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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA SOCIAL Marcelo Santos Rodrigues Guerra do Paraguai: Os Caminhos da Memória entre a Comemoração e o Esquecimento São Paulo-SP 2009

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA SOCIAL

Marcelo Santos Rodrigues

Guerra do Paraguai: Os Caminhos da Memória

entre a Comemoração e o Esquecimento

São Paulo-SP 2009

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA SOCIAL

Marcelo Santos Rodrigues

Guerra do Paraguai: Os Caminhos da Memória

entre a Comemoração e o Esquecimento

Tese de doutorado apresentada ao programa de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Profº Drº Darío Horacio Gutiérrez Gallardo.

São Paulo-SP 2009

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Á

Paulo Roberto de Freitas Costa

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AGRADECIMENTOS

À Horacio Gutiérrez, por ter me aceito como orientando, pela acolhida,

disponibilidade e pela exemplar postura acadêmica.

Ao Programa de Pós-Graduação de História Social, da Universidade de São Paulo

por ter me recebido.

A Universidade Federal do Tocantins e aos colegas do Departamento de História

de Porto Nacional pela liberação para realização do trabalho de pesquisa nos arquivos.

À CAPES pela bolsa de estudos.

Agradeço aos funcionários da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; Arquivo

Nacional do Rio de Janeiro; Arquivo Histórico do Exército; Arquivo Público do Estado

do Rio de Janeiro; Arquivo Histórico Nacional; Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro;

Casa de Rui Barbosa; Arquivo Público do Estado de São Paulo; Arquivo Histórico do

Rio Grande do Sul; Arquivo Público do Estado da Bahia; Instituto Geográfico e

Histórico da Bahia e do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, no Rio

Grande do Sul.

À Marina Haizenrreder Ertzogue, coordenadora do Centro de Documentação de

História da Universidade Federal do Tocantins.

À Ana Cristina e Sueli pela leitura e revisão desse texto.

À Lina Aras, um ponto de partida.

Aos meus pais, Manoel e Rivanda, ao meu irmão e as minhas irmãs, pela força

silenciosa e sempre presente.

Ao amigo Alexandre Belmonte pelas idas e vindas ao Campo de Santana, cenário

de inspiração para essa pesquisa.

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RESUMO

Em 01 de março de 1870 a Guerra do Paraguai estava terminada. Para conter o

inimigo em suas fronteiras, o Brasil precisou mobilizar o Exército, a Guarda Nacional e criar

corpos de Voluntários da Pátria. Durante cinco anos o cenário político e social se modificou e,

raro era a família que não teve um filho, irmão, pai, esposo, parente ou amigo lutado no

Paraguai. Terminada a campanha as tropas regressaram para o Brasil. Controvérsias entre o

governo de D. Pedro II, a imprensa liberal e parlamentares da câmara e do senado, em relação à

recepção das tropas no Brasil, provocaram acalorados debates. Tratava-se da disputa entre

comemorar e esquecer. Nessa tese percorremos os caminhos da memória da Guerra do Paraguai

e para isso transitamos pelas ruas embandeiradas da Corte e das capitais das províncias para

narrar os festejos populares e oficiais na recepção dos servidores da pátria recebidos com

regozijo, lágrimas, flores e poesias pela população que rendia homenagens aos filhos defensores

da honra nacional. No dia 10 de julho de 1870, o governo de D. Pedro II realizou no Rio de

Janeiro a festa oficial, a “festa do barracão”, para comemorar a vitória do Brasil e lembrar os

mortos e assim encerrar um capítulo da história pátria que tantas vidas deixaram no solo

Paraguaio. Assistimos do alto da tribuna parlamentar a disputa pela memória da guerra de onde

Caxias e o Conde D´Eu protagonizaram essa disputa. Transitamos pelas ruas de Niterói,

Salvador, Recife e São Paulo e do Desterro, onde soldados doentes e mutilados, egressos dos

campos paraguaios, mendigavam, provocavam desordens públicas e davam-se em espetáculos.

Nas províncias encontramos as viúvas e órfãos que em súplicas ao rei pediam o pão pela perda

do arrimo de família. Nas secretarias do governo, nas salas dos presidentes de províncias e nas

redações de importantes jornais, era grande o volume de ofícios e petições requerendo o

pagamento de indenização ao governo. Veteranos da campanha reivindicavam soldos atrasados,

lote de terras, empregos públicos, condecorações e títulos honoríficos. Nas prisões públicas

encontramos ex-escravos reconduzidos ao cativeiro pelos seus senhores. Na ilha de Bom Jesus

percorremos o suntuoso edifício do Asilo dos Inválidos, um lugar de ressentimento. Assim, a

história que procuramos narrar, transita por dois caminhos: o da comemoração e o do

esquecimento.

PALAVRAS CHAVES: Guerra do Paraguai – Memória – Comemoração –

Esquecimento – Voluntários da Pátria.

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ABSTRACT

The Paraguay War finished on the 1st of March, 1870. In order to keep the enemies within their

frontiers, Brazil needed to mobilize the Army and the National Guard. Also, a group of

Volunteers was formed. The political and social scenery changed thoroughly during the 5 years

of war, and almost all family had a member – a son, a brother, a husband or a friend – fighting

in Paraguay. The troops returned to Brazil after the bloody campaign. A lot of debate was

promoted by controversies between the govern of D. Pedro II, the liberal press and members of

the senate regarding the reception of the troops in Brazil. It was a dispute between

commemorating and forgetting. In this thesis, we follow the paths that lead to the memory of

the war in Paraguay: the adorned streets of Rio de Janeiro as well as the provinces capitals, so as

to report both the popular and official parties that received the volunteers with relief, tears,

flowers and poetry. On July 10th 1870, an official party, known as “Festa do Barracão” was held

in Rio de Janeiro, to celebrate the victory of Brazilian troops and to remember those who died at

war, finishing a sad, violent chapter of the national history. We analyzed the dispute between

Count D‟Eu and the Duke of Caxias for the memory of the war. We also walked through the

streets of Niterói, Salvador, Recife, São Paulo and Desterro, where sick and mutilated soldiers,

ex-combatants of the war, turned into mendicants, provoking public disorders and riots. In the

provinces far from Rio, we met the widowers and orphans who begged the imperial government

for bread. In the secretaries of government, in the offices of province presidents and at

important press centers, a huge volume of petitions and pleads required refunds and

compensations. Veteran military men applied for belated payments, earth, public jobs, honorific

titles etc. In public prisons, ex-slaves were taken back to captivity by their old masters. In Bom

Jesus Island, we walked around and through the sumptuous building of the Invalids Asylum, a

place full of resentment. The story we want to tell walks, thus, in two simultaneous paths:

commemoration and forgetfulness.

Key-words: Paraguay war – memory – commemoration – forgetfulness – volunteers at war

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LISTA DE SIGLAS

APERJ - Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

APEBa - Arquivo Público do Estado da Bahia

APESP - Arquivo Público do Estado de São Paulo

AN/RJ - Arquivo Nacional do Rio de Janeiro

AC/RJ - Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

AHRS - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

AHEx/RJ - Arquivo Histórico do Exército – Rio de Janeiro

BN/RJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

IGHBA - Instituto Geográfico Histórico da Bahia

FCRB/RJ - Fundação Casa de Rui Barbosa – Rio de Janeiro

MCSHJC/RJ - Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – Rio Grande do

Sul

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 11

COMEMORAR OU ESQUECER? ................................................................................................ 27

O REGRESSO DAS TROPAS DO PARAGUAI ...................................................................................... 30

“QUANDO OS VOLUNTÁRIOS FICAM ESQUECIDOS”: RAZÕES PARA SE NÃO COMEMORAR......... 41

O TEMPO DAS FESTAS JÁ PASSOU... .............................................................................................. 44

AMEAÇAS DE DESORDENS E SEDIÇÕES .......................................................................................... 52

A FESTA NAS RUAS: O FIM DA GUERRA E A RECEPÇÃO NA CORTE .......................... 57

A RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA ................................................................................. 62

A DESPEDIDA EM ROSÁRIO ............................................................................................................ 63

O PRIMEIRO TORRÃO BRASILEIRO: SANTA CATARINA ................................................................... 67

FESTEJOS POPULARES NA CORTE ................................................................................................... 68

O ABRAÇO E O DISCURSO ............................................................................................................... 72

A FESTA EM CASA ........................................................................................................................... 76

FESTAS PELO FIM DA GUERRA ....................................................................................................... 79

O CAMINHO DO ESQUECIMENTO: A FESTA ACABOU .................................................................... 83

A FESTA NAS PROVÍNCIAS ........................................................................................................ 88

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA NA BAHIA ................................................................... 89

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA EM MINAS GERAIS .................................................. 104

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS EM SÃO PAULO .......................................................................... 108

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS EM OUTRAS PROVÍNCIAS ........................................................... 116

A FESTA DE 10 DE JULHO DE 1870: COMEMORAÇÕES PELO FIM DA GUERRA

DO PARAGUAI ............................................................................................................................. 123

O SIGNIFICADO DAS FESTAS CÍVICAS NO SEGUNDO REINADO .................................................... 124

A INVENÇÃO DO DIA 10 DE JULHO ............................................................................................... 128

A FESTA DO BARRACÃO: CONTROVÉRSIAS NO CENÁRIO DOS FESTEJOS

OFICIAIS........................................................................................................................................ 146

A ESTÁTUA RECUSADA E A CONSTRUÇÃO DO TEMPLO ............................................................... 150

OS FESTEJOS OFICIAIS PELO FIM DA GUERRA .............................................................................. 158

A FESTANÇA, O POVO E ARQUIBANCADAS VAZIAS ...................................................................... 162

ENTRE A FESTA E A SEDIÇÃO ........................................................................................................ 171

A FESTA DE 10 DE JULHO DE 1870: COMEMORAR OU ESQUECER? ............................................ 175

QUANDO CAXIAS FOI ESQUECIDO E O CONDE D’EU COMEMORADO ..................... 179

ENTRE CAXIAS E CONDE D’EU ...................................................................................................... 183

CAXIAS: O ESQUECIDO ................................................................................................................. 185

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CONDE D’EU: O COMEMORADO .................................................................................................. 195

ENTRE DUQUISTAS E CONDISTAS ................................................................................................. 200

REGRESSO AO CATIVEIRO: ESCRAVOS NA GUERRA DO PARAGUAI ...................... 211

OS ESCRAVOS NA GUERRA DO PARAGUAI ................................................................................... 212

A HISTÓRIA DOS ESCRAVOS MANOEL E RAIMUNDO ................................................................... 219

OS ESCRAVOS QUE REGRESSAM PARA O CATIVEIRO................................................................... 230

OS INVÁLIDOS DA PÁTRIA ...................................................................................................... 245

O DESEMBARQUE DOS INVÁLIDOS .............................................................................................. 247

O ASILO DOS INVÁLIDOS NO QUARTEL DA ARMAÇÃO ................................................................ 254

O ASILO DOS INVÁLIDOS DA PÁTRIA NA ILHA DE BOM JESUS ..................................................... 259

CONFLITO E TENSÕES NAS RUAS ................................................................................................. 268

A VIDA INTERIOR: CONFLITOS E TENSÕES NO ASILO ................................................................... 275

OLVIDADOS DA GUERRA ......................................................................................................... 283

JÚLIO JOSÉ DAS CHAGAS: “POR SER AMPUTADO DE AMBOS OS BRAÇOS, CARECE DE QUEM

LHE PONHA COMIDA NA BOCA”. ................................................................................................ 283

JUSTINO JOSÉ DE SOUZA: O VOLUNTÁRIO QUE RECEBEU UMA ESMOLA DO IMPERADOR ........ 285

MANOEL RODRIGUES: “ORGULHO DE SER BRASILEIRO, EMBORA A PÁTRIA LHE SEJA

INGRATA” ..................................................................................................................................... 287

MANOEL CÂNDIDO PEREIRA E ANTÔNIO DA SILVA MELLO: A SÚPLICA DOS RESSENTIDOS

NOS JORNAIS ................................................................................................................................ 288

TRANQUELINO TEIXEIRA MACHADO: VENDEU O ‘HÁBITO DE CRISTO’ PARA REGRESSAR À

PROVÍNCIA .................................................................................................................................... 292

JOSÉ, ROQUE, JOÃO, ROMÃO E MANOEL: VOLUNTÁRIOS BAIANOS MUTILADOS,

HUMILHADOS E RESSENTIDOS ..................................................................................................... 293

MÃES, VÍUVAS E ÓRFÃOS DA GUERRA DO PARAGUAÍ ................................................................. 297

JOAQUIM JOSÉ PITANGA: MEDALHAS PARA UM VETERANO ESQUECIDO .................................. 302

EPÍLOGO ....................................................................................................................................... 306

FONTES ......................................................................................................................................... 321

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ......................................................................................... 329

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Introdução

A leitura de alguns artigos sobre a intenção da Câmara Municipal do Rio de

Janeiro de erguer um monumento patriótico no Campo da Aclamação – destinado a

comemorar os feitos dos soldados e marinheiros que participaram da Guerra do

Paraguai – motivou esta pesquisa, feita na imprensa carioca e na de algumas províncias,

a respeito da longa guerra que ceifou vidas de brasileiros e de paraguaios.

Imediatamente teve início um processo de reconhecimento dos diferentes modos de

analisar os fatos relativos à campanha, por meio dos testemunhos daqueles que fizeram

a história da guerra, toda ela memorialista e ostentosa. 1

Os jornais pesquisados, publicados na Corte e nas províncias entre 1865 e

1870, tinham como tema central a Guerra do Paraguai. Sem dúvida, a imprensa teve um

papel de destaque, anunciando os fatos e criando opinião sobre os episódios ligados ao

conflito. Nas páginas amareladas e empoeiradas pelo tempo foi possível conhecer o que

era noticiado na capital do Império e nas das províncias, sobretudo as posições

1 Sobre as obras memorialistas referentes à Guerra do Paraguai ver: BRITTO, José Gabriel de Lemos.

Guerra do Paraguay: narrativa histórica dos prisioneiros do Marquês de Olinda. 2. ed. Bahia: Livraria

Papelaria Catilina, 1927; AZEVEDO, Carlos Frederico dos Santos Xavier. História médico-cirúrgico da

esquadra brasileira nas campanhas do Uruguay e Paraguay de 1864-1870. Rio de Janeiro: Nacional,

1870; COSTA, Francisco Felix Pereira da. História da guerra do Brasil contra as repúblicas do

Uruguai e Paraguai. Rio de Janeiro: Liv. A. G. Guimarães, 1871, 4.vols; TAUNAY, Alfredo

d´Escragnolle (Visconde de Taunay). A retirada da Laguna. São Paulo: Melhoramentos, 1975;

TAUNAY, Alfredo d´Escragnolle (Visconde de Taunay) Recordações de guerra e de viagem. São

Paulo: Weiszflog, 1920; CERQUEIRA, Evangelista de Castro Dionísio. Reminiscência da campanha do

Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980; NABUCO, Joaquim. Um estadista

no Império: Nabuco de Araújo. São Paulo: Progresso, [s.d.], 4. v.; DIAS, Sátiro de Oliveira. O Duque de

Caxias e a Guerra do Paraguai: estudo crítico e histórico. Salvador: Impresso Typografia do Diário,

1870; MADUREIRA, Antônio de Sena. Guerra do Paraguai: resposta ao Sr. Jorge Thompson, autor da

“Guerra del Paraguay” e aos anotadores argentinos D. Lewis e A. Estrada. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1982; REBOUÇAS, André. Diário: a Guerra do Paraguai (1866). Introdução

e notas de Maria Odila Silva Dias. São Paulo: IEB – USP, [s.d.]; FRAGOSO, Tasso (General). História

da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1956.

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partidárias refletidas nos artigos favoráveis ou contrários à permanência do Brasil na

guerra.2

Na leitura das narrativas jornalísticas pôde-se imaginar o que se passou quando

o navio de linha chegou ao Rio de Janeiro, em março de 1870, com a informação que o

ditador Solano López, presidente paraguaio, havia aprisionado, em plena época de paz,

o navio que transportava o presidente da província do Mato Grosso. Foi possível

imaginar, inclusive, as fisionomias dos leitores ao tomarem conhecimento da notícia.

Todos os primeiros memorialistas e escritores da Guerra do Paraguai afirmaram ter sido

uníssono o grito que ecoou pelo Império. Ao brado de angústia da pátria afrontada, a

altiva população do Brasil respondeu com grandiosa oferta de seus braços e do sangue

de sua mocidade. Porém, como partir para uma desforra condigna se o limitado exército

brasileiro era composto por soldados que se achavam distribuídos em destacamentos nas

comarcas do interior das províncias, sem conhecer o manejo das armas, sem disciplina,

sem meios e sem a prática da rápida locomoção?

Quando o governo monárquico começou ver que não estava preparado para

uma eventual guerra, chegou a notícia da invasão de Mato Grosso pelas forças inimigas.

O governo soube também que outra parte do exército paraguaio, com 24 mil soldados,

tinha seguido em marcha forçada com o fim de tomar o Rio Grande do Sul. 3

O terror se apoderou das famílias brasileiras e dos homens de Estado – três

meses depois de iniciada a luta, o governo não esperava que a peleja fosse tão terrível,

sem tréguas e desigual. Para tentar evitar um resultado infeliz para o Brasil, restou aos

homens do governo apelar para o patriotismo dos cidadãos e os sacrifícios de toda a

ordem. Recompensas e favores foram prometidos àqueles que marchassem para o sul a

fim de barrar a horda invasora, pois apenas com um esforço titânico o Brasil, com

menos de doze mil homens inexperientes na arte da guerra, poderia resistir a um

exército de 62 mil soldados robustos, disciplinados e conhecedores do manejo das

armas que portavam!

2 Sobre o papel desempenhado pela imprensa na Guerra do Paraguai ver: REIS, Maria de Lourdes Dias.

Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O Jequitinhonha” e a Guerra do Paraguai. Belo Horizonte:

Cuatiara, 2003. 3 Uma análise ampla da Guerra do Paraguai pode ser vista nas seguintes obras: FRAGOSO, Augusto

Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Imprensa do Estado

Maior do Exército, 1834, 5. Vols.; DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do

Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; JORDAN, Emílio Carlos. Guerra do Paraguay. Rio

de Janeiro: Typografia de Leammert e Cia., 1890; THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay.

Assunção: RP, 1992. [1ª edição 1869].

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O governo brasileiro publicou, em 7 de janeiro de 1865, o Decreto Imperial

3.371, criando os Corpos de Voluntários da Pátria, com o intuito de atrair civis

dispostos a empunharem armas em nome da nação. Em contrapartida, o governo

assegurava vantagens como prêmio de trezentos mil réis; lotes de terra com 22 mil

braças em colônias militares; preferência nos empregos públicos; patentes de oficiais

honorários; títulos nobiliárquicos; liberdade a escravos; assistência a órfãos, viúvas e

mutilados de guerra.

Esquadrões de denodados cidadãos apareceram de todos os pontos do imenso

Brasil, como se germinassem do solo fertilizado pelo sentimento nacionalista que

pareceu unificar o Brasil. Jovens e velhos, homens e mulheres, abastados e desprovidos,

todos correram às armas com generoso empenho para desagravar a pátria. A embriaguez

do patriotismo despovoou o litoral, assim como o agreste e o longínquo sertão. A defesa

da liberdade achou braços e armas no estrangeiro e entusiasmo na população das

grandes cidades do Brasil. 4

Os patrióticos brasileiros mostraram que na falta de fortaleza seus peitos

seriam muralhas animadas, suficientes para proteger seus lares e os daqueles que, por

incapacidade física ou por qualquer outro motivo, não acompanharam campo afora o

combate ao inimigo! Aos batalhões de Voluntários da Pátria rapidamente se somou o

recrutamento forçado, que ferozmente atingiu os homens em condições de guerrear. Na

maior parte das vezes, esse recrutamento arrancou da pátria o arrimo de família, o

sustento de irmãos, pais e filhos inocentes – homens levados pelo ódio partidário e

também pela aventura de se lançar sobre o desconhecido.

O insignificante exército de que o Brasil dispunha marchou impávido. Com ele

e após ele marcharam, durante cinco longos anos, batalhões de Voluntários da Pátria de

todas as classes e profissões, assim como os Guardas Nacionais5 designados pelo

governo. As diferentes províncias do Império – principalmente a Bahia – viram partir,

na flor da mocidade, jovens valentes, cujas vidas foram ceifadas pelos projéteis, pelas

4 Sobre a formação dos batalhões que partiram do Brasil para a Guerra do Paraguai ver: DUARTE, Paulo

de Queiroz (General). Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: BIBLIEX,

1980. 4 Vols. 5 Sobre a Guarda Nacional ver: CASTRO, Jeanne Berrance de. A polícia cidadã: a Guarda Nacional de

1831 a 1850. São Paulo: Nacional, 1977.

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lâminas do sabre inimigo e, especialmente, pelas epidemias inevitáveis adquiridas nas

prolongadas e penosas jornadas que os exércitos empreendiam por terra e pelo mar.6

O Imperador D. Pedro II7 partiu para a cidade de Uruguaiana, no Rio Grande

do Sul, apresentando-se no acampamento do exército como o primeiro Voluntário da

Pátria. Assim, participando da sorte de seus compatriotas, demonstrou sua dedicação ao

Brasil, utilizando essa estratégia política para servir de exemplo aos militares ali

estacionados e para o Brasil como um todo. D. Pedro II foi seguido pelo genro, o Conde

D‟Eu, pelo Marquês de Caxias, pelo general Osório, o Barão de Porto Alegre, e pelo

ministro da Guerra, Silva Ferraz.

A força moral dos cidadãos que acompanhavam a guerra pelos jornais que

circulavam na Corte e nas províncias começou a levantar-se. As informações dos

primeiros correspondentes de guerra do Brasil chegavam a todos os pontos da capital do

Império, com narrativas sobre o campo de batalha, as marchas pelos pântanos, as

dificuldades encontradas pelo exército aliado, apontando, aqui e ali, atos de bravura

praticados por soldados, generais e ex-cativos.

Contudo, a inexperiência do exército brasileiro e as dificuldades provocadas

pelo inóspito território paraguaio ceifaram a vida dos primeiros voluntários. Dos 51

batalhões de Voluntários da Pátria que seguiram para a guerra, restaram 14. Os demais

sucumbiram nos combates, caíram nos leitos arranjados em hospitais de campanha ou

deixarem no teatro da guerra doentes e mutilados para internamento nos hospitais

provisórios de Santa Catarina, nos hospitais militares da cidade do Rio de Janeiro, ou no

asilo improvisado no Quartel da Armação, em Niterói.

Na fase mais difícil da campanha, entre 1866 e 1870, o governo novamente

apelou para o patriotismo da população brasileira. Mais contingentes de Guardas

6 Sobre o exército brasileiro e sua atuação na campanha do Paraguai ver: COSTA, Wilma Peres. A espada

de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec-Unicamp,

1996; IZECKSOHN, Victor. O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do

Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997; MAGALHÃES, João Batista. A evolução militar do

Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 1958; PONDE, Francisco de Paula e Azevedo. Organização e

administração do Ministério da Guerra no Império. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986; SCHULZ, John. O

Exército na política: origens da invenção militar, 1850-1894. São Paulo: Edusp, 1994; SODRÉ, Nelson

Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965; COELHO, Edmundo

Campos. Em busca da identidade: o Exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro:

Forense, 1976. 7 Sobre a participação de D. Pedro II na Guerra do Paraguai ver: SCHWARCZ, Lílian Moritiz. As barbas

do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998;

DUARTE, Paulo Queiroz. D. Pedro II e os Voluntários da Pátria. Anais do Congresso de História do

Segundo Reinado. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, 1985, p.

321-341.

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Nacionais foram chamados às armas. Estes, lentamente e em pequenas porções, foram

se reunindo, entristecidos, abatidos, como quem se sacrificava sem causa.

O governo imperial anunciou aos presidentes de província uma nova ideia:

solucionar o difícil problema da emancipação da escravatura no Brasil com a compra de

cativos para a guerra. O governo prometia bons preços e títulos nobiliárquicos para

aqueles senhores que apresentassem mais libertos. Rapidamente, muitos cidadãos

compreenderam que podiam ser substituídos, assim como seus filhos, pelo elemento

servil – preferencialmente o mau escravo, o velho e a escória das fazendas. Eram

escravos vendidos em leilões e pagos com o crédito do Estado, em apólices que rendiam

vantagens aos seus senhores. A alforria em troca dos perigos das batalhas. 8

No entanto, o escravizado também entendeu que ir à guerra era a esperança de

dias melhores, de um pão menos amargo, da possibilidade de aventurar-se por lugares

ignorados. Os escravos fugiam solitários ou em bandos e apresentavam-se aos

recrutadores com nomes falsos, para despistar seus senhores. Eram os primeiros que

desejavam o embarque imediato, a fim de não serem recapturados. Com a demonstração

de bravura, mesmo que em defesa de uma pátria que não lhes pertenciam, esperavam

retornar da guerra com a condecoração no peito e a carta de liberdade nas mãos.

Encontraram sim, na volta ao Brasil, os velhos grilhões e a humilhação de serem detidos

em meio às festividades, ainda vestidos com as fardas desbotadas pela prolongada

campanha, depois da árdua tarefa cumprida.

Cada navio de passageiros que chegava do teatro da guerra trazia a notícia de

um novo triunfo; no dia seguinte, porém, também se liam nos jornais as longas relações

dos que haviam morrido nos combates, em torno da bandeira pátria, ou nos hospitais,

longe dos seus, que ficavam na viuvez e na orfandade. Do mesmo cais seguiam para os

hospitais da Corte ou para seus lares, os feridos, os mutilados e os moribundos, vítimas

8 Sobre a participação escrava na campanha do Paraguai ver: SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o

príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai:

escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990; SOUSA, Jorge

Prata. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Maurad:

Adesa, 1996; KRAAY, Hendrik. Soldiers, oficers, and society: the arm in Bahia, 1808-1889. Tese

(Doutorado) – University of Texas at Austin, 1995; ALVES, Marieta. A escravidão e a campanha

abolicionista. Rio de Janeiro: IHGB, 1985, p. 59-85; BENTO, Cláudio Moreira. O Exército e a

abolição. In: WEHLING, Arno. A abolição do cativeiro. Rio de Janeiro: IHGB, 1988; SOARES,

Antônio Joaquim Macedo. Campanha jurídica pela libertação dos escravos, 1867 a 1888. Rio de

Janeiro: José Olimpio, 1938; CHIAVENATTO, Júlio. O negro no Brasil: da senzala à Guerra do

Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1982.

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de moléstias adquiridas nos campos alagadiços, nos vastos pantanais, nos sertões

inóspitos e tórridos do Paraguai.

Finalmente, depois de cinco anos de luta, no dia 1º de março de 1870, o hino

brasileiro foi tocado em Aquidaban. Era o sinal da vitória final das tropas da Tríplice

Aliança. Terminava a luta medonha e sem tréguas entre o Paraguai, Brasil, Argentina e

Uruguai, com a morte de López e de seus generais. O exército paraguaio havia sido

completamente desbaratado, embora o Brasil tivesse sessenta mil homens fora de

combate, entre os quais, generais de mar e de terra.

Começava o regresso dos batalhões de Voluntários da Pátria e Guardas

Nacionais à pátria, seguidos pelos soldados de linha, todos representados por uma

fração do grupo primitivo. Alguns novos agrupamentos resultavam da fusão de cinco ou

seis batalhões diversos, dizimados nos sucessivos e encarniçados combates e pelas

epidemias de cólera, de varíola e de beribéri, entre outras doenças.

Quem poderá descrever o delírio que se apoderou da capital do Império, as

galas com que a cidade se adornou para receber os heróis que traziam o pavilhão

nacional desagravado da afronta recebida injusta e traiçoeiramente? Os primeiros que

pisaram o solo pátrio formaram a brigada sob o comando do baiano Faria Rocha. Este,

depois de haver sido abraçado com a maior efusão pelo Imperador, fez sua marcha

triunfal pela Rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita, enfeitada com os imponentes

arcos que os comércios nacional e estrangeiro mandaram erigir em honra dos defensores

do Brasil.

As jovens senhoras, entre êxtases e risos de júbilo – possuídas de orgulho e

radiantes de felicidade por verem chegar incólumes os penhores de seus corações –

atiravam nuvens de flores. Junto às jovens, formando um triste contraste, estavam

pálidas matronas cobertas de luto, que aos soluços e prantos de dor e de pungente

saudade, não encontravam ali seus entes queridos. Apesar de serem privadas até mesmo

do piedoso consolo de ver os ossos dos filhos, mortos na campanha, essas mães também

lançavam flores e engrinaldavam as esfarrapadas bandeiras enegrecidas pelo fumo dos

mortíferos instrumentos de guerra e pela poeira de tantos campos de batalhas! Algumas

bandeiras voltaram manchadas com o sangue daqueles que as carregavam e que, a elas

abraçados, foram feridos e morreram no mais sangrento combate!

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Quem poderá esquecer a chegada do general Pinheiro Guimarães, 9 o poeta, o

dramaturgo, o homem da ciência, o modelo de tenacidade, o soldado valente? Sobre

fogoso ginete, que marchava orgulhoso na alfombra florida que cobria as ruas, à frente

de sua casa, à frente de sua brava brigada, aquele patriota era alvo invejável de

frenéticas ovações. Como as lágrimas de contentamento corriam pela sua face varonil,

mas envelhecida, em tão poucos anos, pelas privações, pelos sofrimentos e perigos.

Logo foram rememoradas, nas províncias, as cenas festivas da Corte, com a

chegada de cada legião de bravos ao destino final! Às festividades públicas seguiram-se

as festas particulares: umas ruidosas, com inebriante deleite; outras menos animadas,

porque na casa havia algum amputado ou doente em estado grave. Enquanto isso, em

outras casas, restava a dor duplamente esmagadora – pela perda de seres queridos e pela

miséria em que foram abandonadas desditosas viúvas e delicadas e tímidas meninas.

O governo, então, procurou recompensar seus servidores, atender a sorte das

viúvas e órfãos, cumprir as promessas feitas aos Voluntários da Pátria. Era preciso

mostrar-se grato e justo, retomar a paz. No entanto, com a necessidade de atender aos

pedidos de amigos políticos, os ministros propuseram ao Imperador nomes de cidadãos

que não haviam prestado serviço algum à pátria, em detrimento dos ex-combatentes que

deveriam ser protegidos pela lei. O Imperador lembrou-se do compromisso de honra e

da lei que ordenava a preferência dos Voluntários da Pátria em paridade de

circunstâncias, mas nem tudo era visto por ele. Assim, as injustiças avolumaram-se nas

secretarias de guerra, nos arquivos militares, nos gabinetes de presidentes de províncias.

As viúvas e os inválidos recorriam ao governo, pedindo pensões como as que

haviam sido concedidas a centenas de outras pessoas. Todavia, o governo apresentava

como resposta a indiferença, ou a petição era mandada para o depósito dos

“impossíveis” com a competente “guarda-se” do ministro. Velhos soldados pareciam

resmungões e, alguns anos depois de esquecida a gratidão que a pátria lhes devia, o

governo irritava-se quando qualquer pretendente alegava ter sido Voluntário da Pátria.

No Exército e na Armada, por ocasião das promoções, também foram desprezados

nomes de combatentes que desempenharam serviços relevantes na campanha, dando

lugar a outros que nada fizeram a não ser terem nascido amigos dos ministros.

9 Sobre o general Pinheiro Guimarães ver: GUIMARÃES, Francisco Pinheiro. Um Voluntário da Pátria:

folha de serviços prestados pelo General Dr. Francisco Pinheiro Guimarães às classes armadas. Rio

de Janeiro: José Olympio, 1958.

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Para os mutilados de guerra que não tinham recursos para a própria

subsistência o governo fez levantar, com o dinheiro das subscrições públicas abertas no

Brasil e no estrangeiro, o Asilo de Inválidos da Pátria, 10

inaugurado em 1868. Depois

de sofrer os incômodos do asilo provisório da Ponta da Armação, em Niterói, os

inválidos foram levados pela caridade e pela gratidão popular à Ilha de Bom Jesus, onde

permaneceram sob os cuidados do governo, sobrevivendo dos recursos angariados pela

Associação Comercial do Rio de Janeiro durante a guerra. Porém, distantes dos olhos do

governo e da população, que não mais desejavam ver a imagem dos anti-heróis.

Todavia, nem todos seguiram para o asilo. Muitos inválidos preferiram as ruas,

onde podiam mendigar o pão da sobrevivência e externar as dores e os ressentimentos

nutridos pelo governo, que permanecia indiferente aos seus sofrimentos. Aqueles

homens não queriam humilhar-se ao receberem tratamentos de velhas irmãs religiosas

jesuíticas e de prisioneiros paraguaios enfermeiros. Eram pobres soldados que viviam

da caridade particular, nos cortiços do centro do Rio de Janeiro e Niterói. Em outras

partes do Império, esses pobres infelizes ostentavam as mangas de suas camisas vazias,

sustentavam-se com muletas e atestavam, com suas medalhas, terem sido heróis na

guerra contra o Paraguai e recebido os prêmios por desafrontar a pátria agredida.

Toda a falta de sensibilidade do governo em relação aos veteranos da guerra

era justificada sempre pelas más condições financeiras – não era possível beneficiar da

mesma forma todos que livraram o Brasil da derrota no Paraguai. Em troca de suas

próprias vidas alguns deram a paz e a felicidade ao país, enquanto outros gozavam do

santo ócio e das delicias domésticas. Como indenizar alguém que participou da

campanha por alguns meses e outros que fizeram toda a guerra?

Na opinião dos homens do governo, para recompensar, ou mesmo manifestar

sua indelével gratidão aos heróis e aos mártires da campanha do Paraguai, o Brasil devia

erguer um monumento em memória de todos, indistintamente. Ferreira Viana,

presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ao noticiar o fim da campanha,

apresentou um projeto enviado da Europa por Francisco Caminhoá, para construção de

um monumento grandioso, feito de bronze dos canhões tomados do inimigo. O projeto

foi aprovado pelos vereadores; o ministro da Guerra e seu colega da Marinha mandaram

10 Sobre o Asilo de Inválidos ver: HONORATO, Manoel da Costa. Descrição topográfica e histórica da

Ilha do Bom Jesus e do Asylo dos Inválidos da Pátria pelo seu Capellão Manoel da Costa Honorato.

Rio de Janeiro: Typografia Americana, 1869; MORAIS, Marcelo Gomes Augusto. A espuma das

províncias: um estudo sobre os Inválidos da Pátria e o Asilo dos Inválidos da Pátria na Corte (1864-

1930). Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2008.

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ceder os canhões; o Barão do Tocantins, presidente da Associação Comercial do Rio de

Janeiro, em 1870, prometeu, em nome desta, coadjuvar; Manoel Francisco Pereira,

ministro do Estrangeiro, recomendou aos diplomatas brasileiros que abrissem

subscrições fora do país.

Com a solenidade apropriada, no dia 25 de março de 1874, aniversário do

juramento da Constituição, o Imperador lançava em grande gala a pedra fundamental do

monumento. Ninguém se opunha que fosse erigido um monumento que rememorasse a

paz alcançada com sacrifício. Ninguém discordava de que fossem inscritos no bronze

que vomitara a morte, transformando-o em instrumento de civilização e de instrução dos

povos, os nomes dos generais que comandaram o exército com denodo e glória e os dos

chefes, comandantes e oficiais que se distinguiram na terra e no mar. Entretanto, como

era impossível gravar o nome de todos os bravos soldados e marinheiros, fossem eles

representados no dito monumento por figuras alegóricas e marciais da Artilharia,

Infantaria, Cavalaria e Marinha. E como o Imperador, além de Voluntário da Pátria, fora

também um dos poucos que não se esqueceram dos que se bateram pela integridade do

Império, também não deveria ser esquecido.

Isso era tudo que deveria constar no monumento patriótico do Campo da

Aclamação – ao mesmo tempo um tributo obrigatório da gratidão nacional e uma página

imorredoura da história do Brasil como nação. Todavia, tratava-se de uma simples

imitação da ideia de erguer um monumento para comemorar as vitórias alcançadas na

guerra. Mais do que isso, a campanha havia sido desastrosa para o Brasil, embora ela

fosse comumente apontada pelos seus primeiros narradores, que estiveram no cenário da

guerra, como a maior epopéia brasileira.

Aquela era uma imitação dos povos cultos, antigos e modernos, principalmente

dos franceses, na tentativa de eternizar os feitos da guerra e dos heróis que nela atuaram:

os monumentos são as testemunhas eloquentes da civilização dos povos, mesmo

daqueles que desapareceram do mundo. A estátua nunca foi erguida no centro do

Campo da Aclamação, embora sua pedra fundamental tivesse sido inaugurada, com

missa e presença da Família Real e membros do governo. Estava esquecida a guerra e,

sem o monumento, os brasileiros esqueceriam também seus heróis.

Na sucessão dos acontecimentos importantes depois do conflito com o

Paraguai destacam-se a questão escravista, o nascimento do Partido Republicano, as

questões militar e religiosa. Juntos, esses eventos contribuíram para a queda da

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Monarquia e a proclamação da República, em 1889.11

Os novos fatos políticos

substituíam os velhos, a civilização vencera a barbárie, a comemoração seria construída

a partir da afirmação de heróis que se destacaram na campanha e que tinham a feição

republicana. Não havia espaço para monarquistas e republicanos no mesmo panteão:

assim, o Conde D‟Eu foi esquecido e, em seu lugar, Caxias foi ovacionado como o

grande vencedor da guerra.

Nos anos finais do Império, esquecer a guerra significou também olvidar os

personagens comuns que participaram do conflito. Tratava-se de milhares de heróis,

cujos nomes não foram guardados pela historiografia do conflito. Na perspectiva de

uma história social dos anos posteriores à campanha, neste estudo foram reencontrados

muitos dos personagens que, apesar de cobertos pelo manto do esquecimento, deixaram

pistas para serem recolhidas pelo historiador do presente.

A metodologia usada para a constituição desta pesquisa foi o caminho sugerido

pela história social, privilegiando os atores comuns que participaram dos combates e

sofreram as consequências da Guerra do Paraguai. Todavia, o estudo não abandonou

aqueles indivíduos que sobressaíram na campanha ou que ditaram as questões políticas

do Império. Nos jornais da época foram encontradas respostas e novas indagações sobre

o conflito. Documentos manuscritos, fotografias e charges publicadas no período

estudado também forneceram informações para o trabalho.

A investigação teve início na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde se

encontram as principais coleções de jornais do século XIX, que circulavam na Corte e

nas províncias entre 1865 e 1875. Por meio dos impressos foi possível recompor o pano

de fundo dos acontecimentos, assim como através da comparação entre os periódicos

liberais e conservadores, além do que foi publicado pela imprensa ligada ao governo e

pelos jornais jocosos, que também trataram da guerra em suas páginas.

11 Para uma visão política e social do Império Brasileiro no Segundo Reinado ver: COSTA, Emília Viotti

da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977; MATTOS,

Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1990; NABUCO, Joaquim. Um estadista no

Império. v. 3. São Paulo: Ipê – Instituto Progresso Editorial AS, 1949; SODRÉ, Nelson Werneck.

Panorama do Segundo Império. São Paulo: Nacional, 1939; CARVALHO, José Murilo de. A construção

da ordem: a elite política imperial. Brasília: UNB, 1981 e A formação das almas. São Paulo: Companhia

das Letras, 1990; CERVO, Amaro Luiz. O parlamento brasileiro e as relações exteriores (1826-1889).

Brasília: UNB, 1981; LIMA, Manoel de Oliveira. O Império Brasileiro (1821-1889). São Paulo: Itatiaia –

Edusp, 1989; ALAMBERT JÚNIOR, Francisco Cabral. Civilização e barbárie, história e cultura:

representações culturais e projeções da “Guerra do Paraguai” nas crises do Segundo Reinado e da

Primeira República. Tese (Doutorado) – USP, 1998; BUARQUE, Sérgio (Org.). História Geral da

Civilização Brasileira. v. 3. O Brasil Monárquico. São Paulo: Difel, 1978; CELSO, Afonso. A esquadra e

a oposição parlamentar. Rio de Janeiro: Typ. E Lith. Franceza, 1868; FRÉDÉRIC, Mauro. O Brasil no

tempo de D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

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A análise da imprensa nas províncias – que muitas vezes reproduziu as notícias

produzidas na Corte, mas também noticiou episódios singulares – mostrou o impacto do

conflito no interior do Brasil e o alinhamento dos partidos políticos no poder ou na

oposição. Textos completos de jornais que enfatizavam a Guerra do Paraguai foram

transcritos, identificando as duas linhas ideológicas e políticas que se impunham nas

principais redações dos jornais do período estudado: conservadora e liberal.

A utilização dos jornais – sobretudo os de oposição ao governo, com destaque

para A Reforma e Opinião Liberal, publicados no Rio de Janeiro; A Reforma, publicado

no Rio Grande do Sul; A Regeneração, de Santa Catarina; e o jocoso O Alabama, que

circulava na cidade de Salvador, na Bahia – trouxe à tona as questões relacionadas ao

que, com frequência, denominava-se “ingratidão da pátria” para com os veteranos de

guerra, os órfãos, as viúvas e os mutilados. Todavia, os periódicos foram observados

com cautela, pois em seus artigos vigorava muito mais o ataque ao governo do que

propriamente a preocupação com os indivíduos que fizeram a campanha. Outros jornais

utilizados na pesquisa foram: Jornal do Comércio; O Diário do Rio de Janeiro; A

Pátria; A Vida Fluminense; O Jequitinhonha e muitos outros que circulavam no país,

tanto nos anos da guerra como posteriormente ao término do conflito.

Paralelamente às pesquisas nos jornais, a leitura e a análise dos documentos

manuscritos existentes nos arquivos localizados no Rio de Janeiro, assim como no do

Estado da Bahia, permitiram o reencontro com ex-Voluntários da Pátria, soldados de

linha, marinheiros, mutilados, viúvas e órfãos da Guerra do Paraguai.

No Arquivo Nacional, localizado no Rio de Janeiro, notoriamente nos fundos

documentais intitulados Ministério da Guerra, Ministério da Marinha, Ministério do

Império e Ministério do Estrangeiro, foi possível localizar histórias que, mesmo

incompletas, traduzem o drama vivido pelos indivíduos que reivindicavam a proteção

do monarca. Nos ofícios, requerimentos e petições, quase sempre acompanhados por

documentos comprobatórios da situação em que se encontravam os veteranos da guerra

e seus familiares, foi possível perceber, além das súplicas dirigidas ao governo, a

expressão do sentimento de humilhação e ressentimento dos que invocavam o auxílio

dos governantes. Nas queixas dos ex-combatentes transparecem as negociações

utilizadas para fugir da miséria, sempre cobrando a gratidão da pátria pelos serviços

prestados.

Nas correspondências trocadas entre os comandantes das armas, oficiais das

fortalezas e quartéis, presidentes de províncias, órgãos da administração do governo

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central e de seus gabinetes, acompanhados pelos encaminhamentos e finalmente pelos

deferimentos das autoridades, foi possível acompanhar os trâmites burocráticos e o

caminho percorrido pelas petições, passando por diversas instâncias, antes de ter uma

resposta definitiva. Muitas vezes os processos levavam anos para ser concluídos – eram

pedidos de viúvas, órfãos, soldados do Exército e da Marinha, além dos Voluntários da

Pátria.

No Arquivo Histórico do Exército, na cidade do Rio de Janeiro, a série

Requerimentos do século XIX permitiu, por meio da Fé de Ofício de soldados que

participaram da campanha, reconstituir pequenas biografias de combatentes que

defenderam a pátria. Algumas delas foram enriquecidas, quando coincidentemente

haviam sido relatadas nos jornais oposicionistas ao governo. Também no Arquivo

Histórico do Exército foi pesquisado o livro de registro de entrada no Asilo de Inválidos

da Pátria, da Ilha de Bom Jesus, que guardou os nomes de seus asilados, assim como

suas datas de chegada, as patentes que carregavam, as doenças adquiridas ou as

mutilações que sofreram na campanha.

Nas Ordens do Dia, publicadas pelo Exército, foi possível distinguir os delitos

e os crimes praticados por inválidos do asilo, além das punições sofridas por eles,

permitindo caracterizar o grau de tensão entre os internos, comandantes e irmãs de

caridade. Esses documentos limitam-se à identificação das ocorrências – o acesso aos

processos instaurados e julgados pelo Tribunal Militar e de Justiça é restrito aos

pesquisadores.

A pesquisa se estendeu ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e ao

Arquivo Público do Estado da Bahia, onde a documentação permite visualizar a

realidade daqueles que participaram da guerra. Os ofícios e demais documentos

encaminhados ao governo são constituídos de ricas narrativas sobre a condição dos

peticionários, oferecendo uma visão mais próximas dos autores – aos procuradores

parecia importante fornecer o maior número de informações sobre o sofrimento dos ex-

combatentes, para sensibilizar os governantes.

Assim, os detalhes presentes na documentação provincial permitem que sejam

feitas suposições sobre as relações dentro de um determinado território. A ligação direta

com o governo provincial e com as autoridades policiais aponta para a rede de

informações e as teias de solidariedade estabelecidas dentro dos limites das províncias.

Os Anais da Câmara dos Deputados e do Senado foram de fundamental

importância para acompanhar o curso político do Império nos anos finais da Guerra do

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Paraguai, assim como possibilitaram, decorridos quarenta anos da campanha, retomar as

discussões sobre a assistência aos veteranos remanescentes, tanto no período

monárquico como no período republicano. A guerra foi uma questão nacional e os

parlamentares no debate político sobre a condução do processo, interferindo em quase

todas as fases do conflito. O retorno das tropas, assim como a comemoração da vitória

do Brasil, foram temas discutidos no parlamento. As ideias ali produzidas eram

rapidamente refletidas na imprensa, cujos redatores, à frente de muitos jornais, eram

também deputados e senadores do Império e, mais tarde, da República.

As pistas conclusivas sobre o esquecimento a que foram condenados os

veteranos da guerra foram encontradas nos anais das duas casas. Quase meio século

depois do fim do conflito o estado de pobreza em que se encontravam os voluntários e

suas famílias retornou ao centro das discussões políticas. O esquecimento reapareceu na

fala dos parlamentares, oferecendo a dimensão dos problemas vividos pelos soldados

que fizeram a campanha. Depois de recordar a guerra com o Paraguai, apresentando-a

na narrativa dos acontecimentos ocorridos nos anos finais do conflito, foram

considerados os papéis exercidos por diferentes segmentos da sociedade imperial

brasileira, que, de algum modo, tomaram parte na campanha.

O Capítulo I trata da retirada das tropas brasileiras, no princípio de 1870, antes

de concluída a campanha contra o Paraguai, e da recepção aos Voluntários da Pátria no

Brasil – os cernes dos debates ocorridos na imprensa e entre os agentes do governo

monárquico. A recepção das tropas na Corte era vista com desconfiança pelo governo;

todavia, para a imprensa e para a população significava um ato de ingratidão não

comemorar a chegada dos bravos soldados.

No Capítulo II, o objetivo foi apresentar as festas de recepção organizadas para

os batalhões de Voluntários da Pátria, destacando a saída do território paraguaio, a

passagem pela província de Santa Catarina, primeiro torrão brasileiro e, finalmente, as

festividades organizadas pelo povo e pelo governo na Corte. Destaca-se a discussão, por

meio da imprensa carioca, ocorrida entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, em

torno das recepções aos heróis brasileiros, assim como a apropriação dos festejos

populares por parte do governo.

As festas ocorridas nas províncias ao longo do ano de 1870, principalmente

Bahia, Minas Gerais e São Paulo, são os temas centrais do Capítulo III. Esse capítulo

tem como objetivos mostrar que as rivalidades políticas entre liberais e conservadores se

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reproduziram eventualmente nas províncias, assim como destacar as particularidades

das festas ocorridas em cada localidade.

No Capítulo IV, a discussão está centrada na festa oficial pelo término da

guerra. O dia 10 de julho de 1870 – escolhido pelo governo, depois de debates

acalorados nas Câmaras de Deputados e no Senado, para a comemoração oficial do fim

da campanha – e os preparativos para o festejo são abordados por meio da análise de

jornais de oposição e de apoio ao governo, evidenciando o caráter simbólico que

marcaria a vitória brasileira no Paraguai.

No Capítulo V são apresentadas as controvérsias produzidas pelos festejos

oficiais, a construção do templo, a festa propriamente dita e a polêmica em torno das

arquibancadas vazias, sinal para os opositores de que planejada comemoração resultou

em um fiasco para o governo de D. Pedro II. Para encerrar o capítulo, é apontada a

tentativa de sublevação por parte de militares descontentes com a situação em que

viviam depois da guerra.

No Capítulo VI a disputa pela memória da guerra e pelo principal lugar na

galeria de heróis levou à distinção de dois personagens, entre os que aparecem como os

responsáveis pela vitória da Tríplice Aliança na guerra. Esses personagens são o Duque

de Caxias, ligado ao Partido Conservador e com uma trajetória militar de serviços

prestados à monarquia de D. Pedro II, e o Conde D‟Eu, membro da família real,

escolhido pelo Partido Liberal para disputar a condição de herói e, assim, atingir o

Partido Conservador, que subiu ao poder em 1868, com a nomeação de Caxias para o

comando das forças aliadas na Guerra do Paraguai.

No Capítulo VII a situação de ex-escravos que fizeram a campanha é discutida

a partir da análise de casos publicados na imprensa e confirmados na documentação

examinada. Destaca-se a negociação entre o governo e os senhores escravistas que

exigiam indenizações. A trajetória de alguns escravos foi seguida de perto, até o

ingresso deles nas fileiras do Exército, bem como as estratégias utilizadas por eles para

fugir da escravidão.

Os inválidos da pátria e a condição a que eles foram reduzidos no curso da

guerra, mas, principalmente, após a conclusão do conflito, serão discutidos no Capítulo

VIII. O objetivo é estabelecer uma discussão paralela acerca da presença dos inválidos

da pátria no asilo provisório no Quartel da Armação, em Niterói, e no Asilo de Inválidos

da Pátria, na Ilha de Bom Jesus, assim como aqueles que viviam na capital do Império e

em outras capitais provinciais.

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Por fim, o Capítulo IX tratará dos olvidados da guerra. São relatos de viúvas,

órfãos, inválidos e veteranos, personagens esquecidos da história da Guerra do Paraguai.

Por meio de crônicas narradas pela imprensa brasileira é observado o descanso do

governo e o consequente ressentimento que envolveu muitas das vítimas do conflito,

assim como o processo de esquecimento a que os ex-combatentes foram condenados

depois de participarem da campanha do Paraguai.

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Os Voluntários da Pátria despedindo-se dos pais, irmãos, amigos e noivas. Correm de todas as partes do

império os voluntários onde os chama a honra nacional – Acervo AHN/RJ

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Capítulo I

Comemorar ou Esquecer?

Em princípios de fevereiro de 1870, um mês antes do fim da Guerra da

Tríplice Aliança, mas já ciente da derrota do Paraguai, o governo de D. Pedro II ainda

não havia definido o programa dos festejos oficiais de recepção aos soldados brasileiros,

que chegariam em breve.12

Ao contrário de outras partes do Brasil onde existiu uma

expectativa pela chegada das tropas, na Corte a espera foi substituída pelo

constrangedor silêncio do governo. A impressão era de que o Império desejava esquecer

o devastador impacto que, durante cinco anos, tinha assolado o país.

Por que comemorar? Depois de uma longa campanha, o regozijo era sinal

contudente de que a festa, antes de mais nada, representaria o reencontro do pai com o

filho, da esposa com seu marido, de irmãos, de velhos amigos, enfim, de indivíduos

irmanados pela saudade representada, simbolicamente, com a chegada das legiões à

capital do Brasil.

Para A Reforma, folha liberal de Porto Alegre, festejar o regresso dos

voluntários significava a rememoração dos combatentes: “As flores, as aclamações, as

vitórias que as saudaram no dia de sua chegada que os acompanhará no dia de sua

partida”.13

Comemorar significaria exaltar o patriotismo e, na comemoração pela

vitória, o abraço do imperador seria o sinal de gratidão que todos queriam guardar na

memória. Seria o ato de lembrar-se e de celebrar a memória daqueles que haviam caído

mortos nos pântanos sombrios dos campos paraguaios e, assim, rememorar nos te-deuns

12 Em 24 de novembro de 1869, foi assinado um protocolo entre a Argentina e o Brasil prevendo a

retirada de parte das tropas do Paraguai. Para isso considerou-se o fato de ser desnecessária a

permanência de todo o contingente de tropas no território do Paraguai, em virtude da desagregação final

do exército paraguaio e da fuga de Solano López para o interior. 13

MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

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a saudade, a dor e o sofrimento das famílias que representavam a nação brasileira

através de soldados que, combatendo pela pátria, não retornaram para casa.

Rememorar, por sua vez, significava também exaltar o sentimento de nostalgia

de um momento político marcado pela presença dos liberais no poder no princípio da

guerra. Significava reviver festas que, outrora, comemoravam o embarque das tropas de

Voluntários da Pátria, de guardas nacionais e de forças regulares do Exército e Armada,

saudados entre flores que desciam dos céus, girândolas que estrondavam à noite,

ratificadas pelas poesias recitadas por jovens e pelo clarão dos fogos que iluminariam

uma nova política no Brasil.

Por que esquecer? Alguns fatos levaram o governo imperial a minimizar os

festejos de celebração do regresso das tropas. Em primeiro lugar, havia o medo das

epidemias do cólera e da febre amarela. Em segundo lugar, o governo temia as ameaças

de possíveis desordens e sublevações de soldados, que reclamariam os atrasos de soldos

e gratificações, isso sem contar a baixa compulsória de voluntários. Tratava-se de fatos

que arrefeceram o ânimo do governo imperial quanto aos festejos de recepção às

brigadas, as quais demandavam o reconhecimento dos feitos na Guerra do Paraguai.

O esquecimento era também um desejo dos políticos conservadores, que se

encontravam no poder no final da guerra. Afinal, eles não desejavam aplaudir os

generais que, desde o começo dela, eram ligados ao Partido Liberal. Assim, para o

Partido Conservador, o esquecimento era o sinal da permanência e da “tranquilidade”

dos seus poderes intocáveis, desde que subira ao comando do governo o gabinete de 16

de julho de 1868.14

Aos olhos do ministro da Guerra, o Barão de Muritiba, avistavam-se não os

soldados vítimas de injustiças, mas batalhões de credores que se “vislumbravam” com a

volta dos praças do Exército, da Guarda Nacional e dos batalhões de Voluntários da

Pátria.15

Todavia, o manto do esquecimento não impossibilitou que as recepções

ocorressem no Rio de Janeiro.

Se o fato de não comemorar significava esquecer, qual então a resposta do

Império aos anseios da nação, representada, neste caso, pelos órfãos, pais, mães e viúvas

14 Sobre a ascensão do Partido Conservador ao governo imperial, em 16 de julho de 1868, utilizam-se,

sobretudo, os estudos de NABUCO, Joaquim Um estadista do Império. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,

1975; CARVALHO, José Murilo de. As conferências radicais do Rio de Janeiro: novo espaço de debate.

In: CARVALHO José Murilo de (Org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2007; LIMA, Oliveira. O Império brasileiro. São Paulo: Melhoramentos, 1927. 15

MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 9 mar. 1870.

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da guerra, que esperaram por cinco anos o fim da contenda? E como bem referenciou O

Jequitinhonha, de 7 de março de 1869, “não há família no Brasil que se não tenha de

cobrir de luto sem que aos órfãos, aos mutilados e aos mártires fiquem ao menos a

consolação de se haverem sacrificado com proveito para a glória de seu país”.16

As supostas conturbações políticas imaginadas pelo governo imperial, com a

volta dos voluntários, não pareciam constituir-se em ameaças à ordem estabelecida,

diante da comemoração pelo retorno dos filhos vitoriosos à nação, depois da árdua

campanha. A comemoração estava acima das suposições do governo. O povo e a

oposição liberal tinham o direito de comemorar, cada um impulsionado pelas suas

razões, expressas no sentimento patriótico, que extrapolava a tentativa de esquecimento,

como queria o governo.

Os familiares que ficaram no Brasil recordavam as cenas de dor e martírio que

se apresentavam em todo o Império, desde o mais opulento sobrado até a mais humilde

choupana, “pela saudade do lar quando o grito da guerra quebrará a paz, a tranqüilidade,

e a felicidade no seio da família”.17

Ao recordar, ao sentir, ao rever tudo isso a alma

popular e a nação agitavam-se, preparando-se para receber, em seu solo, “os filhos caros

que lhes haviam vingado as afrontas e castigado à insolência do audaz ditador”. 18

Na rememoração, o povo brasileiro demonstraria a sua gratidão: “Alas à

justiça do povo, passagens aos gloriosos inválidos da pátria, homenagens aos

estandartes nacionais que ali voltam enegrecidos pelo fumo dos combates, rotos,

despedaçados pelos ventos da vitória pelas balas dos inimigos!” 19

16 APEMG. Jornal O Jequitinhonha, Diamantina, 7 mar. 1869.

17 BN/RJ. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

18 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

19 Idem, ibidem.

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“Aos Mártires da Guerra do Paraguai” – Acervo AHN/RJ

Na perspectiva de uma história social, de pessoas ditas “comuns”, mortos e

mutilados, órfãos e viúvas, ex-escravos e libertos, que estiveram ligados à guerra contra

o Paraguai, e na de uma história política dos anos imediatos ao fim do conflito, retoma-

se a inquietação inicial: comemorar ou esquecer?

O REGRESSO DAS TROPAS DO PARAGUAI

O ano de 1869 foi decisivo para a Guerra do Paraguai. A entrada das forças

aliadas da Tríplice Aliança na cidade de Assunção parecia levar o conflito a seu termo.

Com isso, o Paraguai ingressava em uma nova fase política, instituindo um governo

provisório que denotava a conclusão da guerra, ainda que a morte do presidente

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paraguaio, Solano López, ocorrida somente em 1º de março de 1870, tivesse sido

considerado o acontecimento responsável pelo final do conflito.20

No dia 24 de novembro de 1869, na cidade de Assunção, o ministro dos

Negócios Estrangeiros da República Argentina, Mariano Varella, e o conselheiro

plenipotenciário brasileiro, José Maria da Silva Paranhos, haviam realizado debate sobre

a redução das respectivas forças no Paraguai.21

Com efeito, em correspondência emitida

em 1º de dezembro de 1869, o ministro da Argentina levou ao conhecimento de seu

governo a assinatura do convênio de 24 de novembro de 1869, em que afirmava:

[...] graças aos sucessivos triunfos das armas aliadas, que tem reduzido

o inimigo a um insignificante número de soldados, incapaz de oferecer

resistência séria e, fugindo por bosques e desertos, o seu governo

julgava chegada a oportunidade de diminuir com vantagem para a

aliança os pesados ônus que tem suportado as três nações com as

despesas da guerra, e, empregada nela de boa parte de sua população

[...]

S. Ex. Ministro brasileiro declarou: Que não menos que seus aliados

desejava o governo do Brasil poder minorar os grandes sacrifícios que a

guerra atual lhes tem imposto, e que informado das disposições em que

se acham os governos argentinos e oriental, se tinha apressado a

autorizar o solicitado ajuste, uma vez que S. A. Real, o marechal do

exército, conde D‟Eu, general em chefe das forças brasileiras, não visse

grave inconveniente da redução das forças dos exércitos aliados no

estado atual da campanha, e que sendo felizmente conforme aos comuns

desejos o parecer do mesmo augusto príncipe, ele, ministro brasileiro,

aderia com prazer a proposta de que se trata.

[...] e que atendendo ao estipulado no art. 2º do tratado da Tríplice

Aliança, e achando-se atualmente em campanha a maior parte do

exército argentino, o seu governo deseja retirar imediatamente os

guardas nacionais, e o Sr.ministro brasileiro, disse que também era

intenção de S. A. R. o Sr. Conde D‟Eu principiar a redução das forças

brasileiras pela retirada dos corpos de voluntários e guardas nacionais.22

Para os governos argentino, uruguaio e brasileiro, o protocolo assinado em

Assunção era o primeiro passo para a conclusão da guerra. No convênio, o ministro

20 Para um aprofundamento do tema, ver, entre outros, DORATIOTO, Francisco. A maldita Guerra: nova

história do Paraguai. São Paulo: Companhia; SCHULZ, John. O Exército na política: origens da

intervenção militar: 1850 – 1894. São Paulo, Edusp, 1994; COSTA, Wilma Peres. A espada de

Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec, 1996. 21

DORATIOTO, op. cit., p. 448. 22

Transcrito pela A Folha da Tarde, Rio de Janeiro, 13 dez. 1869.

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argentino recomendava ao general Mitre dar cumprimento ao documento no que se

referia à redução da presença do Exército argentino em terras paraguaias. Na mesma

correspondência, Mariano Varella adiantou-se em informar que a mesma situação já

ocorria com as tropas brasileiras:

A redução do exército brasileiro já começou. As forças do general

Portinho marcharam sobre Itapuá para serem licenciadas. O número

de navios de esquadra foi consideravelmente reduzido e atualmente

não existem nas águas do Paraná e Paraguai senão os indispensáveis

para o serviço do exército em ocupação do Mato Grosso.23

Os batalhões da Guarda Nacional argentina haviam embarcado, ainda no mês

de dezembro de 1869, para a cidade de Buenos Aires, deixando no Paraguai o Batalhão

de Cavalaria de San Martín e uma pequena parte da tropa de linha. No dia 24 do mesmo

mês, foi a vez de os batalhões Rioja, San Nicolás, Santa Fé, o regimento de Rosario e a

1ª e 2ª divisão de Buenos Aires deixarem o território inimigo.

Na “Correspondência de Assunção”, coluna semanalmente publicada pelo

Jornal do Comércio durante a campanha e reproduzida por jornais de outras localidades

do Brasil, datada da 15 de dezembro de 1869, foi noticiada na Corte a assinatura do

referido protocolo, o que representava, na visão do correspondente do jornal carioca, o

golpe final ao conflito. Para o correspondente, a retirada imediata das tropas, expressa

pelo protocolo, era uma necessidade palpitante do Império. “Já não temos inimigos no

Paraguai a combater, e não devemos por isso querer tomar como inimigo o tesouro do

Brasil, que tão duros golpes tem sofrido”.24

O fato que marcou para a Argentina o entendimento de que a guerra estava

concluída foi a fuga de Solano López para o interior do país, acompanhado por seu

exército “maltrapilho e doente”. Essa mesma compreensão teve Duque de Caxias, em

princípio de janeiro de 1869, que, depois de chegar à cidade de Assunção, deu a guerra

por terminada, dando-se início à dissolução de batalhões de Voluntários da Pátria. Essa,

porém, não foi a vontade do governo brasileiro que, seguindo as recomendações de D.

Pedro II, nomeou o Conde D´Eu como comandante-geral das tropas, ordenando a

23 Idem, Ibidem.

24 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 26 dez. 1869.

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distribuição das forças brasileiras por diversas localidades, em busca do esconderijo de

López. “Será apanhado López? Conseguirá esse feliz resultado o coronel Fidelis? Se

suicidará López agora?” Tais conjecturas feitas por todos demonstravam também a

guerra em seu turno.25

Segundo a correspondência de Assunção, de 30 de dezembro de 1869 havia

aproximadamente dez mil homens inativos. “Além da despesa, deve-se considerar os

males que produz a ociosidade, mãe de todos os vícios. Como um bom brasileiro,

esperamos ansiosos as ordens que o governo imperial terá sem dúvida expedido sobre

essa importante questão”.26

Assim, enquanto Uruguai e Argentina iniciavam a retirada de soldados do

Paraguai e faziam publicar o programa de recepção das tropas em suas respectivas

repúblicas, o Império governo brasileiro permanecia indefinido quanto à data para a

desocupação do território paraguaio.

Era inaceitável a ideia de não comemorar o regresso das tropas, afirmava o

jornal a Regeneração, da província de Santa Catarina:

Enquanto Buenos Aires e Montevidéu tributam ovações aos seus

valentes soldados pelos feitos da guerra cuja glória máxima nos cabe,

nós tratamos de afastar a idéia de reconhecimento aos relevantes

serviços dos nossos heróis, e de sumi-los no meio da população, como

entes internos, inúteis, prejudiciais ao Estado, ou antes ao governo do

Sr. D. Pedro II, nosso senhor e rei muito adorado.27

O Correio Nacional, no seu editorial, dava notícias sobre a volta das tropas.

Seu artigo tinha início com uma comparação do entusiasmo das festas no embarque dos

voluntários em 1865 e da apatia do Império cinco anos depois: “Cada vez que um

número de voluntários se apresentava oferecendo a vida em desagravo da pátria era uma

festa nacional que se fazia”.28

A presença do rei era infalível na despedida dos que

embarcavam e aqueles que não sucumbiram nos campos de batalha ansiavam pelo

aperto de “mão do monarca e por mais aplausos ainda”.29

Em outras palavras, para o

25 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 29 dez. 1869.

26 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 jan. 1870.

27 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina. 26 jan. 1870.

28 BN/RJ. Jornal Correio Nacional, Rio de Janeiro, 11 jan. 1870.

29 Idem, ibidem.

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Correio Nacional os festejos deveriam ter o mesmo brilhantismo daqueles que

ocorreram por ocasião do embarque das tropas.

Mas foi do Correio Nacional a reação mais contundente dirigida à pessoa do

monarca, que indagava: “E vós Sr. D. Pedro II, que assististes ao embarque desses

bravos proferindo palavras de animação e de conforto sereis também presente na força

militar com que o vosso governo pretende humilhá-lo?”30

O mesmo editorial trazia uma

reflexão sobre o entusiasmo, a motivação e os sonhos de glórias que animaram a partida

para a guerra. E afirmava que aqueles que retornavam à pátria estavam sendo tratados

pela monarquia com receios e cautelas.

Em ofício de 10 de dezembro de 1869, endereçado ao Barão de Muritiba,

ministro da Guerra, o Conde D´Eu argumentava sobre a desvantagem econômica em

manter grande número de soldados em solo paraguaio e por essa razão aconselhava ao

ministro que os Voluntários da Pátria e as guardas nacionais deveriam ser os primeiros

na remoção para o Brasil, seguindo o plano executado pela Argentina.31

Ponderava,

ainda, sobre a conveniência de “rodear este ato de certa solenidade, para que apareça

como termo visível dos sacrifícios impostos ao Brasil e para que o acolhimento feito aos

que tanto trabalham pela honra nacional sirva aos vindouros de estímulo para imitá-

los”.32

Com autorização do governo, o príncipe pretendia conduzir de uma só vez à

Corte os treze batalhões de voluntários, com ponderações de que, na impossibilidade,

pelo menos seis deles o façam, constituindo, assim, “uma pequena Divisão, para que

desembarcando num ponto conveniente, possam fazer uma entrada solene nessa grande

cidade”.33

E convicto da aceitação de sua ideia pelo governo, pedia ao ministro da

Guerra o envio dos navios necessários para o transporte das tropas até o Brasil.

Em telegrama ao Ministério da Guerra, do dia 28 de dezembro de 1869, o

Conde D´Eu reforçava a sua pretensão quanto à retirada das tropas de Assunção:

Não descortinamos motivos algum para reter os nossos voluntários

ainda no Paraguai, onde nada fazem, nada mais podem fazer. É uma

30 BN/RJ. Jornal Correio Nacional, Rio de Janeiro, 28 jan. 1870.

31 BN/RJ. Oficio endereçado ao Conde D‟Eu. 10 de dezembro de 1869. Divisão de Manuscritos.

Localização 34, 03, 006, número 029. 32

Idem, ibidem. 33

Idem, ibidem.

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crueldade para com aqueles valentes que no fim de tantos anos de

fadigas e privações, devem estar ansiosos por tornar a ver os seus

lares e é onerar os cofres públicos com uma avultadíssima despesa

que já senão justifica, se já estamos em erro e alguma razão forte

existe para essa demora, seria bom patenteá-la ao país, que parece ter

direito de saber porque se agravam os impostos.34

Em resposta, Muritiba, ministro da Guerra, informava ao Conde D´Eu sobre a

inexistência de transportes na Corte, capaz de conduzir de uma só vez cinco a seis mil

praças, “guardadas as condições higiênicas e mais ainda porque não existem na corte

quartéis suficientes para o abrigo desta considerável massa de tropas”.35

O ministro

Muritiba também tratou de dissuadir o príncipe da ideia de vir à frente dos batalhões.

Ele estava convencido da importância da presença do comandante à frente das tropas

aliadas em território paraguaio, para manter a disciplina.

Além disso, havia de se considerar a “animação dos valentes oficiais e

soldados, que o estado atual das mesmas operações não permite, por ora, retirar do

Paraguai”. 36

Finalizava o oficio informando ter recebido do Imperador ordens para

declarar: “não ser conveniente que V. A. Real se ausente do Exército e das outras forças

que digna e honrosamente comanda enquanto não cessarem de uma vez as ditas

operações, mediante a total aniquilação das forças de López”. 37

Quando ainda se discutia, na esfera dos Ministérios dos países aliados, a

retirada das tropas, o Jornal da Tarde, de 23 de dezembro de 1869, adiantava-se

anunciando, em seu editorial, que a guerra havia chegado a seu termo, como se lê:

A guerra que termina desdobrou mais de uma página gloriosa para os

fatos da pátria e relacionava os nomes dos nobres e militares de alta

patente que tomaram parte no conflito, começando pelo príncipe

mancebo, o Conde D‟Eu, barão de Porto Alegre, Marquez de Herval,

Menna Barreto, Andrade Neves, Tiburcio, Pinheiro Guimarães,

Calazan Rodrigues, Mariz e Barros, barão de Tamandaré, visconde

Inhaúma, barão do Amazonas, Lima Barros, cujas almas se partiram ao

som do hino da sua derradeira vitória, estão gravadas nos corações

34 Transcrito pelo Correio Paulistano, São Paulo, 18 mar. 1870.

35 BN/RJ. Ofício do Ministro da Guerra ao Conde D´Eu, expedido em 29 de dezembro de 1869.

Localização 34, 03, 006, número 029 Divisão de Manuscritos. 36

BN/RJ. Oficio do Barão de Muritiba ao Conde D‟Eu. (1869) Divisão de Manuscritos. Localização 34,

03, 006, número 029. 37

Idem, ibidem.

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brasileiros. Comemorá-los é dever da honra nacional, a eles nossa

gratidão, apresso e admiração. 38

Entretanto, de um jornal estrangeiro, anota-se uma importante reflexão sobre o

final da guerra e a retirada das tropas do Paraguai, com ponderações que passaram para

o centro das discussões na imprensa nacional e que permitem visualizar o cenário

delineado com o protocolo assinado pelas nações aliadas.

No dia 20 de novembro de 1869, portanto antes da assinatura do protocolo,

surgiram divergências entre os ministros brasileiros. Segundo o jornal Herald, de 22 de

dezembro de 1869, alguns sustentavam “que era preciso pôr termo à guerra, e retirar o

mais breve possível todas as tropas e navios exceto uns 2.000 homens e duas

canhoneiras, para a segurança do governo provisório e da navegação”.39

Assim, tratando

daqueles que eram contra o fim da guerra com a assinatura do protocolo, entre eles o

imperador do Brasil, afirmou o Herald que, “embora a guerra seja muito custosa, não

há remédio senão continuá-la até agarrar a López, ou obrigá-lo a buscar uma residência

fora do país, deixando de ludibria-los”.40

Para a folha internacional, era “inabalável” a

resolução do monarca de prosseguir a guerra contra López, enquanto ele estivesse no

Paraguai.

A Reforma, jornal liberal de maior circulação no Rio de Janeiro, dirigiu duras

críticas ao “gabinete de 16 de julho”, pelo fato deste não ter se manifestado quanto à

retirada do Exército brasileiro, seguindo as determinações do convênio de 24 de

novembro de 1869.

Já desde muito convenceu-se o governo de que as 15.000 praças de

linha, que temos no teatro da guerra, são de sobejo para garantir os

resultados obtidos, e continuar a perseguição do inimigo, que foge

diante dos exércitos da Aliança com um punhado de homens mal-

armados, famintos e extenuados de cansaço.41

38 BN/RJ. Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, 23 dez. 1869.

39 Idem, Ibidem.

40 Transcrito do Herald, Rio de Janeiro, 22 de. 1869.

41 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

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Para A Reforma, não era a resistência de López e nem a defesa da bandeira

que retardavam a volta dos guardas nacionais e dos Voluntários da Pátria. Também não

era possível supor que fosse “pelo gosto de aumentar a dívida pública, ou de entorpecer

a marcha do Eexército expedicionário, que se conservam fora do país, forças inativas e

desnecessárias, cuja retirada até se reclama como urgentíssima para a conclusão da

campanha”.42

Na opinião dos liberais e de alguns ministros do governo, a guerra, se

prolongando por cinco anos, resultou, para os cofres públicos do Império, gastos

excessivos e inúteis. O Visconde de Itaboraí já havia manifestado a necessidade de

desonerar as despesas do tesouro com a campanha militar e o Barão de Muritiba,

ministro da Guerra, dava sinais de que as operações ocorridas nos meses de setembro e

outubro de 1869 foram demoradas por causa da crise alimentícia, dada a falta de víveres

para o Exército, excessivamente numeroso. 43

Já o correspondente do Jornal do Comércio afirmou ter obtido informações de

“fontes fidedignas” de que diante, daquelas circunstâncias, era injustificável a

permanência em campanha de oficiais e soldados que, retirados dos combates, estavam

ociosos e “nada mais fazem que distrair os meios de alimentação do exército militante”

e “criar dificuldades e tropeços a fácil execução de certas providencias urgentes da parte

do general em chefe”.44

A explicação para a demora da retirada das tropas da cidade de Assunção e dos

acampamentos localizados em alguns trechos das margens do rio Paraguai, segundo a

folha liberal A Reforma, era a permanência do comandante das forças brasileiras. O

Conde D‟Eu, “o príncipe, zeloso da honra de seus soldados, que ao seu lado cobriram-se

de glória, afrontando a morte pelo amor da pátria, deseja que eles voltem como heróis e

recebam de seus compatriotas as coroas oferecidas”.45

Ou seja, enquanto o príncipe não

retornasse ao Brasil, a guerra não estava concluída.

42 Idem, Ibidem.

43 Idem, ibidem.

44 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

45 Idem, Ibidem.

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O Conde D‟Eu e o seu Estado-Maior na Vila de Rosário (Paraguai) em 13/01/1870. Acervo: AHN/RJ.

