria para apoiar o ataque.

6) Por fim, acreditava-se que, em caso de insucesso, esses poderiam se

unir à guerrilha cubana posicionada nas montanhas, a cerca de cento e trinta

quilômetros do local onde foram deixados. Ao contrário do previsto, os sobreviventes do

ataque foram capturados e presos, e posteriormente devolvidos aos EUA pela quantia

de cinquenta e três milhões de dólares americanos.

Diversos fatores contribuíram para que surgisse no comitê uma sensação de que

as possibilidades para o futuro eram ilimitadas. Entre elas, cita-se o fato de que o grupo

de conselheiros estava se tornando mais coeso e compartilhava esperança em um

futuro melhor e confiança em seu líder.

Como consequência disso, a sensação de estar protegido e de fazer parte de

um grupo forte levou os conselheiros a relutar em discutir tópicos que viessem de

encontro à mensagem de otimismo ali compartilhada. Nesse contexto, eles atuavam

com a sensação de que “juntos eram imbatíveis”. Ironicamente, a confiança em sua

força, originou algumas de suas maiores fraquezas, na medida que se abstiveram de

identificar riscos, traçar planos de contingência. Por fim, o otimismo se sustentou

também em avaliações irreais do inimigo, tido como um vilão perverso, “um líder

histérico e fraco, com um exército pronto para traí-lo”

Unida ao otimismo, havia uma crença de que o silencio implicava haver

consenso a respeito da decisão. Os múltiplos documentos que registraram os meses de

planejamento apontam para uma atmosfera de assumido consenso, em que os

participantes não explicaram suas linhas de raciocínio, tampouco suas premissas. É

possível que, se os conselheiros tivessem sido orientados a explicar suas construções

teóricas, teria ficado claro que elas estavam sustentadas em inverdades.

Dada a sensação de consenso, o medo de gerar uma reprovação sobre si por

parte dos demais, por vezes impediu os conselheiros de expor suas dúvidas. Como

consequência dessa supressão de quaisquer receios que ameaçassem o consenso, o

silencio da oposição levou até mesmo os céticos a concluírem genuinamente que,

mesmo que imperfeito, se tratava de um bom plano.

Além disso, algumas atitudes de Kennedy auxiliaram a aprovação de um plano

com tantas inconsistências. O ataque foi pensado inicialmente pela CIA, e levado ao

comitê para maior aprofundamento, e aprovação. Mesmo assim, Kennedy permitiu que

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dois diretores da agência liderassem as reuniões, dando espaço para que controlassem

a agenda, reprimissem a dissidência e defendessem o seu próprio trabalho. Além disso,

quando se convidou conselheiros externos para avaliar e colaborar com o plano, o

presidente censurou visões dissidentes, fosse ignorando os questionamentos feitos ou

mesmo impedindo que os convidados se pronunciassem.

Finalmente, alguns integrantes do comitê, notadamente o então Procurador

Geral da República, e o então Ministro das Relações Exteriores, tiveram um papel

preponderante em manter diversos documentos fora do alcance do presidente e dos

demais. Mesmo sem saber, eles conspiraram para proteger o plano de quaisquer

críticas, tornando-se o que se denomina mindguards do processo. Em outras palavras,

atuaram como protetores do consenso, censurando informações que poderiam gerar

dissidência e coagindo – mesmo que inconscientemente – os demais indivíduos a

suprimirem seus posicionamentos divergentes.

Finalmente, conclui-se que o grupo coeso formado pelo presidente Kennedy e

seus conselheiros, ao aprovar o plano elaborado pela CIA sem identificar os riscos

envolvidos, foi acometido pelo groupthink. A busca pelo consenso indiscriminado levou

a uma lacuna entre o conceito formulado pelo plano e a realidade apresentada pelo

contexto. A análise do caso aponta para uma enorme dose de autoconfiança no comitê,

que levou a uma série de ilusões sobre a realidade, dando origem ao fiasco que se

tornou conhecido popularmente como sinônimo de “uma falha completa”.

2.3.2 A invasão à Coreia do Norte

O fiasco aqui retratado diz respeito à autorização, em 1950, por parte do então

presidente Harry S. Truman, de forças militares norte-americanas cruzarem o paralelo

38 na Coreia do Norte. Em outras palavras, à autorização de tropas americanas

cruzarem, durante a Guerra das Coreias, o paralelo que marca o início da área de não

militarização na fronteira entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Tal medida levou a

China a entrar oficialmente na guerra, apoiando os norte coreanos.

O EUA estavam há alguns meses atuando na guerra, apoiando a Coreia do Sul

na disputa conta a Coreia do Norte. Assim, para discutir assuntos da guerra, construiu-

se um comitê, formado integralmente por membros do Conselho de Segurança

Nacional. Entre eles estavam o Ministro da Defesa, alguns de seus secretários, o

Ministro das Relações Exteriores, entre outros. Os documentos referentes ao caso

mostram que havia um clima de tranquilidade no comitê, com um dos integrantes

descrevendo as reuniões como “o maior clima de harmonia que ele já presenciou”, dado

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o alto nível de solidariedade entre os presentes. Outros depoimentos mostram que havia

ali uma atmosfera de apoio mútuo às ideias apresentadas, o que os levou a assumir

cada vez mais riscos.

Também importante, entrevistas apontam para traços de amizade entre os

membros. Um dos militares da equipe descreve sua relação com o Ministro da Defesa

como um “completo entendimento e concordância”, havendo confiança, respeito e uma

tremenda admiração mútuas. Outra relação notavelmente próxima se dava entre o

presidente Truman e o Ministro das Relações Exteriores, Dean Acheson. Grandes

admiradores um do outro, Acheson descreveu Truman como um homem leal aos seus

e que espera lealdade em retorno. Tais indícios de alta coesão, unidos a análises do

fiasco, como uma que afirma que o grupo “sucumbiu à intoxicação do sucesso, da

esperança e da euforia”, constroem a tese de que o comitê estava sob o efeito do

groupthink quando da aprovação da invasão.

É um consenso entre pesquisadores que a invasão ao paralelo foi uma decisão

inconsequente, tomada sem justa avaliação dos riscos envolvidos. Entre outros motivos,

está o fato de que diversos avisos dados pelo governo chinês sugeriram que, se os EUA

cruzassem o paralelo 38, eles entrariam na guerra. Em meio à euforia da ilusão de um

plano perfeito, os avisos foram considerados blefe e ignorados. Um fator marcante do

processo conduzido pela equipe de Truman foi uma visão distorcida acerca da China

comunista da época. A visão sobre a China, compartilhada uma norma informal do

grupo, era a de “um dócil filhotinho de Moscou, sem interesses próprios”. Como

agravante, Acheson agiu como um mindguard, impedindo que opiniões contrarias às

premissas aceitas pelo grupo fossem levadas às reuniões do comitê. Ainda sobre a

imagem do inimigo chinês, Janis (1972) explica que, para que o comitê viesse a

repensar a visão estereotipada que compartilhava, seria necessário que o grupo se

engajasse em debates ativos, originando diversidade de opinião. Isso iria contra a busca

incessante pelo atingimento da conformidade, típica do groupthink.

Um momento decisivo para a derrota dos EUA ocorreu quando as tropas

chinesas se retiraram da frente de batalha. O grupo de conselheiros – tomados então

pelo otimismo da vitória eminente – não reconheceram as hipóteses que poderiam ter

levado à retirada dos chineses, determinaram o avanço de suas tropas e assumiram

que em breve seriam vitoriosos. À essa altura, as tropas americanas avançavam, mas

já estavam dispersas geograficamente e fracas fisicamente. Ao fim, a retirada dos

chineses havia sido uma estratégia para levar os americanos a uma armadilha da qual

não conseguiriam sair. Ao suprimir discussões, os conselheiros permitiram que as

tropas fizessem exatamente o que era esperado pelos chineses, perdendo a guerra e

sendo obrigados a bater em retirada.

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Uma das características mais incoerentes de um grupo coeso em ataque a um

inimigo estereotipado comum é a força com a qual o grupo se apega a conclusões

erradas, independentemente do quão claras são as evidências contra elas. Mesmo após

a invasão ter se mostrado incoerente, o grupo de conselheiros manteve a crença de que

os EUA possuíam uma nobre missão na luta para proteger o mundo da ameaça

comunista. Havia uma necessidade do grupo em manter sobre si uma alta noção ética,

sustentada pela visão estereotipada do inimigo como um vilão. Em outras palavras, os

integrantes criaram racionalizações que viabilizassem a manutenção de suas ilusões e

normas.

Por fim, vale a discussão sobre o modelo de liderança de Truman. O presidente

direcionava pessoalmente para que a escalada da Guerra da Coreia fosse entendida

como uma premissa, um comprometimento que deveria ser consenso para o conselho.

Essa postura é generalizada como “liderança diretiva”, referindo-se à iniciativa do líder

em expor a sua preferência dentro do debate. É importante apontar, contudo, que

embora Truman fosse um líder forte, o fiasco não se deu a partir de um só homem.

Registros mostram que Truman apresentou questionamentos contrários à invasão,

embora não concordasse com eles, e recebeu contra-argumentos de seus conselheiros,

que acreditavam genuinamente na política sendo traçada. Essa observação se torna

especialmente importante porque diferencia a descrição de Truman como um líder forte,

do que seria a descrição desse como um ditador. O segundo iria de encontro à hipótese

de groupthink, que pressupõe o processo de concordância se dar por internalização, e

não por observância, como veremos em breve.

2.3.3 O ataque à base de Pearl Harbor

O presente caso diz respeito a uma série de decisões de má qualidade por parte

de grupos pertencentes ao alto escalão do governo americano, como o Comando Naval

do Havaí, o Exército Americano e o Conselho de Guerra do presidente Franklin D.

Roosevelt, que levaram, em dezembro de 1941, à destruição do maior forte dos Estados

Unidos no Pacífico. A destruição em questão se deu através de um ataque japonês à

base naval americana de Pearl Harbor, no Havaí.

Um padrão repetido no caso são as múltiplas evidências do risco de um ataque

eminente a Pearl Harbor. Meses antes do ataque, o governo americano havia

conseguido invadir o sistema de comunicação japonês, dando ao Comando Naval no

Havaí todas as informações sobre seus planos, com exceção dos locais de ataque.

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Todas as evidências apontavam para um grande risco de o alvo ser a base naval

Havaiana, mas o Comando optou por ignorá-las.

Um mês antes do ataque, o Comando Naval do Havaí, liderado pelo respeitado

Almirante Kimmel, recebeu de Washington o aviso de que uma guerra entre o Japão e

os EUA, no Pacífico, era eminente. Mesmo assim, o comando havaiano optou por

manter suas rotinas na base naval, e por não se prevenir, “sem necessidade”, de um

ataque que não viria a ocorrer. À época, já se tinha posse de um relatório desenvolvido

pela aeronáutica, segundo o qual – caso o Japão decidisse atacar a base de Pearl

Harbor – um contra-ataque seria impossível. Demonstrando, mais uma vez, a tendência

ao afastamento de uma avaliação crítica da realidade, um integrante do Conselho de

Guerra do presidente, ao ser informado sobre as conclusões do dito relatório,

externalizou o que havia se tornado uma premissa para todos: “os japoneses não teriam

a coragem necessária para atacá-los”, ainda menos em Pearl Harbor.

Outro momento ilustra a dificuldade de se combater uma ilusão aceita em

consenso. Semanas antes do ataque, oficiais da Marinha receberam a informação de

que os japoneses estavam deletando códigos de segurança em todas as suas

embaixadas e consulados e que estavam queimando todos os documentos existentes

no consulado do Japão nos EUA. O que poderia ter sido um sinal de que os japoneses

estavam se organizando para um ataque, não abalou a tese do Comando Naval de que

o Havaí estava a salvo. Em análises posteriores, o time de conselheiros de Kimmel foi

descrito como “a lista mais notável de conselheiros militares já construída”. Nesse

sentido, a hipótese do groupthink ajuda a explorar as condições que levaram militares

qualificados a, sem vil intenção, ignorar riscos e engajar em um pensamento otimista

coletivo.

Um padrão no caso de Pearl Harbor – é a sustentação do posicionamento do

grupo com base em premissas incorretas. Primeiro, acreditava-se que o Japão

começaria seu ataque por oponentes mais fracos, como a Holanda. Também, assumiu-

se que o Japão, por compreender o quão protegida era a base de Pearl Harbor, não a

atacaria. Por fim, considerava-se que, em caso de ataque, a diversas agências de

segurança nacional americanas seriam capazes de orquestrar um contra-ataque a

tempo.

Explicadas as premissas adotadas pelos diferentes comitês envolvidos, vale

explorar nível de coesão dentro do time de Kimmel. O almirante era o líder de um grupo

coeso, que compartilhava fortes laços de solidariedade e lealdade. Um de seus oficiais

descreve, por exemplo, que “tinha vontade de trabalhar duas vezes mais pesado para

honrá-lo”. Esse mesmo padrão de lealdade pode ser visto na atitude dos conselheiros

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após o fiasco, quando declararam publicamente haver guiado de forma equivocada seu

líder na direção de uma série de decisões ruins.

Algo comum em times com alto nível de lealdade, que ocorreu múltiplas vezes

no comitê de Kimmel, são os diálogos de reafirmação em casos de medo. Em um dado

caso, o almirante, na noite anterior do ataque, confiou a seus conselheiros que estava

receoso, dado que um ataque japonês era eminente. Como esperado, os conselheiros

ali presentes acalmaram o líder, reforçando – “sem nenhum apego à realidade” – que

Pearl Harbor não estava sob risco algum. Aqui, ao apresentar receios que colocavam

em risco o otimismo, fruto da ilusão de um consenso compartilhado, Kimmel se tornou

um dissidente. Como consequência, o grupo se esforçou para trazê-lo de à inconsciente

norma de lealdade de que qualquer discordância não poderia ser tal que desafiasse a

premissa de que Pearl Harbor não seria um alvo japonês.

Ainda no que tange aos sintomas do fenômeno, o papel de mindguard foi

exercido pelo Almirante Stark, membro do Conselho de Guerra do presidente. Ele tinha

uma visão otimista de que a base estava em segurança, e enviava cartas de reafirmação

dessa hipótese diretamente ao Almirante Kimmel. Ao fazê-lo, protegia o Comando Naval

do Havaí, de precisar lidar com as desconfortáveis consequências de suas premissas a

respeito da não vulnerabilidade de Pearl Harbor estarem incorretas.

Outra manifestação do fenômeno é vista em uma conversa entre Kimmel e um

de seus conselheiros poucos dias antes do ataque. Ao ser informado de que a marinha

tinha perdido o acesso à localização exata dos torpedos e explosivos japoneses sendo

monitorados, Kimmel sugeriu em tom sarcástico que “se os explosivos estivessem

nesse momento indo na direção de Pearl Harbor, eles não saberiam”. Ou seja, dada a

inquestionável ilusão de que a base era inatingível, os militarem foram capazes de rir

juntos, mesmo diante de uma clara manifestação de perigo.

Por fim, embora o personagem principal, cuja atuação teve maior impacto no

fiasco, tenha sido a marinha do Havaí, pôde ser percebida a ocorrência do fenômeno

também no exército e no Conselho de Guerra de Washington. Um exemplo quanto à

Washington é a existência, entre os conselheiros da mesma premissa de que um ataque

a Pearl Harbor era improvável, levando-os a ignorar diversas evidências que sugeriam

o contrário. Em consequência disso, os conselheiros do presidente se sentiram

suficientemente seguros após enviar um aviso de guerra eminente ao forte Havaiano –

que posteriormente se mostrou confuso e ineficaz. Caso houvesse, no grupo, um maior

anseio de precaução quanto ao ataque, a mensagem enviada ao Havaí poderia ter sido

mais bem estudada – e as medidas tomadas pelo comando do forte provavelmente

teriam sido verificadas. Finalmente, uma ilustração do fenômeno no que tange ao

exército, foi o fato de que localmente o exército e a marinha não se comunicaram. Assim,

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embora ambos se tranquilizassem com a premissa de que a outra organização estivava

em total alerta para o ataque, nenhuma das duas o estava.