No dia 18 de janeiro de 1870, A Reforma retomou a questão, transcrevendo e

comentando um artigo do Jornal do Comércio, que tratava de uma correspondência do

teatro da guerra, no qual a imprensa liberal avalizava a idoneidade das informações

contidas no texto. Além de abordar a retirada das tropas, o correspondente do Jornal do

Comércio, em Assunção, sem reservas, escreveu que eram boas as razões para que o

Conde D‟Eu se apresentasse na Corte à frente de cinco mil ou seis mil homens de seu

exército de armas. Citando o Jornal do Comércio, escreveu A Reforma:

Estes serão poucos supondo distribuídos pelas provinciais sem

desembarcar na corte, onde só teriam festas de ostentação, fazendo

uma despesa injustificável, com injuria dos míseros inválidos da

pátria! O príncipe ficará no Paraguai condenado ao papel de capitão

de Campo, que o Sr. Duque de Caxias rejeitou por indigno de seu alto

posto!46

E referindo-se à memória dos Voluntários da Pátria sepultados na terra

estrangeira, dizia o correspondente: “eleve-se um mausoléu em Humaitá ou Assunção

inscrevendo-se nele estas palavras: Aos mártires da pátria. O Brasil agradecido”. 47

46 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

47 Idem, ibidem.

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Por essa correspondência pareceu, aos olhos do correspondente do Jornal do

Comércio, serem os Voluntários da Pátria e os guardas nacionais “indignos” para

formar uma nacionalidade. Se o correspondente garantiu ser essa ideia compartilhada

pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, para a imprensa liberal essa atitude, tomando-

a como a do governo, tinha o objetivo de fazer esquecer o papel desempenhado pelos

Voluntários da Pátria na campanha.

Tratou assim o jornal A Reforma de refutar cada trecho apresentado,

ressaltando o desejo de comemorar, pois “o coração brasileiro é bastante grande para

guardar a memória dos mortos e expandir-se pela glória dos vivos, para honrar a todos

os beneméritos”.48

A folha liberal A Reforma, a cada matéria publicada no Jornal do Comércio

pela pena de seu correspondente em Assunção, disparava contra o governo conservador.

“Obriga-nos a provocar o governo que declare se entre os motivos pelos quais repeliu a

idéia de virem os voluntários e guardas nacionais reunidos, figura o receio de que eles

marchassem na corte pelo roubo e assassinato”,49

como insinuava o correspondente do

Jornal do Comércio.

Uma das razões apresentadas pelo correspondente de Assunção para não trazer

os voluntários diretamente ao Rio de Janeiro seria a economia do governo com o

transporte das tropas, uma vez que elas não desembarcariam na capital do Império,

devendo seguir diretamente para as respectivas províncias. A imprensa liberal

questionava: “Mas de que modo voltarão sem despesas os Voluntários da Pátria?”.50

Supunha A Reforma que as tropas seguiriam:

[à] formiga em cada transporte que sair do Paraguai para o império,

como diz o correspondente?... Que maravilhosa economia!... Ficará o

nosso governo despendendo ainda quatro ou seis meses com o soldo e

alimentação dos corpos de voluntários que tiverem de esperar pelos

transportes, que forem gastar-se a muito e muito mais assim. 51

48 Idem, ibidem.

49 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 27 jan. 1870.

50 Idem, ibidem.

51 Idem, ibidem.

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Retomando a polêmica, a folha liberal dizia que o Império “não quer que o

general o Sr. Conde D´Eu entre na capital à frente dessa falange de bravos, para os quais

não há honras, nem prêmios que sejam demais”.52

Assim, A Reforma fez uma longa defesa do Conde D‟Eu, atribuindo ao

conselheiro Paranhos e ao “gabinete de 16 de julho” o não atendimento das

reivindicações do chefe das Forças Armadas no Paraguai. E quanto ao regresso dos

voluntários, concluía: “o Sr. Paranhos quer e lista que os Voluntários da Pátria sejam

retirados do Paraguai sem organização militar, e levados às respectivas províncias,

como depois da festa, músicos à pé”.53

Sobre a permanência das tropas no Paraguai, A Reforma indagou: Qual é

porém a suspeita do governo? De que tem ele medo?

Ainda na hipótese de receios na perturbação da ordem pública, e de

exigências da parte dos voluntários, a oposição do governo à vinda do

sr. Conde D´Eu à frente deles é inexplicável, e faz duvidar do bom

senso do ministério, porque o ilustre príncipe general, com o prestigio

da vitória, e com a força do amor dos soldados seria o elemento mais

forte, e garantia segura da ordem e da disciplina militar dos corpos

que consigo trouxer.54

Ainda na hipótese de perturbação da ordem pública pelos Voluntários da Pátria

e das guardas nacionais, a oposição do governo à vinda do Conde D´Eu à frente das

tropas pareceu inexplicável, porque o príncipe general, com o prestígio da vitória e a

popularidade alcançada entre os soldados, era a garantia da ordem e da disciplina militar

dos corpos que desembarcassem com ele na Corte.

A entrada do Conde D´Eu no comando das forças aliadas em 1869, portanto já

na fase final da guerra, parecia representar a encarnação da monarquia. Assim, com a

saída de Caxias do comando, o príncipe justificava a vontade da monarquia em dar

prolongamento ao conflito até a captura ou total aniquilamento de López. Ao mesmo

tempo sua participação constituía-se em uma tentativa de conferir o prestígio que a

monarquia necessitava, já expressa nas festas organizadas na partida do jovem príncipe

52 Idem, ibidem.

53 Idem, ibidem.

54 Idem, ibidem.

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para o teatro da guerra. Todavia, a volta de Caxias à Corte, antes de concluída a

campanha, gerou severas críticas da monarquia, que o relega ao esquecimento,

recebendo o general na Corte tímidas festas, ao contrário do que desejavam seus

partidários conservadores.

A comparação entre os dois comandantes era inevitável e, consequentemente, o

retorno do Conde comandando as tropas responsáveis pela vitória final sobre o Paraguai

não foi bem-vista pelos conservadores no poder. Além disso, ao extinguir a escravidão

no Paraguai, o Conde D´Eu havia atraído sobre si a oposição da elite agrária brasileira,

que viu com maus olhos e prenúncio de que não poderia mais contar com a monarquia

em relação à questão escravista.55

“QUANDO OS VOLUNTÁRIOS FICAM ESQUECIDOS” : RAZÕES PARA SE

NÃO COMEMORAR

As colunas “Correspondência de Rosario” e de “Assunção”, publicadas no

Jornal do Comércio, estavam incumbidas desde o início da guerra de informar aos

brasileiros sobre as notícias do conflito. Através dessas colunas o leitor acompanhava as

descrições das batalhas, o deslocamento das tropas aliadas, as ações do governo

argentino e brasileiro nas operações de guerra. O correspondente dessa folha diária

possuia informações previlegiadas e, em seus artigos, costumava especular sobre

tratativas políticas nos bastidores do poder.

Na Corte, os jornais liberais, pela ausêcia de um correpondente próprio no

Paraguai, utilizavam-se para as suas publicações cartas dirigidas por correlegionários,

que escreviam desde o campo de batalha, mas recorriam também ao que publicava o

Jornal do Comércio. Isso era usado segundo seus interesses, para criticar a ação do

governo, pois consideravam o correspondente daquele jornal legítimo representante dos

ministros do governo imperial no Paraguai.

Assim, utilizando-se de trechos de artigos publicados pelo Jornal do Comércio,

o diário liberal A Reforma procurou contrapor as ideias expressas naquele jornal e

55 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império.

São Paulo: Editora da Unicamp, 1996. p. 262.

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ofereceu a sua interpretação dos fatos aos seus leitores. Uma das “Correspondências de

Rosario” causou indignação nos liberais e em outras folhas da imprensa que se

intitulavam neutras, e aquele artigo foi citado por mais de uma vez por jornais do Rio de

Janeiro com o propósito de admoestar o governo quanto à recepção das forças

brasileiras na Corte.

Em Buenos Aires se preparam muitíssimos festejos para a recepção da

Guarda Nacional, por meio de subscrições populares. Não censuro,

nem reprovo, esse procedimento dos portenhos. Não posso, porém,

nem devo aconselhar, que façamos o mesmo por ostentação no Rio de

Janeiro.56

A ideia de não realizar festejos na Corte, para comemorar o regresso dos

voluntários, gerou polêmica na imprensa, acarretando um certo mal-estar no “gabinete

16 de julho”, que, mais tarde, precisou rever suas convicções em torno dessa questão.

Afinal, a festa pretendida nascera da vontade popular e, assim, como Buenos Aires,

desde o ano de 1868, dera início à abertura de subscrições, com o intuito de festejar o

regresso das tropas e o fim da guerra.

Em suas ponderações, continuava o jornal liberal a transcrever a matéria

publicada pelo Jornal do Comércio:

[...] reunir em uma “flotinha” todos os batalhões de voluntários, fazê-

los desembarcar no Rio de Janeiro, recebê-los com aplausos frenéticos

na corte do império, seria, além de uma despesa injustificável, um

sarcasmo doloroso, uma ironia pingente aos míseros inválidos da

pátria, que aí estão em seu asilo, feridos, mutilados, inutilizados, para

sempre.57

Era de se supor que todos os argumentos empregados pelo governo por meio

de seu correspondente no Paraguai sofreria oposição na Corte, isso porque tanto a

imprensa liberal como os partidários do Partido Liberal, na tribuna, contavam com o

56 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

57 Idem, ibidem.

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respaldo popular para contestar o descaso da Monarquia e do Partido Conservador no

poder.

Os inválidos, desde o início da campanha, desembarcavam na Corte e em suas

províncias de origens, sem sequer contar com um abrigo que os recolhesse da miséria e

garantisse o seu sustento. Vale lembrar que o Asilo dos Inválidos da Pátria, embora

almejado desde o ano de 1865, só se concretizaria em fins de 1868, com a sua criação

na Ilha de Bom Jesus, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, os

inválidos ocupavam os quartéis, enfermarias militares e um asilo improvisado no

quartel da Armação, na cidade de Niterói.

Assim, sobre a compaixão aos inválidos, A Reforma contestou seu interlocutor,

citando como exemplo o sentimento dos mutilados nas comemorações das guerras

napoleônicas e da Criméia:

[...] os feridos e mutilados do hotel do Inválidos de Paris não sentiram

nem sarcasmo, nem ironia, quando por vezes entraram em triunfo

nessa capital às àguias vitoriosas da França conduzidas por seus mais

bravos e felizes camaradas no Império de Napoleão I e nem houve

para eles sarcasmos e ironia sob Napoleão III em festas iguais depois

das vitórias da Criméia.58

A Reforma, na sua edição de 20 de janeiro de 1870, criticou a resolução do

ministro Itaboraí de enviar a Guarda Nacional e os Voluntários da Pátria para as

respectivas províncias, sem consentir que as tropas desembarcassem no Rio de Janeiro.

A folha liberal comparava a atitude do ministro com o modo como eram realizadas as

viagens pelo tráfico negreiro: “No porão dos navios como andavam os africanos, no

tempo em que S. Excia. foi ministro, devem os valentes soldados da nação serem

conduzidos como criminosos às províncias que desejam saudá-los como heróis!”59

Os festejos fugazes e os foguetes voláteis para a recepção na Corte remetiam à

ideia da efemeridade das comemorações pela passagem das tropas no Rio de Janeiro e

nem ao menos figurariam no calendário das festas cívicos da monarquia. Os voluntários

ficaram esquecidos antes mesmo da passagem do tempo necessário para desvanecer a

memória. A polêmica entre comemorar e esquecer abre um parêntese para indagações

58 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 27 jan. 1870.

59 Idem, ibidem.

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sobre as razões para não haver comemorações. Nas páginas dos jornais travou-se um

duelo pela memória recente dos fatos.

O correspondente de Rosário, que mantinha no Paraguai uma relação muito

próxima ao conselheiro Paranhos, declarou em artigo ao Jornal do Comércio que não

convinha receber com festas os Voluntários da Pátria, porque tais demonstrações de

regozijos para os voluntários, as Guardas Nacionais e as tropas de civis, constituídas

como reforço ao Exército, descontentariam a Tropa de Linha, que ficara esquecida no

Paraguai:

Mas esse ruído passageiro dos foguetes, esse aroma volátil das flores

que se espargirem no desembarque dos voluntários no Rio de Janeiro

não tem significação nenhuma douradora. Demais, com que direito

festejam os soldados que voltam agora para a pátria com o ruído

estrondoso dos festins públicos, quando ficam esquecidos os que aqui

devem permanecer em um posto de honra porque são da tropa de

linha?!60

Na verdade, a Tropa de Linha não acabaria se constituindo em rivalidade para

esses festejos, pois ela não voltou imediatamente. Pelo contrário, permaneceria no

Paraguai, com revezamentos parciais de suas tropas, pelo espaço de dez anos, até 1880.

O TEMPO DAS FESTAS JÁ PASSOU...

Um trecho da “Correspondência de Assunção”, republicada pelo jornal A

Reforma de Porto Alegre, também liberal como o do Rio de Janeiro, cuja fala era

atribuída ao conselheiro Paranhos, dizia que “os corpos de batalhões do exército

60 BN/RJ .Transcrito no Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 27 jan. 1870.

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deveriam seguir diretamente do Paraguai para os seus destinos, não deveriam ir em uma

esquadra ou esquadrilha e sim cada um por sua vez. Nada de festejos públicos, de festas

populares pelo seu regresso à pátria.”61

À vista dessa publicação e do silêncio do governo, ante às perguntas que os

jornais liberais lhe dirigiam, ficaram o assentimento e a solidariedade de parte dos

membros do governo com o colega conselheiro Paranhos.

Rapidamente as suspeitas levantadas por ambos os jornais liberais espalharam-

se na Corte, com a declaração oficial de que o governo pretendia fazer com que os

batalhões dos Voluntários da Pátria e a Guarda Nacional seguissem diretamente do

Paraguai para as suas províncias, sem desembarcar na capital do Império, e cada um,

por sua vez, isolado, desarmado, transportado nos navios de guerra. Era a negação da

comemoração às falanges de soldados que lutaram pela pátria.

Na Corte o espírito popular, ao contrário, manifestara sua vontade de

comemorar o regresso dos batalhões que vinham da guerra. Sequer supunha-se que o

governo e o Partido Conservador fossem capazes de tal procedimento, pois, “acabando

de escrever no campo inimigo páginas de eterna glória para a nossa pátria”, era natural

que o sentimento público se regozija em imaginar as passagens das legiões, “por entre

alas do povo”, delirante de entusiasmo, “diante das sagradas insígnias da pátria.62

Para o Correio Paulistano, da cidade de São Paulo, havia uma outra

justificativa para a não realização dos festejos: não era o herói “imaginado”, vitorioso

depois da batalha, que desembarcava na Corte. E sim homens exauridos pela fadiga,

maltratados pela longa campanha, endurecidos pelo tempo, que, dispensados do

Exército, com soldos atrasados, assemelhavam-se mais a soldados inválidos e doentes

entregues à própria sorte, sem reconhecimento pelos serviços prestados à nação:

[...] chegam mal dispostos pelos martírios da campanha e pela

viagem do mar e mal desembarcarão e serão obrigados a fazer através

das ruas do Rio de Janeiro um trajeto de perto de duas léguas de

mochilas e armas ao ombro debaixo de sol abrasador, porque daquele

lugar e da estação, ponto de tal arte de alcance indubitável de febre

61 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

62 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

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amarela que ali grassa assustadoramente e de preferência quem vem

de estranhas terras. 63

O jornal Correio Paulistano ponderou sobre a inconveniência de levar as

tropas de voluntários à Corte. Sobre os festejos, afiançou que a festa seria bonita e

serviria para divertir a Corte e a população fluminense. Todavia, indagou sobre as

condições físicas das tropas depois de uma viagem exaustiva e cheia de privações: “São

constrangidos os míseros heróis da guerra a dar-se em espetáculo, sem curar-se das

desastrosas conseqüências a que vão ser expostos.”64

Disse ainda que a imprudência

dessas festas serviria apenas para abrir as valas dos cemitérios, referindo-se aos surtos

de febre amarela e do colera-morbus frequentemente ocorridos na Corte. O mesmo

jornal argumentava que os soldados de outras províncias ansiavam pelo regresso ao lar e

pelo encontro com a família.

[Assim, dispensava] aquele abraço fraterno que lhe quer dar o

governo e nós em nome dos soldados paulistanos, e de suas famílias

cabe levar essa suplica ao trono do imperador para que haja de

dispensar os pobres mártires a Provença inglória que lhes prepara.65

A folha paulistana era de opinião que as tropas desembarcassem na cidade do

Desterro, em Santa Catarina – por questões higiênicas, abastecimento dos navios e

cuidados com os feridos transportados na viagem de regresso –, e dali seguissem para as

respectivas províncias, incumbindo-se de realizar os festejos e assim mais depressa

seriam restituídos às suas famílias. Desse modo, ficariam também livres dos terríveis

perigos que os aguardava na Corte. Para esses soldados, bastaria que suas fadigas

fossem recobradas, pois não haveria nem palmas ou louros, nada que lembrasse seus

feitos ou recordasse o seu patriotismo.

Uma vez dissolvidos os batalhões, restaria ainda um longo caminho a percorrer

para a restituição dos vencimentos pelos serviços prestados ao país.

63 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 2 fev. 1870.

64 Idem, ibidem.

65 Idem, ibidem.

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Cumpra o governo suas promessas para com os Voluntários da Pátria.

Promessas sagradas contidas no decreto de 07 de janeiro de 1865.

Cumpra-as! que esses mártires do pendão nacional ficarão satisfeitos.

Não é o ruído dos foguetes, os vivas, os brados das músicas do Rio de

Janeiro que há de falar-lhes já, agora, ao coração e a alma.66

Para A Reforma, de Porto Alegre, os próprios voluntários desdenhariam das

festas oficiais que o Imperador e o seu governo lhes ofereciam. Os soldados que

retornam “cobertos de cicatrizes e crestados do sol ardente das batalhas” não queriam

recepções oficiais. E o povo não os acompanharia nas manifestações frias e

encomendadas, que somente tédio e aborrecimento poderiam causar aos soldados,

ansiosos para regressarem aos lares depois de anos de fadigas.67

O Jornal do Comércio ofereceu uma explicação diferente para não se

comemorar o regresso das tropas:

O tempo das festas já passou. As glórias que vem tarde já vem frias.

Fique sim a cada província o direito de saudar os batalhões de

voluntários como quiser, e entender mais belo e mais glorioso. Mas não

se acumule sobre o tesouro despesas com transportes em flotilhas, com

desembarque na corte do império, com embarque novos para cada

província, ficando depois o governo do Brasil devendo a cada

voluntário, a quantia de 300$ e umas braças de terra que lhes prometeu

por um decreto publicado com data de 7 de janeiro de 1865.68

O jornal apresentou, além disso, um outro significado para o sentido das festas

cívicas: a guerra ainda não havia sido concluída. O protocolo assinado em 24 de

novembro de 1869, a conquista da cidade de Assunção, o desmantelamento do exército

paraguaio e a retirada de López para o interior do Paraguai, tudo isso não significava um

epílogo no desfecho da guerra. Faltava ainda prender o presidente paraguaio, o que só

ocorreria, quase quatro meses depois, em 1º de março de 1870, com o assassinato de

Solano López, pelas tropas do general Câmara.

66 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 2 fev. 1870.

67 BN/RJ. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 18 jan. 1870.

68 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 16 jan. 1870.

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“O tempo das festas já passou. As glórias que vêm tarde já vêm frias”. Pode-se

inferir que o objeto das comemorações seriam as batalhas? A festa cívica prescinde de

um lugar de memória, dedica-se, antes de tudo, à exaltação da nacionalidade, fazendo

com que, na maioria das vezes, o principal objeto seja a comemoração de um episódio

ou de um personagem visto como significativo na história da nação.

O que se pode também inferir sobre a Guerra do Paraguai, nos seus momentos

finais, eram a existência de indefinições do jogo do poder, o desgaste da imagem do

imperador, acusado de prolongar a guerra, ou ainda o saldo devedor para milhares de

mães, órfãs, viúvas e mutilados, batendo às portas do governo, bem como suplicando

indenizações, pensões e soldos atrasados.

Os momentos de glória para o Exército brasileiro ficaram nas páginas viradas

do tempo, restando as lembranças das batalhas de Riachuelo, Tuiuti, Curuzu, Humaitá,

Lomas Valentinas.

Como comemoração de episódios da história da nação, as festas

cívicas tornam-se os momentos privilegiados para a celebração de

uma certa comunhão da comunidade nacional, simbolizada nos rituais

que envolvem a participação real ou imaginada de vários segmentos

da sociedade; nos discursos que exaltam a nação como o resultado de

lutas ancestrais; na afirmação da crença na coesão, na conjunção de

interesses e no espírito de coletividade. 69

A Reforma era uma voz dissonante que se estabeleceu diante da frialdade do

governo imperial na realização dos festejos. Outros órgãos de imprensa, como o

Correio Paulistano, não identificado com o Partido Conservador, também por razões

divergentes, coadjuvaram para a não realização de festejos pela volta das tropas. A folha

liberal de Porto Alegre lançou outro olhar sobre a questão. J. Júlio de Barros,

colocando-se na condição do cidadão brasileiro, falou da ausência da comemoração.

Cidadãos, em vez de unidos e identificados pelo patriotismo, foram

incapazes de fazer ovações sinceras aos filhos de outra província.

Soldados, em vez de êmulos da glória, foram apaixonados rivais a

disputar o prêmio de seus serviços. Oh! Mutilados, sem o sentimento

de nobre orgulho pelas suas feridas e cicatrizes, foram miseráveis a

69 FONSECA, Thais Nivia de Lima. A comemoração do 21 de abril: o cenário do jogo político. Anos 90,

Porto Alegre, v. 12, n. 21-22, p.438, jan.- dez. 2005.

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chorar perpetuamente a perna ou o braço cortado, e a jogar com ele à

face dos que participaram dos mesmos perigos. 70

O jornal A Reforma, publicado no Rio de Janeiro, foi categórico: “O governo

não queria conceder um dia de festa a esses heróis que viveram cinco anos de privações,

de marchas forçadas, de combates e batalhas por dedicação à pátria!”. 71

Havia uma

intenção deliberada dos conservadores em não vir à frente das tropas “o jovem general

em chefe”, pois o governo imperial não queria “que o Sr. conde D´Eu entre na capital à

frente dessa falange de bravos, para os quais não há honras, nem prêmios que sejam

demais”. 72

A Reforma tratou de oferecer aos seus leitores uma explicação que lhe pareceu

autêntica para explicar o temor do governo quanto à vinda das tropas. Para a folha

liberal, a aglomeração de soldados na Corte significava, para o governo imperial, o

pronto atendimento das promessas feitas durante a mobilização dos corpos de

voluntários, como se lê: “Cada um deles tem direito não só a uma gratificação

pecuniária, como a uma posse de terra nas colônias militares ou agrícolas”.73

Assim, as reclamações de milhares de soldados incomodariam ao gabinete,

como já ocorria graças aos inúmeros ofícios que chegavam às secretárias de guerra, com

pedidos de pensões, soldos atrasados, postos de honra, empregos públicos, reclamações

que, absorvidas pelos cuidados de “arranjar a parentela, ainda não cuidou dos meios de

satisfazer aquelas dívidas sagradas”. 74

Concluía o redator J. Júlio de Barros que não

convinha, pois, reuni-los na Corte, onde a opinião pública poderia apoiá-los contra a

deslealdade do governo.

Recuperando a polêmica desencadeada pela imprensa liberal sobre o regresso

das tropas, o político e jornalista João Saldanha Marinho75

contribuiu para mediar a

discussão desencadeada em torno da questão. Embora fosse um político do quadro do

70 BN/RJ. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 18 jan. 1870.

71 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 27 jan. 1870.

72 Idem, ibidem.

73 MCXHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 18 jan. 1870.

74 Idem, ibidem.

75 Saldanha Marinho era pernambucano e tornou-se bacharel em Direito em 1836. Filiado ao Partido

Liberal, foi eleito deputado por várias legislaturas pelo Ceará, Rio de Janeiro, Pernambuco e Amazonas.

Foi também presidente das províncias de Minas Gerais (1865-1867) e São Paulo (1867-1868). Como

jornalista, atuou no Diário do Rio de Janeiro e no Jornal do Comércio.

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Partido Liberal, escolheu o Jornal do Comércio, tão criticado pelo seu partido, para

fazer suas considerações.

Se, em 18 de novembro de 1869, o governo imperial já havia expedido suas

ordens para que se recolhessem ao Império as forças que não eram necessárias para a

perseguição de López, se as repúblicas da Argentina e do Uruguai apressaram-se em

dispensar as forças de um serviço que se tornou inglório, “por que não têm sido até hoje

executadas?”, questionou Saldanha Marinho.76

E ainda dizia, como “amigo” do

governo, que o sigilo sobre essa matéria de interesse para a nação prejudicava a

credibilidade do próprio gabinete conservador de 16 de julho.

O jornalista também advertiu o governo para não menosprezar “o importante

órgão liberal, A Reforma, que com certa freqüência debruçava-se sobre esta questão”, e

fez o seguinte comentário sobre a opinião daquela imprensa: “não pouco desagradáveis

contra o gabinete de 16 de julho”. 77

Na opinião de Saldanha Marinho, o gabinete demonstrava receio quanto à

aglomeração das tropas na Corte, mesmo tendo publicado o programa dos festejos.

Entretanto, o pretexto utilizado pelo governo era somente em função de um parecer da

junta central de higiene, que não recomendava aglomerações de povo, pela ameaça de

epidemias. Todavia, para Saldanha Marinho, a justificativa do contágio pela epidemia

lhe pareceu uma desculpa pueril, escondendo as razões que encobriam os temores do

ministério, quais sejam: desordens e tensões sociais. É o que parece estar subentendido

nas palavras do jornalista quando diz:

Em verdade, não é crível que o ministério atual, representante do

patriótico partido conservador, se deixe tomar de suspeitas pueris. Ele

esta bem convencido de que os nobres vingadores de mais nobre das

causas não hão de querer salpicar de lama suas coroas e palmas

triunfais; e bem assim, que nada há mais fecundo, do que a

recompensa conferida às boas ações. Por que duvidar disso?78

De fato, a ocorrência de febre amarela e a presença do cólera eram

consideradas uma ameaça à ordem higiênica da Corte. Todavia, pareceu não interessar à

76 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 11 fev. 1870.

77 Idem, ibidem.

78 Idem, ibidem.

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imprensa defensora da recepção aos soldados brasileiros que muitos dos casos

registrados provinham das tropas que retornaram ainda durante a campanha.

A seca de quase dois anos produziu uma miséria inigualável no Norte do país.

A safra agrícola que, em 1868, já era pequena, em 1869 foi reduzida a quase nada. Em

consequência, a fome continuava a atingir o sertão, exaurindo os recursos de pessoas

abastadas e os pobres que não podiam prover-se do indispensável à subsitência.79

Para

mitigar os efeitos da seca, o senador Almeida e Albuquerque mandou abrir um crédito

de 40 mil contos de réis, a fim de remeter gêneros alimentícios para diversos lugares

que mais precisavam, nomeando comissões especiais encarregadas da sua distribuição.80

De fato, a seca tinha atingido, sem distinção, todo o Norte do país e, assim,

aproveitando-se desse cenário desolador, entendeu e assinalou o Jornal do Comércio

outra razão para a não realização dos festejos no Rio de Janeiro. Citava como exemplo a

subscrição pública promovida pelos alagoanos, residentes na Corte, em auxílio aos seus

compatriotas castigados pelo flagelo da fome e pela seca desoladora.81

Na mesma

situação calamitosa encontrava-se a Bahia, província que havia enviado

aproximadamente vinte mil homens para lutar no Paraguai.

Com que alegria poderão receber essas ovações ruidosas na corte do

Império os voluntários baianos, se sabem que estão morrendo de fome

nos sertões de sua terra os entes mais queridos de seu coração? Se

sabem que quanto mais cedo ali chegarem, mais probabilidade tem de

salvar-lhes a vida ameaçada pela fome? 82

Fica uma indagação: qual o uso que o Império fez do esquecimento? A folha

conservadora no Rio de Janeiro silenciou sobre a chegada dos voluntários na Corte e,

nas províncias, nenhuma atenção dispensou em suas páginas sobre os festejos

realizados. Tratava com menosprezo a presença dos voluntários na Corte, argumentando

que eles deveriam ser esquecidos, quando propôs que as tropas fossem devolvidas

rapidamente às suas províncias e às atividades que desempenhavam antes da guerra.

79 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 mar. 1870.

80 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 12 mar. 1870.

81 BN/RJ. Jornal do Comercio, Rio de Janeiro, 9 fev. 1870.

82 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 16 jan. 1870.

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O Jornal do Comércio chamava a atenção para a importância de levar os

soldados para a sua terra natal e, como sugeriu aos filhos da Bahia, quanto mais cedo ali

chegassem, mais probabilidade tinham de salvar a vida de seus entes queridos,

castigados pela seca que assolava o sertão.83

Essa justificativa serviu de argumento para

não aquartelar na Corte os soldados vindos da campanha.

AMEAÇAS DE DESORDENS E SEDIÇÕES

O Jornal da Tarde, do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros órgãos de imprensa

a manifestar-se publicamente, em 23 de dezembro de 1869, contrário aos festejos. Seu

entendimento era de que a aglomeração de soldados na Corte traria o conflito para as

ruas, semelhantemente ao que já havia ocorrido com os voluntários que regressaram no

tempo da guerra.

[...] que os voluntários partam imediatamente para as suas províncias

ou para as terras que desejarem ocupar, e lhes forem cedidas. É esse

no nosso entender o meio mais seguro de prevenir a renovação de

conflitos de que por vezes têm sido testemunhas os habitantes desta

cidade.84

Na sequência do editorial, o Jornal da Tarde recomendava ao governo imperial

que se preparasse para pagar sem demora os soldos atrasados às tropas e dar aos

voluntários as terras prometidas, para que não fosse acusado de ingratidão ou de

negligência para com os servidores da nação.

Para o jornal A Reforma, os soldados, que foram festejados na hora da partida,

deveriam ser agora igualmente recebidos com uma entrada triunfante na Corte. “Não

seria necessário que saísse dos cofres públicos a despesa injustificável dos foguetes e

das flores, dos hinos e das palma..”85

O receio então se explicava: “na corte é que os

voluntários deveriam ajustar as suas contas; e o governo lhes prepara um calote”. 86

83 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 8 fev. 1870.

84 BN/RJ. Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, 23 dez. 1869.

85 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

86 Idem, ibidem.

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Dois dias depois de publicado seu artigo, A Reforma retomou a questão, dessa

feita afirmando que o ministro dos Negócios Estrangeiros havia autorizado o embarque

das tropas para o Brasil, sem, entretanto, desembarcar no Rio de Janeiro. E pergunta:

“Já o Sr. Faria Lemos meteu em cabeça ao Sr. Itaboraí, que a pátria correrá perigo e que

o bravo chefe de polícia está cansado de serenar revoluções?”87

Contestando a posição

do Ministério, a folha liberal respondeu que a desconfiança do governo era ridícula e

pueril.

A Guarda Nacional das províncias, desembarcando na corte, apenas

receberá as ovações que a população destina aos valentes da nação,

ovações que debalde se andaram encomendando, quando aqui soltou o

ilustre duque de Caxias. O Sr. Paranhos, mentor do ministério, foi o

inventor dessa remessa de voluntários no porão, a modo de sardinhas

em tigelas.88

Na correspondência do governo do Brasil às autoridades militares no Rio da

Prata, trasncrita pelo jornal de Santa Catarina A Regeneração, encontram-se outras

explicações para a questão do retorno das tropas. Nela o governo imperial recomendava

que as forças brasileiras regressassem em pequenas frações seguindo diretamente para

as províncias: “a modo que fiquem tão divididos e espalhadas que ninguém possa vê-las

ou temê-las”. 89

Os temores do governo quanto à possibilidade de desordem provocada na

Corte pelos batalhões de Voluntários da Pátria gerou controvêrcias na imprensa carioca.

O Correio Nacional interpretou a suspeita como um voto de “desconfiança” aos

combatentes que serviram à pátria. Os festejos promovidos nessas circunstâncias eram

extorquidos:

Sim, desconfiança do governo, pois desgraçadamente é sabido que os

voluntários e guardas nacionais devem regressar em pequenos

contingentes a fazer uma revista em ordem de marcha, e recolher-se a

quartéis a fim de serem dissolvidos os corpos e dispersos pelas

províncias.90

87 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 jan. 1870.

88 Idem, ibidem.

89 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina., 26 jan. 1870.

90 BN/RJ. Jornal Correio Nacional, Rio de Janeiro, 28 jan. 1870.

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O medo das desordens manifestado pelo governo imperial foi assim descrito

pelo jornal liberal: “Só faltava esta! Os bravos guardas nacionais e Voluntários da Pátria

não devem vir incorporados para a corte, porque, os soldados, embriagados pelas festas,

se converteriam em ladrões e assassinos!”.91

Na correspondência para o Jornal do Comércio, o correspondente informava

que a demora das tropas em solo paraguaio havia causado estranheza no Rio da Prata,

bem como o não cumprimento do protocolo de 24 de novembro de 1869, por parte do

Brasil. Para justificar-se perante a opinião pública, corroborou que a ordem para o

regresso dos voluntários e das Guardas Nacionais já havia sido expedida pelo governo,

e censurando o pensamento do Conde D´Eu de vir à frente das tropas, ponderou:

Dizem que a causa (da demora) procede de haver desejo de que eles

marchem reunidos a desembarcar nesta corte, a fim de serem

recebidos em triunfos. Também em Buenos Aires fez-se o mesmo, e

houve até uma recepção brilhante, mas os próprios que concorreram

para ela estão já arrependidos. Não se transfere assim de chofre dos

acampamentos para as grandes capitais, cheios de prazeres, uma

soldadesca ávida de gozos, sem que a moralidade e a ordem pública

sofram extraordinária perturbação. 92

Para a defesa dos interesses do governo do Império, o correspondente citou

como exemplo as desordens ocorridas na Argentina, provocadas pelos corpos das

guardas nacionais que regressaram para o seu país, informando que jornais de Buenos

Aires faziam referências a frequentes roubos e assassinatos cometidos pelos soldados.

E, além disso, comerciantes inescrupulosos, sabedores de que os soldados haviam

recebido soldo atrasado, “os atraem para o jogo, a embriaguez e o crime”.

É o reverso da medalha de face brilhante. Se os portenhos estão

sentindo estes inconvenientes com pouco mais de 1.000 homens, o

que não nos acontecerá com um corpo de exército de 6.000 homens,

embora sejam mais disciplinados e de melhor índole? Quem não se

excede no meio de festas que exaltam a imigração?93

91 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 jan. 1870.

92 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 28 jan. 1870.

93 Idem, ibidem.

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Para o jornal A Regeneração, de Santa Catarina, a razão para a dispersão das

tropas estava fundamentada na suspeita de que a junção de batalhões de diversas

províncias motivasse revoltas liberais. O temor da monarquia era assim explicada:

“quem derramou o sangue pela liberdade alheia, mais facilmente o verta pela própria

liberdade”.94

Na “Correspondência de Assunção”, datada de 30 de janeiro de 1870,

finalmente foi anunciado que, com a chegada do Conde D‟Eu à cidade de Rosario, na

Argentina, estavam sendo retiradas as tropas de Voluntários da Pátria e das guardas

nacionais para o Brasil. Os primeiros a embarcarem seriam as tropas de Voluntários da

Pátria e das guardas nacionais, permanecendo estacionadas em Assunção e em alguns

pontos do território paraguaio as tropas regulares do Exército.

Enfim, no dia 3 de fevereiro de 1870, partiram da cidade de Rosário, nos

vapores Presidente, Galgo e São José, todos com o destino ao Rio de Janeiro e sob o

comando do coronel Faria Rocha, os 17º Batalhão de Minas de Gerais, o 40º Batalhão

da Bahia e o 53º Batalhão de Pernambuco.95

94 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Desterro, 26 jan. 1870.

95 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14 fev. 1870.

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Entrada triunfal das tropas na cidade do Rio de Janeiro em 23 de março de 1870.

Acervo AHN/RJ.

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Capítulo II

A Festa Nas Ruas: O Fim da Guerra e a Recepção na Corte

A cada vapor que chegava do Sul, o telégrafo do Castelo embandeirava-se, os

ministros do Império dirigiam-se a São Cristóvão para ovacionar o monarca, as

fortalezas salvavam com tiros de canhão, a polícia mandava tocar foguetes e o hino

nacional. O Diário do Rio de Janeiro, órgão do Partido Conservador, mantinha em sua

redação uma banda de música pronta para percorrer as principais ruas. Boletins eram

espalhados gratuitamente pelas esquinas do centro da cidade e por todos os lados ouvia-

se: “está terminada a guerra”! Esse era o cotidiano vivido pela cidade do Rio de Janeiro

desde que Caxias desembarcou na Corte, em princípios de 1869, anunciando que a

guerra terminara. Todavia, antes que os boatos enchessem o espírito do carioca de

alegria, rapidamente era desmentida a notícia tão aguardada na Corte.

O ano de 1869 foi especialmente marcado por uma série de boatos que

levavam o povo à rua para comemorar o final da guerra com o Paraguai. Por essa razão,

as comissões dos festejos instituídas nas diversas freguesias da cidade, rapidamente,

tratavam de iniciar o embelezamento das ruas para receberem os corpos de voluntários e

dos guardas nacionais.

Em princípios de 1870, as festas organizadas no Rio de Janeiro para recepção

dos contingentes de soldados vindos do Paraguai foi um assunto por demais

controverso. No Café Londres, na Rua do Ouvidor, estudantes de direito e medicina

discutiam quem eram os heróis a serem comemorados. Nas ruas adjacentes,

comerciantes, vendedores ambulantes e lojistas liam nas páginas dos jornais as notícias

sobre o retorno dos batalhões brasileiros.

Nas ruas da Alfândega, de Sete de Setembro, da Rua Direita, outro não era o

tema das discussões entre militares, negociantes, artistas, religiosos e moças eufóricas,

que passeavam pelas lojas em busca de tecidos em cores variadas para a confecção de

bandeiras e flâmulas destinadas às festas.

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O fim da guerra não era certo, mas a assinatura do acordo entre os aliados, em

24 de novembro de 1869, determinando a desocupação gradual do território paraguaio,

motivava a realização da festa patriótica. Era preciso encher a Corte na chegada das

tropas ao Brasil, as quais seriam comemoradas como heróis nacionais, antes de

retornarem para as suas respectivas províncias.

Nos hotéis da Rua Uruguaiana, no Alcazar, à porta do Teatro Lírico, na livraria

do Sr. Macedo, estrangeiros e nacionais discutiam artigos publicados nas folhas

correntes sobre as negociações em torno do final do conflito. E durante todo o mês de

janeiro de 1870, interrogava-se sobre as razões do governo manter as tropas brasileiras

em solo paraguaio.

Pelas folhas estrangeiras e por alguns jornais brasileiros chegavam as notícias

da entrada triunfal do contingente de uruguaios a Montevidéu e das recepções que

cobriram de louros os soldados de volta à confederação Argentina, crescendo na

população carioca a expectativa de que o mesmo acontecimento ocorresse no Rio de

Janeiro com a chegada das tropas no Brasil. Enquanto Buenos Aires e Montevidéu

tributavam ovações aos soldados pelos feitos da guerra, o governo imperial parecia

tratar de afastar a ideia de reconhecimento dos serviços prestados pelas tropas

brasileiras e de “sumi-los no meio da população, como entes internos, inúteis,

prejudiciais ao Estado, ou antes, ao governo do Sr. Pedro II”.96

Repentinamente espalhou-se o boato de que o governo não faria a recepção na

Corte e que as tropas de voluntários da pátria e da Guarda Nacional seguiriam

diretamente do Paraguai, em pequenos batalhões, para as províncias, nos porões dos

transportes de guerra, sem tocarem a cidade do Rio de Janeiro.97

Desde o começo do ano de 1869 a população da Corte se preparava para

receber os “briosos” soldados e parecia inadmissível que tal procedimento fosse adotado

pelo governo ou pelo imperador, este considerado desde o início da campanha como o

primeiro voluntário da pátria. O contentamento com a volta das tropas contagiava aos

que assistiram à partida de um amigo, de um irmão, de um pai, de um filho, para a

fronteira do sul, em 1865. Terminada a guerra, aguardava-se, portanto, o regresso dos

entes queridos. Ainda que retornassem com expressões de tristeza, cicatrizes adquiridas

nos tempos da guerra, a saudade da mãe, da esposa, da filha, seria encoberta pela alegria

e pelo júbilo das festas que se pretendia fazer para a recepção das falanges de soldados.

96 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 26 jan. 1870.

97 BN/RJ. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 8 fev. 1870.

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A festa era pretendida pelo povo, e nos jornais as subscrições davam

expressões de seus resultados. As ruas onde desfilariam as tropas estavam decoradas

com quadros e bandeiras, arcos triunfais, emblemas do Exército e da Armada, colchas

delicadamente estendidas sobre as janelas, tudo evidenciando a festa, nascida da

vontade do povo em abrilhantar a ocasião da chegada dos soldados brasileiros, o que

ocorreria com ou sem a participação do governo. Afinal, o dinheiro recolhido com as

subscrições públicas permitiria às tropas desfilarem sob os símbolos encorajadores que

lembravam a festa da partida.

No coreto armado na rua D. Manuel leiloavam-se galhardetes, bandeiras,

lanças, escudos. O folhetim López e sua favorita Lynch era anunciado: "vida íntima

dessas duas personagens negras e perversas que por tanto tempo incomodaram a nação

brasileira e escandalizaram a América e o mundo”.98

No estabelecimento do Sr. Moncada, à Rua do Ouvidor, 143, o retrato do

visconde de Herval, general Osório, estava exposto. Realizada por meio de

subscrição pública, a obra foi encomendada ao artista Rocha Fragoso.99

A alma popular recordava a marcha dos voluntários, da Guarda Nacional,

do Exército para o território inimigo, de onde só chegavam notícias nas

correspondências publicadas pelos jornais, com as narrativas de ferozes combates e

brilhantes batalhas, atos de heroísmos praticados por generais, oficiais e soldados na

campanha.

Nos dias em que antecediam as festas, a população também recordava

páginas de angústias a cada batalha perdida, listas de soldados mortos publicadas em

jornais, assim como as informações que chegavam nos vapores ou em cartas

recomendadas por soldados e oficias às suas famílias.

Hordas de mutilados, doentes e soldados entregues a embriaguez,

inutilizados na guerra percorriam as ruas por onde os “heroicos combatentes”

desfilariam. Homens ressentidos com o governo, que lhes dava o “calote” atrasando

soldos e descumprindo as promessas das gratificações feitas na hora da partida.

Homens, incapazes de prover o próprio sustento, viviam entregues às badernas, a

esmolar o pão da caridade nas ruas da Corte, atestando a crueldade com que a pátria

os recebera.

98 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 26 jan. 1870.

99 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 4 fev. 1870.

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Contudo, o desembarque dos batalhões na Corte, mesmo sem data definida,

fazia com que a população e as autoridades esquecessem da desgraça que se

apresentava aos olhos de quem andava nas ruas. O sentimento era somente o de

recordar o valor marcial que animou as falanges do Império em sua partida. Quem

não teve um ente querido ou um vizinho nos campos de guerra?

Era também, tempos de tensões, com debates acalorados em torno da

questão da escravidão, da fundação e atuação de associações libertadoras de

escravos e de partidos identificados com a ideia de república, de doenças epidêmicas

como a febre amarela e o colera-morbus, da falta de água que atingia a cidade. O

governo e seus ministros não viam com bons olhos a chegada de tantos soldados de

uma só vez à Corte.

Desde a sua saída do poder, em 16 de julho de 1868, o Partido Liberal

passava por uma reestruturação interna, o que resultou na formação do Partido

Progressista, liderado por Joaquim Nabuco, Zacarias, Silveira Lobo, Teófilo Otonni,

Francisco Octaviano e Saldanha Marinho, ocasião em que o Partido Conservador

pareceu entregar-se ao medo que representava tal investida.100

Fazia parte do

programa adotado pelos liberais e progressistas os seguintes itens: a

descentralização; a abolição do poder moderador; o Senado eleito e temporário; a

eleição dos presidentes de províncias pelas próprias províncias; a liberdade de

ensino; a extinção da Guarda Nacional; a substituição do trabalho escravo pelo

trabalho livre, além de uma série de medidas cujo objetivo era retirar da

dependência do Executivo os tribunais superiores.

Trata-se de um programa que contava com a participação na tribuna

parlamentar de Silveira da Mota (depois senador por São Paulo), Silveira Marins

(depois senador pelo Rio Grande do Sul) e Rangel Pestana. Este último utilizava a

imprensa para divulgar o programa do Partido Liberal e criticar a ação do Partido

Conservador no poder.

Em 1º de janeiro de 1870, quando um pequeno número de soldados

comprometidos com o movimento republicano realizavam protestos contra a Coroa

e contra o Partido Conservador em frente ao Campo da Aclamação, os manifestantes

100 Sobre o partido Progressista e a sua formação inicial em 1868, ver: NABUCO, Joaquim. Um estadista

do Império. V. 1. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997; CARVALHO, José Murilo de. A construção da

ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

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foram presos e conduzidos à Casa de Correção. Ainda que o governo guardasse

absoluto silêncio sobre este fato, havia “receio de que pegasse na tropa o mau

costume de gritar: viva a república e abaixo o tirano!”,101

sentenciou o jornal A

Reforma, do Rio de Janeiro.

Alguns oficiais licenciados pelo Conde D´Eu de volta à Corte e com soldos

insuficientes para a subsistência articulavam sérias queixas contra o ministro da

Guerra. Licenciado, o oficial deixava de perceber os vencimentos de campanha

adicional, a terça parte adicionada ao soldo, cesta de bagagem, mas não perdia o

direito a remuneração. Entretanto, o Ministério da Guerra reduziu alguns oficias a

soldo simples, mandando pagar somente metade do tempo de serviço.102

Assim, havia a desconfiança do governo de que voluntários da pátria e

guardas nacionais, conclamados pelos liberais no início da campanha, em 1865, de

retorno para o Brasil, agitassem causas republicanas provenientes do contato com as

tropas argentinas, identificadas com as reformas propostas pelos progressistas. Essa

ameaça de sublevação criou no governo o receio de que soldados habituados aos

combates e à vida dos acampamentos militares, licenciados e sem o hábito do

trabalho profícuo, neles encontrassem o espírito da turbulência. Os valentes que

compunham a legião de voluntários, antes de voltarem à pátria, eram julgados como

elementos próprios para as comoções políticas.

Embora não se tratasse de um partido revolucionário, os liberais

propalavam ideias que encontravam grande aceitação de setores da sociedade. Esses

setores se manifestavam de formas diversas, como evidencia o crescente número de

associações libertadoras de escravos que surgiram entre os anos de 1868 e 1870,

quando o Partido Liberal esteve ausente do poder.

Algumas dessas agremiações eram formadas por intelectuais, artistas,

comerciantes simpáticos às ideias reformistas e adotaram a prática de libertar

crianças, mulheres e homens em comemoração pelas vitórias do Exército nos

campos de batalhas. Supõe-se que tal prática demonstrasse o descontentamento com

101 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 1º jan. 1870.

102 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 16 fev. 1870.

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a servidão, mas, ao mesmo tempo, procurasse atingir o Partido Conservador, o

governo imperial e as elites oligárquicas e escravistas.103

A RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA

Finalmente, em 26 de janeiro de 1870, para “iludir a opinião e ocultar suas

intenções”, o governo publicou o programa para a recepção dos corpos de

voluntários:

1. Ao aproximarem-se os vapores conduzindo o 1º contingente de tropas que

regressavam do Paraguai, na ocasião da passagem pela fortaleza de Santa

Cruz, uma salva de 21 tiros na entrada no porto da cidade anunciaria a sua

chegada.

2. A diretoria do arsenal de guerra fará partir imediatamente para o lugar em

que eles fundearem as conduções precisas para o transporte das tropas e de

suas bagagens aos quartéis que lhes forem destinados, onde aguardarão as

ordens sobre seu desembarque e entrada na Corte.

3. Os praças doentes em viagem e os enfermos vindos de passagem serão nos

mesmos vapores transportados para o hospital militar.

4. O desembarque para a entrada e recepção das tropas na Corte terá lugar no

Arsenal da Marinha, no dia e hora que lhe forem designados pelo Ajudante

General, segundo as ordens recebidas do ministro da Guerra, cabendo ao

Quartel Mestre General tomar as providências sobre os meios de transporte.

5. Para solenizar a recepção das tropas, no dia que se anunciar para este

desembarque no Arsenal da Marinha, os navios de guerra nacionais surtos no

nosso porto, bem como os edifícios das repartições publicas embandeirarão

como nos dias de festa nacional, e a capitania do porto convidará os capitães

das embarcações nacionais mercantes a praticarem o mesmo.

6. As tropas apresentar-se-ão uniformizadas, equipadas e armadas, como de

estilo em ordem de marcha, e o Ajudante General, com a antecedência, dirigirá

convites aos comandos e chefes de todas as corporações e estabelecimentos

militares da Corte para que, no dia e hora em que tiverem lugar o desembarque

e a recepção no Arsenal de Marinha, eles aí compareçam com os oficiais que

lhes forem subordinados, a fim de que, reunidos as demais autoridades,

acompanhem o imperador no recebimento das tropas, caso o monarca digne-se

honrar este ato com sua presença.

103 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do

Império. São Paulo: Hucitec, 1996.

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7. O Ajudante General providenciará uma banda militar postada no dito

arsenal para fazer as honras da recepção das mesmas tropas, e acompanhá-las

durante seu trajeto pelas ruas da cidade.

8. No momento em que o primeiro vapor atracar ao cais do Arsenal de

Marinha para efetuar seu desembarque, o telégrafo do Castelo, por um sinal

convencionado, advertirá à fortaleza de Willegaignon para romper com uma

salva de 21 tiros, que será imediatamente correspondida pelas fortalezas de

Santa Cruz, Lage e S. João.

9. Depois do desembarque, feitas as contingências e passadas a revista, as

tropas desfilarão pelo portão do Arsenal da Marinha e percorrerão as seguintes

ruas da cidade: Rua Direita, Rua de S. Pedro, calçada da mesma rua através do

Campo da Aclamação até a face da Cidade Nova, onde volverão para a estação

da Estrada de Ferro de D. Pedro II e do quartel do campo, em cujo portão

estará postada uma guarda de honra com banda militar para recebê-las e saudá-

las durante a passagem com o hino nacional.

10. As tropas prosseguirão com sua marcha pela face do campo do lado da

Ilma. Câmara Municipal, Rua e Praça da Constituição, Rua do Teatro, Largo

de S. Francisco de Paula, Rua do Ouvidor, Rua Direita e Largo do Paço, onde

marcharão em contingência caso ali se achem Suas Majestades Imperiais,

seguindo depois para o ponto de embarque que for-lhes designado, a fim de

recolherem-se aos seus quartéis.

11.Pela secretaria da guerra expedir-se-ão as ordens e fazer-se-ão as

requisições convenientes podendo o trajeto das ruas ser alterado. Neste caso o

ministério da guerra dará disso conhecimento a Ilma. Câmara Municipal com a

antecedência precisa, com o fim de prevenir seus munícipes e tomar as

medidas convenientes.104

Os espaços cívicos destacados na programação são revestidos de funções

simbólicas e de referências fundamentais para legitimação da festa em si e dos que a

promove.105

Assim, a escolha do itinerário pelo governo representou seus interesses

na afirmação das instituições militares, apropriando-se de uma festa que surgia, no

primeiro momento, dos anseios populares, para dela fazer uso que lhe garantisse a

condição de promotora. Cabia à população da Corte e aos batalhões de regresso a

comemoração pela vitória seguindo o programa determinado. O governo incumbia-

se de estabelecer o significado que a festa deveria ter com sua execução.

A DESPEDIDA EM ROSÁRIO

104 Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra em 24 de janeiro de 1870 – Mariano Carlos de Souza

Correa. 105

FONSECA, Thais Lívia de Lima. A comemoração de 21 de abril: o cenário do jogo político. Anos 90,

Porto Alegre, v. 12, n. 21-22. p. 440, jan. 2005.

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Por que motivo o governo, no seu programa de recepção dos contingentes

do Exército, evitou falar em guardas nacionais e voluntários da pátria? O Duque de

Caxias, em 24 de dezembro de 1868, dissolveu esses corpos e disseminou os oficiais

e praças pelos batalhões de Linha. Porém, o Conde D´Eu, quando assumiu o

comando das forças aliadas na campanha, reorganizou-os e tanto o protocolo de 24

de novembro de 1869 quanto as correspondências “semi oficiais” do teatro da guerra

esperavam que os corpos de voluntários da pátria fossem os primeiros a voltar ao

Brasil.106

Queria o governo manter o ato de dissolução do Duque de Caxias? Teria

desaparecido, por alguma vez, a distinção entre voluntários, guardas nacionais e

tropas de Linha? Essas questões permitem fazer a seguinte reflexão: para o ajuste de

contas na Corte, conviria que os corpos de voluntários viessem organizados. Além

dos soldos, cujo pagamento não estava em dia, os voluntários da pátria tinham o

direito de receber uma gratificação pecuniária e um lote de terra, dívidas que

consumiriam anos para a sua liquidação.

Uma circular do Ministério dos Negócios da Guerra dirigida ao

presidente da província da Bahia aponta para o esclarecimento de algumas dessas

questões. O barão de Muritiba pediu que lhe fosse enviado com urgência as relações

dos voluntários da pátria, dos guardas nacionais, não só os equiparados aos ditos

voluntários, como dos que foram forçados a servirem no Exército, dos guardas

policiais que também foram incorporados como voluntários, dos recrutas para o

Exército e, finalmente, dos libertos e substitutos, a contar do princípio da guerra,

“devendo tais relações ser nominais e com declaração do ano, e se possível for, dos

meses em que os mesmos foram enviados para a guerra”.107

Os batalhões chegavam à Corte sem que o Ministério da Guerra tivesse

tempo de preparar os papéis necessários para garantir a baixa aos soldados, pois

muitos dos arquivos militares haviam sido extraviados na campanha e, na Corte, a

Secretaria da Guerra sequer contava com a documentação necessária para distinguir

os segmentos que formavam o contingente prestes a desembarcar no Rio de Janeiro

106 Sobre a saída de Caxias do comando da Tríplice Aliança e a sua substituição pelo conde D´Eu, ver:

DOARATIOTO, Francisco. A maldita guerra: nova história do Paraguai. São Paulo: Companhia das

Letras, 2002. 107

APEBA, Seção Colonial e Provincial, maço 832. 1870.

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e, consequentemente, assegurar a cada um o direito conquistado na campanha.

“Quem mais habilitado a conhecer todos os voluntários, do que a Repartição da

Guerra – por ventura não existirá o nome de todos os voluntários,” 108

questionava o

jornal Opinião Liberal, do Rio de Janeiro.

Na cidade argentina de Rosario, no dia 3 de fevereiro de 1870, às 8 horas da

manhã, ao som de músicas marciais, começava o embarque nos vapores Vassimon,

Galgo e S. José, conduzindo a 1ª Brigada de Voluntários. Dessa brigada faziam parte a

17ª, de Minas, com 34 oficiais e 460 praças; a 40ª, de Pernambuco, com 37 oficiais e

457 praças; a 53ª, da Bahia, com 36 oficiais e 435 praças. Ao todo, eram 107 oficiais e

1.352 praças (ou seja, 1.459 homens).109

Na ocasião, o Conde D´Eu foi a bordo visitar as acomodações e os

alojamentos, para verificar o asseio e a limpeza dos vapores, assim como o rancho dos

soldados. Enquanto assistia ao embarque do corpo 53º de Voluntários de Pernambuco,

uma banda de música saudava os soldados sobre o céu azul de um dia ensolarado. O

embarque, solene e pomposo, contou com a presença do comandante das forças

brasileiras, o Conde D‟Eu, de seu Estado-Maior, assim como dos oficiais e generais dos

exércitos aliados.110

Os que embarcavam levavam a satisfação de voltar aos seus lares, de abraçar

seus pais, suas esposas, de contar as tramas das batalhas da espinhosa conquista. Os que

ficavam recordavam dos seus e da pátria e com os olhos umedecidos de lágrimas

esperavam a vez de seu embarque. Na ocasião, o coronel Carvalho leu a ordem do dia

relativa ao assunto. Depois fez uso da palavra o coronel Faria Rocha, concluindo sua

locução com um voto de gratidão aos militares que, desde o começo da guerra, tinham

recepcionado os voluntários com confiança e agrado.111

Em seu discurso, o coronel Faria Rocha destacou a atuação do corpo de saúde

do Exército, afirmando que não era só no campo de batalha que apareciam os médicos

para estancar o sangue e curar as feridas recebidas em defesa da pátria, mas também

naquela hora solene em que os corações sofriam a dor da ausência e penosa saudade.

108 BN/RJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 28 fev. 1870.

109 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 16 fev. 1870.

110 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1º mar. 1870.

111 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 3 mar. 1870.

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“Recordações de comunhão em pensamentos e de vidas, em 5 anos vinha a medicina a

curar com bálsamo das palavras as dores morais daquela ocasião”.112

O coronel Francisco de Lourenço cumprimentou o Conde D‟Eu com um aperto

de mão e recebeu o abraço do comandante Faria Rocha dizendo que, com saudades, se

separava de seu companheiro de armas e que ia esperá-lo na Bahia com os soldados do

corpo de Voluntários de n. 40º, cada um com sua grinalda de flores para ofertarem na

ocasião do desembarque aos bravos voluntários.113

O jovem cabo de guerra, o augusto general em chefe, testemunha daquelas

cenas comovedoras, tomou então a palavra, falou em nome das tropas de Linha aos

voluntários, dizendo-lhes que “todas as províncias se deviam ensoberbecer por abraçar

de novo seus filhos, sobretudo a Bahia, muito mais que outra qualquer, pelo grande

número de voluntários que mandou para a guerra”. Terminando o seu discurso, vibrou

por toda a fileira, com um “viva ao Conde D´Eu”, encerrando a festa de embarque dos

primeiros contingentes no Rosário.114

112 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 5 mar. 1870.

113 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 14 fev. 1870.

114 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 5 mar. 1870.

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O PRIMEIRO TORRÃO BRASILEIRO: SANTA CATARINA

O percurso até a Corte previa uma escala técnica em Santa Catarina. O

desembarque dos voluntários da pátria na província de Santa Catarina mereceu destaque

pela sua posição geográfica. Era o primeiro solo brasileiro a ser pisado pelas tropas que

regressavam dos campos de batalhas no Paraguai. O desembarque ocorria naquela

província portuária para que os batalhões se refrescarem e aguardassem as ordens do

governo imperial para a sua entrada na Corte.

No dia 15 de fevereiro de 1870, lançou âncora no porto da cidade do Desterro o

transporte a vapor Galgo, que conduzia o 40º Batalhão de Voluntários da Bahia, seguido

de S. José, com o 53º Batalhão pernanbucano. Eram saudados da terra com numerosos

foguetes, vindos de vários pontos da cidade e que subiam aos céus. À noite, já passando

das 22 horas, chegou o último vapor, que transportava o 17º Batalhão de Voluntários

mineiros.

À tarde teve início o desembarque das primeiras tropas, seguindo o primeiro

desses corpos pelo cais da rua do Príncipe, para acomodar-se na praia de Fora, em um

armazém à Rua S. Sebastião, e o segundo em um galpão que servia de olaria, oferecido

gratuitamente pelos herdeiros de Estanislau Valério.115

Muitos cidadãos trataram de improvisar uma festa por qualquer meio possível,

em virtude do pouco tempo de que dispunham. A Câmara Municipal da capital tomou a

iniciativa de manifestar o regozijo dos seus munícipes pela presença dos soldados em

terras catarinenses, ressaltando as provas de civismo nos campos do Paraguai. De modo

que, apesar da chuva, afluiu ao Largo do Palácio um imenso número de pessoas, e das

janelas ornadas de ricas cochas de seda, algumas famílias apreciavam a passagem da

tropa pelas ruas da cidade, antes de se recolherem estes últimos aos quartéis

improvisados.116

Nos dias em que permaneceram em Santa Catarina, a Câmara Municipal da

capital decretou feriado e as notícias dos jornais informavam que a cidade ficara

iluminada durante três noites consecutivas. No domingo, às 8 horas da manhã, postados

em ordem de marcha, os batalhões seguiram para o Largo do Palácio, onde assistiram à

115 BN/RJ. Jornal O Despertador. Santa Catarina, 19 fev. 1870.

116 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

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missa defronte ao altar levantado no pórtico da igreja matriz e, logo em seguida, a

brigada embarcava com destino ao Rio de Janeiro.117

Na província de Santa Catarina, passaram diversos batalhões de volta para o

país e todos eles foram festejados pela população da cidade do Desterro. Pelas ruas

desfilaram homens com “faces tostadas pelo sol dos combates, peitos abertos de

gloriosas cicatrizes”.118

Eram incessantes os vivas levantados ao bravo general Osório,

ao Conde D´Eu e aos catarinenses.

FESTEJOS POPULARES NA CORTE

Sobre as festas pelo regresso das tropas, o Partido Liberal, por intermédio de

sua folha A Reforma, propôs uma trégua às rivalidades políticas: “longe dos

ressentimentos que nos dividem na política interna, o dia de hoje é consagrado ao

patriotismo”. 119

O desembarque na cidade do Rio de Janeiro ocorreu no dia 24 de

fevereiro de 1870.

O pedido de trégua prenunciado pelo jornal A Reforma no dia anterior à

chegada dos voluntários denunciava os usos que o Império poderia fazer dos festejos. E

pensando assim a folha liberal pediu aos opositores para que a celebração não fosse

confundida com a propaganda do governo e do Partido Conservador, pois “diante dos

triunfadores que tão brilhantemente souberam manter a integridade do império, a nação

brasileira deve ser uma e solidária nesse momento de júbilo e entusiasmo patriótico”,120

enfatizava o períodico liberal.

A festa patriótica finalmente foi organizada pelo povo, por liberias que se

constituíam em oposição ao governo de D. Pedro II, por agremiações civis de

sociedades literárias, artísticas e libertadoras. Embora organizada por populares, a festa

tinha cárater oficial, pois se tratava de festas para receber os patrióticos batalhões de

civis que formavam os corpos de Voluntários da Pátria e da Guarda Nacional. Aos

poucos o governo deu-se conta de que era necessário participar daquele evento nacional.

117 Idem, ibidem.

118 BN/RJ. Jornal A Regeneração. Santa Catarina, 19 fev. 1870.

119 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 fev. 1870.

120 Idem, ibidem.

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Na ocasião conclamava a população do Rio de Janeiro a participar dos festejos, pois

para A Reforma tratava-se também de rememorar o espírito dos que tombaram nos

campos paraguaios:

As homenagens que lhes preparamos serão ao mesmo tempo uma

comemoração aos denodados companheiros que morreram no campo

de batalha, mas que vivem perpetuamente na lembrança da pátria.

Sendo também aplauso e louvor aos corpos do exército que ainda

combate nas terras paraguaias.121

Dessa maneira, não sendo possível encontrar os corpos, enterrados nas valas

comuns ou extraviados nos pântanos paraguaios, rememorá-los era dar-lhes direito de

serem testemunhas sem falas e, graças à voz de seus companheiros de campanha,

garantir a recuperação da memória, tornando-os sujeitos da história. Mas a preocupação

com as vítimas da guerra tornou-se passageira nas folhas dos jornais da Corte, deixando

a memória ou a rememoração de ser objeto central de suas preocupações.

No mesmo periódico, dois dias depois do desembarque da primeira tropa, as

atenções voltavam-se para a falta de iniciativa da Câmara Municipal na organização da

recepção aos voluntários:

Quando se tratava de receber o duque de Caxias, a câmara municipal

da corte planejou arcos, coretos, estátuas e grandes estraladas. Os

vereadores fizeram reuniões, inventaram comissões e mil e outras

patacoadas. Chegou o duque e apesar da população recebê-lo como

merecia quem abandonou a campanha e fora de tem

Todavia, “o que fez a Câmara Municipal da corte?”, questionou a folha liberal.

Nada, absolutamente nada! Nem se quer mandou assear as ruas, sendo

preciso que os escravos da quinta viessem capinar o Campo de

Santana, mesmo defronte ao edifício de onde se reúnem os vereadores.

Os tais festejos imperiais foram por esse teor, se o Imperador não

desse sinal de apreço aos voluntários talvez homens do governo

aparecessem. 122

121 Idem, ibidem.

122 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 25 fev. 1870.

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Os dois primeiros contingentes, mineiros e baianos, aportaram no Rio de

Janeiro às 4 horas da tarde do dia 23 de fevereiro de 1870, não desembarcando

imediatamente, à espera do batalhão pernambucano que chegaria à noite. Foi somente

no “denso véu da noite” que finalmente teve início o desembarque, fato que chamou a

atenção da imprensa oposicionista, questionando a demora: “Quisera que eles entrassem

de dia com os próprios trajes da campanha para ver-lhes os estragos recebidos, as faces

crestadas pela rigidez da intempérie e as cicatrizes gloriosas”.123

Para o jornal A

Reforma, ao escuro da noite, não era possível enxergar a massa de soldados, confundida

com a numerosa multidão de povo.

Uma nota sobre o desembarque dos voluntários na Corte, publicada no Correio

Nacional, se não fosse verdade, seria pelo menos uma anedota. Na nota, a justificativa

para o desembarque do batalhão de Minas Gerais à noite estava no fato de não haver

fardamentos a distribuir-lhes, “de maneira que o batalhão mineiro fez sua entrada com a

farda dos prisioneiros paraguaios. Estava bonito. Mas, tal era o entusiasmo do povo, que

ninguém reparou no escândalo”.124

A despeito dessa programação, o tenente Caldwell informou em ofício à

Repartição do Ajudante General que o desembarque, previsto para as 4 horas da tarde,

não se realizara, em virtude de a maior parte das embarcações responsáveis pelo

transporte da brigada de voluntários até o Arsenal da Marinha125

ter encalhado no

cortume de São Cristóvão. Tudo isso era motivo para divergências na imprensa, que

representava seus partidos, e parecia ter abandonado a trégua proposta no dia anterior à

chegada dos voluntários. Veja-se o que disparou o jornal A Reforma sobre os oficiais

que regressavam no primeiro contingente:

[...] nenhum dos ministros foram vistos à bordo. Não preparam uma

refeição e nem acomodações para os oficiais no dia do desembarque,

tendo alguns deles seu único jantar em São Cristóvão, pão e bananas,

que compraram, e o café que beberam em canecas de flandes dos

soldados, assim como não acharam camas para dormir.126

123 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

124 BN/RJ. Jornal Correio Nacional, Rio de Janeiro, 1º mar. 1870.

125 Arquivo Nacional, Série Guerra, Administração, IG2, 22 Fundo 9K.

126 BN/RJ Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

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Discordâncias à parte, o desembarque das tropas ocorreu de forma pacífica,

seguindo o programa anunciado. No cais, nas ruas e praças, das janelas, por toda parte o

povo se aglomerava e em voz alta e entusiasmada gritava vivas aos voluntários da pátria

em sua recepção. De dois coretos “esplendidamente ornados”, o hino nacional foi

tocado por duas bandas de música.

Na saída do arsenal esperavam os inválidos, formando alas para dar passagem

aos batalhões. “Tocante e sublime espetáculo. Os mártires da campanha saudando os

triunfadores e os laureados do dia vitoriando os companheiros que caíram do seu lado

esvaindo em sangue”. 127

Os edifícios públicos e particulares estavam enfeitados com bandeiras, colchas,

flores e folhagem. A cidade iluminara-se para destacar os elegantes adereços da Praça

do Comércio, onde se viam entre grinaldas de flores, quadros comemorativos das

grandes batalhas e arcos levantados na Rua do Hospício.

No Arsenal da Marinha foi erguido um arco do triunfo, em cuja face posterior e

anterior prendia-se um escudo onde se podia ler: “a pátria agradecida – as falanges

vitoriosas”.128

E nas faces externas dos arcos, emblemas do Exército e da Armada.

Duas colunas erguidas em ala ao longo do mar chegavam até o ponto do

desembarque no pórtico do arsenal. A primeira representava 24 batalhas, desde

Corrientes até Coxim, Montevidéu, Rio do Meio até Tayi, de dezembro de 1864 até

julho de 1869. A segunda comemorava os feitos que se seguiram desde Surubithy,

Villeta e Lommas até Caraguatahy, Campo Grande e os combates de setembro de 1869.

Cada face das colunas ostentava um nome e uma data que recordavam os triunfos do

Exército e da Armada brasileira.

Assim o visível e admirado pelo povo presente na ornamentação suntuosa, nos

quadros dos heróis pintados e suspensos por elegantes colunas e espalhados pelas ruas

da cidade do Rio de Janeiro, apresentava uma nova narrativa histórica sobre os feitos

ocorridos nas batalhas e lutas travadas no Paraguai. Entretanto, era um espaço

desenhado por um gesto político que, em seu redimensionamento e interesse sobre o

conflito, dava um significado a sua ação, responsável pelos louros que se colhiam com a

127 Idem, ibidem.

128 BM/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

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vitória. Repartia o governo a festa com o povo, sem que o último imaginasse que fazia

parte do jogo político.

O ABRAÇO E O DISCURSO

O Imperador, seus ministros, a oficialidade do Exército, Marinha, Guarda

Nacional e grande número de cidadãos aguardavam, no Arsenal da Marinha, a entrada

dos batalhões. Logo que teve lugar o desembarque, o Imperador proferiu seu discurso

aos comandantes e oficiais superiores e, com breves palavras, agradeceu-lhes em nome

da nação brasileira os serviços que os recomendavam à gratidão pública:

Senhores comandantes de brigada e comandantes de batalhões!

Aceitem este abraço que transmitireis a vossos camaradas, em

testemunho do meu jubilo ao ver-vos de volta com tanta glória à vossa

pátria. Queira Deus que este sucesso seja o feliz prenúncio da breve

terminação da guerra como tanto merecem os brasileiros, por seus

constantes esforços em defesa da honra nacional. Viva os voluntários,

o exército e a armada nacional! 129

Depois de abraçar os três comandantes e pedir-lhes que transmitissem aos seus

camaradas essa prova de afeto, ergueu a voz exclamando: “Viva os voluntários da

pátria! Esse grito foi repetido a um tempo por milhares de cidadãos como uma voz

majestosa de um povo agradecido”. 130

129 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

130 Idem, Ibidem.

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Dom Pedro II Dom Pedro II no campo de batalha no Paraguai, tira a manta

“O Voluntário da Pátria nº 1” para agasalhar o solado. Acervo do AHN/RJ

Acervo do AHN/RJ

Os combatentes começaram sua marcha por entre colunas que simbolizavam as

suas glórias e ao estrondo de “calorosos aplausos”. O Jornal do Comércio comentou

que os voluntários estavam bem fardados, armados e sustentando com orgulho suas

bandeiras rasgadas pelas balas paraguaias.131

Após a passagem dos voluntários seguiam os inválidos da pátria e os artistas do

Arsenal da Guerra, precedidos pela banda de música e numeroso concurso do povo. Às

sete horas da noite a população aguardava pela chegada do Batalhão 53º, último a

desfilar, dirigindo-se já altas horas à noite para o quartel no Campo da Aclamação, e ali

sendo recepcionado pelo presidente da província, pelo chefe de polícia, pelos oficiais da

Guarda Nacional e do corpo policial e pelos “cidadãos distintos” Uma guarda de honra

destacada da Guarda Nacional os esperava ao som da música e da artilharia.132

O pensamento do governo em fazer os batalhões seguirem diretamente para as

suas províncias sem tocar a Corte fracassara. Mas a fragmentação dos batalhões em

pequenos contingentes no desembarque teve consequências: impediu sublevações

aguardadas pelo governo dos voluntários na Corte, facilitando o controle dos distúrbios

que, porventura, ocorressem na cidade.

Também deliberou o governo que a demora das tropas no Rio de Janeiro fosse

o suficiente para providenciar as dissoluções dos batalhões e embarcá-los para as

131 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24 fev. 1870.

132 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 25 fev. 1870.

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províncias e, muitas vezes, sem atender aos reclames dos voluntários, que não

conseguiram a obtenção de seus pedidos junto ao governo na Corte.

Da mesma forma, pode-se notar que a chegada das tropas em pequenos

contingentes, pertencentes a mesma província, fez com que as festas de recepção fossem

organizadas, embora com a participação popular, por seus próprios comprovincianos

moradores na Corte, diminuindo a participação do governo nos festejos.

Os batalhões continuaram a chegar fragmentados à Corte, por muitas semanas

posteriores ao desembarque dos primeiros voluntários e guardas nacionais. Conforme as

tropas aportavam no Rio de Janeiro, as recepções decresciam em vitalidade, ocorrendo

um esvaziamento das festas. Quando o batalhão do Ceará chegou na Corte, seus

conterrâneos foram saudá-los na chegada e despedida, o que fez diminuir o entusiasmo

da população que devia acorrer a todos os desembarques.

As demonstrações de regozijo popular e do governo somente foram observadas

(depois dos primeiros desembarques) com mais evidência com a chegada dos batalhões

da província do Rio de Janeiro e a festa oferecida ao Conde D´Eu, membro da família

real, que em seu desembarque foi vitoriado como herói a ser comemorado pela

monarquia. Afinal, sobre seu comando efetivou-se o fim da guerra, sendo festejado com

a pompa reservada à nobreza, segundo o estilo das realezas européias.

Entretanto, nas festas tímidas e sem expressões, ver-se-ia o desenrrolar dos

acontecimentos. Embora os jornais demonstrassem sinais de exaustão em relação aos

festejos, via-se neles a possibilidade de manifestação de suas opiniões contra o governo

ou mesmo em seu apoio. Referindo-se ao desembarque do batalhão paulista, o Anglo-

Braziliam Times, jornal inglês publicado no Rio, fez duras críticas à recepção e ao

programa a ser seguido pelas tropas na Corte:

No Rio de Janeiro, essa belicosa, gritadora e pretensiosa metrópole do

Império, os voluntários que voltaram do Paraguai, conservavam-se

horas e horas em armas, quer em marchas pelas ruas cobertas em pó, e

sob sol ardente, quer atendendo a bombástica e enfadonhas poesias, ou

discursos, só próprias a alimentar as vaidades dos recitadores; e nem

se quer um biscoito se lhes deu para matar sua fome, e nem um copo

de água para saciar sua sede.133

133 Transcrito no Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 8 jun. 1870.

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Sobre os festejos, o jornal A Reforma, ao contrário do Correio Paulistano, que

tratou de descrever o estado lamentável em que se encontravam os batalhões ao chegar à

Corte, preferiu dirigir suas observações, às vezes, de forma jocosa, sempre contra os

membros do governo. Sobre o empenho do ministro da Guerra, o sr. Muritiba, indagou

a folha:

É verdade que V. Excia. se tem totalmente esquivado de concorrer

com o seu mui subido e prestimoso auxílio a bem da recepção desses

bravos? É verdade que as velhas e desbotadas colchas que se viam na

janela da malfadada – secretaria de guerra – quando desfilam os

bravos voluntários, aí foram colocadas por alguém que, a muito custo,

obteve-as – e por empréstimo?!134

Os jornais da Corte não criticavam abertamente somente o ministro Muritiba. A

Reforma, de Porto Alegre, asseverava: “Sua Excia. não sente aproximar-se legiões de

patriotas, mas enxerga, com patentes reservas, avizinharem-se milhares de vítimas de

suas injustiças, batalhões de credores a quem não deseja pagar”.135

Tomando para si a responsabilidade de perpetuar em suas páginas a ideia da

construção de uma “outra” memória da guerra, em detrimento do uso que o Império fez

das recepções aos batalhões de soldados, para A Reforma os voluntários foram

injustiçados e antecipou: “Mas a história fará um dia justiça a esses bravos. Ela falará da

guerra do Paraguai, dos Voluntários da Pátria e do Ministério de 31 de agosto, mais do

que beneméritos, mais do que patrióticos é nascido da verdadeira opinião pública”.136

Nos artigos publicados nos meses em que foram recepcionadas as tropas na Corte, o

períodico tratou de denunciar a política do governo em manter-se preparado contra o

“perigo” das “supostas” conturbações que podiam resultar da presença de soldados na

Corte. Afirmou encontrarem-se os quartéis de prontidão para caso houvesse desordens e

manifestações de desagravo contra o Império por parte das tropas:

Entretanto quer saber o que oficialmente se prepara para os

voluntários? Pólvora e Bala! O governo, receando os desgostos dos

voluntários, mandou ficar de prontidão o 1º batalhão de artilharia para

134 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 abr. 1870.

135 BN/RJ. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 9 de mar. 1870.

136 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 27 fev. 1870.

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auxiliar em qualquer emergência a tropa que, a título de guarda de

honra, vai escoá-los.137

O que pouco os jornais lembraram é que entre os soldados viam-se pais

cansados pelo peso dos anos e pela dor, os quais foram arrancados de casa, deixando na

pobreza mulher e filhas. Os filhos que, sendo arrimo de seus pais, por meio do

recrutamento forçado, também foram tirados do lar paterno, obrigou sua família a viver

sob o crivo da fome e da miséria. E ainda esposos obrigados a deixar a esposa,

carregada de filhos, entregue aos braços da saudade, do desespero, do infortúnio, porque

o governo não deferiu ao pedido de dinheiro para o sustento deles.

Homens de condição escrava, fugidos de seus senhores, acreditavam ter

conquistado a vitória nos campos paraguaios e também a liberdade do cativeiro.

Desfilavam inocentes entre a mutidão, sem saber o fim que os aguardava: a volta à

escravidão.

A FESTA EM CASA

No dia 19 de março, às três da tarde, achavam-se no Arsenal da Marinha, para

fazer entrada na cidade, o Batalhão 23º de Voluntários da Pátria, pertencente à província

do Rio de Janeiro, e o 30º de Voluntários de Pernambuco. A presença do batalhão

fluminense e a circunstância de coincidir sua entrada com a notícia da terminação da

guerra foram novos estímulos para o entusiasmo popular. A guerra concluíra

oficialmente no dia 1º de março de 1870, com morte do presidente paraguaio.

Os dois batalhões desfilaram tendo à frente o general Caldwell e seu ajudante

de ordens. As ruas designadas para o desfile achavam-se ornadas de bandeiras. As

janelas, com colchas de damasco e guarnecidas de senhoras, faziam “chover flores sobre

137 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

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aqueles que na defesa da pátria tantas vezes haviam visto chover balas inimigas”. Do

seu jeito, “o povo formava alas vitoriando os bravos voluntários na sua chegada”.138

O batalhão de inválidos, formado à porta do Arsenal, acompanhou a marcha

pela Rua Direita e, ao encontro dos dois batalhões, vieram alunos da Faculdade de

Medicina e da Central, com bandeiras e insígnias à frente, seguidos de perto por

cidadãos de todas as classes e músicos que executavam hinos compostos para aquela

ocasião.

No desembarque, o coronel Bittencout ofertou ao Batalhão 23º uma coroa de

louros para adornar a bandeira esburacada pelas balas inimiga, e o capitão da fragata

Bittencourt Cotrim proferiu o primeiro discurso, entre tantos, concluído com estrondosa

aclamação do povo, que esperava pelo desfile dos voluntários. Os batalhões

atravessaram com dificuldade as “ondas de povo”, para formar uma fila em frente ao

Paço da Cidade e dirigirem continências ao Imperador e à Imperatriz, que assistiam a

tudo na janela do Passadiço, entre o Paço e a Cúpula Imperial.

O 1º tenente Marriz e Barroz, o povo o toma nos braços como ao filho querido da vitória.

Acervo do AHN/RJ.

O local das paradas militares era o centro da cidade, emoldurada pela ordem.

“Os personagens destacados são as autoridades, que, parada num palanque, recebem as

138 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 29 mar. 1870.

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continências dos soldados. O foco e os símbolos nacionais, encarnados em pessoas que

ocupam cargos sagrados”.139

Muitas famílias “distintas” compareceram ao Paço da Cidade para recepcionar

os batalhões de voluntários do Rio de Janeiro, em que se destacaram as homenagens

feitas por mulheres aos soldados de regresso. Na presença da família imperial, a jovem

Maria José Coimbra de Amaral dirigiu a sua Alteza, a Sra. Condessa D‟Eu, a seguinte

alocução:

[...] aceitai os votos das donzelas, das esposas e das respeitáveis

matronas, tais como a mar dos valentes Fonsecas, que a nós se

congregou ao ouvir os hinos da vitória, chorando de prazer pela glória

de nossa pátria, e pelo jubilo de breve abraçar seus caros e denodados

filhos.140

Partindo do Paço da cidade, precedidas por duas bandas de música, de uma

Guarda Nacional e dos aprendizes artilheiros que entoavam o hino do triunfo, muitas

senhoras percorreram a Rua do Ouvidor, a Praça da Constituição, a Rua Sete de

Setembro e a Rua Direita, separando-se somente na Igreja da Cruz, onde haviam se

reunido no príncipio dos festejos. O comandante e demais oficiais faziam alas,

guardando as senhoras, entre as quais se encontrava a “respeitável matrona Fonseca”,

empunhando um estandarte.

A cidade iluminou-se! No Arsenal da Marinha, na Praça do Comércio e no

prédio do English Bank repetiu-se a iluminação como nas festas anteriores e dessa vez

teve a duração de três noites consecutivas. Na Praça da Constituição, o retrato do

imperador “brilhava em transparente” ao lado do Conde D‟Eu e do Marques do Herval,

o general Osório, exposto ao centro em uma coluna levantada com essa finalidade.

139 TROVATTO, Carmem. A tradição euclidiana: uma ponte entre a história e a memória. São Paulo:

A&C Arte & Ciência Editora, 2002. p.71. 140

BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 mar. 1870.

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FESTAS PELO FIM DA GUERRA

Tão logo foi noticiada a morte de Solano López, ocorrida em 1º de março de

1870, imediatamente os foguetes e os repiques dos sinos produziram uma explosão de

entusiasmo no povo, que levou aos recantos da cidade a notícia do fim da guerra contra

o Paraguai. Essa informação que só chegou à Corte no dia 18 de março de 1870, por

motivo da interrupção do serviço telegráfico entre Paranaguá e Iguape.

O Tratado da Tríplice Aliança havia fixado como limite da guerra a supressão

de López do Paraguai. Assim, sua morte completara o propósito da aliança. Na Praça do

Comércio, a notícia foi recebida com excitação. Algumas pessoas mais entusiasmadas

liam em voz alta os boletins e os extratos das folhas do Rio da Prata, leitura que era

interrompida por aclamações estrondosas.

Às três e meia da tarde, D. Pedro II desfilou pela Rua Direita e o povo,

aglomerado nos arredores da praça, cercou a carruagem imperial, soltando vivas

entusiásticos a S. M. o Imperador, à família imperial, ao Conde D‟Eu, ao general

Câmara, ao Exército, à Armada e à nação brasileira. Sua Majestade agradeceu as

demonstrações de apreço dizendo: “ficai certos de que a guerra se acha felizmente

concluída”.141

E de braços com a imperatriz e a princesa Isabel, percorreu a pé algumas

ruas da cidade, recebendo saudações com altos vivas e demonstrações de respeito.

A Câmara Municipal da Corte, em sessão de 21 de março de 1870, resolveu

por unanimidade de votos mandar celebrar um te-deum pelo término da guerra e em

comitiva felicitar a S. M. Imperial pelas notícias do teatro da guerra, assim como dirigir

felicitações ao Conde D´Eu e ao general Câmara, Visconde de Pelotas, este último

comandante das forças que perseguiram e mataram Solano López. Resolveu também,

por meio de postura municipal, determinar que a Rua do Sabão passasse a se chamar

Rua General Câmara. Por último, indicou que fosse aberta uma subscrição nacional para

o levantamento de um monumento na Praça do Comércio, conforme planta apresentada

pelo engenheiro Caminhoá, e para isso requereu ao governo os canhões tomados do

inimigo para servirem de substância ao artefato, designando o centro do Campo da

141 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 18 mar. 1870.

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Aclamação para a colocação do monumento. Além disso, concedeu três dias de férias a

todos os seus empregados.142

Na manhã do dia 21 de abril, foi realizado um te-deum em ação de graças pelo

fim da guerra, marcada pela suntuosidade da festa e riqueza da decoração do templo,

como também pela concorrência de todas as classes da sociedade. Após o ato religioso,

os festejos seguiram-se por quatro dias consecutivos.

No dia 31 de março, às 9 horas da manhã, a mesa administrativa da Irmandade

de Nosso Senhor do Bomfim e da Nossa Senhora do Paraíso também sufragou missa em

sua igreja, em São Cristóvão, pelas almas dos defensores da pátria que sucumbiram na

guerra. A memória dos mortos, mais uma vez, esteve encarregada aos “desígnios da

religião que dirigiam fervorosas preces ao Todo Poderoso”.143

Na noite do dia 24 foi queimado um grande foguetório sobre barcaças entre as

pontes da Boa Vista e Santa Isabel. “O fogo em si não foi coisa de admirar, e esteve

mesmo abaixo do que se esperava. Mas o panorama que oferecia o Rio de Janeiro para

quem estivesse colocado em qualquer das pontes era coisa que se não podia descrever”.

144 E segue o Jornal do Comércio, em sua apologia e exaltação acerca da festa, narrando

as suas impressões do evento:

Tudo quanto tem dito os jornais é pálido e fica aquém do que se

sentiu. A maré estava cheia, grandes e brilhantes estrelas de gás

colocadas pelos cais, de um e outro lado, e refletindo-se nas casas,

tornavam, as ruas claras como dia; o leito do rio, porém, estava um

pouco escuro. 145

Por ocasião das passeatas populares, membros do Partido Liberal não deixaram

de manifestar-se com discursos contra o governo conservador, contando com o auxílio

dos estudantes do 1º ano da Faculdade de Medicina e de Preparatórios, a ponto de serem

tratados como sendo manifestações imprudentes, senão sediciosas, dando vivas à

república e foras à monarquia.146

142 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 mar. 1870.

143 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 30 mar. 1870.

144 Idem, ibidem.

145 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 7 maio 1870.

146 Idem, ibidem.

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O café da Imperatriz, no começo da rua com o mesmo nome, na Boa Vista, foi

o ponto em que esses moços, “irrefletidos, ajuntados a indivíduos de pouco valor social,

se têm reunido para as suas demonstrações”.147

Outros indivíduos revidaram com

notório apoio à monarquia. Daí originou-se um conflito em que houve, “ao que dizem”,

profusa troca de sopapos e empurrões.

Nessa parte da descrição dos festejos, o redator do Jornal do Comércio alude

ao papel histórico do Partido Liberal na guerra do Paraguai, defendendo o direito deste

partido em partilhar as comemorações: a história, como reconhece os “homens sensatos,

registrará que coube aos liberais a glória de iniciar a guerra, rompendo com a

diplomacia absurda e desonrosa que de 1852 para cá acabava vergonhosamente com

todas as questões que se suscitaram no Prata”.148

Afirmava ainda que o Partido Liberal, em 1865, apelou para o civismo nacional

e organizou as legiões de voluntários. A narrativa, de cunho liberal, evidencia ainda que

o governo conservador tratava o Partido Liberal como um partido fora da lei, não

creditando seus esforços. Para resguardar a sua participação nas páginas da história da

guerra, referindo-se ao Partido Conservador, afirmava em seu artigo, publicado no

Jornal do Comércio: “hoje querem apropriar-se de glórias que não são suas, de louros,

que sempre procurou murchar”.149

A morte de López e o consequente fim da campanha também repercutiram nas

províncias e, cada uma a sua maneira e interesse, procurou fazer uso desses fatos. Na

população e nos governos provinciais, manifestações de apreço mesclavam-se com

críticas dirigidas aos seus governantes, todavia feitos com alegria sobre o término da

guerra.

Em Porto Alegre, pela sua proximidade do Rio da Prata, desde o dia 15 de

março a cidade já tinha conhecimento da morte de López. Logo que foi divulgado, o

povo saiu às ruas, acompanhando as bandas de músicas, que se prostaram em frente ao

Palácio do governo. Os navios se embandeiraram. Em terra firme a população dividiu-se

pelas ruas. Parte do povo se dirigiu ao palacete da Sra. Condessa de São Lourenço, onde

residia a esposa do general Câmara.150

147 Idem, ibidem.

148 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 3 abr. 1870.

149 Idem, ibidem.

150 BN/RJ. Jornal O Comércio de Porto Alegre, Porto Alegre, 15 mar. 1870.

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Em Salvador, foi apenas no dia 25 de março de 1870 que o governo e o povo

baiano vieram a ter conhecimento da terminação da guerra. Um batalhão, composto de

mais de duas mil pessoas de todas as classes e posições – médicos, negociantes,

advogados, artistas –, dirigiu-se à Praça do Palácio. Na capital da Bahia, a festa foi

liderada por partidários do grupo liberal, os quais reinvidicavam as ovações pela “glória

de apelar para o civismo nacional de organizar essas legiões de voluntários”.151

A Sociedade Libertadora Sete de Setembro, em regozijo pela terminação da

guerra, entregou 43 cartas de liberdade, sendo 19 conferidas gratuitamente e 24

compradas, despendendo com essas alforrias seis contos de réis. Na mesma ocasião, o

sr. Cirilo Eloi promoveu uma subscrição em benefício do menor Aristóbolo, rendendo

206 mil réis, parte doada pela Sociedade Maçônica Abrigo da Humanidade. Tratava-se

de um escravo pertencente a um subdelegado da cidade de Cachoeira, o qual exigia pela

sua liberdade 600 mil réis.152

No jornal A Reforma publicou uma correspondência de Belém do Pará, datada

de 7 de maio de 1870, na qual a imprensa paraense informava sobre a não participação

do governo nos festejos populares pela terminação da guerra. “Estamos em tempo de

festa por causa da conclusão da guerra. E na província do norte, todos os cidadãos

estavam cooperando para demonstrar júbilo pela terminação da guerra menos o

governo”. Seguia a correspondência denunciando o descaso do governo em relação aos

festejos: “É doloroso, porém, ver-se que o governo da província até agora não tenha

dado sinal de vida!”.153

Faltava patriotismo por parte do governo, criticava o

correspondente, nem a celebração de um te-deum em ação de graça pela terminação da

guerra foi realizado por iniciativa dos dirigentes da província. Os festejos ocorridos,

informava a correspondência, foram feitos às custas do Partido Liberal. A Câmara

Municipal, sob a presidência do liberal José da Gama Molcher, preparou festejos para

solenizar a volta da paz, “tão aspirada por todo este vasto e mal regido império”,154

conquistada à custa de tanto sangue precioso, de tantos sacrifícios, de tantas vítimas.

Segundo o correspondente de São Luiz, na província do Maranhão, causou

“verdadeiro delírio” a notícia do fim da guerra com a morte de Solano López. Os

festejos foram noticiados como pomposos, sobressaindo o papel da Câmara Municipal,

151 BN/RJ. Jornal da Bahia, Bahia, 26 mar. 1870.

152 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 28 mar. 1870.

153 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 1° jun. 1870.

154 Idem, ibidem.

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que participara ativamente na organização das festas. Iluminou-se toda a frente do

edifício, sendo adornada com os retratos dos heróis da guerra, sendo o centro ocupado

pela efinge do imperador.155

A província de São Paulo recebeu a notícia por telegrama dirigido ao

presidente da província que, imediatamente, fez publicar o seu conteúdo nos jornais que

circulavam na capital e no interior da província. Nas suas reflexões, o Correio

Paulistano procurou evidenciar que “não é o cadáver do chefe guarani o ponto de mira

de nossas alegrias, mas sim a perspectiva de paz, a volta do iluminado exército que vem

de novo sentar-se a porta do lar e estancar as lágrimas do povo”.156

Era a volta à

tranquilidade do trabalho, do sossego, das famílias, e a vida desafogada das dores, de

prantos e misérias.

Em uma espécie de prenúncio dos acontecimentos futuros acerca dos percalços

aos que fizeram a campanha, dizia o mesmo períodico tratar-se de um momento da

cicatrização das feridas, da restauração das forças sociais, o que só seria possível com as

recompensas devidas para os que foram à guerra e para as famílias que assistiram, de

longe, à morte de seus entes queridos, pelo governo de D. Pedro II.

Assim como nas demais províncias, em São Paulo bandas percorreram as ruas

até altas horas da noite, fechando-se todas as repartições públicas, sendo geral a

iluminação e o embandeiramento das casas do centro da cidade.

Na cidade do Rio de Janeiro tão logo se espalhou a notícia do final da guerra

começaram os preparativos para a recepção ao Conde D´Eu.

O CAMINHO DO ESQUECIMENTO: A FESTA ACABOU

A morte de Solano López em 1º de março e a comemoração pela terminação da

guerra em 10 de julho de 1870, com a festa no Campo da Aclamação, abriram o

caminho para o esquecimento. Das recepções e dos festejos realizados aos voluntários

restaram apenas lembranças das testemunhas que assitiram às festas e as páginas dos

jornais que guardavam uma memória adormecida espera do historiador do passado.

155 BN/RJ. Jornal O Publicador Maranhense, Maranhão, 2 jun. 1870.

156 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 19 mar. 1870.

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O clima festivo que suspendeu o cotidiano da cidade deu lugar à tentativa de

normalizar a situação atípica vivida pela Corte e em diversas partes do Império.

Faltavam apenas as recepções nas províncias, último torrão de terra que denotava de

fato o fim da campanha.

Foram cinco meses de festejos populares, bailes, sessões teatrais, banquetes,

cerimônias, homenagens e discursos na Corte. Todavia, as festas foram perdendo o

brilho e a pompa, se comparadas às primeiras realizadas na Corte, quando o povo da

capital do Império “delirava de entusiasmo” e o governo mostrava-se frio e indiferente e

mal se fazia representar nas solenidades nas demais recepções aos voluntários.

Nos meses seguintes a situação piorara na Corte. Outros tantos soldados do

Exército chegariam sendo recepcionados sem festejos, iluminação, te-deum, desfiles

pelas ruas, discursos e, em pouco tempo, eram devolvidos aos transportes que lhes

conduziam para suas províncias.

Referindo-se à passagem dos batalhões 42º de Pernambuco e 35º de voluntários

de São Paulo, em Santa Catarina, o jornal A Regeneração considerou um fato

escandaloso a recepção ocorrida na cidade do Desterro. Ao fundear o vapor Izabel no

porto, “o povo esperou que aparecesse a tropa fazendo a sua entrada na cidade e

passando pela praça, a recolher-se aos quartéis. – Mas esperou em vão”.157

Os

voluntários desembarcaram e se recolheram às barracas improvisadas na Praia de Fora,

sem desfilarem pelas ruas como fizeram outros batalhões. Dizia o mesmo períodico:

“daqui e dali, nesta ou naquela hora, como a modo, soltam alguns foguetes e em um ou

dois hotéis via-se hasteada a bandeira nacional e o povo olhando para os voluntários que

andavam pelas ruas sem ter abrigo onde se asilar”.158

A maior frieza pareceu reinar na população. Teria o povo alguma razão para

isso? O Palácio do goveno em Santa Catarina estava fechado, a bandeira não tremulava

no edifício. Aos comandantes dos corpos de voluntários foi solicitado que entrassem no

desembarque à cidade, mas que o fizessem pelas chácaras afastadas. A razão para esse

fato devia-se à morte dos dois filhos do Araújo Lima, presidente da província. Nem

mesmo diante da dor sofrida pelo presidente da província, não poupou o jornal liberal

suas críticas ao governo. “Por que porém não encarregou seus secretários e ajudantes de

ordens de receber dignamente a heróica brigada que pisava aqui pela primeira vez terra

pátria?”

157 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 21 abr. 1870.

158 Idem, Ibidem.

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Considerava aquela folha uma festa popular e parecia o governo indisposto a

dar continuidade aos festejos pelo regresso dos voluntários.

Foi talvez a subserviência, ou antes a lisonja inconsiderada que

pretendia mostrar seus pares [referia-se a Araújo Lima] ao homem que

se achava no poder, e impunha ao povo a tristeza para melhor servir

ao senhor. Como se lhes negar o brado de reconhecimento dos

primeiros irmãos que os avistam nas terras pátrias?159

Por ocasião da entrada do 26º Batalhão de Voluntários do Ceará, apesar do

comandante coronel Tibúrcio ter sido um dos mais notáveis soldados na guerra,

decresceram visivelmente a influência e o fervor do público no acolhimento do batalhão

cearense. 160

No dia 24 de julho de 1870, entrou do Rio da Prata o transporte a vapor Izabel

conduzindo o 54º Batalhão da província da Bahia, último contingente que restava de

Voluntários da Pátria em território paraguaio.161

Os preparativos para recepção desse

batalhão na Corte haviam ficado a cargo dos senadores baianos, que convidaram, por

meio da imprensa, os deputados da Bahia “e mais baianos, aqui residentes, a

comparecerem amanhã no salão Clube Fluminense para resolver sobre o modo porque

deve ser recebido o último contingente de voluntários”. 162

A comissão composta por Saldanha da Gama, Rodrigo Octavio e André

Rebouças para organizar os festejos estava sob a presidência do senador Nabuco,

servindo de secretário o Dr. Rodrigo Octavio, que deliberou fazer uma coroa de ouro

para ser depositada no altar da Santa Victória, quando o batalhão regressasse à Bahia. O

doutor Rodrigo Octavio propôs que se fizesse tecer uma coroa de saudades a ser

entregue ao tenente-coronel Cunha, comandante dos voluntários, para ir depositá-la

sobre o túmulo do Visconde de Itaparica. A festa restringiu-se apenas a uma facção

partidária ou a junção de comprovincianos em torno da recepção dos batalhões.

A imprensa limitava-se a comunicar a entrada dos batalhões anunciando o

local do desembarque. Entraram na Corte vindos de Santa Catarina os transportes S.

159 Idem, ibidem.

160 BN/RJ. Jornal O Liberal, Recife, 13 abr. 1870.

161 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Desterro, 28 jul. 1870.

162 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 3 jul. 1870.

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José e Alice. O primeiro trazendo a bordo o 46º Batalhão de Voluntários da província da

Bahia, com 470 praças e 41 oficiais; o segundo trazendo a ala direita dos 35º Batalhão

da província de São Paulo, com 283 praças e 41 oficiais.

Não era possível que depois de tão breve lapso de tempo a memória da gratidão

tivesse desaparecido. Enquanto o esquecimento dos festejos na Corte prenunciava novos

tempos para o Império, oficiais recém-chegados de Assunção endereçavam ao jornal

liberal A Reforma cópias de requerimentos e de documentos encaminhados ao

Ministério da Guerra, onde expressavam o descontentamento dispensando pelo governo

imperial ao Exército brasileiro.

Nas queixas declaravam-se satisfeitos, não com as recompensas do governo

imperial, mas sim com o cumprimento do dever cívico e as demonstrações de alegrias

recebidas pelo povo. Satisfeitos, sobretudo, por terem regressado da campanha com

força para ganharem o pão da subsistência, “porque do contrário ver-se-iam obrigados a

mendigar, como seus infelizes camaradas, que voltaram mutilados”.163

O Correio Nacional publicou em seu editorial que a morte do ditador

paraguaio Solano López, em 1º de março de 1870, determinava o fim da guerra e fez

“desaparecer para o governo imperial as dificuldades de seu banimento, e os receios de

que ele no futuro pudesse voltar vitorioso à Assunção”. Profetizou sobre o sentido das

comemorações após o desaparecimento de López: “As festas da vitória acabaram, a

primeira expansão de alegria pelo acabamento da guerra já passou, para dar lugar ao

raciocínio frio e desapaixonado, os hinos e os vivas entusiasmados do povo já não mais

ecoavam pela cidade”. 164

163 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Desterro, 10 mar. 1870.

164BN/RJ. Jornal Correio Nacional, Rio de Janero, 25 mar. 1870.

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Voluntário da Pátria da província de São Paulo com o pavilhão nacional – Acervo AHN/RJ.

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Capítulo III

A Festa nas Províncias

A pequena cidade de Barra do Rio Grande, localizada às margens do Rio

São Francisco, na Bahia, o vereador Francisco Martins Sertão, depois de receber

ofício confidencial do presidente da província, convocou os cidadãos para festejar o

triunfo do Exército na Guerra do Paraguai. A data era 24 de fevereiro de 1868.

Por três noites consecutivas, a Câmara Municipal e algumas residências do

centro da cidade foram iluminadas. Atendendo a um pedido do vereador Martins

Sertão, os comerciantes queimaram fogos de artifício, comemorando o término da

guerra. Acompanhada por uma banda de música, a população desfilou pelas ruas da

cidade, na festa improvisada.165

O oficio do presidente da Bahia somente foi desmentido três semanas

depois, quando na cidade eram preparados novos festejos para receber seus filhos.

Da mesma forma como não correspondeu à vitória final do Brasil na guerra contra o

Paraguai, a festa em Barra do Rio Grande acendeu uma nova expectativa popular

pelo regresso das tropas.

A cada remessa de soldados “para o preenchimento dos clarões que os

combates e as enfermidades abriam incessantemente nas fileiras do nosso

exército”,166

a guerra tornava-se mais impopular. O oferecimento voluntário, assim

como o recrutamento, diminuía em todas as regiões do Brasil.

Por duas vezes a população da cidade de Barra do Rio Grande – como os

moradores das vilas e dos povoados vizinhos – saiu às ruas para festejar o término

da guerra. O sentimento de regozijo, todavia, foi rapidamente substituído pela

165 APEBa Ofício do presidente da província da Bahia à Câmara Municipal da cidade de Barra do Rio

Grande, de 24 de fevereiro de 1868. Seção Colonial e Provincial, Câmara de Barra do Rio Grande, maço

1259. 166

APEBa. Seção Colonial e Provincial, maço 831.

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frustração, e o povo sempre se recolhia ao cotidiano, à espera de novidades sobre as

operações no Paraguai.

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA NA BAHIA

Em 14 de fevereiro de 1870, o governo da Bahia finalmente foi informado

em mensagem confidencial e circular do ministro da Guerra que uma brigada de

corpos de voluntários comandada pelo coronel Francisco Vieira de Faria Rocha

desembarcaria na Corte, e depois, seguiria para a província da Bahia. Isso se daria

nos primeiros dias daquele mesmo mês.

Em ofício ao governo da província, Francisco de Souza informou que era

preciso tomar as providências para a realização dos festejos. Entre elas, recuperar os

carros triunfais que se achavam muito estragados, armar arcos nas ruas das

freguesias, proceder à limpeza, à pintura e ao restauro das estátuas dos caboclos,

símbolos da independência da Bahia que participariam das comemorações na volta

dos voluntários baianos.167

A notícia da chegada dos Voluntários da Pátria e dos Guardas Nacionais se

espalhou pela cidade de Salvador. Em 27 de fevereiro de 1870, a Associação

Comercial da Bahia convidou seus consócios para concorrerem para os preparos dos

festejos em homenagem aos voluntários baianos.

Às sete horas da manhã do dia 12 de março de 1870, o transporte a vapor

Galgo singrava as águas da Baía de Todos os Santos, conduzindo 380 soldados e

oficiais do 40º Batalhão de Voluntários da Pátria. Avistadas pela capitania do porto de

Salvador, as tropas foram saudadas com tiros de canhões na entrada da barra que dava

acesso ao porto da cidade.168

167 APEBa. Seção Colonial e Provincial, Guerra do Paraguai, 1870, maço 3673.

168 APEBa. Seção Colonial e Provincial, Guerra do Paraguai, 1870, maço 3668.

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“A salva repercutiu nos corações de todos os baianos”.169

A fragata Circe,

pertencente à marinha francesa, executou o hino nacional brasileiro ao passar pelo vapor

de guerra. No Arsenal da Marinha, o batalhão de polícia, um piquete da cavalaria, os 3º

e 4º corpos da Guarda Nacional e a banda militar aguardavam para prestar honras aos

soldados.

Discursos inflamados, recitações de poesias, lágrimas de alegria, vivas aos

soldados podiam ser escutados pelos voluntários a bordo do vapor, antes do

desembarque. A Fortaleza do Mar e a corveta Baiana dispararam uma nova salva de

tiros, anunciando a chegada dos praças. Em frente ao Arsenal, o povo que correu à

festa assistiu ao desfile dos vapores da companhia baiana e dos navios estrangeiros

embandeirados com as cores do Brasil.

Muitos dos espectadores levavam coroas de flores e fitas auriverdes, para

presentear os soldados e a oficialidade. Às dez horas da manhã começou o

desembarque da brigada. Uma comissão formada por autoridades do governo e

sociedades recreativas e literárias da capital foi cumprimentar o brigadeiro Faria

Rocha e os Voluntários da Pátria. Juntos, todos assistiram à execução do hino

nacional.

Dois dos mais conhecidos Voluntários da Pátria festejados na Bahia: Os Tenente coronel

Faria Rocha e Marcolino Moura. Acervo AHN/RJ

169 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

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Depois da recepção no Arsenal, o 40º Batalhão de Voluntários da Pátria e

Guarda Nacional começou o desfile pela Rua do Taboão, passando pela Rua do

Carmo até alcançar a Rua Nova da Alfândega. Em frente à Praça do Comércio, as

tropas e o comandante foram saudados pela Associação Comercial. Por ordem do

brigadeiro Faria Rocha, as tropas entraram em forma na Praça Riachuelo, para ouvir

o discurso do presidente da província, do comandante das armas e do Dr. João de

Carvalho, que falou em nome da Assembleia Provincial, felicitando aos soldados

pelo regresso à pátria e à família. Os discursos eram sempre seguidos por vivas da

multidão que se concentrava em torno das tropas.

A praça também estava repleta de “flores, poesias, capelas, músicas e de

saudações estrepitosas que partiam de todos os pontos [até chegar] aos

voluntários”.170

No percurso por onde desfilariam as tropas, as casas estavam

embandeiradas, e alguns sobrados foram ricamente decorados com colchas coloridas

nas janelas. Das sacadas, moças atiravam flores sobre a brigada que desfilava por

entre arcos coloridos, erguidos especialmente para a festa.

Na altura da Travessa de Santa Bárbara, ao avistar a mãe, um soldado saiu

de forma e dirigiu-se a ela, pedindo-lhe a bênção. “A preta deslumbrada, de boca

aberta e olhos arregalados, encarava o filho sem poder, entretanto, articular palavras,

enquanto seu filho insistia em seu pedido”.171

Em frente ao Banco da Bahia, um arco se destacava entre os demais. Ele

era todo forrado de damasco, seda e veludo nas cores verde e amarelo, medindo três

metros e meio de altura. O arco havia sido oferecido por negociantes da cidade, com

a subscrição pública aberta naquela instituição.

Em sua coluna Notícias das Províncias, o jornal A Reforma, do Rio de

Janeiro, destacou as homenagens da comissão liberal, encarregada de entregar ao

brigadeiro Faria Rocha uma “primorosa e riquíssima grinalda de flores para ornamentar

a sua invicta espada”.172

O representante da comissão saudou o general Faria Rocha

com estas palavras:

170 IGHB. Jornal da Bahia, Salvador, 13 mar. 1870.

171 IGHB. O Alabama, Salvador, 18 mar. 1870.

172 BN/RJ. A Reforma, Rio de Janeiro, 19 mar. 1870.

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Ilustre General! Escolhido dentre a comissão liberal, o grande e

patriótico partido liberal, cuja comissão se acha aqui reunida, tem o

júbilo de depositar sobre vossa brilhante e valente espada, a coroa de

suas glórias e de suas esperanças, voluntários da pátria, os abraço com

estremecimento e cheio de mais viva emoção!173

E assim respondeu o brigadeiro Faria Rocha:

meu bravo companheiro, a vós e aos distintos membros da comissão

liberal agradeço profundamente a prova assinalada com que me

honrastes, no momento, o mais venturoso de minha vida em que me

vejo restituído a terra do meu nascimento.174

Naquele momento foram levantados vivas ao general Faria Rocha, aos

Voluntários da Pátria, ao Conde D‟Eu, ao Partido Liberal e ao povo brasileiro.

Entretanto, o jornal Diário do Rio de Janeiro, que também escreveu sobre os festejos na

Bahia, apresentou uma versão diferente dos acontecimentos. A folha oficial da Corte

noticiou que, no Arsenal da Marinha, o liberal conselheiro Dantas, os parlamentares

João Barbosa, Luiz Antônio, Cezar Zama, Souto Maia e Marcolino Moura, ocuparam

indevidamente os lugares reservados para a recepção oficial.175

Referindo-se aos liberais durante a festa, o jornal comentou: “Ali levantou o

conselheiro Dantas vivas inconvenientes que foram correspondidos pela camarilha, mas

repelidos pelo público que ali não fora saudar partidos mas honrar beneméritos da

pátria”.176

O jornal também questionou o Partido Liberal:

Como poderão esses agitadores inspirar confiança nas instituições, se

são eles os primeiros a profaná-las nas exaltações da demagogia?

Como fundar o império da lei se apelam para a revolução armada a

menor contrariedade que lhes suscita a marcha natural dos

acontecimentos? Se em oposição tivéssemos adotado esses meios

iníquos, em que abismo não se acharia atualmente a pátria comum?177

173 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 19 mar. 1870.

174 Idem, Ibidem.

175 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

176 Idem, ibidem.

177 Idem, ibidem.

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As acusações trocadas entre conservadores e liberais ocuparam as colunas dos

jornais Diário do Rio de Janeiro e A Reforma com mais intensidade que a descrição dos

festejos ocorridos na Bahia. O jornal A Reforma respondeu à acusação da imprensa

oficial contra os liberais, asseverando que todo o mérito do alistamento dos Voluntários

da Pátria coube ao Partido Liberal, destacando a Bahia, que ofereceu o maior

contingente:

A iniciativa coube ao partido liberal, ele, a quem coube a glória de

levantar o espírito patriótico da província, e sob cuja influência

enviaram os governos liberais cerca de 18 mil homens à desafrontar a

honra nacional, embora a ingratidão com que é perseguido pelo

governo de S. Cristóvão, entendeu de seu dever receber os voluntários

como os despedira.178

Nos últimos anos da guerra a situação do partido conservador na Bahia era, de

fato, melindrosa. A folha oposicionista denunciou que parte dos conservadores baianos

estava disposta a romper com o Barão de S. Lourenço e que tal intenção se retraiu com a

morte do Visconde de Jequitinhonha, importante líder dos conservadores: “Dizem,

entretanto, que o Sr. Fernandes da Cunha declara solenemente que não aceitaria mais

uma do barão de S. Lourenço e nem uma candidatura”.179

A Reforma tratou também de enaltecer a festa, todavia associada sempre à

importância de Faria Rocha, membro do Partido Liberal, à frente do batalhão. O

correspondente da folha liberal escreveu que alguns cidadãos que serviram

voluntariamente no 40º Batalhão da Bahia ofereceram ao general Faria Rocha uma

coroa de prata e ouro e uma faixa de veludo verde bordado a ouro, onde se lia: “Viva o

herói baiano!”.180

Na solenidade, o ex-major do corpo 40º de Voluntários, Ferreira Barros, falou

para a tropa e para o comandante baiano, em nome dos inválidos:

A Bahia consagra o dia de hoje aos voluntários que voltam da

campanha a descansar das lides homéricas, cobertos de honrosas

178 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 mar. 1870.

179 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 19 mar. 1870.

180 Idem, ibidem.

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cicatrizes, contando as fileiras destruídas pela metralha inimiga. [...] E

nesta hora triunfal, nós, os irmãos de armas, mutilados nos combates,

saudamos o comandante intrépido do batalhão 40º que foi o modelo

dos brasileiros, o exemplo dos patriotas, o nosso guia e o nosso

orgulho – Oferta da coroa – Aceitais, em nome dos voluntários, cingir,

senhor brigadeiro, a vossa fronte valorosa.181

Nos anos seguintes, toda vez que a memória da guerra era revisitada, o general

era motivo de homenagens. Os Voluntários da Pátria, ao contrário, depois de

dissolvidos os batalhões, desapareceram do reconhecimento popular e do patriotismo

praticado pelos baianos. Os voluntários haviam sido condenados ao esquecimento. No

entanto, deve-se enfatizar que esse apreço ao comandante baiano era muito mais

resguardado pelo papel do Partido Liberal de fazer guardar na memória a ação de seu

ilustre membro depois da campanha do que propriamente resultante do reconhecimento

da sociedade. Assim, quando a notícia da morte de López chegou à cidade de Salvador,

nenhum viva foi levantado aos Voluntários da Pátria, que haviam chegado à capital

baiana menos de dois meses atrás. A festa pelo término da guerra foi toda dedicada ao

comandante Faria Rocha.

O Jornal do Comércio escreveu que a “população baiana seguiu pelas ruas da

cidade com destino à casa do general Faria Rocha que recebeu a bandeira nacional”. No

mesmo artigo, o redator referiu-se ao papel histórico do Partido Liberal na Guerra do

Paraguai, defendendo o direito dos liberais de compartilhar das comemorações.

As tentativas de descaracterizar os festejos patrióticos na Bahia fez o Diário do

Rio de Janeiro estender suas críticas aos Voluntários da Pátria, refletindo a falta de

vontade do governo baiano de comemorar a chegada das tropas civis. O redator do

diário carioca escreveu que “um jantar copiosamente preparado a expensas do tesouro

público” foi oferecido aos voluntários, mas o sucesso do evento ficou comprometido,

“porque um terço da tropa confundiu-se no meio da multidão e não aproveitou a

hospitalidade que lhe era oferecida pelo governo, preferindo as ruas, as festanças e a

bebida”.182

Na noite do primeiro dia de festa a cidade iluminou-se: a Câmara Municipal, o

Palácio da Presidência, a Praça Riachuelo, a Associação Comercial, o frontispício da

181 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 19 mar. 1870.

182 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

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Igreja da Misericórdia, a matriz da Conceição da Praia e muitas casas de particulares. O

brigadeiro Faria Rocha foi cumprimentando pelos caixeiros nacionais e estrangeiros.

Enquanto isso, por meio da imprensa conservadora, o partido governista baiano

atacava os liberais. Entretanto, na correspondência oficial trocada entre o poder local, na

Bahia, e o poder central, na Corte, isso não transpareceu com a mesma intensidade. O

presidente da província da Bahia limitou-se a informar o Ministério da Guerra sobre a

chegada das tropas na cidade de Salvador e, em tom solene, relatou ao governo de D.

Pedro II o sucesso na campanha do Paraguai:

Com a maior satisfação recebeu esta cidade a notícia do feliz desfecho

da guerra do Paraguai, não podendo o Brasil desejar melhor. A

população saiu toda para as ruas e praças com entusiasmo indiscutível,

passando toda a noite em festejos, percorrendo a cidade diferentes

grupos e batalhões patrióticos com músicas, foguetes e repetidos vivas

ao Imperador, ao Exército e Armada, e aos diferentes beneméritos da

vitória. A cidade se iluminou espontaneamente. Felicito o governo

imperial por tão assinalado benefício da providência, e rogo à V.

Excia que por mim beije a mão do Imperador, que nunca descreio do

triunfo do Império e do castigo do seu injusto agressor.183

O presidente da província baiana informou, no ofício, sobre a romaria à Igreja

do Bonfim de Itapagipe e sobre a intenção do comandante de seguir viajem com a tropa

até a cidade de Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano. O propósito dessa

viagem era depositar uma das bandeiras da campanha na matriz daquela cidade.

O comandante das armas comunicou-me verbalmente que o

Brigadeiro comandante os levará na 6ª feira a uma romaria ao

Bomfim, e que no domingo queria ir depositar em Santo Amaro da

Purificação uma segunda bandeira que tem. Dei ordens em tal caso

para que no mesmo domingo às 10 horas fossem depositar na Sé a

bandeira de que fala o Aviso de 28 de fevereiro próximo passado.184

183 AN/RJ. Correspondência do presidente da província ao ministro da guerra, Barão de Muritiba, 14 mar.

1870. IG1 – 127 – Série Guerra – Ministério da Guerra – Bahia (1870-1873). 184

Idem, ibidem.

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Embora o Barão de São Lourenço demonstrasse indiferença em relação aos

liberais e ao controle da ordem nos dias em que a cidade abandonou o cotidiano para

viver os festejos, o presidente da província deixou escapar o receio de que o batalhão

seguisse para o recôncavo antes de ser dissolvido. O presidente “temia algum tipo de

convulsão ou agitação feitas pelos soldados que não receberam os soldos atrasados no

Rio de Janeiro, porque disse o governo central que tais dívidas seriam quitadas na

Bahia”.185

Essa apreensão era compartilhada pelo governo da Corte. Em 25 de fevereiro

de 1870, portanto, antes da chegada do primeiro corpo de Voluntários da Pátria à cidade

de Salvador, o ministro da Guerra, Barão de Muritiba, oficiou ao presidente da

província baiana recomendando o procedimento que o governo deveria adotar com

relação aos batalhões, depois do desembarque:

Previno V. Excia. que logo que termine a recepção, que se lhe faça

nessa Capital, V. Excia. mandará expedir-lhes as suas baixas,

podendo, se preciso for, proporcionar-lhes transportes até seus

domínios assim evitando a aglomeração dessa massa de soldados

desocupados na capital.186

No dia 1º de março de 1870, mais um ofício chegou ao conhecimento do Barão

de São Lourenço. Dessa vez, o ministro Muritiba enfatizava que

As armas com que marcha o mesmo batalhão devem ser recolhidas ao

Arsenal de Guerra dessa província, mandando V. Excia. dissolver o

mesmo batalhão e expedir os necessários títulos de baixa às praças no

menor espaço de tempo em detrimento dos males que podem causar à

sociedade esses soldados armados e endurecidos pela campanha.187

Entretanto, por meio de seu correspondente, o Diário do Rio de Janeiro, nas

publicações a respeito dos festejos na Bahia, procurou apaziguar as notícias dadas aos

leitores da Corte e de outras partes do Império sobre possíveis perturbações da ordem

185 Idem, ibidem.

186 APEBa. Seção Colonial e Provincial, Ministério da Guerra, maço 832.

187 Idem, ibidem.

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pública. O jornal informou: “devemos declarar que nenhum vivo partidário, nenhuma

manifestação inconveniente partiu do seio das massas, e que os numerosos emissários

do liberalismo, ou foram ridicularizados nas ruas, ou apurados no quartel”.188

Com destaque para a intenção dos liberais de criar no espírito popular o

sentimento de revolta, o jornal publicou:

Eram liberais que aconselhavam o abuso da força para favorecer as

suas aspirações injustificáveis; alcunharam-nos de tiranos a nós que os

deixava livremente tentar o desprestígio dos adversários, e em nome

da liberdade solicitavam a cooperação da revolta para esmagar pela

força bruta o que não puderam vencer no terreno da legalidade.189

Artigo como esse, publicado pela imprensa conservadora, acabou

demonstrando a apreensão do governo com relação ao Partido Liberal. Para

desprestigiá-lo, o governo apontou a incapacidade do partido de organizar movimentos

revoltosos.

O Jornal do Comercio, folha respeitada pela imparcialidade política, publicou

em um de seus editoriais a falta de interesse do governo baiano pela comemoração da

chegada dos voluntários na respectiva província. O jornal concordava com a ideia,

defendida pelos liberais, que os conservadores não renderam as homenagens que os

heróis mereciam.

O jornal afiançou que o presidente daquela província não nutria simpatia pelos

voluntários desde que estes haviam chegado à capital baiana. Em defesa do patriotismo

da Bahia, o impresso criticou o Partido Conservador, que atribuiu o sucesso do Brasil na

campanha somente ao Imperador, sem mencionar a participação dos voluntários baianos

na guerra.

E censuram os liberais, como censurou o Sr. Barão de S. Lourenço,

quando, na mesma ocasião em que bradava: “desgraça aos que

querem desnaturar as glórias de nossas armas”, proclamava com toda

a inconveniência que o autor da guerra era D. Pedro II e, portanto, o

primeiro responsável se a vitória final não viesse!190

188 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

189 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 mar. 1870.

190 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 3 abr. 1870.

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A notícia da morte de López e o aniquilamento de suas tropas, em princípios de

1870, produziram novos festejos na Bahia. Isso já era esperado, avaliando-se a soma de

sacrifícios feitos por aquela província e o papel dos liberais no início da campanha de

mobilização das tropas. Mais uma vez a desavença entre liberais e conservadores

tornou-se tema discutido pelo jornal Diário do Rio de Janeiro, que enfatizou o

comportamento ordeiro e o “bom senso do povo baiano, cuja índole é de uma docilidade

proverbial, compreendeu que no festejar de nossas glórias, não devia aparecer o menor

indício de agitação partidária”.191

O Partido Liberal, disposto a aproveitar a ocasião de “turvar as águas, para

pescar o seu cômodo”, procurou tornar saliente o que convinha escurecer no momento:

“a sua despeitada ambição de mando”. Assim concluiu o jornalista do Diário do Rio de

Janeiro, referindo-se à presença dos liberais nos festejos.

Da Bahia, o Barão de São Lourenço dirigiu ofício confidencial ao ministro da

Guerra, em 17 de abril de 1870. Referindo-se aos adversários, desdenhou:

Reuniu um pequeno grupo de vagabundos, e pondo a frente da falange

uma música improvisada, percorreu algumas ruas, dando vivas

inconvenientes e provocando reações que felizmente não tiveram

lugar. Alguns homens do povo acompanharam o cortejo, movidos

pelo espírito de curiosidade, e arrastados pelo estrondo da música. A

polícia deixou-os obrar em plena liberdade, e a não resistência

destroçou-os mais depressa do que o poderia fazer qualquer

procedimento por parte do governo.192

A festa idealizada com o propósito de comemorar a vitória dos brasileiros

contra o Paraguai foi usada pelo governo conservador na Bahia para demonstrar a força

política exercida na província. Assim, as temáticas centrais dos acontecimentos, a

comemoração das vitórias, a enumeração das batalhas e das narrativas sobre heróis que

se destacaram na guerra não apareceram nos jornais conservadores. Não houve, por

parte da imprensa oficial, nenhuma intenção de fazer do povo guardião da memória dos

fatos históricos que poderiam ser rememorados nos anos seguintes ao fim da campanha.

191 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 18 abr. 1870.

192 APEBa Seção Colonial e Provincial, Série Guerra, maço 1272.

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No dia 18 de abril de 1870 chegou à Corte o 46º Batalhão de Voluntários da

Pátria, pertencente à Bahia, junto com os de números 35, de São Paulo, e 42, de

Pernambuco. No Rio de Janeiro, o coronel Francisco Lourenço de Araújo, comandante

do 46º, foi agraciado com o título de Barão de Sergy, pelos serviços prestados na guerra.

Pelo Aviso de 21 de abril de 1870, recebeu ordens do Imperador D. Pedro II para

depositar uma das bandeiras do batalhão na Igreja de Nossa Senhora da Purificação, na

cidade de Santo Amaro.193

O 46º Batalhão de Voluntários da Pátria partiu da cidade do Rio de Janeiro

para a Bahia em 30 de abril de 1870, no navio de guerra Marcilio Dias. Comandado

pelo capitão-tenente da Marinha Imperial, Manuel Ernesto de Souza França, o navio

atracou no cais do Arsenal da Marinha, em Salvador, às sete horas da manhã do dia 4 de

maio de 1870.194

A diretoria da Associação Comercial foi a bordo para felicitar o general,

entregando-lhe nas mãos o diploma de sócio honorário.195

A cidade novamente se

revestiu de gala e o povo correu para vitoriar o restante da numerosa falange que viveu

dias de glória no Paraguai. O regozijo público foi manifestado na maior ordem. O Barão

de Sergy e seus companheiros de armas foram saudados na saída do Arsenal e seguiram

pela ladeira do Taboão, até a Praça do Palácio, onde Vicente Ferreira de Souza recitou

uma poesia, seguido por João de Britto. Dali o grupo seguiu para o Forte de São Pedro,

onde se aquartelou.

Ao se referir à chegada do segundo contingente de Voluntários da Pátria, o

Jornal do Comércio relatou a preocupação do Barão de São Lourenço com a ida

daquela brigada para a cidade de Santo Amaro. Segundo o jornal, o Barão procurou

“impedir com todas as forças esse passeio do batalhão, antes de ser dissolvido”.196

Mas,

por que o presidente da província temia a intenção da tropa de dirigir-se à cidade que

ansiosamente esperava pelo retorno de seus filhos? O temor de sublevação das tropas na

Corte contagiava a província da Bahia.

Desde a chegada do primeiro batalhão, foram muitas as queixas que subiram

até o presidente da província; por duas vezes, os batalhões de voluntários dirigiram-se

ao palácio para reclamar seus soldos. O jornal O Alabama publicou: “dizem que não há

193 Coleção Leis do Império. Decreto Imperial de 21 de abril de 1870.

194 IGHB. Jornal Diário da Bahia, Salvador, 5 maio 1870.

195 Idem, ibidem.

196 BN/RJ Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 maio 1870.

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dinheiro. Foram à Tesouraria e daí retiraram-se sob a promessa de que hoje

infalivelmente seriam pagos”.197

Essa notícia correu por toda a cidade e as reclamações

avolumaram-se nas repartições do governo provincial, que empenhava a palavra do

governo de providenciar as soluções necessárias.

Em ofício confidencial de 13 de maio de 1870, o presidente da província da

Bahia informou o Ministério da Guerra acerca dos pedidos de passagens feitos por

oficiais e praças do Exército, que pretendiam retornar à cidade do Rio de Janeiro a

bordo dos transportes que conduziam Voluntários da Pátria para o norte. Os soldados

tinham o objetivo de reivindicar às autoridades do governo na Corte e, principalmente,

ao Imperador, os direitos assegurados no decreto que criou os corpos de Voluntários da

Pátria.198

O ministro da Guerra respondeu ao presidente da província da Bahia: “não

convém a sua aglomeração atualmente, nem na corte e em parte alguma das capitais”.199

Cabia, então, ao governante, persuadir os soldados a seguir essa recomendação.

Sobre a ida do batalhão à cidade de Santo Amaro, o Jornal do Comércio

publicou: “não há motivo para privar os habitantes daquela cidade do prazer de

possuírem uma relíquia, que atestará os atos de heroicidade de seus patrícios, e o

patriotismo com que o povo dali correu a desagravar a honra da nação”.200

A viajem a Santo Amaro da Purificação era motivada pelo fato de parte da

brigada de Guardas Nacionais ser natural de lá e também pelo pedido do Imperador de

que a bandeira fosse depositada na matriz daquela cidade. Na manhã do dia 10 de maio

de 1870, finalmente com a autorização do governo, o 46º corpo de voluntários iniciou a

viagem até Santo Amaro a bordo do navio São Francisco, da companhia Baiana,

chegando às duas horas da tarde, conforme informou o Diário da Bahia.201

Em Santo Amaro, uma multidão aguardava a chegada do comandante Barão

de Sergy. Apesar de copiosa chuva, o general percorreu as ruas da cidade, antes de

dirigir-se ao coreto especialmente levantado para a ocasião. No local, o Barão era

aguardado pela comissão dos festejos, composta em sua totalidade por membros do

Partido Liberal, entre os quais estavam Dr. Garcia Pires, Dr. Cid Cardoso, Domingos

Pires e Egas Guedes.

197 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 1º jun. 1870.

198 APEBa. Seção Colonial e Provincial, Ministério da Guerra, maço 833.

199 Idem, ibidem.

200BN/RJ Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 maio 1870.

201 IGHB. Jornal Diário da Bahia, Salvador, 11 maio 1870.

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Na praça da matriz, com a bandeira ofertada pelos santamarenses no início da

guerra, e entre aplausos e estrondos dos foguetes, o comandante discursou ao povo que

se aglomerava por todas as partes: “Senhores! Aqui tendes os soldados que me

confiaste. Contai-os.... faltam muitos.... nenhum desertou, nenhum fugiu! Os que faltam

passaram à imortalidade pelos buracos desta bandeira!”202

Nenhum incidente foi verificado naquela ocasião. Às seis horas da tarde do dia

13, o batalhão 46º desembarcou na ponte da companhia baiana, em Salvador, de volta

da visita a Santo Amaro. Cinco dias depois, finalmente, o batalhão foi oficialmente

dissolvido na cidade de Salvador; os integrantes retornaram a Santo Amaro no dia 19 de

maio de 1870.

No dia 8 de setembro de 1870, o último contingente de soldados chegou à

Bahia. O Batalhão 54o de Voluntários da Pátria teve a mesma homenagem conferida

aos primeiros voluntários recepcionados na província. Na ocasião, os soldados

foram à Igreja do Bomfim render graças ao pelo regresso à província e assistiram a

uma missa, acompanhada pela banda de música do Corpo Policial, por autoridades e

por familiares de voluntários mortos na campanha. Diante da imagem do Senhor do

Bomfim e do 54o corpo de voluntários, o tesoureiro da irmandade da igreja leu a

carta de liberdade concedida pelo capelão à escrava Celina e a sua filha de três

meses, em comemoração ao dia de Nossa Senhora e pela coincidência de o 54o

batalhão ter rendido graças a Deus naquele templo, no retorno da guerra.203

Às três

da tarde, o batalhão voltou para a cidade, recolhendo-se ao Quartel do Barbalho.

À noite, como parte das comemorações, na sede da Sociedade Libertadora Sete

de Setembro, foram entregues 43 cartas de alforria; dezenove foram conferidas

gratuitamente e 24 cartas foram compradas com o resultado da subscrição realizada

durante o ano de 1869. Eram dez homens e 33 mulheres, divididos em quinze adultos

cativos e 28 menores.

Na oportunidade, o Dr. Frederico Marinho de Araújo apresentou uma escrava,

natural da cidade de Muritiba, cuja alforria seria comprada pelo preço de quinhentos mil

réis, dinheiro levantado pela cotização realizada pelos presentes. Também foi

apresentado o resultado da subscrição promovida por Cirilo Eloi em beneficio do menor

202 Idem, ibidem.

203 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 11 set. 1870.

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Aristóbulo, que rendeu 206 mil réis, dos quais cem mil réis foram oferecidos pela

Sociedade Maçônica Abrigo da Humanidade.204

A concessão simbólica de cartas de liberdade a cativos por ocasião dos festejos

da volta dos Voluntários da Pátria e Guardas Nacionais foi prática recorrente, liderada

por liberais e abolicionistas. Nos jornais da Corte e das províncias, cidadãos ligados ao

Partido Liberal publicavam os dispêndios e o resultado das subscrições realizadas com

esse objetivo.

O jornal O Alabama, folha jocosa publicada na Bahia, voltou sua observação

para os festejos com dimensões de festas populares ocorridos em algumas paróquias.

Festejos realizados longe do olhar das autoridades e próprios da inventividade da

população para receber seus filhos, depois de cinco anos de campanha.

Na Freguesia de Brotas, moradores construíram uma réplica da Fortaleza de

Humaitá, composta de três baterias para encenar o combate naval entre o vapor

encouraçado Bahia e as tropas paraguaias. Nesse combate houve atuação do batalhão de

voluntários baianos.

A população daquela freguesia rememorava a guerra por meio da encenação de

batalhas, ressaltando a bravura dos soldados. “Como em uma cena teatral a fortaleza

fazia fogo com peças de madeira enquanto o vapor lançava bombas simulando

granadas”.205

Os fogos de artifício foram utilizados para a exibição pública e o povo

participou da correria geral, realizando ensaios nos dias anteriores à festa para a

Passagem de Humaitá.

Na praça da freguesia, um palanque levantado para a festa estava ricamente

decorado, tendo em um ponto o busto do Imperador D. Pedro II e, no outro, a banda de

música contratada para divertir o povo por toda a noite. Na igreja, o padre Frei Carneiro,

único religioso que “desprezou os cômodos da vida e correu pressuroso ao grito da

pátria aos inóspitos campos do Paraguai, para ali administrar os socorros espirituais

àqueles que dele necessitavam”,206

fez eloquente sermão, acompanhado pelos que

compareceram e ali se espremiam. Ao entrar no templo, os participantes da festa

avistavam

204 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 28 maio 1870.

205 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 7 set. 1870.

206 Idem, ibidem.

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muitos quadros apropriados de todos os combates terrestres e navais,

bem como Riachuelo, passagem de Humaitá, abordagens, diversas

batalhas e a morte de López, sobre o sangue do retrato do Conde D´Eu

a óleo, debaixo de um dócil, com o brasão das armas.207

Nas paredes, quadros dos generais Caxias, Herval, Itaparica, Porto Alegre,

Pelotas, Triunfo, Tamandaré e Inhaúma. “Parecia ao olhar dos apreciadores da festa se

transformado a igreja em um cenário de guerra”.208

Depois de dois dias consecutivos de festa, O Alabama anotou os incidentes e

confusões, que foram provenientes, segundo o jornal, do “efeito do violão”. Na Praça

das Pitangueiras, principiou-se à noite uma discussão entre o inspetor de quarteirão e

oito soldados da companhia de caçadores a cavalos, designados para manter a ordem.

“Uma roda de pretos sambando e os soldados proibiram esse divertimento”.209

O

cronista do jornal explicou que

vendo o Sr. Batista de que não se devia proibir aos pobres divertirem-

se em um dia festivo como aquele, pediu-lhes que consentisse aos

pretos continuarem em seu divertimento e por chamar a ordem aos

soldados que queriam dispersar os pretos, principiou uma confusão

generalizada e deram-lhes muitas pranchadas.210

Só foi possível descrever a dimensão da festa na Bahia por meio do olhar de

um jornal jocoso. O impresso deixou transparecer em suas páginas a extensão dos

festejos populares e também as implicações resultantes da aglomeração do povo, na

comemoração improvisada.

207 Idem, ibidem.

208 Idem, ibidem.

209 Idem, ibidem.

210 Idem, ibidem.

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RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA EM MINAS GERAIS

O regresso do 17º corpo de Voluntários da Pátria era aguardado com grande

expectativa pela população de Minas Gerais. Durante toda a campanha, os soldados que

compunham a brigada mineira foram considerados mártires da guerra, em decorrência

das penúrias, da fome e do flagelo que dizimaram parte considerável da tropa em sua

marcha pelo interior do país, quando esta se dirigia à província de Mato Grosso,

invadida pelo Paraguai.

A saga desses voluntários foi descrita por alguns jornais, que publicaram cartas

enviadas pelo comando da tropa. Quatro anos depois de concluída, em 1874, a história

da campanha também foi publicada no livro A retirada da Laguna, de Alfredo

D´Escragnolle Taunay, Visconde de Taunay, um dos participantes da marcha ao Mato

Grosso.211

Interessa anotar sobre o retorno dos soldados para Minas Gerais. No dia 3 de

março de 1870, o 17º Batalhão de Voluntários da Pátria embarcou da Corte para a

capital mineira, Ouro Preto, no trem que partiu pela Estrada de Ferro D. Pedro II em

direção ao interior da província de Minas Gerais.

Dias antes da chegada da tropa, O Conservador de Minas publicou um

folhetim intitulado Os Voluntários da Pátria, com a finalidade de preparar a recepção

aos mártires. O folhetim descreveu a ansiedade, a alegria e a tristeza dos seus

compatriotas: “Todos vós sabeis, é que o 17º Batalhão de Voluntários da Pátria

prossegue em seu regresso glorioso em demanda dos lares pátrios, a repensar após

fadigas adquiridas por tantas vitórias”.212

As marchas por caminhos tortuosos, o cansaço, a fome, a sede, as doenças, o

estrondo do canhão inimigo e o embate com suas mortíferas armas, “são coisas que não

se podem descrever ainda com ligeiros traços”, revelou o cronista, “mas que eles

211 O livro A retirada da Laguna, de Visconde de Taunay, teve sua primeira edição publicada em

português em 1872. Depois houve mais onze edições, com cinquenta mil exemplares, em 1874,

publicados pela Tipografia Americana, e outras quatro edições, em francês, com cinco mil exemplares,

em 1877, publicadas pela Imprensa Nacional. A obra foi traduzida para o alemão pelo conselheiro

Schneider, leitor do Imperador Guilherme I, para o sueco, pelo cavalheiro Rosen, e para o espanhol,

por S. Maramaya. 212

BN/RJ. Jornal O Conservador de Minas, Ouro Preto, 19 mar. 1870.

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sempre corajosos sentiram sem recuar um só passo. Os que não voltam são porque

sucumbiram no campo de honra”.213

A marcha a que se refere o cronista era entre Minas

Gerais e Corumbá, no Mato Grosso, durante a qual os voluntários enfrentaram as tropas

paraguaias que tinham invadido o Brasil. O cronista invitava a população de Minas

Gerais a recepcionar os soldados na entrada triunfal na capital e nas cidades que

tivessem de cruzar durante a viagem de regresso.

Não poupai-lhes teus obséquios, nobre povo ouro-pretano, fazei-os

esplêndidas, se puderem, por ti, pela província de Minas e pelo Brasil

inteiro. Nunca são por demais ricas as coroas de louro com que se

cingem as belas frontes dos vencedores dos inimigos da pátria! Que

sejam magníficas as festas que se lhes prepararam.214

O folhetim expôs o sentimento daqueles que participariam da recepção aos

soldados e que, no meio da tropa, não encontrariam seus entes queridos. Neste texto, o

articulador tratou da saudade, da dor e da lembrança:

Fitam o olhar incerto no caminho por onde vêm os bravos, e só

divisam por entre eles as sombras de seus caros amores, de suas ternas

afeições, de seus insensatos cuidados; e mais e mais ser lhe avivam as

saudades, e com mais dor sangram-lhes as chagas do coração. Lá

ficaram longe da pátria.215

No final, uma mensagem aos voluntários, que chegavam trazendo ainda nos

pés a poeira do solo inimigo:

Sede bem vindos ilustres defensores da honra nacional, haveis bem

merecido o reconhecimento da pátria. Dependurai vossas armas, assim

mesmo embotadas no sangue inimigo, como padrão de nobreza que

conquistastes para vossa casa e deixai que vossos concidadãos

sacudam de vossos pés o pó estrangeiro, e vos ofertes a taça de vinho

hospitaleiro ao seio na paz.216

213 Idem, ibidem.

214 Idem, ibidem.

215 Idem, ibidem.

216 Idem, ibidem.

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No dia 4 de março de 1870, o governo de Minas divulgou a programação para

a recepção do 17º Batalhão de Voluntários da Pátria. No dia da festa, funcionários

públicos partiriam do palácio do governo para encontrar a tropa na entrada da cidade. A

brigada, ao ser avistada na Estrada do Funil, seria saudada com girândolas que subiriam

ao céus, distribuídas pelos átrios das igrejas da cidade.

O 17º Batalhão de voluntários mineiros, comandado pelo tenente-coronel José

Maria Borges, chegou em 6 de março de 1870 à cidade de Ouro Preto. Uma guarda de

honra do Corpo Policial esteve postada na entrada da cidade para fazer as honras de

recepção ao batalhão e disparar três descargas de tiros. Em seguida, a multidão

acompanhou os soldados no trajeto pelas ruas da cidade, juntando-se aos batalhões da

Guarda Nacional do município. Os soldados desfilaram pela Ponte do Funil, Rua da

Glória, Ponte Seca, Rua do Rosário, Rua do Sacramento e São José; depois,

atravessaram a Praça Central até chegar à Igreja de São Francisco de Assis, onde foi

cantado um te-deum, em ação de graças.

Depois de ser ovacionada pelo povo amontoado em frente à igreja, a brigada

regressou à praça principal para receber novas homenagens. À noite e nos dias

seguintes, os prédios públicos permaneceram iluminados. A banda do Corpo Policial

por três noites rompeu o toque no palácio e, depois, no quartel, percorrendo em seguida

as ruas da cidade, acompanhada pelo povo.217

Segundo o jornal A Reforma, do Rio de Janeiro, as festas oficiais com que

foram recebidos os heróis que afrontaram peste, fome e guerra tirânica contra os

vândalos em Mato Grosso foram frias e despidas de patriótico entusiasmo.218

No dia 9 de março, no Teatro Perseverança, ao final do espetáculo oferecido ao

batalhão mineiro, os liberais Marcellino de Brito Pereira de Andrade, coronel José

Caetano Rodrigues Horta, Dr. Justino Ferreira Carneiro e Ricardo de Araújo oferecerem

um sarau para a noite seguinte à oficialidade do batalhão.

A sala do baile, “brilhantemente iluminada” e preparada pelo liberal capitão

Felicíssimo, “surpreendeu pelo capricho que presidira a sua decoração”. Um troféu

ocupava a principal parede da sala e, no centro, à sombra da esfarrapada bandeira do

batalhão, via-se a efígie do “legendário Osório”. Ao lado, o quadro de Teófilo Otoni,

217 BN/RJ. Jornal O Conservador de Minas, Ouro Preto, 4 mar. 1870.

218 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

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que resistiu no poder sem cair ao contato dos dois reinados, transformando-se em um

dos mais críticos da guerra.219

A festa na cidade de Mariana foi o ponto alto da recepção aos Voluntários da

Pátria e aos Guardas Nacionais em Minas Gerais, com a entrega da bandeira histórica

daquele batalhão. Às dez horas da manhã, a queima de foguetes e a música da banda

marcial anunciaram a entrada da brigada na cidade. A recepção mudou a vida pacata de

Mariana:

Quem está habituado a ver a silenciosa Mariana, reclinada em sua

colina melancólica entre planícies quase desertas; quem está habituado

a vê-la em seu retiro, a viúva saudosa do passado, não pode fazer idéia

do tumulto festivo desse dia solene, que despertou as graças e

louçanias de tempos mais felizes.220

As ruas principais alcatifadas de flores estavam divididas por arcos triunfais.

Nas janelas ornadas com colchas de seda, senhoras acenavam para as tropas, enquanto

as praças estavam repletas de gente. “Ajuntai a este painel as harmonias de um céu

profundo e calmo, um horizonte alegre e tranqüilo, um céu benigno e puro, tereis de

certo saudades do dia 26 de março de 1870 em Mariana”.221

Os voluntários entraram na cidade pela Rua Nova, onde em frente à Igreja da

Confraria um elegante arco do triunfo fora erguido e, ao seu lado, uma banda de música

executava o hino nacional. Os capitães Paulo Bernardino e Francisco Lessa, ao

avistarem as tropas, ergueram patrióticos vivas.

Na Rua Direita, o batalhão foi recebido pelo deputado Severiano e depois se

prostrou em frente à Igreja da Sé, onde o reverendo o esperava com “paramentos de

primeira classe”. Das escadas do adro da igreja, o bispo lançou sua bênção aos

voluntários. O batalhão entrou no templo para assistir ao te-deum, ao final do qual o

comandante depositou a bandeira à esquerda do altar-mor.

219 Idem, ibidem.

220 BN/RJ. Jornal O Conservador de Minas, Ouro Preto, 31 mar. 1870.

221 Idem, ibidem.

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Era a primeira vez desde 10 de maio de 1865 que eles separavam-se

daquele penhor sagrado da pátria, que os havia seguido, passo a passo,

nas longas e tormentosas jornadas da guerra. Debaixo deles viram

morrer a maior parte de seus camaradas: em torno dela viram cruzar-

se os clarões vermelhos dos combates.222

O Conservador de Minas registrou o instante de emoção para os soldados:

Duas vezes as lágrimas saltaram daqueles olhos soberanos; quando

abraçaram suas mães ao partirem para a guerra; outra... quando viram

separar-se de suas mãos a coluna de fogo que os guiava nos combates,

a bandeira gloriosa que os acompanhou nessa heróica expedição.223

Terminada a cerimônia, o batalhão descansou por duas horas antes de seguir

pelas ruas da Intendência e da Olaria, todas magnificamente embelezadas, em direção

ao quartel que hospedaria a tropa até a sua dissolução.

RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS EM SÃO PAULO

Conforme a programação descrita pelos jornais paulistas, o 35º Batalhão de

Voluntários da Pátria chegou no dia 25 de abril de 1870 a São Paulo, vindo de trem da

cidade de Santos, onde desembarcara às sete horas da manhã. O 35º corpo de

voluntários continha 639 praças e 42 oficiais – muitos soldados enfermos ficaram na

Corte e nas enfermarias do Rio da Prata, aguardando o restabelecimento da saúde antes

de retornarem ao Brasil.

Em São Paulo, os voluntários desembarcaram às onze horas da manhã na

Estação da Luz. Eles haviam sido saudados desde a chácara do Sr. Felício Fagundes, na

Môoca, a Estação do Braz e outros pontos da linha férrea. Na Estação da Luz, adornada

com esmero, os soldados foram recebidos pelo presidente da província e outras

222 Idem, ibidem.

223 Idem, ibidem.

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autoridades, assim como por comissões literárias e abolicionistas, entre as quais

contava-se a da Loja Amizade, composta de quinze de seus membros. No Campo da

Luz, repleto de populares, cinco bandas de música foram encontrar os voluntários. Os

foguetes e os sinos da cidade serviam de fundo “a aquele hino colossal que partia de

todos os peitos”.224

Todos queriam demonstrar a gratidão aos defensores da nação. Os alunos da

Faculdade de Direito de São Paulo, com a banda de música solicitada ao presidente da

província, engrossaram o cortejo que partiu do pátio de São Francisco em direção à

Estação da Luz, para encontrar os voluntários paulistas no desembarque.225

Rego Freitas, presidente da Câmara Municipal, ofereceu à bandeira do

batalhão uma coroa de ouro e prata, em nome do município. Logo em seguida,

Rodrigues Alves, orador do corpo acadêmico, e João Soares, orador da Loja Amizade,

proferiram os primeiros discursos aos soldados. O de Cândido Medonça Drummond foi

impactante, ou comovente:

Atestam-nos somente essas ossadas colossais dos bravos que dormem

no frio leito dos rios, no chão deserto dos pampas, nas áreas ardentes

dos descampados; atesta-o, vós mesmos, caras relíquias das falanges

paulistas. A academia de São Paulo vos saúda. A história dirá um dia

rememorando vossos feitos: vingaram uma nação e libertaram um

povo.226

O batalhão seguiu para o Seminário Episcopal, onde, à porta da igreja, um altar

provisório foi levantado para a celebração de uma missa pelo reverendo vigário

capitular do bispado, o Cônego Andrade. Depois da cerimônia, começou o desfile pelas

ruas da cidade, debaixo de “uma verdadeira chuva de flores, derramada sobre eles pelas

senhoras que apinhavam todas as janelas e coretos”.227

Algumas das ruas ostentavam uma profusão de adornos, destacando-se a Rua

Alegre, a Rua do Rosário, o Largo da Sé, a Rua do Comércio, a Rua Direita, a Rua de

São Bento e o Largo de São Gonçalo. Todos esses locais haviam sido preparados por

conta da Câmara Municipal.

224 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 29 abr. 1870.

225 APESP. Guia do Acervo Permanente – Império Volume II, Voluntários da Pátria – CO5563.

226 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 29 abr. 1870.

227 Idem, ibidem.

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À entrada do Jardim Público, os voluntários foram cobertos de flores por um

grupo de crianças que estavam postadas em dois pavilhões. A menina Celestina Bourrul

ofereceu uma coroa de ouro, doada pelo corpo do comércio, para ser colocada sobre a

bandeira do batalhão. Em seguida, pronunciou a seguinte alocução:

Voluntários paulistas! O corpo do comércio desta capital proferiu a

mão da infância para atar na vossa vitoriosa bandeira essa coroa de

louros, querendo deste modo significar-vos toda pureza e sinceridade

de seus sentimentos para convosco. Permiti, pois, que eu cumpra este

gracioso dever, e junte mais uma às outras que já tendes, e que não são

tantas quantas por vezes merecestes.228

A bandeira, muitas vezes comemorada na festa de recepção aos soldados

paulistas era, na interpretação do jornal O Correio Paulistano, “o manto celeste em que

se escondia a vitória”. Sobre a bandeira o jornal também publicou: “das fragoas

horríveis dessa guerra sempre levantou-se deslumbrante – coluna de luz foi sempre para

vós na hora sinistra de pelejar”.229

Assim, a bandeira rota e mutilada era a prova material que simbolizava a ideia

de pátria, diferenciada das bandeiras levadas ao campo de guerra por batalhões de outras

províncias. A sustentação da bandeira do corpo de voluntários paulistas afirmava, dessa

forma, a noção de pertencimento – ora ao Império, ora à província de São Paulo.

Ainda no Jardim Público foi oferecido um jantar pelo corpo do comércio da

capital. Entre os convidados, encontravam-se oficiais da brigada e o conselheiro João

Crispiniano Soares, que levantou o primeiro brinde em nome dos comerciantes.

Às seis horas da tarde finalmente concluiu-se o festejo. O batalhão dirigiu-se

para o quartel, acompanhado por ferventes aclamações populares, que só se dispersaram

ao aquartelamento do último soldado. No dia seguinte, ainda nas primeiras horas da

manhã, o batalhão assisitu a um te-deum na Catedral da Sé. Ao chegarem os voluntários

ao Largo da Sé, uma comissão da corporação acadêmica dirigiu-se ao batalhão, atando à

sua “Gloriosa Bandeira” uma coroa de prata e ouro. Rodrigues Alves, orador da

comissão, proferiu naquele ato um discurso em nome da mocidade acadêmica:

228 Idem, ibidem.

229Idem, ibidem.