2.3.4 Crise de Mísseis em Cuba

Cerca de um ano após o caso da Baía dos Porcos, a administração de Kennedy,

identificou armas nucleares soviéticas posicionadas em Cuba, em volume suficiente

para matar mais oitenta milhões de americanos. A crise que se sucedeu é descrita por

especialistas como o momento em que, durante a Guerra Fria, o mundo esteve mais

perto de uma Terceira Guerra Mundial. (Hansen, 2013)

Com o objetivo de obter auxílio na decisão de como retirar os mísseis de Cuba

antes que esses se tornassem completamente operacionais, Kennedy reuniu um comitê

para assuntos de segurança nacional. O grupo, composto em parte pelos mesmos

personagens presentes na crise da Baía dos Porcos, cumpriu com todos os pré-

requisitos para o que se considera um processo decisório de boa qualidade. Foram eles:

(1) avaliar uma vasta gama de opções, (2) estimar custos, riscos e consequências para

cada alternativa, (3) buscar continuamente informações relevantes para a decisão, (4)

valorizar a opinião de especialistas, indiscriminadamente, (5) reexaminar as opções

descartadas ao fim e (6) planejar detalhadamente a execução do plano, com atenção

às contingências para cada risco.

Ao longo dos dias de crise, houve uma grande pressão para que se chegasse

ao consenso e Kennedy colocou em alguns de seus conselheiros altas expectativas

para tal. Também, em diversos momentos houve uma tendência por parte dos presentes

a recorrer a estereótipos que auxiliassem o alcance da conformidade. Contudo, os

participantes do grupo conseguiram se manter alheios a tais pressões, incitando

discussões turbulentas e entendendo os sérios riscos que qualquer opção selecionada

incutiria à segurança do país.

A compreensão de como, durante a Crise dos Mísseis, o grupo conseguiu se

manter protegido do fenômeno, mesmo diante de muitos de seus antecedentes, ou

alavancas, passa pela análise das boas práticas de gestão estabelecidas por Kennedy

no governo, após o fiasco da Baía dos Porcos.

Em primeiro lugar, todos os conselheiros passaram a ser considerados

pensadores independentes, críticos e generalistas, avaliando as políticas de forma não

especializada. Somado a isso, os dois conselheiros de maior confiança do presidente

receberam o papel de “advogados do diabo”, devendo se dedicar a encontrar erros e

análises superficiais em todas as propostas apresentadas. Também, passou-se a contar

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com conselheiros externos, cujas críticas ou sugestões eram ativamente solicitadas, e

a receber especialistas, que forneciam ao grupo análises e dados que pudessem

embasar a decisão. Adicionalmente, durante as deliberações, o comitê passou a ser

dividido em dois subgrupos, que discutiam o tema de forma independente e se uniam

para debater conclusões. Ainda, os conselheiros passaram a, de maneira regular, se

reunir, um a um, apenas com o presidente, de modo a criar um ambiente livre da

influência de um possível mindguard. Finalmente, se realizavam reuniões sem o líder,

com o objetivo de reduzir sua influência sob a decisão, tal qual o risco de que um palpite

prematuro seu fosse tomado como verdade antes de apropriada verificação.

Após essas mudanças, múltiplos fatos apontam para uma melhoria do processo

decisório. Por exemplo, ao tomar conhecimento da presença dos mísseis em Cuba,

Kennedy se pronunciou aos seus conselheiros sugerindo a execução de ataques

aéreos. Contudo, em vez de limitar alternativas e mergulhar no planejamento dos

ataques, o comitê avaliou detalhadamente ao menos dez alternativas, que variavam

desde (1) “Não fazer nada”, até (10) “Invadir Cuba e depor Fidel Castro”.

A análise das reuniões mostra também que novas normas foram informalmente

adotadas pelo grupo, entre elas: (1) expor opiniões francamente, (2) fazer perguntas

difíceis e (3) justificar premissas. Assim, o comitê foi capaz de elaborar um plano

extremamente detalhado de bloqueio marítimo aos mísseis, com medidas de

contingência para os mais variados riscos – inclusive o de o bloqueio dar início a um

combate entre navios americanos e submarinos russos.

Em depoimento, Robert Kennedy afirma que o comitê não deixou que nada

passasse desapercebido, fosse uma matéria relevante ou um detalhe operacional.

Outro integrante do comitê, Sorensen disse que “ministros e secretários discordavam

entre si de maneira vigorosa e eu [Sorensen] participava de forma mais livre do que

jamais havia feito em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional”.

Dessa vez, ao contrário da atmosfera poder ilimitado, objetivo comum e

racionalizações, havia um constante desconforto no comitê. McNamara descreveu o

período como a época de trabalho mais intenso que já viveu e Sorensen afirmou que

em nenhum outro momento ele acordou tantas vezes à noite para revisar as decisões

tomadas. Kennedy chegou a afirmar que sortudos eram os que não haviam apoiado o

plano construído, visto em breve poderiam se posicionar diante do fracasso e dizer que

já o haviam previsto. Esse e outros exemplos ilustram um fenômeno denominado

“Avaliação Vigilante”, definido como a antítese do groupthink, descrito em Janis (1989).

Outra questão que surge como uma antítese do groupthink é a discussão acerca

de limitações morais. Quando da decisão de se realizar, ou não, um ataque direto

surpresa as bases cubanas, múltiplos conselheiros se posicionaram contrários à medida

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com justificativas pautadas na moralidade. Para eles, um ataque surpresa seria um ato

de brutalidade, que jamais seria perdoado pela comunidade internacional.

Finalmente, identifica-se no caso uma visão do inimigo construída de forma

lúcida. Em vez de reduzir o governo Kremlin a intenções que não iriam além de destruir

e enfraquecer os EUA, eles foram analisados como tão capazes, coerentes e complexos

quanto os americanos. Quando da necessidade de uma maior compreensão a respeito

do governo soviético, foram convidados diversos especialistas em seu comportamento.

Ainda, o comitê buscou se imaginar na posição do adversário antes de tomar decisões.

Isso permitiu que, mesmo nas horas de maior tensão, o comitê mantivesse uma postura

de diplomacia, se preocupando em manter em aberto uma opção de saída viável e não

humilhante a ser aceita pela URSS.

Às vésperas do que acabou se tornando o fim do conflito, contra todas as

probabilidades Moscou emitiu uma nota de ameaça aos EUA e rechaçou a proposta de

paz oferecida até então. Em meio ao momento mais perigoso da crise, Kennedy optou

por ignorar a ameaça e reforçar a proposta de paz anterior. A seguir, o governo russo

optou por aceitar o acordo original e retirar os misseis ofensivos de Cuba, em troca de

uma confirmação de que os EUA não atacariam o país e de que, em breve, retirariam

os mísseis americanos do território turco. Assim, a maior crise da Guerra Fria deu início

a um movimento de desmilitarização, que culminou em um acordo para o fim do teste

de bombas nucleares por ambos os países.

Ao fim, Kennedy não apenas poupou o mundo de uma nova guerra entre

gigantes, ele alterou a história dos processos decisórios para sempre. Suas inovações

influenciam até hoje o comportamento de equipes de gestão e conselhos administrativos

e sua defesa por ambientes de debate aberto se tornou um dos princípios básicos da

administração.

2.3.5 O Plano Marshall

O caso se posiciona durante uma forte crise econômica em toda a Europa, com

um Reino Unido incapaz de sustentar seu papel de estabilizador da economia e uma

União Soviética fortalecida se posicionando no sentido de apoiar revoluções socialistas

nas nações europeias, sobretudo da Europa oriental. Nesse contexto, o presidente

americano Truman deu início uma nova política, chamada Doutrina Truman, que ao

fornecer suporte financeiro a diversos países, abria precedentes para um plano de

intervenção econômica por parte dos EUA na Europa.

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Tido como um caso bem sucedido na história das intervenções norte-

americanas, o Plano Marshall, iniciado em 1947, objetivava a reconstrução da economia

europeia no pós guerra. Ele auxiliou as grandes potências mundiais da época a saírem

da crise econômica que assolava a Europa, ao mesmo tempo que ajudou os EUA a

limitar o nível de influência do governo soviético, e dos regimes socialistas, sobre tais

nações. O Plano Marshall ilustra um caso em que aspectos relevantes para a construção

de um bom processo decisório foram empregados, garantindo a não ocorrência do

groupthink. É importante esclarecer, contudo, que não se realiza nenhum juízo de valor

no que tange ao plano, às intenções de quem o construiu ou ao seu impacto de longo

prazo, limitando a análise à constatação de que, dado as informações disponíveis, a

tomada de decisão pode ser considerada como de qualidade.

Um aspecto relevante foi a existência, na fase inicial, de múltiplos comitês

atuando em diversas frentes, envolvendo agências e setores do governo. Além disso,

passada essa fase, selecionou-se um comitê deliberante dentro do Ministério das

Relações Exteriores, sob liderança de George Kennan, em que se conseguiu manter

uma dinâmica de trocas fluidas entre os integrantes. Com reuniões três vezes por

semana, os indivíduos faziam grande parte do trabalho individualmente, se encontrando

em grupos de dois ou três pessoas para debater descobertas e ideias.

Ao fim de três semanas intensas, o plano sugerido ao general Marshall – líder

dessa política no governo – se posicionava como uma solução para a crise no continente

europeu, estimulava uma maior organização e proximidade entre os países para decidir

a destinação dos recursos que estavam sendo oferecidos e não apresentava nenhum

indicativo de propaganda anticomunista. Em vez disso, o plano declarava o seu objetivo

de combater “a fome, a pobreza, o desespero e o caos”, condenando a guerra como o

grande responsável pela crise. Ainda, o comitê propunha a extensão da oferta para

todos os países europeus, incluso aqueles em vias de adoção do regime socialista,

interpretando o então inimigo soviético como um igual. Aqui, o comitê entendeu que não

haveria benefícios em se proteger racionalizações ou premissas irreais a partir de uma

construção estereotipada do inimigo. (JANIS, 1972)

Ainda, chama à atenção no caso o desconforto sentido pelo Comitê de Kennan

ao longo do desenvolvimento do plano. O clima de harmonia e não argumentação dava

lugar a uma norma de grupo que privilegiava o livre discurso, o combate aos clichês, a

mente aberta para mudanças e o senso crítico. Kennan descreveu a experiência como

extremamente dolorosa, marcada pelos momentos de agonia intelectual mais intensos

que ele já tinha vivido até o momento.

O comitê de Kennan possuía características que poderiam tê-lo levado a

sucumbir ao groupthink. Os integrantes compartilhavam alto respeito mútuo, tinham a

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necessidade de manter uma relação agradável – visto que faziam parte da mesma

equipe no Ministério das Relações Exteriores – e compartilhavam um forte esprit de

corps. Nesse caso, a hipótese de como foi possível evitar o fenômeno passa pela norma

de comportamento desenvolvida pelo comitê, que priorizava o pensamento crítico e a

livre exposição de ideias, mesmo que contrárias ao consenso atingido.

Por fim, a existência de múltiplos grupos trabalhando na elaboração da política

foi uma ferramenta relevante para evitar que a decisão dependesse apenas de um time

isolado. O plano se iniciou em múltiplos subcomitês, sendo depois estruturado pelo

comitê de Kennan, posteriormente avaliado por autoridades do Ministério das Relações

Exteriores, então detalhado por outra equipe do governo, para só aí ser aprovado pelos

conselheiros do presidente. Assim, a política, ao chegar a Truman, já havia passado

pelo crivo de diversos grupos, reduzindo o risco de que estivesse contaminada com

visões equivocadas sobre alternativas, inimigos e riscos.

2.4 Generalização teórica

Na análise dos casos apresentados no item 2.3, Janis (1972,1982) apresentou

antecedentes, sintomas e formas de prevenção para o fenômeno, formando o que

estamos nos referindo neste trabalho como Generalização Teórica do Groupthink.

Resta, contudo, mencionar que em um mesmo caso não necessariamente estarão

presentes todos sintomas ou antecedentes do modelo e que a eficácia das formas de

prevenção mencionadas deverá ser avaliada no caso concreto. Ou seja, apesar de

usarmos o termo generalização, por falta de um termo melhor, não é possível fazer

generalizações sobre processos que envolvam uma análise psicológico-social de

dinâmicas de grupo, como alerta Paulus (1998).

2.4.1 Antecedentes

Acerca dos antecedentes do fenômeno, os seguintes aspectos são abordados

por Janis (1972, 1982).

Três fatores predominantes, aqui anteriormente introduzidos de forma não oficial

como antecedentes, auxiliam na generalização do fenômeno. Em primeiro lugar está a

condição fundamental do modelo, a existência de um grupo coeso. Nesse sentido,

quanto mais amigável e solidária for a relação entre os integrantes, maior o risco de o

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pensamento crítico ser substituído pelo groupthink, dando origem a atitudes irracionais,

processos falhos e ações desumanizadoras para com grupos externos.

Somado ao primeiro antecedente está a existência de falhas estruturais na

organização: uma série de fatores organizacionais ou processuais que coletivamente

viabilizam o fenômeno. Primeiro, cita-se o isolamento do grupo durante o período, por

motivos que vão desde a sensibilidade do assunto, até a restrição de um prazo curto.

Essa retira do grupo a possibilidade de ouvir especialistas externos e testar a validade

das premissas de forma imparcial. A seguir, está o nível de imparcialidade nas atitudes

do líder, ou a intensidade com que esse defende sua hipótese inicial para a solução, de

modo que os demais, de forma absoluta, legítima e genuína, passem a concordar com

ele. Também, considera-se a inexistência de normas e procedimentos adequados que

orientem o processo decisório. Por fim, o fator mais comumente encontrado em artigos

corporativos no tema, o nível de homogeneidade dos integrantes de um dado comitê,

quanto a ideologia, classe social, gênero e outros.

Por fim, o terceiro antecedente diz respeito à existência de um contexto social

de tensão – ou que provoque a busca por agilidade no alcance do consenso. Esse

antecedente é constituído a partir de um alto nível de estresse, unido a um sentimento

de desesperança acerca da existência de uma solução melhor do que aquela construída

até então (sendo essa tipicamente a solução sugerida pelo líder. Também, o

antecedente pode ser estimulado por uma baixa autoestima coletiva, possivelmente

oriunda do preponderante nível de dificuldade encontrado no problema.

Um resumo acerca dos antecedentes aqui descritos pode ser encontrado na

Tabela 2.

Tabela 2: Caracterização de Antecedentes do Groupthink

Antecedente Descrição

Presença de coesão entre o

grupo

Padrão de comportamento solidário entre

indivíduos, que constrói sentimentos de amizade

e os direciona a agir de modo a se manter parte

do grupo.

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Antecedente Descrição

Existência de falhas estruturais

na organização

Conjunto de características estruturais originados

no grupo em específico ou na organização em

geral, como homogeneidade no perfil do grupo,

inexistência de procedimentos ou metodologias

adequadas para a tomada de decisão, isolamento

dos integrantes quanto a informações e análises

externas e falta de imparcialidade nas atitudes do

líder.

Existência de um contexto

provocativo

Conjunto de condições presentes no contexto em

que se toma a decisão, como estresse proveniente

de ameaças externas e medos impulsionados pela

alta complexidade do problema ou pela presença

de dilemas morais envolvidos na decisão.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Janis (1982)

2.4.2 Sintomas

Sobre os sintomas identificados em grupos acometidos pelo groupthink, os

seguintes aspectos são abordados por Janis (1972, 1982).