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Paulistas! A mocidade tem acompanhado vossos passos e chorado

vossos sofrimentos; ela leu com dor esse poema intímo de lágrimas e

tristezas, que a honra da pátria fez-vos escrever com heroísmo.

Quando as ondas de entusiasmo popular passam cantando sobre

vossas frontes, ele vê muitos risos de alegria ocultar a palidez de um

sofrimento quando não uma lágrima de dor. É que a guerra lava a

afronta, mas espalha o luto; dá vida à pátria imolando a vida do

cidadão!230

Às quatro horas da tarde do dia 27 de abril, a catedral de São Paulo parou para

receber a bandeira do 35o Corpo de Voluntários da Pátria. O presidente da província,

Antônio Cândido da Rocha, o arcebispo Joaquim Manoel Gonçalves, o chefe de polícia,

o juiz de direito e o inspetor da tesouraria da fazenda assistiram ao ato solene do

depósito da “Gloriosa Bandeira” do batalhão pelas mãos do coronel Antônio Martins de

Amorim, comandante dos voluntários.231

Ao longo dos discursos, nas orações durante as missas e debaixo dos arcos

erguidos no centro da cidade, o povo comemorava as batalhas em que tomou parte a

brigada paulista, tudo acompanhado pela comoção coletiva daqueles que ocuparam a

cidade durante os festejos. À noite realizou-se um espetáculo dramático, oferecido por

uma companhia particular de amadores aos voluntários e convidados.

No terceiro dia, uma comissão formada por senhoras dirigiu-se ao quartel e ao

comandante do batalhão. A Sra. Maria Júlia Telles Rudge fez a entrega da quantia de

um conto de réis, resultado do concerto beneficiente realizado no primeiro dia dos

festejos, que deveria ser repartido entre os soldados da brigada de voluntários paulistas.

Na tarde daquele mesmo dia, na Catedral da Sé, ocorreu a entrega de mais uma

bandeira pertencente ao batalhão. A ata da solenidade foi assinada pelo presidente da

província, pelo reverendo vigário capitular, por membros do cabildo, por oficiais da

brigada e por autoridades civis e militares. O Correio Paulistano traduziu a emoção dos

combatentes, diante da bandeira:

230 Idem, ibidem.

231 Arquivo do Estado de São Paulo. Guia do Acervo Permanente – Império Volume II, Voluntários da

Pátria – CO5563.

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Muitos daqueles rostos bronzeados pelo sol e pelo fumo das

campanhas inundaram-se de grossas lágrimas! Aquelas cabeças

habituadas a encarar de frente a morte, curvaram-se abatidas! Muitos

daqueles braços ergueram instintivamente para acenar o último adeus

ao símbolo mudo das torturas, do sangue e das glórias com que

haviam eles escrito a ignorada mas soberba história de seu

devotamento pela terra natal!232

Estava finalmente dissolvido o batalhão, deixando assim de existir o grupo de

irmãos esforçados, “que o patriotismo e a morte enlaçara, e que a paz separava!”233

O Anglo-Brazilian Times – jornal inglês publicado no Rio de Janeiro –, em

texto transcrito pelo O Correio Paulistano, afirmou sobre as festas na cidade de São

Paulo que

os voluntários não foram regalados só com inúteis festas de vento e

papel, mas excelente jantar foi-lhes arranjado no Jardim Botânico

onde mostraram quanto lhes era apreciável aquela prova de atenção:

quanto a nós estamos certos de que em sua memória, a hospitalidade

de São Paulo fará um agradável contraste com as balofas festas do Rio

de Janeiro.234

Os relatos publicados nos jornais também atestaram que a festa realizada em

São Paulo para os Voluntários da Pátria foi caracterizada pela simplicidade. A cidade

continuou em festa por mais alguns dias. Em sinal de regozijo pelo término da guerra, a

Sociedade Libertação, localizada na freguesia de Santo Antônio, deu carta de liberdade

a oito cativos; o Clube dos Democráticos Carnavalescos alforriou uma menor e o

comandante do 3º Batalhão da Guarda Nacional da Corte, outro. Custódio Joaquim

Moreira alforriou uma escrava de cinco anos de idade, obrigando-se a sustentá-la até a

maior idade, e André Bonneau, súdito francês, alforriou uma mulher de 39 anos.

A comissão de senhoras que ofertou ao Conde D‟Eu uma coroa de ouro e prata

fundou uma associação denominada Vinte e Nove de Abril, com o fim especial de

manumissão. Senhoras “distintas” da sociedade esmolaram nos dias de festas à porta

dos templos, recolhendo dinheiro em beneficio do Asilo de Inválidos da Pátria, erguido

232 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 29 abr. 1870.

233 Idem, ibidem.

234 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 8 jun. 1870.

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na cidade do Rio de Janeiro para abrigar mutilados e doentes provenientes da

campanha.235

Entretanto, como em outras partes do Império, as festas foram substituídas por

reclamações feitas por soldados descontentes com os atrasos de seus soldos e dos

prêmios prometidos. O mérito dos soldados paulistas na campanha, tão reconhecido e

laureado nos festejos, para o redator de O Correio Paulistano deveria estender-se além

da gratidão, das iluminações feitas em suas recepções.

Com a dissipação dos corpos de voluntários e aproveitando-se da organização

em curso do Corpo de Polícia de São Paulo, muitos ex-Voluntários da Pátria dirigiram

solicitações ao governo da província para comporem a instituição que estava sendo

criada. Em apoio aos soldados, O Correio Paulistano afirmou que “entre os voluntários

moços distintíssimos, perfeitamente no caso de se entrar para o quadro dos oficiais do

corpo de permanentes, se o quisessem, vai nisso valiosa recompensa a seus

sacrifícios”.236

A recompensa aos serviços prestados na guerra, na concepção do jornal

paulista, deveria ser oferecida ainda no calor das comemorações pelo final da

campanha. O mesmo periódico, todavia, afirmou que a Assembleia Provincial rejeitou a

preferência dos voluntários para os postos do corpo permanente. E concluiu:

A maioria da assembléia, tenaz em não fechar aquela porta aos

afilhados e aos interesses do partido, rejeitou a idéia, chegando a

fundamentar a rejeição com insinuações indignas do elevado cárater

dos bravos que acabamos de receber com os braços abertos.237

No dia 1º de maio, mais um artigo publicado pelo O Correio Paulistano exibiu,

em suas páginas, novas reclamações de soldados. Dessa vez, o jornal tratou da

incorporação de guardas nacionais paulistas aos batalhões do Exército que permaneciam

no Paraguai e pediu que o presidente da província e o ministro da Justiça tomassem em

“consideração este fato, que estende-se naturalmente a designados de muitas províncias,

235 Idem, ibidem.

236 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 30 abr. 1870.

237 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 30 abr. 1870.

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mas que denunciamos em relação aos guardas nacionais nossos comprovicianos”.238

No

mesmo artigo, o redator do jornal recomendou a atenção da presidência da província e

do governo monárquico para a demora na chegada dos voluntários da província

deixados enfermos nos hospitais do Rio da Prata e da Corte.

No discurso pronunciado pelo acadêmico Oliveira Bello na última noite dos

festejos pela chegada dos soldados, e publicado no jornal O Correio Paulistano, depara-

se com outro relato dos sofrimentos que aguardavam os voluntários da guerra:

E eles desprenderam-se dos braços da esposa que lhes bradava – e o

desamparo em que ficamos – levantaram os filhos de joelhos

clamavam – quem nos matará a fome? – enxugaram os prantos dos

velhos pais que soluçavam – quem nos fechará os olhos? – e

empunhando a valente espada perguntaram por sua vez – e quem

desagravará a honra de meu país?239

Entretanto, depois de cessar as aclamações, de ver suas mães enflorarem seus

semblantes, depois do fechar dos lábios ao canto febril dos hinos, agora “a história se

levanta com as taboas de seus mármores na mão para estendê-las como lousa funerária

sobre o velado dos bravos que morreram, e erigi-los como pedestal para o heroísmo que

venci”.240

E mesmo com o olhar no presente, o orador previu o futuro dos soldados que

fizeram a campanha. Indagava o acadêmico: “o que ides fazer, voluntários, restaurados

cidadãos? [...] Para onde ides?” Essa pergunta foi recorrente nos anos posteriores à

guerra e refletiu a condição de miséria em que ficaram muitos dos soldados enfermos

depois da campanha. Aos seus ouvintes, o acadêmico tratou de alertá-los:

Quando encontrardes à margem de uma estrada um velho soldado,

acabrunhado ante o espectro da fome e da miséria, o que fareis

senhores? Voltar-lhes-eis a face? Deixá-lo, pois, morrer, porque é

sublime esse orgulho que não quer estender a mão de mendigo à

piedade? [...] E quando o [voluntário] a cuja porta baterdes,

perturbando a contagem deliciosa de seus milhões, perguntar – quem

tu és, respondei-lhes – chamei-me ao heroísmo, chamo-me a miséria,

chamei-me a glória, chamo-me a mendicidade, chamei-me a vitória do

patriotismo, chamo-me o vencido da ingratidão”.241

238 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 1º maio 1870.

239 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 11 maio 1870.

240 Idem, ibidem.

241 Idem, ibidem.

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Referindo-se ao ressentimento de muitos voluntários, confessou: “eu não creio

na ingratidão, não, não morrereis de fome [...] Vê algumas vezes o erário do governo

trancado à miséria da orfandade e da viuvez, mas nunca vi o óbulo da algibeira do povo

surdo à fome do veterano enfermo”.242

Assim, nos anos posteriores ao da guerra, a cena

descrita pela imaginação do jovem orador pareceu se concretizar. Nas cidades

espalhadas pelo Brasil, tornou-se visível a presença de soldados mendigando o pão para

a caridade pública.

242 Idem, ibidem.

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RECEPÇÃO AOS VOLUNTÁRIOS EM OUTRAS PROVÍNCIAS

No dia 10 de fevereiro de 1870, às onze horas da manhã, foi a vez de ancorar

na cidade de Porto Alegre o transporte de guerra Presidente, conduzindo os cascos do 4º

e do 5º batalhões de Caçadores a Cavalo, que regressavam do Paraguai.

A Reforma, jornal liberal publicado naquela cidade, noticiou que apesar dos

imprevistos e do desconhecimento da população sobre a data do desembarque dos

soldados – especialmente depois do sistema adotado pelo governo, “o silêncio” – Porto

Alegre eletrizou-se e de todos os pontos partiram inúmeros foguetes para sinalizar a

chegada das tropas.243

O povo compareceu ao local do desembarque para saudar os veteranos da

campanha. Sobre a participação dos gaúchos na guerra da Tríplice Aliança, A Reforma

destacou:

Nós filhos do povo, representantes do povo, a quem maiores

sacrifícios cabem sempre saudamos sempre cheios de prazer e

entusiasmo. Ele o Rio Grande do Sul, que deu maior contingente

nessa guerra, que concorreu com 30.000 mil homens de seus filhos à

flor da mocidade.244

O jornal também lamentava, em seu artigo, a falta de divulgação do

desembarque da brigada gaúcha: “Sentimos realmente que nenhuma notícia exata

houvesse chegado dos corpos, que hoje saudamos, e que o aparecimento do vapor fosse

uma verdadeira surpresa para a cidade.245

Na província de Pernambuco, duas questões ocuparam a atenção do Partido

Liberal: a recepção do corpo de voluntários pernambucanos e a seca que devastava os

sertões, desde 1869, as notícias sobre a guerra e mesmo a retirada das tropas para o

Brasil dependiam dos navios que rumavam para o norte do país ou das publicações

243 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 2 fev. 1870.

244 Idem, ibidem.

245 Idem, ibidem.

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feitas pelos jornais que circulavam em Salvador, na Bahia. As notícias vindas

diretamente da Corte levavam semanas para ser reproduzidas pelos jornais de Recife.

Enquanto as autoridades provinciais não divulgavam informações sobre a

chegada dos voluntários, a inquietação popular expressava-se através dos jornais: “Cada

vez que o telégrafo faz sinal de vapor ao sul há um reboliço geral, e todos ficam à

espera do seguimento do mesmo sinal até que se diz – vapor da companhia

pernambucana, e tudo cai em pasmaceira”.246

Além da chegada dos soldados e da seca que maltratava a província, outro

objeto de especulação usado pelos liberais foi manifestado pela imprensa. Em suas

publicações, os jornais ressaltavam que a recepção por parte do governo não era o cerne

da questão, e sim o cumprimento dos deveres do governo para com as tropas que

lutaram na guerra. O jornal O Liberal, de Recife, duvidava da ação do governo

conservador de Pernambuco em relação aos Voluntários da Pátria:

Não se sabe quando aqui aportará, nem de que número de praças se

compõe o tal primeiro contingente; se os demais virão logo em

seguida, e com pequeno intervalo; se daqui se recolherão sem detença

às respectivas províncias; se o governo está preparado para pagar a

esses bravos os prêmios que lhes são devidos e os soldos atrasados; se

tem terras medidas e demarcadas para distribuir-lhas, na forma do

decreto, e no caso afirmativo, se cada voluntário ou guarda nacional

receberá o seu lote no território da própria província, ou se o sagrado

compromisso do governo será sofismado designando-se prazos de

terras, por exemplo, em Goiás ou Mato Grosso, aos voluntários de

Pernambuco e das outras províncias do litoral.247

Outra notícia, dessa vez publicada pela imprensa do Rio de Janeiro, informava

que a Câmara Municipal de Recife estava indiferente à festa nacional e que somente

depois de muitas cobranças, os vereadores resolveram ornamentar o prédio com alguns

galhos de mangueira brasileira.

Frederico de Almeida, representante da Associação Comercial do Recife, foi

informado pelo governo provincial de que nada se faria para receber os Voluntários da

Pátria, assim declarando o Partido Conservador a sua oposição à recepção: “fazendo

crer que as instruções que tinha recebido do governo central se opunham a estas

246 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

247 BN/RJ. Jornal O Liberal, Recife, 12 fev. 1870.

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manifestações”248

Contudo, o representante da Associação Comercial tratou de informar

pela imprensa que, mesmo assim, o Partido Liberal se empenharia em proporcionar uma

“brilhante recepção” ao batalhão pernambucano.

A situação da seca era calamitosa na província de Pernambuco, assim como em

Alagoas e na Bahia. Ao padecimento da lavoura somava-se a mortandade do gado, o

flagelo da pobreza e o crescimento da fome e da miséria. A seca que assolou o interior

da província de Pernambuco por dois anos consecutivos foi argumento expressamente

utilizado pela imprensa liberal contra a ação do governo imperial no socorro às vítimas.

A Reforma do Rio de Janeiro afirmava, referindo-se à seca em Pernambuco:

Mas conta, porém, que o senhor ministro do Império, já mandou

viveres para qualquer das províncias vexada pela fome. Faltara

dinheiro? Não falta para o armamento com que se conquistou a facção

do Ceará; não faltou para o navio de guerra que foi garantir o porto

livre no Rio Grande do Norte; não faltou para o carregamento de

pólvora, que tem de solenizar com o grande estrondo e nuvens de

fumo os dias festivos em que o povo morre de fome e de sede!249

Em meio à situação de turbulência entre liberais e conservadores e a seca

registrada na província, desembarcou em Recife, no dia 14 de março de 1870, o corpo

53º de Voluntários da Pátria, composto por pernambucanos. A chegada do 53º Batalhão

no transporte Itapicurú, esperado desde o dia 8 de março, só ocorreu no dia 13. “Nunca

vimos aqui mais brilhante decoração e festa mais popular”.250

Às oito horas da manhã, o

desembarque dos voluntários se efetivou na melhor ordem. Na ocasião, os soldados

foram saudados por uma salva de 21 tiros, disparados pelo brigue de guerra Itamaracá.

O desembarque ocorreu no Arsenal da Marinha, onde achavam-se o presidente da

província, o general comandante de armas, os comandantes superiores da Guarda

Nacional e da polícia e diversas autoridades. O Batalhão da Guarda Nacional do

município e um grupo de lanceiros, organizados especialmente para esse fim, fizeram as

honras de recepção.

Na Praça do Corpo Santo, repetiram-se as manifestações, bem como na Rua da

Cadeia, onde os soldados passaram duas vezes. Nas ruas, os voluntários foram

248 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 mar. 1870.

249 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 10 mar. 1870.

250 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 mar. 1870.

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recebidos com poesias e discursos e caminharam sob uma abóbada de flores. Ao

entrarem no bairro Santo Antônio, eles alteraram o itinerário oficial e seguiram pela Rua

do Imperador, até o palácio do governo. Em seguida, dirigiram-se ao bairro Bela Vista,

onde não eram esperados. Só na Rua da Imperatriz tiveram esplêndida recepção e, ao

voltarem para Santo Antônio, as ovações redobraram.

Na Câmara Municipal, foram dirigidas felicitações aos soldados e aos oficiais.

Flores e poesias foram lançadas de um grande número de janelas. Ali ocorreu uma cena

tocante – pais que julgavam seus filhos mortos foram encontrá-los, assim como irmãos,

mulheres e amigos, todos, enfim, a quem a guerra parecia ter roubado as mais caras

afeições. Foram eles próprios abraçar aqueles que já não contavam rever. Por todos os

cantos ouviam-se exclamações, e o pranto misturava-se com a alegria.251

A população, por alguns momentos, esqueceu-se dos seus flagelos e saiu às

ruas para saudar os combatentes. Eram três e meia da tarde quando marcharam o

soldados para o Quartel das Cinco Pontes. Durante o trajeto, seguiram pela Rua do

Comércio, Rua da Cadeia, Rua do Crespo, Rua do Imperador, Rua do Campo das

Princesas, Rua da Aurora, Rua Formosa, Rua da Imperatriz, Rua Nova, Rua Cabugá,

Largo e Rua Estreito do Rosário, Rua do Queimado, Rua Livramento, Rua Direita e

Cinco Pontes – em todas elas as tropas foram loucamente festejadas.252

As casas estavam ornadas, algumas com mais simplicidade do que se esperava.

Das sacadas, senhoras atiravam flores e agitavam lenços. Em diversos pontos da cidade

havia música, e dos pontos mais altos subiam girândolas de foguetes. “Foi um

espetáculo imponente e majestoso, que excedeu a expectativa de todos, e marcou um dia

memorável na história da província”.253

Mas se o correspondente do Jornal do Comércio deu notícias da realização de

grandes festejos oferecidos para o primeiro contingente que chegou a Pernambuco, o

correspondente do jornal A Reforma, também publicado na Corte, tratou de destacar a

indiferença dos conservadores no desembarque do 2º Corpo de Voluntários da Pátria.

“Não obstante a chegada do vapor Itapicurú que os conduzia ser uma surpresa, não

obstante S. Excia. o Sr. Presidente de Pernambuco não ter dado programa algum, e

deixar tudo a revelia”, para este jornal foi o povo – “todos os homens sensatos e

251BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 mar. 1870.

252 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 27 mar. 1870.

253 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 31 mar. 1870.

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patrióticos da província” – que fez as ovações precisas e que mostrou alegria e

entusiasmo condignos do grande assunto do dia.254

Já era tarde quando os heróis da campanha paraguaia deixaram de ir ao bairro

de Boa Vista e regressaram pelas ruas do Imperador, Crês e do Queimado. Nesta última,

pararam em frente à casa das sessões do diretório do Partido Liberal, onde mais uma vez

foram recebidos e saudados com estrondos de muitos vivas, flores, e poesias.

Revolvendo histórias do passado pátrio, o redator do jornal liberal comparou a

festa realizada em Pernambuco com a Revolução Pernambucana de 1817.

“Março é sempre um mês de alegres recordações brasileiras,

por ser aniversário da revolução de 1817, que proclamou a

república e deu senão o primeiro, o mais estrondoso grito de

independência e liberdade, sufocado embora no sangue dos

audazes patriotas aquele tempo”.255

O correspondente do Diário do Rio de Janeiro retrucou o jornal liberal,

relatando que os liberais apropriaram-se da recepção aos voluntários para fazer

manifestações político-partidárias. “É por isso que, ao passo que um só viva, discurso

ou poesia com alusões políticas não apareceu pelo lado dos conservadores, enquanto

não se fartaram os liberais de dar viva ao seu partido e de proferirem discursos

inteiramente políticos, e alguns até incendiários”.256

Seguindo determinações do governo, o referido batalhão foi dissolvido no dia

19 de março de 1870 e sua bandeira “que por tantas vezes o guiou à vitória”, foi

depositada na secretaria do Arsenal de Guerra, antes de seguir para a catedral de Olinda.

“Hoje à tarde, pois, deve ter lugar a transferência para o mencionado Arsenal; em com

quanto o dia tenha amanhecido um pouco chuvoso, é provável que ainda assim haja

grande afluência de povo”.257

Envoltos nas questões políticas, liberais pernambucanos, conservadores da

Bahia, governantes do Rio Grande do Sul e de São Paulo se mostraram interessados em

destacar as próprias ações nos festejos, fazendo-se presentes nas ruas e na imprensa para

exaltar o regresso dos batalhões às respectivas províncias.

254 BN/RJ. Jornal O Liberal, Recife, 8 abr. 1870.

255 Idem, Ibidem.

256 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 10 abr. 1870.

257 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 31 mar. 1870.

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Cada província tratou de homenagear os personagens que se distinguiram na

campanha. Todavia, é perceptível a associação desses heróis com o poder político nas

regiões dominadas ou sob influência dos chefes de um ou de outro partido político.

Assim, a memória da guerra se misturou ao culto dos chefes políticos, impossibilitando

a criação do panteão dos heróis nacionais. Sem dúvida, Osório, Caxias e o Conde D´Eu

foram os únicos que ultrapassaram as fronteiras provinciais para associar suas imagens à

guerra contra o Paraguai.

Os presidentes de províncias, legisladores e seus partidários falavam em nome

do monarca ou contra ele, combatendo-o veementemente com críticas nos jornais.

Também se apresentavam como patrióticos, associando-se ao povo nas festas para os

soldados recém-chegados da guerra contra o governo do Paraguai. Assim, tomavam

para si os louros da vitória.

De fato, não foi a demonstração de bravura e heroísmo praticados na guerra

que gerou as discussões, depois de concluída a campanha, sobre os feitos de quem o

Império deveria comemorar. Osório, ligado aos liberais; Caxias, aos conservadores; e o

Conde D´Eu, à monarquia, passaram à condição de heróis que o Império mandou

guardar na memória em momentos diferentes da história do Brasil monárquico.

Os usos e abusos dos partidos Liberal e Conservador e da monarquia, assim

como da imprensa – associada aos partidos ou de caráter independente ou jocoso –,

refletiram um tempo de convulsão social que nascia com o fim da guerra contra o

Paraguai.

Ao povo, aos Voluntários da Pátria e aos Guardas Nacionais restaram as

lembranças das festas de reencontro com os entes queridos, sem direito a novas

comemorações e rememorações no calendário cívico do Império. A eles restou a

necessidade de recorrerem às autoridades e à imprensa para protestar a favor de seus

direitos, assegurados pelo decreto que criou os corpos de Voluntários da Pátria, e o

reconhecimento do patriotismo durante a guerra em defesa do Brasil.

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Obelisco erguido no Campo da Aclamação em comemoração pelo termino da Guerra do Paraguai.1870

Acervo: Marc Ferrez (Coleção Thereza Cristina Maria – BN/RJ)

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Capítulo IV

A Festa de 10 de Julho de 1870: Comemorações pelo Fim da Guerra do

Paraguai

Com a morte de Solano López, em 1º de março de 1870, findava a guerra que

as repúblicas da Argentina, do Uruguai e o Império do Brasil levaram ao Paraguai.258

Para o governo imperial, era preciso oficializar e legitimar, perante o povo e as

províncias, o epílogo desse episódio, que durou cinco anos, ceifou milhares de vidas de

combatestes brasileiros e fez aparecer um grande número de viúvas e órfãos de soldados

falecidos nos campos de batalhas. Era preciso converter a vitória em louros para a

monarquia.

Desde que se espalhou a notícia da morte do ditador paraguaio, felicitações de

diversas Câmaras Municipais e associações particulares chegaram ao conhecimento de

D. Pedro II. A Câmara Municipal da cidade de Parati, em 13 de maio de 1870, nomeou

um grupo, composto pelos vereadores José Joaquim de Lima, conselheiro João Cardoso

de Menezes e Souza e o Dr. Francisco José de Souza Lopes, para felicitar o augusto

Imperador pela terminação da Guerra.259

Assim também procedeu a Assembléia Legislativa da província do Rio de

Janeiro, que elegeu um grupo com doze de seus membros, em 8 de abril, não só para

felicitar o monarca “pelo faustoso motivo de se haver com tanta glória para o Brasil

concluído a guerra contra o Paraguai”, mas que pudessem fazer isso pessoalmente

pedindo, na ocasião, ao conselheiro Paulino José Soares de Souza, Ministro e Secretário

dos Negócios do Império, que indicasse o dia, hora e lugar, em que D. Pedro dignar-se-

258 A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi tratada pelo Estado imperial como uma questão nacional e,

dessa forma, a adesão social foi buscada mediante o Decreto n. 3. 371, de 7 de janeiro de 1865, que

constituía os corpos de Voluntários da Pátria. A formação desses corpos ocorreu graças à adesão

espontânea ou ao recrutamento forçado, sendo ela importante para uma definição mais precisa do que foi

esta empresa do Estado imperial, transformando tal recrutamento em um evento de caráter nacional e de

massa. O esforço envolveu aproximadamente um contingente recrutado entre 150 e 200 mil pessoas,

chocando-se com os limites sociais da sociedade escravista (Cf. SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai:

escravidão e cidadania na formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990). 259

AN/RJ, Série Interior, Notação. 1870, IJJ 390 – A.

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ia a receber a comissão.260

Procuravam assim cumprir o ritual tradicional e simbólico,

próprio da monarquia, que apresentava o monarca como responsável pelo sucesso e pela

glória da nação.

O SIGNIFICADO DAS FESTAS CÍVICAS NO SEGUNDO REINADO

O espetáculo público das festas oficiais apresentava-se como demonstrativo

para confirmação do prestígio do imperador, pela sua capacidade de mobilização, pelo

seu forte apelo emotivo e pela sua visibilidade. Isso era o que pretendia o governo

monárquico com a festa oficial.

A festa faz parte do alicerce da representação monárquica. Para Lilia

Schwarcz, a festa é o lugar da memória, uma pausa para (co)memorar e gravar na

memória coletiva fatos e datas importantes: “Mas as festas falam mais; retornam e

repetem uma lenta ladainha que não se conforma exclusivamente à lógica do poder, já

que no espaço da festa trocam-se dons e contra-dons, experiências, bens e símbolos

[...]”.261

Para as monarquias européias, as festas deveriam ser grandiosas e memoráveis,

no sentido de fazer guardar na memória tempos diferentes e ritos desiguais em seu

passado. “Não fosse isso, não entenderíamos esse ethos da festa, as festas barrocas, as

festas do Império e outras tantas festas que interrompem o dia-a-dia para imprimir, com

seu porte majestoso, certa oficialidade”.262

A monarquia no Brasil utilizou espaços públicos para mobilizar o fervor

patriótico em manifestações cívicas, para celebrar eventos marcantes da história do

Brasil independente. Para a maior parte dos trabalhos no Brasil sobre as festas

realizadas no Império, os relatos deixados por viajantes constituíram-se em importantes

fontes de pesquisa. Todavia, o caráter inusitado dos festejos pelo fim da guerra contra o

Paraguai não permitiu a utilização de fontes como as deixadas pelos narradores

estrangeiros. As festas públicas promovidas oficialmente seguiam um ritual

260 Idem, ibidem.

261 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Império em procissão: ritos e símbolos do Segundo Reinado. Rio de

Janeiro: J. Zahar , 2001. p. 15. 262

SCHWARCZ, Lilia Moritz., op. cit., p. 15.

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preestabelecido. O protocolo era comum a todas. Tinha início com a divulgação da

programação oficial publicada pela imprensa, designando o trajeto de desfiles militares

e nomeando as ruas pelas quais seguiriam, para que o público conhecesse previamente o

seu itinerário. Pela imprensa vinha o convite à população para ornamentar as janelas e

varandas com colchas, bandeiras, bem como, à noite, iluminarem a fachada de suas

casas.

O Campo de Santana era o espaço marcado para a parada, de onde se seguia

para o Largo do Paço, marchando pelas ruas Direita e de São Pedro. Nos logradouros

públicos, espaços onde circulavam a comitiva e a população, havia a tradição de

ornamentar as casas com colchas coloridas estendidas nas janelas, durante os festejos

cívicos. Construíam-se arcos do triunfo, colunas e estruturas enfeitadas com bandeiras,

flores e folhagens à passagem de tropas, bandas, religiosos ou para o cortejo da família

real.

Exibia-se, também, uma galeria de retratos do imperador, da família real, da

nobreza e de homens importantes do Império. Também tinha a ornamentação da

iniciativa particular, que expunha, nas casas de comércios, cafés e livrarias, retratos e

pinturas a óleo dos homenageados. As pinturas já podiam ser apreciadas pela população

semanas antes mesmo de os festejos começarem.

As festas públicas estendiam-se ao longo do dia, reunindo autoridades do

governo, senadores e deputados, o corpo diplomático e eclesiástico, a Assembléia

Provincial, a Câmara Municipal, sociedades diversas como o Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, Sociedade Amantes da Instrução, Sociedade Ipiranga, além de

pessoas oriundas das mais diversas camadas sociais. Os festejos ou comemorações

tinham início pela manhã com desfiles militares, sendo que as solenidades aconteciam

frequentemente no Campo de Santana, ou ainda no Largo do Paço. Nesses desfiles

sobressaíam-se os cidadãos milicianos da Guarda Nacional, que desfilavam em seus

trajes de gala.

Ainda pela manhã ou à tarde realizava-se o te-deum, que poderia ocorrer na

Capela Imperial ou na Igreja de São Francisco de Paula. No caso da primeira, a

cerimônia era restrita aos membros da família imperial e autoridades convidadas.

Precedia a missa e o cântico de ação de graças um sermão repleto de exortações

políticas.

Os festejos prosseguiam à noite com a luminária, um espetáculo à parte nas

lúgubres ruas da Corte. Às vésperas de cada evento, um edital da Câmara Municipal

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convidava toda a população a iluminar a frente das casas nas noites festivas, “em

demonstração de regozijo público”, e a ornar com cortinas as janelas das casas

localizadas nas ruas percorridas pelo cortejo imperial.263

Havia ainda a iluminação

especial feita para prédios públicos, como a Câmara do Senado e a Câmara Municipal

da Corte, Casa da Moeda, Arsenal de Guerra e fortalezas, tornando-se um grande

acontecimento social e atraindo um crescido número de espectadores.

Durante os festejos noturnos também aconteciam espetáculos pirotécnicos e

musicais, com a participação de bandas militares, agremiações e sociedades

filantrópicas. Espetáculos teatrais de gala também eram encenados nessas ocasiões. As

peças, sempre concorridas, não raro contavam com a presença do imperador e da

família real. Os enredos encenados nessa ocasião traziam uma acentuada pedagogia

política. Nesse sentido vale mencionar Mona Ozouf, para quem a festa cívica é um

momento ritualístico que permite um retrato dos discursos que pretendem dar forma e

unidade ao coletivo nacional, em que se percebiam as fragilidades e os conflitos

internos e inerentes a essa pretensa unidade. Já comemorar está acima disso e significa

ter a capacidade de anular ou no mínimo de suspender os conflitos. “Toda comemoração

vive da afirmação obsessiva do mesmo. Os programas das festas, os planos para os

cortejos, os projetos de monumentos e os discursos”.264

A festa de 10 de julho de 1870, cujo objetivo era o de comemorar o término da

Guerra do Paraguai, reuniu todas as características das festas cívicas ocorridas nas

monarquias européias, espelho para os festejos no Brasil imperial: salvas de artilharia ao

alvorecer, passagem do imperador com sua família e semanários pelas ruas enfeitadas

da capital; a cantada do te-deum e o beija-mão, no templo erguido para a solenidade e,

finalmente, as paradas da Guarda Nacional e do Exército, precedidas das bandas de

música e filarmônicas.

Embora essa festa extraordinária representasse uma celebração única e sem

repetição, não deixou de seguir os rituais e as liturgias presentes nas festas pertencentes

ao calendário nacional. Poucos foram os historiadores que dedicaram estudos às festas

cívicas do Império, tornando-se mais difícil, ainda, a investigação sobre os festejos que

263 BASILE, Marcello Otávio Neri de Campos. Festas cívicas na Corte Regencial. Vária Historia, Belo

Horizonte, v. 22, n. 36, p. 500, 2006. 264 OZOUF, Mona. L’École de la France: essais sur la révolution, l’utopie et l’enseignement. Paris:

Gallimard, 1984. p. 43.

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apresentavam um caráter transitório e efêmero como esses realizados em 10 de julho de

1870, que comemoravam o fim da guerra contra o Paraguai.

Como se pretende muito mais do que o estudo da simbologia presente em tais

festejos, é necessário compreendê-los na sua dimensão representativa do momento

vivido pelo Brasil depois de concluído o conflito. Isso, no entanto, não impede de

observar a importância do que retorna do passado através das comemorações. Na

observação de um estudioso do período, o “Rio de Janeiro contagiava-se de

imitação”.265

Acerca da referida comemoração, em especial, pelo encerramento e vitórias

alcançadas na Guerra contra o Paraguai, seguiu-se uma longa discussão sobre o seu

significado. Jornais liberais e independentes, políticos oposicionistas, e situacionistas,

como o deputado cearense José de Alencar, fizeram uso da tribuna pública, das Câmaras

de Deputados e do Senado, para manifestarem a inconveniência da festa nacional.

Alegavam alguns deputados e senadores que o acordo de paz com o Paraguai

ainda não havia sido assinado, não havendo, portanto, razão para a realização da festa.

Justificavam também que a festa oficial converter-se-ia apenas na “festa do Imperador”,

e se posicionavam contrários ao desperdício do dinheiro público quando se tratava da

construção de um templo de arquitetura efêmera, referindo-se à construção de prédios

transitórios no Campo de Santana.

Enquanto isso, o ministro da Guerra e seus aliados conservadores rebatiam as

críticas, afirmando que os festejos realizados eram somente em ação de graças pelo fim

da Guerra do Paraguai, camuflando a importância política que o governo projetava

sobre a realização dos festejos e o consequente aumento da popularidade vivenciada

pelo imperador D. Pedro II.

Por conseguinte, inicia-se aqui a contextualização dos preparativos da festa

nacional pelo encerramento da Guerra do Paraguai e exéquias pelos mortos no conflito,

com uma análise de documentos consultados, tais como: Anais da Câmara de

Deputados e do Senado, correspondências da Câmara Municipal de Vereadores do Rio

de Janeiro, jornais que circularam na Corte e nas províncias do Brasil, entre outros

documentos. Para essa análise, como proposto por Roger Chartier, as representações do

mundo social construídas estão sempre determinadas pelos interesses do grupo que as

265 PINHO, José Wanderley de Araújo. Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Martins, 1942, p.

99.

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forjam.266

Daí a razão de estabelecer, para cada caso, a relação dos discursos proferidos

com a posição de quem os utiliza.

Sobre o estudo do discurso comemorativo por meio da imprensa, Eric Walter

considera que a imprensa eleva a função da memória, dando sentido ao devir, como

fator de coesão e de organização do todo social. A rememoração histórica realizada pela

imprensa não oferece somente relatos do passado. Pelo que lembra e pelo que esquece,

oferece, também, uma compreensão do presente, uma ordem que se quer preservar no

futuro. A esta leitura dos eventos decorridos soma-se a construção positiva, no caso dos

republicanos, e negativa, no caso dos monarquistas, da festa como acontecimento.267

De fato, o que se lê na imprensa carioca sobre os festejos pelo encerramento da

guerra não demonstra a intenção de rememorar o passado, pois que apresenta somente

fatos e personagens que se destacaram durante a campanha. Todavia, o contexto no qual

a imprensa estava inserida permite chegar à compreensão do momento vivido pela

monarquia e sua ação na política. A festa – criticada ou defendida – não se estendeu

além de uma comemoração passageira, de modo que tanto a imprensa quanto o governo

monárquico não pretenderam tê-la como elemento pedagógico para as gerações futuras.

Assim, as descrições minuciosas da preparação da festa de 10 de julho feitas

pela imprensa permitem aos historiadores levar adiante uma discussão das questões

políticas daquela época, compreendendo os posicionamentos de liberais, conservadores

e representantes do governo, que reproduziam seus discursos nos jornais, assim como a

participação de parte da população nos acontecimentos cotidianos ou, ainda, o poder

simbólico que possuía a monarquia de D. Pedro II.

A INVENÇÃO DO DIA 10 DE JULHO

A notícia da morte de Solano López, trazida pelo vapor inglês Tycho Brahe, ao

Rio de Janeiro, evidenciava a tão esperada notícia do fim da guerra. A Cavalaria, sob o

comando do general Câmara, na margem esquerda do rio Aquidaban, em 1º de março,

266 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 17.

267 WALTER, Eric. La presse picarde, mémoire de la République. Amiens, Centre de Recherche

Sociologique d'Amiens. 1983 (apud. SIQUEIRA, Carla. A Imprensa comemora a República: memórias

em lutas no 15 de novembro de 1890. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p. 162, 1994).

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alcançou a tropa que acompanhava o presidente Solano López e enfrentando-a em luta

direta, acabou por matar o ditador paraguaio e seu filho. Estampou-se, nos principais

jornais da Corte, em 18 de março de 1870, a notícia de encerramento da guerra contra o

Paraguai, pois a morte do ditador completava o propósito do Tratado da Tríplice

Aliança. Afinal, se havia fixado como limite da guerra a supressão de López do

governo.268

Ignorando-se pequenos detalhes, o acontecimento foi anunciado, primeiro, em

Montevidéu, em 5 de março de 1870. Por motivos da interrupção do serviço telegráfico,

entre Paranaguá e Iguape, a notícia não chegou antes do dia 18 à Corte. Logo que se

espalhou a notícia da morte de López, foi espetacular o número de foguetes que subiram

aos céus em diversos pontos da cidade, ouvidos principalmente nos arsenais de Guerra e

da Marinha e que se misturavam ao som dos sinos das igrejas do centro da cidade. A

população, ainda cedo, começou a enfeitar e iluminar as fachadas de suas casas em

regozijo pelo fim da longa campanha e preparavam-se para ganhar as ruas em

verdadeira comemoração espontânea.

Durante quatro dias o povo da capital entregou-se à expansão de seu júbilo

pelo triunfo do Brasil. Toda a imprensa fluminense registrou as grandes manifestações

ocorridas e em suas redações recebiam felicitações de toda gente pelo fim da guerra.

Até alta noite, as bandas de música percorreram as ruas, seguidas de avultada e

entusiástica multidão, em sinal de seu contentamento. Foi decretado feriado nas

repartições públicas e, durante três noites, reproduziram-se os festejos da véspera,

repetindo-se a iluminação e a decoração das casas.

As ruas estavam constantemente cheias de famílias e de grupos afeiçoados à

festa, carregando os mais empolgados as bandeiras das nações aliadas, enquanto outros

levantavam aclamações aos heróis voluntários da pátria e proferiam discursos por onde

passavam, ao som do hino nacional, repiques de sinos e estrondos de foguetes.269

Na Praça do Comércio a notícia foi recebida com admiração. Nos cafés

espalhados pelo centro da cidade, homens de letras liam em voz alta os boletins e os

extratos das folhas recém-chegadas do Rio da Prata, interrompidos a cada momento por

aclamações frenéticas dos seus ouvintes.

Os empregados públicos da tesouraria, da alfândega, da casa da moeda,

professores públicos dos liceus, escolas e faculdades associavam-se a funcionários da

268 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 18 mar. 1870, p. 1.

269 BN/RJ. Jornal Correio Paulistano, São Paulo, 19 mar. 1870, p.1.

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Associação Comercial, da Câmara de Vereadores, e outros órgãos da administração e,

durante todo o dia, festejaram pelas praças da cidade. Na Rua do Ouvidor, defronte das

tipografias dos jornais do Comércio, da Reforma e do Diário do Rio de Janeiro,

levantaram vivas aos heróis brasileiros e à imprensa, sob a chuva de aplausos, tudo

acompanhado pelo hino nacional, tocado por bandas de música posicionadas em frente

das redações dos referidos jornais.270

À noite, estudantes da Faculdade de Medicina e da Escola Central engrossaram

as passeatas. Das janelas de um velho sobrado, os estudantes de medicina José Cândido

da Costa Senna e Lopes Trovão recitavam poesias e proferiam discursos acalorados. Os

estudantes, com o ardor próprio da idade, das fortes crenças e esperanças, solenizavam

com júbilo a vitória do Brasil.

O imperador D. Pedro II percorreu a pé algumas das ruas da capital, de braços

com a imperatriz e ao lado da princesa Isabel, recolhendo as ovações que apareciam no

primeiro momento de entusiasmo com a importante notícia. Muitos “vivas” foram

levantados pelo povo à nação brasileira, ao Imperador, ao Conde D´Eu, ao Exército e à

Armada Imperial, ao General Câmara e, principalmente, ao General Osório.

O Jornal do Comércio afirmou que talvez país algum do mundo tivesse dado

um exemplo tão brilhante do seu patriotismo, do seu entusiasmo pelas glórias nacionais,

como acabava de dar o povo da capital do Império.271

Toda a cidade conservou-se

iluminada até a madrugada, suas ruas apinhadas de povo, cavalheiros e senhoras, além

de muitas sociedades particulares percorreram-nas com música e fogos de artifício.

Foram tempos difíceis aqueles enfrentados pelo Imperador malquisto por

muitos de seus súditos, pois eram evidentes os descasos do governo com os soldados

que regressavam em batalhões fragmentados, sem soldos e etapas, ou o prêmio de

300:000$, determinado pelo Decreto de 7 de janeiro de 1865, que criava os batalhões de

Voluntários da Pátria.

Nos Ministérios da Guerra e da Justiça, volumes de documentos formalizavam

os pedidos de viúvas, de órfãos e de mutilados de guerra para o pagamento de pensões

devidas. A situação política era agravada pelo destempero político, que o monarca

enfrentava com o Gabinete de 16 de Julho e a oposição do Partido Liberal, como

também com as entidades abolicionistas, que criticavam a manutenção da escravidão no

Brasil.

270 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 mar. 1870.

271 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 20 mar. 1870.

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No ofício encaminhado à presidência da província da Bahia, pela Câmara de

Vereadores da cidade de Alcobaça, para que este fizesse chegar às mãos do augusto

Imperador, felicitando o monarca pela vitória alcançada no Paraguai, destaca-se uma

outra informação importante. Pediam os senhores vereadores que D. Pedro marcasse a

data nacional para a realização dos festejos em regozijo pelo fim da guerra e em

agradecimento aos voluntários da pátria que defenderam brilhantemente a nação

agredida.272

Muito provavelmente essa ideia fora compartilhada por outras Câmaras

Municipais espalhadas pelo Império, a despeito de, na documentação examinada, ter-se

encontrado apenas esse ofício oriundo do interior da Bahia, que trata explicitamente em

comemoração oficial. Entretanto, o fato isolado não deve ser considerado como

incentivador à realização da festa pelo imperador e, se este o inspirou, não seguiu

literalmente o desejo dos vereadores da cidade de Alcobaça, em ver os voluntários da

pátria homenageados na grande festa.

O Imperador concebeu para o mais rápido possível o plano de fazer larga

colheita das palmas da tenacidade. Nesse contexto nasceu a ideia da realização de uma

festa oficial para conter os gritadores oposicionistas, bem como para dar sua

demonstração de estima e prestígio. Assim, impôs ao gabinete de Itaboraí o seu desejo

de realizar no Campo de Santana uma festa oficial pelo encerramento da guerra contra o

Paraguai.

As festas deveriam maravilhar e arrebatar os sentidos dos espectadores,

desvendando o poder régio em promover um grande espetáculo. Ao povo cabia curvar-

se diante de uma demonstração de riqueza e poder de tal monta, a ponto de a monarquia

ser tomada como capaz de transformar a paisagem cotidiana e edificar um ambiente

feérico. Para isso contribuíam a iluminação, os fogos de artifícios, as arquiteturas

efêmeras, a música e a decoração das ruas, onde a magnitude do rei era evidenciada

nesse momento festivo.273

Divergências ideológicas mesclaram-se na linguagem discursiva sobre o

sentido das comemorações programadas, para o dia 10 de julho de 1870. Para os liberais

mais exaltados, o evento sintetizava o propósito de promover a popularidade do Conde

272 APEB. Avisos Recebidos do Ministério do Império, 1870. Seção Colonial e Provincial,

273 SATIAGO, Camila Santos Guimarães. Os gastos do senado da câmara de Vila Rica com festas:

destaque para Corpus Christi (1720-1750). JANCSÓ, István; KANTOR, Íris (Orgs.). Festa: cultura e

sociabilidade na América Portuguesa. v. II, São Paulo: Hucitec/ Editora da Universidade de São

Paulo/ Fapesp/ Imprensa Oficial, 2001, p. 488.

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D´Eu, esposo da princesa Isabel, sucessora ao trono. Inquietante é perceber, nas falas

sinuosas, que essa intenção era secretamente compartilhada pelo próprio monarca, em

lugar de exaltar a figura do Duque de Caxias, comandante das forças militares e

principal herói para os Conservadores, que estavam no poder. Mas deve-se lembrar que

o Conde D´Eu sucedeu ao Duque de Caxias na chefia das forças militares no Paraguai

no último ano da guerra. Por isso, para o Partido Conservador, e membros do governo

imperial, o evento não passava de um ato solene, em ação de graças rendidas ao todo

poderoso pelo fim da guerra e exéquias em sufrágio dos mortos na campanha.

Encontrar um lugar na história para as controvérsias em torno dessa

comemoração tão polêmica, iniciada desde a apresentação da proposta no parlamento

até a sua concretização, significa, sobretudo, um mergulho profundo nos enredos e

tramas políticas, nos momentos decisivos para a sobrevivência do Império, a que

historiadores da Guerra do Paraguai pouca atenção dispensaram.

O ano de 1870 marca para a historiografia brasileira o início de importantes

questões que contribuiriam para o declínio da monarquia, ocorrida quase vinte anos

depois. A crise escravista, com a multiplicação de sua propaganda abolicionista, a

questão militar, com o surgimento de uma instituição organizada e fortalecida depois da

guerra, a querela entre a Igreja Católica e o Estado e a formação dos partidos

republicanos foram tradicionalmente apontadas como elementos que, conjugados,

colaboraram para a queda da monarquia e o advento da República.

O ministro da Guerra, cumprindo a ordem de D. Pedro II, apresentou, em 12 de

maio de 1870, à Câmara dos Deputados a proposta de abertura de crédito extraordinário

de duzentos contos, e o seu respectivo orçamento, para a celebração de um te-deum em

ação de graças pelo término da guerra e exéquias solenes em sufrágio daqueles que

faleceram em defesa da pátria.

Defensores da festa nacional, na falta de argumentos mais convincentes, o

Ministro Itaboraí e o Barão de Muritiba investiram no prestígio do Imperador para

aprovação no parlamento do crédito necessário para a realização dos festejos, mas que,

por falta de quórum, teve sua apreciação adiada.

Quadro 1.

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Despesas para a comemoração dos festejos pelo encerramento da Guerra do Paraguai,

1870

Descrição das despesas Valor (em contos de réis)

Construção de um templo e colocação

de tubos e lustres para iluminação a gás

100:000$000

Com a decoração, músicos, cantores,

padres que têm de oficiar o te-deum

24:000$000

Idem nas exéquias 16:000$000

Com estátua monumental de D. Pedro

II e arranjos do quadro

36:000$000

Com a iluminação a gás, pintura e

decoração

8:000$000

Eventuais 16:000$000

Total 200:000$000

Fonte: Quadro apresentado pelo Ministro da Guerra, Barão de Muritiba, na sessão da Câmara de 14 de

maio de 1870. Anais da Câmara dos Deputados, p. 19.

Na segunda discussão do projeto, destacou-se a posição do deputado

conservador José de Alencar, que considerou a proposta inoportuna e incompatível com

as circunstâncias vividas pelo país, pois no seu entendimento os sacrifícios com a guerra

tinham sido enormes, assim como imensos os encargos que pesavam sobre o Império.

Em seu discurso ainda apontava para a existência de famílias desvalidas com a perda de

seus chefes e de órfãos desprotegidos pela falta de seus protetores.274

Contrário ao

desperdício do erário público para a realização dos festejos nacionais, o parlamentar

cearense questionava:

Já atendeu o governo a todos os encargos provenientes da guerra?

Já desempenhou seus compromissos com os voluntários da pátria?

Já enxugou todas as lágrimas das viúvas desvalidas?

274 FCRB - Discurso do deputado José de Alencar na sessão da Câmara de 19 de maio de 1870. Anais da

Câmara do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p. 44.

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Já honrou principalmente a educação dos órfãos dos voluntários

falecidos em campanhas, dessas crianças que hoje são filhos adotivos

da Pátria?275

Aqui, na voz aborrecida de um homem que serviu ao Partido Conservador e

que sempre esteve ao lado do monarca, ouviam-se perguntas que parecem

redimensionar a situação daqueles que estiveram ligados diretamente ou não aos efeitos

da guerra contra o Paraguai.

Era a evidência de que muitos dos problemas que não encontraram solução no

curso da guerra, depois de concluída, assombravam a sociedade e permaneciam

insolúveis, devido à burocracia criada pelo Estado, enfrentando, os suplicantes, o

desprezo do Ministério da Guerra, a lentidão dos pareceres dos parlamentares e a

indiferença do monarca aos seus apelos. “Depois de uma manifestação tão esplendida

quanto espontânea, de uma expansão tão nobre do sentimento nacional, o que pretende

o governo com os festejos que prepara?”276

Como provocação ao ministro da Guerra, seu colega de partido encerrava:

“Tem em vista opor uma festa oficial à festa popular?” Referia-se aos festejos que

tiveram lugar em princípio do mês de maio e fins do mês de abril de 1870, com a

chegada dos voluntários e os festejos particulares avaliados em oitocentos contos de réis

e bem comemorados pela população. Suscitou sua pergunta indignação na bancada do

Partido Liberal e trouxe a público o repúdio da imprensa oposicionista e a disposição de

D. Pedro II em promover uma festa nacional, antes mesmo de firmado o tratado

definitivo de paz com o Paraguai e depois que a maioria das tropas de voluntários da

pátria já havia desembarcado na Corte, e haviam sido popularmente festejados. Além

disso, as províncias não partilhariam da festa, pois não teriam o tempo necessário para

enviar suas deputações com o fim de tomarem parte no júbilo nacional.

A discussão do projeto na Câmara dos Deputados, iniciada pelo senador

cearense José de Alencar, amigo do ministro da Guerra, não conquistou a adesão a sua

contestação. No dia 20 de maio, por 58 votos favoráveis e apenas 8 contrários, o projeto

para a realização da festa foi aprovado.277

275 Idem, ibidem.

276 FCRB. Discurso do deputado José de Alencar na sessão de 19 de maio de 1870. Anais da Câmara do

Império. Rio de Janeiro.:Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p. 46. 277

FCRB. Anais da Câmara do Império, Sessão de 20 de maio de 1870. Rio de Janeiro: Tipografia

Imperial e Constitucional, 1870, p. 46.

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Embora a pretensão do governo obtivesse a aprovação do projeto com relativa

facilidade na Câmara dos Deputados, a sua aprovação no Senado foi antecedida de

discussões prolongadas, arrastando-se por quatro sessões, tendo seu desfecho apenas

ocorrido no dia 30 de junho de 1870.

As discussões tiveram início no dia 9 de junho, mas somente tomaram

proporções na sessão de 15 daquele mês, quando o senador Dantas, da província de

Alagoas, declarou-se contrário às despesas com a festa, insinuando que “a idéia do

barracão tinha partido do alto”.278

A Lei de 5 de setembro de 1850, artigo 4º, § 4º,

determinava que o governo não poderia abrir créditos extraordinários nem autorizar

despesas que não estivessem previamente notadas e aprovadas em lei, exceto em casos

de epidemias, calamidades públicas, sedição e rebelião. Ironicamente concluía: “o que

nos falta é independência da parte dos nossos ministros, e um caráter rijo e forte para

defender os dinheiros da nação, se os da oposição estivessem governando era a mesma

coisa o barracão havia-se de fazer”.279

Para o senador Zacarias, favorável à festa, por considerá-la um gesto nobre,

outra lei imperial também tinha sido ferida. Referia-se ao artigo 14 da Lei de 9 de

setembro de 1862, que dizia que o ministro da Fazenda não poderia endossar o

pagamento, sob sua responsabilidade, de serviço algum, nem que na lei estivessem

consignados os fundos correspondentes à despesa.280

Na sessão de 27 de junho de 1870, o ministro da Guerra, Barão de Muritiba, se

defendeu dizendo que não poderia ter violado a lei, porque a ideia da construção do

templo ocorrera antes da abertura dos trabalhos do corpo Legislativo. Para cobrir as

despesas do templo de madeira no Campo de Santana, o Barão de Muritiba assegurava

somente ter utilizado recursos provenientes de verbas eventuais do seu próprio

Ministério. Afiançou ter solicitado crédito de 200:000$000 ao Parlamento, pois

desejava que o corpo Legislativo concorresse para a manifestação que o governo tinha

julgado ser de sua obrigação, além de que não tinha gasto nem um real daquela quantia

antes da aprovação do orçamento. O senador Nabuco contrariado disse: “abram-se estas

278 FCRB. Discurso do senador Dantas na sessão do Senado de 20 de junho de 1870. Anais do Senado do

Império. Rio de Janeiro, 1870, p. 208. 279

Idem, ibidem. 280

FCRB. Discurso do Senador Zacarias na sessão de 20 de junho de 1870. Anais do Senado do Império.

Rio de Janeiro, p. 216.

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janelas, e aí aparecerá o barracão assoberbando o edifício do Senado”.281

Ironizou o

senador Zacarias: “Meio escondido pelas arquibancadas”.282

A situação do Senado era delicada: deliberar sobre o recurso extraordinário

para a obra que estava praticamente concluída. “[...] E a prova é esse barracão: nós o

vemos quase consumado, mas ali no senado ainda se está discutindo a lei que o

autoriza!”283

O senador Nabuco, preocupado com a imagem do Senado, e com a imposição

dos festejos pelo monarca, refutou: “Ele governa com o parlamento, mas não governa o

parlamento”.284

E sustentou a ilegalidade da concessão de créditos para o ministro da

Guerra, que usou recursos próprios do seu Ministério e que, sendo assim, não justificava

a busca de créditos no Legislativo. Por outro motivo também não teve apoio à

proposição dos festejos nacionais. No Senado, parte da bancada baiana, em sua maioria

formada por conservadores, alegou que a época das comemorações já havia passado.

O senador Nabuco, que também era baiano, fez um eloquente discurso sobre a

repercussão dos festejos que já estavam acorrendo desde o mês de março pela recepção

dos voluntários. Sobre a disposição do governo em organizar as comemorações oficiais,

o senador questionou:

É preciso a intervenção do governo, para que se digam que foram

completas as festas? É preciso a intervenção do governo para que as

preces dirigidas ao Altíssimo sejam acolhidas! É preciso a intervenção

do governo para que os requiescat in pace rezados pelos nossos heróis

lhes dêem o descanso eterno! 285

Assim o senador Nabuco reduziu o significado da festa a uma mera diversão:

“Quer o governo entreter o espírito público com a glória que alcançamos no Paraguai,

para arredar as reformas que ardentemente a população pede?” [Referindo-se à questão

servil]. Continuou dizendo que: “Duzentos contos de réis queimados clamam as viúvas

281 FCRB. Discurso do senador Nabuco na sessão do Senado de 27 de junho de 1870. Anais do Senado

Imperial. Rio de Janeiro, 1870, p. 250. 282

FCRB. Fala do senador Zacarias na sessão do Senado de 27 de junho de 1870. Anais do Senado

Imperial. Rio de Janeiro, 1870, p. 250. 283

FCRB. Discurso do senador Nabuco na sessão do Senado de 27 de junho de 1870. Anais do Senado

Imperial. Rio de Janeiro, 1870, p. 250. 284

Idem, ibidem. 285

Idem, ibidem.

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e os órfãos dos nossos bravos: e nós morremos de fome. Duzentos contos queimados;

gritam as províncias; e tantas necessidades por cá!”.286

E concluía: “Duzentos contos

seriam uma quantia muito importante para perfazer a quantia necessária para comprar

terras, a fim de cumprirem o compromisso que temos com os voluntários; porque foi

este um compromisso para o fim da guerra”.287

Com a mesma convicção também havia se revelado, na Câmara dos

Deputados, o parlamentar cearense José de Alencar:

Compreendo que se dêem circense, mas depois de ter se dado o pão

como lhes davam os ditadores romanos às custas dos despojos dos

inimigos, mas tirar do povo a camisa do corpo para transformar em

papelão, converter as lágrimas das viúvas desvalidas e dos órfãos em

fumo de luminária foguetes, não senhores, não será com o meu

voto.288

A imprensa exibia nessa época uma série de artigos criticando o governo pela

demora em atender às reivindicações dos militares, em pagar as pensões às viúvas e dar

atenção aos órfãos. Havia também uma polêmica em relação à dissolução dos batalhões

de voluntários e ao rebaixamento de posições militares.

A imprensa censurava também o desperdício de 200:000$000, que no entender

dos redatores do jornal A Reforma deveria sair do bolso do contribuinte, reproduzindo,

em grande parte, trechos dos discursos apresentados na Câmara de Deputados e Senado.

Jamais coisa mais impopular se fez no Rio de Janeiro. Por toda a parte só se ouviam

censuras à festa no templo de sarrafos “sarapintado”. Todos a desaprovavam: a própria

Câmara dos designados deu dinheiro, porque o governo fazia disso questão, e ela

entendia que não devia pôr em terra o gabinete e talvez o Partido Conservador por causa

de tal quantia.

Por sua vez, o periódico carioca A Vida Fluminense saiu em defesa da festa

oficial. Em relação aos festejos populares, o jornal afirmava:

286 FCRB. Discurso do senador Nabuco na sessão do Senado de 27 de junho de 1870. Anais do Senado

Imperial. Rio de Janeiro, 1870, p. 252. 287

Idem, ibidem. 288

FCRB. Discurso do deputado José de Alencar na sessão da Câmara de 19 de maio de 1870. Anais da

Câmara do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p. 46.

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138

O povo, é verdade, já pôs seu coração na mão direita e sua carteira na

mão esquerda, para dar uma prova significativa de seu contentamento

pela feliz terminação da guerra. Mas o governo? O governo

porventura deverá ficar mudo, quedo, quando até a Europa festejou o

remate de tremenda luta? 289

Sobre as comemorações do povo que ocorreram na recepção da volta dos

voluntários da pátria, a Vida Fluminense comentou:

Penso que não bastam as tais festinhas populares, os tais foguetes e

lamparinas que cada um de nós ascender diante de sua casa durante

cinco noites. Sem os foguetes e as lamparinas do governo a coisa não

acabaria em termos.290

A crônica encerra fazendo uma crítica desdenhosa ao jornal da Corte: “Deixem

lá falar a Reforma: o governo deveria fazer o que está fazendo, sem mais nem

menos”.291

Consumada a proposta do governo para a realização da festa oficial, ainda

permaneceu o impasse por causa da escolha da data, discutida e adiada tanto na Câmara

como no Senado, e até pelo próprio governo, uma vez que sua definição implicava a

aprovação do orçamento para os gastos com os festejos.

A Vida Fluminense continuou a campanha em suas colunas pela concretização

dos festejos afirmando aos seus leitores que a “[...] festa oficiosa do povo nada seria

sem a festa oficial do governo; sem esta não passaria aquela de um jantar em que se não

comesse sobremesa”. 292

Há controvérsias sobre a escolha da data anunciada pela

imprensa e os encaminhamentos feitos pelo Barão de Muritiba para a realização das

comemorações dos festejos nacionais, antes mesmo da liberação de recursos

orçamentários que teriam de ser aprovados pelas instâncias representativas da nação.

289 BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 21 maio, 1970, p. 158.

290 Idem, ibidem.

291 Idem, ibidem.

292 Idem, ibidem.

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Segundo pronunciamento do ministro da Guerra, a “[...] festa há de se fazer no

dia de aniversário da grande batalha de 24 de maio”.293

Referia-se à batalha ocorrida

em 24 de maio de 1866, nos pântanos circundantes do lago Tuiuti, em território do

Paraguai, considerada pelos historiadores militares como uma das mais importantes

batalhas da Guerra da Tríplice Aliança.

O jornal Vida Fluminense também noticiou sobre a provável escolha da data:

Consta-me que o governo designou os dias 24, 25, e 28 do próximo mês

de maio para os festejos oficiais para a terminação da guerra. Além de

um solene Te-déum em ação de graças, executado em pleno Campo da

Aclamação. Há de ser uma festa de estrondo.294

As festas não aconteceram da forma prevista e nem mesmo na suposta data

marcada pelo ministro da Guerra. Somente na sessão de 20 de junho, o Senado reuniu-

se para deliberar sobre a concessão de créditos extraordinários para o evento.

Na plenária, o senador Silveira Motta questionou o fato de tal comemoração

estar sendo adiada indefinidamente. Na opinião do parlamentar baiano, a causa para

essa desistência tinha uma explicação:

Se o nobre ministro deixou de fazer o festejo no dia 24 de maio por

julgar que não foi essa batalha o sucesso mais brilhante da guerra do

Paraguai, então sua excelência além do atentado feito à lei pela

despesa ilegal, cometeu outro atentado, um atentado contra a

história.295

Afirmou também que o governo pretendia antepor a batalha de 24 de maio ao

combate do Avaí, de 11 de dezembro de 1868. Citando o Diário, a folha ministerial,

Silveira Motta comparou as duas batalhas, destacando a supremacia da batalha de Tuiuti

em relação ao combate do Avaí. Uma possível opção pela data de 24 de maio pode ser

293 FCRB. Discurso do Barão de Muritiba, ministro da Guerra na sessão do Senado de 20 de junho de

1870, Anais do Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 212. 294

BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, ano 3, 30 de abr. 1870, p. 136. 295

FCRB. Discurso do senador Silveira Motta na sessão do Senado de 20 de jun. de 1870. Anais do

Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 211.

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confirmada em ofício expedido pelo ministro da Guerra à Câmara de Vereadores do Rio

de Janeiro, com data de 9 de maio, onde nele informava o dia da realização dos festejos.

Em outro ofício, o engenheiro da Câmara relatava sobre as providências que

precisavam ser tomadas: limpar e assear o Campo da Aclamação:

Onde se há de celebrar no dia 24 do corrente um solene Te-déum, em

ação de graça pela paz e terminação da guerra do Paraguai, no Templo

que se está construindo e o Presidente da Câmara determina que V. S.

com urgência dê todas as providências a fim de que no mencionado

dia o Campo esteja no melhor estado de limpeza e asseio. Igualmente

previne a V. S. que pela casa de correção desta cidade, estão à

disposição da Câmara 20 gâles para serem empregados nesse serviço,

de conformidade com o ofício do Diretor que por copia se remete a V.

S.296

O ministro da Guerra expôs aos deputados, em sessão de 19 de maio de 1870,

os motivos que o levavam a adiar os festejos no Campo da Aclamação. Argumentou que

o governo esperaria pela abertura das Câmaras de Deputados e Senado, representantes

da nação, para que eles pudessem tomar parte nela.

Guardou-a para o tempo para que todos pudessem estar presentes a

essa manifestação,guardou-a ainda para quando lhe parecia que

pudesse ter lugar à assinatura, quando não do tratado definitivo de

paz, ao menos as preliminares desse tratado.297

No Senado, o ministro foi questionado pelo senador Silveira Motta, que estava

indignado com a demora da assinatura do tratado de paz, tendo já passado um mês

desde o seu pronunciamento na Câmara. Embora o adiamento da comemoração fosse

justificado, mediante as explicações do Barão de Muritiba, a data oficial ainda era

desconhecida pelo Senado, no dia 20 de junho, quando o projeto continuava tramitando

por aquela casa. “Terá o povo que festejar essa Paz, ou terá de se revoltar contra o

296 ACRJ. Ofício expedido pelo Dr. José Antonio da Fonseca Lessa Engenheiro da Câmara. Rio de

Janeiro, 12 de maio de 1870, códice 44-1-47. 297

FCRB. Pronunciamento do Barão de Muritiba, ministro da Guerra na sessão da Câmara de 19 de maio

de 1870. Anais da Câmara do Império, Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p.

48.

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governo se for desonrosa?”298

Tendo passado quatro meses do término da guerra,

Silveira Motta questionava a razão de tantos mistérios no que diz respeito à conclusão

definitiva desse tratado.

Embora se tenha notícia na imprensa sobre o pleno andamento das obras no

mês de maio, tanto das arquibancadas quanto do próprio templo para a realização do te-

deum, a data oficial da festa continuava uma incógnita até para a própria imprensa. O

cronista da Vida Fluminense, no dia 18 de junho, resolveu fazer um apelo aos

organizadores dos festejos, ou a quem pudesse informar a data dos festejos oficiais:

Sabem dizer-me quando se farão os célebres festejos nacionais pela

terminação da guerra? Diariamente perguntam-me diversas pessoas, e

eu, sempre com desgosto sou obrigado a confessar a minha

ignorância a tal respeito, o que é, sobretudo, vergonhoso para um

cronista que deve andar muito correto com todas as coisas do mundo

sublimar.299

Finalmente José de Alencar retoma o sentido da comemoração em sua fala, ao

rememorar os festejos realizados para a recepção das tropas na Corte. Ele questiona:

Tem em vista opor uma festa oficial à festa popular? Não

compreendo. Em um país de sistema representativo como esse que

vivemos, o governo não separa-se e nem se isola da nação, sobretudo

nessas ocasiões solenes, em que celebra suas glórias e seus grandes

feitos.300

A essa questão, a imprensa lançou vorazmente uma série de interpretações que

remetem a uma leitura particular do festejo, uma forma de promover a popularidade do

Imperador diante dos súditos.

No Senado, o Barão de Muritiba resumiu os motivos que pesaram sobre o

ânimo do governo para promover o ato de ação de graça à divina providência pelo fim

298 FCRB. Discurso do senador Silveira Motta na sessão do Senado de 20 de junho de 1870. Anais do

Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 211. 299

BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 18 maio de 1870, p. 191. 300

FCRB. Discurso do deputado José de Alencar na sessão da Câmara de 19 de maio de 1870. Anais da

Câmara do Império. Rio de Janeiro:Tipografia Imperial e Constitucional. 1870, p. 44.

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da guerra: “Consistem eles principalmente em que é um dever do povo cristão e católico

agradecer à Providência, de maneira mais pública e solene, o beneficio que dela

recebe”.301

O Senado acolheu a proposta do ministro da Guerra. Todavia ficou dividida

aquela casa entre aqueles que concordavam com a proposta da festa oficial e aqueles

que eram contrários ao projeto, tendo manifestado seu descontentamento com a política

imperial quanto ao tratamento dispensado à categoria militar, às viúvas e aos órfãos.

Como em outros rituais públicos oficiais do Império, na festa de 10 de julho de

1870, realizada para celebrar a terminação da guerra do Paraguai e exéquias pelos

soldados mortos em combates, percebe-se a estreita relação entre Igreja e Estado,

política e religião, que, à maneira do Antigo Regime europeu, conferia caráter sagrado

às festas cívicas, contribuindo para legitimá-las. As celebrações cívicas eram, assim,

forçadas a compartilhar com Deus a responsabilidade e a glória pelos sucessos

políticos.302

Acrescente-se ainda que as recepções que ocorreram no país durante o mês de

março eram homenagens prestadas aos generais que concorreram com tanta glória para

a terminação da guerra. “Não pareceu então que com essas manifestações se deveria

confundir o ato, que estava muito superior a todas elas. Esse ato de graças solenes de

toda a nação ao Ente-supremo que nos tinha concedido a paz”.303

No dia 3 de julho de 1870, por portaria da Secretaria de Estado dos Negócios

da Guerra, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro fora informada oficialmente que no

dia 10 de julho ocorreria o solene te-deum em ação de graça pela paz e encerramento da

guerra no templo construído no Campo da Aclamação.304

Outro expediente também endereçado à Câmara de Vereadores do Rio de

Janeiro confirmava o interesse do comerciante Manoel Antônio Alves de Aguiar em

estabelecer no Campo da Aclamação, junto ao Teatro Lírico, durante os dias destinados

301 FCRB. Pronunciamento do Barão de Muritiba, ministro da Guerra, na sessão da Câmara, de 19 de

maio de 1870. Anais da Câmara do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional,

1870, p. 47. 302

BASILE, Marcello Otávio Néri, op.cit., 2006, p. 499. 303

FCRB. Pronunciamento do Barão de Muritiba, ministro da Guerra, na sessão da Câmara de 19 de maio

de 1870. Anais da Câmara do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p.

48. 304

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Aviso do ministro da Guerra, Barão de Muritiba em

ofício à Câmara, 3 de maio de 1870. Códice 44-1-47.

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aos festejos, uma pequena barraca para a venda de refrescos, doces, licores e mais

líquidos.305

Não pouparam adjetivos pejorativos à construção de uma estrutura de madeira

para celebração do te-deum com capacidade aproximada para cinco mil pessoas. O

“barracão de Sarrafos”, como era chamado pelos críticos, popularizou-se na imprensa e

no parlamento, surgindo assim, com essa triste fama, o espaço comemorativo para

celebração pela terminação da guerra.

O senador Silveira Motta considerou um “escárnio” ao corpo legislativo a

atitude do governo “de fazer esta igrejinha ou este barracão na frente do senado”.306

Argumentava sobre a inconveniência da construção de um templo de madeira

improvisado para os festejos, quando existiam igrejas magníficas na Corte.

Qual era a real necessidade de fazer um templo de sarrafos, tendo nós

igrejas magníficas, imponentes pela majestade mesmo de sua

construção. Onde o homem quando entra, sempre recebe mais uma

unção, mais algum espírito religioso, do que quando está nas barracas

de Sant”Anna? 307

O senador da bancada baiana sustentou a imprudência da construção do templo

de sarrafos. Indicou que o te-deum fosse realizado em um amplo e luxuoso edifício que

estava desocupado na Corte: “O governo podia realizar suas festas na Casa da Moeda

com menos da metade da despesa que faz com o barracão de sarrafos e panos pintados

que há de durar dois ou três dias”.308

Também sugeriu que o governo promovesse uma

festa popular aproveitando as barracas militares que poderiam ser armadas e

ornamentadas no Campo de Santana: “não ficaria esta festa com o caráter mais popular

do que este barracão que está destinado para homens de casaca bordada ou calça azul?”

Assim, o senador José de Alencar denunciava o caráter elitista da festa, confirmando a

repercussão desse discurso nos periódicos que circularam na Corte.

305 ACRJ. Ofício expedido pelo comerciante Manoel Antonio Alves de Aguiar, Rio de Janeiro, 5 de maio

de 1870, códice 44-1-47. 306

FCRB. Discurso do senador Silveira Motta na sessão do Senado de 20 de junho de 1870. Anais do

Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 209. 307

Idem, ibidem. 307

Idem, ibidem. 308

FCRB. Discurso do senador Silveira Motta na sessão do Senado de 20 de junho de 1870. Anais do

Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 209.

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Enfocar a discussão da festa de 10 de julho na perspectiva da liberação do

orçamento de duzentos contos de réis, pleiteado pelo Ministério da Guerra no Senado e

na Câmara de Deputados, remete a uma consideração acerca da aprovação dessas

despesas bem como às diversas formas de sua aplicação. Contudo, isso também faz

pensar no sentido dos gastos exacerbados com festas, tão referidos na historiografia

sobre o tema, segundo Camila Guimarães Santiago, uma prática comum desde o século

XVIII na Europa. Atente-se para o fato de que esse procedimento compõe um mosaico

de atitudes culturais colaboradoras com o poder absoluto do Antigo Regime.309

309 SATIAGO, Camila Santos Guimarães, op, cit, p. 488.

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Festejos pelo fim da Guerra do Paraguai em 10 de julho de 1870. Templo da Vitória do Rio de Janeiro.

Acervo: Marc Ferrez (coleção Thereza Cristina Maria – BN/RJ)

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Capítulo V

A Festa do Barracão: Controvérsias no Cenário dos Festejos Oficiais

A festa oficial ocorreria logo que fosse assinado o acordo de paz e definida a

data apropriada para a realização da celebração pelo término da guerra. Para tanto

meteram-se mãos à obra para a continuidade dos trabalhos do projeto do barracão. Meia

dúzia de “carcamanos” foi encarregada de executá-la. O engenheiro, o pintor, o

iluminador, o regente da orquestra eram italianos, com exceção de dois ou três que eram

genros do ministro do Império, o Sr. Itaboraí, que tiveram a concessão de levantar

próximo ao templo arquibancadas na esperança de lucros com a venda de bilhetes, onde

só deviam entrar os seletos convidados do governo e o público em grande gala.310

Sobre a participação dos italianos na festa, a Vida Fluminense ironizou,

dizendo ser esta uma festa nacional, razão porque deveriam ser os trabalhadores

nacionais os responsáveis pela execução das obras: “Concordo, porém está provado, até

a evidência, que os nacionais não servem nem para a engenharia, nem para a

arquitetura, nem para a pintura: servem quando muito para pagar os impostos, e isso

mesmo...!” 311

Após relacionar que todas as etapas da construção – do templo à

arquibancadas, incluindo desde o engenheiro até o servente – seriam executadas pelos

italianos, a Vida Fluminense também lembrou que até a música composta para o te-

deum era obra de um maestro italiano: Fiorito.

A folha de São Paulo também afirmou que a festa tinha fins lucrativos e que

seria um negócio rendoso para os parentes do Barão de Muritiba: dois ou três genros do

ministro que tiveram a concessão de levantar arquibancadas ao lado do templo, na

esperança de lucros fabulosos com a venda de bilhetes para as caranguejolas assistir-se

à função.

A polêmica sobre a construção das arquibancadas, iniciada no final de maio

pela imprensa carioca, foi respondida pela imprensa oficial em uma nota sobre a sua

construção, afirmando o Diário do Rio de Janeiro que a fachada principal do Templo

310 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

311 BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 21 maio, 1970.

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ficaria completamente desobstruída. O espaço reservado para a festa apresentava uma

área de quinze mil e seiscentas braças quadradas, com capacidade para sessenta mil

pessoas. Nessas condições as arquibancadas não impediriam a visão dos populares.

Contra o argumento da imprensa que julgava desnecessária a construção do Templo,

pelo caráter elitista que ela conferia à festa, o Diário do Rio de Janeiro asseverou:

Todos sabem que há nesta cidade grande inconveniência no

comparecimento de senhoras, meninas e velhos, em lugares onde a

reunião do povo é considerável. Imprudências de toda a sorte,

empurrões inevitáveis pelo movimento da multidão, afugentam com

razão famílias inteiras, que, aliás, mediante algum dispêndio, podiam

tudo gozar, se por ventura houvessem lugares seguros, para colocar-se

ao abrigo de qualquer eventualidade.312

O mesmo jornal dizia ainda que, para os chefes de família, a construção das

arquibancadas era uma necessidade, pois seria “esquisito” que, para satisfazer os

desejos daqueles que “querem ver as festas do meio do Campo, de pé, e mais de perto

apreciar as belezas do sexo frágil, se cortasse a liberdade e o direito de outros, que tem

vontade diversa!”313

Sobre os ingressos cobrados e a notícia vinculada de que existiam

especuladores envolvidos no empreendimento, O Diário do Rio de Janeiro informou

que, além da licença concedida pela Câmara Municipal, os construtores teriam o

compromisso de fazer um donativo proporcional, com a venda dos bilhetes, em

beneficio das escolas militares. E finalizou com o seguinte comentário:

Se, porém, a maioria do povo compreende que as arquibancadas são

inconvenientes, pode demonstrar a sua reprovação de um modo

positivo, que é deixando de concorrer a tomar lugares. Daria com isso

uma boa lição aos especuladores justificando ao mesmo tempo as

reclamações daqueles que se inculcam amigos dedicados dos pobres314

312 BN/RJ. Jornal O Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 27maio 1870.

313 Idem, ibidem.

314 Idem, ibidem.

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Ao final da controvérsia, sobre a questão das arquibancadas, discutida na

imprensa, até a véspera dos festejos, tudo levou a crer que se cumprira a sugestão do

redator do Diário do Rio de Janeiro. No dia dos festejos, as arquibancadas estiveram

vazias, até o momento em que o próprio Imperador franqueou sua passagem ao povo

para assistir à festa.

O jornal A Vida Fluminense se destacou no cenário da imprensa nacional do

século XIX, pelo seu apurado humor sarcástico e refinado, e como se isso não bastasse,

ainda era ilustrado com charges humorísticas sobre o cenário social do Império

brasileiro. A festa do barracão rendeu ao jornal a graça no traço dos caricaturistas e a

pena afiada de seus redatores. “A festa do barracão” foi um tema exaustivamente

abordado em suas colunas, merecendo destaque os preparativos para a festa:

Preparam-se coisas do arco da velha. No Campo de Santana perto da

casa da moeda formigam os operários, os empreiteiros, e os artistas

encarregados de levantar o grande templo de papelão destinado ao Te-

déum que ali tem de ser cantado; noutros lugares erguem-se

arquibancadas e galerias a imitação de um circo de cavalinhos.315

Dando continuidade à crônica, o redator fez um levantamento das frases mais

espirituosas que estavam correndo na boca do povo, e publicou uma delas, dignas de

menção: “Há dinheiro para batuques, mas eu fiquei sem braços no Paraguai, e minha

mãe sem pão no Rio de Janeiro!”316

Sobre a construção das arquibancadas no Campo de Santana e a cobrança de

ingresso para uma festa ítalo-nacional, A Vida Fluminense disse:

Reconheço que não há monumento mais prático no Império, do que

esse construído no Campo de Santana, e que os autores só tiveram em

mira tornar mais brilhante ainda a festa ítalo-nacional, proporcionando

ao belo sexo e aos seus respeitáveis patriarebas lugares cômodos, de

onde, mediante módica retribuição, fosse apreciado o patriotismo com

que o governo aplica às urgências da guerra (aos contribuintes) uma

insignificante parcela do rotundo fisco.317

315 BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 24 maio 1870.

316 Idem, ibidem.

317 BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 28 maio 1870.

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Sobre a crítica que a imprensa fez pela cobrança de ingressos para ocupar as

arquibancadas, o jornal carioca comentou: “Se se paga para ir ao circo Bartholomeu, se

se paga para ver as feras paraguaias da rua dos Inválidos, se se pagam tantos outros

divertimentos, menos divertidos, porque não se há de pagar para assistir Te-déum?”318

A ironia da Vida Fluminense devia-se, sobretudo, à contratação dos italianos para a

execução do cenário da festa. O comentarista chegou a afirmar que as arquibancadas

não deveriam ser demolidas depois da celebração:

Vão ver como as duas arquibancadas dão aquele pedaço de Campo um

imponente aspecto de anfiteatro romano, anfiteatro que ficará

oportunamente cheio de gente curiosa de assistir ao espetáculo de sua

satisfação pelo feliz êxito da guerra! Eu se fosse o governo, não

mandava por abaixo o anfiteatro romano sem dar nele uma grande

finccion em que o povo que paga o “patau” pudesse apreciar a luta

entre os atletas italianos que foram os que não foram contemplados na

justíssima distribuição dos duzentos contos! Dado o caso que o

governo queira proporcionar esse galardio ao poviléo pagante,

lembro-lhes em tempo a conveniência de reservar um lugar de honra

para a ilustríssima câmara do bem-aventurado município neutro. 319

Na seqüência, o cronista da Vida Fluminense enumerou as duas únicas

vantagens advindas da realização da celebração no Campo de Santana:

Em toda a festa ítalo-nacional só enxergo duas vantagens: a primeira é

dar ensejo ao Sr. Santa Rosa

de apresentar as provas públicas de sua grande cantata – Victoria –

que me dizem ser lindíssima. A

segunda é de fazer com que o Campo da Aclamação fique capinado

por alguns dias.

– E Viva Garibaldi.

É por isso que se fazem hoje os silogismos assim:

“O terreno foi alisado pelos prisioneiros paraguaios”.

“O templo e suas dependências foram feitos e decorados por artistas

italianos:”

“Logo a festa é Nacional”

“Quem disser que a conclusão não se mantêm na premissa é tolo!” 320

318 Idem, ibidem.

319 BN/RJ. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 18 jun. 1870.

320 Idem, ibidem.

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A ESTÁTUA RECUSADA E A CONSTRUÇÃO DO TEMPLO

No dia 23 de março de 1870, dias depois da Corte tomar conhecimento da

morte de López, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro uma reunião com diversos

cidadãos, com o objetivo de deliberar sobre a construção de uma estátua equestre do

Imperador D. Pedro II. Deveria ser o monumento fundido no país, com o bronze dos

canhões paraguaios tomados na guerra. Visivelmente ressuscitava-se a espada de

Uruguaiana sob a forma equina.

Na ocasião foi eleita uma comissão composta pelo Sr. Desembargador Izidoro

Borges Monteiro, presidente; o Sr. Fernando Francisco da Costa Ferraz, 1º secretário;

Diógenes César de Lima e Silva, 2º secretário, e o tesoureiro, o Sr. Comendador

Jeronymo José Mesquita. Resolveu-se também nomear uma comissão em todo o Brasil

assim como na Corte, composta por nacionais e estrangeiros, com o objetivo de auxiliar,

através de subscrição pública, a construção da estátua.

Segundo a proposta de crédito apresentada à Câmara de Deputados, no dia 12

de maio, estava prevista a colocação de uma estátua monumental do monarca no Campo

de Santana (Quadro 1). Posteriormente, em 14 de maio, foi remetido à Câmara um aviso

do Ministério da Guerra alterando o item terceiro da tabela original. A colocação da

estátua monumental de D. Pedro II foi substituída por uma outra ornamentação

monumental alegórica no mesmo valor, “visto que não consentindo S. M. o Imperador

na colocação de sua estátua eqüestre em frente ao quartel do Campo da Aclamação”.321

O monumento alusivo ao monarca foi substituído por uma estátua da paz.

A querela da recusa da estátua pelo Imperador repercutiu na imprensa, não

como um ato de modéstia do monarca, mas, como escreveu o jornal liberal O Alabama,

da Bahia, pela substituição de uma despesa pela outra. E pergunta: O que ides

comemorar?

321 FCRB. Discurso do deputado José de Alencar na sessão da Câmara de 19 de maio de 1870. Anais da

Câmara do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p. 45-46.

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Ele mal compreenderá como homem, que rejeitou estátuas por

edifícios para a instrução do seu povo, gasta do dinheiro do povo,

contos em pagodes de sarrafos, sem que tenha até hoje criado uma só

escola para os filhos do povo. Tais são os desvelos e o amor à

instrução popular, que o Senhor D. Pedro II sente por esta nação que

tanto respeita e felicita. 322

O jornal Opinião Liberal, publicado na Corte, sobre a recusa da estátua por D.

Pedro II, em detrimento da instrução pública, não deixou de criticar a posição do

Imperador, nos meses que antecederam a comemoração pelo fim da guerra. “Decrete S.

M. a liberdade do ensino, o do particular ao menos, e eis ai o „grande ato‟ para o

começo da nova era de paz”.323

Referia-se à existência na Câmara dos Deputados de

uma petição assinada por mais de quinhentos cidadãos da Corte, requerendo a liberdade

do ensino, e que sequer tinha sido emitido um parecer sobre o documento.

O valor para a construção da Estátua da Paz em substituição à estátua do

monarca não foi alterado, permanecendo 36:000$000. No caso da estátua de D. Pedro

II, esse custo cobriria a sua fixação em pedestal e obras de ornamentação. O senador

Silveira Motta fez os cálculos e concluiu que, com trinta e seis contos, pagaria apenas

uma estátua de gesso, barro pintado ou madeira. “Não sei ainda que paz haveremos de

ter talvez que esta paz seja pior que a guerra”.324

Em relação à indefinição da divulgação do tratado de paz por parte do

governo, Silveira Motta fez um trocadilho com o monumento planejado pelo Ministério

da Guerra:

Em todo caso, Senhor ministro, Vossa Excelência que mandou fazer a

estátua da Paz diga de que cor é ela e que feitio tem. Se vossa

excelência achou algum artista grego, pode este desenhar a Paz em

uma cera de desânimo com alguns traços de incertezas, então, quando

o povo for à festa do barracão e achar uma Paz triste, acanhada e

incerta, levantará os olhos para o céu e dirá: Eis a paz dos 36:000$, a

Paz do Senhor Muritiba.325

322 IGEB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

323 BN/RJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 26 mar. 1870.

324 FCRB. Discurso do senador Silveira Motta na sessão do Senado de 20 de junho de 1870. Anais do

Senado do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 211. 325

Idem, ibidem.

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A imprensa e o parlamento acompanhavam atentamente as reivindicações de

oficiais militares, voluntários da pátria, desvalidos, mutilados, órfãos e viúvas. Por essa

razão, em oposição aos desígnios do Imperador, alguns parlamentares que se diziam

representantes dos interesses de suas províncias e da nação consideravam a festa

nacional, sob o ponto de vista orçamentário, um desperdício do erário público.

Entretanto, no dia 30 de junho de 1870, o projeto foi aprovado no Senado e, no dia 8 de

julho, dois dias antes dos festejos, uma comissão de parlamentares teve uma audiência

com o monarca para comunicar a aprovação do crédito extraordinário solicitado pelo

ministro da Guerra, o Sr. Muritiba.

Os jornais da Corte publicaram quase que uníssonos os detalhes da arquitetura

efêmera que se erguia no Campo de Santana. Um cenário a céu aberto se estendia por

ruas circunvizinhas ao local onde se encenaria o espetáculo comemorativo e convidava

a população a observar a ação do governo diante daquela data importante para o Brasil.

Detalhes da arquitetura, estilo, decoração, assim como as suas simbologias foram

minuciosamente anotados pela pena erudita dos redatores que foram espiar

pessoalmente os trabalhos realizados no Campo.

O entorno do Campo de Santana, entre a Rua do Hospício e o Largo São

Joaquim, foi ornamentado com pequenos arcos, ligados uns aos outros, e com quatro

arcos maiores que decoravam o grande pórtico, em frente ao portão principal da

Secretaria, medindo 8 metros de altura e 5 metros de largura. Ao todo, 240 arcos

simples de iluminação, ornados com bandeiras, galardetes e festões de folhas naturais,

sustentavam 36.000 copos venezianos e 240 fachos de luz.326

No interior do pórtico, sob um pedestal dórico romano, foi colocada uma

alegoria à Paz. Sustentava, na mão direita, um ramo de oliveira, e na mão esquerda, um

facho simbolizando a união. Um detalhe sobre a “estátua da Paz”, de 3 metros de altura,

obra do escultor Reis, foi observado de forma jocosa pelo jornalista do Diário do Rio de

Janeiro. A efígie da estátua era semelhante à da princesa imperial, “verdadeiro penhor

de paz e estabilidade das instituições que nos regem”.327

Em ambos os lados da alegoria

à Paz foram erguidos dois obeliscos, colocados sobre um embasamento, com três

escadas, elevando-se no topo a bandeira nacional.

No obelisco à direita, em suas três faces apareciam, respectivamente, os

retratos do Imperador D. Pedro II, do Conde d‟Eu e do Marques de Herval. Já no

326 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

327 Idem, ibidem.

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obelisco à esquerda estampavam-se suas três faces: os retratos do Duque de Caxias, do

Visconde de Santa Tereza e do Visconde de Pelotas. Essa ornamentação estava cercada

por bandeiras das nações aliadas.

Pedestal dórico com a estátua da Paz e alegoria à vitória: monumento em comemoração ao término

da Guerra do Paraguai, 1870. Foto: Marc Ferrez, (Coleção Thereza Christina Maria) BN/ RJ

O pedestal da estátua da Paz estava ornada com sarilhos de armas e com

troféus militares, onde se lia, na direita, “A invicta armada”, e no da esquerda, “Ao

valente exército”. Sobre os pedestais inferiores, assentou-se um arco transparente, em

que se via a frase “Viva o Imperador”.

O templo construído em madeira e sarrafos foi erguido em frente à Casa da

Moeda. Nas quatro entradas equidistantes existiam quatro átrios na forma de quadrados,

seguindo o padrão da cruz grega. A área construída tinha uma dimensão de 43.000

palmos quadrados, elevando-se à altura de 190 palmos, acima do nível do Campo da

Aclamação.328

328 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

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Obelisco com os retratos de importantes personagens da guerra: monumento em comemoração ao

término da Guerra do Paraguai. 870 Foto: Marc Ferrez, (Coleção Thereza Christina Maria). B N

/RJ

O complexo arquitetônico do templo, à semelhança do panteão francês, concebido

em homenagem a Napoleão Bonaparte, foi obra do engenheiro Bonini.329

Dois pórticos

localizavam-se nos cruzamentos das calçadas das Ruas de São Pedro do Campo, um

outro na Cidade Nova e Velha, mais um na face fronteira ao templo e um último no

centro da calçada do Hospício do mesmo Campo.

O corpo principal do templo era composto sobre as dezesseis pilastras que

formavam a galeria de música e sobrepostas das colunas que fechavam a circunferência

do círculo inferior do edifício. Um outro conjunto de colunas dava sustentação à grande

cúpula e à lanterna sobre a qual estava colocado o anjo da vitória na altura de 186

palmos. Esta estátua era assinada pelo escultor Chaves Pinheiro.

329 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

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Corpo principal do Templo da Vitória no centro da Praça da Aclamação, 1870. Foto: Marc Ferrez

(Coleção Thereza Christina Maria). BN/RJ.

No tímpano da fachada principal do templo, a leste, estava pintada, em baixo-

relevo, uma alegoria que representava a religião; do lado oposto, em outro baixo-relevo,

uma alegoria representando a paz. No tímpano do lado norte, encontra-se uma

representação da nação, e do lado sul, uma representação da guerra. Essas pinturas

foram feitas por La Chevrel.

Uma escadaria, em frente de cada átrio, conduzia ao vasto soalho que ficava na

altura de três metros dividida por 124 colunas de ordem dórica grega, em um círculo

interior concêntrico, onde se erguiam uma capela e o altar para a exposição do

Santíssimo Sacramento, para a celebração do te-deum.

Acima da capela, na altura de 85 palmos, sobressaía uma cruz, que poderia ser

vista de qualquer ponto da praça.330

A cúpula do templo encontrava-se toda ela coberta

de veludo vermelho-escuro, e a cimalha era adornada com grinaldas e galões de ouro

fino. No interior do templo, destacavam-se a ornamentação em cetim e a banqueta

magnificamente preparada.

330 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

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Vista lateral do Templo da Vitória, 1870. Foto: Marc Ferrez, (Coleção Thereza Christina Maria)

BN/RJ.

O jornal o Diário do Rio de Janeiro, após exaustiva descrição do complexo

arquitetônico do templo, ainda arrisca uma justificativa sobre o estilo do edifício,

considerando-o um tanto eclético:

Não pode ser considerado um modelo de arte; contem faltas; houve

algum descuido na escolha das ordens e decoração; porém

considerando-se que o projeto não podia ser convenientemente

estudado pela estreiteza do tempo, tudo isso deve ser relevado,

principalmente quando o conjunto do edifício é imponente e agrada a

vista.331

Mas se os jornais da situação descreviam o templo construído para a festa em

suas nuances arquitetônicas, como representação da vitória da monarquia e de D. Pedro

II e de seus ministros, o jornal A Reforma procurava evidenciar aspectos negativos para

a sua realização. Afirmava este periódico que o templo produzia dificuldades

331 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

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econômicas e políticas para o Império. Profetizava o jornal: “o passado está cheio de

ervas e o futuro prenhe de calamidades”.332

Referia-se o jornal à enorme dívida que pesava sobre a população, com os

custos da guerra e, mais especificamente, àqueles diretamente envolvidos nas

consequências da guerra, como o luto que cobria um sem-número de famílias e a

existência de voluntários da pátria forçados a mendigar para escaparem da miséria.

Não se pode esquecer que A Reforma era um jornal oposicionista. Logo, tinha

suas razões para desmoralizar a obra do “barracão” e fazer acusações diversas aos

conservadores e ao próprio Imperador. Todavia, conduz-se, em suas páginas, por um

vale de sombras, onde vagava pela cidade um número crescente de mendigos, cobertos

de chagas, afligidos por cruéis enfermidades, como a febre que invariavelmente

assolava a cidade, ou a falta de água, pela ausência de um sistema de abastecimento.

Tudo isso para dizer que os recursos empregados na construção do templo eram inúteis,

pelo seu caráter passageiro.

Assim, diante das péssimas condições em que se encontrava a cidade do Rio de

Janeiro, enfrentando problemas como a falta de água e as epidemias nos portos,

indagava A Reforma sobre os gastos do governo na ostentação da festa, concluindo:

Possuímos alguns templos dignos de solenidade; neles tem se

celebrado até hoje as maiores festas nacionais. Mas são igrejas de

pedra e cal, que perduram; quer-se um monumento frágil, efêmero,

que dure apenas três dias. Que melhor símbolo de paz! As casas do

Senhor estão por todo o Império, a até mesmo nesta grande capital. 333

Retomando a questão inicial, o deputado do Partido Conservador José de

Alencar comenta: “Depois de uma manifestação tão esplendida quanto espontânea, de

uma expansão tão nobre do sentimento nacional, o que pretende o governo com os

festejos que prepara?”334

Tanto O Correio Paulistano quanto A Reforma e o jornal O Alabama

enfatizavam que os festejos nacionais tinham como finalidade reverenciar D. Pedro II.

332 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 9 jul. 1870.

333 Idem, ibidem.

334 FCRB. Discurso do deputado José de Alencar na sessão de 19 de maio de 1870. Anais da Câmara do

Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional, 1870, p. 46.

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A imprensa rotulou os festejos pelo fim da guerra como uma “Festa do Rei”.335

Citando

uma fala atribuída ao próprio Imperador, o jornal paulista escreveu: “O rei dizia aos

seus íntimos, na véspera da borracheira, que haviam de ver o que é uma festa nacional;

que muito dizia a oposição, mas que ia demonstrar aos mais incrédulos qual a sua

popularidade”.336

A festa de 10 de julho de 1870, objeto de análise neste capítulo, tinha como

intenção maior reverenciar a figura do monarca, Dom Pedro II, inserindo-o num

complexo de símbolos apropriados alusivos à Guerra do Paraguai. Na efêmera

arquitetura do templo, assentou-se um arco transparente para saudar o monarca: “Viva o

Imperador”.337

Nas alegorias, a efígie do imperador sobressaía ao lado de combatentes

como o Conde d‟Eu, o Visconde de Pelotas, o General Osório e o Duque de Caxias.

Servindo aos propósitos do espetáculo político, a festa do “barracão” pode ser

interpretada como representação social do poder do Império, alocando a figura do rei no

seu epicentro. Isto pode conciliar-se com a ideia de “representatividade política”,

conceito elaborado por Habermas, para explicar a emersão do monarca em um universo

simbólico capaz de divinizá-lo e também revelar o lugar socialmente devido aos seus

súditos. Esse conceito foi elaborado para precisar o sentido de público na Idade Média.

Nesse caso, a representatividade não se referia à esfera humana institucionalmente

delimitada, mas a pura exaltação pública da dominação.338

Com o Estado Moderno e a

delimitação entre o público e o privado, a possibilidade de representar-se publicamente

restringiu-se ao monarca, ápice do complexo administrativo.339

OS FESTEJOS OFICIAIS PELO FIM DA GUERRA

335 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

336 Idem, Ibidem.

337 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

338 HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública: investigação quanto a uma categoria da

sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984 (apud SATIAGO, Camila Santos

Guimarães, op. cit, p. 488). 339

SATIAGO, Camila Santos Guimarães, op. cit, p. 488.

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As salvas e os embandeiramentos das fortalezas e dos navios de guerra

ancorados na baia do Rio de Janeiro anunciaram às 6 horas da manhã que era chegado o

dia marcado pelo governo para as festas que mandou celebrar pela conclusão da Guerra

do Paraguai.

Uma forte neblina espiava o ânimo do curioso com vontade de ir até o Campo

da Aclamação para ver celebrar a festança. Eram já nove horas, e mal se encontravam

na praça poucos indivíduos. Eles olhavam admirados para as arquibancadas vazias e

para o círculo de soldados de Linha. Posicionavam-se em torno do templo e das

arquibancadas, com o propósito de impedir que algum profano penetrasse naquele

recinto, onde só teria de aparecer gente de grande importância.

Festejos pelo fim da Guerra do Paraguai em 10 de julho de 1870: Templo da Vitória no Rio de Janeiro.

Foto: Marc Ferrez. (Coleção Thereza Christina Maria) BN/RJ.

O Jornal do Comércio limitou-se a noticiar, com certa apatia, a realização das

comemorações oficiais, informando aos leitores sobre a celebração de um te-deum,

ocorrido às 10 horas da manhã, o qual contou com a participação da Princesa Izabel e

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do seu esposo, o Conde d‟Eu, conforme havia sido anunciado na programação oficial.

Essa apatia pode ser atribuída ao período vivido naquele momento. Isso porque, desde a

segunda metade do século XIX, se manteve conservador e se transformou no maior

canal de comunicação das figuras públicas de destaque do país, mesmo aquelas que

apresentavam pontos de vista divergentes ao governo. O jornal tinha uma proposta

editorial que, de alguma forma, retratava a notável capacidade de acomodação das

forças partidárias – mas também econômicas – do Segundo Reinado.340

Também

participaram dos festejos ministros, parlamentares da Câmara e do Senado, membros

dos corpos diplomático e eclesiástico, oficiais do Exército e da Marinha, funcionários

públicos e demais convidados da monarquia.341

À uma hora da tarde teve início, na Praça D. Pedro II, a parada militar, em que

concorreram cerca de três mil homens da Guarda Nacional. Depois da marcha em

continência, no Paço Imperial, o Imperador recebeu as felicitações do corpo estrangeiro,

do Legislativo e de cidadãos de todas as classes.342

O Jornal do Comércio destacou que o ponto alto da festa foi a iluminação que

produziu um efeito mágico. O templo estava circundado de fitas de bicos de gás, os

quais desenhavam as formas até o alto da cúpula. Os numerosos lustres que

resplandeciam por entre as colunas ressaltavam a estrutura do templo delineada por

contornos luminosos.

A iluminação da cidade também completava o espetáculo. As fachadas do

Paço, da Câmara Municipal e de diversos edifícios públicos, assim como de muitas

casas particulares próximas ao templo também estavam iluminadas a gás. O

prolongamento da Rua do Hospício e o Quartel, guarnecidos de arcos e pórticos,

produziam, pelos efeitos luminosos, curvas multicores.

O jornal O Alabama informou que enviara um repórter para o evento e que este

não viu a suntuosidade dos efeitos luminosos descritos pelo Jornal do Comércio. Disse

que a iluminação dos arcos que circundavam parte do largo foi de triste aparência, por

ser bastante vasta essa parte do Campo e por não terem acendido em grande número dos

copinhos de cores.343

340 SILVEIRA, Mauro César. A Guerra do Paraguai e as relações luso-brasileiras na década de 1860-

1870. 2001, 45 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. 341

BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 11 de jul. 1870. 342

BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870. 343

IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

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No Teatro Lírico foram encenadas, em grande gala, a ópera Norma e algumas

peças de canto. Na ocasião também foi apresentado um festival composto

exclusivamente para os festejos, de autoria do professor A. Fiorito. Assistiram ao

espetáculo a família imperial e seus convidados, além da concorrência de diversos

espectadores.

A descrição dos festejos apareceu com mais entusiasmo no Diário do Rio de

Janeiro, que iniciou seu artigo ressaltando o caráter solene da festividade: “Tudo

concorreu para que o ato fosse celebrado com a maior solenidade. O dia esteve belo e de

uma temperatura agradável, e a noite linda e estrelada.344

Os edifícios públicos

iluminaram-se para a celebração e regozijo público. O Arsenal de Guerra, a Casa da

Moeda, o Senado, o Museu Nacional e a Câmara Municipal estavam decorados com

festões de flores artificiais que cercavam as suas janelas.

Quatro focos de luz elétrica produzida pelos melhores aparelhos que

existem nesta cidade, e colocados: um na secretaria de guerra, outro

na camada municipal, o terceiro no quartel-general da guarda

nacional, e o quarto nos fundos do teatro Lírico, davam um realce,

uma majestade indescritível. 345

Informou ainda o Diário que, logo pela manhã, grande quantidade de povo

encheu parte da enorme área da Praça da Aclamação, onde um corpo da Guarda

Nacional e uma bateria de Artilharia, situados à direita do templo, formavam a guarda

de honra.

Às 10 horas da manhã as altezas imperiais foram recebidas em frente ao templo

pelos ministros de Estados, corpo diplomático e demais autoridades. Em seguida,

chegou ao templo o sagrado Viático, sustentado por membros da Câmara Municipal da

Corte, acompanhado da irmandade de S. Gonçalo, e logo após entrou o povo que

também seguia o Santíssimo, “por assim o haver ordenado Sua Majestade o

Imperador”.346

O ato religioso esteve imponente, segundo informou o Diário do Rio de

Janeiro, que finalizava afirmando não ter palavras para descrever a magnitude da festa:

344 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 jul. 1870.

345 Idem, ibidem.

346 Idem, ibidem.

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“Esta sucinta descrição está longe da realidade. Era preciso ter assistido de perto a

festividade, para com justiça conhecer de sua magnificência, sendo certo que nesta

capital ainda não houve outra igual”.347

A festa é o momento privilegiado da encenação

do imaginário ou da imagem que ela tem de si. Para entender o entusiasmo do Diário do

Rio de Janeiro, é preciso considerar que a celebração, desde a sua concepção, esteve

inserida em um contexto de crise política, expressa na oposição cerrada entre liberais e

conservadores. Para a monarquia, a festa significava a encenação de um ritual que

fortalecia a sua própria imagem perante o país.

Partindo do pressuposto de que a festa atendia ao desejo da monarquia, pode-

se inferir que o imaginário social elaborado e consolidado por um grupo é uma das

respostas que este dá a seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais.

Todas as coletividades têm os seus modos de funcionamento

específicos a este tipo de representações. Nomeadamente, elaboram os

meios da sua difusão e formam os seus guardiões e gestores, em suma,

o seu pessoal.348

Os jornais A Reforma, do Rio de Janeiro, A Vida Fluminense, O Correio

Paulistano, de São Paulo, e O Alabama, da Bahia, relataram as comemorações oficiais

com um olhar burlesco, desafiando com ironia a monarquia e ridicularizando os festejos

do barracão.

A FESTANÇA, O POVO E ARQUIBANCADAS VAZIAS

Uma “outra” festa foi apresentada por estes jornais ao leitor, com direito a

relatos de testemunhas oculares, que esmiuçaram detalhes sobre a falta de etiqueta da

ralé e cochichavam sobre o ministro que empreitou as obras do barracão para os

347 Idem, ibidem.

348 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Einaudi, Imprensa

Nacional, Casa da Moeda, 1985. v. 5, p. 309.

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163

carcamanos349

e que “arrumou um negócio” das arquibancadas para os genros. Tudo

isso no espetáculo da “borracheira”.350

Charge alusiva à construção do Templo da Vitória para celebração ao término Guerra

do Paraguai:

– Que fiasco colega! Depois de tanta descompostura jornalística, de tanto dinheiro

gasto... passar por uma destas é ... caiporismo. – Qual! Os sujeitos da arquibancada é que são para lastimar! Eles não têm tesouro para pagar

as favas. (A Vida Fluminense, 23 jul. 1870).

Para os referidos jornais, o apoteótico espetáculo de luz e sombras não

agradou. Os festejos e o te-deum foram um fiasco pelos improvisos, protestos e falta de

público e pelas arquibancadas vazias. Sobre a celebração da festa nacional,

concordavam em um único aspecto: “que nesta capital ainda não houve outra igual...!”

O jornal O Alabama escreveu sobre a curiosidade do povo em ir até o Campo da

Aclamação:

[...] ver celebrar a festança. Era já nove horas, e mal se encontrava na

praça um ou outro indivíduo, olhando admirado para as arquibancadas

vazias e para o círculo de soldados de Linha, prostrados em torno da

caranguejola italiana, com o fim de impedir que algum profano

penetrasse naquele recinto, onde só teria aparecer gente de sangue

azul.351

349 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

350 Idem, ibidem.

351 IGHB. Jornal. O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

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O jornal narrou a festa, através de um correspondente designado pela redação,

para levar as notícias à província da Bahia. Dizia o correspondente que a impressão que

se tinha olhando a alguma distância do barracão era que o seu interior estava vazio e que

apenas alguns figurões da Corte circulavam pelas suas dependências.

Depois da chegada da princesa e do príncipe consorte aglomeram-se mais

pessoas. As arquibancadas continuavam ermas e desertas. Causava curiosidade aos

transeuntes a presença de uma guarda de honra trajando calças vermelhas e plumas da

mesma cor: “estavam ali para abrilhantar o ato, ou para manter a ordem entre os bancos

inteiramente vazios”.352

Charge alusiva à ausência dos convidados na festa do dia 10 de julho de 1870. Pouco antes

de começar o Te Déum, S Excia. o Sr. Ministro da Guerra procura debalde os oito mil

convidados por entre as colunas do deserto... barracão. (A Vida Fluminense, 23 jul. 1870).

O Correio Paulistano também teve a mesma impressão: “Chegando a Corte ao

templo, e já ao começar o Te-déum, reconheceu-se que dentro do barracão nem 300

pessoas havia, contando a comitiva do festejo”.353

O que se percebe nos relatos sobre a festa, publicados na imprensa, era a

ausência do público esperado para as comemorações: “Nem mesmo a molecada tão

amante da boa música, e tão ávida de espetáculos marciais, não comparecia à festa, e

352 Idem, Ibidem.

353 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

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parecia fazer timbre em protestar com a sua ausência contra a despesa dos duzentos

contos”.354

O jornal A Reforma fez uma reflexão sobre as causas do fracasso dos festejos e

afirmou: “O dia 10 de Julho de 1870 será para o 2º reinado uma data fatídica!”.

Informou ainda que haviam sido expedidos oito mil convites, além de duas

arquibancadas, levantadas ao norte e ao sul do templo gigantesco para a concorrência

pública: “Nada se tinha olvidado para a mais completa pompa, majestade e brilhantismo

das festas imperiais”.355

Na opinião desse periódico, o brilhantismo esperado para a festa não se

concretizou, contabilizando um número pequeno de público. A Reforma descreveu um

quadro desolador da festa: “O imperador achou-se quase só, abandonado, no meio de

sua pomposa festa, no centro do templo colossal! Apenas o cercavam umas 200 pessoas,

entre os de sua comitiva e os do corpo diplomático!”.356

Vários jornais foram unânimes em afirmar, incluindo o Diário do Rio de

Janeiro, que, por iniciativa do próprio Imperador, a entrada no templo foi franqueada ao

público, assim como também o acesso às arquibancadas, que antes eram pagas, foram

liberadas indistintamente à participação de quem desejasse acompanhar a celebração:

“entrou tudo, pretos com samburás, sujeitos em mangas de camisa, muita gente sem

gravata, todos entraram”.357

O imperador, num ato magnânimo, liberou o templo para o

povo participar dos festejos: entrou “tudo quanto moleque descalço que estavam pelos

arredores, foi misturar-se com „os calças‟ azuis dos ilustres fidalgos”.358

O jornal O Correio Paulistano também confirmou essa notícia: “Deu-se então

ordem para deixar entrar tudo, com bilhete de convite ou sem bilhete”.359

E acrescentou

que, por pouco, os guardas que estavam postados nas escadarias, para restringir a

entrada dos que não tinham convite, não se constituíram em patrulha de recrutadores de

gente para a festa.

Sobre essa cena, é significativo o relato, dessa vez, feito pelo narrador do jornal

O Alabama, que descreveu o constrangimento de um amigo que estava na festa: “e

354 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

355 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 jul. 1870.

356 Idem, ibidem.

357 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

358 Idem, ibidem.

359 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

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vendo o caráter minimamente democrático da reunião, ficou envergonhado de ter levado

luvas, e tratou de escondê-las a toda pressa nos bolsos das calças”.360

360 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

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Charge alusiva à abertura do templo à participação do povo na festa de 10 de julho de 1870,

devido à ausência dos convidados. Para evitar que se desse no templo o mesmo que muito a

miúdo sucede no Senado (isto é, não haver sessão por falta de quórum), S. Excia. dá ordem

(obedecendo a certo pedido) para franquear a entrada, que é desde logo invadida por tudo

quanto há de mais... elegante e distingue a variedade dos tipos com que alguém chamasse ao

barracão: Templo da Igualdade, o que incomodou a muitos figurões. (A Vida Fluminense, 23

jul. 1870).

Segundo O Correio Paulistano, quando o rei franqueou o ingresso do povo à

solenidade, utilizou o mesmo recurso empregado pelos empresários dramáticos quando

desejam que a companhia não represente para os bancos.

A recomendação era que o público comparecesse usando traje de gala, mas,

segundo a imprensa, os convidados do ministro Muritiba, além de não virem de gala,

“levam alguns a descortesia a ponto de se apresentarem de pé no chão”.361

Pela imprensa, dias antes da festa, alguns oficiais do 1° batalhão de Infantaria

haviam declarado que não poderiam comparecer ao festejo oficial. Alegaram não terem

os uniformes determinados no convite expedido pelo Ministério da Guerra, estranhando

ainda que tais condições fossem exigidas de oficiais vindos recentemente do teatro da

guerra e que muito haviam concorrido para a conclusão dela em aquelas exigências.362

361 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

362 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 8 jul. 1870.

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O jornal Correio Paulistano criticou os festejos de 10 de julho desde o início

da concepção da proposta do Barão de Muritiba. A construção do templo foi entregue

aos trabalhadores italianos, a quem ironicamente chamaram de carcamanos: “Meteram

mãos à obra...”, dizia o jornal de São Paulo: “chamaram meia dúzia de carcamanos para

executá-la, sendo carcamano o engenheiro, carcamano o pintor, carcamano o

iluminador, carcamano o regente da orquestra”. 363

O jornal O Correio Paulistano criticou o evento, por ter sido impedida a

participação do público que não tinha ingresso para assistir à função:

[...] embora fechasse a vista ao público que não se dispusessem a

pagar e, que de antemão, ou de plano também tinha de ser excluído do

barracão onde só deviam entrar os felizes convidados do governo, e

esses mesmos em grande gala.364

Os ingressos para aos festejos estavam sendo vendidos nas boas casas do ramo,

como anunciado pelo Jornal do Comércio. O anunciante oferecia ao público as

comodidades da arquibancada sul, situada no prolongamento da rua do Hospício em

frente à Rua do Areal, no Campo da Aclamação, junto ao templo. Eram setenta

camarotes e vasta galeria. Os bilhetes eram vendidos para os dois festejos, a cantada do

te-deum e dois cartões de camarote, servindo um para o festejo da manhã, outro para o

da tarde, com seis entradas cada cartão: 50$000.365

363 BN/RJ. Jornal. O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

364 Idem, ibidem.

365 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 9 jul. 1870.

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Charge alusiva à participação do povo nos festejos de 10 de julho de 1870. Na ocasião da

cantada... fluxo... e o refluxo. (A Vida Fluminense, 23 jul. 1870).

O anunciante também chamou a atenção para a segurança das arquibancadas,

que foram “solidamente construídas segundo os pareceres das diversas comissões de

engenheiros que o governo e o Exmo. Sr. Chefe de Polícia nomearam para procederem

à rigorosa vistoria”.366

Isto porque foi veiculada pela imprensa que as arquibancadas

construídas no Campo da Aclamação corriam riscos de desabar conforme o laudo de

uma comissão técnica. O Correio Paulistano noticiou que uma comissão de

profissionais nomeada para examinar as arquibancadas para a festa do Campo de

Santana havia declarado “que as obras estavam absolutamente sem segurança, sendo

inevitável à queda dos palanques”.367

O jornal A Reforma ironizou sobre a especulação das arquibancadas que impôs

restrições ao ingresso da população: “O público que paga a patacoada oficial não tem

quase de onde vê-la; porque o melhor lugar do Campo está ocupado pelas

arquibancadas dos genros”.368

Referia-se aos genros do ministro da Guerra, Barão de

Muritiba, que obtiveram a concessão para construção das arquibancadas e venda de

ingresso. E faz uma advertência sobre as péssimas condições das arquibancadas: “Deus

366 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 9 jul. 1870.

367 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 21 jun. 1870.

368 BN/RJ. A Reforma, Rio de Janeiro, 9 jul. 1870.

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permita que não tenhamos de lastimar uma grande catástrofe, devida a péssima

construção das arquibancadas”.369

No dia 9 de julho, faltando apenas um dia para a celebração, o jornal A

Reforma declarava-se, mais uma vez, contrária aos festejos oficiais: “A população deve

meditar antes de se expor a ir sofrer desastres, enquanto os calças azuis ouvem Te-déum

e cantatas”.370

E concluiu: “Se um conselho damos à população é que não vá às

arquibancadas, como um protesto solene contra o escândalo de encher-se os bolsos dos

genros às custas dela. Já bastam os 200:000$ reis da praça do mercado”.371

“Em que deu o negócio das arquibancadas?”, perguntou O Correio Paulistano:

“Em outra coisa que também se não esperava: ficaram total, absolutamente, vazias,

porque nem um expectador concorreu a elas”.372

Charge alusiva ao destino das arquibancadas erguidas para a comemoração do fim da

guerra depois do festejo oficial de 10 de julho de 1870.

(A Vida Fluminense, 6 ago. 1870)

A questão proposta pelo periódico impõe uma outra indagação: A Reforma,

quando recomendou que o público não fosse aos festejos, em sinal de protesto, teria

influenciado a opinião pública? Quais as conotações políticas dessa atitude? Teria então

A Reforma, opondo-se à monarquia, e confirmado a ausência de público, atingido seus

propósitos?

369 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 9 jul. 1870.

370 Idem, ibidem.

371 Idem, ibidem.

372 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 21 jun. 1870.

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Para O Correio Paulistano a resposta estava na manifestação popular. Disse

em suas páginas que o povo foi para as ruas para provar que não fora à festa porque não

quisera ir, e acudiu a noite em número de mais de 50 mil pessoas, para ver o Campo:

“não em que existira Tróia, mas em que a barraca do divino atestava ainda o fiasco mais

fiasco de que hão de falar as crônicas deste feliz reinado. Eis o que foi a festa do rei”.373

ENTRE A FESTA E A SEDIÇÃO

Os preparativos para a festa ocorriam paralelamente às discussões dos

parlamentares sobre o orçamento. O Ministério da Guerra, por sua vez, advertido das

possíveis manifestações da imprensa e da população contra os gastos, ordenou que o 1º

batalhão de Infantaria da cidade de Niterói viesse auxiliar o batalhão do Depósito e o 1º

Regimento de Cavalaria na repressão de qualquer desacato que, por indignação, viesse o

povo a praticar.

Indagou o jornal A Reforma: “Mas ignora o ministério que os soldados são

filhos do povo? Não sabe o governo de São Cristóvão que esses soldados são irmãos e

filhos de órfãos e viúvas que ainda não receberam da nação as pensões que lhes são

devidas?” E concluía: “satisfaça as mais urgentes necessidades do povo fluminense e

faça justiça plena ao exército que acaba de prestar ao país, o serviço de seu sangue.”

Curiosamente, quem assinava o artigo publicado naquela folha era “O Exército”.374

As comemorações cívicas funcionavam como um plebiscito periódico sobre o

Estado e suas pretensões. Entretanto, as festas não são fáceis de analisar. Por um lado,

existe o que efetivamente ocorreu nas ruas; por outro, a construção do discurso

jornalístico sobre o que aconteceu.

Os grandes jornais em circulação, no Segundo Reinado, em sua maioria

politizados, no que tange aos relatos sobre os festejos cívicos podem ser considerados

como declarações políticas e não só meras reportagens sobre elas. Dessa forma, nem

todos os jornais expressavam tudo o que acontecia e, no caso da festa, alguns deles

deixaram de informar aos seus leitores os acontecimentos dados na noite do festejo, no

373 BN/RI. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 13 jul. 1870.

374 BN/RI. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 10 jul. 1870.

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mesmo Campo da Aclamação, onde as cerimônias da manhã e da tarde foram marcadas

pela aparente tranquilidade.

À parte dos acontecimentos já noticiados, ocorreram protestos populares contra

o ministro da Guerra, o Barão de Muritiba, que não pôde evitar as manifestações

ruidosas contra ele e o seu Ministério. É pertinente observar que as festas públicas

constituíam um espaço político capaz de envolver a todos os interessados

transformando-se, muitas vezes, em ambiente de reivindicações e de protestos. O

Correio Paulistano publicou uma carta enviada por um de seus leitores que assistiu ao

espetáculo: “Vou dizer-lhe o que vi e presenciei, pois os jornais por motivos diferentes

deixam de publicar a verdade”.375

Em seguida narrou o episódio:

No grande barracão ou templo de papelão, estando o imperador e a

família imperial, e mais meia dúzias de papas-sordos, que se chamam

fidalgos, o povo entrando por todos os lados do barracão, que era

aberto com quatro grandes entradas constando pela maior parte de

oficiais de 1ª linha, de oficiais e soldados voluntários, deram gritos –

abaixo o ministro, e morra Muritiba, morra o ministro ladrão! 376

Segundo o narrador, isto produziu uma grande balbúrdia, e resultou em

senhoras caídas pelas escadas do barracão, enquanto os alabardeiros apontavam suas

lanças para o povo. D. Pedro II mandou suspender a represália, e com sua voz de “cana

rachada procurou tranqüilizar a massa”, que em resposta levantaram “uns vivas

chochos” ao Imperador, que tomou, com a família imperial, os seus carros e seguiram

para o palácio da cidade, enquanto o seu ministro da Guerra desaparecia sem que se

soubesse por onde.377

Um grupo de mais de cem oficiais, seguido do povo, marchou para o Largo do

Palácio, onde fizeram pronunciamentos contra o ministro, soltando incessantes vivas à

liberdade, e morras ao gabinete Itaboraí.378

“Os vivas” eram palavras de ordem, invariavelmente, expressão de lealdade

política. Eram puxados por alguém preeminente na multidão, que os repetia

entusiasticamente. “Vivas ao imperador, à pátria, à liberdade, aos representantes da

375 BN/RI. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 21 jul. 1870.

376 Idem, ibidem.

377 Idem, ibidem.

378 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 24 jul. 1870.

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nação e ao povo”. A ordem em que eram dados “os vivas” denotava a hierarquia de

valores de quem os proclamava e a conveniência de cada circunstância, assim como a

omissão de algumas dessas ovações; a sua não repetição pelo público, eram indicadores

políticos importantes para determinado contexto político ou social.379

À noite, o magote composto de oficiais, de espada em punho, percorreu as ruas

da cidade, dando gritos de “Morra o ladrão do Muritiba”.380

Depois voltaram ao Campo

de Santana e, na ocasião em que chegavam os carros da comitiva imperial, cercaram-

nos um a um, “fazendo-os parar, e dando na portinhola, gritavam „morras‟ ao

Muritiba”.381

E no meio de tudo isso, onde estava o Muritiba?

Informou o narrador ao jornal que logo que se deu o tumultuo no barracão, foi

o Sr. Muritiba se refugiar no Quartel General próximo ao local onde estava aquartelado

o 1º Regimento de Cavalaria. O ministro da Guerra então conferenciou com o chefe de

polícia e depois se refugiou em sua casa. Ao manifestar a intenção de mandar uma

patrulha para abafar as desordens, mais de duzentos oficiais de linha, ali reunidos,

teriam afirmado ao chefe de polícia que estavam prontos para comandar os seus

companheiros de armas, mas que ficasse o chefe de polícia certo que voltariam com a

cabeça do Muritiba.382

Diante da situação conflitava, mandou o chefe de polícia buscar um esquadrão

de Cavalaria de permanentes, aquartelados ao lado do Campo de Santana. Todavia,

preferiu acalmar os manifestantes que ameaçaram, com a ajuda do mesmo Esquadrão,

“marchar sobre a polícia, logo que se fizesse a menor violência, a qualquer de seus

camaradas”.383

O jornal A Regeneração, periódico de Santa Catarina, afirmou que se achavam

presos dois oficiais de linha comprometidos com a manifestação popular, preferindo

não reforçar a ideia de sedição militar, como apareceu na narrativa do correspondente

do jornal O Correio Paulistano. E, para desqualificar a ideia de sedição, esclareceu:

“Mas a verdade é que quase todo o grupo fardado contava de ex-voluntários da pátria,

hoje fora de serviço e que, em relação ao número de pessoas que tomaram parte no

pronunciamento, esse grupo equivaleria à importância de uma gota no oceano”.384

379 BASILE, Marcello Otávio Néri, op, cit., p. 500.

380 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 21 jul. 1870.

381 Idem, ibidem.

382 Idem, ibidem.

383 Idem, ibidem.

384 BN/RJ. Jornal A Regeneração, Santa Catarina, 24 jul. 1870.

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Todavia, em um pequeno artigo publicado na mesma data e no mesmo jornal, deixava-

se escapar a dimensão da manifestação popular: “Dirigiram-se ao Largo do Paço e junto

às janelas do imperador mais de 5 mil vozes se levantaram contra o governo opressor

deste país”.385

Para o jornal a Reforma, o significado do dia 10 de julho “foi a conspiração

sublime e espontânea do desprezo público”. Foi um prenúncio de que os alicerces da

monarquia estavam abalados. Ali não podia perecer um rei; mas foram certamente

esmagados os brios da realeza. “O ser amado ou temido dos povos é o dilema dos reis;

mas o ser desprezado é a suprema desgraça dos poderosos”.386

Para contrapor o discurso da Reforma sobre o desprestígio da monarquia, é

preciso considerar: primeiro, para que o discurso imperial vingasse, era necessária certa

“comunidade de sentidos”; segundo, o fato é que não se manipula no vazio. Concorda-

se com Lilia Schwarcz, quando afirma:

Apesar de muitas vezes intencional, os rituais não se impõem de

forma exterior e aleatória. Entender as marcas simbólicas da realeza é

perceber como é possível descobrir intencionalidade na cultura

política, mas ainda atestar para o fortalecimento de um regime que

criou raízes no imaginário popular.387

Sedição ou não, deve-se considerar que a festa no Campo da Aclamação, cujo

objetivo era o de comemorar as vitórias alcançadas no Paraguai, transformou-se em um

movimento de contestação política contra o gabinete conservador instalado em 16 de

julho de 1868. Indagava o jornal catarinense: “continuará ainda no poder o Gabinete de

16 de julho? Será possível que a desmoralização e o cinismo tenham chegado a ponto de

desprezar-se a manifestação popular – a vontade soberana do povo?”388

Enquanto os jornais da Corte preferiram narrar os acontecimentos sem

entusiasmos, os jornais publicados fora do Rio de Janeiro alardeavam sobre a existência

de uma “sedição” ou “manifestação popular”, que demonstrava o descontentamento dos

voluntários da pátria, militares e parte da população com a monarquia de D. Pedro II. O

385 Idem, ibidem.

386 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 20 jul. 1870.

387 SCHWARCZ, Lilia Moritz., op. cit., p. 65-66.

388 BN/RJ. Jornal Regeneração, Santa Catarina, 24 jul. 1870.

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espaço da comemoração também era o espaço para os protestos, convertendo o Campo

de Santana em cenário de contestação ao governo e seus ministros.

A FESTA DE 10 DE JULHO DE 1870: COMEMORAR OU ESQUECER?

O jornal Alabama perguntou: “O que, pois, ides festejar? A vaidade, a pura

vaidade do imperador, tão efêmera e dispendiosa, tão infundada e custosa ao povo,

como esse templo de papelão e oropel, que apanha desvanecerão no espaço”.389

Considerando que a festa é essencial à manutenção de um grupo e a reprodução

da sua memória e que lhe confere garantias de continuidade, quando se trata de grupos

com a plena consciência de que pela ação conseguem desencadear eventos passíveis de

marcar o curso da história, a reprodução festiva de ocasiões anteriores torna-se

incentivadora. Se concordarmos com Johnston, quando afirma que as cerimônias

comemorativas reportam-se a acontecimentos e figuras que constituem protótipos

histórico-míticos e que reencenam ritualmente o fato original, detendo uma função

decisiva na edificação e manutenção de uma memória,390

paradoxalmente o apelo ao

esquecimento surge como desígnio do Império, até pelo 10 de julho, data escolhida

aleatoriamente, pois não há referência no calendário dos acontecimentos da guerra com

a data da festa que remeta a um episódio ou batalha.

A festa de 10 de julho de 1870 jamais foi novamente encenada. Embora as

festas extraordinárias sejam concebidas como específicas de um tempo único, diante da

importância que teve a Guerra do Paraguai para o Brasil, era natural que a

comemoração pudesse se repetir nos anos seguintes. Todavia, as comemorações que se

seguiram para a perpetuação de vultos militares, de episódios e batalhas, relacionados

com o conflito, foram apropriadas somente pela República, quase meio século depois da

contenda.

Para a Monarquia, que vivenciava os efeitos da guerra, coube selecionar as

cenas do conflito que pudessem interessar à história pátria, lançando-as sobre o batismo

389 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 23 jul. 1870.

390JOHNSTON, William M. Post-modernisme et bimillenaire: le culte des anniversaires dans la culture

contemporaine. Paris: PUF, 1994.

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de logradouros, praças, em forma de quadros, estátuas e monumentos, representando

batalhas e honrando alguns poucos generais que se destacaram na campanha, sem

personificar sequer a figura do monarca que se apresentou para a guerra como o

primeiro voluntário da pátria.

Se a festa aufere sempre novos sentidos e significados sociais daqueles que a

comemoram e a produzem, é evidente que a memória latente da guerra, ainda nos anos

subsequentes ao conflito, poderia converter-se em sérias ameaças ao governo

monárquico, que não havia atendido aos reclames de Voluntários da Pátria, mutilados

de guerra, viúvas e órfãos.

Mas se a comemoração permite dar visibilidade a um determinado fato

histórico ou personagens selecionados, o esquecimento constitui o outro lado da mesma

moeda. Assim, as figuras destacadas na comemoração objetivam sobrepor-se às que

deveriam ser esquecidas, assegurando a manutenção de um grupo político e social no

poder e condenando de forma direta a possibilidade de uma outra narrativa histórica.

Quando se fez a festa oficial, a festa do barracão, onde foi substituída a estátua

do imperador pela estátua da paz, nos obeliscos erguidos em frente do Quartel e do

Campo e da Secretária de Guerra, no meio das iluminarias, sobressaíam alguns nomes

que o governo mandou oficialmente colocar, como os nomes proeminentes da guerra.

Todavia, pareceu ter esquecido de outros, como lembrou em seu discurso o senador

Silveira da Mota, na sessão do senado de 26 de julho de 1870. Afirmava o senador:

[...] porém o governo esqueceu-se de mandar pôr ao menos o de um

oficial da marinha, de um almirante entre os chefes até subordinados

ao exército, que figuraram nas inscrições de sua predileção. É sem

dúvida uma falha grave que deve o governo reparar, porque senhores,

se há algum nome que deva merecer entre os beneméritos da Guerra

do Paraguai, uma grande menção é o nome do Visconde de

Tamandaré.391

Da tribuna argumentou o senador que o nome do Visconde de Tamandaré não

deveria ficar na sombra escura que o governo colocou depois dos serviços que prestou

desde o início das operações em Paissandu e no Salto. Em suas considerações afirmava

391 FCRB. Discurso do senador Silveira Mota na sessão do Senado de 26 de julho de 1870. Anais do

Senado do Império. Rio de Janeiro, 1870, p. 251.

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que o Visconde de Tamandaré não podia ser esquecido pelo governo injustamente, tão

duramente como foi, porque “todos sabem que ele foi um dos generais brasileiros que

mais honroso e energicamente sustentou a dignidade do Brasil, não só contra Lopez,

mas contra todas as pretensões estrangeiras”.392

O homem que praticou relevantes serviços à nação foi posto à parte e, de volta

ao Rio de Janeiro, fora demitido do comando da Esquadra. Seu nome desapareceu do

cenário das comemorações e nos sarrafos do Campo de Santana não foi visto seu retrato

entre os heróis que o governo escolheu para ovacionar. Dessa forma, o esquecimento

lançava seu mando também sobre a esquadra brasileira, porque muitos oficiais de terra,

como o ministro da Guerra, não reconheciam os serviços prestados pela Marinha na

campanha do Paraguai.

392 Idem, ibidem.

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“O heroísmo Fraternizado” – Representação da união entre o Exército e a Armada.

Na imagem aparecem O Conselheiro Joaquim José Ignácio e o Duque de Caxias. Acervo do

AHN/RJ.

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Capítulo VI

Quando Caxias Foi Esquecido e o Conde D’Eu Comemorado

Nas quatro primeiras décadas depois da Guerra do Paraguai, a principal

comemoração militar que sobreviveu ao tempo foi a Batalha de Tuiuti (24 de maio de

1866). Considerada a mais importante da campanha, era rememorada também por ser

reconhecida como a mais sangrenta das batalhas travadas na América do Sul. Nesse

período de comemorações, destacou-se como principal herói o general Manuel Luís

Osório (1808 – 1879), comandante das forças brasileiras agraciado por D. Pedro II com

o título de Marquês de Herval, pelos feitos na campanha. Sobre Osório, Doratioto

afirma: “Sua bravura beirou a irresponsabilidade, arriscando a vida em diferentes

ocasiões, ao lutar corpo a corpo ou expor-se à vista do inimigo [...] A tropa o seguia

mais pelo arrebatamento e por suas qualidades pessoais do que pela obediência”.393

O Duque de Caxias e o General Osório – Acervo AHN/RJ.

Sem dúvida, Osório e Caxias foram as personagens militares que se destacaram

no Império brasileiro. No entanto, suas estátuas – encomendadas em 1888 ao artista

393 DORATIOTO, Francisco. General Osório: A espada liberal do Império. São Paulo: Companhia das

Letras, 2008. p. 95.

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Rodolfo Bernadelli, portanto ainda no Império – somente foram inauguradas no período

da República: em 1894, o monumento equestre de Osório; em 1889, o de Caxias.394

Antes mesmo da construção de estátuas com o intuito de imortalizar os heróis,

a Guerra do Paraguai motivou a contratação de pintores, com o objetivo de guardar para

a posteridade as grandes batalhas travadas pelo Exército e pela Marinha. A exposição

geral de 1872 exibiu duas grandes obras: A batalha de Campo Grande, de Pedro

Américo, 395

que focaliza a figura do Conde D‟Eu, e a tela de Victor Meireles, Combate

Naval de Riachuelo, que tem como ator principal o almirante Barroso.396

A Batalha de Campo Grande de Pedro Américo – 1871.

394 Sobre a construção da imagem de Osório e de Caxias no período republicano ver Adriana Barreto de

Souza. Osório e Caxias: os heróis militares que a República manda guardar. Revista Vária História,

Belo Horizonte, n. 25, p. 231-251, 2001. 395

Pedro Américo na sua primeira tela histórica, A Batalha de Campo Grande, coloca-se ante a missão de

apresentar um episódio, em que se sobressai D. Gaston de Orléans (Conde d‟Eu e príncipe consorte)

como comandante-em-chefe das forças brasileiras, no final da Guerra do Paraguai. Pedro Américo

escolhe a cena da última grande batalha da guerra, ocorrida em 16 de agosto de 1869, quando os

paraguaios, após serem perseguidos, contra-atacam, colocando em perigo a vida do Conde d‟Eu. O pintor

representa o momento preciso em que um ajudante-de-ordens procura protegê-lo, segurando-lhe as rédeas

do cavalo, impedindo-o de prosseguir. Ver CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Quando subordinados

roubam a cena: A Batalha de Campo Grande de Pedro Américo. Saeculum - Revista de História, nº 19,

João Pessoa, jul./ dez. 2008, p. 81-82. 396

Ver o artigo de Armelle Enders, “Plutarco brasileiro”. A produção dos vultos nacionais no Segundo

Reinado. Revista Estudos Históricos. n. 25, 2000.

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Batalha naval de Riachuelo de Victor Meirelles – 1872.

A partir de 1923, Osório deixou de representar o herói nacional e foi

substituído por Caxias, que ingressou no panteão dos heróis brasileiros como o “modelo

ideal do soldado”.397

Isso fez declinar o culto ao general Osório – em seu lugar

apresentava-se o general Caxias, favorecido pelas circunstâncias políticas da década de

1930. No entanto, o reconhecimento do general Osório depois da campanha não foi

suficiente para elevá-lo à condição de herói do Império, embora ele fosse homenageado

popularmente na data da Batalha de Tuiuti. A discussão sobre quem era o herói a ser

guardado nas memórias da guerra fora substituída pelo debate em torno de quem era o

verdadeiro vencedor da campanha. Assim, a disputa do título de herói do Império

restringiu-se aos principais comandantes da guerra: Caxias e Conde D‟Eu.

Dessa maneira, a memória da Guerra do Paraguai, constituída nos anos

imediatos à campanha, foi resultante dos embates políticos entre liberais e

conservadores. Nos jornais e na tribuna das câmaras de deputados e do Senado, os dois

lados defenderam a importância de personificar como herói seus respectivos generais e,

assim, inventar uma tradição para possivelmente ser comemorada pelas gerações

vindouras.398

Os dois generais protagonizaram uma contenda para descobrir quem deveria

figurar nas páginas da história pela vitória do Brasil na Guerra do Paraguai. Partidários

397 CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 13.

398 A ideia de criar uma tradição é movida parcialmente pela noção de “invenções das tradições”,

consagrada por Eric Hobsbawm, em seu livro de mesmo título organizado por Hobsbawm e Terence

Ranger e publicado pela Paz e Terra, em 1984. Todavia, não se pretende analisar os fatos na perspectiva

de uma tradição inventada distante do tempo dos acontecimentos, e sim baseada na discussão ocorrida

ainda no fervor dos fatos referentes à Guerra do Paraguai.

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de Caxias e de Conde D‟Eu atacavam-se mutuamente, tanto na imprensa quanto na

tribuna, em defesa do nome do herói que o Império devia guardar. Dois generais, dois

perfis opostos: um nasceu nobre, enquanto o outro adquiriu o título nobiliárquico pela

sua alta inserção nas Forças Armadas.

Luís Alves de Lima e Silva (1803 – 1880) era o Duque de Caxias, general

veterano de guerra e de revoluções, com uma extensa carreira militar – contava

cinquenta anos de serviços prestados à Monarquia brasileira, no final da guerra. Foi

nomeado comandante das tropas brasileiras no Paraguai, em 1866. Em 1869, aos 67

anos, regressou do Paraguai sofrendo de graves enfermidades no fígado. De volta ao

Rio de Janeiro, foi-lhe concedido pelo Decreto Imperial de 23 de março de 1869 o título

de duque, pelos serviços prestados nos campos de batalha no Paraguai. No ano seguinte,

foi escolhido senador do Império pelo Partido Conservador.

O outro general era o príncipe francês descendente da linhagem dos Bourbons,

Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans (1842 – 1922), Conde D‟Eu, casado com

a princesa Isabel, filha dileta de D. Pedro II.

O Conde D‟Eu. Acervo AHN/RJ

Gastão de Orléans era um jovem militar de 27 anos, que em março de 1869 foi

nomeado comandante em chefe das forças aliadas contra o Paraguai, em substituição ao

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Duque de Caxias e que comandou o Exército brasileiro até o final da guerra, em 1º de

março de 1870, com a morte de Solano López, presidente paraguaio.

Sobre a divisão entre os partidários de Duque de Caxias e de Conde D‟Eu, O

Correio Paulistano descreveu os interesses políticos que moviam os dois grupos. Na

opinião daquele periódico, havia uma tendência de prestigiar o genro do imperador em

detrimento do general que se retirou da guerra antes de sua conclusão. Isso ficou

perceptível por ocasião dos festejos realizados no regresso do príncipe consorte à Corte.

Os duquistas e os condistas eis aí, foram os partidos, que já nasceram

brigando do cérebro do Júpiter de São Cristóvão. É ocioso dizer que os

duquistas são os secretários do Sr. duque de Caxias e os condistas são os

entusiastas do Sr. conde D‟Eu. Desde que chegaram tropas da campanha

fervem as mais vivas demonstrações pelo genro do imperador e futuro

proprietário da nação.399

Os partidários do Conde viam nessas comemorações não apenas uma forma de

homenagear o general do Exército que concluiu a guerra, mas o futuro soberano do

Brasil, como ficou expresso no entendimento da folha da capital da província de São

Paulo: “Os condistas, pois, sob mil pretextos e fórmulas diversas, fintando e

extorquindo, exibem festejos e galas estrondosas para o recebimento do jovem rei”.400

ENTRE CAXIAS E CONDE D’EU

Durante as comemorações pelo regresso do jovem general, “no meio de tantas

festas ninguém lembrava o nome do duque de Caxias, mesmo que sua excelência

apresenta-se no paço de São Cristóvão”.401

Por ocasião da condecoração do marechal

Caxias, em 23 de agosto de 1869, O Correio Paulistano descreveu um fato ocorrido no

momento da entrega da comenda e exoneração do “velho” general. Escreveu o jornal:

“O imperador, transportado de júbilo, corre para ele [o duque] e abraça-o três vezes,

399 BN/RJ. Jornal O Correio Paulistano, São Paulo, 26 mai. 1870.

400 Idem, ibidem.

401 Idem, ibidem.

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vivamente, levantando-o do chão”.402

Dizia o articulista do jornal que não eram aqueles

abraços ao general Caxias ex-ofícios que D. Pedro II fingia dar durante os desembarques

das tropas, afastando-se pesadamente dos comandantes, “vítima do amplexo e do

insípido discurso. Foram três abraços fortíssimos, populares, alheios à pragmática; mas,

todavia, simbólicos!”.403

Tão logo circulou pela cidade do Rio de Janeiro a expressão daqueles abraços,

uma comissão de militares foi cumprimentar o invicto general Caxias e seus retratos

foram ressurgindo nas vidraças da Rua do Ouvidor. Das vidraças passaram para os arcos

triunfais, e “os mais denodados duquistas começaram a levantar vivas ao seu chefe!”.404

A conclusão era que os abraços do monarca no duque significavam uma

reconciliação com a memória do general, com seus feitos e, sobretudo, o

reconhecimento do rei na teia do jogo político e do cenário que se desenhava naquele

momento em que a guerra estava prestes a findar. Os abraços significavam também a

ascensão de Caxias ao Ministério da Guerra, a busca do equilíbrio entre Caxias e Conde

D‟Eu: “duas conchas da mesma balança, cujo fiel está nas mãos do imperador”.405

O Diário do Rio de Janeiro, órgão do Partido Conservador, rememorou os

feitos de Caxias na guerra. Dentre as batalhas que ilustraram o comando do general

Caxias, Pirabeby foi uma das últimas e não menos gloriosa, ao lado dos subchefes

Menna Barreto, Câmara, Pedra e outros. “A glória ali conquistada com o sangue

derramado em comum é nacional, e maldito seja aquele que se lembrar de obscurecê-la

por espírito de partido”.406

Nessa passagem, exaltado, o Diário do Rio de Janeiro

maldisse aqueles que usavam a Guerra do Paraguai para obscurecer ações de seus

generais em nome de disputas partidárias.

A frase que resume o sentimento do Diário do Rio de Janeiro como expressão

do equilíbrio pretendido pela Monarquia foi: “Nesta guerra há glória para todos”.407

Duque de Caxias, que não a podia “invejar, foi sempre o primeiro a preconizá-la. Ele

não fez tudo; mas seus antecessores e sucessores não fizeram o que ele fez”.408

402 Idem, ibidem.

403 Idem, ibidem.

404 Idem, ibidem.

405 Idem, ibidem.

406 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 10 abr. 1870.

407 Idem, ibidem.

408 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 10 abr. 1870.

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CAXIAS: O ESQUECIDO

Um artigo da Revista dos Dois Mundos, intitulado “A Guerra do Paraguai”,

assinado pelo francês Xavier Raymoud e publicado no dia 15 de fevereiro de 1870,

acendeu uma polêmica no Império: a qual general devia-se a glória pelo término da

guerra: Caxias ou Conde D‟Eu? A Revista dos Dois Mundos era partidária do Conde

D‟Eu, talvez por afinidades com Gastão de Orléans, ou ainda por enxergar no então

Marquês de Caxias um general que abandonou a guerra ainda em curso, retirando-se do

campo de batalha para a Corte no mais absoluto ostracismo.

Em resposta ao artigo da revista estrangeira, o senador Firmino Rodrigues da

Silva redigiu um artigo para o Jornal do Comércio, em 22 de julho de 1870, com a

finalidade de reabilitar a figura de Caxias na galeria dos heróis da Guerra do Paraguai.

Ele iniciava o artigo contestando a Revista dos Dois Mundos e expondo as razões que

levaram o “velho general” a declarar a guerra por encerrada, em 24 de janeiro de 1869,

após a tomada da cidade de Assunção, no Paraguai:

Talvez tendo destruído e dissipado o exército inimigo e tomado e

aniquilado grande parte de seu material, se convencesse que a guerra

estaria acabada, o certo é que se apressou a declará-la em ordem do

dia, e contentando-se de fazer a entrada solene em Assunção,

embarcou para o Rio sem sequer esperar autorização do governo.409

Na defesa de Caxias, Firmino Rodrigues afirmou possuir documentos

irrefragáveis, abonadores do proceder “irrepreensível” do general. Documentos que

tinham sidos expostos no artigo com a finalidade de esclarecer os motivos pelos quais

Caxias retirara-se de Assunção. Na Ordem do Dia de 24 de janeiro de 1869, assim havia

anunciado o general sobre o término da guerra:

Os importantíssimos acontecimentos e vitórias, as mais completas por

nós alcançadas durante os memoráveis 25 de dezembro próximo

passado, puseram termo, em minha opinião, à guerra do Paraguai, nas

409 Transcrito pelo Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 jul. 1870.

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condições críticas em que nossas manobras e a intrepidez de nossos

soldados o colocaram, restar-lhe-ia a pequena guerra de recursos, se a

república do Paraguai não estivesse, como está, completamente

exausta deles.410

As sucessivas operações de guerra empreendidas por Solano López e seu

exército – desde a invasão do Mato Grosso, Corrientes e Rio Grande do Sul, passando

pela resistência nos combates de Riachuelo, dominando o corso do Paraguai pelas

fortificações de Humaitá – demonstraram a disposição dos paraguaios. Com forças

enfraquecidas depois da ocupação de Assunção, o chefe dos paraguaios foi visto

fugindo “pela picada de um potreiro com tão diminuta comitiva. Em presença de tais

fatos ninguém teve e nem podia ter outra opinião”, concluiu o autor do artigo do Jornal

do Comércio.

A retirada de Caxias, registrada no Diário do Exército no dia 17 de janeiro de

1869, não era, segundo a documentação, motivada pela Ordem do Dia que definiu o

término da guerra. A retirada deveu-se ao agravamento do estado de saúde do general,

bastante debilitado desde 1867. Em Assunção, em uma ocasião em que assistia a uma

missa na catedral com seu Estado-Maior, Caxias foi acometido de uma síncope que o

obrigou a retirar-se do templo. Ele seguiu para a cidade de Montevidéu por

recomendações médicas, enquanto aguardava a licença do governo imperial para

regressar ao Brasil.411

No Diário Oficial de 18 de janeiro de 1869, foi publicada a mensagem de

despedida que Caxias escreveu para seus camaradas, expondo as razões pelas quais

estava se retirando da campanha:

Achando-me gravemente enfermo e tendo obtido do governo imperial

licença para tratar de minha saúde no Brasil, é com o coração

oprimido pela dor que sinto ao separar-me do exército, a quem me

coube a honra de comandar, que dirijo-me aos meus camaradas para

dizer-lhes meus adeuses, restando-me unicamente o consolo de os

deixar aos cuidados do bravo e distinto general Guilherme Xavier dos

Santos. Se por ventura tiver ainda a fortuna de restabelecer-me nos

lares pátrios, contem os meus bravos companheiros de glórias e

fadigas que ainda voltarei um dia para continuar ajudá-los na árdua

campanha em que achamo-nos empenhados.412

410 Transcrito pelo Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 jul. 1870.

411 Sobre a retirada de Caxias da Guerra do Paraguai ver: DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova

história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 386-396. 412

BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 jul. 1870.

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Assim, o senador Firmino concluiu que “se Caxias se retirasse por aquele

motivo, não asseveraria nas referidas „Ordens do Dia‟ que, apenas restabelecido,

voltaria a compartilhar de novo a glória e as fadigas de seus companheiros de armas”.413

Por fim, Firmino deduziu em seu artigo que o autor da matéria publicada na Revista dos

Dois Mundos tinha o propósito de “marear o brilho de nossa primeira glória militar”,

haja vista o comentário feito por Xavier Raymoud sobre a recepção do Marquês de

Caxias na Corte: “se esperava ser acolhido como triunfador, teve um desengano, quando

a 15 de fevereiro de 1869 desembarcou no Rio de Janeiro. Sem ser ofensiva foi fria a

recepção. A opinião pública não se enganara, recusava a crer que a guerra estivesse

terminada”.414

Caxias chegou silencioso à Corte. O Jornal do Comércio noticiou

laconicamente o regresso do general, que desembarcou na cidade do Rio de Janeiro por

volta de oito e meia da noite, vindo de Montevidéu a bordo do vapor São José. O

marquês recolheu-se diretamente em sua quinta, na Tijuca. Por não ter avisado seu

retorno em telegrama, “não pôde o povo saudar a sua chegada, nem demonstrar o seu

júbilo e as gratidões de que se acha possuído”.415

Enquanto a população ignorava a data do regresso do marquês, em 12 de

fevereiro de 1869 o Jornal do Comércio publicava uma nota assinada pelo ex-redator do

Diário do Rio de Janeiro, Luiz Antônio Navarro de Andrade, conclamando a população

fluminense para render homenagens ao chefe das forças brasileiras no Paraguai:

Povo! Caros compatriotas! Levantai-vos ao sinal da chegada do nosso

heróico patrício, o marechal marquês de Caxias; levantai cidade nobre

no seio da qual viu a luz o gênio militar brasileiro, o primeiro e mais

denodado soldado do império de Santa Cruz; ide unida e entusiástica

receber o herói à entrada da magnífica Guanabara; aclamai com

fervor, e cheio de gratidão o valoroso chefe de tantos valentes chefes e

soldados.416

413 Idem, ibidem.

414 Idem, ibidem.

415 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 16 fev. 1869.

416 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 fev. 1869.

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Era um apelo dramático, dirigido ao povo fluminense para que as pessoas

lotassem as ruas da capital do Império com o objetivo de aclamar o Marquês de Caxias,

o general “cansado de anos e de serviços, mas rico de honras e glórias como nenhum

outro”.417

A exortação foi dirigida a todas as classes sociais:

Este apelo nós o fazemos por patriotismo e dedicação,

indistintamente, aos comerciantes, artistas industriosos, aos

magistrados, militares, empregados públicos e todas as classes

fluminenses, esperando que a população da capital acolherá com

benevolência e entusiasmo a voz de um compatriota, que se não está

mais à frente de um jornal importante, não deixou por isso de ser um

bom patriota.418

O redator dizia ao povo que esquecesse as rivalidades políticas, porque eram

inglórias, e que era chegada a hora de demonstrar que a nação tinha somente fé no trono

e nos grandes feitos realizados por Caxias, Herval, Inhaúma, Itaparica, Maurity, e tantos

outros bravos.

Voltemos para a entrada de nossa esplêndida baía e aguardemos a

chegada do invicto chefe de nossos valentes compatriotas! Mostremos

a grande nação argentina que se Gelly y Obes, o bravo paraguaio feito

argentino, que tanto mereceu da nação da população Buenos Aires;

Caxias, herói brasileiro, o glorioso fluminense é também o ídolo da

pátria, o símbolo do amor e da dedicação do povo da capital do

Império”.419

De nada serviram os apelos do entusiástico jornalista. Logo após a chegada,

por recomendações médicas, Caxias se retirou para a Tijuca sem que acontecessem

festas e recepções pelo seu regresso ao Rio de Janeiro.

Em 14 de fevereiro de 1869, a Câmara Municipal carioca anunciou nos

principais jornais da Corte a intenção de celebrar um solene te-deum em ação de graças

ao Todo-Poderoso, na presença do Marquês de Caxias. Na programação publicada nos

417 BN/RJ. Jornal do Comercio, Rio de Janeiro, 16 fev. 1869.

418 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 fev. 1869.

419 Idem, ibidem.

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jornais, a população seguiria em préstito a pé, acompanhando o general do Paço

Municipal até a igreja, com a condição de que Caxias consentisse essa homenagem.