Unidos à busca pelo conforto do consenso, cada um dos consequentes sintomas

do fenômeno são, em realidade, uma tentativa de cada um dos indivíduos de preservar

a sua autoestima e lidar com o peso da responsabilidade da tomada de decisão. Dessa

maneira, cada um dos sintomas trabalha de modo a formar um padrão que ajuda a

proteger os indivíduos dos sentimentos de auto-desaprovação ou do medo do

julgamento de terceiros. Ainda, quanto mais pronunciados forem os antecedentes e os

sintomas, maior será a probabilidade de se realizar um processo decisório de má

qualidade. Nesse sentido, mesmo quando nem todos os sintomas estiverem presentes,

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um ou outros sintomas podem estar pronunciados de forma tão significativa a levar o

grupo a todas as consequências do acometimento do groupthink.

A seguir estão apresentados os sintomas sugeridos pelo autor:

1) Ilusão de não vulnerabilidade

Durante momentos de estresse, é comum que os indivíduos sejam atingidos pelo

pessimismo de que não será possível tomar uma boa decisão ou de que falhar é um

fato eminente. O presente sintoma os protege de tais sentimentos, dando-lhes uma

sensação de otimismo excessiva. Nesse sentido, enquanto os fatos os orientam a tomar

atitudes para se prevenir, o sentimento de que “tudo sairá como planejado” os encoraja

a assumir riscos extremos. O mesmo se aplica quando a medida tomada pelo grupo é

antiética ou socialmente contraditória. O otimismo compartilhado protege o indivíduo de

reavaliar suas decisões pelo risco de que seja descoberto, na certeza de que não o será.

2) Racionalizações compartilhadas

De forma similar, esse age protegendo indivíduos da responsabilidade de lidar

com os riscos que se apresentam a eles. Para tal, o grupo imprime esforços intelectuais

coletivos para racionalizar: inconscientemente construir premissas não comprovadas e

não necessariamente reais. Essas, ao serem admitidas como verdade, os auxiliam na

reafirmação de que os riscos relevantes já são conhecidos, de modo que ignoram avisos

que os levem a repensar as premissas.

Grupos constroem ou recebem, formalmente ou não, uma doutrina de

comportamentos e crenças ao iniciar um trabalho. Essa doutrina engloba sua visão

sobre o objetivo, os aliados, os inimigos e quaisquer fatos relevantes na realização do

trabalho. Ela é flexível e evolui à medida que se recebe novas informações sobre

contextos, riscos ou intenções dos indivíduos. Contudo, racionalizações compartilhadas

impedem grupos de evoluir suas doutrinas, permitindo que mantenham o compromisso

com premissas e decisões anteriores

3) Crença da moral inerente ao grupo

A crença inquestionável sobre a moral do grupo atua de forma a simplificar

decisões a serem tomadas. Ao acordarem, como uma norma inconsciente, que todos

os indivíduos ali presentes são pessoas boas, com intenções nobres, o grupo se exime

da necessidade de discutir os aspectos éticos das políticas propostas. Isso ocorre

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porque pode-se presumir, por lógica, que se um grupo de indivíduos éticos, dotados de

alto moral, concordam em consenso por um curso de ação, esse será, também, um

curso ético.

4) Visão estereotipada do inimigo

Tal qual o anterior, tal sintoma protege os indivíduos de sentimentos como

vergonha ou culpa quando tomam decisões que violam seus códigos pessoais de

conduta. Sobretudo em casos que envolvam violência, a visão compartilhada de que o

inimigo possui motivações de caráter antiético, ou sua caracterização como vilões, vem

ao encontro da busca por uma justificativa para quaisquer consequências provenientes

da decisão do grupo. Também, o conceito de um inimigo mal-intencionado que não

aceita negociações, serve como uma forte racionalização para a escolha de saídas não

diplomáticas ou extremas para os problemas impostos. Finalmente, retratar o inimigo

como fraco ou intelectualmente incapaz, de forma que, caso atacado, não consiga

revidar à altura, é uma racionalização que cumpre o papel de manter a atmosfera

otimista do grupo.

5) Pressão direta contra dissidentes

Construídas uma atmosfera de tranquilidade e a sensação de tratar-se de um

grupo com pensamentos homogêneos, os indivíduos tentarão se proteger de todo fato

que venha a interferir nesse contexto. Assim, qualquer indivíduo que exponha fatos ou

argumentos que desafiem os estereótipos, compromissos ou ilusões partilhadas pelo

grupo sofrerá clara pressão dos demais. Com o objetivo de limitar desvios quanto às

normas aceitas até então, os indivíduos sob os sintomas do groupthink tendem

transformar aqueles que expressam dúvidas naquilo que intitulou “dissidentes

domesticados”. Ou seja, fazem como que as discordâncias envolvam apenas

características periféricas do plano, não oferecendo risco ao claro objetivo de se manter

os níveis de ansiedade, medo ou culpa em um mínimo.

6) Autocensura coletiva

Uma das normas de grupo com frequente ocorrência em momentos de tensão é

o pacto mútuo de não agressão. Quando isso ocorre, indivíduos tendem a evitar críticas

que afetem a unanimidade e o equilíbrio do grupo, se beneficiando da não realização

de críticas por parte dos demais aos seus próprios juízos. Em outras palavras, essa

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postura protege os indivíduos de vivenciar momentos de tensão emocionalmente

dolorosos.

Vale apontar que esse sintoma difere de um não compartilhamento de receios e

críticas que ocorre pelo medo de represália ou recriminação em casos de grupos não

coesos. Difere ainda da postura de concordância absoluta observada quando da

presença de um líder ou minoria forte. Aqui, ao internalizar a norma, os indivíduos

suprimem seus receios por verdadeiramente acreditar que se trata de opiniões

equivocadas ou significativamente irrelevantes, de modo que não haveria razão para

compartilhá-las.

7) Ilusão de unanimidade

O presente sintoma surge também como recurso para manter a atmosfera de

cooperação e autoestima. A premissa de que há unanimidade no que tange aos

argumentos e premissas que levam à decisão do grupo garante aos indivíduos proteção

contra medos e desconfortos, ou contra a falta de confiança nos demais integrantes do

comitê. Além disso, essa ilusão confere aos indivíduos certo grau de alegria e prazer,

ao dar-lhes a sensação de ser parte de um grupo unido, que enfrenta um inimigo em

comum, com uma visão unanime do objetivo e do caminho a ser percorrido até ele.

8) Existência de mindguards

Por último, observa-se o surgimento de membros que se autoproclamam

protetores contra informações adversas que possam pôr em risco a complacência

compartilhada pelo comitê. Caso as informações protegidas pelos mindguards fossem

expostas e discutidas pelos demais, as falhas do plano poderiam se tornar evidentes,

levando os indivíduos a iniciar longos processos de reavaliação, das premissas e do

plano original. Essa, embora fosse uma alternativa melhor, ocasionaria o fim da

atmosfera de complacência buscada pelo grupo.

2.4.3 Métodos de prevenção

Para Janis (1982), um processo decisório tende a ser mais construtivo quando

tratamos de indivíduos que compartilham entre si, além de respeito e apreço, uma

similaridade de valores. Tais características serão mais comuns uma vez que o grupo

atinja ao menos um dado nível mínimo de coesão. Assim, o desafio dos esforços de

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prevenção é o de se aproveitar das vantagens oferecidas pela coesão no grupo, ao

mesmo tempo que se previna a ocorrência do fenômeno.

No entanto, o autor não sugere que, na urgência de se evitar o fenômeno,

comitês sejam substituídos por indivíduos. Também não defende que as tentativas de

se evitar o fenômeno tomem tal proporção que se ignore os custos ou o tempo incorridos

por quaisquer medidas tomadas para evitá-lo.

Os métodos de prevenção abordados por Janis devem ser interpretados como

tentativos, uma vez que a cura definitiva para as mazelas oriundas do fenômeno precisa

ser avaliada caso a caso.

A seguir, apresentamos os métodos de prevenção tentativos formulados por

Janis (1982).

1) O líder deve dar a cada membro o papel de avaliador crítico, encorajando

indivíduos a externalizar objeções. Essa comunicação deve ser acompanhada de uma

postura de aceitação e abertura, de ter suas próprias ideias criticadas pelos demais,

desencorajando que os membros atenuem suas visões antes de compartilhá-las.

A externalização de que o compromisso prioritário de cada indivíduo é com a

manutenção do pensamento crítico, em detrimento de uma teórica manutenção do

pensamento dominante se propõe a ser uma forma de combater as tensões que

direcionam um grupo coeso a alcançar um consenso prematuro.

Além disso, Kroon et al. (1991) sugerem que indivíduos corretamente informados

de suas responsabilidades e riscos para com a decisão a ser tomada possuem mais

cautela ao avaliar suas posições.

Para Janis (1982), se implementada sem o devido preparo, a postura pode levar

a consequências negativas. Quando decisões precisarem ser tomadas rapidamente,

uma argumentação excessiva pode ser custosa ao processo. Não menos importante, a

medida pode levar a sentimentos destrutivos, ocasionando depressão, rejeição e raiva

entre os membros, corroendo relações e tornando o convívio inviável. Enfim, deve-se

preparar os indivíduos em alguma espécie de treinamento executivo, de modo que

aprendam a trabalhar adequadamente dentro da nova medida.

2) O líder da organização em uma dada hierarquia, ao assinalar ao grupo

o desafio em questão deve ser neutro, não expondo de antemão sua solução preferida.

Essa medida requer que o líder limite seu briefing a fatos imparciais, sem defender

propostas especificas, dando aos integrantes do comitê a oportunidade de desenvolver

uma atmosfera de pesquisa livre e explorar uma ampla gama de alternativas.

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Essa medida também apresenta riscos de implementação. Ao não externalizar

sua via de preferência para a solução, o líder se posiciona de forma que o resultado

construído pelo grupo pode ir de encontro as suas ideias. Um líder verdadeiramente

aberto a quaisquer decisões construídas de forma racional pelo comitê saberia se

adaptar e se beneficiaria dos ganhos oriundos da medida. Por outro lado, caso o líder

não confie suficientemente em seus conselheiros, ou não esteja disposto a adaptar sua

percepção sobre o tema, esse pode se tornar inflexível e atuar de forma mais diretiva

do que faria normalmente.

3) A organização deve seguir um modelo de gestão que inclua diversos

grupos independentes atuando em um mesmo caso, sob a direção de líderes diferentes

A medida atua no sentido de reduzir o grau de isolamento do grupo executivo,

estimulando a troca de informação. Contudo, apresenta riscos oriundos do aumento da

burocracia no processo, da maior complexidade quanto à gestão de informação sigilosa

e da difusão da responsabilidade sobre o resultado. Considerando que a medida será

implementada quando sua relação de custo e benefício assim o justificar, resta o risco

relativo ao terceiro fator. Uma vez que o trabalho seja de responsabilidade de múltiplos

grupos que, isoladamente, venham a entregar suas conclusões a terceiros que então

as consolidem, pode-se criar uma ilusão de segurança de que – já tendo passado por

diversas aprovações – a política sugerida já está materializada como uma decisão final,

reduzindo-se a vigilância sobre ela. O dito fenômeno pode ser prevenido através de uma

zelosa determinação dos objetivos e responsabilidades de cada subgrupo do processo.

4) Quando da avaliação da viabilidade e da eficácia de diferentes

alternativas, deve-se subdividir o comitê em dois ou mais subgrupos, cada um com uma

liderança local, unindo-os posteriormente para debater as conclusões parciais

Essa medida é proposta como uma forma eficaz e menos custosa de se trabalhar

com múltiplos grupos de trabalho, embora dentro de um mesmo grupo original. Assim,

cria-se a oportunidade de que, caso um subgrupo venha a aprovar premissas ilusórias

sem apurado exame crítico dos fatos, outro subgrupo que se depare posteriormente

com a premissa possa ainda estar dotado da clareza e independência necessárias para

refutá-la.

5) Membros do comitê em questão devem, de tempos em tempos, discutir

as deliberações do grupo em particular com pessoas de confiança de suas respectivas

equipes, e trazer ao grupo suas reações para estimular o debate

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Aqui toma-se como premissa que os integrantes do comitê possuem suas

respectivas equipes, com suficiente experiência para discutir o assunto em questão, e

que são capazes de cumprir os procedimentos relativos à garantia de confidencialidade.

Assim, uma vez que o procedimento esperado passa a ser o de receber, no papel de

ouvinte neutro, a reflexão de terceiros, e levá-la sem juízos aos demais, é esperado que

se reduzam as barreiras contra informações externas. Dito isso, essa medida se propõe,

sobretudo, a bloquear o aparecimento de mindguards.

6) Deve-se convidar, em todas as reuniões, ao menos um especialista

externo, incentivando-o a desafiar as conclusões do grupo até o momento

Além do convite a indivíduos capazes de rapidamente se colocar a par do tema,

identificar pontos falhos no plano e áreas de sensibilidade na discussão, algumas

medidas devem ser tomadas para garantir a eficácia da medida. Deve-se garantir que

os convidados externos participem do processo antes que o consenso seja atingido, de

modo que a discussão ainda seja viável. Também, é necessário instruir expressamente

o convidado a compartilhar os pontos que lhe pareçam relevantes. Por fim, uma vez

levantado um risco por parte do convidado, ou um fato novo que ponha em risco as

premissas do grupo, o líder em questão deve propor que se discuta e aprofunde o

assunto. Com isso, pretende-se que, mesmo que o grupo seja tomado por fortes

racionalizações, ainda exista uma ferramenta capaz de desafiar as ilusões presentes.

7) Em qualquer reunião que vise à avaliação de alternativas, deve haver ao

menos uma pessoa a quem se tenha assinalado o papel de “advogado do diabo”

Com o objetivo de prevenir o consenso prematuro, de modo a não ignorar riscos

ou benefícios relevantes para uma dada alternativa, sugere-se a seleção de indivíduos

que possam advogar por caminhos que vão de encontro a preferência geral do grupo.

Finalmente, a implementação eficaz dessa medida depende de que o indivíduo seja

capaz de explorar os pontos soltos do plano, fazendo-o de forma legítima, sem exageros

ou grosserias, como um verdadeiro advogado que se propõe a convencer uma corte já

tendenciosa.

8) Quando a decisão envolver uma nação ou companhia adversária, deve-

se dedicar quantidades relevantes de tempo analisando exclusivamente os sinais de

perigo recebidos e investigando cenários de decisão do oponente

Com o principal objetivo de combater visões estereotipadas, irreais ou

desumanizadas do inimigo, sugere-se a institucionalização de um momento de

discussão que tenha como único objetivo a análise das possíveis atitudes do adversário,

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em múltiplos cenários. Para tal, podem ser utilizados recursos audiovisuais ou humanos,

como apresentações, vídeos, dinâmicas de grupo e exercícios de role play. Além disso,

deve-se incluir no processo especialistas – externos ou não – que efetivamente

entendam o suficiente do modus operandi do adversário, de forma a se obter mais

fidedignidade ao se desenvolver as hipóteses sobre sua movimentação.

9) Após se atingir o consenso, deve-se realizar uma reunião com o expresso

objetivo de repensar completamente a decisão tomada, para que cada integrante do

grupo possa expressar ativamente todas as suas dúvidas e receios remanescentes

Essa reunião, intitulada “reunião da segunda chance” se propõe a ser um

momento – construído em uma atmosfera informal – em que dúvidas possam ser

expressas livremente antes que o grupo esteja verdadeiramente comprometido com a

decisão. É também uma forma de institucionalizar um momento em que todos se tornem

uma espécie de advogado do diabo, ajudando a desconstruir ilusões de unanimidade e

a evitar que riscos óbvios passem desapercebidos.

Na Tabela 3 apresentamos de forma resumida os métodos de prevenção

discutidos acima.

Tabela 3: Caracterização de Métodos de Prevenção do Groupthink

Método Potenciais desafios

Clarificação do papel de cada membro

como avaliador crítico, encorajando

indivíduos a externalizar objeções.

Pode-se gerar processos decisórios

exageradamente longos e custosos.