No Engenho Novo, na província do Rio de Janeiro, outra comissão reuniu-se

para angariar recursos para a realização dos festejos ao comandante das tropas

brasileiras. Entretanto, a pedido do próprio marquês, que declinou da homenagem, o

dinheiro arrecadado foi aplicado nas obras da igreja matriz daquela localidade.420

Ilmo. Exmo. Sr. – tendo levado ao conhecimento da mesa

administrativa da irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia

do Engenho Velho, em sessão da mesa de 12 de setembro último, a

carta de V. Excia., com data de 17 de fevereiro do corrente ano, a mim

dirigida, na qual V. Excia., ciente de que os seus comparoquianos

tinham resolvido obsequiá-lo com festejos por ocasião de sua chegada

a esta corte, e agradecendo de todo o coração essa prova de amizade

dos amigos de V. Excia., pede que o produto da subscrição, recolhida

para esse fim, seja aplicado às obras da matriz do Engenho Velho.421

Como de costume, foram instituídas comissões para a organização dos festejos

pela recepção a Caxias. Reunida na Praça do Comércio, em 15 de fevereiro de 1869, a

comissão presidida por Antônio Ferreira Vieira, presidente da Câmara Municipal,

deliberou que os festejos pelo regresso do general aconteceriam no mesmo dia da

celebração do te-deum promovido pela Câmara Municipal da Corte.422

Depois de uma

semana de divulgação da programação dos festejos para Caxias, uma nota publicada no

Jornal do Comércio 423

informava que, em consequência do estado de saúde do

marquês, os festejos e o te-deum haviam sidos suspensos.

O artigo em que o senador Firmino Rodrigues, representante da província de

Minas Gerais, explicava as razões pelas quais Caxias não foi comemorado na ocasião de

seu regresso à Corte dizia:

420 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 jul. 1870.

421 Carta do Duque de Caxias transcrita para o jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 maio

1870, endereçada ao Consistório da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia do Engenho

Velho, em 9 de outubro de 1869. O escrivão da irmandade, Izidro Borges Monteiro. 422

BN/RJ. .Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 fev. 1869. 423

BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 17 fev. 1869.

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Não era de certo, e nem podia ser esta ocasião oportuna para

manifestações estrepitosas, o estado precário de sua saúde não

permitiria, e nem podia ele contar com as ovações da guerra

terminada, pois fora ele o primeiro a declarar que ainda restava a

López a guerra dos recursos.424

A falta de ânimo e até a impotência do governo e do Partido Conservador para

solenizar a chegada de Caxias à Corte tinha outra razão, na opinião do jornal O Liberal,

de Recife:

Nada teve o poder de quebrar a camada de gelo que encontravam no

ânimo público, os promotores de festejos e ovações. Depois de

baldadas tentativas que só serviram para por patente o desfavor da

opinião, foi abandonada, como se sabe, a idéia de festejar o general

que dera a guerra por finda, quando ela ainda continuava a impor-nos

pesados sacrifícios de sangue e de dinheiro.

A imprensa liberal de Pernambuco considerou demasiada a frieza manifestada

ao ex-general chefe, quando se vitoriavam entusiasticamente os heróis da guerra, pois

considerava incontestável o serviço por ele prestado no Paraguai. O articulista também

admitiu que Caxias havia cometido excessos injustificáveis em relação ao que se

esperava de um general e, nem mesmo a fama de seus feitos, apregoados pelos

partidários, foi capaz de compensar o descontentamento público. O articulista referia-se

ao fato de Caxias se retirar do campo de batalha quando a guerra ainda estava

inconclusa. “A conseqüência foi que a opinião reagiu com força contra tais excessos, e

deixou passar fria e quase hostil, o novo duque, rival de Aníbal, de César e de

Napoleão”.425

Um episódio notável ocorreu durante os festejos pela chegada do Conde D‟Eu,

em 29 de abril de 1869. As comemorações expressaram a indiferença em relação ao

Duque de Caxias e o entusiasmo despertado na população pela figura do gaúcho general

Osório. Por toda parte se dizia que o governo incumbira a polícia de aclamar

424 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 jul. 1870.

425 Referindo-se ao Decreto de 23 de março de 1869, no qual o Imperador concedeu-lhe o título de Duque

de Caxias pelos relevantes serviços prestados na Guerra do Paraguai. O Liberal, Recife, 13 abr. 1869.

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ruidosamente o Duque de Caxias: “ora o povo que tem às vezes das suas, entendeu que

era chegada a ocasião de galardoar o primeiro soldado do Brasil e pôs-se na rua”.426

O vereador Lima e Silva, presidente da comissão da Praça do Comércio e

irmão do duque, excluíra dos adornos e decorações do edifício da Bolsa o retrato do

general Osório. A reação do povo foi imediata e alguns liberais metidos entre o povo

mandaram buscar um retrato a óleo do lendário general gaúcho, pintado por Rocha

Fragoso, para ser colocado na sacada do Banco Inglês, em frente à praça. Enquanto isso,

durante os festejos para o Conde D‟Eu o Correio Paulistano denunciou o ostracismo em

que se achava o Duque de Caxias:

A polícia, recaindo talvez as boas disposições da população, não se

mostrou; o Sr. Caxias, abandonado pelos seus, logo do arsenal enfiou-

se pela rua de Bragança. Dando as de Vila Diogo, ou pelo hábito de

fugir, ou por simples, mas dura ironia do destino. O que é certo é que

o próprio artigo de fundo do Diário do Rio, de hoje, que dá conta do

festejo de recepção, trata o duque como homem morto. É o que sucede

a estes medalhões de São Cristóvão quando postos um dia à prova

popular: reduzem-se as suas reais condições.427

Por sua vez, o Diário do Rio de Janeiro destacou em suas colunas a simpatia

pelo general. Militares amigos de Caxias, em número de duzentos, reuniram-se no

Teatro São Pedro para combinar uma manifestação de apreço pelos serviços que ele

prestou durante a guerra. Também deliberaram ofertar ao general a Grã-Cruz da Ordem

de Pedro I, comenda toda de ouro e cravejada de brilhantes.428

Em 13 de maio de 1870, foi realizado um espetáculo no Teatro São Pedro de

Alcântara em homenagem ao Duque de Caxias, com a apresentação do drama O rei das

ilhas. O Diário do Rio de Janeiro relatou que Caxias e sua família seguiram entre as

alas de oficiais da entrada do edifício até o camarote, reservado especialmente para ele.

Depois do espetáculo, o general ouviu poesias e discursos recitados dos camarotes. No

cenário avultava o retrato do duque, entre os troféus de guerra.429

A Reforma afirmou que os amigos do duque compreendiam que a melhor

defesa para os erros cometidos por ele durante o comando no Paraguai foi o absoluto

426 BN/RJ. Jornal Correio Paulistano, São Paulo, 10 maio 1870.

427 BN/RJ. Jornal Correio Paulistano, São Paulo, 10 maio 1870.

428 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 11 maio 1870.

429 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 13 maio 1870.

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silêncio em relação ao que pudesse vir à memória – o sangue de tantos brasileiros,

inutilmente derramado em nome do “infeliz general”.430

Ainda nesse período, em um

artigo assinado com o pseudônimo Inválido, referindo-se à folha conservadora Diário

do Rio de Janeiro, que transcreveu uma série de artigos do Diário de Belém para O

Liberal, da província do Pará, se propunha impedir a transmissão à posteridade da

“mentira muitas vezes repetida pelos amigos do duque de Caxias, por cujos ombros eles

subiram ao poder que hoje disputam”.431

A transcrição do Diário de Belém para O Liberal, em apologia a Caxias, dizia o

seguinte:

Convinha a todo custo manchar a sua gloriosa reputação, ao general

que, assentando praça no exército a 22 de novembro de 1808, de

cadete; subindo de posto em posto por seus merecimentos, por seu

acrisolado patriotismo, pelos relevantes serviços prestados à pátria,

alcançou a mais alta categoria no exército; que de simples cidadão

subiu ao mais alto grau da nobreza; das ordens honoríficas do

Império; que tem os seus dias contados por serviços, os seus

momentos de sossego por sacrifícios, privação e alarmas; cada um dos

atos de sua vida pública, assinaladas por sua inequívoca prova de

honestidade, de amor a instituição do país e de fidelidade ao

Imperador, ao general que cobrindo-se de glória no Maranhão, Minas,

São Paulo e no Rio Grande, subiu até as alturas do heroísmo no

Paraguai, onde fez de cada brasileiro um soldado; de cada soldado um

bravo, proporcionando a história militar da pátria mil páginas de

denodo pelos louros da vitória.432

Na sequência, o Diário de Belém referiu-se a Caxias como “o general, que

alquebrado pela idade e por seus longos padecimentos, na sua elevada posição de

senador e de marechal, não hesitou um só instante em trocar a cadeira do Senado pelos

duros bancos da campanha”.433

Preferiu, assim, a incômoda e desabrigada barraca às

estufas do suntuoso palácio da Corte para comandar as tropas brasileiras no Paraguai.

O objetivo da apologia a Caxias era combater as opiniões contrárias e

desabonadoras ao duque, publicadas no jornal O Liberal. O autor do editorial de A

430 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 21 jun. 1870.

431 Idem, ibidem.

432 Idem, ibidem.

433 Idem, ibidem.

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Reforma finalizava em defesa de O Liberal, dizendo que aquele jornal era incapaz de

dirigir uma ironia ao velho duque.

Na edição seguinte, A Reforma contestou o artigo publicado pela folha

conservadora, iniciando pela biografia do duque – “o escritor do Diário de Belém, com

quem procura chamar a atenção do leitor para os seus longos anos de serviço que

excedem a meio século, deixando subentender que exerce uma profissão por espaço de

62 anos”.434

Além de não ser verdade que o duque de Caxias exerce a profissão das

armas desde 1808, o longo prazo de serviço não pode ser por si só da

sabedoria, porque [como muito bem disse o general Osório a certo

oficial que só sabia justificar-se das acusações que lhes faziam os

chefes dizendo que tinha 48 anos de serviço].435

Na mesma circunstância, ironizando o periodista conservador disse que na

biografia escrita para o jornal Caxias contava o tempo de praça desde o seu nascimento,

e que era essa a prova mais palpável da proteção escandalosa que, a despeito dos erros,

“culpar a este crime de alta traição” o elevou a mais alta dignidade do Império.436

Antes de abordar a questão principal – saber por que Caxias deixou López

fugir – o biógrafo do Diário de Belém julgou conveniente encadear uma série de

lamentações, até chegar à cena política que apresentava “o general alquebrado pela

idade e pelos longos padecimentos em cima de um cavalo apanhando copiosa chuva

desde as 2 horas da madrugada até as 10 horas da noite do outro dia!”.437

Mesmo que

essa descrição comovesse os leitores, o jornalista de A Reforma enfatizava que não

poderia impedir que essas “mentiras” fossem repetidas.

O escritor do Diário de Belém, depois de historiar os fatos, disse que tudo não

passava de uma dissertação sob encomenda de “movimentos insignificantes que

precedessem ao imortal dia 27 de dezembro de 1868”.438

Para provar o empenho que o

general fazia para a captura de López, citou apenas um documento. Apresentou o

434 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 23 jun. 1870.

435 Idem, ibidem.

436 Idem, ibidem.

437 Idem, ibidem.

438Idem, ibidem.

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general dando ordens aos oficiais que encontrava quando percorria, durante a ação, as

linhas avançadas do Exército.

Na sua biografia, o escritor paraense empenhou-se em provar que não foi por

covardia que Caxias deixou Solano López escapar durante uma batalha, e sim porque

López fugiu pela retaguarda. “Era porque bem sabia que este lugar por onde um

exército inteiro se retira” e, por conseguinte, concluiu o redator de A Reforma,

“estratégia mais própria para a fuga de um só homem”.439

O Diário do Rio de Janeiro, por sua vez, escreveu sobre a ingratidão e o

esquecimento a que foi relegado Caxias: “Que sublime coerência! O marquês de Herval

é hoje o grande salvador do exército, e o nobre duque de Caxias [...] Apenas uma

recordação de Lomas Valentinas e de Humaitá”.440

O porta-voz do governo imperial,

referindo-se à ligação do Conde D‟Eu com o Partido Liberal, concluiu: “Temos repelido

essas insinuações que ferem o justo renome de Sua Alteza, procurando comprometer a

elevada categoria do esposo da princesa imperial, nas torpes especulações de

partido”.441

O Diário do Rio de Janeiro, sempre disposto a render homenagens aos

“beneméritos” da pátria e a comemorar seus serviços, enunciou: “temos por nossa parte,

e em quanto nos cabe, invocado a admiração e o reconhecimento de todos os brasileiros

pelos brilhantes feitos de nosso exército e esquadra, durante a longa e gloriosa guerra

com a república do Paraguai”.442

A explosão de contentamento pela vitória de 1º de março de 1870, às margens

do Aquidaban, absorveu as atenções da nação brasileira. Por ocasião das últimas

manifestações de regozijo público, entretanto, não foram devidamente lembrados os

triunfos alcançados pelo Exército e pela Armada, durante o comando do Duque de

Caxias.

Para os conservadores, render homenagens a Caxias, a despeito daqueles que

fizeram uso político da Guerra do Paraguai, provocando exaltação nos ânimos

partidários, significava o mesmo que envolvê-lo no manto do esquecimento que

fatalmente recaiu sobre a fronte do velho general.

439 Idem, ibidem.

440 Idem, ibidem.

441 Idem, Ibidem.

442 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 10 abr. 1870.

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Se fosse possível esquecê-lo agora, muito aproveitaria a sua glória,

porque a ingratidão é a luminosa auréola com que os heróis se

apresentam perante a posteridade e a história. A reputação do duque

de Caxias é mais nossa do que dele, já na última instância de sua

brilhante vida. A ingratidão não é, felizmente, o vício da nossa época,

antes o povo mostra-se mais generoso do que será talvez a justiça da

história.443

Cabe à história esclarecer a memória e retificar o passado. Da mesma forma, a

lembrança como experiência transfiguradora e revolucionária pode também nutrir a

história, pois esta é a reconstrução das experiências passadas. “O duque de Caxias ali

revelou talento militar; o inimigo sentiu os temíveis efeitos de suas manobras e todas as

nações glorificaram a perícia do general e a intrepidez de nossos soldados e

marinheiros”.444

CONDE D’EU: O COMEMORADO

Entre 1808 e 1889 as festas na Corte eram, em sua maioria, destinadas à

realeza. “Dessa maneira, se as elites e o sistema monárquico tinham mecanismos para

divulgar o Império brasileiro, era por meio das festas que chegava a uma „realeza

mística‟”.445

Em contraponto ao esquecimento de Caxias, houve, entretanto, a celebração ao

Conde D‟Eu como herói da Guerra do Paraguai. Ainda hoje o Conde é objeto de

homenagens por ser o genro de D. Pedro II, consorte da princesa, e por sua associação

com os liberais.

As festividades para o Conde D‟Eu devem ser compreendidas além das festas

organizadas na recepção dos Voluntários da Pátria e Guardas Nacionais, batalhões de

soldados cujos nomes não se distinguiam no meio da massa que os comemorava. Não se

443 Idem, ibidem.

444 Idem, ibidem.

445 SCHWARCZ, L. M. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998. p. 248.

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tratava também de uma comemoração pelo reconhecimento de bravura e heroísmo,

como aconteceu com o general Osório, até porque durante o tempo em que esteve no

comando o príncipe não tomou parte em nenhuma grande batalha. Mas, sem dúvida, era

uma comemoração associada à realeza e, como tal, deveria ter o aspecto das festas

europeias.

Café Braguinha ornamentado por ocasião dos festejos do fim da Guerra do Paraguia.

Ao centro aparece a foto do Conde D‟Eu e da princesa Isabel, 1870 – Acervo BN/RJ.

Contudo, na encenação da chegada à Corte, o Partido Liberal e a Coroa

procuravam, por diferentes interesses, torná-lo uma figura simbólica. O primeiro

defrontava-se com a ideia defendida pelos conservadores que Caxias era o herói da

Guerra do Paraguai, enquanto para a Monarquia criava-se uma perspectiva de inserir o

príncipe – representante da realeza – na galeria dos heróis nacionais. Ao mesmo tempo,

seria possível popularizar sua figura de herdeiro do trono imperial pelo consórcio com a

princesa Isabel.

O desembarque do Conde D‟Eu aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia

29 de abril de 1870. Na ocasião, o príncipe foi recepcionado por duas divisões navais,

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compostas por um lado pelos encouraçados Lima Barros, Cabral, Barros e Herval e, por

outro, pelas corvetas Magé e Paraense, ao mando do capitão-de-mar-e-guerra Joaquim

Francisco de Abreu.

Ainda a bordo, a princesa Isabel pregou na farda de seu esposo a medalha de

mérito militar, conferida por Decreto Imperial de 29 de março de 1870. Foi um

espetáculo imponente: “As tripulações subindo às vergas erguiam as vozes retumbantes,

agitando os bonets entre vivas e urras constantes e entusiásticos, era uma imensa

aclamação de todos os lados, aclamação espontânea, clamorosa, indescritível”.446

O Imperador, a família real e a comitiva de recepção ao Conde desembarcaram

no Arsenal da Marinha no porto do Rio de Janeiro e dirigiram-se a pé até a capela

imperial. Foram seguidos pelas discípulas do conservatório de música, dirigidas pelo

maestro A. Fiorito, ao som do hino da vitória e acompanhados pela multidão que

ocupava a Rua Direita e o Arsenal da Marinha. “E o povo unindo-se a todas as vozes e a

todos os sentimentos em um só e indizível brado de delirante entusiasmo” para

homenagear o vulto do “intrépido e honrado príncipe”.447

Os batalhões 1º, 3º e 5º de Infantaria, 2º e 6º de Caçadores e Artilharia da

Guarda Nacional e um batalhão de Voluntários da Pátria fizeram alas desde o Arsenal

da Marinha até a capela imperial. Após a entrada das majestades imperiais no templo, os

batalhões marcharam para o Campo da Aclamação, seguindo pela Rua da Constituição

até a Câmara Municipal, onde fizeram continências à família imperial.

A solenidade prosseguiu com o encontro da comissão de despachantes da

alfândega e o marechal do Exército, o Conde D‟Eu, sempre acompanhado por um

grande número de senhoras vestidas de branco e ornadas de fitas verdes e amarelas, que

sustentavam bandeirolas e estandartes nacionais.

Do Paço da Cidade a família real seguiu em carruagem descoberta pelas ruas

designadas no programa até o Paço de São Cristóvão. Era impossível descrever o

entusiasmo do público durante a passagem da família imperial, narrou o Diário do Rio

de Janeiro:

De todas as janelas brilhantemente ornadas e repletas de senhoras,

choviam em turbilhões flores sobre a augusta família. Os lenços

agitavam-se freneticamente; os vivas ao conde d‟Eu, ao imperador, à

446 BN/RJ. Jornal. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 30 abr. 1870.

447 Idem, ibidem.

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princesa imperial, à imperatriz, aos grandes heróis da grande

campanha.448

O redator da folha conservadora na Corte descreveu a festa com êxtase,

considerando o regozijo da multidão descontrolada: “O povo atirava-se às rodas do

carro, interceptando à marcha dos animais, expunha-se a ser pisado, cego de delírio e

alucinado de prazer”.449

O Arsenal da Marinha, a Rua Direita e a Praça D. Pedro II estavam repletos de

bandeiras, flâmulas e galhardetes que, de lado a lado, eram agitados das janelas. Quem

chegava à Praça do Comércio, notavelmente decorada, ouvia a banda de músicos

alemães executar marchas e músicas de conhecimento popular.

A recepção ao Conde D‟Eu foi um acontecimento festivo e, ao mesmo tempo,

uma oportunidade para mostrar a popularidade da família real. Quando se referiu aos

festejos que divertiram o povo, o jornal Diário do Rio de Janeiro descreveu uma

multidão em delírio durante a passagem da família real.

Para o Jornal do Comércio, a recepção foi um dos mais “belos movimentos

populares” que a capital do Império presenciou. O príncipe foi recebido pela população

da Corte não só como o general vencedor, “mas também como filho ou irmão estimado,

que, vencidos trabalhos e perigos, regressava ao seio da família”.450

Depois desse êxtase popular, para os jornais o destaque foi a galeria de heróis

que o Império levou para as ruas. Os retratos da nobreza imperial figuravam em

ornamentos e arcos que enfeitavam os logradores públicos. Também nos quadros

pintados e erguidos nas janelas das casas e nas colunas levantadas com esse propósito,

nos logradouros por onde passou o desfile oficial, puderam-se conhecer os heróis que a

Monarquia mandou guardar. Nessa galeria destacavam-se, evidentemente, a família

real, seguida das efígies do Visconde de Tamandaré, do Visconde de Pelotas, do

Visconde de Inhaúma, do Duque de Caxias, do Marquês do Herval, do Barão da

Passagem e do Barão de Porto Alegre.

Em frente à Praça do Comércio, na fachada da casa contígua ao Banco Inglês,

foi exposta uma tela de grandes proporções com o retrato do general Osório, Marquês

448 Idem, ibidem.

449 BN/RJ. Jornal. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 30 abr. 1870.

450 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 30 abr. 1870.

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de Herval, um dos vultos mais salientes da guerra no Sul. Um nome aclamado pelo

povo, que sempre levantava vivas em frente ao seu retrato.

A galeria de heróis refletiu as disputas partidárias do Império e rapidamente

veio substituir as comemorações antes destinadas aos Voluntários da Pátria. A festa

passageira para os soldados foi substituída pelas homenagens aos principais

comandantes que tomaram parte na Guerra do Paraguai. O Marquês de Herval, o Barão

de Porto Alegre, o Visconde de Pelotas, naturais do Rio Grande do Sul, formaram as

forças legalistas na Farroupilha e também das guerras no Prata, na década de 1850.

Caxias, natural do Rio de Janeiro – depois de participar com destaque do combate à

Sabinada, da Balaiada e das revoluções liberais em Minas Gerais e São Paulo, em 1842

– durante a fase que comandou as forças aliadas foi o comandante de todos os

comandantes antes mencionados, na Guerra do Paraguai.451

No decorrer da guerra, na alta oficialidade do Exército e, por serem civis,

transformaram-se em fortes lideranças políticas em suas respectivas províncias e até

mesmo nacionalmente, ligados a partidos políticos que lhes asseguravam a condição de

importantes personagens na guerra. Pelos títulos que ostentavam, concedidos pela

Monarquia, é possível inferir que essa foi a forma encontrada pelo sistema político que

os absorvia e, ao mesmo tempo, isolava e relegava o Exército a um papel insignificante.

No frontal do primeiro arco, ao desembarque de qualquer navio, no porto da

cidade do Rio de Janeiro, figuravam os nomes das batalhas de 6 e 27 de dezembro de

1868. As efígies dos anjos da glória adornavam as laterais do arco. Na parte inferior das

colunas, havia dois retratos: o do Imperador e o do Visconde de Tamandaré. No topo do

segundo arco estavam as armas imperiais e estandartes pátrios. Sobre as colunas que

formavam a base do arco era vista a estátua da Fama. Na parte frontal, lia-se: Combate

naval de Riachuelo pelo barão do Amazonas.452

No final da Rua do Mercado, um outro arco triunfal em estilo gótico era

avistado de longe e, em sua fachada principal, sustentava os retratos do Conde D‟Eu e

do general Câmara, Visconde de Pelotas. No centro do arco, um lustre; nas paredes

interiores, escritos em “letras ornadas”, com referências aos combates de Ascurra, em 2

de agosto de 1869, e de São Pedro, em 11 de janeiro de 1870, batalhas nas quais o

451 Sobre os militares que tiveram no comando durante a guerra contra o Paraguai ver: DUARTE, Paulo

Queiroz. Os Voluntários da Pátria na guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1981. 452

BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 30 abr. 1870.

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Conde teve participação como chefe das forças aliadas. Nas faces laterais do

monumento sustentavam-se os emblemas da justiça e da verdade.

Na parte inferior das colunatas foram pintados os bustos dos quatro heróis da

guerra: Visconde de Inhaúma, Duque de Caxias, Marquês de Herval e Barão da

Passagem. Todos agraciados com títulos de nobreza que os distinguiam da massa dos

soldados comuns e mesmo dos oficiais que fizeram a campanha e tiveram seus feitos

anotados. Era, sem dúvida, uma festa da Monarquia e dos súditos que formavam a corte

do monarca.

As festas idealizadas para o Conde D‟Eu se estenderam por todo o mês de maio

de 1870. No dia 8 daquele mês, os empregados do comércio e mais seiscentas pessoas

formaram um cortejo, conduzindo a bandeira da corporação, em sua caminhada até o

Palácio Izabel. Entre as aclamações do povo, o cortejo ia “solicitando esmolas, cujos

produtos foram aplicados aos pobres da freguesia de Santa Rita, tendo dado análogo

destino à sobra das quantias agenciadas para o festejo, sendo estas divididas em partes

iguais e entregues ao Asilo de Socorros de D. Pedro V”.453

ENTRE DUQUISTAS E CONDISTAS

Na sessão do Senado de 7 de julho de 1870, o foco do debate proposto pelo

senador baiano Zacarias de Góes e Vasconcelos, filiado ao Partido Liberal, foi sobre os

dois artigos publicados ainda no início das discussões sobre a retirada das tropas: “A

Guerra do Paraguai” – publicado pela Revista dos Dois Mundos, no dia 15 de fevereiro

de 1870, assinado por Xavier Raymoud – e “A Revista dos Dois Mundos e a Guerra do

Paraguai” – publicado no Jornal do Comércio, em 22 de junho de 1869, assinado pelo

senador Firmino Rodrigues da Silva, um apologista de Caxias.

Durante a discussão sobre o voto de graças, o senador Zacarias iniciou seu

discurso discorrendo sobre o fim da guerra e, como uma provocação, indagou à plenária

e aos seus pares: “qual foi o general a quem tamanha glória deve o Brasil?”.454

O

453 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 11 mai. 1870.

454 FCRB. Pronunciamento do senador Zacarias de Góes e Vasconcelos na sessão de 7 de julho de 1870,

no Senado. Anais do Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 29.

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governo, na Fala do Trono que submeteu à Coroa, à Câmara dos Deputados e ao

Senado, respondeu essa pergunta. Citando o trecho do voto de graças publicado nos

anais do Senado, lê-se:

Realizou-se, com efeito, a fundada esperança de Vossa Majestade

Imperial de ver os soldados brasileiros conduzidos à vitória final sob o

comando do muito amado e prezado genro de Vossa Majestade

Imperial, o marechal do exército conde D‟Eu. Essa esperança que não

deixou um instante o trono imperial, foi também a de todo o país que

considera este triunfo, ainda mais precioso por ter sido alcançado sob

a gloriosa direção do augusto esposo da princesa imperial.455

Para o senador Zacarias, não havia dúvida quanto ao nome do herói que

deveria figurar nas páginas da história brasileira: “o Senhor conde D‟Eu é o general a

quem devemos a terminação da guerra”.456

Ressaltava que não era simplesmente uma

opinião pessoal, mas a voz do governo, das câmaras e da população, pelo “entusiasmo

com que foi recebido o príncipe nessa corte, o entusiasmo com que seu nome é

pronunciado em todo o império”.457

Agregava também que essa constatação era

confirmada pela imprensa do Rio de Janeiro e das províncias.

Com a disputa instaurada, liberais e conservadores subiram à tribuna para

advogar em nome dos generais da guerra que possivelmente seriam rememorados na

posteridade. A discussão teve como pano de fundo as impressões do periódico francês,

que explicitamente emitiu opinião favorável ao reconhecimento do Conde D‟Eu como o

general responsável pelo término da guerra.

Uma das questões levantadas pelo senador Zacarias de Góis como ponto

crucial para a argumentação sobre o herói a ser cultuado era resolver o seguinte

impasse: qual seria a data do fim da guerra? Em 24 de janeiro de 1869, o comandante

chefe, Duque de Caxias, declarou na Ordem do Dia do Exército que as vitórias de

dezembro de 1868 puseram termo à guerra, com a fuga de López diante das tropas

brasileiras. Em seu pronunciamento, o senador Zacarias considerou duas hipóteses

como importantes no desfecho da guerra: “matar López ou expulsá-lo do Paraguai.” E

455 Idem, ibidem.

456 Idem, ibidem.

457 Idem, ibidem.

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concluiu que: “logo a guerra não estava acabada”.458

Na Revista dos Dois Mundos

também se lia: “Julgando a guerra acabada, retirou-se o marquês de Caxias do Paraguai

sem autorização do governo”.459

A decisão de Caxias de retirar-se da guerra foi esclarecida pelo Diário Oficial

de 3 de fevereiro de 1869.

O senhor Marquês de Caxias, considerando finda a guerra e achando-

se adoentado, havia pedido a sua demissão: aguardava a decisão do

governo imperial, quando no dia 17, estando a ouvir missa na matriz

de Assunção, foi acometido de um ataque de cabeça, que podia ter

sérias conseqüências, mas que felizmente cedeu aos imediatos

socorros da medicina.460

Da tribuna, o senador Zacarias dirigiu severas críticas a Caxias, acusando-o

inclusive de ter abandonado a guerra. Tudo isso aconteceu na presença do próprio

duque, que participou daquela sessão como senador. Caxias se defendeu, interrompendo

o colega e dizendo: “Abandono, não; retirei-me por doente”.461

Tanto na tribuna quanto nos jornais foi debatido o suposto fim da guerra

exposto na Ordem do Dia de 14 de janeiro de 1869. Em sua fala, o senador baiano

justificou o estarrecimento diante daquilo que considerou “imaginária terminação da

guerra”.462

No entendimento do senador, a honra nacional estaria comprometida se

prevalecesse a ideia de que a guerra foi concluída com a ocupação da cidade de

Assunção, capital paraguaia.

O senador Zacarias defendeu que, ultrapassada essa pressuposição, sentia-se

tranquilo porque “a honra nacional está satisfeita, hoje cabem as festas, as da nação

celebradas com regozijos e entusiasmos e a oficial, fria como a estação em que nos

achamos”.463

Em seu longo discurso, o senador baiano censurou o senador por Minas

458 Idem, p. 34.

459 Idem, ibidem.

460 BN/RJ. Jornal Diário Oficial, Rio de Janeiro, 3 fev. 1869.

461 FCRB. Pronunciamento do senador Duque de Caxias na sessão de 7 de julho de 1870, no Senado.

Anais do Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 34. 462

FCRB. Pronunciamento do senador Zacarias de Góes e Vasconcelos na sessão de 7 de julho de 1870,

no Senado. Anais do Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 30. 463

O Senador Zacarias, com essa frase, faz uma referência à festa oficial promovida pelo governo

imperial em 10 de julho de 1870 pelo fim da Guerra do Paraguai. Cf. Pronunciamento do senador

Zacarias de Góes e Vasconcelos na sessão de 7 de julho de 1870, no Senado. Anais do Senado. Rio de

Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 34.

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203

Gerais Firmino Rodrigues por considerar tendenciosas as ideias contidas no já citado

artigo do Jornal do Comércio, em que considerava ser evidente a intenção do senador

Firmino de relembrar Caxias. Todavia, referindo-se diversas vezes ao artigo de Xavier

Raymoud, no jornal francês, Zacarias fazia abertamente sua apologia ao jovem príncipe:

“O debelador da guerra do Paraguai foi o conde D‟Eu, no sentir de M. Raymund; mas

que culpa tem aí o escritor francês? E, então, como diz a apologia que a leviandade e a

ignorância inspiraram o seu acerto?”.464

Caberia ainda uma outra questão para aclarar a disputa aberta que se travou

entre Caxias e o Conde D‟Eu. Tratava-se das honras militares pelo término da guerra.

Por que o Conde D‟Eu somente participou da terceira fase da campanha? Na tribuna

foram lembrados os dois pedidos que o príncipe Gastão de Orléans, o Conde D‟Eu,

genro do Imperador, fez ao sogro para partir para a guerra contra o Paraguai. A primeira

tentativa ocorreu durante a Batalha de Curupaiti e, a segunda, depois da nomeação de

Caxias como comandante das forças aliadas. Zacarias de Góis argumentou que a recusa

foi por motivo de “alta política”, porque o governo não queria que fosse ventilada a

ideia de que a ida do príncipe para a guerra fosse indícios de pretensões de conquistas

ou de extensão do princípio monárquico.465

Para a Revista dos Dois Mundos, a explicação para a recusa ao pedido do

príncipe era de uma outra natureza, pois para conservadores e a Monarquia o príncipe

era considerado liberal em política e ligado às ideias abolicionistas. Para o Conselho de

Estado do Império, órgão consultivo composto por senadores, prevaleceu a ideia que

não poderiam coexistir, lado a lado, duas patentes de comando. Em outras palavras, o

pedido do príncipe foi indeferido por entendimento de que o Duque de Caxias seria

superior no Exército, condição incompatível com a do Conde D‟Eu, consorte da

princesa imperial.

Das razões expostas sobre a ideia de enviar o príncipe ao campo de batalha, o

senador Zacarias defendeu que a política internacional aconselhava que não se aderisse

à pretensão “de ir tomar parte nos perigos da guerra o esposo da princesa imperial”.466

No entanto, com o regresso de Caxias ao Brasil, mudou-se o cenário e o Conde D‟Eu

464 FCRB. Pronunciamento do senador Zacarias de Góes e Vasconcelos na sessão de 7 de julho de 1870,

no Senado. Anais do Senado. Rio de Janeiro: Tipografia Oficial, 1871, p. 34. 465

Idem, p. 36. 466

FCRB. Pronunciamento do senador Zacarias de Góes e Vasconcelos na sessão de 07 de julho de 1870,

no Senado. Anais do Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 36.

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204

foi convocado pelo imperador para ser o general em chefe das tropas brasileiras no

Paraguai.

Traçando um paralelo entre o Duque de Caxias e o Conde D‟Eu, Zacarias

concebeu a terceira fase da guerra, com o momento crucial para o desfecho do conflito:

a morte de Solano López. E comparou a atuação dos dois generais na campanha:

Duvido que essa missão estivesse nas forças do honrado duque, atenta

a sua idade e moléstia. No terceiro período da guerra, o das

Cordilheiras, era preciso um general mais moço, mais enérgico, que

fosse capaz de sofrer fome, como sofreu o conde D‟Eu. Sua Alteza

recebeu um exército, desanimado com a retirada do nobre duque de

Caxias.467

O Conde D‟Eu foi então apresentado pelo senador baiano como redentor dos

soldados que ficaram sem comandante, como possuidor da força e virilidade

necessárias, ostentando a égide de príncipe, consorte da princesa, de sangue real.

O Senhor conde D‟Eu teve a fortuna de restabelecer a confiança, de

desenvolver, Senhor presidente, mérito real, mostrando capacidade

militar, superior nos planos de combate e coragem pessoal não

excedia, como provam as aclamações com que os soldados o

vitoriaram, testemunhando o seu comportamento no assalto de

Peribebuy.468

Na sessão de 13 de junho de 1869, o senador Firmino Rodrigues da Silva subiu

à tribuna para se defender das censuras feitas pelo colega, o senador Zacarias de Góis.

Firmino esclareceu para a plenária que sua intenção era refutar os argumentos

apresentados pela Revista dos Dois Mundos, pois considerava impreciso e desabonador

à memória de Caxias tudo que fora publicado pela revista. O senador Firmino refutou a

ideia estabelecida na tribuna de fazer uma comparação entre o Duque de Caxias e o

Conde D‟Eu. Reconhecia o mérito de ambos os generais no percurso da guerra.

467 Idem, p. 38.

468 Idem, ibidem.

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Respondendo ao senador Zacarias, que na sessão anterior referiu-se ao senador

mineiro como apologista de Caxias, disse: “Por que motivo viria eu agora, como me

exprobrar o nobre senador da Bahia, amesquinhar os triunfos de sua Alteza Real, o

senhor conde D‟Eu para elevar o Senhor duque de Caxias?”.469

O senador concluiu que

a nação renderia homenagem àquele general que findasse a guerra, fosse ele o conde ou

o duque.

Nas ovações populares da guerra terminada, o Senhor Conde D‟Eu

representava não só a glória de seus feitos, como de todo o exército e

armada, de todos os generais que os comandaram. Os júbilos e

entusiasmos da nação foram excitados, sem dúvidas, pelos serviços

relevantes de Sua Alteza Real, mas tiveram outras causas, a satisfação

sem limites, pela desafronta da honra e dignidade nacional e o

contentamento geral pela cessação dos sacrifícios enormes que haviam

pesado sobre todas as classes da sociedade.470

Entretanto, em um ponto as opiniões dos senadores Zacarias e Firmino

conciliavam-se: a natureza real do Conde D‟Eu, representação da coesão da monarquia

imperial encenada para a nação, que revestiu a comemoração com os atributos

simbólicos do trono.

O Senhor conde D‟Eu é genro de sua Majestade Imperial, o

instrumento da Divina Providência no triunfo da causa da razão e da

justiça, que pleiteamos contra López, assim que grandes partes dessas

ovações refletiam no Senhor D. Pedro II.471

Os liberais pretendiam aproximar-se do Conde que durante sua estada no

Paraguai aboliu a escravidão naquela república. Esse era um tema espinhoso que

dominava os círculos das discussões no Brasil, elevando a desconfiança dos

conservadores quanto às possíveis pretensões do príncipe em seu retorno ao país.

Para os liberais, a melhor defesa para os “erros e culpas” de Caxias, no longo

período de comando das forças no Paraguai, era o silêncio absoluto de tudo que pudesse

469 FCRB. Pronunciamento do senador Firmino Rodrigues da Silva na sessão de 7 de julho de 1870, no

Senado. Anais do Senado. Rio de Janeiro, Tipografia Oficial, 1871, p. 9. 470

Idem, ibidem. 471

Idem, ibidem.

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“trazer à memória o sangue, o dinheiro, e a reputação dos brasileiros tão inutilmente

sacrificados por tão [...] infeliz general”.472

Todavia, os boletins impressos pelo

Exército, as correspondências de Buenos Aires para o Jornal do Comércio, os discursos

da oposição, as correspondências transcritas em jornais e as cartas de particulares,

fontes para a história da Guerra do Paraguai, mostram-se eficazes para a construção da

memória de Caxias, pois o Conde D‟Eu somente participou da última fase da guerra.

Assim, na luta pela rememoração dos feitos da guerra e, principalmente na

construção da ideia de herói que o Império deveria guardar, o “velho general” teve a

vantagem sobre o jovem príncipe, que não foi capaz de criar circunstâncias favoráveis

para sua projeção nacional como militar.

A aproximação do conde com os liberais foi passageira, e o parentesco com a

família real e a responsabilidade de ter vencido a guerra não desencadearam a

rememoração de seu nome. Contra o príncipe pesaram, muito tempo depois – o que

parecia garantir a imortalidade reservada aos príncipes e aos monarcas –, a queda do

Império e a proclamação da República. Quando foram revolvidos os velhos papéis que

guardavam a história da Guerra do Paraguai, Caxias tornou-se o centro das discussões

dos historiadores favoráveis e contrários a sua rememoração.

472 Idem, ibidem.

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De volta do Paraguai

Cheio de glória, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da pátria e

libertado um povo da escravidão, o voluntário volta ao seu país natal para ver sua mãe amarrada a

um tronco! Horrível realidade!...

A. Agostini. (A Vida Fluminense, 11-06-1870)

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Capítulo VII

Regresso ao cativeiro: Escravos na Guerra do Paraguai

Na manhã ensolarada do dia 7 de janeiro de 1868, no Arsenal da Marinha,

aproximadamente 1.600 soldados encontravam-se prestes a embarcar para o Paraguai.

Enquanto isso “pretos minas estupefatos arregalaram grandes olhos, como se perguntassem

contra quem move guerra ao Paraguai?”.473

Perguntai a esses escravos, vendidos nos leilões

e em apólices de crédito do Estado, se aceitaram a alforria em troca dos perigos nos campos

de batalhas, indagou o escritor da época José Fernandes da Costa Pereira Júnior, e eles

responderam:

Não! Não temos pátria, não temos bandeira, não temos brios, e não

queremos glórias! Deixe-nos viver tranqüilos no lar do servilismo

usufruindo o último gozo que se não arranca a alma embrutecida do

escravo – a paz na cabana, amor da família – as doçuras da

amizade!474

Os batalhões estavam prestes a mover-se para o embarque, quando um cidadão se

colocou diante do imperador que passava em revista as tropas, junto com seus semanários e

ministros da Guerra e Marinha, e com firmeza lhe diz:

– Senhor, aqui está fardado entre estes soldados um meu escravo –

reclamo que o me entregue”.475

Ao que responde Dom Pedro II: “–

Sim, entenda-se com o ministro, que será indenizado”.476

“ – Mas

não se trata de indenização, senhor! O escravo é minha propriedade

e não quero dispor dele, nem tão pouco autorizei que ele assentasse

praça”. “– Deixe estar, há de se ver isso: Fale ao ministro”. 477

“–

Não! Retorquiu o homem resolutamente, nada tenho com os

ministros de vossa majestade e exijo o meu escravo, não conheço

no país leis de desapropriação. 478

473 BNRJ, Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 15 jan. 1868.

474 PEREIRA JÚNIOR, José Fernandes da Costa. O governo e o povo do Brazil na guerra paraguaya.

Campos: Tipografia Campista, 1868, p. 64. 475

BNRJ, Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 15 jan. 1868. 476

Idem, ibidem. 477

Idem, ibidem. 478

Idem, ibidem.

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O imperador continua passando a revista, deixando entregue a si mesmo o

interlocutor importuno. “– Pois bem, disse este, o acompanharei a minha propriedade:

Quero ao menos ver para onde o conduzem”.479

A tropa segue para o embarque quando o

general intima o cidadão dizendo que ele não podia ali estar entre os soldados. “Não sei

senhor general, acompanho apenas a propriedade que me arrebatam. Não tenho outro meio

de defender meu direito”.480

As reclamações de senhores nas secretarias de guerra, através de requerimentos

dirigidos ao Imperador, muitas vezes encontravam, como despacho, o “cumpra-se”,

autorizando o pagamento da indenização aos suplicantes pelo Ministério da Fazenda, mas

com frequência o termo “indeferido”, ou “prove-se o reclamante”, rabiscado sobre os

requerimentos, fazia os processos se arrastassem por anos, causando despesas e perda de

tempo dos senhores para reaverem seus direitos assegurados por lei.

Assim, a incorporação de cativos nas linhas do Exército e a dificuldade de reaver a

propriedade representavam uma ameaça à classe conservadora e até à parte dos liberais, que

acreditava ser a atitude do governo capaz de abrir brechas nas já aprofundadas discussões

referentes ao direito de propriedade e à consequente abolição da escravidão.

Nas páginas seguintes, narram-se histórias de escravos e de seus senhores na luta

pela liberdade e pelo direito à propriedade, descrevendo o ressentimento daqueles escravos

reconduzidos ao cativeiro, humilhados depois de fazer a campanha por uma pátria que não

lhes pertencia.

OS ESCRAVOS NA GUERRA DO PARAGUAI

A participação de escravos na guerra foi resultado de diversos fatores: falta de

contingentes regulares para atender às exigências de uma guerra externa; difícil

campanha de mobilização de tropas militares no vasto Império e as estratégias montadas

por homens de cor permitindo-lhes subtrair-se à condição de escravos. Assim, o Império

479 Idem, ibidem.

480 Idem, ibidem.

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recorreu ao expediente de antigas leis, as quais permitiram o engajamento de negros

libertos nas tropas para fazer a campanha.

As formas de ingresso de negros nos batalhões foram as seguintes: pelo

recrutamento forçado praticado pelo Exército; por doações de senhores de escravos; em

substituição de guardas designados; mediante pagamento ou apresentação de substituto,

através da compra pelo governo e instituições abolicionistas.481

Todavia, na conjuntura

econômica brasileira caracterizada pelo declínio de mão de obra servil, com o fim do

tráfico, em 1850, os escravos demonstraram ser conhecedores do cotidiano em que

viviam e capazes de negociar com a sociedade escravista.

Cativos, negros libertos, brancos empobrecidos, homens de posse, proprietários

de engenhos, comerciantes, estudantes, aventureiros de toda espécie se encontraram nas

fileiras, para dividirem semelhante destino, embora, aos primeiros, a luta contra os

paraguaios representasse também a luta pelo fim da condição de servos.

Embora a historiografia brasileira do pós-guerra não distinga a presença de

negros nas tropas, um exame nas documentações existentes no Arquivo Público do

Estado da Bahia permite identificar muitos deles na condição de bravos soldados que se

destacaram na campanha. Obras de caráter memorialistas, produzidas por militares,

apenas informam a vitória do Exército na guerra, o culto personalista dos grandes

comandantes e, principalmente, a exaltação do Exército na queda da monarquia.

Dionísio Cerqueira, em suas reminiscências, escreveu sobre a presença de um batalhão

de voluntários da pátria formado por negros baianos, assim descrevendo:

Trajavam largas bombachas vermelhas presas por polainas que chegavam

à curva da perna, jaqueta azul, aberta, com bordados de trança amarela,

guarda-peito do mesmo pano, o pescoço limpo sem colarinho nem gravata

e um fez na cabeça. Eram todos negros e chamavam-se Zuavos baianos.

Os oficiais também eram negros.482

481 Para uma visão sobre a participação escrava na Guerra do Paraguai, ver SOUSA, Jorge Prata de.

Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauad: ADESA,

1996; SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1990. 482

CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscência da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca

do Exército, 1980. p. 104.

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214

Para Dionísio Cerqueira lhe pareceu estranho a presença desse batalhão,

embora muitos crioulos e negros engrossassem as fileiras das milícias desde o Brasil

colonial. Essa ausência de homem de condição escrava no Exército também está

associada ao fato de que, para a história militar, o Exército não poderia depender, na

defesa de suas fronteiras e manutenção de sua soberania, de cativos e negros libertos.

Era instalar a contradição na sociedade escravista de que negros participaram na defesa

da nação que não lhes pertencia.

Um novo perfil historiográfico configurou-se com o fim da década de 1960 aos

anos 1970, quando surgiram novas teses e interpretações para a compreensão da Guerra

do Paraguai. Nessa fase, marcada pelos governos militares espalhados na América

Latina, a guerra foi revisitada, impulsionada pelas circunstâncias históricas e políticas,

gerando uma nova visão sob à luz de fontes e abordagens diferentes da produzida no

pós-guerra. A presença de escravos e libertos ganhou espaço na história da guerra,

todavia limitando-se, tão somente, ao fato de que, mediante a adesão ao Exército,

conseguiam atingir a condição de libertos.483

Na década de 1980, estudos realizados por historiadores como João José Reis,

Eduardo Silva, Sidney Chalhoub começaram a apontar para a inserção do escravo como

agente ativo da história, abrindo novas perspectivas para a compreensão do escravo na

história do Brasil. Iniciava-se, assim, uma nova abordagem na qual o cativo deixou de

ser considerado mercadoria do mundo capitalista para transformar-se em sujeito

histórico capaz de enfrentar a sociedade escravista, buscando alternativas, conquistando

espaços, influenciando na dinâmica da sociedade do século XIX.484

Na perspectiva desenvolvida por essa corrente historiográfica, destaca-se a

capacidade de negociação e transgressão como importante referencial teórico para o

estudo da presença escrava e de negros libertos nas tropas brasileiras que lutaram no sul

do país. Os voluntários da pátria, os guardas nacionais, recrutados para o Exército e a

Marinha, não eram todos de condição livre. O poder de negociação e as estratégias

483 CHIAVENATTO, J. J. Os Voluntários da Pátria e outros mitos. São Paulo: Global, 1983. p. 27.

484 Sobre essa nova abordagem historiográfica, ver, entre outros, CHALHOUB, Sidney; MIRANDA,

Leonardo Affonso de (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1998; REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra

no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o

príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

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montadas por escravos para subtrair-se a essa condição demonstraram o quanto duro era

a servidão.485

O número de escravos que tomaram parte na guerra é impreciso, se for

considerado todo o país. Todavia, analisando os mapas de libertos que assentaram praça

no Exército e Armada entre os anos de 1866 e 1869, apresentados pelo Ministério da

Guerra, Jorge Prata aponta para o número total de 7.414 escravos libertos para a guerra,

repartidos em: 561 libertos da Nação; 67 da Casa Imperial; 1.158 libertos gratuitos; 170

libertos dos conventos; 3.757 de libertos pelo governo; 1.680 libertos substitutos e 21

libertos por particulares.486

Os escravos chegaram de diversas formas na campanha contra o Paraguai.

Inicialmente, como doações de proprietários, movidos por sentimentos de patriotismo ou

pelas vantagens conferidas pelo Império. Conforme relatório do presidente da província da

Bahia, no ano de 1869, apenas um ano antes do término da guerra, 271 escravos foram

libertos, na Bahia, para a guerra. Todavia, trata-se de doações insignificantes. A maior parte

dos libertos foi comprada mediante indenização do governo, a partir do ano de 1867, para a

guerra.

No Arquivo Público do Estado da Bahia, entre os libertos por doações

encontram-se os escravos Vitorino Nogueira de Sá Barreto, João Evangelista, Bento José

Gregório, Domingos Leôncio, Roque Pires de Medeiros, Aydio do Sacramento, Adriano de

São Bento, Manoel Braz, Martinho do Espírito Santo, Luiz da França e Benjamim José da

Costa oferecidos, em dezembro de 1866, somando-se outros cinco escravos que foram

entregues em 1o de março de 1867, pelo Abade Geral da Congregação de São Bento, o frei

Manuel de São Caetano Pinto. Em correspondência ao governo da província, este afirmou,

ainda, libertar a todos os escravos da comunidade que quisessem alistar-se no serviço da

guerra.487

Se for considerado o total de aproximadamente 20.000 soldados baianos, fica

evidente que o número de recrutas de condição escrava foi insignificante.

A legislação da guerra permitiu uma outra forma de enviar para as fileiras do

Exército homens de condição escrava: o substituto. A prática era garantida pela Lei nº

485 Sobre a resistência escrava no Brasil escravista, ver: REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e

conflito. São

Paulo: Companhia das Letras, 1989. 486

PRATA, Jorge. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro:

Mauad: ADESA, 1996. p. 80. 487

APEB, Seção Colonial e Provincial, Quartel do Comando das Armas, 1867, maço 3415

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1.220, de 20 de julho de 1864, ainda, em vigor na Guerra do Paraguai, o que permitiu a

alguns recrutados e voluntários a isenção militar com a substituição por indivíduos idôneos,

faculdade igualmente concedida aos guardas nacionais, tanto pelo artigo 126 da Lei n° 602,

de 19 de setembro de 1850, como pelo Decreto nº 3.513, de 12 de setembro de 1865.488

Era mais fácil apelar para outras formas de isenção, como fizeram os proprietários

rurais Manoel Garcez dos Santos e seu filho Dr. João Garcez dos Santos, o primeiro

oferecendo a quantia de dois contos de réis a ser aplicada a dois homens que, no teatro da

guerra, iriam substituir a si e ao seu filho e, o segundo, comprometendo-se a pagar as

despesas feitas com o indivíduo que o substituísse nas condições da oferta de seu pai.489

A substituição por escravo foi cedendo lugar ao pagamento de taxa estabelecida

pelo governo no valor de 600 mil réis, tornando menos dispendioso àqueles que recorriam a

esse expediente, em virtude do preço do escravo negociado no mercado, aproximadamente

um conto e quatrocentos mil réis. Jorge José do Sacramento, recrutado para servir no

Exército e já tendo jurado bandeira, ofereceu, em substituição de sua pessoa, a quantia de

600$000, na forma da lei, a fim de isentar-se do serviço militar, alegando o desamparo em

que ficariam suas duas irmãs órfãs.490

Martiniano Chaves, remetido para ter praça no

Batalhão de Caçadores, também recolheu ao Tesouro Nacional a quantia de 600 mil réis

com o mesmo objetivo de não seguir o Exército.491

A isenção não garantiu, todavia, a liberdade de todos que recorriam à legislação.

Faustino Fragozo de Mattos, morador no município de Alagoinhas, em 22 de agosto de

1865, foi preso como recruta, remetido para a capital e recolhido ao quartel sob a custódia

do 16o Batalhão de Infantaria de Linha. Como dispunha de alguns meios solicitou, ao

governo, sua exclusão do serviço, mediante o pagamento de 600 mil réis.492

O pedido foi

aceito e Faustino, em 20 de setembro de 1865, teve a sua dispensa passada pelo Quartel do

Comando das Armas. Julgava Faustino que não seria mais incomodado. Entretanto, no dia

15 de dezembro, foi novamente preso e conduzido à cadeia, tendo de provar ao Dr. Juiz de

Direito da Comarca a sua isenção. Dirigiu-se, em seguida, ao presidente da província,

pedindo para não ser preso pela segunda vez e que as autoridades do município o

considerassem livre de qualquer serviço militar. Entretanto, pelo artigo 128 da Lei nº 602,

de 19 de setembro de 1850, nenhum cidadão era isento do serviço ordinário da Guarda

488 APEB, Seção Colonial e Provincial, Avisos Recebidos do Ministério da Guerra, 1865, maço 830.

489 APEB, Seção Colonial e Provincial, Avisos Recebidos do Ministério da Guerra, 1867, maço 827.

490 APEB, Seção Colonial e Provincial, Recrutamento, 1865, maço 3490.

491 APEB, Seção Colonial e Provincial, Recrutamento, 1865, maço 3492.

492 APEB, Seção Colonial e Provincial, Recrutamento, 1865, maço 3493.

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Nacional”.493

Por essa razão, qualquer cidadão podia ser recrutado, por qualquer motivo que

fosse e tantas vezes quanto necessário, o que ocorria por disputas partidárias ocorridas na

capital e interior da província.

A partir de 1867 o governo comprou escravos para a guerra. Para alguns

proprietários era um bom negócio, pois, com os escravos vendidos ao governo, esquivavam-

se de participar da guerra e, muitas vezes, livrar-se de um “mau” escravo. Em 1o de agosto

de 1867, o jornal O Alabama chegou a publicar alguns versos do que chamou de “Exemplo

de patriotismo”:

Eu tinha um mau escravo, adoentado,

Verdadeiro tormento, endiabrado

Libertei-o, ao governo ofereci-o

A fim de eu também ser condecorado

O que era meu desgosto, é minha glória

De quem era capoeira fiz soldado!

O querido Decreto publicou-se,

Enfim, também eu fui condecorado!

La vai a guerra o grande capadócio,

Da rosa o peito meu eis adornado

É belo assim servir a pátria nossa,

É belo ser assim condecorado!

Ingênuo patriota! Não, não ide

Sofrer de uma campanha o escuro fado!

Ficai, livrai-vos de maldito escravo

E aqui mesmo sereis condecorado.494

Os versos irônicos consideravam a possibilidade de condecoração daqueles que,

oferecendo escravos para a guerra, adquiriam títulos de nobreza. Todavia, não se

encontraram documentos que comprovassem condecoração de proprietário baiano, embora,

em outras circunstâncias, ricos cidadãos foram condecorados com a medalha da Rosa.

Na Bahia, o número de escravos vendidos ao Governo, sob a denominação de

emancipações remuneradas, foi de 242 escravos, número demasiado pequeno se comparado

com o montante dos soldados enviados durante os cinco anos de campanha. Todavia,

segundo Relatório do Presidente da Província de 1869, a Bahia contribuiu com 1.647

escravos, mas não explicita de que forma chegaram os 1.405 escravos restantes.

493 Idem, ibidem.

494 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 1º ago. 1867.

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218

Para a compra de escravos para a guerra, o Ministério da Marinha nomeou agentes

para a função de interlocutor na compra de escravos em diversas províncias. Afirmou

Hendrilk Kraay que, na “Bahia, Pedro Joaquim de Vasconcelos se fixou no Arsenal da

Marinha em Salvador e, através de anúncios da imprensa, convidava os vendedores em

potencial a apresentarem seus escravos „robustos‟ para inspeções de saúde”.495

Assim, em 14 de junho de 1867, o Dr. Pedro Joaquim de Vasconcelos pediu o

pagamento de um conto e quatrocentos mil réis pela libertação do escravo Firmino, crioulo

de 19 anos.496

Da mesma forma, foi remunerado o Major Antônio José Teixeira, pela

libertação de seu escravo Manoel, pardo, 24 anos, com a quantia de um conto e duzentos

mil réis, pagos em apólice da dívida pública no valor nominal de um conto de réis e

duzentos mil réis em moeda corrente.497

A guerra também permitiu a punição de escravos rebeldes. O escravo Modesto foi

acusado pela justiça pública de crime de homicídio, praticado à rua das Mercês, no dia 10

de abril de 1867, contra a cabra Maria Ignez. Foi entregue à justiça para punição, todavia o

seu senhor, Antônio J. Bittencourt, preferiu vendê-lo a uma sociedade que comprava e

revendia escravos ao governo sob o pretexto de assentar praça no Exército. A Sociedade

Emancipadora obteve a suspensão da sentença, enviando Modesto para o Rio de Janeiro,

embora declarasse Modesto não querer a alforria para ser soldado. Assim a punição do

açoite pelo crime cometido se converteria em pena de morte ou o encontro com a liberdade,

caso sobrevivesse à guerra.498

O Ministério dos Negócios da Guerra, em correspondência confidencial, de 31 de

agosto de 1868, informou da conveniência da suspensão da libertação de escravos com

destino ao serviço do Exército por conta daquele Ministério,499

pois muitos eram os casos de

fraudes praticados durante a guerra.

Por último, a fuga de escravos também viabilizou a participação de negros na

Campanha do Sul. Apresentando-se, como livres, alistavam-se no Exército e Marinha e,

com sorte, escapavam da servidão, ampliando os horizontes, tão somente restrito às

atividades rotineiras. Esses homens aventuraram-se sobre território desconhecido e partiam

do recôncavo e sertão da Bahia para conhecer o mar, a capital do Império, deparando-se

495 KRAAY, Henril. Escravidão, cidadania e serviço militar na mobilização brasileira para a Guerra do

Paraguai. Revista Estudos Afro-Asiáticos, n. 33, p. 27, set. 1988. 496

APEB, Seção Colonial e Provincial, Guerra do Paraguai, 1867, maço 3675. 497

Idem, ibidem. 498

IGHB, Jornal O Alabama, 22 fev. 1868. 499

APEB, Seção Colonial e Provincial, Avisos Recebidos do Ministério da Guerra, 1868, maço 831.

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com as dificuldades próprias de uma guerra, da difícil viagem até o campo de batalha, para

se tornarem livres.

Todavia, depois de anotar sobre o ingresso de cativos nas fileiras do Exército,

interessa verificar a situação de alguns escravos que, depois da campanha, sofreram com as

tentativas de recondução ao cativeiro pelos antigos proprietários e que tiveram suas histórias

publicadas nos jornais da Corte e das províncias, assim como nos processos instaurados

pelos órgãos da administração do governo monárquico.

A HISTÓRIA DOS ESCRAVOS MANOEL E RAIMUNDO

Enquanto a guerra seguia o seu curso, o governo imperial, desde o início da

campanha do Paraguai, empenhava-se para aumentar o contingente do Exército e Armada.

Na Corte, proprietários ou seus procuradores recorriam à burocracia imperial exigindo

indenizações pelos cativos recrutados à revelia do conhecimento de seus senhores. O

recrutamento de libertos, o aliciamento e a aceitação de escravos nas fileiras do Exército

acabaram por colidir com os interesses dos proprietários, pois durante a guerra foi

considerável o número de escravos fugitivos que de formas diversas alistaram-se nas fileiras

do Exército.

Da Fazenda de José Coelho Lages, curador de D. Catarina, viúva de Manoel Alves,

do distrito da cidade de Conceição do Serro, desapareceu o escravo Martiniano com os

sinais seguintes:

[...] alto, cor escura, vulgarmente cabra, pouca barba, bons dentes, falta de

cabelo, procedida de impinge, pelo que usa de carapuça, idade de 23 a 25

anos, pouca fala, no estado natural, porém loquaz quando embriagado.

Parece mais ou menos manco quando anda não se sabe por que motivos;

talvez só por mau costume. 500

500 BNRJ, Jornal Diário de Minas, Ouro Preto, 9 jan. 1868,

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Desconfia-se que tenha sentado praça de voluntário ou se dirigido ao Morro Velho,

onde já esteve alugado. “É de supor-se que tenha adotado outro nome”. O referido curador,

no anúncio do jornal mineiro, afirmava gratificar a quem o recolhesse à cadeia do lugar em

que fosse preso, e participar pelo correio a sua prisão. Sujeitava-se, também, à sua

sustentação na cadeia, não excedendo ao prazo que a respectiva Câmara Municipal pagava

aos presos pobres.

No momento em que o número de guardas nacionais e voluntários da pátria

diminuiu ainda nos primeiros anos da guerra, o governo apelou para a utilização de escravos

libertados, mediante indenizações aos seus senhores ou mesmo pelo recrutamento simples,

nas capitais e no interior das províncias, ou ainda com a utilização de substitutos designados

por libertos.501

Embora Joaquim Nabuco recomendasse ao Imperador que o recrutamento recaísse

especialmente sobre os escravos das capitais, nos processos analisados foram encontrados

escravos provenientes do interior das províncias, que chegavam recrutados e prontos para o

embarque para a guerra, o que permite supor a existência de uma rede de sociabilidade

utilizada pelos homens de cor e recrutadores. Uns garantindo a possibilidade de liberdade e

outros o dinheiro pago por cabeça recrutada.502

Diante das histórias encontradas, depreende-

se que o recrutamento com frequência alastrou-se pelo interior, demonstrando que os laços

de comunicabilidade na zona rural também permitiam que cativos tomassem conhecimento

dos fatos ocorridos nas capitais.

Como afirma Hendrick Kraay, no recrutamento no Brasil em todo o século XIX,

existia a possibilidade de negociação entre indivíduos que ganhavam pela quantidade de

homens alistados.503

Escravos rurais fugiam com o propósito de assentar praça no Exército,

e assim livrar-se dos maus-tratos a que estavam sujeitos, ao contrário do que ocorria nas

cidades, pois, nestas, os maus-tratos poderiam implicar punições aos seus senhores. “Da

fazenda Aparecida, em 1861, fugiu um crioulo, de 30 anos, cor fula, pouca barba, alto,

dentes limados, muito prosa, tinha andar de capoeira” e facilmente poderia ser reconhecido

pelos sinais de “acoites no acento”.504

501 Com relação às doações patrióticas de escravos por particulares à guerra, conferir SOUSA, Jorge Prata.

Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauad ADESA,

1996. p. 41-54; SALES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 70-85. 502

IHGB – Lata 372. Pasta 22. Parecer de Joaquim Nabuco de Araújo ao Imperador 503

KRAAY, Hendrick. Repensando o recrutamento no Brasil. Diálogos, Maringá: Universidade Estadual, v.

3, n. 3. 1994. 504

APEMG. Jornal Constitucional, Ouro Preto, 4 jan. 1868.

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Acontece, porém, que vagando pelas estradas, nas pequenas vilas e cidades,

percorrendo feiras-livres, embriagando-se nas tabernas, com o pouco dinheiro que

conseguiam com os pequenos serviços, ou mesmo praticando pequenos furtos, muitos

fugitivos estavam sujeitos ao recrutamento e ao aliciamento por seus pares e recrutadores,

prometendo invariavelmente a liberdade.

Se a caserna era evitada quase sempre por sujeitos pobres, para o escravo, apesar

das durezas e das dificuldades, o engajamento nas fileiras do Exército poderia representar a

garantia de meios de vidas e subsistência. Durante a guerra do Paraguai os incentivos

sociofinanceiros oferecidos pelo governo poderiam motivar o livre engajamento.505

Talvez

fosse esta a condição de Raimundo Antônio Gomes, aqui o primeiro personagem, um pardo

de 27 anos e de estatura regular, escravo do major Mizael Ferreira de Paiva que foi

recrutado para o serviço do Exército imperial pela subdelegacia de polícia da freguesia de

Santa Margarida, termo de Ponte Nova, província de Minas Gerais, quando para ali fugiu

com um outro escravo de nome Saturnino com que convivera na fazenda do Mizael.

Raimundo foi remetido para a Corte, onde sentou praça com o nome de Benedito Antônio

Gonçalves, ficando adido ao Depósito Provisório da 1ª Linha.506

Nos processos examinados, a troca de nome no ato do assentamento de praça de

escravos fugitivos dificultava a identificação do seu paradeiro pelo proprietário. A adoção

do falso nome de Benedito Antônio Gonçalves, pelo escravo Raimundo, ilustra essa

estratégia. Desde a sua fuga do cativeiro, em 1865, ele utilizou esse recurso, conforme

consta na justificação judicial arrolada no processo de reclamação pela indenização do seu

senhor, o major Mizael Ferreira Paiva.

No Arquivo Nacional encontram-se diversos processos sobre escravos na

campanha do Paraguai, dentre eles o processo referente ao escravo Raimundo. São

informações trocadas com autoridades civis e militares, envolvendo homens comuns

arrolados como testemunhas, proprietários de escravos e os próprios cativos, onde folhas

juntadas de forma irregular e mutiladas, muitas vezes faltando informações pelo desvio de

ofícios que deixaram de ser incorporados ao processo, permitem ouvir visões diversas:

funcionários do governo, suplicantes e suspeitos, formando um mosaico, que conduzem

pelos caminhos das negociações entre o governo que julgava os processos e proprietários

505 SILVA, Eduardo. Dom Oba II D´Àfrica, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.

42. 506

ANRJ. Ministério do Estado dos Negócios da Guerra. Despacho de 7 de março de 1868, que remeteu ao

comandante do Depósito Provisório para informações pela Repartição do Ajudante e General. Série Guerra,

Gabinete do Ministro – 1g1 514.

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que perdiam tempo e dinheiro para recuperar seus cativos ou receber as indenizações do

governo.

Embora os escravos recrutados para a guerra fossem a peça principal do processo,

nas matrículas apresentadas pelos seus senhores e nos interrogatórios feitos na chefia de

polícia, pode-se distinguir o perfil e ouvi-los sobre a situação em que se encontravam, senão

induzidos pelas circunstâncias de sustentar mentiras ou comprovar o que de fato ocorreu até

a constituição do processo.

O reconhecimento pelo direito inalienável à propriedade por parte dos senhores de

escravos fazia-os recorrerem ao governo imperial, solicitando indenização pelos cativos

recrutados para o Exército e Armada, últimos dos recursos empregados para os casos em

que seus escravos seguiam à revelia da vontade do seu senhor.

Assim, a publicação em jornais foi um recurso utilizado por proprietários de

escravos fugidos para reaver seus cativos. Outro exemplo de escravo fugido foi o do

comendador Vicente José da Trindade, morador de Jequitinhonha, que utilizou esse

expediente na tentativa de recuperar o seu escravo Custódio e fez publicar naquele jornal

características que pudessem identificar o negro fujão.

pardo, cheio de corpo, e bem constituído, bem feito de cara e de

boa figura, cabelos ruins, testa pequena, olhos pardos, e mãos

grandes, bons dentes tendo os da frente amputados, sem barba, de

idade de 20 a 22 anos pouco mais ou menos, pés regulares, e um

pouco grossos e tem costume de encarar pouco para quem com ele

conversa.507

Constava no mesmo anúncio que também o dito escravo fugiu com o intuito de

seguir para a capital, Ouro Preto, com o fim de oferecer-se como voluntário. Para aquele

que o prendesse, ou o conduzisse para qualquer cadeia ou mesmo o avisasse, o comendador

oferecia generosa gratificação. Prevenia também aquela folha que o escravo poderia

procurar qualquer ponto onde pudesse satisfazer a sua intenção e por isso espalhava avisos

por todos os lugares, para que fosse frustrado o seu desejo. Declarava que o dito escravo foi

do Sr. José Pereira de Guimarães Júnior, morador no distrito Chapada, município do

Jequitinhonha, e que Custódio fugiu a 3 de novembro de 1867. Nas informações também

507 BNRJ. Jornal Constitucional, Ouro Preto, 4 jan. 1868.

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incluía que o dito escravo andava se ajuntando como foro em tropas, com o nome mudado,

dizendo se chamar Josefino e assim livrar-se de ser preso.508

O recurso de apelar aos jornais não foi utilizado pelo major Ferreira Paiva que, por

requerimento, reivindicou somente o pagamento da indenização do seu escravo Raimundo

ao Ministério da Guerra, iniciando o processo para restituição do valor do seu escravo que

foi para a campanha.

A trajetória processual costumava ser longa, arrastando-se por meses e até mesmo

anos. Não foram poucos os casos em que a burocracia do estado imperial somente

indenizou proprietários de escravos recrutados depois de concluída a campanha. Tratava-se

de uma batalha travada entre o Estado e o proprietário, na qual ao segundo caberia o ônus

de comprovar, através de título de posse, identidade, matrícula e outros documentos

ajuntados, a posse do escravo, bem como, ao primeiro, através da suas secretarias e

principalmente a Secretaria de Polícia, cabia a responsabilidade por ampla averiguação

sobre a procedência do reclamo.

No requerimento do procurador do major Mizael Ferreira Paiva, endereçado ao

Ministro da Guerra, reivindicava o valor estabelecido pelo governo para indenização sobre

o escravo Raimundo que assentou praça para lutar na guerra do Paraguai no dia 3 de março

de 1868.

Evidentemente reconhecido o direito de propriedade do suplicante sobre o

dito seu escravo Raimundo como se acha pelos referidos documentos

requer o suplicante a V. Excia. visto já se ter verificado praça no mesmo,

ordenar-lhe seja pago por este Ministério da Guerra, a quantia de dois

contos de Réis em uma apólice da divida pública pela cotação oficial, e o

restante em dinheiro. 509

Mediante o pagamento da indenização, o suplicante ficaria comprometido em dar

liberdade ao cativo na condição de servir no Exército, ou então, no caso de não ser

indenizado pelo governo, requereria a devolução do escravo.

Mizael Ribeiro de Paiva, genro do proprietário do escravo Raimundo, requereu ao

Juiz de Paz na freguesia do Alegre, termo da vila de D. Pedro de Cachoeira de Itapemirim,

508 APEMG. Jornal O Jequitinhonha, Ouro Preto, 3 jan. 1869.

509 ANRJ. Ministério do Estado e dos Negócios da Guerra. Requerimento endereçado ao Conselheiro Ministro

e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra por Carvalho Pinto, procurador do Major Mizael Ferreira

Paiva, em 5 de março de 1868, Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514.

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província do Espírito Santo, na data 5 de janeiro de 1868, comprovante da posse do escravo,

constando a declaração do proprietário e também das testemunhas arroladas no processo.

A primeira testemunha citada foi Jerônimo Roiz Cardoso, que disse ter o escravo

Raimundo fugido há mais ou menos um ano da Fazenda de São Luiz, respondendo também

por ouvir dizer que o escravo encontra-se preso na cadeia de Ponta Nova. Perguntado se

tinha conhecimento da fuga dos dois escravos para a província de Minas, respondeu que,

por ouvir dizer, encontravam-se naquela província.

A segunda testemunha, Laurindo de Queiroz Barreto, 41 anos, negociante, casado,

natural do Rio de Janeiro, residente naquela freguesia, respondeu ao inquiridor ter

conhecimento de que Mizael possuía um escravo de nome Raimundo por mais de oito anos.

Pela descrição de Laurindo, Raimundo era um escravo robusto, de altura regular, com bons

dentes, barba rala, bom nadador, bem falante. Afirmou em seu depoimento ter o dito

escravo fugido da Vila de Cachoeira há mais ou menos três anos, estando empregado no

ofício de canoeiro na fazenda do major Mizael.

Por fim, a terceira testemunha ouvida foi Francisco Felisbino, 25 anos, negociante,

solteiro, natural da província de Minas Gerais, que informou não ter conhecido

pessoalmente o escravo Raimundo e somente ouviu dizer que, de fato, era o escravo de

Mizael, com idade aproximada de 20 anos, e que fugira para a Província de Minas assim

como um outro escravo do mesmo proprietário.510

Na mesma data em que foi expedido o requerimento de indenização do escravo ao

Ministério da Guerra, o procurador do major Mizael, sabendo que ocorreria o embarque de

tropas para Santa Cruz, remeteu outro documento para o Quartel General do Exército,

pedindo a suspensão do embarque do escravo Raimundo para a campanha do Paraguai.

Como o suplicante tenha nesta data requerido já a s. excia o Sr.

conselheiro ministro e secretario de estado dos negócios da guerra sobre o

dito escravo provando o direito de propriedade que lhe assiste, e com o fim

de havê-lo como é de direito requer o suplicante a v. excia se digne

ordenar que seja suspenso o embarque da dita praça para o sul até que s.

excia o Sr. Ministro da guerra defina ao suplicante o que for de justiça.511

510 ANRJ. Idem. Autos do inquérito feito pelo Juiz de Paz da freguesia de Alegre, termo da vila de D. Pedro de

Cachoeira de Itapemirim, província de Espírito Santo, 5 de janeiro de 1868. 511

ANRJ. Ofício endereçado ao tenente-general do Quartel General do Exército por Carvalho Pinto,

procurador do Major Mizael Ferreira Paiva, em 5 de março de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro,

1g1 514.

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Do Quartel no Campo da Aclamação, o tenente-coronel João de Souza Fragoso

comunicou ao seu superior, o Ajudante General do Exército, que entre os recrutas remetidos

para o Depósito encontrava-se o soldado de nome Benedito Antônio Gonçalves, que havia

jurado bandeira, embora ainda não houvesse sentado praça, estando pronto para embarcar

para o Sul. Afirmava também acreditar tratar-se do escravo reclamado pelo major Mizael.512

As averiguações para comprovação da identidade de escravo reclamado ao governo

imperial, que houvesse assentado praça no Exército, eram demandadas ao Ministério da

Guerra, que, por meio de suas secretarias e ou dos chefes de Policia da Corte, investigavam

os pedidos dos reclamantes. Muitas vezes, pela demora ou negligência, os requerimentos

subiam à presença do presidente da província e, até mesmo, ao Imperador.

Diante da suspeita de ser cativo, o praça Benedito Antônio Gonçalves deixou de

embarcar com a tropa para o Paraguai e foi recolhido ao xadrez por ordem do Quartel

General, de onde saiu, em 2 de abril de 1868, para ser remetido ao chefe de polícia da Corte

para averiguação. Em solução à reclamação que fez Mizael Ferreira Paiva de seu escravo

Raimundo, o Chefe de Polícia devolveu os papéis do reclamante dizendo que a justificação

da identidade do soldado Benedito Antônio Gonçalves não era possível de satisfazer, por

estar o indivíduo em questão no Exército.