Neutralidade do líder na apresentação

do problema, com briefings limitado a

fatos imparciais.

A medida precisa ser acompanhada por

uma postura aberta a ouvir, por parte do

líder, que receber sugestões que vão de

encontro à sua preferência.

Inclusão de múltiplos grupos

independentes atuando em um mesmo

caso.

Pode não ser viável sob o ponto de vista de

custo e benefício.

Subdivisão do comitê principal em

subgrupos, sobretudo para avaliar

alternativas.

Trata-se de uma alternativa, para quando o

método anterior não for viável.

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Método Potenciais desafios

Discussão das deliberações com

indivíduos externos, trazendo suas

considerações ao comitê.

Deve-se atentar ao aumento de

complexidade na gestão de informações

confidenciais discutidas fora do comitê

principal.

Convite a que especialistas externos

participem ativamente das reuniões.

O convidado precisa ser capaz de se

colocar a par do assunto rapidamente.

Definição de ao menos um integrante a

atuar como advogado do diabo.

Deve-se atentar a se os questionamentos

do advogado do diabo estão sendo

desconsiderados pelos demais devido ao

cunho forjado da medida.

Formalização de uma “reunião de

última chance”, para discutir a decisão

integralmente uma última vez.

Pode não ser viável sob o ponto de vista

de custo e benefício.

Investigação dos sinais de perigo

recebidos e dos cenários de decisão

do oponente, para casos em que exista

um oponente.

É necessário contar com pessoas que

conheçam profundamente o perfil do

oponente, para evitar estereótipos.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Janis (1982)

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3. Avaliação Crítica do Modelo

Tratar dos fenômenos sociológicos e psicológicos presentes em um grupo é uma

tarefa bastante complexa, sendo natural que divergências ocorram sobre esta ou aquela

teoria. De todo modo, o que fica evidenciado pela atenção que a teoria do groupthink

recebeu ao longo dos anos, no meio acadêmico e fora dele, é sua relevância para

evidenciar e analisar falhas que podem estar presentes nas tomadas de decisão em

grupo. No presente capítulo apresentamos um compêndio de avaliações críticas

realizadas acerca do tema, construídas por múltiplos pesquisadores, a partir do modelo

proposto por Janis (1972,1982).

Desde a primeira publicação da teoria em 1971, o estudo do groupthink recebeu

fortes atenções em diversas áreas de estudo, como psicologia, negócios, comunicação,

política e outros. O conteúdo deu origem a best sellers no âmbito dos treinamentos

corporativos e os estudos de Janis foram citados academicamente ao menos 100 vezes

por ano ao longo dos primeiros 20 anos de seu lançamento. (ESSER, 1998) Ainda, em

uma análise realizada com 55 livros dedicados ao estudo da psicologia social, datados

entre os anos de 1973 a 1997, 66% dos livros incluídos nos primeiros 8 anos falavam

sobre o tema, enquanto 100% dos livros datados nos anos subsequentes o abordavam,

com a moda da amostra sendo a dedicação de 5 páginas por livro apenas ao assunto.

(PAULUS, 1998)

Seguindo as sugestões de Janis, ao longo das décadas que se seguiram à

formulação da teoria, muitos pesquisadores se propuseram a investigar a ocorrência do

fenômeno em diversos casos notáveis na história, fosse americana ou mundial. O que

se notou ao longo dos anos foi que, assim como evidências de natureza semelhante ao

groupthink tendem a viabilizar uma variedade de interpretações diversas, (JANIS, 1982)

o mesmo ocorre com a teoria em questão, a respeito da qual se realizaram análises

cujas conclusões são frequentemente provocativas e contraditórias. (TURNER E

PRATKANIS, 1998)

Diversos autores oferecem suporte à tese de que o groupthink pode ocorrer

mesmo quando apenas um limitado número de antecedentes se fez presente. (TURNER

E PRATKANIS, 1998)

Esser (1998) mostra que, em algumas situações em que o fenômeno poderia vir

a ocorrer, o contexto pode tornar alguns dos sintomas irrelevantes. É o caso, por

exemplo, da busca por mindguards quando toda a informação disponível – interna ou

externa – já está em mãos de todos os integrantes do comitê; ou da tentativa de

identificar a existência de um grupo externo estereotipado e desumanizado quando o

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caso simplesmente não conta com o envolvimento de grupos externos ao comitê

decisório. Ao mesmo tempo, em alguns casos, mesmo com diversos antecedentes

identificados no contexto em questão, os sintomas não se mostraram aparentes. Esses

são apenas alguns dos casos que sugerem o nível de complexidade do estudo a

respeito do fenômeno ora estudado.

Para Turner e Pratkanis (1998), alguns fatores explicam tal complexidade. Em

primeiro lugar, teorias em grupos apresentam mais dificuldade de teste e comprovação,

quando comparadas a teorias centradas no indivíduo. Soma-se a tal fato a existência

de múltiplas variáveis e parâmetros a serem controlados nesse caso. Além disso, da

maneira como foi formulado o modelo, a operacionalização dos testes não foi

propriamente especificada pela teoria, de modo que os pesquisadores por vezes não

possuem informação suficiente, e por vezes possuem informações até certo ponto

conflitantes quando da formulação dos testes. Talvez resida nesses fatores, portanto,

parte da explicação para o fato de que – apesar do extremo interesse dedicado ao tema

e sua alta popularidade – o número de pesquisas empíricas conduzidas a seu respeito

é pequeno se comparado a outros de semelhante natureza temática.

Dado o exposto anteriormente, Esser (1998) pontua que, ao se estudar o tema,

é importante se ater ao risco de se realizar análises brandas, de forma menos

sistemática e exaustiva. Isso porque, há um constante risco de se considerar – casual

e erroneamente – um caso histórico, em que houve apenas uma notória má condução

do processo decisório, como groupthink, criando de tal forma um vício de linguagem –

ou uma caracterização conveniente – vazio de significado ou utilização. (KROON E ‘T

HART, 1991)

Parcialmente como uma consequência da dificuldade encontrada na tentativa de

se comprovar inequivocamente o modelo formulado por Janis como um todo,

pesquisadores se dedicaram a examinar suas extensões, como antecedentes e

sintomas. Novamente, embora diversas evidências tenham sido encontradas de modo

a suportar a teoria como válida, provou-se difícil produzir experimentos que

englobassem toda a gama de efeitos propostos por ela. (TURNER E PRATKANIS, 1998)

As falhas tentativas de se comprovar a teoria de forma integral, ao longo dos

anos, foram vistas, em geral, como evidências de comprovações parciais do modelo, ou

como sugestão de que os experimentos empregados foram construídos de forma

insatisfatória ou equivocada. (FULLER E ALDAG, 1998) Contudo, para Fuller e Aldag

(1998), que explicitamente desconsideram em sua totalidade a validade do fenômeno,

esse é mais um indício de que teóricos e pesquisadores vêm atuando, nas palavras de

Janis (1982), como verdadeiros mindguards da teoria. Os autores propõem um novo

modelo de análise intitulado “Modelo geral para a solução de problemas em grupo”, que

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reformula a teoria em um formato mais amplo, incorporando, por exemplo, a relevância

de se identificar fatores políticos e de se distinguir os diferentes estágios de um processo

decisório. Ao fazê-lo, afirmam estar agindo “de forma consistente à proposta de Janis

de se estimular uma atmosfera de dissidência”, apresentando uma postura de

dissonância diante da presente ilusão de unanimidade sobre o tema. (FULLER E

ALDAG, 1998)

Sob outra ótica, sugere-se em Esser e Lindoerfer (1989) que, ao se estudar um

caso, com vista a testar a hipótese da ocorrência do groupthink, é importante que não

se tome uma postura de análise booleana. Ou seja, não é necessário que todos os

antecedentes, sintomas do groupthink ou sintomas da má qualidade da tomada de

decisão sejam identificados para que se defenda o acometimento do fenômeno em um

dado caso. Ao contrário, esses fatores e características devem ser interpretados como

uma forma de padrão dentro de um espectro, com a compreensão de que é o conjunto

do caso e seu contexto que determinam o fenômeno (ESSER E LINDOERFER, 1989),

e não a ocorrência de um ou mais fatores isolados e não relacionados.

De forma alinhada a essa percepção, em Rose (2011) explica-se a

caracterização do groupthink como um modelo estocástico. Embora exista uma

premissa amplamente disseminada da avaliação do fenômeno como um modelo causal

– provavelmente construído a partir de uma esquematização presente em Janis (1982),

que insinua uma avaliação causal –, o autor deixa claro em sua construção teórica que,

mesmo que alguns sintomas não estejam presentes, a presença de outros pode ser tal

que ocasione todas as consequências dos processos decisórios defeituosos, sugerindo

uma abordagem estocástica para o problema. Assim, é provável que muitos dos

experimentos construídos até o presente momento falharam devido à formulação teórica

incorreta baseada em relações de causalidade, uma vez que o groupthink pressupõe

relações de probabilidade.

Embora o volume de testes que se sucederam à construção da teoria seja ainda

inferior ao ideal, muitos foram os autores que se propuseram a simular casos em

laboratório de modo a testar conceitos pontuais, como a relevância de determinados

antecedentes. Do mesmo modo, muitos foram aqueles que se dedicaram a revisitar

profundamente os casos estudados ou sugeridos por Janis, a fim de construir suas

próprias conclusões acerca do fenômeno.

Moorhead, Ference e Neck (1991) se aprofundaram na investigação do caso

Challenger, acerca da decisão da NASA em lançar o veículo aéreo de mesmo nome

que, com claras limitações e riscos técnicos, levou à morte de diversos indivíduos. Esse

estudo, e outro conduzido por Esser (1998), tomaram por base os fatos reportados no

“Relatório da Comissão Presidencial sobre o acidente aéreo envolvendo o Challenger”.

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Ambos concluíram que o grupo decisório envolvido no processo foi acometido pelo

groupthink e reportaram que a maioria dos fatores primordiais – como os antecedentes,

os sintomas do groupthink e os sintomas originados de decisões tomadas de maneira

inapropriada – estavam presentes no caso estudado. (ESSER, 1998) Ao concluir o

estudo, Moorhead, Ference e Neck (1991) sugeriram, contudo, uma alteração no

modelo proposto por Janis, de modo a dar mais importância aos antecedentes relativos

à urgência da decisão e ao estilo de liderança empregado.

Pesquisas desenvolvidas a partir da literatura investigativa a respeito dos

processos de brainstorming em grupo ajudam a reforçar a consistência das hipóteses

de Janis (1972) quanto à ilusão de eficácia no processo decisório. Essas pesquisas

mostram que grupos que se propõem a executar o procedimento de ideação usualmente

geram menos ideias, e, por vezes, menos ideias boas, do que indivíduos executando o

mesmo exercício separadamente. (MULLEN ET AL., 1991) Ainda, as pesquisas

mostram que grupos tendem a não se utilizar genuinamente de todas as informações

disponíveis antes de se comprometer – mesmo que inconscientemente – com uma

solução para o problema proposto (PAULUS ET AL., 1995)

Outro estudo no tema foi descrito em Herek et al., (1987) e englobou a análise

de crises internacionais que envolveram presidentes americanos e seus respectivos

conselheiros. Nesse estudo, cada caso foi analisado e pontuados sob três óticas: o nível

de presença dos sintomas descritos pelo modelo, o quão favorável o resultado foi para

os EUA e o quão favorável o resultado foi para a resolução da crise internacional. Os

testes indicaram que, quanto mais sintomas da tomada de decisão de má qualidade

estavam presentes no caso, piores eram as consequências, tanto para o país, quanto

para a escalada da crise internacional como um todo. (ESSER, 1998) Assim, o estudo

forneceu uma importante confirmação para o link proposto pelo modelo do groupthink,

entre os sintomas presentes do processo decisório de baixa qualidade e a ocorrência

de decisões ruins – que podem vir a se tornar fiascos.

Em um compêndio elaborado por Esser (1998), são apresentados diversos

experimentos em laboratório realizados para testar o impacto do perfil de liderança

empregado na propensão de grupos serem acometidos pelos sintomas do groupthink.

Em um estudo, em grupos em que o líder possuía um perfil mais caracterizado pela

busca por poder, os integrantes compartilhavam menos informações. Em outro, grupos

em que o líder atuava de forma mais diretiva apresentaram maior expressão de

autocensura, maior tendência ao aparecimento de mindguards e maior ocorrência dos

diversos sintomas previstos pelo modelo. Também, outros resultados mostraram que

grupos liderados por uma personalidade mais diretiva sugeriam e discutiam menos

alternativas de solução do que aqueles cujo líder apresentava uma postura mais

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receptiva, encorajando a participação. Assim, os resultados nesse quesito se mostraram

consistentes ao suportar as previsões do modelo relativas à influência das práticas de

liderança. (ESSER, 1998)

Tetlock et al. (1992) analisaram dez casos, incluindo os sete casos analisados

originalmente e mais três outros que haviam sido sugeridos como hipóteses tentativas

por Janis. Se utilizando das narrativas extensas sobre os casos em questão, construídas

por pesquisadores que se propuseram a descrever os casos, esse estudo comparou os

fatos descritos a padrões presentes na teoria do groupthink, a padrões encontrados em

processos decisórios de má qualidade e a padrões encontrados em processos

decisórios ideais. Ao fim, a análise encontrou os mesmos resultados da teoria original,

caracterizando cinco dos casos estudados por Janis como groupthink e dois como casos

de processo decisório bem-sucedido. Quanto aos outros três casos não testados

anteriormente, mas sugeridos como possíveis experimentos futuros, o estudo encontrou

evidências que permitiram considerar um deles como um caso de groupthink.

Embora o resultado quanto à classificação dos casos tenha confirmado a teoria,

uma subsequente análise conduzida pelo estudo deixou em aberto a validade de uma

das premissas construídas por Janis. Após a realização de uma análise dos

relacionamentos causais entre os diferentes fatores do modelo, não foram encontradas

evidências que suportassem – ou que refutassem – a relevância de dois dos

antecedentes previstos no modelo, sendo eles o nível de coesão do grupo e a existência

de um contexto que provoque estresse. (TETLOCK ET AL., 1992) Vale apontar aqui que

o papel do nível de coesão dentro de um dado comitê, enquanto antecedente para a

ocorrência do fenômeno, apresenta-se como um assunto controverso em diversos

estudos construídos sobre o tema.

Wekselberg (1997) aponta a falta de clareza na compreensão do que

efetivamente significa um grupo coeso como uma fraqueza da teoria do groupthink. Para

o autor parte do problema reside na dependência de conceitos do senso comum, como

afeição e solidariedade intragrupo para a compreensão do fenômeno. Ainda, afirma que

após décadas de pesquisa sobre o assunto, ainda não há uma única definição aceita

sobre o conceito, e que talvez a coesão entre grupos seja algo além da capacidade

humana de compreensão e aferição.

Aldag e Fuller (1993), em análise sobre a validade do modelo proposto por Janis,

sugerem que, no que tange à variável central de Janis – a coesão entre grupos – “ainda

não é possível afirmar com consistência que ela possuía real influência no fenômeno”.

Pelo mesmo motivo, para Baron e Byrnes (1994), “o termo groupthink representa um

importante fenômeno que ocorre em grupos, mas que ainda possui, sob alguns

aspectos, uma natureza desconhecida”.

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Para McCauley (1998), a relevância da coesão entre grupos está no fato de que

ela, ao basear-se na atração interpessoal existente entre os integrantes, pode direcioná-

los a tomar más decisões com o intuito de manter as relações de amizade. Ou seja,

apresenta uma visão sobre o papel do antecedente de coesão que diverge da original

de Janis (1972), segundo à qual os indivíduos integrantes de um comitê coeso seriam

influenciados pelo anseio em evitar a construção de uma atmosfera de incerteza e

desconforto.