Em 20 de julho de 1868, o procurador do major Mizael Ferreira Paiva, um segundo

procurador, Carlos Ernesto Silva, tomou conhecimento de que Raimundo havia sido

remetido para o Exército em operações por engano513

e, como consta no requerimento,

embarcara para o Sul, razão pela qual requereu junto ao ajudante general do Exército toda a

documentação e informações arquivadas sobre o referido escravo.514

Isso indica que o

Ministério da Guerra muitas vezes fazia vista grossa, pois as juntas de alistamento, como o

de inspeção médica, estavam encarregadas de realizar apenas breves interrogatórios antes

do embarque para a Campanha.515

512 ANRJ. Comunicado enviado pelo tenente-coronel João de Souza Fragozo ao tenente-general Abundante

Geral do Exército, Quartel campo da Aclamação, Rio de Janeiro, 5 de março de 1868. Série Guerra -

Gabinete do Ministro, 1g1 514. 513

ANRJ. Termo de declaração que fez Albino Joaquim Lopes na Secretaria de Polícia da Corte, ao

desembargador Luiz Carlos de Paiva Teixeira, Rio de Janeiro, 20 de abril de 1868. Série Guerra - Gabinete

do Ministro, 1g1 514. 514

ANRJ. Requerimento endereçado ao tenente-general ajudante do Exército pelo procurador de Mizael

Ferreira Paiva, Carlos Ernesto Silva, Rio de Janeiro, 20 de julho de 1868. Série Guerra - Gabinete do

Ministro, 1g1 514. 515

SOUZA, Álvaro Pereira. Do Cativeiro ao mar: escravos na Marinha de Guerra. Revista de Estudos Afro-

Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 38, p. 1-26, 2000.

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Em resposta à petição do procurador do major Mizael Paiva, recomendava o

coronel chefe da Secção, Manoel Roiz Barros, que apresentasse documentos sob

informações nº. 625, no arquivo militar, dos quais constava que Manoel Martins Nogueira,

negociante e morador na Rua do Sabão, no Rio de Janeiro, também reclamava a entrega de

seu escravo pardo de nome Manoel. Ele teria vindo também como recruta da província de

Minas Gerais, para onde havia fugido e que também assentou praça com o nome de

Benedito Antônio Gonçalves.516

As histórias dos escravos Raimundo e Manoel, a partir de abril de 1868, se cruzam

unidos pelos nomes homônimos adotados no ato de assentamento de praça, o que causou

dificuldades no reconhecimento da propriedade. Em determinados momentos da leitura do

processo, fica subentendido que dois proprietários, um major e um negociante, reclamavam

a posse do mesmo cativo, o que causou a suposta dúvida na Secretaria de Polícia, no

Depósito de Recrutas e mesmo ao Ministério da Guerra, sobre a identidade dos escravos517

que se alistaram com o nome Benedito Antônio Gonçalves.

Raimundo e Manoel eram escravos fugidos que foram recrutados, não se sabe se

voluntária ou involuntariamente, pela polícia, e remetidos à Corte pelo Presidente da

Província de Minas Gerais, dando entrada no dia 2 de março de 1868, no quartel de

Depósito de Recrutas no Rio de Janeiro, alistado o primeiro na companhia de 1ª Linha e o

segundo na 1ª Companhia. Assim como ocorreu com o escravo Raimundo, um inquérito

também foi instaurado para comprovação de posse do escravo Manoel alegado por Manuel

Martins Nogueira.

Em 14 de março de 1868 foi a vez de Manuel Martins Nogueira, residente à Rua

do Sabão, 21, requerer que fosse entregue o seu escravo de nome Manoel, preso no xadrez

do quartel do Campo da Aclamação, ou no caso de ser incorporado às tropas para o

Paraguai, o pagamento de indenização da quantia de dois contos de réis, valor pelo qual

eram pagos os escravos vendidos para o governo.518

O escravo Manoel, nascido na cidade de Caravelas, na Bahia, em 1835, era crioulo,

solteiro, cor parda, rosto e nariz regular, cabelos e olhos pardos, e quando fugiu para a

516 ANRJ. Parecer nº. 3067 do coronel chefe da Secção, Manoel Roiz Barros Francisco Brito, da 1ª Secção

Repartição do Ajudante General, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1868. Série Guerra - Gabinete do

Ministro, 1g1 514. 517

ANRJ. Ofício enviado para o ajudante general do Exército, tenente-general João Frederico Caldwell, por

José de Souza Fernandes, n. 635, Deposito, Rio de Janeiro, 7 de abril de 1868. Série Guerra - Gabinete do

Ministro, 1g1 514. 518

ANRJ. Requerimento de Manoel Martins Nogueira, pelo seu procurador Antônio José Bruno ao Imperador,

Rio de Janeiro, 14 de março de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514.

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província de Minas Gerais, em 1864, residia com o seu senhor, Manoel Martins Nogueira, à

Rua da Candelária. Tinha ofício de marinheiro e fazia parte da tripulação do brigue

Leopoldina, que viajava para a província do Rio Grande do Sul.519

Em ambos os casos a fuga dos ditos escravos não estava ligada diretamente com o

ingresso nas fileiras da campanha do Paraguai, pois o início do conflito somente seria

deflagrado em 1865.

Em 20 de março de 1868, o tenente João de Souza Fagundes informou ao ajudante

general do Exército que se encontrava preso no xadrez do quartel o pardo Manoel, escravo

reclamado por Nogueira Martins.520

Em 21 de março de 1868, o tenente-coronel João

Frederico Caldwell, do quartel General do Exército, informa ao Ministério da Guerra que o

escravo Manoel, reclamado por Nogueira Martins, manifestara vontade de seguir para o

Exército.521

No documento ainda consta que Manoel Nogueira, no ato de apresentação da

matrícula do escravo e das testemunhas, comprovou apenas a posse, e que não garantia o

domínio.522

O pardo foi remetido pelo ajudante general, com o nome de Benedito Antônio

Gonçalves, ao Chefe de Polícia da Corte, em 2 de abril de 1868, e em seu interrogatório

declarou que seu “verdadeiro nome era Manoel” e “que era escravo de Manoel Martins

Nogueira”. Encerrou seu depoimento afirmando que “não conhecia o Major Mizael Ferreira

de Paiva, nem tão pouco se chamava Raimundo, sendo a verdade o que expôs”. 523

Domingos Augusto Ferreira, uma das testemunhas ouvidas pelo Chefe de Polícia,

disse ser natural de Portugal e que estava de passagem na Corte, afirmando em seu

depoimento “ter visto por diversas vezes o cabra Manuel na casa do seu senhor o servindo”.

519 ANRJ. Matricula do escravo Manoel, pertencente a Manoel Martins Nogueira, Capitania do Porto da Corte

e Província do Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1857 (Incluso, Série Guerra, Gabinete do Ministro, 1g1

514. 520

ANRJ. Oficio do tenente interino João de Souza Fagundes, Depósito Provisório da 1ª Linha, ao tenente

general João Frederico Caldwell, ajudante general do Exército, Rio de Janeiro, 20 de março de 1868. Série

Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514. 521

ANRJ. Ofício ao conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra, enviado pelo tenente-coronel João Frederico Caldwell, ajudante general do Exército,

Rio de Janeiro, 21 de março de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514.

522 ANRJ. Ofício ao conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra, enviado à Luis Carlos de Carvalho, Secretária da Policia da Corte, Rio de Janeiro, 7

de abril de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514. 523

ANRJ. Termo de declaração do pardo Manoel remetido pelo ajudante general com o nome de Benedito

Antonio Gonçalves ao desembargador Luiz de Paiva Ferreira, chefe de Polícia, 2 de abril de 1868. Série

Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514.

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228

Outras testemunhas também asseveraram conhecer o dito Manoel como escravo de Manoel

Martins Nogueira.524

Voltando ao quartel, Manoel foi acometido de sarampo e internado no Hospital

Militar da Corte, no dia 9 de abril, e depois de sofrer por quase um mês com os sintomas da

doença, faleceu em 3 de maio de 1868.525

No dia 30 abril de 1868, foi apresentado ao tenente-coronel do Exército um parecer

redigido pelo major Antônio Domingos Ferreira Bastos, contendo o retrospecto do processo

que envolvia a reclamação dos proprietários sobre os seus respectivos escravos. No parecer

do major Antônio Domingos Ferreira Bastos ficam explícitos os entraves e as dificuldades

criadas pelo Ministério da Guerra para a entrega de escravos, por necessidade de soldados

no front da campanha. No entender do Chefe de Polícia, o reclamante Manoel Martins

Nogueira provou a posse do escravo Manoel com as declarações de pessoas conceituadas,

constantes dos inclusos termos e matrícula da capitania do porto, com data de 18 de

dezembro de 1861 e com as próprias declarações do escravo Manuel, que reconheceu

Manoel Martins como seu senhor, no depoimento colhido na polícia.

Todavia, quanto ao seu domínio, o reclamante juntou a matrícula do escravo, que

por si lhe pareceu não ser suficiente para legitimar tal domínio, mas o Ministro da Guerra,

por despacho de 10 de abril de 1868, determinou que, uma vez inspecionado e assentado

praça o escravo Manoel, fosse Manoel Martins Nogueira, se assim conviesse, indenizado

com dois contos em apólices. No mesmo parecer, o major Antônio Domingos apresentou o

requerimento do major Mizael Ferreira de Paiva, que também reclamava a entrega de seu

escravo Raimundo, recrutado na província de Minas. Todavia, assentado com o nome de

Benedito Antônio Gonçalves, que supõe ter ele adotado no ato do recrutamento, por estar

fugido há mais de três anos e que verificando o domínio do suplicante, se lhe pagasse a

quantia de dois contos de réis pelo escravo.

No final do documento, foi emitido o parecer de que nenhum dos dois reclamantes

– Mizael Ferreira de Paiva e Manoel Martins Nogueira – comprovara satisfatoriamente o

domínio dos escravos reclamados. Concluiu a Seção que aquele que provasse o domínio do

cativo estaria apto para receber a indenização. Caso contrário, o reclamante devia ser

524 ANRJ. Autos do inquérito para reconhecimento de posse do escravo Manoel por Manoel Martins Nogueira,

6 de abril de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514. 525

ANRJ. Oficio de Manoel Barros Francisco de Roiz, coronel do Quartel Chefe da Secção, ao tenente-

coronel João de Souza Fagundes. Quartel no Campo de Aclamação. Rio de Janeiro, 12 de maio de 1868.

Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514.

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229

processado e punido pela fraude de reclamar o escravo que não era de sua propriedade.526

Não julgando provado o domínio de nenhum dos dois reclamantes, na ocasião ficou a

questão suspensa até que Nogueira, em 14 de outubro de 1868, pediu novamente

indenização através de seu procurador, alegando que o escravo Manoel era reclamado desde

o dia 2 de abril de 1868, assim antes da morte do seu cativo, que morrera depois de assentar

praça no Exército.527

Em 19 de outubro de 1870, o requerente Manoel Martins Nogueira encaminha

outra petição, em que constava:

Tendo perante S. Excia o Dr. chefe de policia da corte, justificando em

abril 1868, que o recruta vindo de Minas com o nome de Benedito Antônio

Gonçalves era Manoel, qualificado marinheiro de sua propriedade e não de

outrem obteve por despacho = inspecionado verifique-se praças, mediante

a indenização de 2:000$000.528

A explicação sobre a tramitação do processo por mais de dois anos foi apresentada

ao Ministro da Guerra, constando que, verificado o assentamento de Manoel como praça,

restava somente a expedição da ordem de pagamento da indenização. Aconteceu, porém,

que na mesma ocasião se apresentou Mizael Ferreira de Paiva reclamando mais uma vez ser

Raimundo seu escravo e que o este na verdade assentara praça sob o nome de Raimundo

Antônio Gonçalves.529

Para o chefe de polícia, o major Mizael não provou a posse do escravo no processo

instaurado nos primeiros meses de 1868, no qual afirmava ter seu escravo assentado praça

com o nome de Benedito Antônio Gonçalves. E que, depois de lhe ter sido negado o

pagamento da indenização, retornava mais uma vez para requerer a indenização, alegando

que o nome de praça de seu escravo era Raimundo Antônio Gonçalves e não Benedito.

526 ANRJ. Oficio encaminhado ao tenente-general João Frederico Caldwell, ajudante General do Exército, por

Antonio Domingos Ferreira Bastos, Major Empregado na 1ª Secção, Repartição do Ajudante General, em

30 de abril de 1868, Rio de Janeiro. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514. 527

ANRJ. Requerimento endereçado ao Imperador D. Pedro II por Antonio José Bruno, procurador do Manoel

Martins Nogueira, Minas Gerais, 14 de outubro de 1868. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514; 528

ANRJ. Requerimento encaminhado por Manoel Martins Nogueira ao ministro da guerra. Barão de

Muritiba, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1870. Série - Guerra, Gabinete do Ministro, 1g1 514. 529

ANRJ. Parecer enviado pelo conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretario de Estado

dos Negócios da Guerra Ministro, aos membros do Conselho Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 8 de

novembro de 1870. Série - Guerra, Gabinete do Ministro, 1g1 514.

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230

Em 5 de dezembro de 1870, o Conselho Superior de Guerra emitiu finalmente um

parecer assinado pelo duque de Caxias,530

favorável à indenização requerida por Manoel

Martins Nogueira, por ter sido aquele proprietário do escravo e pela condição a que se

sujeitou de restituir a quantia que recebeu no caso de alguém provar melhor o direito ao

escravo reclamado. Não se sabe se o Major Mizael continuou a requerer indenização, se

juntou novas provas que autorizassem a abertura de um novo processo, com a descoberta da

identidade adotada pelo seu cativo. Supõe-se apenas que o pagamento da indenização ao Sr.

Nogueira o separava do seu opositor naquela circunstância, que reclamaram durante dois

anos pelo mesmo escravo.

OS ESCRAVOS QUE REGRESSAM PARA O CATIVEIRO

Os escravos depois de fugirem do cativeiro e alistar-se nas tropas, o retorno ao

Brasil após anos de luta, embora não representasse uma efetiva conquista da liberdade com

o fato de lutarem e destacarem-se na campanha, condecorados por gestos de bravura e

heroísmo, poderia representar uma possibilidade de livrar-se do cativeiro.

O governo imperial apelou para o ingresso de escravos nas fileiras oferecendo para

eles a liberdade. Assim, assentaram praça escravos da Nação, escravos procedentes da Casa

Imperial e de conventos, por doação de particulares, prevalecendo, todavia, um número

maior de libertos que chegaram ao Exército como substitutos de pessoas livres e mediante o

pagamento de indenização a seus senhores pelo governo.531

João Sotero, presidente da sociedade Iguapuana, participou em oficio ao presidente

da província do Rio de Janeiro que os sócios da sociedade Vesionda de Itaguahy e Casimiro

de Sá Araújo, este súbdito português, ofereceram oito escravos que libertaram para serem

enviados ao Exército contra o Paraguai. Solicitava, em ofício, ao Ministério da Guerra, a

expedição da ordem para o recebimento dos libertos no Quartel do Exército.532

Todavia, é

530 ANRJ. Parecer do Conselho Superior de Guerra assinado pelo Duque de Caxias, Aguiar Eliziário e Jordão

Delamare, Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1870. Série Guerra - Gabinete do Ministro, 1g1 514. 531

Ver SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de

Janeiro: Mauad, 1996. Capítulo III. 532

ANRJ. Oficio do Palácio do governo da Província do Rio de Janeiro endereçado ao Ministério da Guerra,

conselheiro João Lustoza da Cunha Paranaguá em Niterói, 29 de janeiro de 1868. Série Guerra - Gabinete

do Ministro, 1g1 514.

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possível notar que autoridades fizeram vista grossa ao recrutamento e ao ingresso de

escravos no Exército e Armada sem verificação de identidade e condição servil, sendo uma

prática constante sobretudo quando, em alguns momentos do conflito, era notória a

necessidade do aumento do efetivo para a guerra.

Em documento confidencial o Ministério da Guerra levantou suposições sobre a

gravidade de uma revolução localizada na Argentina e que de um momento para outro

poderia tornar-se uma revolução nacional, desviando o contingente do exército daquele país

para debelar o levantamento, o que enfraqueceria as forças em operações contra o Paraguai.

Assim, o ministro recomenda o aumento do envio das forças brasileiras para o Paraguai,

reunindo o maior contingente possível na Corte e acrescentando ainda que se promova “a

liberdade dos escravos com destino aos serviços do exército, quer oferecidos gratuitamente,

quer mediante a quantia designada pelo Ministério da Fazenda”.533

Conclui dizendo que o

governo imperial considera relevante o serviço da liberdade dos escravos para servirem no

Exército, recomendando a munificência imperial aos cidadãos que o prestarem.

Se o ingresso de homens de condição escrava no Exército e Armada custou caro

aos proprietários que não foram indenizados pelo governo, movidos pelo ressentimento, no

término da guerra, alguns proprietários tentaram reconduzir ao cativeiro os seus cativos

reconhecidos nas ruas, mesmo que a farda lhe garantisse a liberdade.

O Exército que conquistou patrioticamente a vitória nos campos do Paraguai

retornou da campanha coberto de louros, condecorado com o reconhecimento popular e

exaltado pelo heroísmo por ato de bravura. Entre os comemorados encontravam-se

fazendeiros, comerciantes, brancos pobres, homens de cor, libertos e escravos. Estes

últimos, sob a casaca da farda, acreditaram na possibilidade de alcançar a liberdade, como

recompensa pelos serviços prestados na campanha.

A tentativa de recondução à escravidão por parte dos senhores, de cativos que

fizeram a campanha, exacerbou os debates em torno da emancipação escrava nas fileiras do

Exército, chegando às Câmaras de Deputados e Senado, às Associações Libertadoras que se

reproduziam na Corte e nas Províncias, aos Ministérios, ao Imperador, situação essa

frequentemente denunciada pela imprensa de modo geral e, em particular, nos jornais

controlados pelo Partido Liberal.

533 APEB. Correspondência do Ministério da Guerra em 7 de fevereiro de 1867, ao presidente de província da

Bahia, maço 830.

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232

A imprensa, que tanto noticiou e analisou aspectos diversos sobre a guerra contra o

Paraguai, desde o seu início, atacando o governo, elogiando e tecendo críticas aos

ministérios imperiais e às ações de seus comandantes à frente das batalhas, não deixou de

denunciar histórias de soldados que, reconhecidos pelos seus antigos senhores, foram

recapturados e reconduzidos ao cativeiro.

A imprensa liberal, em particular, envolvida com a campanha abolicionista,

imprimiu em suas páginas denúncias de sofrimentos e humilhações vividas por soldados

reconduzidos à condição de cativos. Assim, dirigia ataques aos conservadores no poder e

aos senhores escravistas, como também ao governo imperial, tratando de imprimir uma

campanha pela liberdade de escravos que serviram na guerra e, consequentemente, agitando

a campanha abolicionista.

O jornal Opinião Liberal, destacando-se por relatar histórias de escravos que foram

para a Guerra em troca da liberdade e que acabaram por retornar à escravidão, declarou-se

em maio de 1870 como órgão de imprensa antiescravista. Esse órgão informativo propalou

que toda a imprensa da cidade e das províncias, “sem distinção de crenças políticas, tem

aplaudido e animado a propaganda civilizadora contra a escravidão”.534

E ainda ditava

medidas contra a escravidão:

bastasse que todos os jornais, diários ou periódicos, desta corte e

das províncias, recusem publicar em suas colunas, arrematações,

alugueis; quaisquer anúncios ou editais tendentes a auxiliar esse

horrível comércio de carne humana, e bem assim os anúncios para

apreensão de escravos fugidos.535

Em pequenos artigos ou em histórias narradas no calor das disputas políticas,

afloravam em suas páginas, lidas na Corte e nas províncias, noticiais dessa natureza.

Procuravam freqüentemente, junto com seus informantes, subsídios que apontassem para a

prática de recondução ao cativeiro de alguns soldados que fizeram a campanha.

João Fernandes Barcellos, voluntário da pátria, que seria vendido em hasta pública,

ganhou as páginas dos jornais da época e também aparece na documentação oficial. A

história do negro João comoveu pelo duplo infortúnio, o cativeiro e a invalidez. O Opinião

534 BNRJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 21 maio 1870.

535 Idem, ibidem.

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233

Liberal iniciou a narrativa apresentando aos leitores o quadro de sofrimentos e torturas

pelos quais passou o servidor da pátria, em recompensa pela glória do país. Durante a

batalha do Estabelecimento, foi ferido na perna e gravemente no ventre por um tiro de

metralha: “caiu ainda mordendo o cartucho!”.536

Obteve sua baixa do serviço do Exército

por incapacidade física e recebera ordens de regressar para o Brasil, e por não apresentar a

ordem na ocasião do embarque, demorou-se em Agustura, embarcando finalmente no

transporte Bonifácio para a Corte.

João, crioulo, era natural de Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul,

e escravo do Dr. Barcellos, residente em Porto Alegre. Quando rebentou a Guerra do

Paraguai, alistara-se no 12º Batalhão da Cavalaria, marchando para a campanha. Depois da

reconquista de Uruguaiana, fora transferido para o 4º Corpo de Caçadores a Cavalo, sob as

ordens do general Andrade Neves, recebendo ainda em território brasileiro as divisas de

cabo de esquadra.

No seu desembarque no Rio de Janeiro, João Barcelos foi detido por não apresentar

guia que comprovasse a sua baixa do Exército, vale dizer, o que aconteceu a muitos

soldados na mesma condição. Ficou detido por três dias na fortaleza de Villegaignon, e por

ordens da Polícia da Corte foi recolhido para o Asilo de Mendigos, onde permaneceu por

cinco dias. Durante esse tempo esteve no “tronco, sofreu castigos de açoites”. Foi preso

como se fosse escravo de Joaquim José de Oliveira e recolhido à Casa de Detenção com o

nome de Antônio, permanecendo na prisão por sete meses. Por não ter sido reclamado

dentro do prazo estabelecido pelo decreto de 14 de fevereiro de 1857, João Fernandes

Barcelos foi julgado abandonado e posto à disposição do juízo da provedoria, como bem do

evento, o que significava que poderia ser vendido em praça pública, na condição de escravo

abandonado.

Em junho de 1869, sete meses depois de sua chegada ao Rio de Janeiro, o escravo

João foi reconhecido como servidor do Exército por dois empregados do estabelecimento

que lutaram com ele nos campos de batalha. Após tomar conhecimento do caso, um dos

responsáveis pela Casa de Correção encaminhou os referidos empregados para deporem na

polícia. Barcellos foi remetido para o Quartel General, onde, depois de interrogado, foi

informado pelo ajudante general que deveria aguardar a solução do seu caso, que estava sob

a investigação da polícia. Voltou para a detenção na mesma condição de bem do evento.

536 BNRJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 30 abril 1870.

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234

Depois de narrar a trajetória do cabo de esquadra João Fernandes, o jornal Opinião Liberal

perguntava: Será Barcelos realmente escravo? 537

No caso do defensor da pátria Barcellos, além da miséria, da ingratidão de

não se remir o escravo (quando fosse) que ajudara salvar-lhe a honra

nacional, é o próprio governo quem o escraviza, quem o vende

publicamente e remove todas as dívidas a respeito da condição servil do

bravo militar.538

Enquanto o processo transcorria e o “bem do evento” já havia principiado a

avaliação do escravo foi batizado com o nome de Antônio Crioulo, para ser vendido pelo

valor de 400 a 800 mil réis. Quando toda a nação quer a extinção da escravidão, quando os

próprios senhores libertam gratuitamente seus escravos, o governo, a polícia da Corte do Sr.

Dom Pedro II, o chefe abolicionista, cativa e vende, em haste pública, os livres, os

Voluntários da Pátria!539

Não foi possível descobrir qual o fim que teve Antônio Crioulo.

Nas páginas dos principais jornais liberais e mesmo de alguns conservadores desaparecem

os protestos que trouxeram à tona a sua história, todavia houve outros casos, a partir das

novas denúncias que surgiam, com freqüência, nos anos posteriores ao final da guerra.

O jornal Alabama comparou os infortúnios de um outro defensor da pátria, José

Maria, com a situação semelhante ao ocorrido ao de Antônio Crioulo, na Corte: “Já não é

somente o desgraçado João Fernandes Barcelos, cabo da esquadra voluntário, que tem que

ser vendido como bem do evento, tem mais um companheiro de infortúnio”.540

O jornal

baiano, reproduzia um artigo do Opinião Liberal, dando pistas para localizar mais um

escravo em situação de re-escravização, dessa vez depois de concluída a campanha:

Já os nossos leitores têm conhecimento do caso de João Fernandes

Barcellos, cabo de esquadra de voluntário, que vai ser vendido como bem

do evento por não achar senhor, lucrando assim o estado, pouco mais ou

menos, o valor da gratificação que lhe devia pagar como voluntário da

pátria.541

537 BNRJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 14 fev. 1870.

538 Idem, ibidem.

539 Idem, ibidem.

540 IGHB. Jornal Alabama, Salvador, 21 jun. 1870.

541 BNRJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 4 jun. 1870.

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235

O Opinião Liberal, do Rio de Janeiro, e O Alabama, da Bahia, descreveram a saga

de José Maria. Neste texto, acrescenta-se a documentação do governo, que trouxe à luz a

história do escravo, narrada nos autos de averiguação da polícia e correspondências do

presidente da província do Rio de Janeiro trocadas com o Ministério da Guerra.

José Maria Joaquim Soares nasceu em 1834, na freguesia de Santana, cidade de

Salvador. Assim como sua mãe, Epifania, foi escravo da viúva Tereza de Tal542

e, após o

falecimento desta, foi enviado por um sujeito de nome Tavares para a Corte e entregue aos

cuidados de Bernardino, morador da praia de Dom Manuel, para ser vendido.

Viveu pouco meses na Corte, quando Viana, seu novo proprietário, residente à Rua

da Alfândega, o revendeu para Agostinho José do Ouro, residente em Valença, que passou o

cativo por título de venda para Francisco Vieira Machado, morador em Massambara, termo

de Vassouras, Província do Rio de Janeiro. Por dez anos José Maria foi escravo do major

Francisco Vieira Machado, servindo-lhe na fazenda Bela Vista.

José Maria Joaquim Soares, com a idade de 30 anos mais ou menos, exercia o

oficio de alfaiate, era analfabeto e solteiro quando fugiu da casa do seu último senhor.

Depois de perambular por vários lugares, foi preso como recruta nas proximidades da

freguesia de Bom Pastos, província de Minas Gerais, por uma escolta paisana, que o

remeteu para Ouro Preto.

Por conselho de um dos homens que compunha a escolta, passou-se como

voluntário da pátria para servir no 17º Batalhão de Voluntários, assentando praça com o

falso nome de Joaquim Soares do Bonfim.543

Seguiu sob o comando do coronel Enéias para

o Mato Grosso, que conduzia, além do 17º de Voluntários, o 21º de Infantaria e o Corpo

Policial da província de Minas Gerais, formando uma expedição de 1.300 homens.

Atravessou o centro de Minas, o sul de Goiás, assistindo à morte de muitos de seus

companheiros, atingidos pela fome e doenças que dizimou mais da metade do batalhão. Foi

ainda na campanha condecorado por atos de bravura.

Com o fim da guerra, regressou coberto de flores, comemorado nas festas

preparadas pela população da Corte, aquartelando-se com os demais companheiros em São

Cristóvão, no Rio de Janeiro, sob o comando do coronel José Maria Borges, sendo

542 APERJ. Termo de declaração do preto José Maria Joaquim Soares. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1870,

lavrado pelo chefe de polícia da província do Rio de Janeiro, João José de Carvalho. Fundo PP, 0069, maço

002, caixa 0024. 543

APERJ. Oficio do Ministro da Guerra, Barão de Muritiba, endereçado ao presidente da província do Rio de

Janeiro, José Manuel Câmara, em 11 de junho de 1870. Fundo PP, 0069, Maço 002, caixa 0024.

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recepcionado depois em Ouro Preto. Com a dissolução do batalhão, regressou para a cidade

do Rio de Janeiro.

Trouxe no peito três medalhas quando voltou da campanha, atestando sua bravura.

A liberdade, prerrogativa do decreto imperial, conquistada pelos serviços prestados à pátria,

e as honrarias concedidas para os heróis de nada lhe valeram. Na estação de Entre Rios, no

Rio de Janeiro, o voluntário José Maria foi retido por Antônio, que, a pretexto, de protegê-

lo iludiu o servidor da pátria entregando-o ao filho do major Francisco Vieira, para que

fosse conduzido à residência do seu senhor, a quem havia prestado serviços antes de ser

recrutado.

Para que não se evadisse, José Maria foi posto em prisão domiciliar sob a alegação

de que seria verificado se havia servido na guerra como voluntário da pátria, a pretexto de

que fosse requerida indenização junto ao governo imperial. Alegando ter tido a sua

documentação furtada na estalagem em que pernoitou durante a viagem, não pôde

comprovar a sua condição de voluntário.

“Para que servem este três comendas com que premiaram o valor do infeliz, se

com elas no peito, ele pode amanhã ser surrado?” 544

Sobre seu regresso para o cativeiro, a

folha baiana O Alabama escreveu: “o bravo condecorado, o herói a quem o imperador, por

intermédio de seu comandante abraçou o guerreiro que recebeu vivas e flores à sua chegada,

está em ferros, no tronco, como paga de seus serviços!”545

A re-escravização de José Maria causou indignação na imprensa liberal. Dizia ela

que as medalhas que o Imperador havia mandado colocar no peito do bravo nenhuma

importância mereciam: “Elas atestam, sim, a gratidão do imperador, essa gratidão

bragantina, que não satisfaz e antes comprime a alma do agraciado”.546

A folha liberal A Reforma, publicada na Corte, em sua edição de 10 de julho de

1870, quando se comemorava a festa pelas vitórias alcançadas no Paraguai, denunciava “o

fato vergonhoso de voltarem ao cativeiro alguns voluntários da pátria, que haviam

concorrido para a desafronta nacional”. Dizia também que o governo “contestou pela

imprensa, e não quis prevenir o castigo aviltante dos açoites com que foi recompensado

mais de um deles”.

O caso de José Maria teve repercussão no Senado, e o senador Furtado pediu

esclarecimentos ao Ministro da Guerra sobre a recondução de José Maria ao cativeiro,

544 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 21de jun. 1870.

545 Idem, ibidem.

546 BNRJ. Jornal. Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 4 de jun. 1870.

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237

questionando se era verídico que o Ministério não dispunha de recursos para adquirir a

liberdade do escravo, e ainda se o ministro estaria disposto a recorrer ao legislativo para

afiançar a alforria do escravo.547

Outro caso divulgado na imprensa foi o do voluntário da pátria Joaquim Soares do

Bomfim preso como escravo. O presidente da Província do Rio de Janeiro recomendou ao

ministro da Guerra, em Aviso de 10 de junho de 1870, a investigação do ocorrido e que,

sendo “exata” a notícia, fosse posto o escravo em liberdade, devendo o Sr. Machado

apresentar título de propriedade e demais documentos para que fosse indenizado.

No dia 11 de junho, foi a vez do Chefe de Polícia da Corte solicitar averiguação

dos fatos pela delegacia do termo da Parnaíba do Sul, que admitiu ser verdadeiro o

aprisionamento, na casa do senhor Francisco Vieira Machado, de um escravo que era

reivindicado como sua posse, depois de evadir-se do seu domínio fazia mais de cinco

anos.548

A fim de proceder ao auto de recolhimento e identidade, em 22 de junho de 1870, o

voluntário da pátria escravizado foi conduzido até a Polícia de Niterói para ser interrogado.

Respondeu às perguntas do chefe de Polícia, Carneiro de Campos, informando de imediato

chamar-se José Maria Joaquim Soares, pois nos jornais sua verdadeira identidade até então

era desconhecida.

A história contata pelo próprio José Maria, embora sob a condição de réu,

humilhado, ressentido e sob pressão de um interrogatório, confirmou os fatos colhidos pelas

autoridades policiais e evidenciar algumas distorções apresentadas pelos jornais, como o de

ter sido “posto a ferros e castigado pelo seu senhor”, acontecimento desmentido por José

Maria.

Voltando ao jornal Opinião Liberal, porque nele existe a informação de que o

fazendeiro Francisco Vieira, “desejando respeitar essas medalhas”, propôs ao Ministro da

Guerra, Sr. Muritiba, uma indenização para a liberdade do escravo, o periódico afirmou que,

porém, negou-se a isto, dizendo “não haver dinheiro!” Encerrava o artigo:

Não há dinheiro para dar-se a liberdade a um homem que defendeu com

tanto denodo a bandeira nacional, e a quem deram condecorações; mas há

547 Pronunciamento do Senador Furtado na sessão de 9 de junho de 1870. Anais do Senado Federal, v. 1, p.

120. 548

APERJ. Oficio da delegacia de policia do Termo da Parnaíba do Sul endereçado ao chefe de polícia da

Província do Rio de Janeiro, Antonio Carneiro de Campos, 11 de junho de 1870. PP, 0069, maço 002, caixa

0024.

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dinheiro para esbanjar-se com a companhia italiana em ostentação destas

vitórias alcançadas por este escravo!549

Essa informação não pôde ser confirmada pela documentação oficial consultada,

que tem data posterior à publicação da crônica da Opinião Liberal. Nela não encontramos

uma negativa por falta de dinheiro, mas o pedido de investigação sobre a passagem do

escravo pelo corpo de voluntários. Embora o empenho do presidente da província e de seu

Ministro, assim como a repercussão no Senado e na imprensa, muito provavelmente tenha

garantido a liberdade do soldado José Maria, todavia o resultado de seu processo ficou na

pasta do esquecimento.

Sobre a contradição de o Brasil ter libertado os escravos no Paraguai, a imprensa

criticava o governo imperial:

É pena que sua alteza, que tanto se condoeu dos indivíduos que no

Paraguai encontrou dizendo ser escravo de outros, não tem ainda

encontrado no Brasil, sua chácara, heróis libertadores do Paraguai sob o

chicote do escravo e exposto em hasta publica como bem sem dono.550

Ainda comentava o Opinião Liberal que, no país em que o imperador imagina

festas como pretexto para “derramar” por entre os artistas estrangeiros 200 mil réis retirados

“clandestinamente” do tesouro público, se não haveria dois contos de réis para dar a

liberdade a um homem que derramou seu sangue pela honra da pátria.551

Na mesma época um outro caso era averiguado pelo delegado de polícia Caetano

da Rocha, da cidade de Campos, para que fosse remetido o resultado da investigação ao

chefe de polícia na Corte. O ex-voluntário da pátria Antônio Ferreira da Silva fora preso

naquela cidade com o suposto nome de Luiz Augusto da Fonseca e era reclamado como

escravo de Carlos Freire Villalba Alvim. Feito o interrogatório, o pardo Luiz apresentou sua

baixa como tendo servido na guerra do Paraguai, com o nome de Antônio Ferreira da Silva.

Na averiguação ficou provado que Luiz de fato serviu no Batalhão 23º de Voluntários,

549 BNRJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 4 jun. 1870.

550 Idem, ibidem.

551 Idem, ibidem. Refere-se às despesas de 200 contos de réis com a preparação dos festejos oficiais pela

terminação da guerra do Paraguai na data de 10 de julho de 1870.

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sendo tudo afiançado pelo tenente Morais e pelo praça Virgílio, que o reconheceram logo

que o viram.

Diferente do sucedido com José Maria, respeitando o decreto imperial, o qual dizia

que não devia voltar à escravidão o indivíduo de condição servil que fizesse parte do

exército ou armada na guerra, mesmo tendo ocultado sua verdadeira condição, o delegado

Caetano da Rocha mandou que o ex-voluntário ficasse em liberdade. Entretanto, Carlos

Alvim promoveu uma justificação ao juiz municipal, e com isso o chefe de polícia na Corte

pediu ao delegado de Campos que remetesse Luiz para o Rio de Janeiro para averiguação da

denúncia: “Tenho a informar a V. Excia. que não é possível fazê-lo em conseqüência dele

não ter sido encontrado”.552

Depois de ter recebido mais dois ofícios com o pedido de informações sobre o dito

ex-voluntário Luiz, o delegado de Campos tornou a responder ao chefe de polícia da Corte,

“encarregando o comandante do destacamento a proceder algumas diligências na região”,

obtendo como resposta que, depois do interrogatório a que foi submetido, Luiz havia

desaparecido.

Desde o começo da guerra, o jornal O Alabama, que circulava em Salvador, na

Bahia, anunciava os males da escravidão, propondo o alistamento de cativos para a guerra.

Procurava criticar a atitude do governo imperial, com o objetivo de provocar um sentimento

de comoção na população acerca da abolição da escravidão no Brasil:

As ruas estão cheias de homens robustos, decididos, animados, indignados

das barbáries de Lopez, mas proibidos de marcharem, porque além da

pátria, tem um senhor, acima dos estímulos da natureza e da honra, esta o

prejuízo de uma sociedade rotineira!”553

O jornal O Alabama que outrora propusera a libertação de escravos para a guerra,

mantinha a sua defesa abolicionista ainda em 1870 e deu publicidade ao caso do escravo

Simão, e novamente referindo-se à história de José Maria, escreveu: “Não é só na Corte e

em Minas que os Voluntários da Pátria de volta do campo da honra são amarrados como

552APERJ. Ofício do delegado de Polícia da cidade de Campos, endereçado ao chefe de Policia do Rio de

Janeiro. Campos, 25 de outubro de 1870. PP, 0069, maço 002, caixa 0024. 553

IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 17 ago. 1865.

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escravos fugidos; também na Bahia, um bravo que defendeu com glória a dignidade desse

país, é preso, amarrado e perseguido.”554

Simão, crioulo, natural de Maragojipe, foi escravo de Manoel Anselmo, que o

cedeu por dívidas ao Coronel Tintas. Residia na cidade de Nazaré, onde exercia a ocupação

de cozinheiro. Rompendo a guerra do Paraguai, Simão foi alistar-se no batalhão Princesa

Leopoldina, com o nome falso de José Félix. Durante a organização do batalhão, quando

andava pela cidade com a farda de voluntário, “ninguém se lembrou de apontar a sua

condição de cativo, nem o governo de então ter escrúpulo em aceitá-lo nas fileiras dos

defensores da pátria, sem primeiro reconhecer a sua identidade”.555

O batalhão marchou para a guerra, e José Felix foi um herói, “como foram em sua

totalidade os homens de cor preta”, completa O Alabama. Terminada a guerra, José Felix,

ou melhor, Simão, regressou à Bahia, fazendo parte do 40o de Voluntários. Dissolvido

aquele batalhão, empregou-se como cozinheiro de um vapor que se achava em concerto em

Itapajipe. No dia 16 de junho de 1870, Simão foi preso, amarrado dentro do vapor por

diversos indivíduos. Neste estado aviltante ele permaneceu até a chegada do subdelegado da

Penha, que mandou tirar-lhe as cordas.

Exigindo o subdelegado provas do cativeiro de Simão, o encarregado da captura

pediu que o escravo permanecesse detido por alguns dias, para que pudesse exibir os

documentos necessários. Nesse tempo, o prisioneiro declarou que queria sua transferência

para a prisão pública, o que foi deferido pela autoridade policial. Simão foi, então, escoltado

para o presídio, mas conseguiu evadir-se quando chegava à Baixa dos Sapateiros. Na

sequência da narrativa, o jornal O Alabama fez previsões pessimistas para Simão: “Hoje ou

amanhã será indubitavelmente preso, encarcerado, torturado talvez, vendido num látego

inflamante do senhor que lhe compensará a desobediência de ir defender os brios ultrajados

da nação e essa ingrata pátria verá tudo isso indiferente!” 556

Teria Simão conhecimento de outros ex-voluntários que em circunstâncias

parecidas retornaram ao cativeiro? A burocracia do governo imperial, exigindo documentos

aos senhores reclamantes e consultas aos arquivos militares dos batalhões, muitos deles

extraviados, ou ainda, no Paraguai, os interrogatórios dos envolvidos, arrolamentos de

testemunhas, demandava até anos para que ficasse provada a participação do cativo na

554 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 21 jun. 1870.

555 Idem, ibidem.

556 Idem, ibidem.

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campanha e, consequentemente, teriam de aguardar na prisão o fim das averiguações e dos

processos.

Assim, é muito provável que Luiz, em Campos, e Simão, na Bahia, acostumados à

liberdade durante a guerra, uma vez esta terminada, desacreditados e ressentidos com o

governo, percebiam que a fuga empreendida tantas outras vezes era ainda a única maneira

de lhes assegurar a liberdade.

Examinando a documentação do Arquivo Nacional é possível ter uma ideia de

como se procedia à indenização do proprietário de um escravo que serviu na Guerra do

Paraguai. O processo começava com o requerimento do escravista, que subia ao imperador

e seus ministros, depois seguia o pedido de prisão do suspeito de ser escravo, para que este

não se evadisse e, por último, o requerimento pedia a indenização, que era analisada pelo

Conselho Superior Militar, o qual despachava o parecer ao ministério da Guerra, que

finalmente o encaminhava à Fazenda para a realização do pagamento.

Dessa forma, o ministro da Guerra ordenou que fosse pago a Plácido Antônio

Barreiras a quantia de quatrocentos mil réis (4:000$000) e a Antônio Augusto Dalto de

Souza a de seis contos de réis (6:000$000), em apólices da divida pública à cotação oficial,

importância pela qual foram libertados para servirem no Exército os escravos de nome

Dionízio, Jorge, Francisco, Romão e Gabriel, 557

quase dois anos depois de efetuarem a

libertação aos cativos para irem à guerra.

A história do escravo Sebastião chama atenção por tratar-se de uma negociação

feita no curso da guerra, no Paraguai, envolvendo diretamente Duque de Caxias e o ministro

da Guerra. Sebastião, o escravo fugido de Maria Quitéria e de seus filhos, residente em

Bagé, província do Rio Grande do Sul, fugiu para Uruguaiana, onde se alistou como livre,

em um batalhão que marchava para o Paraguai.

Passados alguns anos, o tenente Alexandre de Oliveira Martins reconheceu nos

campos de batalhas o escravo como propriedade de sua família, fato que ficou confirmado

pelo próprio Sebastião. Após o reconhecimento do escravo, Duque de Caxias ordenou que

lhe fosse assentado praça e, em seguida, oficiou ao governo para que fosse pago aos

senhores o valor do referido escravo. Depois da retirada de Duque de Caxias da campanha,

o Conde D‟Eu também reiterou a mesma solicitação.

Em resposta ao oficio, o ministro da Guerra, Barão de Muritiba, exigiu a

comprovação de posse do escravo. Passados mais de seis meses, o ministro da Guerra,

557 ANRJ. Ofício do Ministério da Guerra endereçado ao Ministério da Marinha. Rio de Janeiro, 1º de maio de

1868. Fundo GIFI, Notação 199.

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através de despacho, segundo a Opinião Liberal, 558

informa ainda que não pagasse pelo

escravo Sebastião, alegando uma série de motivos, como não reconhecer a identidade do

escravo, ou ainda, que seus reclamantes perderam o direito sobre ele, quando o mesmo

transpôs a República Oriental, ou finalmente que o general em comando não poderia

assentar praça a um escravo.

Todas essas histórias contadas em fragmentos inserem-se em um contexto de

mudanças ocorridas durante a campanha contra o Paraguai, e agravadas no período

posterior ao seu término. Aos escravos e libertos coube protestar com os demais soldados

que reivindicavam soldos, terras, indenizações, empregos e liberdade. Estavam juntos

escravos fugidos e alforriados para a guerra, homens empobrecidos e outros da elite como

Dionísio Cerqueira, provocando a Guerra do Paraguai, aproximando brasileiros das mais

distantes províncias do Império, de raças e classes sociais distintas, mas de grande

importância para a formação da nação brasileira. Muitos desses homens estiveram unidos

por laços de solidariedade e dependência e, de volta para casa, tornaram-se críticos

contundentes da sociedade imperial e adeptos da abolição da escravidão, encontrando, de

volta, outros tantos homens de cor sedentos por liberdade e brasileiros empobrecidos em

profunda desigualdade social.

Pode-se afirmar que a Guerra do Paraguai produziu sentimentos de brasilidade

entre o povo e novas ideias a respeito da liberdade. Novas ideias que passam a balançar os

pilares do Império e que, percebidas e apropriadas como parte de um novo projeto político

do Brasil, fizeram da proclamação da república uma questão de tempo. Todavia,

antecipando-se à vitória daqueles que a conduziram, proclamaram a abolição da escravidão.

Assim, diante de uma guerra para a qual foi preciso articular setores diferentes de

uma mesma sociedade, é possível investigar a campanha contra o Paraguai não somente nas

suas razões políticas mais gerais, mas através da compreensão de aspectos peculiares e

localizados, pode-se perceber as mudanças decorrentes da mobilização e formação de tropas

que permitiram todo tipo de soldados, inclusive homens de condição escrava.

558 BNRJ. Jornal. Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 15 fev. 1870.

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Subscrição para o Asilo dos Inválidos da Pátria. 1867. Acervo AHN/RJ.

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Capítulo VIII

Os Inválidos da Pátria

O número de soldados inválidos em consequência da Guerra do Paraguai não foi

contabilizado pelo governo monárquico brasileiro. Os relatórios ministeriais publicados

durante e depois da campanha infelizmente não apontam para o número efetivo dos

mutilados na campanha. Todavia, as doenças que inutilizaram muitos soldados e a medicina

aplicada no tratamento dos feridos permitem supor que o número de vítimas foi elevado.

Hordas de mutilados eram vistas nas ruas, quartéis, casas de caridade, sem contar com

muitos outros que, longe dos olhos da população, encontravam-se internados no Asilo de

Inválidos da Pátria.

A chegada dos primeiros soldados inutilizados na campanha ocorreu nos primeiros

anos da guerra. Todavia, o governo do Brasil, que não esperava uma guerra prolongada em

suas fronteiras, não estava preparado para receber grande contingente de doentes, feridos e

mutilados. Foram necessários três anos para concluir as obras de edificação do Asilo de

Inválidos da Pátria, inaugurando somente no ano de 1868.

Antes da guerra com o Paraguai, o destino dos soldados invalidados no serviço do

Exército e da Marinha eram as companhias de inválidos criadas nos quartéis e fortalezas

militares, localizadas principalmente nas províncias da Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande

do Sul e Pará. Normalmente esses soldados eram vistos circulando nas ruas das capitais e

exerciam ocupações de acordo com suas limitações físicas.

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Três bravos de Paisandu feridos em combate. O tenente Antonio de Campos Mello, do 12º batalhão de

infantaria, o alferes Colatino Teixeira de Azevedo, do 6º batalhão de infantaria, e o tenente Manoel Veríssimo

da Silva, do 12º batalhão de infantaria. Acervo do MHN/RJ

Durante a guerra, os doentes e feridos permaneceram temporariamente nos

hospitais e enfermarias levantados nos acampamentos, até que regressassem às fileiras de

seus batalhões ou pudessem ser transportados para o Brasil para a continuação do

tratamento. Depois, seguiam para o Rio de Janeiro ou para suas respectivas cidades.

Acervo do AHN/RJ.

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Assim, é lícito supor que se tratando de uma guerra na qual a mutilação era uma

prática empregada pela medicina de forma recorrente e cujo objetivo era evitar o avanço das

infecções que atingiam os feridos, o medo de que as epidemias se alastrassem fez o governo

monárquico manter os soldados longe do Brasil. Mas deve-se também apontar o fato de o

governo ao se preocupar com o resultado da exposição desses sujeitos ao olhar da

população, previa a redução do número de soldados voluntários para a campanha

O DESEMBARQUE DOS INVÁLIDOS

Desde o início das primeiras baixas no Exército brasileiro, o desembarque de

doentes e mutilados ocorria primeiro na Cidade do Desterro, capital da província de Santa

Catarina. Naquele local funcionou durante toda a campanha um hospital provisório, com o

objetivo de amenizar os efeitos da longa viagem entre o Paraguai e a cidade do Rio de

Janeiro, garantindo os primeiros socorros aos doentes, antes da chegada à Corte.

Em oficio ao ministro da Guerra, Barão de Muritiba, o presidente da província de

Santa Catarina informou sobre a necessidade de ampliação das instalações do hospital

provisório na Cidade do Desterro. Era solicitada a criação de seiscentos leitos, para atender

ao número crescente de doentes e mutilados vindos da guerra.559

No entanto, desde o mês de fevereiro de 1869, a possibilidade alardeada pelos

aliados da finalização da guerra fez que o governo brasileiro começasse o embarque para a

Corte de grande número de feridos e doentes que se encontravam na província de Santa

Catarina. No Rio de Janeiro, esses indivíduos receberiam os cuidados médicos necessários

para depois seguirem viagem, tanto os que desejassem retornar às suas províncias, quanto

os que fossem recolher-se no Asilo de Inválidos da Pátria – edifício levantado na Corte para

aqueles que não possuíam recursos financeiros e nem familiares que pudessem auxiliá-los

em seus sofrimentos.

O jornal A Pátria, que circulava na cidade do Rio de Janeiro, publicou um artigo

noticiando um dos primeiros desembarques de inválidos na Corte. Tratava-se da chegada do

vapor Santa Cruz, no dia 31 de março de 1867, vindo do Rio Grande do Sul, trazendo,

559 AN/RJ. Correspondência da Província de Santa Catarina. Desterro, 25 de fev.de 1869, ao conselheiro

Barão de Muritiba. Série Guerra.

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também a bordo, vítimas acometidas pela cólera. Essa informação chegou ao conhecimento

da imprensa por meio dos médicos do Exército que acompanhavam os inválidos até o Rio

de Janeiro. Os soldados doentes e os inválidos desembarcaram na Fortaleza de Jurujuba, na

Baía da Guanabara, em número de noventa, “depois de muita medida desconchavada,

desembarcando assim a gente na Jurujuba como uma manada de carneiros vindo do Rio da

Prata”.560

Em Circular Reservada, de 31 de dezembro de 1869, o ministro da Guerra

recomendava ao presidente da província do Rio de Janeiro que no desembarque dos

inválidos vindos do Exército em operações no Paraguai fizesse que eles seguissem para suas

províncias. O ministro acrescentava que: “se recolham ao seio de suas famílias aqueles que

as tiverem, e também para que se obste à aglomeração de praças inválidos e ociosos nas

capitais e mais povoações das referidas províncias”.561

O documento informava também que

deveria ser encaminhada ao ministério da Guerra uma relação de todos os praças

impossibilitados de ganhar os meios de subsistência, para a admissão no Asilo de Inválidos

da Pátria.

A guerra seguia e, em 1867, a imprensa já falava de ressentimentos por parte dos

inválidos que regressavam ao país. “A recompensa de um bravo” é o título de um artigo

escrito pelo cronista Tristão Júnior, do jornal A Constituição. A crônica tratava do

encontro de dois amigos: Frederico, Voluntário da Pátria, invalidado na guerra, e Antônio,

que foi recepcioná-lo no desembarque. No cais do porto, Antônio esperava rever o amigo

entre a horda de soldados doentes e mutilados que regressava dos campos paraguaios.

Escreveu o cronista:

– De onde vem esta gente? Perguntou Antônio a um desconhecido.

– São recambiados do sul. Homens inutilizados pela guerra.

– E chegou algum vapor?

– Pois não... eis aí a fazenda que agora importamos.

– Estes inválidos não trazem indenizações dadas pelo governo?

– Qual? Quatro vinténs... e um par de muletas.

– Que miséria, meu Deus! 562

560 BN/RJ. Jornal A Pátria, Niterói, 3 de fev. 1867.

561 APERJ. Circular Reservada do Ministério da Guerra ao presidente da província do Rio de Janeiro, em 31

de dezembro de 1869, PP, notação 0228. 562

BN/RJ. Jornal A Constituição, Fortaleza, 11 set. 1867.

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Antônio refletiu, imaginando que não encontraria seu amigo Frederico entre essas

vítimas:

– Eis a recompensa que se concede aos homens destemidos, bravos e

entusiásticos... iludidos, instigados em seus nobres sentimentos porque

realmente os têm, deixam-se levar, julgando defender por alguma causa

justa, e voltam depois convencidos de que se sacrificaram por um

fantasma, se milagrosamente escapam ao matadouro insaciável.563

Antônio avistou Frederico e foi ao seu encontro:

– Frederico!

– Antônio!

– Não morrestes! Ainda é vivo!

– Milagrosamente!

– Oh, meu amigo, a alegria que se apodera de mim é indefinível.

– Diz-me como vai a minha pobre mãe?

Um suspiro profundo. Frederico não era mais o rapaz esbelto de outrora,

era aleijado. Duas muletas o sustentavam no andar, porque tinha perdido a

perna pelo tronco. Um gilvaz desfigurava-lhe o rosto; a mão esquerda era

destituída da metade dos dedos.

– Meu amigo, meu amigo!

Gritou Antônio pondo-lhe para frente. Examinando de alto a baixo...

– Fostes bem desgraçado. Lastimado é teu estado...

– Ah... muitos foram os meus sofrimentos. Hoje estou completamente

arrependido do passo que dei. Tinhas razão... tinhas razão.564

A intenção da crônica era apresentada nas lástimas de Frederico: o ressentimento

marcou o regresso do voluntário invalidado. Sem o reconhecimento do governo imperial

pelos serviços prestados à nação, qual seria o destino de Frederico?

– Regressei à terra natal desfigurado, aleijado, sem que ao menos se fizesse uma

menção honrosa de meu nome. Graças, sejam dadas à Providência por não ter

infamado expelido do exército.

– Tua história – reflexionou Antônio quando Frederico terminou a narrativa de

suas desventuras – sirva de exemplo para os incautos.

Saibam todos qual é a recompensa de um bravo!565

563 Idem, ibidem.

564 Idem, Ibidem.

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Ainda não estava finalizada a guerra e a cena descrita pelo cronista do jornal

carioca agravava-se pela ausência de comemoração e de reconhecimento aos Voluntários da

Pátria invalidados na campanha. Muitos oficiais inválidos, cujas pensões dependiam da

aprovação das câmaras esperam pela indenização devida.

Sobre as péssimas condições de vida dos inválidos que não se internaram no asilo

provisório na Armação, o jornal Opinião Liberal comentou: “Mais infelizes do que estes

que se acham no Asilo, são grande número de seus companheiros que o Sr. Ministro em vez

de os asilar, fez seguir para as províncias apesar de cegos, mutilados, sem braços ou pernas,

a esmolar a caridade pública”.566

Descrevendo o desembarque de inválidos no porto da capital da província de

Santa Catarina, em 5 de março de 1870, o jornal Desterro afirmou que os transeuntes

ficaram pasmos ao contemplar uma “porção de homens cadavéricos, sujos e maltrapilhos,

que desfilavam tristes e silenciosos pelas ruas desta cidade em demanda ao hospital

militar”.567

No texto que segue há duas indagações e o narrador aponta que uma revisão no

curso da história da Guerra do Paraguai representava um perigo para o Império. O texto

que remete a essas indagações tem como ponto de partida a narrativa que trata do

desembarque silencioso dos inválidos da pátria. “Um dia, porém, o povo perguntará aos

seus opressores – que fizestes do dinheiro que nos arrancastes por meio de onerosíssimos

impostos sob o pretexto de sustentar uma sangrenta guerra em desafronta dos brios

nacionais?”.568

Procurando levantar o questionamento sobre o ressentimento que podia atingir os

soldados, o autor da crônica indagou: “Que fizestes do nosso suor que nem ao menos

serviu para aliviar os sofrimentos de nossos irmãos, prostrados em terras estranhas, ou

pelo ferro inimigo ou pela negra enfermidade, mas sempre com o verbo do sacro amor da

pátria nos lábios?”.569

Mesmo depois de concluída a campanha, os jornais continuaram denunciando a

falta de atenção dispensada pelo governo aos soldados invalidados na guerra, em seu

desembarque no Brasil. Ao contrário dos espetáculos patrióticos oferecidos aos demais

565 Idem, ibidem.

566 BN/RJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 1º mar. 1869.

567 BN/RJ. Jornal O Desterro, Desterro, 10 de mar. 1870.

568 Idem, ibidem.

569 Idem, ibidem.

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soldados no regresso ao país, os desembarques de inválidos eram sempre silenciosos, na

maioria das vezes sem qualquer anúncio.

No início da segunda semana do mês de abril de 1870, o navio Annicota aportou na

Cidade de Desterro. Após a chegada da embarcação ao trapiche Santa Bárbara, teve início o

desembarque dos inválidos. Não havia recepção e nem honras militares. No desembarque,

os soldados ajudavam-se uns aos outros: “quem não tinha a perna esquerda, juntava-se a

outro em iguais circunstâncias e vinham saltando de Santa Bárbara até o quartel”.570

Nem

todos resistiram e um deles, ao subir as escadas do trapiche, deixou um rastro de sangue no

chão. Não houve nenhuma assistência do governo para o desembarque dos inválidos. Um

estrangeiro que passava pelo local, compadecendo-se da situação, carregou seis deles nas

costas.571

O proprietário do Hotel Alfândega ofereceu refeição à tripulação, que passou

fome durante a viagem.

Por que o regresso dos inválidos não era comemorado? Antes de terminada a

guerra, a imagem de inválidos e doentes nas cidades revelava uma realidade indesejável –

não eram eles os heróis que todos esperavam encontrar no desembarque, para ser coroados

com as glórias conquistadas nos campos de batalha. O desânimo dos que desembarcavam

sem a perna, o braço, cegos, ou com cicatrizes incuráveis formava um quadro terrível e

diminuía, assim, o número de novos voluntários para a guerra. Estropiados, esqueléticos,

doentes e mutilados, esses soldados estavam mais parecidos com o inimigo do que

propriamente com o herói que deveria ser guardado na memória da campanha. “Seminus

não pareciam vencedores, e sim os vencidos”.572

A tentativa de evitar qualquer tipo de comemoração não se restringiu ao retorno

dos inválidos. No fim da guerra, quando se discutia a chegada dos soldados ao Brasil, o

argumento do governo para evitar as festas em homenagem àqueles que fizeram a

campanha era a presença dos inválidos na Corte.

Segundo a correspondência do enviado do Jornal do Comércio ao Paraguai,

publicada em 16 de janeiro de 1870 – quando o alto escalão do ministério discutia a forma

como se daria o desembarque das tropas na Corte –, o governo recomendava que os

voluntários seguissem para suas províncias. Isso porque a recepção na Corte do Império

seria, além de uma despesa injustificável, “um sarcasmo doloroso, uma ironia pingente aos

570 BN/RJ. Jornal Correio Mercantil, Desterro, 11 abr. 1870.

571 Idem, ibidem.

572 Idem, ibidem.

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míseros inválidos da pátria, que ali estão em seu asilo, feridos, mutilados, inutilizados,

para sempre”.573

No entanto, o governo não conseguiu fazer valer sua recomendação e, no regresso

dos voluntários, as províncias organizaram seus festejos, fazendo que os governantes

mudassem de ideia quanto à recepção aos voluntários. Porém, o mesmo não ocorreu com os

inválidos, que foram privados não apenas das comemorações, mas também da proteção da

Coroa imperial. Os relatos são unânimes em descrever as cenas de desumanidade e de

abandono, falta de alimentos e de assistência, no desembarque dos inválidos.

É no contexto da falta de lembranças que podem ser contadas as histórias desses

inválidos. A reclusão no asilo seguiu o modelo europeu das instituições totais. E os

mutilados, pela sua identidade não nomeada, excluídos, enclausurados ou ressentidos,

esconderam-se sob o manto do esquecimento.

Depois da campanha, quando o governo não mais precisou de novos contingentes

para a guerra, eram visíveis hordas de mutilados circulando pelas ruas, esmolando,

exercendo trabalhos peculiares às suas condições físicas, perambulando entre tabernas,

praças e igrejas. Muitos, maldizendo o governo, que os havia abandonado à própria sorte.

A medalha sobre as vestes andrajosas dos indigentes deixava de ser o elo da

comemoração e do reconhecimento dos atos de bravura praticados no campo de guerra. A

medalha no peito de um mutilado de guerra, ao contrário, indicava o seu extravio, deixava

pistas sobre a identidade do seu proprietário, o que era visto como algo perigoso.

573 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 18 jan. 1870.

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Mutilado de Guerra. Acervo do MHN/RJ

Sobre a ausência de festas no regresso dos inválidos ao Brasil, o redator do jornal

Correio Mercantil escreveu: “Se não há arcos triunfais e nem coroas como prêmios aos

beneméritos inválidos da pátria, haja, porém, a caridade em remuneração para tantos

serviços que esses míseros prestaram ao país”.574

No entanto, em solo brasileiro, mesmo a

deportação dos inválidos para os locais improvisados que serviam de asilo era uma barbárie.

Foi essa a expressão usada pelo jornal Opinião Liberal, quando denunciou em suas páginas

o transporte de mutilados para o Quartel da Armação, em Niterói:

Uns incapazes de andar ligeiro por falta de pernas, outros inabilitados de

carregar pesos por falta de braços, e todos contristados com banimento do

asilo e poucos expeditos no embarcar foram tocados à força. A pessoa que

isso nos informa acrescenta que o embarque de Gales para o presídio de

Fernando faz-se com mais humanidade e respeito do que aquele embarque

de voluntários da pátria, nesta corte de Dom Pedro II.575

574 BN/RJ. Jornal. Correio Mercantil, Desterro, 11 abr. 1870.

575 BN/RJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 22 jan. 1870.

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O ASILO DOS INVÁLIDOS NO QUARTEL DA ARMAÇÃO

Em 1866 era urgente a necessidade de abrigar os inválidos vindos do teatro da

guerra. Mais de dois mil soldados viviam na cidade do Rio de Janeiro, sem contar o

crescente número de doentes e feridos que permaneciam nos hospitais e acampamentos

localizados no território paraguaio. Enquanto era construído o Asilo dos Inválidos da Pátria,

na Ilha de Bom Jesus, eles foram alojados no Quartel da Armação, em Niterói, na Fortaleza

da Praia Vermelha, no Campo da Aclamação, no Largo do Mouro, onde formavam

companhias, cada uma com aproximadamente trezentos inválidos.

As irmãs de caridade que serviam na Santa Casa de Misericórdia auxiliavam na

administração do asilo provisório e nos cuidados com os inválidos. No Quartel da Armação

havia uma capela, onde eram celebrados ofícios religiosos, especialmente missas fúnebres

pelos mortos nos campos de guerra – como a que foi realizada no dia 24 de maio de 1867,

em memória dos soldados que lutaram na Batalha do Riachuelo. O Imperador D. Pedro II e

cerca de mil internos, soldados e oficiais reformados, assistiram à missa fúnebre.

Privados da liberdade e sem poder retornar às atividades que desempenhavam antes

da guerra, os inválidos asilados ressentiam-se da falta de assistência por parte do governo de

D. Pedro II – o primeiro “Voluntário da Pátria” que, com seus semanários, visitava quase

diariamente o Quartel da Armação e demais estabelecimentos militares onde havia inválidos

aquartelados. Essas visitas tinham ampla cobertura da imprensa, que publicava, nos dias

seguintes, um resumo do que acontecera. Tudo era anunciado pelos jornais oficiais como

um gesto solidário do monarca. Entretanto, em uma pequena nota, o jornal A Pátria

comentou que a despeito dessas visitas nenhuma medida de efeito prático estava sendo

tomada pelo governo para a assistência aos inválidos.576

A chegada dos inválidos ao Brasil criou um problema social, para o qual o governo

imperial não estava preparado. E para furtar-se do ônus que lhe cabia, o governo transferiu

para a administração das províncias a responsabilidade pelos inválidos.

O presidente da província do Rio de Janeiro, em oficio de 3 de maio de 1867, expôs

sua preocupação em relação a uma decisão do ministério da Guerra, que determinava que

fossem desligados do asilo de inválidos os soldados Epifanio de Menezes Teixeira (furriel),

Francisco Ferreira da Silva, (anspeçado), Calisto José Eduardo, José Antonio de Oliveira,

576 BN/RJ. Jornal A Pátria, Rio de Janeiro, 16 fev. 1867.

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João de Mattos Rangel, Francisco Ferreira Leal, Paulino Teixeira de Faria, Manoel Jacinto

de Mattos, Francisco Batista Monteiro e Luiz José de Sousa. Esses soldados seriam

incorporados ao Corpo Provisório de Polícia da cidade de Niterói para servir, apesar de suas

limitações físicas.577

Uma simples inspeção de saúde realizada por médicos do Exército era

suficiente para comprovar a falta de condições de um soldado mutilado para desempenhar

algum tipo de atividade nas fortalezas e nos quartéis da Corte e das províncias.

O vice-presidente da província do Rio de Janeiro contestou a ordem do Ministro da

Guerra, o conselheiro João Lustosa Paranaguá. Antes mesmo de seu antecessor acatar o

pedido, alguns desses praças haviam solicitado “a baixa alegando para isso as circunstâncias

de acharem-se inutilizados para todo o serviço em conseqüência de ferimentos recebido no

ataque de Curupaití, conforme declarou a junta de saúde, que os inspecionou”.578

Nesse

caso o vice-presidente alegava ser possível aplicar a disposição do artigo 5º da Lei

Provincial n. 1349, de 31 de dezembro de 1866, que só mandava abonar os vencimentos nas

situações de moléstias, e não de invalidez.

O presidente da província do Rio de Janeiro terminava o oficio pedindo que fosse

reconsiderada a ordem do ministério da Guerra e que fosse mandado admitir os soldados no

asilo provisório da Armação para “livrar esta província da mácula de os haverem

abandonado na ocasião em que o seu infortúnio mais reclama o amparo da gratidão

nacional”.579

Para as províncias pareceu impossível arcar com a atribuição proposta pelo

governo. Em ofício confidencial, o comandante das armas da Bahia perguntou ao presidente

da mesma província: “como poderia utilizar-se de um soldado que possuía uma das pernas

mutilada acima do joelho e um braço aleijado?”.580

Para as províncias isso implicava uma

obrigação social, porque o governo, ao deliberar pela baixa do serviço de um inválido,

criava um encargo financeiro e um embaraço moral.

A justificativa do governo, porém, era que, subsistindo as dificuldades que

impediam o engajamento de soldados no Corpo Provisório da província do Rio de Janeiro,

parecia-lhe possível que a aquisição de praças inválidos aquartelados na Armação pudesse

577 AN/RJ. Oficio do Palácio do Governo do Rio de Janeiro ao Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá,

ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra. Niterói, 7 de junho de 1867 IG1-146 – Série Guerra

– Ministério da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870). 578

Idem, ibidem. 579

AN/RJ. Oficio do Palácio do Governo do Rio de Janeiro ao Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá,

ministro e secretario de estado dos Negócios da Guerra. Niterói, 7 de junho de 1867 IG1-146 – Série Guerra

– Ministério da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870). 580

APEBa. Correspondência do comando das armas à presidência da província. 1868. Seção Colonial e

Provincial, maço 833.

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completar a formação da força policial, e ao mesmo tempo, “ser mais um prêmio a esses

beneméritos”.581

Todavia, no caso da capital da província do Rio de Janeiro, a aproximação

entre inválidos, população e corpos de polícia era caracterizada por conflitos. Por fim, no

entendimento das autoridades do governo provincial, era preferível manter os inválidos

longe da vida cotidiana da cidade.

Na imprensa do Rio de Janeiro periodicamente foram publicadas reclamações a

respeito dos distúrbios provocados pelos inválidos que circulavam nas proximidades do

Quartel da Armação: “A tranqüilidade, o sossego, a moralidade pública exigem nova

ordem, novo método, disciplina eficaz nas funções do Asilo”.582

O Quartel da Armação

ficava localizado na região central da cidade e, por essa razão, pedia-se a remoção dos

inválidos para outro local.

Sabemos que por vezes o governo da província tem solicitado a remoção

dos inválidos para outra localidade em que eles sejam mais disciplinados,

e úteis a si e à sociedade; sabemos que já até se ofereceu uma proposta

aproveitável, a qual, aceita, daria melhor incorporação a esse pessoal, e

aproveitaria bem a atividade moderada, em trabalho, dos mesmos

inválidos: mas infelizmente sabemos também que essa proposta foi

repelida por alto poder.583

O jornal A Pátria, de Niterói, dizia que a população vivia sobressaltada porque não

havia dia sem que “dezenas de inválidos, que andavam à noite em correria animada pelas

ruas e praças da cidade” provocassem arruaças – “inconveniente que atingia maiores

proporções nos domingos e dias santos”.584

A população dirigia suas reclamações aos comandantes do asilo, por entender que

eram eles os responsáveis pela indisciplina de seus subordinados. Todavia, houve a

“necessidade de fazer justiça a essa oficialidade e ao comandante, porque começou a ver

que a sua autoridade não era devidamente respeitada pelos inválidos”.585

Isso, “graças à

animação que do alto se dá aos inválidos, tirando-se inteiramente a força moral

581 AN/RJ. Oficio do Ministério da Guerra ao secretário de polícia da província do Rio de Janeiro, Antônio

Carneiro de Campos. Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1867. IG1-146 – Série Guerra – Ministério da

Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870). 582

BN/RJ. Jornal A Pátria, Niterói, 24 mar. 1868. 583

Idem, Ibidem. 584

Idem, ibidem. 585

Idem, ibidem.

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indispensável a essa autoridade”.586

O texto referia-se aos pedidos de desculpas e de

tolerância por parte da Secretaria de Guerra, que prometia o desaparecimento das

convulsões assim que fossem abertas as portas do asilo que estava sendo construído na Ilha

de Bom Jesus para receber os inválidos.

Em “Lembranças e esquecimentos”, título atribuído a uma crônica do Diário de

Notícias, o autor descreveu, em 19 de março de 1868, um jantar ocorrido no Asilo da

Armação, oferecido pelos inválidos ao Imperador. Em torno da mesa estavam sentados os

inválidos da pátria “radiantes de júbilo, deslembrando as privações passadas, as dores

sofridas, o sangue vertido, e julgando sobejamente galardoados seus sacrifícios com a glória

de sentar-se a uma mesa, presidida pelo Defensor Perpétuo da Pátria”.587

“Era belo, era sublime aquele espetáculo!” exclamou o cronista. “Eram duas

majestades, a da realeza e a do infortúnio, que se achavam ali reunidas e congraçadas pelo

benéfico influxo do amor da pátria!”.588

Entre aquelas fardas singelas, reluziam pendentes

no peito dos combatentes medalhas comemorativas de sangrentas batalhas, contrastando

com os bordados da farda imperial, “sob a qual pulsava o coração de um pai extremoso a

expandir-se em palavras de afetuosa benevolência para com os filhos”.589

O monarca passou algumas horas de alegria e conforto. Os inválidos não puderam

dominar a comoção que os avassalava e “deixaram deslizar-se pelas faces crestadas ao sol

das batalhas, lágrimas ardentes de respeitoso e entranhado reconhecimento. Esta cena, de

que não dão nem descorada idéia, as frases que hora traço, deve ser perpetuada em quadro

histórico”.590

No fim do artigo, o cronista sugeriu ao ministro da Guerra que a cena do

jantar, descrita no artigo, fosse retratada em uma tela, uma recordação da visita de Sua

Majestade o Imperador ao Asilo dos Inválidos da Pátria.

Dessa situação descrita pelos jornais oficiais do governo, pareceram se valer os

inválidos para praticar todo tipo de abuso e alteração no cotidiano da população de Niterói,

assim como na cidade do Rio de Janeiro. A bênção do Imperador era interpretada por

muitos desses inválidos como a autorização para a prática de delitos, pois, além de se

invalidarem no serviço da pátria, contavam com a benevolência do monarca e de seu

governo. Finalmente, no dia 15 de outubro de 1868, os inválidos que ocupavam o Quartel

586 Idem, ibidem.

587 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 19 mar. 1868.

588 Idem, ibidem.

589 Idem, ibidem.

590 Idem, ibidem.

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da Armação foram transferidos para o Asilo dos Inválidos da Pátria construído na Ilha de

Bom Jesus, no Rio de Janeiro.

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O ASILO DOS INVÁLIDOS DA PÁTRIA NA ILHA DE BOM JESUS

O Asilo dos Inválidos da Pátria foi concebido para recolhimento dos mutilados,

doentes e reformados do Exército, a partir da Guerra do Paraguai.591

Desde 1866, o

ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, recomendava ao governo imperial,

conforme o Relatório à Assembléia Geral Legislativa pelo Ministro e Secretário do

Exército do Estado dos Negócios da Guerra, de março de 1867, a conveniência de se

construir um asilo de inválidos. Em seu entendimento, em liberdade os inválidos

“entregam-se ao vício da mendicidade e outros semelhantes, em suas moléstias não

encontram, muitas vezes, um teto hospitaleiro que os abrigasse”.592

O documento

prossegue afirmando que nos lugares onde não havia instituições de caridade os desvalidos

morriam “quase sempre, sem ter quem lhes cerre as pálpebras e sem ter quem lhes

conforte na agonia prestando-lhes os últimos socorros”.593

A construção do asilo ocorreu pela iniciativa da Praça do Comércio do Rio de

Janeiro. Essa entidade, imbuída de ideais filantrópicos, deliberou auxiliar o governo na

edificação do asilo de inválidos. Em reunião dos membros, no dia 25 de fevereiro de 1865,

decidiu-se pela abertura de uma subscrição púbica, cujo produto seria empregado na

construção do edifício que serviria de asilo, na Corte.594

591 Embora o decreto para a criação de estabelecimento similar seja de 1º de setembro de 1841, providenciou

sobre o destino da manutenção dos praças no serviço da guerra, dispondo: “1º Que aqueles que se

invalidarem no serviço quer da paz quer da campanha sentarão praça com a designação de veteranos nas

companhias mais próximas da terra de sua nacionalidade ou/e por escolha de sua residência, permitindo-se

à passagem aos que já pertenceram a outras companhias mais distantes. 2º Que às mesmas praças se

permita a escolha da residência nas suas próprias casas, no quartel da respectiva companhia, ficando em um

ou outro caso dispensado de todo e qualquer serviço e somente sujeito às revistas trimestrais. O aviso de 3

de junho de 1841 mandou organizar em Santa Catarina uma Companhia de Inválidos; e o de 9 de agosto de

1849 estabeleceu outra no Rio Grande do Sul. Além dessas companhias há uma na Bahia e outra nesta

corte. Todas elas, porém, estão muito longe, porém, de preencher o nobre fim de sua instituição”. Ver

AHRS. Relatório à Assembléia Geral Legislativa pelo Ministro e Secretário do Exército do Estado dos

Negócios da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, em 14 de novembro de 1866. Rio de Janeiro, - Cód.

B-3 232, p. 25. 592

Idem, ibidem. 593

Idem, ibidem. 594

Ver GOMES, Marcelo Augusto Moraes. A Espuma das Províncias - um estudo sobre os Inválidos da

Pátria e o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Corte (1864-1930). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas. USP. Tese de Doutorado, 2008.