A hipótese de que o nível de coesão do grupo influencia a ocorrência do

groupthink não pôde ser comprovada de forma inequívoca por nenhum dos estudos

laboratoriais analisados por Esser (1998). Contudo, outros estudos sugerem que testes

podem ter falhado devido à dificuldade de se operacionalizar a construção de um teste

envolvendo um grupo coeso em laboratório. Isso porque, em sua maioria, os estudos

não são capazes de incorporar um elemento chave ao experimento, que é o de que os

participantes presentes efetivamente consigam se enxergar como um grupo de verdade.

(TURNER ET AL., 1992) Dito isso, dois dos estudos em laboratório analisados por Esser

(1998) não reportaram efeitos originados da coesão dentro do grupo, ao passo que os

outros quatro reportaram indícios fracos para o suporte à hipótese.

Menos preponderante que a discordância acerca do antecedente de coesão, a

afirmação de que, em todos os casos estudados, a conformidade ocorreu de forma

genuína, também é alvo de críticas por parte de alguns pesquisadores. (ESSER, 1998)

Foram diversas vezes reafirmadas por Janis (1972, 1982) as ideias de que, ao

concordarem com o grupo nos momentos de debate, os dissidentes estão se tornando

domesticados, e de que o fazem – não por medo – mas por uma crença legítima de que

a premissa ou norma que está sendo compartilhada vai ao encontro do que eles

acreditam. Esse processo, no contexto da teoria de grupos se chama internalização.

Esser (1998) cita um experimento que desafia a tese de internalização de Janis.

O estudo se posiciona de acordo com a caracterização dos casos em questão como

acometimentos de groupthink e se alinha com os antecedentes e sintomas identificados.

Contudo, defende que em dois dos fiascos, houve o alcance de uma conformidade não

genuína. Ou seja, defende que alguns indivíduos, seja por medo, desconforto ou

comodidade, declararam estar de acordo com demais, sem que internamente o

estivessem – processo ao que se denomina observância. Também, em Fuller e Aldag

(1998), críticos ferrenhos da teoria como um todo, ao se defender a sua inconsistência

devido aos múltiplos casos de “premissas falhas, inferidas de modo implícito porém

atraente” cita-se a possibilidade de que, em parte dos casos estudados, a conformidade

tenha se dado por observância, motivada por agendas individuais.

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Em contribuição incremental, Sunstein e Hastie (2015) propõe uma releitura do

conceito de advogado do diabo. Segundo os autores, ainda não há suficiente evidência

que comprove a eficácia do conceito, sobretudo porque o método se mostra falho

sempre que os demais integrantes do comitê sentem que os questionamentos feitos

naquele momento não representam com verossimilhança a opinião de quem os propõe.

Dessa forma, se propõe a utilização do denominado “Time Vermelho”, às vezes referido

como “Comitê da Morte”.

Segundo Sunstein e Hastie (2015), esse método, tradicionalmente utilizado na

revisão de missões da NASA, pode ser visto como uma espécie de generalização do

advogado do diabo. Nessa releitura, é comum que se forme um grupo dedicado a

construir uma tese convincente e real, capaz de vencer a tese original construída até o

momento. Em alguns aspectos semelhante ao uso da chamada “Reunião de Segunda

Chance” proposta por Janis (1982), esse método se provou útil ao longo de muitos anos

de implementação no âmbito legal em escritórios de advocacia – que o empregam, entre

outros motivos, para auxiliar na identificação das fraquezas da tese construída, antes

que seja tarde demais.

Em mais uma adição aos métodos de prevenção do fenômeno, Sunstein e Hastie

(2015) retomam uma prática, empregada no passado por um ex-presidente norte-

americano, de atuar no sentido de impedir que a opinião do líder interfira negativamente

na livre expressão de seus conselheiros. Segundo os autores, o então presidente se

utilizava da influência natural causada pelo seu papel para estimular o livre discurso.

Em ambientes privados, ele dava a impressão a vários dentre seus conselheiros de que

concordava com suas visões sobre o assunto, independentemente de não o fazê-lo

verdadeiramente ou da existência de integrantes com visões radicalmente opostas.

Dessa maneira, os integrantes do comitê, nos momentos de debate em grupo, sentiam-

se mais empoderados e livres para aprofundar e desenvolver suas visões, na crença de

que o líder estava de acordo com elas.

Ainda em seus estudos, Sunstein e Hastie (2015) analisaram o impacto da

prática de clarificação das responsabilidades individuais quanto à garantia da avaliação

crítica por parte de todos. Segundo os autores, os experimentos conduzidos em grupos

mostraram que os indivíduos tendem a se portar muito mais dispostos a expor suas

ideias contrárias ao grupo quando é expresso inicialmente todos que a atividade a ser

desenvolvida dependerá de pensamento crítico por parte de todos – em comparação a

uma clara tendência de redução das discordâncias quando se declara ao grupo um

objetivo de que os integrantes mantenham uma boa relação entre si.

No que tange à existência de pontos de discordância na teoria, Paulus (1998)

discorda de Fuller e Aldag (1998), segundo os quais, para ser considerado válido, o

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modelo deveria ser comprovado em todos os seus subcomponentes. Nesse sentido,

Paulus (1998) explica que “nenhuma teoria é inviolável” e que um modelo deve ser

analisado à luz de como evolui e se modifica, à medida que vai amadurecendo. Assim,

entendendo as teorias como um norte temporário para interpretar a realidade enquanto

se busca aproximar-se da verdade, o autor defende que tal critério seria limitado a partir

da premissa de que existe alguma teoria livre da necessidade de modificação posterior

ao seu desenvolvimento.

Por fim, existe aqui a oportunidade de se expor uma problemática no que diz

respeito à replicação e comercialização de conhecimento científico – sobretudo quando

de interesse corporativo – sem a devida cautela, a partir dos mais diversos meios de

comunicação. A avaliação de uma vasta gama de estudos realizados entorno da teoria

do groupthink, expôe uma ironia existente na história do desenvolvimento do modelo.

Enquanto a teoria se propõe a alertar indivíduos sobre os riscos incorridos no consenso

e aceitação incondicional dos fatos, uma série de publicações e livros se propõe a

reportá-la também como uma realidade incondicional, ignorando as limitações

encontradas nas avaliações cientificas do fenômeno. (TURNER E PRATKANIS, 1998)

Uma breve busca em livros que tratem de comportamento organizacional, sejam

escritos por pesquisadores ou professores acadêmicos, nos mostra a transmissão da

teoria do groupthink como sabedoria indiscutivelmente aceita. (FULLER E ALDAG,

1998)

Para Fuller e Aldag (1998), existem três questões críticas envolvidas no dito fato.

Em primeiro lugar, autores, de modo a exemplificar a teoria com simplificações,

cometem a inconsistência de sugerir sua ocorrência - ou aplicar seu modelo - de forma

banalizada, a casos não controlados, com pouca ou nenhuma atenção cientifica. Além

disso, percebe-se a falta de perspectiva histórica na explicação da teoria, visto que

diversos autores a citam sem mencionar as críticas sugeridas ao modelo ao longo dos

anos que se seguiram à sua elaboração. Por fim, o fenômeno é constantemente descrito

em livros didáticos – e, sobretudo, em artigos de educação corporativa – de forma não

condizente com seu status no meio científico. Enquanto algumas teorias relevantes,

como a “Pirâmide de Maslow” ou a “Teoria dos dois fatores de Herzberg”, são

identificadas como perspectivas teóricas, o groupthink toma por vezes a qualidade de

fenômeno inquestionável, suprimindo-se de quaisquer teorias que o questionem.

Finalmente, mesmo ciente das limitações de comprovação, ou da banalização

com que às vezes o tema é atualmente avaliado. Paulus (1998) avalia que o modelo

representa um importante componente no estudo de grupos e defende a importância de

que se construa “novas teorias, simples, mas heurísticas”, como o modelo em questão.

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4. Aplicações da Teoria do Groupthink

nas Iniciativas Pública e Privada

Neste capítulo, serão apresentados alguns estudos que recorreram à teoria do

groupthink para analisar situações em que decisões tomadas em grupo assumem

significativa relevância para organizações, tanto na iniciativa privada, quanto na

administração pública. Abordaremos, entre outros, os contextos de Conselhos de

Administração, de equipes de projeto e de Varas de Família, além dos casos específicos

da Guerra do Iraque e da Crise Financeira de 2008.

4.1 Aplicações a Conselhos de Administração

Conselhos de Administração são órgãos colegiados com responsabilidade legal

para tomar decisões em uma empresa e, para isso, possuem um papel central na

qualidade de sua governança corporativa. A seguir, apresentamos a abordagem de

alguns autores visando a reforçar a relevância de seu papel na performance das

organizações.

Segundo Coles et al. (2015), Conselhos de Administração são grupos que, entre

outras atribuições, se fazem responsáveis por tomar decisões estratégicas em uma

dada companhia, em nome de seus acionistas. Adicionalmente, Kamalnath (2020)

afirma que as principais funções de conselhos podem ser resumidas em três temas:

estratégia, monitoramento e provisão de acesso a redes de contato relevantes.

Conselhos avaliam, alteram e aprovam as decisões de maior relevância dentro

de uma organização. (COLES ET AL. 2015) Além disso, monitoram e gerenciam os

interesses das múltiplas partes interessadas da organização, mediando conflitos.

Também, lhes é atribuído o monitoramento de performance, as definições de

remuneração e as demissões no que tange aos executivos de primeiro escalão da

companhia. Ainda, conselheiros devem zelar pela qualidade e pelo cumprimento das

práticas de governança sob as quais operam. (BUETJE E HODZIC, 2017) Por fim, mas

sob nenhuma hipótese menos importante, conselhos possuem o relevante papel de

direcionar e aconselhar o time de gestores, de modo a promover o alcance de melhores

resultados. (COLES ET AL., 2015) Para tal, espera-se que seus integrantes interajam

através de discussões coletivas e realizem processos decisórios em conjunto. (BUETJE

E HODZIC, 2017)

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Ainda, para a execução das responsabilidades acima descritas, o perfil de

comportamento, sob aspectos cognitivos, dos conselheiros de um comitê tem forte

impacto nos resultados dos processos decisórios desenvolvidos pelo grupo, sendo um

atributo chave dentro de um Conselho de Administração. (BUETJE E HODZIC, 2017)

Finalmente, segundo a legislação, conselhos são entidades coletivas em que

todos os membros possuem igual responsabilidade a respeito de decisões que se

enquadrem em um espectro definido de assuntos. Em outras palavras, conselheiros

estão legalmente vinculados às decisões tomadas pela companhia que dirigem, e

respondem por elas diante de reguladores, acionistas, e demais partes interessadas da

sociedade. (BUETJE E HODZIC, 2017)

A grande importância das decisões tomadas pelos Conselhos de Administração

em organizações tem motivado estudos sobre o processo decisório de tais grupos.

Muitos desses, se utilizando dos conceitos presentes no modelo do groupthink. A seguir

descrevemos alguns deles, abordando questões como o tempo de renovação do

Conselho, a diversidade do grupo de conselheiros, a participação de especialistas nas

reuniões de Conselho, entre outros.

Coles et al. (2015) realizou um estudo que, entre outros, buscava testar a relação

entre a interseção entre integrantes de um conselho em um dado tempo e o potencial

para o acometimento do groupthink no grupo. O autor se baseou no conceito de

interseção entre diretores, ou seja, tempo em que um determinado par de diretores

ocupou cadeiras em um conselho concomitantemente, para criar um indicador que

pudesse ser explicativo para o nível de coesão do grupo. Ao fim, se utilizando de dados

a respeito das mil e quinhentas maiores companhias americanas ao longo de mais de

15 anos, o autor concluiu haver indícios para se sugerir que limitar o período de

permanência dos diretores dentro do conselho – dessa forma estimulando a renovação

do grupo – reduziria a tendência para que os integrantes fossem afetados por um

“groupthink destrutivo”.

Ainda, ao reforçar a relevância dada por executivos e investidores quanto à

prevenção do groupthink em seus comitês de decisão, Coles et al. (2015) cita o caso da

companhia PIMCO – uma das maiores firmas de investimentos do mundo. Segundo o

autor, para a sua reunião estratégica anual, que visa à discussão a respeito das

tendências de mercado a serem consideradas pela estratégia da companhia, a empresa

convida a participar especialistas externos, além de funcionários contratados há pouco

tempo, que se unem aos demais diretores e conselheiros. (COLES ET AL., 2015)

O estudo de Buetje e Hodzic (2017) se aproxima às descobertas de Coles et at

(2015) no que tange às conclusões a respeito do tempo de permanência de um dado

conselheiro na direção da companhia.

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Os autores se propõem a analisar a tendência a que o groupthink ocorra em um

processo decisório, contudo analisam o processo em um comitê como ocorrendo em

três fases. Inicialmente, o escaneamento – processo que pode ser realizado de forma

individual – diz respeito à fase em que os indivíduos examinam as informações

disponíveis, selecionando aquelas de maior relevância para a decisão. A seguir, a

interpretação, que tende a se iniciar no âmbito individual e evoluir para o grupo, é o

momento em que a informação é analisada criticamente, se unindo ao conhecimento

prévio daqueles ali presentes, de modo a construir uma compreensão a respeito do

problema, do contexto, das alternativas, entre outros. Por fim, a escolha é definida como

o momento em que se avalia e decide a respeito da alternativa que o coletivo acredita

ser a melhor opção apresentada. (BUETJE E HODZIC, 2017)

Uma vez que o escaneamento é uma etapa individual, os autores se dedicam a

avaliação de medidas para prevenir o fenômeno nas etapas de interpretação e escolha.

Sugere-se que uma ampla diversidade no que tange às experiencias e conhecimentos

dos conselheiros pode gerar análises cognitivas diversificadas durante o processo de

interpretação, combatendo o groupthink nesse estágio, e consequentemente no

seguinte. Contudo, os autores pontuam que não se deve atingir um nível de diversidade

tal que interfira na comunicação e no compartilhamento de informação entre o grupo.

(BUETJE E HODZIC, 2017)

Segundo Buetje e Hodzic (2017), membros de um conselho são capazes de

desenvolver certo nível de compreensão a respeito do comportamento cognitivo de seus

pares em cerca de duas ou três reuniões. Tal processo, que naturalmente influencia a

dinâmica da etapa de escolha, também pode encadear a redução das tensões

saudáveis dentro do conselho – chamadas conflito cognitivo –, necessárias para a

condução dos processos decisórios de forma adequada.

Ainda, os autores defendem que membros de um determinado conselho de

administração, após um longo tempo trabalhando juntos, tendem a desenvolver formas

de pensar similares e que, em situações drásticas, é possível que cheguem a

conclusões com nenhuma, ou quase nenhuma, divergência. Assim, defendendo a

manutenção de controlados níveis de coesão, e também a garantia de um conselho

diverso e independente, os autores citam como referência a legislação para empresas

alemãs, segundo o qual um membro de um Conselho de Administração precisa

necessariamente ser substituído após um período de, no máximo, cinco anos fiscais.

(BUETJE E HODZIC, 2017)

A preocupação com excessivos níveis de diversidade em um determinado

conselho, apresentado anteriormente em Buetje e Hodzic (2017), também pode ser vista

em Bailey e Peck (2013) Os autores ressaltam a importância de que os diretores

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possuam modelos mentais compartilháveis, também explicado como modelos

compatíveis – embora não iguais – de modo a viabilizar a que se tenha uma

compatibilidade de expectativas para com o trabalho a ser realizado. Ainda, níveis

extremos de diversidade dentro de um conselho se mostraram, em experimentos

anteriores, capazes de gerar processos decisórios destrutivos devido ao excesso de

conflito existente entre o grupo. Por outro lado, os autores afirmam que modelos mentais

excessivamente convergentes são capazes de gerar processos decisórios

disfuncionais, como o groupthink.

Embora tenha-se discutido aqui possíveis consequências negativas quando

explorada da maneira excessiva, é um lugar comum entre pesquisadores – assim como

entre conselheiros – que a diversidade possui um importante papel na qualidade da

tomada de decisão realizada por conselhos, assim como da realização de suas funções

de monitoramento e controle. Isso se dá pela premissa geralmente aceita de que

conselhos mais diversos possuem uma menor tendência à complacência observada no

groupthink. (RHODE E PACKEL, 2010) Entre outros argumentos, Rhode e Packel

(2010) defendem que, em específico, mulheres se comparadas a homens ou, em geral,

minorias se comparadas a maiorias, possuem diferentes experiências anteriores e

visões de mundo. Como consequência, minorias são capazes de trazer para a mesa

receios e questões diferentes daqueles considerados pela maioria, de modo a gerar

uma gama mais ampla de alternativas e cursos para solucionar os desafios da

companhia.

Ainda, alguns estudos foram capazes de provar empiricamente os benefícios da

diversidade em conselhos a partir de sua correlação com indicadores práticos dos

padrões de boa governança corporativa. Por exemplo, mostrou-se que firmas com maior

participação de mulheres no conselho realizam um maior volume de reuniões do comitê,

apresentam menores índices de faltas, realizam monitoramentos mais rigorosos quanto

ao trabalho dos executivos e apresentam maior pré-disposição a substituir o CEO em

casos de performance ruim das ações da companhia no mercado. (RHODE E PACKEL,

2010)

Huse e Solberg (2006) também se propuseram a investigar através de quais

alavancas a presença de mulheres em conselhos administrativos gerava contribuições

para o grupo. Sob a ótica de que aumentar a participação de mulheres em conselhos é

um imperativo atual para os negócios, os autores desenvolveram uma pesquisa

qualitativa, entrevistando 20 executivas com ao menos dez anos de experiência em

conselhos administrativos e coletando retratos de suas experiências. No estudo, refere-

se a conselhos de administração como grupos coesos, nos quais membros “gostam de

se encontrar” e “esperam ansiosamente pelas reuniões”.

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Entre os padrões inferidos pelos autores, provenientes das entrevistas

realizadas, identificam-se componentes presentes na teoria geral do groupthink.

Primeiro, mulheres foram tidas como contribuindo significativamente para a discussão

na medida que se preparavam mais e melhor que os homens, apresentando mais

domínio dos fatos a serem discutidos. Ainda, o estudo de Huse e Solberg (2006)

apontou que que mulheres possuem um grande potencial de contribuição na medida

que realizam mais perguntas que homens em reuniões.

No sentido de operacionalizar a promoção de uma maior diversidade nos

Conselhos e se evitar que esses se comportem como um “clubes exclusivos e elitizados”

excessivamente influenciados pelo CEO, Canet (2016) cita medidas como a adoção de

cotas mínimas para o percentual de mulheres dentro do quadro de diretores dos

Conselhos, tal qual a exigência da oficialização de conselheiros independentes, ambas

a serem determinadas por órgãos reguladores nacionais.

Para Bourke (2016), na discussão a respeito da diversidade como um antídoto

para uma ampla gama de vieses e fenômenos que podem interferir na qualidade do

processo decisório, como o groupthink, deve-se considerar uma amplitude maior do

conceito de diversidade, que, sobretudo no ambiente de conselhos de administração,

não está limitada a gênero, idade ou etnia. Aspectos demográficos, de experiências ou

habilidades são importantes, mas aspectos relacionados à forma com um diretor

constrói seu raciocínio para tomar decisões também o são. Por isso, comitês de alta

performance devem considerar a forma como os seus diretores chegam a decisões, tal

qual a dinâmica construída a partir da mistura de perfis de tomada de decisão uma vez

formado o grupo de conselheiros.

Ainda, Bourke (2016) defende que, quando muitos diretores apresentam formas

semelhantes de pensar, isso cria um bloco de votação que, além de criar um ambiente

inóspito para dissidentes, pode levar à ocorrência do groupthink e à tomada de decisão

de má qualidade. Nesse contexto, muitos vieses podem se fazer presentes, como

conselheiros que se apeguem demasiadamente a uma informação específica e tiram

conclusões precipitadas, ou que busquem acentuadamente evidências que acreditem

seus pontos de vista ao passo que descartam aquelas que o rejeitam.

Como forma de se combater o supracitado, Bourke (2016) sugere a construção

de uma inteligência coletiva. Isso é, um ambiente em que conselheiros compreendam

suas forças e suas fraquezas no que tange a solução de problemas e à tomada de

decisão, buscando suplementar sua abordagem para processos decisórios a partir das

abordagens dos demais integrantes do comitê. Assim, constrói-se uma valiosa tensão

entre os integrantes do grupo, levando a uma construção que inclui uma diversidade de

ângulos para o problema em questão. Como consequência dessa mais ampla definição

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e análise do problema e dos cenários nele envolvidos – “um dos precursores para uma

boa resolução de problemas” – reduz-se significativamente o risco da existência de um

ponto-cego, comum em processos conduzidos por grupos homogêneos.

Por fim, Bourke (2016) sugere a existência de seis modelos mentais que definem

a construção de uma decisão por parte do conselho, nomeados com base naquilo que

define a prioridade do indivíduo, são eles: resultados, alternativas, pessoas, processos,

evidências e riscos. De forma simples, a autora sugere que indivíduos podem se

identificar em um dos perfis a partir da pergunta detalhada abaixo, e que 93% das

pessoas são capazes de fazê-lo.

“Você está em uma reunião. [...] Você está ouvindo o debate e sabe que só

poderá fazer uma pergunta a respeito do problema que o time está tentando resolver.

Qual desses itens você seleciona?

(1) Resultados: Quais são os objetivos? Por que estamos fazendo isso?

(2) Alternativas: Quais são as opções? O que poderíamos fazer?

(3) Evidências: Quais são os fatos? Quais são as evidências em que estamos

nos embasando?

(4) Processos: Quais serão as etapas ou atividades que serão realizadas de

modo a implementar a solução?

(5) Pessoas: Quem são as pessoas envolvidas? Como as pessoas vão se sentir

com respeito à solução? Como engajá-las na solução?

(6) Riscos: Quais são os riscos? O que pode dar errado? Para quais cenários

deveríamos nos preparar?” (BOURKE, 2016)

Somando-se a essa visão sobre a importância da diversidade, McConnel (2013)

cita o FRC (Financial Reporting Council), o regulador financeiro inglês, segundo o qual

um conselho de administração efetivo não deveria necessariamente ser um ambiente

confortável aos presentes. Ainda, o autor afirma que o desafio, tal qual o trabalho em

grupo são uma importante característica de conselhos efetivos. Assim, apresenta a

diversidade como alavanca para a efetividade, “capaz de criar uma ampla gama de

perspectivas entre os presentes, desconstruindo a tendência à ocorrência do

groupthink”.

Também no sentido de garantir um ambiente aberto a discordâncias e à

construção de múltiplas perspectivas, Kamalnath (2019) ressalta a importância de a

diversidade no grupo se dar também no que tange às redes de relacionamento dos

integrantes. Isso porque, segundo o autor, diretores que participem juntos dos

Conselhos das mesmas companhias, e compartam de uma relação de amizade fora do

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contexto profissional, tenderão a expressar menos abertamente suas visões divergentes

do que o fariam diante de indivíduos pertencentes a círculos sociais distintos dos seus.

Ainda no que tange à diversidade dentro dos conselhos, Parsons e Feigen (2014)

apontam para o fato de as estatísticas estarem indo na direção certa. Chamando

atenção para o fato de que grupos homogêneos estão suscetíveis ao acometimento do

groupthink, os autores advogam em prol da diversidade – como em termos de idade,

experiência, tema de formação e etnia – como meios de proteção contra o consenso

fácil, afirmando que a busca por uma maior profissionalização dentro de conselhos

administrativos não deve vir às custas da diversidade dentro do grupo. Segundo os

autores, em 2014, 17% das posições de diretoria nos conselhos das 500 maiores

companhias americanas estavam ocupadas por mulheres, em comparação aos 12% de

2002 – demonstrando que, embora de forma tímida, estamos no caminho certo.

A melhoria acima citada é apenas uma das melhorias descritas pelos autores

naquilo que definiram como “um processo revolucionário, dramático e silencioso, de

auto-reforma e melhoria contínua [nos conselhos de administração]”. (PARSONS E

FEIGEN, 2014) Em sua pesquisa, para compreender “como a mágica dos melhores

Conselhos” ocorre, foram entrevistados 24 diretores, atuando em conselhos

administrativos de referência dentro do mundo corporativo, e se coletou seus

aprendizados liderando, servindo e aconselhando comitês e CEOs.

Segundo a pesquisa, uma prática que vem se tornando cada vez mais imperativa

e presente nos melhores Conselhos é a prática de se realizar reuniões apenas com os

diretores que não possuem cargos na gestão da companhia, em outras palavras sem o

CEO o CFO e outros executivos, por exemplo. Essa prática, descrita como “a inovação

mais importante da atualidade no que tange à governança corporativa” se propõe a

permitir que conselheiros expressem seus medos e inquietudes de maneira mais livre,

promovendo um canal aberto para a divergência – sem o receio de ofender ou se

indispor com os indivíduos responsáveis pelo trabalho. (PARSONS E FEIGEN, 2014)

Somada a essa, está outra prática em linha com a teoria original do groupthink.

Segundo Parsons e Feigen (2014), cada vez mais, conselhos convidam especialistas

externos que possam, a partir de suas experiências, agregar conhecimento a uma

decisão a ser tomada. Ainda, existe a tendência de que esses especialistas sejam, por

vezes, focados especificamente em governança. Esses atuam observando o trabalho

do conselho, dando feedback e orientando, com base em suas experiências, a respeito

das melhores práticas a serem implementadas.

Ainda, embora a qualidade dos Conselhos de Administração já esteja alta, para

Parsons e Feigen (2014), ainda há espaço para melhorias e uma das alavancas

existentes está em uma melhor preparação para contextos de crise. Segundo os

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autores, “a natureza humana, no que tange à criatividade, à capacidade de reação e à

liderança, se torna imprevisível quando o indivíduo é posto em uma situação de

pressão”. Assim, sugere-se que a realização de simulações – por mais incomum que o

método possa parecer – podem auxiliar na compreensão de como o conselho agiria em

um contexto de crise.

Uma inovadora abordagem do tema é vista em Kamalnath (2019), que se propôs

a avaliar o potencial de aplicação de ferramentas de Inteligência Artificial no combate à

ocorrência do groupthink em Conselhos de Administração. Segundo o autor, a

tecnologia poderia, de forma não enviesada, e não suscetível a sentimentos humanos,

identificar lacunas de informação para o processo decisório, ou mesmo indicar novas

abordagens para o problema. Cita, ainda, que embora a operacionalização legal e a

regulação de uma medida como essa sejam altamente complexas no momento, já

existem casos testando a adoção de um robô de Inteligência Artificial no papel de um

Conselheiro Administrativo independente.

Por último, os estudos desenvolvidos por O’Connor (2003) se somam às diversas

medidas sugeridas para a prevenção da ocorrência do fenômeno em conselhos. O autor

propõe a formalização do papel do “advogado do diabo”, contudo feita de forma

temporária e rotativa. Dessa forma, o indivíduo que estiver responsável pela medida terá

suficiente legitimidade para desafiar o consenso do grupo, ou as ideias de um indivíduo

em particular, sem que com isso o desafiante ponha em risco seu bom relacionamento

com os demais. Ao mesmo tempo, devido ao aspecto rotativo da medida, limita-se o

risco de que os demais conselheiros passem a desacreditar os argumentos

apresentados pelo advogado do diabo, algo que – segundo a literatura no tema – tende

a ocorrer, após um dado tempo de implementação da medida, devido à dificuldade de

o indivíduo exercer o papel repetidas vezes de forma suficientemente convincente e

realista. Em outras palavras, contribuindo para a não banalização dos questionamentos

provocados pelo advogado do diabo.

4.2 Aplicações a Equipes de Projeto

Para além dos Conselhos de Administração, múltiplos autores exploraram a

teoria do groupthink no âmbito de equipes de projeto ou das chamadas “Organizações

Temporárias” – qualquer organização orientada a um objetivo, e construída sob a

premissa de que terá um fim institucionalizado após um dado espaço de tempo.

(HÄLGREN, 2010) Nesse capítulo, apresentaremos algumas das conclusões desses

autores, que discutiram, entre outros tópicos, as consequências da natureza isolada e

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estressante do trabalho em equipes de projeto, assim como a tendência a que sejam

grupos coesos e homogêneos.

Hälgren (2010) aplicou a teoria a um estudo de caso realizado a respeito do

acidente conhecido como o Desastre do Monte Evereste, que após erros dos diversos

personagens envolvidos, levou à morte de quinze indivíduos em Maio de 1996.

Como premissa, o autor define expedições de escalada de uma montanha em

grupo como uma Organização Temporária, na medida que possuem restrições de

tempo, custo e escopo e se constroem a partir de um objetivo claro a ser atingido:

alcançar o topo da montanha com todos os participantes e retornar sem perdas à base

da montanha ao fim. No estudo, a partir de uma análise retrospectiva dos depoimentos

dos sobreviventes, tal qual das pesquisas acadêmicas a respeito do caso, aponta-se a

complacência do grupo para com decisões que ao fim se provaram fatais, sustentando-

se a hipótese do acometimento do groupthink. Seus argumentos para tal são discutidos

a seguir.

Inicialmente, cita-se a força de um objetivo claro em comum – em projetos em

geral, e na expedição em particular – assim como o dinheiro e o tempo investidos pelos

indivíduos para sua realização. A respeito disso, múltiplos autores afirmam que os

objetivos das organizações temporárias tendem a tomar uma importância tal para a

equipe envolvida, que os indivíduos deixam de lado parte suas construções críticas.

Ainda, aponta-se que o compartilhamento de uma visão forte, embora benéfico sob

diversas óticas, é um fator relevante para o acometimento do groupthink em

organizações temporárias. Adicionalmente, organizações temporárias são tipicamente

formadas por especialistas em um dado campo temático – sejam eles cientistas sociais,

engenheiros ou outros. Aqui, o aspecto de homogeneidade, parece ter agravado as

consequências da coesão construída com base na força do objetivo em comum e da

elevada motivação para alcançá-lo.

O autor descreve, ainda, como outros antecedentes para o fenômeno também

se fizeram presentes. Inicialmente, a expedição é uma entidade isolada das demais,

devido aos desafios de comunicação, e – de certa forma – indivíduos são isolados uns

dos outros, visto que apenas os guias presentes possuem aparatos para comunicação.

Como consequência dos desafios de comunicação, com um agravante na disparidade

de experiência no tema entre os guias e os demais integrantes da expedição, os

processos decisórios ao longo do projeto tenderam a ser menos colaborativos do que o

ideal, com decisões sendo fortemente concentradas entre os guias ali presentes. Nesse

sentido, a expedição se assemelha a um grupo de projeto que não possui acesso a

outras equipes em temas similares, tampouco a documentação teórica e prática sobre

o tema, em que o líder toma para si a responsabilidade sobre toda a comunicação a ser

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feita no projeto. Ainda, a pressão existente, originada ambos pelo nível de complexidade

da tarefa e pela forte concorrência entre as múltiplas agências que organizam

expedições ao Evereste, construiu um contexto propício à subestimação dos perigos

presentes, à uma avaliação competitiva e estereotipada da concorrência e a um perfil

de liderança – por parte dos guias – diretiva e irresponsável. Ao fim, a pressão para que

os guias obtivessem sucesso com o projeto os levou a um caminho marcado por más

decisões nos âmbitos de prazo, escopo e risco.

Hälgren (2010), sugere que a prevenção do groupthink passa pelo equilíbrio,

durante a tomada de decisão, entre liberdade (ou colaboração), eficiência e rapidez.

Para tal, deve-se planejar, com base no contexto, quais aspectos de um projeto serão

decididos de forma colaborativa e quais devem sê-lo objetivamente. Por fim, citando

decisões ruins tomadas no caso estudado, sob a ótica das boas práticas na escalada

de montanhas, como permitir a separação do grupo – que passou a subir a montanha

individualmente – ou abandonar indivíduos seriamente debilitados para que descessem

sozinhos, conclui que aspectos intrínsecos da estrutura de organizações temporárias

tendem a propiciar a ocorrência do groupthink.

Em outro estudo sobre a ocorrência de groupthink em projetos, Reaves (2018),

retoma as consequências do fator temporalidade. Para o autor, equipes de projetos

estão mais vulneráveis para com o fenômeno devido à dificuldade de se construir, em

um tempo limitado, controles que minimizem estereótipos, apatia para com grupos

externos ou a tomada de riscos excessivos. A partir de entrevistas com dezesseis

gerentes de projetos certificados, com ao menos dez anos de experiência cada, Reaves

(2018) investigou a ocorrência do groupthink em projetos temporários, sob a perspectiva

de gerentes, construindo inferências a respeito de suas consequências negativas e das

dificuldades por parte das equipes de projeto de preveni-lo com sucesso.

Para o autor, a forma como um gerente apto atuará para prevenir o fenômeno

dependerá de sua senioridade, tal qual de suas experiências anteriores. A utilização de

metodologias robustas para o gerenciamento pode auxiliar na melhoria da estrutura

organizacional do projeto – combatendo as falhas estruturais do processo decisório –

desde que o time em si esteja habilitado apropriadamente para a utilização da

metodologia. Adicionalmente, sugere-se o encorajamento – por parte do líder – a que

se avalie criticamente as ideias discutidas, que se considere as informações disponíveis

para a tomada de decisão e que se construa um ambiente de confiança entre os

membros da equipe de projeto. Ainda, defende-se a promoção de ideias divergentes e

de decisões multilaterais, assim como a clareza quanto à responsabilidade de cada

integrante no que se refere ao sucesso do projeto e à definição de advogados do diabo

quando necessário. Por fim, pontua-se que a medida mais importante na prevenção do

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groupthink em projetos é permitir que times realizem seu trabalho protegidos contra

intromissões – como clientes pressionando na direção de prazos inviáveis – e construir

um ambiente que estimule a que gerentes e equipes escalem problemas e receios

rápido, sem medo de retaliação. (REAVES, 2018)

Também analisando o groupthink no contexto de equipes de projeto, Riccobono

et al. (2015) novamente sinaliza a natureza do grupo como um potencial precursor para

a ocorrência do fenômeno – dessa vez devido às incertezas de execução, às limitações

inerentes, como orçamento e prazo, e às ameaças externas para a boa execução do

projeto. O estudo em questão foi baseado na avaliação de estatísticas construídas a

partir da observação de alunos de MBA que, ao longo de três meses, desenvolveram

projetos em grupos, no campo da reengenharia de processos. Esse foi construído com

o intuito de avaliar o impacto de características, individuais e coletivas, do trabalho do

grupo, com respeito ao potencial de ocorrência dos comportamentos oriundos do

groupthink, tal qual no que se refere à qualidade da performance final.

Riccobono et al. (2015) concluiu que altos níveis de autoconfiança, por parte de

um ou mais indivíduos da equipe de projeto, impacta negativamente a performance da

equipe – sobretudo quando os integrantes tenham alta proximidade – além de amplificar

a ocorrência do groupthink e suas consequências indesejáveis. No que tange ao

controle do fenômeno, o autor sugere que gerentes de projeto reforcem a concepção do

debate entre pares como uma atividade prazerosa, útil e efetiva na tomada de decisões

e a solução de problemas e que desencorajem que indivíduos em um grupo reconheçam

um ou outro integrante como mais capaz ou competente que os demais, expondo e

valorizando abertamente as experiências, pessoais e profissionais, anteriores de cada

um dos indivíduos da equipe de projeto.

4.3 Aplicações à Administração Pública

Para além da iniciativa privada, o modelo foi aplicado em diversos estudos dentro

do ambiente da administração pública, sob a ótica da garantia da ética na tomada de

decisão, da institucionalização de procedimentos que combatam as falhas estruturais

ou mesmo do impacto do nível de experiência de líderes na prevenção do fenômeno.

Alguns desses estudos são apresentados a seguir.

Como um primeiro exemplo, um experimento realizado com executivos do

departamento de Compras do governo central de Uganda, que contou com a

participação de mais de 200 respondentes a uma pesquisa, buscou explorar a relação

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entre a coesão intragrupo, a ocorrência do groupthink e o comportamento ético geral

dos indivíduos. (NTAYI ET AL., 2010)

A motivação para o estudo de Ntayi et al. (2010) se originou na constante perda,

para o país, de uma significativa quantidade de recursos, causada por processos de

compras públicas mal feitos. Em um caso específico, o governo comprou uma grande

área de terra por um preço posicionado entre trinta e dois e cinquenta e sete por cento

acima do que valorações profissionais de três especialistas haviam sugerido. Contudo,

mesmo após o fiasco ser exposto na mídia, o grupo de decisores se posicionou

publicamente a favor da decisão de compra, em uma demonstração de solidariedade

ao grupo.

Entre as conclusões, a análise estatística de múltiplos fatores, empregada no

caso, indicou que o groupthink é altamente explicativo da ocorrência de comportamento

antiético por parte dos indivíduos. Por fim, ressaltando os aspectos contraditórios do

conhecimento que se tem até o momento a respeito da coesão entre grupos,

comumente apresentada como mobilizador para a solidariedade entre indivíduos e para

a manutenção do alto moral de um grupo, os autores concluíram haver uma forte

correlação inversa entre o nível de coesão social em um grupo e o nível de ética

encontrado em seu comportamento. (NTAYI ET AL., 2010)

Outra aplicação da teoria no contexto da organização pública, está presente em

Breger (2010), dessa vez aprofundando-se no contexto das varas de família. A vara de

família, dentro do direito americano, – aqui entendida como constituída por juízes,

promotores, advogados e demais agentes do sistema – diz respeito aos casos relativos

a questões domésticas e de família, assim como a crimes e infrações cometidas por

indivíduos abaixo da maioridade penal. Nas palavras de Breger (2010), diz respeito a

indivíduos para com quem as outras múltiplas instituições do governo já falharam,

incutindo nas cortes a responsabilidade de amparar famílias e jovens, ao contrário de

penalizá-los e puni-los.

Em sua construção, a autora se utiliza da análise de características intrínsecas

ao contexto das varas de família, argumentando a favor de que essas, quando

combinadas, constroem os antecedentes para o acometimento do groupthink.

Inicialmente, a especificidade do tema e a tendência, no direito, à especialização dos

profissionais, tende a limitar o volume – tal qual a diversidade de perfil – de pessoas que

participam da dinâmica de uma dada corte. Também, o fato é amplificado pela estreita

jurisdição das varas, estimulando a constante repetição da participação dos mesmos

indivíduos. Adicionalmente, a natureza do trabalho realizado estimula a interação

constante dos atores do sistema, dada a alta necessidade de troca de informação.

Ainda, a literatura no tema sugere que juízes tendem a valorizar a manutenção de uma

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forte identidade de grupo e a buscar a aprovação de outros. Por fim, diferentemente do

que ocorre em outras varas, na vara de família casos são tipicamente decididos em

audiências privadas com o juiz, não contando com a participação de um júri. Como

consequência, tem-se um contexto de decisão de alta coesão, isolado da participação

de grupos externos, em que indivíduos atuam como uma forma de colegiado,

compartilhando uma série de normas não oficiais que definem a expectativas para com

o comportamento aceito dentro do sistema. (BREGER, 2010)

Ainda, duas características das varas de família terminam por construir o

contexto propício para a ocorrência do fenômeno. Em primeiro lugar, existe uma baixa

profissionalização ou formalização dos procedimentos na vara de família, possivelmente

em consequência da natureza dos casos por ela trabalhados e das intenções, de certa

forma terapêuticas, vinculadas a ela quando de seu surgimento. Além disso, é inerente

à vara de família uma natureza de crise. Essa ocorre, em parte, pela urgência dos casos,

que comumente envolvem a proteção de crianças e jovens, e, sobretudo, pela carga

emocional e sensível presente nos temas trabalhados. Dessa forma, somam-se ao

contexto, a baixa qualificação dos processos organizacionais empregados na tomada

de decisão, assim como o complicador de estresse constante. (BREGER, 2010)

Breger (2010) sugere que uma das medidas que poderia auxiliar a combater o

problema apresentado é o fim da responsabilidade de juízes em apontar defensores ou

promotores em seus próprios casos. Para a autora, a medida poderia auxiliar no

combate à homogeneidade, no controle de conflitos de interesse e na redução de

improbidades.

Ao fim, de modo a propor medidas para a prevenção da ocorrência do groupthink

em cortes, Breger (2010) propõe:

(1) Eliminar o isolamento do grupo, estabelecendo responsabilidades e

processos de controle;

(2) Proteger denunciantes

(3) Permitir que dissidentes se posicionem contra as ideias do grupo

Adicionalmente aos estudos já discutidos, Kelman et al. (2014) também explorou

construções do modelo teórico do groupthink sob a ótica da administração pública.

Através de entrevistas qualitativas com 20 executivos de alto escalão do governo federal

americano, os autores se propuseram a explorar os métodos empregados de tomada

de decisão no governo, com foco na utilização, ou não, do conceito de “avaliação

vigilante”. Os respondentes foram questionados através de seis perguntas, expostas no

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presente estudo de forma a fornecer um benchmark para aqueles com a intenção de

realizar futuras pesquisas qualitativas no tema.

(1) “Quem são os indivíduos, dentro ou fora da organização, a quem você mais

recorre para obter conselhos ou informações acerca de decisões que você

precisa tomar?”

(2) “Quais são as fontes de informação – que não pessoas – das quais você se

utiliza para tomar decisões?”

(3) “Qual foi a decisão mais difícil que você precisou tomar enquanto desde que

começou a ocupar o presente cargo? Por que essa decisão foi difícil? Como

você a tomou?”

(4) “Você conseguiria se lembrar de uma situação específica em que a chegada

de novas informações, ao longo de processo decisório já iniciado, alterou a

decisão que você tomou?”

(5) “Você conseguiria lembrar de uma situação específica em que a chegada de

uma nova informação, enquanto você estava implementando as

consequências de uma decisão anterior, alterou a forma como você

procedeu a seguir?”

(6) “Existe alguma medida específica que você costuma tomar para aumentar a

diversidade de pontos de vista que você ouve quanto a importantes decisões

que você precisa tomar?”

O estudo concluiu haver um certo padrão na adoção, por parte das agências do

governo, de posturas alinhadas à avaliação vigilante. Também, identificou que – dado

uma clara cultura de forte profissionalização e burocratização dos processos de tomada

de decisão no contexto estudado, líderes tendem a valorizar indivíduos que possuam

um viés para a ação ou, em outras palavras, pessoas mais orientadas à decisão que ao

controle. Ou seja, em um contexto que prima pela garantia do controle ao risco e da

avaliação vigilante, de modo que o groupthink já não seja um perigo eminente, tende-

se a buscar nas características comportamentais dos próprios indivíduos a habilidade

de impedir que o extremo oposto ocorra: “a paralisia por excesso de análise”. (KELMAN

ET AL., 2014)

Por fim, Kelman et al. (2014) identificaram um padrão no que tange às medidas

adotadas pelos melhores gestores – dentre a amostra entrevistada – para a ampliação

da diversidade durante um processo decisório. O padrão, resumido em cinco grandes

práticas, passa por:

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(1) Ouvir, além do comitê principal, a opinião de funcionários com menor grau

de senioridade;

(2) Encorajar abertamente que as pessoas de pronunciem sinceramente, seja

em grupos ou em reuniões privadas;

(3) Utilizar a prática – descrita no presente estudo quando da apresentação dos

métodos tentativos de prevenção propostos por Janis – da reunião de última

chance;

(4) Não pronunciar sua visão pessoal antes de ouvir a visão da equipe e

(5) Promover votações anônimas.

4.4 Aplicação ao caso da Guerra do Iraque

Um caso específico que deu origem a múltiplos estudos de caso e aplicações

das hipóteses do fenômeno e de seus sintomas foi a origem da Guerra no Iraq, iniciada

durante o governo de George W. Bush com ampla aprovação do congresso americano.

A guerra em questão que, após 9 anos de duração, matou centenas de milhares de

pessoas e levou à descoberta de que todas as premissas que a sustentaram se

pautavam em inverdades, se mostrou um claro caso recente do acometimento do

groupthink no âmbito da política internacional. (ISIKOFF ET AL., 2006)

Em seu estudo, Rodin (2015) afirma que, à época, os membros do governo

estavam claramente enviesados a encontrar em Saddam Hussein (então chefe de

estado iraquiano) uma explicação para o atentado de 09/11/2001, simplesmente porque

“não havia, no Afeganistão, um personagem que pudesse se tornar o inimigo da nação”

naquele momento. Compara, então, a postura do governo ao fenômeno conhecido como

drunkards search – ou a busca do bêbado – em que o bêbado procura suas chaves

perdidas no lugar errado, apenas porque naquele lugar a iluminação é melhor. Ainda,

explica que, ao longo do processo de construção do plano de iniciar uma guerra, se uma

nova evidência trazida por uma agência de inteligência do governo “não encaixasse na

teoria” [de que Saddam Hussein era uma grande ameaça e deveria ser deposto], o

comitê principal de Bush não aceitaria a evidência.

No que tange aos antecedentes do fenômeno, o comitê de Bush era um grupo

suficientemente coeso e homogêneo (RODIN, 2015), composto por indivíduos de

notável experiência (ISIKOFF, 2006) que compartilhavam uma ideologia

neoconservadora. Adicionalmente, estava presente uma clara parcialidade por parte do

presidente no sentido de defender a importância da guerra. Isso porque, além de o então

presidente iraquiano supostamente haver tentado matar o pai do então presidente

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americano durante a Guerra do Golfo, a agenda neoconservadora de Bush notadamente

incluía o fim do regime totalitário iraquiano. Ainda, a análise documental do processo

indica que faltavam normas e procedimentos de controle adequados. Finalmente,

embora oficialmente não existisse uma pressão sob o ponto de vista do prazo para a

decisão, havia uma “percepção geral de grave perigo”, tal qual um sentimento de

urgência e vulnerabilidade, compartilhados entre a população em decorrência do, então

recente, atentado sofrido. (RODIN, 2015)

Rodin (2015) discorre sobre uma série de fatos que ajudam a sustentar a

hipótese do acometimento do fenômeno. Primeiramente, o presidente Bush declarava

que os Estados Unidos possuíam o nobre dever de libertar a população iraquiana de

um governo totalitário e o comitê se referia a Saddam Hussein como um agressor

imparável, “que não mediria esforços para matar cidadãos americanos”. Além disso, ao

caracterizar a CIA como uma organização com tendências de esquerda, os conselheiros

criaram racionalizações para descartar as avaliações técnicas com fortes evidências

contrárias à guerra, desenvolvidas pela agência, se isolando cada vez mais. Ainda, a

atuação do então vice-presidente Cheney como um mindguard protegendo o presidente,

unida à baixa abertura ao debate de divergências, gerava uma coletiva ilusão de

unanimidade quanto à decisão a ser tomada. Por fim, “as informações foram

escondidas, fabricadas e manipuladas de modo a levar à conclusão desejada e

politicamente conveniente”.

De forma conclusiva, Rodin (2015) afirma haver claras indicações que suportem

a hipótese do acometimento do groupthink, levando à ocorrência de mais um fiasco no

âmbito das Relações Exteriores norte-americanas.

4.5 Aplicação ao caso da Crise Financeira de

2008

Outro fiasco, analisado sob a ótica do groupthink âmbito da teoria de Janis, foi a

crise financeira global de 2008. Apresentada brevemente no subcapítulo anterior

através dos estudos realizados em McConnel (2013), sob a lente das falhas

empreendidas pelos conselhos administrativos dos grandes bancos, aqui remete-se ao

estudo de Bénabou (2013), sob a lente de times gerenciais em geral.

Nas análises à posteriori de desastres – como a crise supracitada – é comum

que se descubra que os personagens do caso foram vítimas de uma “cegueira otimista”

e coletiva, marcada pelo excesso de confiança. Tipicamente, claros sinais de perigo são

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deixados de lado, enfrentados com negação ou seletivamente reinterpretados e

dissidentes são afastados. Bolhas de mercado apresentam esse mesmo padrão, com

“investidores agindo como daltônicos diante de sinalizações vermelhas de perigo”

(BÉNABOU, 2013), até que a crise estoura.

Segundo Bénabou (2013), existem evidências que demonstram que, à época,

aqueles que mais tinham a perder com os riscos da bolha do mercado imobiliário

americano apresentavam coletivamente um padrão de otimismo exacerbado no que se

referia ao tema. Por exemplo, relatórios apontam que diversos bancos e outras

entidades que operavam com títulos garantidos por hipotecas mantiveram uma boa

parte de suas posições, o que resultou em grandes perdas. Nessas companhias, os

analistas tinham clara compreensão de como o valor dos títulos se comportariam em

cada um dos possíveis cenários de precificação do mercado imobiliário, mas optaram

por assumir probabilidades extremamente baixas para a ocorrência dos cenários

adversos – mesmo após o início da queda dos preços em todo o país.

Finalmente, Bénabou (2013) afirma que o princípio do delírio coletivamente

assegurado – até certo ponto caracterizado pela negação, ampliação ou distorção das

informações disponíveis, de forma a sustentar o otimismo exacerbado e viabilizar a

ignorância a respeito de externalidades negativas – é um forte explicativo de culturas

corporativas definidas pelas disfunções sociais do groupthink e do alto moral.

Em outra abordagem sobre a participação do fenômeno na crise financeira em

questão, McConnel (2013) explorou a importância do envolvimento de agentes externos

– como especialistas – na avaliação da qualidade do processo decisório empregado em

grandes organizações; o fazendo sob a ótica da viabilização da ampliação da prática,

através da tecnologia. O autor analisou os antecedentes da crise, assim como o

consequente colapso de importantes instituições, como os bancos Lehman Brothers e

Nothern Rock, explicando que o groupthink – assim como os demais erros das

organizações ao longo do processo – poderiam ter sido identificados a tempo a partir do

que ele denominou: “Minutas de Conselho Completas”.

Tais minutas dizem respeito a transcrições eletrônicas das reuniões de conselho,

a serem feitas em tempo real a partir de tecnologia já existente, sendo colocadas sob a

análise de especialistas. Esses, então, avaliariam a qualidade do processo decisório,

sobretudo quanto ao emprego de boas práticas de identificação de riscos e à presença

do groupthink ou de outros vieses destrutivos no processo. (MCCONNEL, 2013)

Segundo McConnel (2013), relatórios oficiais a respeito das causas da crise

financeira de 2008 identificaram aspectos da governança corporativa das diversas

organizações envolvidas como um importante fator. Também importante, estudos

sugerem a ocorrência do groupthink em diversas instituições e apontam a tomada de

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decisão defeituosa como um fator viabilizador da crise. De forma resumida e pontual, e

sem a intenção de comprovar os antecedentes da crise, aqui nos utilizamos do caso de

uma apresentação, realizada pela área responsável por renda fixa e ativos de hipoteca

do Lehman’s Brothers, ao Conselho de Administração da companhia, como uma boa

ilustração para a hipótese de ocorrência do groupthink.

Análises, a partir de entrevistas e minutas da reunião, mostraram que:

1) A apresentação era insuficiente em detalhes, sobretudo quanto aos riscos da

forte participação do banco no mercado de subprimes

2) Havia um otimismo na projeção dos resultados e, sem evidência clara, se

declarava que “a lucratividade das operações iria voltar quando o contexto

melhorasse”

3) Havia um consenso e uma “ilusão de controle”, segundo os quais a equipe

era suficientemente competente para lidar com os desafios presentes

4) Não há evidências de que o conselho se aprofundou suficientemente a

respeito dos potenciais impactos da crise ou para as medidas sendo tomadas

para proteger a companhia (MCCONNEL, 2013)

Cerca de um ano e meio após uma apresentação que assegurava aos

conselheiros de que a situação estava sob controle, o Lehman’s Brothers declarou o

que veio a ser o maior caso de falência da história até o presente momento. (WIGGINS,

2019)

Uma vez esclarecida a problemática do caso, McConnel (2013) defende que uma

possível alavanca para melhoria dos processos de monitoramento, e, portanto, de

governança, está na forma como as reuniões de grande importância são registradas.

Além das minutas – como a da reunião citada anteriormente – só ficarem disponíveis

para avaliação após cinco anos da ocorrência da reunião, muitas informações de grande

relevância acabam não estando presentes nos documentos. Uma ilustração disso está

no depoimento de Paul Moore – um dos primeiros executivos à época a falar

abertamente sobre os riscos de uma crise iminente. Moore afirma ter avisado o

Conselho de Administração do banco em que trabalhava a respeito da necessidade de

se desacelerar a estratégia do banco e que foi impedido de inserir sua recomendação

na minuta da reunião.

Finalmente, o autor propõe que, se utilizando da tecnologia já existente, reuniões

de conselho de grandes empresas passem por um processo de transcrição simultânea,

dando origem a minutas completas, que possam ser avaliadas por especialistas, de

modo a prevenir fiascos. Ainda, aponta os desafios de implementação no que tange à

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confidencialidade das informações, mas defende que, uma vez operacionalizada a

prática, a tendência é a melhoria da performance dos comitês – como consequência dos

feedbacks originados a partir da análise dos processos empregados em cada reunião.

Finalmente, oferece um guia – dividido nos temas de “Governança Corporativa”,

“Processo Decisório”, “Comportamento do Grupo” e “Gestão de Risco” – que objetiva a

direcionar o trabalho do profissional que venha a estar responsável pela análise crítica

das transcrições. (MCCONNEL, 2013)

Outra vez aplicando a teoria a essa crise, Sunstein e Hastie (2015) explicam que

as normas do grupo, valorizando mais ou menos uma cultura com foco no pensamento

crítico, podem ser alteradas e construídas por uma dada organização. De forma

ilustrativa, apresentam o caso do The Vanguard Group, um fundo especializado que se

beneficiou durante a crise por haver dado espaço ao pensamento crítico de uma

funcionária. Segundo os autores, à época, embora as agências de risco estivessem

avaliando os títulos oferecidos no mercado - assegurados pelas hipotecas das famílias

americanas - com alto nível de qualidade de credito, uma analista que havia se unido

ao corpo de funcionários do fundo recentemente se posicionou contrária à aceitação da

avaliação elaborada pelas agências. Como consequência, o fundo, diferentemente de

muitos outros, optou por uma postura mais precavida e prudente para com esses títulos,

o que os gerentes da organização creditaram a uma “cultura de valorização à

dissidência racional”.

Uma última avaliação acerca da participação do groupthink como um dos

personagens da crise financeira de 2008, dessa vez sob a ótica dos antecedentes na

Irlanda, pode ser encontrada em Nyberg (2011), o relatório oficial da Comissão de

Investigação do setor bancário irlandês.

Segundo o relatório, que avaliou a contribuição de múltiplos agentes para a

ocorrência da crise financeira irlandesa, o groupthink foi um importante fator para a

atuação passiva, ou de complacência, dos agentes reguladores no que se refere à sua

responsabilidade, não cumprida, de prevenir e detectar a crise. Ainda, explica-se que o

fenômeno foi, em grande parte, viabilizado e reforçado devido à existência de uma

crença coletiva na eficiência dos mercados financeiros e em sua capacidade de se

autorregularem, sobretudo em se tratando de países desenvolvidos. Nesse contexto,

parecia razoável acreditar que uma maior regulação nos mercados financeiros traria

uma redução da eficiência e da capacidade de inovação do setor, sem necessariamente

aumentar a sua estabilidade, apontando para um consenso de que era melhor operar

com menos regulação. (NYBERG, 2011)

Utilizando-se dos conceitos definidos pelo modelo do groupthink, como sintomas

e antecedentes, Nyberg (2011) pontua uma série de fatos, registrados a partir de

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entrevistas com executivos dos principais bancos irlandeses, que corroboram a hipótese

de ocorrência do fenômeno. Em geral, era esperado dos funcionários uma postura de

conformidade com as normas da equipe, tal qual um comportamento condizente com o

de integrantes de um colegiado. Também, em múltiplos casos, foi descrita a presença

de líderes – fossem eles CEOs, presidentes do conselho ou diretores executivos – com

personalidades notadamente diretivas. Ainda, entrevistados compartilharam visões dos

bancos como grandes famílias, em que comumente opiniões divergentes não eram bem

quistas. Finalmente, havia uma tendência a se renunciar à avaliação crítica e da

consideração acerca de riscos, contribuindo para que – até o fim – houvesse uma

atmosfera de negação ao risco acumulado a partir das decisões tomadas pelas

organizações. (NYBERG, 2011)

De forma geral, a Comissão de Investigação apresenta a conclusão de que, entre

uma multiplicidade de outros fatores, “forças contundentes e irracionais” se fizeram

presentes no caso. Segundo essa, no período, se fizeram presentes na Irlanda, além do

consenso a respeito da capacidade de autorregularão do mercado, o rechaço a

quaisquer sinais de alerta quanto à eminência do fim da estabilidade econômica.

Finalmente, havia uma confiança, até o último momento já em fins de 2008, de que “tudo

acabaria relativamente bem”. (NYBERG, 2011)

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5. Conclusão

A leitura dos múltiplos estudos apresentados no presente projeto reforça a ideia

de que, quase cinquenta anos após o primeiro desenvolvimento da teoria, o groupthink

ainda é um fenômeno de grande interesse, seja acadêmico ou corporativo, cuja

pesquisa deve ser continuada.

Inicialmente motivado por decisões falhas do governo norte-americano, como a

Invasão à Baía dos Porcos, a Invasão ao Paralelo 38, o ataque à Base de Pearl Harbor,

a escalada da Guerra do Vietnã ou o fiasco do Watergate – não estando, os dois últimos

detalhados nesse estudo – o modelo pode, à primeira vista, parecer tratar apenas de

decisões a serem tomadas pelo chefe da Casa Branca. Contudo, um maior

aprofundamento nos mostra que, em cada detalhe das atitudes tomadas pelos

indivíduos integrantes daqueles comitês, poderíamos identificar um paralelo para

atitudes vistas na gestão de operações de uma companhia, nas decisões estratégicas

em uma Organização Não Governamental ou mesmo nas decisões de maior seriedade

na atmosfera familiar.

Ilustrado na diversificação dos casos de aplicação aqui expostos, como a

falência de um banco, um acidente em um grupo de alpinistas ou mesmo o início de

uma guerra, está clara a viabilidade de utilização do modelo nas mais diversas

organizações. Ainda, embora de forma lenta, o conceito dá sinais de

internacionalização, aqui percebida em sua aplicação à administração pública em

Uganda ou à sua presença preponderante no relatório oficial da Comissão de

Investigação na crise financeira na Irlanda.

Com respeito à história recente do Brasil, a compreensão detalhada do

fenômeno motiva a construção de diversas hipóteses. Seria possível que os executivos

à frente das construtoras envolvidas no esquema conhecido como “Petrolão”

estivessem tomados por um sentimento de euforia e otimismo de que “tudo daria certo”

e de que os crimes nunca seriam descobertos? Poderíamos conjecturar que alguns dos

indivíduos atuantes da Operação Lava Jato que incorreram em atos de conspiração ou

de vazamento de informações o fizeram comprometidos com a racionalização de estar

lutando por um objetivo nobre contra um inimigo mal intencionado? Finalmente, pode

ter existido, entre os diretores da Mineradora Vale, uma dinâmica de supressão de

dúvidas que os impediu de tomar as devidas medidas para evitar o acidente de

Brumadinho?

A resposta a cada uma dessas perguntas implicaria um procedimento detalhado

de análise e perícia de cada um dos casos, incluindo a leitura de transcrições das

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reuniões e a realização de entrevistas com os envolvidos nas decisões. Contudo,

relembrada a necessidade de se abordar o tema de forma ampla e não tendenciosa,

parece válido sugerir a realização de estudos de caso no âmbito do acometimento do

fenômeno não apenas nesses, mas em diversos outros potenciais fiascos da história

brasileira.

Além do alto potencial de aplicação da teoria, a pesquisa no tema sugere um

ponto de atenção. Isso porque, muitos são os livros, artigos acadêmicos ou textos

corporativos que se apropriam da teoria de forma superficial, ou mesmo incorreta, seja

sugerindo a ocorrência do fenômeno em um caso histórico sem adequada pesquisa ou

interpretando-o de forma booleana, como uma lista de verificação. É verdade que, dada

a natureza do tema e a dificuldade envolvida na compreensão do comportamento

humano, a comprovação irrefutável de caso poderia ser considerada demasiadamente

custosa. Dito isso, uma das conclusões alcançadas no presente estudo reside na

importância com que o modelo seja aplicado, dentro do possível, com a devida cautela

– sobretudo de forma a não se assumir como verdade incontestável aspectos da teoria

que ainda estão sob forte divergência, como a definição clara de seus antecedentes.

Também importante, aqui não se sugeriu que, na urgência de se prevenir o

fenômeno, grupos fossem substituídos pelo trabalho de uma só pessoa, ou que se

combatesse a coesão em grupos independentemente da natureza da tarefa. A teoria

propõe, sob outra ótica, que algumas medidas e normas – em certos casos bastantes

simples – seriam capazes prevenir sua ocorrência. No campo dos Conselhos de

Administração, analisados anteriormente, os casos apontam, por exemplo, para a

realização de reuniões sem os executivos (como o CEO e o CFO), a garantia de

renovação no Conselho e a utilização de atas de reunião mais completas.

De forma geral, muitas são as medidas interpretadas a partir da teoria que

apresentam fácil implementação em organizações. Controlar o nível de cumplicidade

entre o grupo, assegurar o compromisso claro dos presentes com o alcance do objetivo

em questão, viabilizar a participação de agentes externos, distribuir adequadamente as

informações disponíveis e explorar com perspicácia todos os cenários e riscos

envolvidos são apenas algumas das boas práticas que poderiam ser citadas aqui. Nesse

sentido, vale ressaltar a dificuldade em se implementar as diversas medidas aqui

sugeridas de maneira ainda viável sob o ponto de vista de custo benefício, sobretudo

quando decisões precisarem ser tomadas de maneira rápida. Ainda, resta a importante

– embora contraintuitiva – descoberta de que nem sempre o alto nível de estresse e

consumo emocional em um grupo será um mal indicativo: uma vez que, por vezes,

poderá ser um reflexo de uma avaliação vigilante motivada pela adequada compreensão

acerca da severidade do tema.

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Finalmente, a importância da diversidade – seja de gênero, etnia, idade, classe

social, ideologia ou modelo mental – se mostrou um tema preponderante nos estudos

sobre o groupthink. Supostamente capaz de combater os vieses da homogeneidade,

controlar os níveis de coesão em um grupo e promover debates mais ricos, a

diversidade de experiências e pensamentos é apontada como uma importante alavanca

para o aumento da performance em organizações. O aumento do número de mulheres

em cargos de liderança executiva ou nos Conselhos de Administração de grandes

empresas parece indicar que estamos progredindo. De todo modo, ainda há um longo

caminho a ser percorrido para que os comitês responsáveis pelas decisões de maior

impacto na nossa sociedade deixem de ser grupos como aquele que trabalhou com

Kennedy, integralmente formado por homens de mesma origem.

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