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Para os trabalhos de captação dos recursos necessários, foi organizada uma

sociedade com o nome Asilo de Inválidos da Pátria, com sede na capital do Império, sob a

proteção do Imperador D. Pedro II. Por Decreto Imperial, de 15 de dezembro de 1866, foi

nomeado José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho presidente da sociedade.

Ficou estabelecida a construção do asilo na Ilha de Bom Jesus,595

porque tratava-se

de uma localidade antes de mais nada “sem moradores, mas onde encontrarão [os inválidos]

facilidade de se transportarem para a cidade ou regressarem para a mesma ilha”.596

De

acordo com o relatório apresentado pelo ministro e secretário do Exército do Estado dos

Negócios da Guerra, seis fatores eram favoráveis para a construção do asilo na Ilha de Bom

Jesus: o isolamento das habitações vizinhas; o terreno elevado e seco que por sua natureza

favorecia o escoamento das águas pluviais; a exposição, por todos os lados, aos raios

solares, quer de verão, quer de inverno; não ter em sua vizinhança depósito e fábricas de

materiais vegetais ou animais; ser ventilada, assim não devendo influir os miasmas da

vizinhança; e, finalmente, ter água potável em quantidade suficiente.597

Os critérios adotados para a construção do asilo remetem à ideia de reclusão dos

praças e à necessidade de manter os inválidos longe do povo. Assim, seria possível pôr fim

aos distúrbios verificados na cidade de Niterói, denunciados pela imprensa carioca como

consequência da proximidade dos inválidos com o centro urbano. Mas deve-se também

considerar que o perigo para o Império era o da revelação de uma identidade não nomeada.

A visão das falanges de inválidos, com os corpos desfigurados e as chagas abertas, era a

imagem real da crueldade da guerra.

Com um olhar mais atento, percebe-se que se tratava de uma guerra só possível de

ser imaginada pelos leitores dos jornais, porque acontecia distante do território brasileiro.

Em uma re(visão), transita-se da comemoração para o ressentimento. A visibilidade dos

mutilados suscita reflexões sobre: o ônus da guerra, a inutilização dos corpos, a

reivindicação de pensões por invalidez e os bastidores do poder. Fatalmente, em algum

momento, o prolongamento da campanha iria colocar esses infelizes heróis mutilados e

595 A ilha pertenceu à Ordem Religiosa de Santo Antônio dessa Corte, mas por um contrato celebrado com o

agente oficial da colonização foi cedida para o depósito dos colonos, por algum tempo, mediante certa

indenização ao ministério da Agricultura, que a cedeu ao ministério da Guerra. Cf. Relatório à Assembléia

Geral Legislativa pelo Ministro e Secretário do Exército do Estado dos Negócios da Guerra, Ângelo Muniz

da Silva Ferraz, em 14 de novembro de 1866. Rio de Janeiro, AHRS - Cód. B-3 232, p. 25. 596

Idem, p. 43. 597

Idem, ibidem.

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doentes de frente com a população, que manifestaria sua revolta diante da situação,

obrigando o governo a adotar medidas para conter tais tragédias.

Re(visões) se fizeram presentes no curso da história da humanidade, quando

acreditava-se que massacres, torturas e guerras eram páginas esquecidas, apagadas da

memória coletiva. A Guerra do Paraguai não poderia figurar como uma exceção. Já no

final da campanha, entre comemorações e esquecimentos, sentimentos se entrelaçavam.

Então, por que esquecer os mutilados? Essa pergunta, difícil de ser respondida, permite

apenas suposições. Com o passar dos anos, a guerra tornava-se impopular, principalmente

por ter o recrutamento para o Exército se convertido em uma arma partidária, que voltava

sua ação contra os cidadãos contrários à facção política no poder. Muitos dos indivíduos

mutilados na campanha, além de se converterem em uma imagem repugnante pela

identidade que representavam como inválidos da guerra eram também adversários

políticos do partido que estava no poder e ameaçavam a continuidade do governo.

Nesse contexto, em 21 de abril de 1867 foi regulamentado o funcionamento do

Asilo dos Inválidos da Pátria, na Ilha de Bom Jesus. Pela leitura das Instruções para o

Serviço dos Inválidos598

pode-se perceber que se tratava de um estabelecimento militar. O

artigo 8º determinava que o asilo estava sujeito ao regime e à disciplina militares, e seus

funcionários teriam obrigações e vencimentos iguais aos dos demais batalhões do Exército.

No asilo seriam admitidos praças do Exército que se invalidaram na campanha do

Paraguai e também soldados doentes, mutilados no desempenho do serviço militar, em

598 Seguem os principais artigos das Instruções para o Serviço dos Inválidos, que estão publicados

integralmente no Relatório à Assembléia Geral Legislativa na 2ª Sessão da 13º Legislatura pelo Ministro e

Secretário do Exército do Estado dos Negócios da Guerra, João Lustoza da Cunha Paranaguá. Rio de

Janeiro (Anexos, Leis, Decretos e Instruções, p. 1-4), Tipografia Nacional, 1868. AHRS - Cód. B-3 233.

“Art. 1º - Fica estabelecido na corte, em lugar designado pelo governo, um Asilo de Inválidos da Pátria; Art.

2º - Serão admitidos ao asilo: § 1º - As praças do exército que se impossibilitarem para o serviço militar em

conseqüência de ferimentos recebidos em combate, velhice, desastres ou moléstias adquiridas no mesmo

serviço e não puderem por qualquer destes motivos obterem os meios de sua subsistência; § 2º - As praças de

pret do exército reformadas, que não se acharem inteiramente impossibilitadas de promover os meios de sua

subsistência e requererem; § 3º - As atuais praças do asilo dos inválidos tanto da corte, quanto das

províncias; Art. 4º - As praças que forem consideradas pela Junta Militar de Saúde nas condições do §1º do

Art. 2º serão imediatamente remetidos pelo quartel general ao asilo, acompanhado de uma guia em que se

mencione todas as circunstâncias de sua vida militar. § 1º - As praças reformadas que quiserem ser admitidas

no asilo o deverão requerer ao Ministério da Guerra com informação de seus superiores que abonem sua

conduta. § 2º - As praças inválidas que se acharem nas províncias fora dos asilos e quiserem ser recolhidas

ao asilo militar dos inválidos da pátria, igualmente o deverão requerer ao Ministério da Guerra por

intermédio dos respectivos presidentes. Art. 5º - Aos oficiais ou praças de pret do asilo serão abonadas

etapas, que serão recolhidas a uma caixa, pela qual se fará a despesa de alimentação dos mesmos oficiais e

praças. Art. 6º - O Asilo dos Inválidos será organizado em companhias de 100 praças de pret cada uma. § 1º -

As praças que excederem de 100, enquanto não completarem esse número elas formarão uma seção das companhias adidas à última companhia organizada. § 2º - Os oficiais inválidos serão distribuídos pelas

companhias;.

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consequência de ferimentos recebidos em guerra, desastres ou moléstias adquiridas e que

não pudessem, por qualquer desses motivos, obter os meios de subsistência. Também

seriam admitidos os praças de pret do Exército reformados que não se achassem

inteiramente possibilitados de promover os meios de sua subsistência e desejassem habitar o

referido asilo.

Os inválidos manter-se-iam na instituição mediante a contribuição para as despesas

com o valor das pensões que receberiam do Tesouro Nacional. Aqueles que não contavam

com pensões, pagariam com a metade do soldo de sua reforma. As vestimentas eram

simples e discretas, de acordo com as Instruções. Os inválidos usariam um uniforme

composto de blusa de pano para o inverno, blusa de brim para o verão e boné redondo.

Tanto a blusa quanto o boné não teriam “vistos e nem vivos”.599

O Asilo dos Inválidos da Pátria foi inaugurado em 29 de julho de 1868 e a

transferência dos inválidos do Quartel da Armação, em Niterói, somente começou a ser feita

no dia 15 de outubro do mesmo ano, pois as obras não foram concluídas até a data escolhida

para a inauguração. No Quartel da Armação permaneceram os soldados que dependiam do

ajuste de contas para ter a baixa no serviço militar. Como ali fora estabelecida uma

enfermaria, esta continuou recebendo os feridos que retornavam do Paraguai, até sua

extinção completa, depois de encerrada a campanha.

O dia 29 de julho de 1868 não foi escolhido por acaso para a inauguração do asilo.

Era comum que tais cerimônias ocorressem em datas comemorativas para a família real, e

esse era um “dia já notável nos anais da história brasileira, marcado nas páginas eternas no

grande livro da humanidade, que a posterioridade tornará cheia de reconhecimento,

agradecendo a mão benéfica que impeliu o governo e o povo a tal empenho”.600

Aquele era

o dia do aniversário da princesa Izabel. O Jornal do Comércio comentou: “No dia festivo de

seus anos, pagar-se a mais sagrada de todas as dívidas, aquela que a nação havia contraído

com seu soldado, no dia em que pela voz do imperador, o mandaram marchar em defesa do

pendão auriverde”.601

599 AHRGS. Instruções para o Serviço dos Inválidos que estão publicadas integralmente no Relatório à

Assembléia Geral Legislativa na 2ª Sessão da 13º Legislatura pelo Ministro e Secretário do Exército do

Estado dos Negócios da Guerra, João Lustoza da Cunha Paranaguá. Rio de Janeiro (Anexos, Leis, Decretos

e Instruções, p. 1-4), Tipografia Nacional, 1868. Cód. B-3 233, p.1-4. 600

BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 29 jul. 1868. 601

BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 29 jul. 1868.

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A solenidade de inauguração do Asilo de Inválidos da Pátria na Ilha de Bom Jesus

iniciou-se às oito horas da manhã no Arsenal da Marinha, onde reuniram-se os ministros da

Guerra, Marinha, Agricultura e Império, o corpo diplomático, oficiais da Marinha

estrangeira e grande número de oficiais de mar e terra. Após a chegada do Imperador e da

família real, foguetes subiram ao ar e o hino nacional foi tocado por duas bandas de música.

Em seguida, todos embarcaram do Arsenal em direção à Ilha de Bom Jesus e,

desembarcando, dirigiram-se para a capela do asilo para assistirem ao te-deum antes de

percorrerem todo o edifício que alojaria os inválidos e suas famílias.602

Acervo do MHN/RJ

Os jornais da Corte anunciaram que a data da inauguração do Asilo dos Inválidos

da Pátria na Ilha de Bom Jesus passaria para a história como o dia em que o Império pagava

a dívida de honra com o soldado brasileiro. Com essa ideia, o Jornal do Comércio iniciou

seu artigo na seção “A pedido”, com o objetivo de realçar o caráter magnânimo do monarca

brasileiro, D. Pedro II.

602 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 20 jul. 1868.

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Inválidos da pátria – se há no coração do homem uma dor estranha,

profunda e íntima, reservada por Deus para os dias tremendos da desgraça,

dor que se deve sentir quando o nosso inimigo decepa um braço ou uma

perna que se vê rojado pelo chão, tornando-nos quase inútil para nós e para

a pátria, essa dor imensa está compensada no sagrado tributo da veneração

dos povos.603

Tomando como para si a dor e o sofrimento vivido pelos soldados invalidados na

campanha, o mesmo jornal afirmava que naquele momento o inválido era duplamente

recompensado: pelo tributo do povo que subscreveu para a aquisição do dinheiro

empregado na construção do asilo e pela gratidão do Imperador, que demonstrava assim o

seu acolhimento, construindo um abrigo sem a suntuosidade dos palácios, mas em um lugar

paradisíaco, de onde era possível contemplar o horizonte.

Gratidão da pátria, no amor respeitável do imperador que, seguindo o

patriótico exemplo dado à França e ao mundo por Henrique IV, soube a

custa de uma admirável perseverança, de um zelo paternal, erigir um

palácio para os defensores do país, que também é seu e pátria de seus

filhos.604

A louvação ao imperador como representante simbólico de toda uma nação e

defensor de seu povo mais uma vez reafirmou a figura do monarca como o grande protetor

dos inválidos da pátria.

O imperador que simboliza a pátria, o perpétuo defensor de sua

integridade, mandando erigir sob seus cuidados o edifício destinado ao

abrigo dos defensores da mesma pátria, desses soldados que virão ao seu

lado centos de camaradas mortos pela ferocidade dos inimigos e, que com

seus peitos construíram muralhas para salvar a vida de seus vencedores,

que lá vinham aptos em nuvens de vitória.605

Sobre as instalações do asilo na Ilha de Bom Jesus – que não se comparava com o

luxo dos palácios ingleses construídos para servir de hotel aos Inválidos –, o Jornal do

603 BN/RJ Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 29 jul. 1868.

604 Idem, Ibidem.

605 Idem, ibidem.

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Comércio comentou que a falta de suntuosidade era compensada pela visão paradisíaca do

local e pela sua natureza luxuriante.

Não temos, é verdade, para dar ao soldado brasileiro um edifício

arquitetônico primado pelo belo, pelo maravilhoso de seu tempo, como

aquele de Luiz XV fundado em Paris que abrigou aos soldados feridos e

inutilizados nas campanhas da França. Temos porém um vasto edifício ou

edifícios, singelo em divisões e simples em aparência, sem colunas, nem

arcadas, nem naves. Em lugar saudável e poético e de surpreendente

efeito, panorama de lindas vistas, onde os olhos não se fartam de

contemplar mil belezas do solo brasileiro, está assentado o asilo dos

inválidos da pátria, que só a uma vontade poderosa era lícito preparar em

tão breve tempo.606

O antigo convento localizado na Ilha de Bom Jesus foi transformado, e a igreja,

restaurada. Ao lado da igreja, no primeiro e segundo pavimentos, havia vastíssimos

dormitórios e em um canto do segundo andar, uma sala de recreio e descanso para os

inválidos. O terceiro pavimento era destinado à morada do comandante. Sobre a porta de

entrada, localizada no centro do edifício, em uma pedra de mármore, lia-se a seguinte

inscrição: D. Pedro II, Imperador do Brasil e perpétuo defensor mandou erigir este asilo

para os bravos que ficaram mutilados em defesa da pátria. 1868. “Que bela comemoração

que digno exemplo!”, 607

exclamou o articulista do Jornal do Comércio.

Em torno do alojamento abria-se um grande terreno, que rodeava todo o edifício,

e um descampado, que durante a estação chuvosa constituía-se em sério problema. O

edifício não oferecia segurança, exatamente por estar totalmente exposto às intempéries

provocadas pelo mar agitado da Baía da Guanabara. “Apodera-se o terror dos moradores,

que fogem todos para fora, ficando debaixo da tormenta, tão desabrigados como tantas

vezes se acharam nas inóspitas regiões do Paraguai”.608

Inúmeras foram as reformas que o governo teve de realizar já nos primeiros anos,

depois de inaugurado o asilo. O abastecimento de água no período de verão agravava-se

com a dificuldade de encontrá-la em quantidade e em qualidade, no terreno. Muitas vezes, a

água teve que ser transportada de outras localidades.

606 Idem, ibidem.

607 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 29 jul. 1868.

608 BN/RJ. Jornal Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 8 dez. 1868.

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No início de 1870, havia no asilo 1.185 praças, deduzindo-se dessa quantia os

doentes recolhidos ao hospital militar, sentenciados e outros com diferentes destinos, apesar

de pertencerem todos eles ao abrigo. O efetivo era reduzido a 758 praças. Segundo os

relatórios do Ministério da Guerra, havia uma expectativa de que o número dos aquartelados

no asilo aumentasse, logo fossem recolhidas ao Império todas as forças e, com elas, os

doentes e mutilados dos diversos hospitais, além daqueles que permaneciam no Paraguai.609

Também comentou o relator que muitos asilados manifestaram a vontade de deixar o asilo

para ficar com seus familiares, o que influenciaria na diminuição progressiva do número de

internos, alguns anos depois.

Em 1º de janeiro de 1871, o Ministério da Guerra registrou a presença de 1.214

praças, incluídos 277 vindos do Exército, e quinze oficiais inválidos. O número de praças

excluídos por diversos motivos foi de 797 (entre os quais, dezenove oficiais), a saber: 264

praças com baixas no serviço; 43 por falecimento, dos quais três oficiais; 25 soldados por

deserção; cinco soldados por ausentarem-se do estabelecimento sem especificar os motivos

e 28 que foram mandados servir nos corpos por terem sido julgados prontos; 211 soldados

que dos hospitais militares onde estavam internados tiveram outro destino; treze soldados

por aguardarem a decisão do governo em suas respectivas províncias; 180 soldados

enviados para diferentes províncias; nove excluídos por sentenças e três soldados por não se

encontrarem no asilo; outros dezesseis oficiais que não se encontravam mais no asilo por

diferentes motivos. – cerca de metade dos que ali estavam em 1º de janeiro de 1870.610

A despeito da sensível diminuição do número de soldados no Asilo de Inválidos da

Pátria, era crescente o número dos que retornavam, depois da guerra, para suas respectivas

províncias. Consequentemente aumentavam os pedidos de reformas e pensões ao governo,

para a subsistência dos inválidos e de suas famílias. Embora retornando para casa, muitos

deles encontraram dificuldades em manter-se com os soldos recebidos. E nas províncias

começaram a surgir os primeiros pedidos, por parte das autoridades, para que fossem

novamente internados alguns desses soldados e mesmo outros que se encontravam adidos às

companhias de inválidos criadas nas principais províncias.

609 AHRS Relatório à Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 14º Legislatura pelo Ministro e

Secretário do Exército do Estado dos Negócios da Guerra, Barão de Muritiba. Rio de Janeiro, Tipografia

Nacional, 1870. - Cód. B-3 235, p. 30-32. 610

AH/RS. Relatório à Assembléia Geral Legislativa na 3ª Sessão da 14º Legislatura pelo Ministro e

Secretário do Exército do Estado dos Negócios da Guerra, Visconde do Rio Branco. Rio de Janeiro,

Tipografia Universal Laemmert, 1872. Cód. B-3 235, p. 52.

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Em 1871, o presidente da província de Santa Catarina encaminhou ao Ministério

da Guerra um oficio, relatando as condições dos asilados adidos à companhia de inválidos

daquela província. Em sua correspondência reservada, ele informou sobre a intenção de

extinguir a companhia de inválidos, alegando altos custos de manutenção. O presidente da

província exemplificava, citando o pagamento de soldos de 140 réis mensais para um oficial

e dois subalternos pouco proveitosos, assim como a dificuldade de manter uma companhia

com mais cem soldados inválidos que não desempenhavam qualquer atividade.611

Para a extinção da companhia, o presidente informava que seria necessária a

transferência dos inválidos para o asilo da Corte, onde muitos já haviam estado e de cujo

tratamento reclamavam. O presidente terminava o seu oficio atribuindo a responsabilidade

pelos asilados ao Ministério da Guerra, que deveria cuidar dos “heróicos patriotas que se

invalidaram na campanha e se alguns deles prestassem para algum serviço [...] que

gozassem de boa saúde e moralidade podendo trabalhar no serviço da faxina das

fortificações”.612

Em 1º de maio de 1871, o Barão de Rio Branco expediu um telegrama ao

presidente da província de Santa Catarina, notificando-o sobre a transferência de todos os

inválidos ali existentes, ou dos que não pudessem lá permanecer, para o asilo da Corte.613

Em 1872, o número de internos no Asilo de Inválidos da Pátria diminuiu

sensivelmente para 542 indivíduos, dos quais 52 eram oficiais empregados no serviço do

estabelecimento. Dois anos depois, em dezembro de 1874, existiam no asilo 49 oficiais e

311 praças de pret.614

O relatório de 1872 também informava que, salvo os praças mutilados e um ou

outro em melhores condições, havia uma predisposição para o pedido de baixas.

Atribuindo este fato não só à pouca vocação que geralmente se nota no

país para a carreira das armas e para a vida dos quartéis, onde é

indispensável a manutenção rigorosa da disciplina e subordinação militar,

mas ainda a circunstância de não existirem companhias de inválidos na

maior parte das províncias, para as quais sentem desejos de recolher-se as

611 Idem, ibidem.

612 Idem, ibidem.

613 AN/RJ. Telegrama de 1º de maio de 1871, enviado pelo Barão de Rio Branco ao presidente da província de

Santa Catarina, incluso em Ofício do Palácio da presidência de Santa Catarina, 19 de março de 1871, por

Joaquim Ferreira Gouveia, enviado pelo Conselheiro de Estado Barão de Muritiba Ministro e Secretário de

Estado dos Negócios da Guerra. (pasta 16) Notação IG1 - 536 rel. 1ª cx. 596. 614

AHRS. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quinta sessão da décima quinta legislatura

pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, João José de Oliveira Junqueira. Rio de Janeiro,

Typografia Carioca, 1875, p. 14.

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praças que deixam o serviço, e que se acham muitas vezes separadas de

suas famílias há longo tempo.615

No ano de 1872, mesmo com o número decrescente de asilados, o governo

demonstrou a intenção de ampliar a área em torno do asilo e assim manter a distância entre

os asilados e a população vizinha. Para isso, o Ministério da Guerra recomendou que fosse

adquirido um terreno contíguo, evitando a convivência dos praças com pescadores e

vivandeiros “que ali possuem tavernas, e cujo contato, além de contribuir para que os

asilados se distraiam de suas ocupações, concorre muitas vezes para o aparecimento de rixas

e desordens”.616

Retomava-se, assim, mais uma vez, a ideia de isolamento dos inválidos.

CONFLITO E TENSÕES NAS RUAS

Em 1867, em Niterói e nas principais ruas do Rio de Janeiro, encontravam-se

frequentemente bandos de inválidos da pátria mendigando caridade pública. O jornal A

Pátria tratou do sentimento de dor dos brasileiros e da sensibilização dos estrangeiros

diante da visão de soldados aleijados e deformados, que “às dúzias, percorrem as ruas desta

capital e da corte, a mendigarem compaixão e caridade política e o socorro possível, que o

estado deveria ser o primeiro empenhado em prestar”.617

Para o deslocamento da cidade de

Niterói, onde estavam aquartelados, à Corte, onde realizavam as inspeções de saúde, os

inválidos mendigavam até um cartão de embarque na bilheteria das barcas que faziam a

travessia da Baía da Guanabara.

O governo defendia-se das acusações de negligência em relação aos inválidos

alegando, segundo o mesmo jornal, que prestava a eles a devida assistência. Aqueles que

mendigavam em vias públicas o faziam por vontade própria. O periódico carioca A Pátria

refutava a crítica feita pelo governo, afirmando que se os mutilados estivessem amparados e

sujeitos à disciplina militar não mendigariam pelas ruas da cidade. Por fim, o jornal

615 AHRS. Relatório do ano de 1872 do Ministério da Guerra, apresentado à Assembléia Geral Legislativa na

2ª Sessão da 15ª Legislatura (publicado em 1873), p. 32-36. 616

AHRS. Relatório do ano de 1872 do Ministério da Guerra, apresentado à Assembléia Geral Legislativa na

2ª Sessão da 15ª Legislatura (publicado em 1873), p. 32-36. 617

BN/RJ. Jornal A Pátria, Niterói, 24 jan. 1867.

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responsabilizava o governo monárquico pela “humilhação do espírito nacional e do aparente

abandono dos melhores servidores da pátria”.618

O sentimento de humilhação surge no

regresso inglório daqueles que se mutilaram em defesa da nação.

Nas imediações do Quartel da Armação, em Niterói, registravam-se diariamente

ocorrências por indisciplina e desordens praticadas pelos asilados. Os internos desse

estabelecimento não tinham hora para se recolher e perambulavam pelas ruas tanto durante

o dia quanto à noite, e muitos deles portavam facões, amedrontando os habitantes da cidade.

“Em magotes, um tanto desordenados, introduzindo-se e pernoitando nos casebres

chamados cortiços, eles provocam conflitos, que quase sempre terminam por desordens, e

se alguém lhes vai dar conselhos e pedir acomodação, sofre inevitavelmente ofensa”.619

No dia 3 de março de 1867, por volta das dez horas da noite, dois inválidos

tentaram assaltar uma residência da Rua da Praia. A invasão não logrou êxito porque o

proprietário foi alertado por sua escrava, e os inválidos puseram-se em fuga, levando um

capacho que estava no corredor. O proprietário da residência e um vizinho foram ao

encalço deles, porém desistiram quando perceberam que os fugitivos estavam armados.620

Distúrbios provocados por inválidos da pátria ocorriam também em logradouros

públicos, ameaçando a segurança. Na noite de 9 de julho de 1867, na Praça da Matriz,

onde se realizavam os festejos em devoção a São João Menino e se encontravam muitas

famílias, uma numerosa companhia de inválidos, asilados no Quartel da Armação,

provocou desordens que resultaram em confusão e pancadaria. O jornal Diário

Fluminense, do Rio de Janeiro, pediu providências pelos excessos cometidos na praça.

“Não nos consta até o presente que se verificasse uma só prisão ou medida corretiva contra

alguns inválidos que se excediam, provocando nesta capital, conflitos que podem tomar

caráter muito sério”. 621

As constantes perturbações causadas pelas rixas entre praças inválidos,

aquartelados na Armação, e o Corpo de Polícia de Niterói repercutiram na esfera da

segurança pública da província do Rio de Janeiro. Em 10 de setembro de 1867, o chefe de

polícia, Antônio Carneiro de Campos, enviou oficio ao vice-presidente da província com

cópia ao ministro da Guerra,622

propondo que praças inválidos aquartelados na Armação

618 Idem, ibidem.

619 BN/RJ. Jornal A Pátria. Niterói, 24 de mar. 1868.

620 BN/RJ. Jornal A Pátria, Niterói, 3 de fev. 1867.

621 BN/RJ. Jornal Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 10 de jul. 1867.

622 AN/RJ. Correspondência expedida pela Secretaria da Polícia da província do Rio de Janeiro. Niterói, 10

de setembro de 1867. n. 935, seção 7ª. Pelo chefe de polícia, Antônio Carneiro Campos, ao vice-presidente

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fossem admitidos no corpo policial provisório da cidade de Niterói, a fim de acabar com a

perturbação da ordem pública pela rivalidade entre eles, Corpo Provisório e Companhia de

Urbanos. O documento mencionava também o interesse de soldados inválidos em servir

no corpo policial, desde que fossem conservadas, integralmente ou em parte, as vantagens

que possuíam como praças reformados do Exército.

A documentação examinada nesta pesquisa não esclarece acerca dos motivos para

os conflitos ente as duas corporações. Todavia, no entendimento de um soldado que serviu

no Corpo de Polícia, a incorporação de inválidos com direitos iguais, sem desempenhar as

mesmas atividades, lhe parecia injusta. Esse soldado afirmava, em seu requerimento, que

não aceitava “receber ordens de um aleijado que nada faz”.623

Em 1868, com a inauguração do Asilo de Inválidos da Pátria, aumentou

consideravelmente o número desses soldados na cidade do Rio de Janeiro. Nesse período

houve um crescimento nas ocorrências policiais de inválidos envolvidos em desordens e

perturbações na cidade. Afirmava o Diário Fluminense:

Não há dia em que a população desta cidade se não sinta sobressaltada por

causa de excessos de algumas dezenas de inválidos, que andam à noite em

correria animada pelas ruas e praças da cidade; e esse inconveniente toma

proporções um tanto séria nos domingos e dias santos.624

O crescimento das agitações era atribuído à indisciplina e à desobediência dos

asilados aos superiores que dirigiam o Quartel da Armação. Faltava controle da saída e da

entrada dos asilados do quartel, durante o dia e à noite. Segundo noticiou o jornal Diário

Fluminense, era comum que inválidos pernoitassem fora do quartel, dirigindo-se aos

cortiços, onde jogavam, bebiam e buscavam os prazeres do sexo com prostitutas.625

Ao cair da noite de domingo, 21 de março de 1868, na localidade conhecida como

Beco das Canelas, um grupo de inválidos amotinou-se, ferindo gravemente um homem.

Foi preciso empregar força policial para prender dois dos insurgentes. Em função dessa

da província do Rio de Janeiro, Eduardo Pindahyba de Mattos. IG1-146 – Série Guerra – Ministério da

Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870) 623

AN/RJ. Correspondência expedida pelo soldado do corpo policial provisório da cidade de Niterói à

Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro. Niterói, 12 de janeiro de 1868. IG1 - 146 – Série Guerra – Ministério

da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1868). 624

BN/RJ. Jornal Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 24 mar. 1868. 625

Idem, ibidem.

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ocorrência, para manter uma maior vigilância nas ruas do centro de Niterói, foi necessária

a intervenção do delegado de polícia na arregimentação de civis, devido à escassez de

forças policiais regulares na cidade.626

Com o tempo, algumas recomendações eram passadas à população e levadas ao

conhecimento dos comerciantes estabelecidos no centro de Niterói. Uma forma de conter a

aglomeração de inválidos foi a fiscalização das casas comerciais que vendiam bebidas

alcoólicas, localizadas próximas do asilo. Aos fregueses inválidos só era permitido

comprar gêneros alimentícios, mediante a saída imediata do estabelecimento.

Sobre os tumultos que a imprensa carioca noticiava, envolvendo inválidos da

guerra, o Diário Fluminense627

lançou uma indagação. Seriam essas perturbações, em

Niterói, realmente causadas pelos asilados do Quartel da Armação? O redator do jornal

reconhecia que de fato parte das desordens públicas era praticada por asilados; entretanto,

acrescentava que a maioria dos casos envolvia inválidos residentes fora do aquartelamento.

Eram, sobretudo, combatentes inutilizados na guerra, que vivendo na pobreza

residiam em cortiços. Conforme dizia o jornal, “nessa ordem de residências habitam em

geral, não famílias ou pessoas pobres, mas sim gente de vida e reputação muito

duvidosa.”628

O Diário Fluminense exemplificava, citando o cortiço existente na Rua São

Lourenço como um dos redutos de inválidos que viviam por conta própria, sem assistência

do governo.629

No entendimento do analista, a solução era adotar medidas disciplinares mais

rígidas. Ele concluía que as desordens cometidas pelos inválidos deviam ser entendidas, em

alguns casos, como atos de insubordinação à força moral dos oficiais que os comandavam e,

em outros casos, desobediência às autoridades policiais, pela prerrogativa da condição de

militares.

Se aparentemente as convicções do jornalista do Diário Fluminense eram reais, o

jornal Diário de Notícias não pensava assim – ou pelo menos tratou de revelar situações de

desordem na cidade, provocadas por asilados internos do Quartel da Armação. Na tarde do

dia 22 de março de 1868, a cidade de Niterói apresentava-se com “aspecto de um grande

circo, não de gladiadores, como os dos antigos romanos, porém, de pugiladores, ou

jogadores da murraça à inglesa e do bastão à portuguesa”.630

O Diário de Notícias escreveu

sobre as arruaças provocadas pelos inválidos da pátria, procedentes do Asilo da Armação:

626 Idem, ibidem.

627 Idem, ibidem.

628 Idem, ibidem.

629 Idem, ibidem.

630 FB/RJ. Jornal. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 27 mar. 1868.

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“Derramam-se por todas as ruas, e provaram praticamente que, sem ter lido a obra de

Plauto, compreendiam demasiadamente bem o pugnis rem solvere desse autor”.631

O repórter do Diário de Notícias perguntava: “Não terão os oficiais do corpo de

inválidos algum meio de obstar a reprodução destas cenas, as quais vão sendo tão

freqüentes, que não poucas as famílias já evitam a sair a passeio no domingo, com receio de

presenciá-las, ou serem vítimas?”.632

Um caso de violência foi divulgado pelo Diário Fluminense no dia 1º de junho de

1868. Tratava-se de um sargento inválido que maltratou uma mulher em frente à guarda da

tesouraria. Por desacato à autoridade, o sargento recebeu ordem de prisão; todavia,

inválidos interpelaram o guarda de forma hostil, que temendo um conflito deixou o grupo

evadir-se. O Diário Fluminense finalizava afirmando que “aqueles que deviam oferecer

garantias de ordem e segurança pública, são ao contrário, os agentes de provocações e

conflitos perigosos”.633

Da mesma forma como alguns jornais expressavam sua opinião a respeito das

turbulências envolvendo soldados inválidos que fizeram a guerra contra o Paraguai, o

delegado de polícia da cidade de Niterói, Francisco Antônio de Almeida, manifestava seu

descontentamento com os inválidos. Em oficio reservado, datado de 3 de junho de 1868, e

encaminhado ao chefe de polícia da província do Rio de Janeiro, relatou os constantes

incidentes ocorridos na cidade.

No oficio, o autor expôs sua apreensão diante do elevado número de praças

inválidos vindos do Paraguai para o Quartel da Armação. Ele relatava que entre os quase

mil soldados aquartelados existiam praças que, sem ter sofrido mutilações e gozando de

saúde, “vagueiam dia e noite em grupos de oito, dez ou mais, por todos os pontos desta

capital e seus subúrbios, entregando-se à devassidão e à crápula”.634

O delegado também responsabilizou o comandante do Quartel da Armação pela

insubordinação dos asilados, afirmando que os superiores não puniam os inválidos que não

obedeciam à ordem de recolher. Para caracterizar o estado de insubordinação dos inválidos,

o delegado descreveu a prisão de um deles:

631 Idem, ibidem.

632 Idem, ibidem.

633 BN/RJ. Jornal Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 1º jul. 1868.

634 AN/RJ. Oficio da Delegacia de Policia de Niterói, 3 de junho de 1868, enviado pelo delegado de polícia,

Francisco Antônio de Almeida, ao chefe de polícia interino da província do Rio de Janeiro, Antônio

Carneiro de Campos. IG1-146 – Série Guerra – Ministério da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870).

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Sendo recolhido ao quartel do corpo de polícia, achando-me eu nessa

ocasião ali, ele não só não quis entrar para a prisão como procurou

aproveitar-se de alguma das armas que ali estavam, e depois de me ter

dirigido as palavras mais atrozes e injuriosas, declarou que entrava para o

xadrez porque queria.635

O perigo da aglomeração de homens ociosos na capital da província do Rio de

Janeiro, onde era pequeno o contingente de soldados que faziam a segurança pública, levou

o delegado a indagar ao chefe de polícia sobre essa questão: “Não será porventura de recear

que homens entre os quais talvez existam alguns arrancados há pouco da escravidão, outros

réus de polícia tirados das prisões e a espuma das províncias que não se tornem capazes de

atentados contra a ordem e o sossego público?”.636

A interrogação do delegado de polícia leva à reflexão sobre a vida no interior do

asilo provisório, na perspectiva de um microcosmo. Entre os enclausurados estavam

indivíduos de destino dramático – para eles, a guerra tinha um único sentido, o de

ressignificar a própria vida. Aqueles que haviam sido “arrancados há pouco da escravidão”

eram escravos alistados na Guerra do Paraguai mediante a concessão da liberdade oferecida

ou vendida pelos seus senhores ao governo. Ao regressarem, mutilados, mas livres dos

grilhões da escravidão, na lucidez impiedosa, sentiam-se mais do que livres, pois se

achavam no direito de exigir do povo e das autoridades o reconhecimento de seu

patriotismo.

O delegado prosseguiu com mais inquirições: “não terão os cidadãos pacíficos

razão de estar desassossegados pela sua segurança individual e de suas propriedades?”.637

O

documento também revela os temores da população com os boatos que se espalhavam

constantemente pela cidade: “que eles [os inválidos] pretendiam assaltá-la, notícia que

aterrorizou a muitos habitantes, levando muitos cidadãos a oferecerem-se para coadjuvar a

polícia a fim de que fosse mantida a tranqüilidade pública e o sossego de seus

familiares”.638

Após expor sua preocupação com a insuficiência de indivíduos no corpo de polícia

que patrulhava a cidade, o delegado recomendou ao chefe de polícia que reclamasse do

635 Idem, ibidem.

636 Idem, ibidem.

637 Idem, ibidem.

638 Idem, ibidem.

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274

governo providências para que não fosse permitido aos inválidos andarem à noite, vagando

pela cidade em grupo, porque era um perigo para os costumes e a tranquilidade pública. O

delegado revelou ainda que a maior parte dos adidos ao quartel de inválidos vistos nas ruas

eram soldados sem mutilações e que portavam facas e outras armas proibidas, sacadas nas

brigas contra seus contendores.

Diante das informações, o ministro da Guerra, em Portaria de 21 de setembro de

1867, decretou a realização de rondas noturnas por praças do asilo, para que os inválidos

cumprissem o toque de recolher. Entretanto, essa portaria também não produziu resultados,

porque “essas praças continuavam a vagar na rua, fora de horas, cometendo excessos de

toda ordem, não obstante o zelo e atividade de que estou certo, dos comandantes e oficiais

daquele corpo”. 639

O comandante do Asilo de Inválidos na Armação foi chamado para prestar

esclarecimentos sobre os fatos denunciados pelo delegado do termo de Niterói. Em resposta

ao Ministério da Guerra, tomou a defesa dos inválidos aquartelados e afirmou não existirem

provas de perturbação na cidade praticada por asilados daquele quartel.

Quanto ao fato de ter estado a cidade de Niterói ameaçada de ser

perturbada a sua tranqüilidade pelos Inválidos da Pátria como se vê da dita

representação, sente este comando de ter de declarar a V. Excia não ser

verdadeira a asseveração do delegado de polícia; e que se encarrega de

provar a própria requisição do Dr. Chefe de Polícia e mais documentos por

cópia juntos, relativos a aquela suspeita de perturbação da ordem

pública.640

Asseverava o comandante que se os praças do asilo frequentavam a cidade era

devido à proximidade desta com o quartel e, por isso, adotaria a ronda nas principais ruas de

Niterói. Finalizava atacando o chefe de polícia, dizendo que não reconhecia a competência

no delegado de Niterói para conhecer o grau de força moral daquele comando em relação os

subalternos.

639 AN/RJ. Cópia. n. 463 – Seção – Secretaria da Polícia da província do Rio de janeiro. Niterói, 6 de junho de

1868, enviada à Eduardo Pindahyba de Mattos, vice-presidente da província, pelo chefe de polícia, Antônio

Carneiro de Campos. IG1-146 – Série Guerra – Ministério da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870). 640

AN/RJ. Ofício do Quartel do Comando do Asilo de Inválidos da Pátria, 10 de junho de 1868, enviado ao

Conselheiro Tenente General, João Frederico Caldwall, Ministério da Guerra. IG1-146 – Série Guerra –

Ministério da Guerra – Rio de Janeiro (1866-1870).

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275

Em 1869, a imprensa fluminense voltou a relatar casos de desordens – dessa vez

envolvendo um destacamento de praças inválidos que faziam o serviço de guarda no

Arsenal de Guerra, no Quartel do Largo do Moura, na Corte. Os moradores da redondeza,

segundo o jornal Opinião Liberal, viviam em contínuo sobressalto pelos desacatos

cometidos pelos inválidos da pátria.

No dia 24 de maio de 1869, às onze horas da manhã, um praça foi almoçar na

taverna da Rua D. Manuel, 32. Terminada a refeição, o comerciante apresentou a conta e o

soldado recusou-se a pagar o valor cobrado. Daí principiou a questão: veio a polícia,

admoestou o soldado e este, por sua vez, puxou a espada que trazia, retirando-se do interior

do estabelecimento para a rua, desafiando a todos. Reuniu-se uma força de policiais, mas

ninguém ousava prendê-lo. Durante o confronto, um urbano foi gravemente ferido na perna

e um soldado inválido foi preso.641

Em 1871, inválidos da guerra desatendidos pelo governo imperial perambulavam

pelas ruas da Corte, causando incômodos à população. Juntavam-se aos bêbados e

prostitutas que “faziam a vida” no Campo da Aclamação. A população da cidade reclamou

da segurança pública e notificou o Ministério da Guerra, exigindo reforço policial.

Da Secretaria de Polícia da Corte, em 28 de junho de 1871, foi dirigido um ofício

ao conselheiro de Estado Francisco de Paula Negreiros Sayão Lobato, ministro dos

Negócios da Guerra. O documento denunciava que à noite, no Campo da Aclamação, os

transeuntes eram atacados por praças reformados e inválidos e solicitava ao ministro da

Guerra que ordenasse à cavalaria de linha patrulhar o local e, assim, coibir a ação dos

vagabundos.642

A VIDA INTERIOR: CONFLITOS E TENSÕES NO ASILO

Os conflitos verificados nas ruas de Niterói, envolvendo inválidos, também se

reproduziram mais tarde no interior do Asilo de Inválidos da Pátria, na Ilha de Bom Jesus.

641 BN/RJ. Jornal. Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 28 maio 1869.

642 AN/RJ. Secretaria da Polícia da Corte. Correspondência da Chefatura de Polícia ao Ilmo. Exmo. Sr.

Conselheiro de Estado Francisco de Paula Negreiros Sayão Lobato, Ministro e Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra. Rio de Janeiro, em 28 de junho de 1871. IJ6 – 518.

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Diversas ocorrências foram anotadas no documento Ordens do Dia da Repartição do

Ajudante-General, publicado em 1867-1868.643

Trata-se de um relatório impresso pelo Exército brasileiro, contendo um extrato das

ocorrências registradas anualmente, indicando o resultado de processos abertos para cada

caso de insubordinação e desacato, assim como outros crimes mais violentos praticados

dentro da instituição militar. Nos extratos desses processos podem-se observar os crimes

praticados e as penas atribuídas aos réus. No entanto, não é possível compreender os

meandros dos processos ou inferir algo sobre os indivíduos apresentados como réus, vítimas

e testemunhas.

Para demonstrar o clima de tensão e conflito dentro das dependências do Quartel

da Armação, que servia provisoriamente de abrigo para os inválidos da pátria,644

seguem

algumas ocorrências registradas no asilo. A maior parte delas tratava de casos de

insubordinação, envolvendo inválidos e seus superiores. Por exemplo, o segundo cadete

Juvino Machado Malheiros Braga foi condenado pelo Conselho Superior Militar e Justiça a

três meses de prisão em uma fortaleza militar, por insultar as irmãs de caridade e o primeiro

sargento da sua companhia.

Outro caso foi o do Anspeçado Manoel Ignácio da Purificação, que foi condenado

a seis anos de prisão com trabalhos forçados por haver injuriado e atacado um oficial

superior. Crimes de insubordinação eram seguidos por atos de violência praticados por

inválidos, que nos inquéritos aparecem armados com facas. Foi o que ocorreu com o

soldado Simplício Fernandes, que além de ter faltado com o respeito ao seu superior

também ameaçou com uma faca os seus camaradas, resistindo à voz de prisão.

Espancamentos também eram comuns dentro do asilo. O soldado Carlos Antônio

Serafim de Deus foi condenado pelo Conselho Militar e Justiça à pena de seis meses de

prisão por desordens, espancamento de um soldado e por ter atacado um outro inválido.

Ainda por insubordinação também foi punido o segundo cadete João Florindo Ribeiro de

Bulhões e, por ofensa física, injúrias e insultos ao seu superior, o cabo de esquadra Manoel

Francisco da Cruz. Pelos mesmos motivos também foi punido o Anspeçado Firmino José

dos Santos, além de atentar contra a vida do alferes Pedro Severo da Costa Leite,

desferindo-lhe três golpes de faca.

643 Secretaria do Estado dos Negócios da Guerra. Coleção das Ordens do Dia da Repartição do Ajudante-

General, publicado no ano de 1867. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Laemmert, 1868. 644

Secretaria do Estado dos Negócios Guerra. Coleção das Ordens do Dia da Repartição do Ajudante-

General, publicado no ano de 1868. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Laemmert, 1869.

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Nem mesmo a presença do Imperador pareceu intimidar os mais turbulentos. O

soldado Tiburcio de Paulo Machado foi condenado pelo Conselho Superior Militar e Justiça

a seis anos de prisão e trabalhos forçados por resistir à prisão quando bradava contra os

comandantes do asilo, com uma faca em punho, no momento em que o Imperador percorria

o estabelecimento.

Com a transferência do asilo de Niterói para a Ilha de Bom Jesus, distante

aproximadamente trinta quilômetros da capital do Império, as ocorrências envolvendo

inválidos da pátria tanto em Niterói como na cidade do Rio de Janeiro diminuíram

sensivelmente. Observando os registros policiais da Corte, nota-se a redução de casos

envolvendo soldados inválidos em crimes cometidos no centro da cidade do Rio de Janeiro.

O isolamento no asilo, concebido especificamente para atender às necessidades dos

seus internos, não deixou de registrar casos de insubordinação e violência praticados pelos

asilados. O que se pode notar é a diminuição dos registros publicados pelos jornais. Assim,

longe dos olhos da imprensa e da população – que ficou satisfeita com o deslocamento dos

asilados para fora da cidade –, os crimes ocorridos no asilo passaram a ser somente de

conhecimento das autoridades que dirigiam aquela instituição e dos órgãos ligados

diretamente ao seu funcionamento.

No Asilo de Inválidos da Pátria também se reproduziram turbulências. A discórdia

era derivada da convivência entre indivíduos que, segregados do convívio social,

ressentidos pelo esquecimento a que foram condenados, carregando enfermidades e

cicatrizes adquiridas na guerra e privados da liberdade, viam aumentar o estado de tensão

entre si.

Nessas circunstâncias, era preciso adaptar-se a um espaço de exclusão, onde não

lhes era facultado nem mesmo o direito à sociabilidade, a não ser nos limites da instituição.

Da Ilha de Bom Jesus, pela sua geografia favorável, era possível mirar todos os horizontes,

mas essa paisagem de território vazio voltava-se para o interior do próprio asilo: “vive-se

nesse mundo, sem pernas, sem braços, tendo um olho de menos, alguma cicatriz que

desfigura ou alguma ferida que alimenta constantemente gratas dores; que são as dores

suportadas por haver se cumprido uma saga do dever”.645

Dentro do asilo suportava-se a solidão em uma convivência entre sujeitos muito

distintos uns dos outros: ex-escravos e homens livres, soldados e oficiais, uns naturais da

Corte e outros de províncias do norte e do sul. Homens pacatos e turbulentos cruzavam-se

645 BN/RJ. Jornal Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 8 dez. 1868.

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no refeitório, no alojamento e nas oficinas instaladas para a ocupação de alguns dos

inválidos. A vida no interior do Asilo dos Inválidos da Pátria era marcada pela tensão e

pelos conflitos. As ocorrências continuaram a ser publicadas nas Ordens do Dia da

Repartição do Ajudante-General,646

aparecendo em fragmentos de histórias de violência e

insubordinação entre internos e oficiais que serviram no estabelecimento.

O cabo de esquadra José Martins do Bomfim foi condenado a dez anos de prisão

com trabalhos forçados pelo Conselho Superior Militar e Justiça por ter ferido com faca o

anspeçado do mesmo asilo, Manoel dos Passos. Entretanto, um caso mais grave envolveu o

soldado Manoel Antônio Peroba, que assassinou o soldado Fabiano Antônio Faria. Manoel

Antônio Peroba foi condenado pelo Conselho Superior Militar e Justiça em 6 de fevereiro

de 1869 à pena de carrinho perpétuo, forma de punição pela qual se colocava argola de ferro

nas pernas.

O jornal O Alabama, da Bahia, relatou que a convivência entre os inválidos e as

irmãs de caridade que prestavam seus serviços no asilo também era marcada por conflitos.

O jornal registrou a confusão envolvendo um jovem alferes, que perdeu a perna direita na

guerra, e um prisioneiro paraguaio, que exercia a função de enfermeiro. Sentindo-se

desrespeitado pelo prisioneiro, o militar deu voz de prisão; no entanto, em vez de obedecer,

o paraguaio refugiou-se na enfermaria, onde uma das irmãs se opôs ao militar, com quem

principiou uma discussão. O alferes, que não se curvou à autoridade da beata, mandou

efetivar a prisão do paraguaio e recolhê-lo ao xadrez.

O fato foi levado ao conhecimento do Ministério da Guerra, e o alferes foi

exonerado do asilo sem declaração do motivo. “E ei-lo aí pelas ruas, vítima da própria

dignidade, lutando com os largos proventos que lhes proporciona a sua – pingue – pensão

de 18$ mensais – digna – indenização de uma perna direita perdida aos 18 anos de

idade!”.647

Tratava-se de um jovem soldado mutilado, muito provavelmente vítima da bala

inimiga. A dificuldade em conviver com um paraguaio – que aparentemente representava o

seu agressor e logo seria corresponsável pela mutilação de que o jovem fora vítima na

campanha – era de se esperar, pois o sentimento de humilhação certamente era algo latente.

Por que manter prisioneiros paraguaios como enfermeiros em um local cheio de

ressentimentos contra seus compatriotas? Neste estudo foi possível verificar a presença de

prisioneiros paraguaios, distribuídos em inúmeras fortalezas e quartéis da capital e também

646 Secretaria do Estado dos Negócios da Coleção das Ordens do Dia da Repartição do Ajudante-General,

publicado no ano de 1868. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Laemmert, 1869. 647

BN/RJ. Jornal O Alabama, Bahia, 29 abr. 1869.

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em outras províncias. Todavia, somente no Asilo de Inválidos da Pátria encontraram-se

paraguaios como enfermeiros, desempenhando a função de curar as feridas e as doenças dos

soldados.

Em 1871, os soldados mutilados que se achavam adidos à companhia de inválidos

da província de Santa Catarina foram transferidos para o Asilo de Inválidos da Pátria na

Corte. A documentação examinada explica que essa transferência foi motivada pelas altas

despesas com a manutenção dos inválidos na província, além da tensão vivida na

companhia, onde a falta de um comandante propiciava o aparecimento de crimes praticados

pelos soldados.

Denúncias de maus tratos aos inválidos da província de Santa Catarina foram

registradas na documentação oficial apresentada ao ministro da Guerra e conselheiro de

Estado, o Barão de Muritiba, em 27 de abril de 1868. O 1º sargento da companhia de

inválidos, Manoel Neziazeno de Freitas, que servia de almoxarife da Fortaleza de Santa

Cruz, foi acusado de ter maltratado com pancadas um soldado inválido. O sargento foi preso

e demitido do cargo.648

Os conflitos registrados em Santa Catarina, segundo a correspondência expedida

pelo presidente da província, eram motivados por “bebedeiras, brigas, insultos, e furtos

praticados por praças inválidas que abusando do seu estado físico jactam-se do seu mau

comportamento por se lhe não poder arbitrar castigo corporal”.649

Essa passagem do oficio

remete à consulta das Instrução de Serviços para Inválidos, que dispõe sobre punições no

artigo 35. Segundo o documento, as faltas cometidas por inválidos seriam punidas apenas

com castigos moderados e com a prisão solitária por alguns dias, sem redução de refeição.

Era proibido castigar os inválidos com pancadas, prática comum no Exército e na

Armada.650

Depois de concluída a guerra, o Asilo de Inválidos continuou recebendo asilados

de todas as partes do Brasil. Ainda de Santa Catarina, em 30 de novembro de 1872, o chefe

de polícia interino, Ignácio Aciolli de Almeida, levou ao conhecimento do presidente da

648 AN/RJ. Ofício do palácio da presidência de Santa Catarina, 27 de abril de 1869. Por Carlos Augusto de

Oliveira, enviado ao Conselheiro de Estado Barão de Muritiba, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios

da Guerra. (pasta 16) Notação IG1 - 535 rel. 1ª cx. 595. 649

AN/RJ. Ofício do palácio da presidência de Santa Catarina, 19 de março de 1871, por Joaquim Ferreira

Gouveia. Enviado pelo Conselheiro de Estado Barão de Muritiba, Ministro e Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra. (pasta 16) Notação IG1 - 536 rel. 1ª cx. 596. 650

Cf. Instruções para o Serviço dos Inválidos, publicados integralmente no Relatório à Assembléia Geral

Legislativa na 2ª Sessão da 13º Legislatura pelo Ministro e Secretário do Exército do Estado dos Negócios da

Guerra, João Lustoza da Cunha Paranaguá. Rio de Janeiro (Anexos, Leis, Decretos e Instruções, p.1-4)

Tipografia Nacional, 1868. AHRS-Cód. B-3 233, p.1-4.

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província o caso de um soldado que vagava havia meses na Cidade do Desterro “em estado

de alienação mental e que dizia chamar-se Joaquim Rodrigues Rabello, fazendo distúrbios e

assustando as famílias”.651

Tratava-se de um infeliz Voluntário da Pátria, que acabou retido

no quartel de polícia como medida preventiva, em face das queixas que constantemente

eram levadas ao conhecimento do chefe de polícia. O soldado foi detido para que fosse

posteriormente recolhido ao Asilo de Inválidos na Corte, uma vez que não existiam

hospitais para alienados na província de Santa Catarina.652

O número de inválidos da pátria foi reduzindo sensivelmente e, na década de 1870,

muitos deles preferiram tomar o caminho de suas províncias ou passar a viver na Corte.

Eram frequentemente vistos desempenhando o serviço de porteiros de escolas e repartições

públicas, assim como nas fortalezas e quartéis existentes na cidade do Rio de Janeiro.

Foi o que buscou o cabo de esquadra reformado Cândido José Nogueira. Na posse

de sua provisão de reforma, submeteu à aprovação do Ministério da Guerra, em 13 de

agosto de 1873, um requerimento de licença para residir na província do Maranhão. Para

subsidiar o parecer do ministro, o comandante do asilo, João Garcez de Almeida, em 20 de

agosto de 1873, achou que era seu dever informar que “o suplicante tem tido nesse asilo

péssimo comportamento, tem o vício de embriagar-se e é desordeiro e insubordinado, tendo

sofrido a sentença de um ano de prisão por haver desrespeitado e injuriado a um alferes do

Asilo”.653

Concluía suas observações dizendo que o dito cabo era conhecido pelo apelido de

“brigueiro, pelo seu gênio brigador.” Em 18 de setembro de 1873 foi dado o parecer

favorável à licença e anotado no mesmo documento a seguinte observação: “era de

eqüidade o deferimento da pretensão do suplicante”. Em um rabisco pouco legível, uma

curiosa e reveladora anotação: “será melhor para o asilo”.654

651 AN[A/RJ. Ofício do chefe de policia interino, Ignácio Aciolli de Almeida, da Cidade do Desterro, ao

presidente da província de Santa Catarina, em 30 de novembro de 1872. Notação IG1 - 535 rel. 1ª cx. 595. 652

Idem, ibidem. 653

AEX Requerimentos do século XIX. Requerimento de Cândido José Nogueira ao Ministério da Guerra,

Barão da Gávea. Em 13 de agosto de 1873. 654

Idem, ibidem.

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D. Bárbara, a mãe espartana de Minas Gerais - “Meu filho, toma esse escudo, volta com ele ou volta sobre

ele.” Acervo do AHN/RJ.

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Capítulo IX

Olvidados da Guerra

Neste capitulo apresentaremos fragmentos de histórias de homens e mulheres que

tiveram suas vidas alteradas em conseqüência da guerra. Personagens anônimos de uma

história não contada, esquecida, entre papéis amarelados pelo tempo e páginas de jornais

antigos. Recolhemos narrativas dispersas para narrar o sofrimento e a humilhação dos

olvidados da guerra.

JÚLIO JOSÉ DAS CHAGAS: “POR SER AMPUTADO DE AMBOS OS BRAÇOS,

CARECE DE QUEM LHE PONHA COMIDA NA BOCA”.

Comovente e revelador é o caso do soldado Júlio José das Chagas, que teve sua

triste história escrita em papéis avulsos. Revelador porque, apesar da frieza dos despachos

oficiais, nas fontes pesquisadas encontrou-se o significado da solidariedade, da compaixão e

do altruísmo praticados no teatro da guerra. Em detrimento dos ferimentos que sofreu na

Batalha de Curupaiti, Júlio José das Chagas teve amputados os dois braços, rente ao tórax.

Na época ele contava com 18 anos e, pela condição de jovem e valente soldado, comoveu

médicos e companheiros de campanha – em seu auxílio, foi aberta uma subscrição púbica

no acampamento de Humaitá, com o objetivo de lhe garantir os meios de subsistência no

regresso ao Brasil.

A primeira notícia sobre Júlio José das Chagas apareceu no Jornal do Comércio,

do Rio de Janeiro, quando ele ainda se encontrava em território paraguaio. Em 30 de

outubro de 1868, o periódico informava que 120 doentes incuráveis e mutilados de guerra

seguiriam para a Corte, depois de passarem pelos hospitais nos acampamentos das forças

aliadas. O correspondente da folha noticiou que “entre eles vai o amputado dos dois braços

Júlio José das Chagas, atestado eloqüente da perícia e zelo do hábil doutor Álvaro

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Sampaio”.655

Informava também a compaixão de seus camaradas de campanha que

cotizaram-se “acompanhando ao infeliz mutilado, 360 libras, resultado da subscrição

promovida a seu favor, entre médicos e oficiais dos três corpos do exército”.656

Todavia, o dinheiro arrecadado com a subscrição não ficou com o soldado

inválido, e sim foi entregue ao presidente da Sociedade Asilo dos Inválidos da Pátria, José

Joaquim de Lima e Silva Sobrinho.657

Em 15 de novembro de 1868, Júlio José das Chagas,

após nova inspeção de saúde, foi declarado pela junta militar incapaz de prover os meios de

subsistência.658

Desde então suas súplicas foram feitas através de seu tio, Manoel José das

Chagas, homem humilde e analfabeto, que dependia da boa vontade alheia para encaminhar

para o Império as demandas do sobrinho.

Em 24 de julho de 1869, Manoel José das Chagas encaminhou requerimento ao

comandante do Asilo dos Inválidos da Pátria, solicitando autorização para poder levar em

sua companhia o sobrinho que se encontrava naquele abrigo, a fim de mantê-lo sob os

cuidados da família. O mesmo documento informava que Júlio José era praça reformado e

que, embora não houvesse obtido sua provisão de reforma, desejava aguardar a decisão na

sua província. Em resposta ao requerimento, o ajudante da Repartição Geral, com base na

inspeção de saúde, foi favorável ao requerente; entretanto, afirmou que a decisão somente

cabia “ao governo de S. M. o Imperador, tomar na sua paternal consideração os defeitos

físicos do praça”.659

Para subsidiar o parecer do ministro da Guerra, o major do Asilo dos Inválidos da

Pátria, Raymundo José de Souza, confirmou que “o soldado Júlio faz gosto em acompanhar

o seu tio recolhendo-se ao seio de sua família, onde diz ter os recursos precisos para ser

zelado, atento ao seu estado que é digno de compaixão e cuidado”.660

E em seu conselho, o

capitão Santos Rocha expôs que “por ser amputado de ambos os braços, carece de quem

trate e até lhe ponha a comida na boca”.661

Terminava o ofício atestando que o

655 BN/RJ. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 16 nov. 1868.

656 Idem, ibidem.

657 AHEX/RJ. Repartição do ajudante general, Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1869. Requerimentos do século

XIX, pasta 6799, maço 283, letra J. 658

AHEX/RJ. Repartição do ajudante general, Rio de Janeiro, 24 de julho de 1869. Requerimentos do século

XIX, pasta 6799, maço 283, letra J. 659

Idem, Ibidem. 660

Quartel do comando do Asilo de Inválidos da Pátria, 23 de julho de 1869. Raymundo José de Souza, major

comandante. Requerimentos do século XIX, pasta 6799, maço 283, letra J. Arquivo Histórico do Exército, Rio

de Janeiro. 661

AHEX/RJ. Quartel da 1º Companhia do Asilo dos Inválidos no Bom Jesus, 20 de julho de 1868. Capitão

Santos Rocha. Requerimentos do século XIX, pasta 6799, maço 283, letra J.

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comportamento do jovem soldado era exemplar e por isso julgava favorável a sua petição,

mas cabia a decisão final ao ministro da Guerra.

Depois de percorrer as instâncias legais, e quase um ano após formular o pedido, o

requerente teve finalmente a sua aspiração atendida. Todavia, o resultado da subscrição

criada para auxiliar o moço soldado Júlio José das Chagas permaneceu no domínio da

Associação Comercial, responsável pela direção do Asilo de Inválidos da Pátria. O fato

gerou contestação na imprensa liberal, que acusava o governo de se apropriar de um

dinheiro que não lhe pertencia.662

Embora a imprensa carioca publicasse histórias como a do soldado Júlio José das

Chagas nas suas colunas diárias, muitas vezes essas notícias pareciam passar despercebidas

aos olhos dos leitores, ávidos por escândalos ministeriais, carestia de vida, estreias das

revistas teatrais recém-chegadas da Europa e por qualquer novidade que chegasse à Corte.

JUSTINO JOSÉ DE SOUZA: O VOLUNTÁRIO QUE RECEBEU UMA ESMOLA

DO IMPERADOR

No dia 9 de agosto de 1865, na província de Pernambuco, Justino José de Souza e

Oliveira assentou praça de Voluntário da Pátria para lutar na Guerra do Paraguai. Em 17 de

novembro do mesmo ano, embarcou para o campo de batalha com a patente de cabo do

batalhão pernambucano. Vigoroso e robusto, o jovem soldado enfrentou doenças e fome,

resistindo às penúrias próprias de uma guerra. Austero no cumprimento dos deveres, teve

atestado em sua Fé de Ofício o merecimento de três elogios por bravura no Paraguai, além

do reconhecimento do Imperador D. Pedro II.

Depois de quatro anos de campanha, o soldado regressou para a província natal,

em 20 de dezembro de 1869, em busca do aconchego familiar. Era necessário refazer a vida,

modificada pelo longo período fora de casa, afastado das atividades que desempenhava

antes de embarcar para a guerra. Todavia, desde o retorno ao Brasil, Justino José de Souza e

Oliveira começou uma nova peregrinação – desta vez, para assegurar os direitos

662 BN/RJ. Jornal. A Reforma, Rio de Janeiro, 12 ago. 1869.

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conquistados como Voluntário da Pátria e servidor da nação. Ele queria a consideração do

Império pelos serviços prestados na guerra.

A princípio percorreu as instâncias governamentais em Recife e em Olinda e, como

não teve resposta para seu requerimento, comprou uma passagem de navio e dirigiu-se à

Corte, com o intuito de solicitar a baixa do serviço do Exército, ao qual havia sido

incorporado depois da reorganização das forças aliadas no Paraguai, quando o Conde d‟Eu

assumiu o comando da Tríplice Aliança. Na Corte, ele esperava ser atendido imediatamente,

pois todos os seus direitos estavam assegurados pelo Decreto 3.371, de 7 de janeiro de

1865.

Nos registros históricos consta que depois de percorrer, nos primeiros dias, as

Secretarias de Guerra e o próprio Ministério, no Rio de Janeiro, o cabo dirigiu suas súplicas

diretamente a D. Pedro II. O monarca teria lido a Fé de Ofício de Justino José e dito que

esperasse no palácio. Ele, que se inscrevera na lista dos bravos, teve então a esperada

recompensa pelos serviços prestados na guerra. Sua Majestade o Imperador mandou-lhe dar

dez mil réis, para que pudesse matar a fome e adiar a miséria para o dia seguinte.

Essa história foi estampada na primeira página da Gazeta de Campinas. O editorial

tinha o objetivo de trazer como pano de fundo para as suas queixas contra o governo

monárquico mais uma história de Voluntário da Pátria que foi exigir seus direitos ao

Imperador e que recebeu, em troca, apenas uma esmola. Para o governo, dizia o redator, “ter

em tão pouco o povo, em tão pequena valia o cidadão é temerosamente esquecer o princípio

vital que o alenta e a base principal em que se apóia”.663

E prosseguia dizendo que proceder

dessa forma, cometendo injustiça ao servidor da pátria era faltar com o dever, “cuja prática

não é sem risco que ostentosamente se olvida”.

Nessa relação entre o soldado brasileiro e o governo, o redator assim definiu o

esquecimento: “Olvidar, aqui, é atentar contra os direitos sagrados”.664

Mas de quais

direitos sagrados tratava o autor do editorial? Era dia de Natal quando circulou tal notícia e,

em meio à festa familiar, certamente o redator procurou comover seus leitores levando ao

conhecimento público a prática considerada por ele como “desumana e repugnante”. No

entanto, em meio às últimas novidades da Europa, aos conflitos e às intrigas dos gabinetes

do governo, às festas e aos espetáculos que ocorriam na cidade, entre outros eventos,

rapidamente essa notícia não passaria de uma velha história, esquecida e substituída por

uma mais recente e polêmica.

663 BN/RJ. Jornal Gazeta de Campinas, Campinas, 25 dez. 1869.

664 Idem, ibidem.

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No Ano Novo era costume entre os jornais da Corte realizar uma reflexão sobre o

ano que havia acabado. Os impressos também tratavam das perspectivas do ano que se

iniciava – em sua maior parte, até nos tempos da guerra, eram ponderações de caráter

econômico e sobretudo político. Esses eram os temas prediletos dos jornais de oposição, de

alguns periódicos jocosos e mesmo daqueles ligados ao governo.

A situação vivida por Justino José foi também enfrentada por muitos soldados que

partiram para os campos paraguaios. Inúmeros processos semelhantes puderam ser

identificados na documentação examinada nos ministérios da Guerra, Fazenda, Negócios

Estrangeiros, Império e Marinha.

MANOEL RODRIGUES: “ORGULHO DE SER BRASILEIRO, EMBORA A PÁTRIA

LHE SEJA INGRATA”

Um ano antes de seu compatriota Justino, Manoel Rodrigues Braga também havia

reclamado seus direitos. Manoel prestou numerosos serviços ao país, entre os quais o de

alistar homens para a criação do primeiro batalhão de Voluntários da Pátria da província do

Rio de Janeiro. Na ocasião, sua dedicação foi reconhecida pelo conselheiro José Liberato

Barbosa, ministro do Império, e pelo conselheiro Henrique de Beauperie Rohan, ministro da

Guerra.

No início da campanha do Paraguai, os apelos do governo brasileiro ao patriotismo

foram atendidos por cidadãos de todas as partes do país, e os representantes do governo –

assim como o monarca – apoiaram qualquer iniciativa particular que tivesse o intuito de

criar forças para debelar o inimigo que ameaçava as fronteiras do Brasil. Com a intenção de

aumentar o contingente das forças militares, em 7 de janeiro de 1865 o governo de D. Pedro

II editou o Decreto Imperial que garantia direitos a todos aqueles que diretamente ou

indiretamente se relacionassem com os acontecimentos referentes à guerra.

Manoel Rodrigues marchou como oficial para o teatro da guerra em 1865. No

arroio de São Francisco, caiu gravemente doente e foi remetido para a Corte com licença

concedida pelo general Osório. O voluntário não regressou mais aos campos de batalha,

uma vez que o ministro da Guerra caçou sua patente de oficial. O ministro também

determinou que o Ministério da Fazenda lhe cobrasse três meses de soldos, recebidos

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adiantadamente, na condição de que a quantia fosse descontada pela quinta parte de seus

vencimentos e restituída ao Tesouro Nacional.

Manoel passou a sofrer de graves enfermidades nos pulmões e na laringe, além de

inflamação no intestino. Esgotou todos os recursos, a ponto de não ter como pagar os

medicamentos, passando, então, a enfrentar problemas financeiros que atingiam a si e a sua

numerosa família, residente na Rua do Sabão, número 320. Ele sobrevivia da caridade de

alguns comerciantes daquela praça, que reconheciam o drama enfrentado pelo defensor da

pátria.

A breve história de Manoel Rodrigues Braga foi relatada pelo Diário do Povo. Ele

era um dos primeiros Voluntários da Pátria, “que tantos serviços prestou [e que] até hoje só

teve como recompensa o esquecimento!”.665

O jornal finalizou o relato dizendo que, apesar

de tudo, Rodrigues Braga ainda se orgulhava de ser brasileiro, “embora a sua pátria lhe seja

ingrata”.666

Durante a guerra contra o Paraguai, alguns jornais brasileiros dedicaram-se

cotidianamente a denunciar as práticas do governo monárquico em relação aos soldados que

lutaram na defesa da pátria, realizadas através dos ministérios e consideradas reprováveis.

Eram frequentes as notícias que apontavam o estado de miséria em que se encontravam

viúvas de soldados, irmãos, pais e filhos que, perdendo o arrimo da família, não tinham

como sobreviver, senão da caridade pública ou das esmolas dadas pelo governo.

MANOEL CÂNDIDO PEREIRA E ANTÔNIO DA SILVA MELLO: A SÚPLICA

DOS RESSENTIDOS NOS JORNAIS

Na imprensa também se tornou comum a publicação de súplicas dirigidas ao

Ministério da Guerra e ao Imperador, escritas pelos requerentes ou, na maior parte, a rogo

destes. Assim, algumas dessas histórias são hoje conhecidas por meio dos relatos dos

próprios envolvidos na guerra. As narrativas quase sempre obedeciam a uma sequência.

Iniciavam-se com a trajetória do soldado na guerra, atestada pela Fé de Ofício, seguida

algumas vezes pela intervenção do jornalista no texto. Este, para reforçar as histórias, citava

665 BN/RJ. Jornal Diário do Povo, Rio de Janeiro, 4 dez. 1868.

666 Idem, ibidem.

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o desamparo de crianças, pais, irmãos e esposas de muitos Voluntários da Pátria e Guardas

Nacionais, procurando assim apelar para o senso de justiça do governo que, muitas vezes,

abandonou à própria sorte e condenou ao esquecimento os servidores da pátria.

Foi o caso de Manoel Candido Pereira, que recorreu ao jornal A Reforma para

tornar pública a situação de extrema miséria em que se encontrava. Ele utilizou o espaço

destinado ao leitor, onde se publicavam cartas na seção denominada “A Pedido”:

Ao Ministro da Guerra:

O abaixo assinado sem meios de subsistência para si e para a sua família,

mãe, mulher, filhos e irmãos, tendo marchado para o Paraguai em 1865

como guarda nacional no contingente dado pelo 1º batalhão de fuzileiros à

presidência do Rio de Janeiro, município de Niterói, tendo voltado como

praça depois de terminada a guerra com o primeiro batalhão de Linha.

Aquartelado na Armação, tomando parte no último feito de Aquidaban, e

achando-se indevidamente como praça nesse batalhão, requereu ao

presidente da província sua baixa por ser voluntário, e este ouvindo o

comandante do 6º batalhão da guarda nacional declarou ser voluntário. O

presidente requereu ao ministro da guerra a sua baixa em junho de 1869 e

agora deram-lhe baixa, mas não lhe pagaram sua gratificação de

voluntário. Até hoje 3 requerimentos tem feito que sempre levam sumiço

na secretaria de guerra, bem como duas reclamações do presidente em

favor do suplicante. O governo imperial deve olhar com mais atenção para

um pobre chefe de família que não tem meios e nem pode todo dia pagar

passagem para vir a secretaria da guerra perder o seu tempo. O suplicante

é morador na freguesia de Itaipu, distante duas léguas de Niterói.

Assina: Manoel Candido Pereira.667

Esse também foi o procedimento do baiano Antônio da Silva Mello – capitão

honorário do Exército, mutilado na guerra contra o Paraguai – para atrair a atenção do

Imperador para sua melindrosa situação. Em carta publicada pelo jornal, ele alegava ter sido

injustiçado pelo vice-presidente da Bahia, que não lhe concedera um emprego público –

direito que, em sua opinião, era-lhe assegurado, na condição de servidor da pátria.

Em virtude da impossibilidade de exercer qualquer ofício que lhe exigisse saúde e

vigor físico, Antônio da Silva Mello invocou o artigo 9º do Decreto de 7 de janeiro de 1865,

que estabelecia a preferência na ocupação de empregos públicos para o Voluntário da Pátria

que servira na guerra.668

O suplicante expôs suas habilitações para o cargo, que lhe fora

negado quatro vezes. Por último, explicou que depois de novamente solicitar ao vice-

667 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 5 jan. 1871.

668 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 7 mar. 1873.

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presidente da província da Bahia novo emprego, desta vez o de escrivão de órfãos da cidade

de Santo Amaro, “teve ainda o desgosto de se ver preterido pelo bacharel Luiz Jacinto

Vergne de Abreu, que sendo juiz municipal pediu demissão desse emprego para melhorar,

com preterição do suplicante”.669

Entretanto, Antônio da Silva Mello sentia-se no direito de ser nomeado. Quando o

governo imperial apelou para os brios de seus compatriotas na defesa da pátria ultrajada,

acrescentou, “nós voluntários de pronto acudimos, abandonando o que nos era mais caro, e

não trepidamos em sacrificar nossas vidas em defesa da pátria; para hoje sermos preteridos

por aquele que nenhum serviço dessa ordem tenha prestado ao país”.670

Assim, por meio da imprensa, ele tentou negociar com o governo imperial sua

promoção. O suplicante, “sem nenhum outro intuito, se não o de ter um ofício, de onde tire

os meios de subsistência, visto que se impossibilitou para qualquer trabalho material,

propunha-se, caso fosse empossado no cargo que requereu, desistir da pensão concedida por

carta imperial de 1 de fevereiro de 1868”.671

Também se obrigava a conceder, no espaço de

três anos, carta de liberdade para cinco escravos.

Antônio Mello era um jovem de apenas 27 anos. Sem a perna, mutilada na guerra,

pereceria como outros soldados que se entregavam à bebedeira, à vadiagem e à apatia diante

da vida. Não queria ser censurado por aqueles que amiúde apontavam para a ociosidade dos

inválidos nas ruas da cidade. Não desejava ser esquecido pela história pátria que lhe tirou a

perna quando lutou em sua defesa. Talvez por meio da imprensa pudesse narrar suas

proezas de campanha e demonstrar o seu ressentimento com a nação.

Ressentido também era o soldado João de Deus, mutilado do braço direito, foi

empregado na portaria da Escola Central, na Bahia. Os alunos que ali estudavam

frequentemente eram vistos reunidos a sua volta para ouvir as histórias épicas da campanha.

Todavia, menos de cinco anos depois de concluída a guerra, o velho soldado não despertava

mais o interesse dos estudantes com suas histórias e menos ainda com as narrativas heroicas

que a si atribuía.672

O esquecimento cobriu com o seu manto o velho servidor da pátria.

Se no decorrer da guerra o não cumprimento do Decreto Imperial que criava os

corpos de Voluntários da Pátria era justificado pela falta de documentos comprobatórios

apresentados pelos suplicantes, depois do conflito agravou-se o descaso do governo com os

669 Idem, ibidem.

670 Idem, ibidem,

671 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 7 mar. 1873.

672 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 3 fev. 1875.

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soldados que serviram na campanha. Viúvas e órfãos, inválidos e soldados que fizeram a

campanha recorreram ao governo e, por mais de quatro décadas, requereram o pagamento

de pensões, etapas, vencimentos atrasados, lotes de terras. Suas petições eram mandadas

para o depósito dos “impossíveis” com a competente “guarda-se”673

do ministro. No

Exército e na Marinha, por ocasião das promoções, quase sempre foram preteridos homens

que tinham o prestígio do governo em detrimento de soldados anônimos.

Tão logo a guerra foi concluída, a imprensa de oposição – leia-se A Reforma de

Porto Alegre e A Reforma do Rio de Janeiro – foi incansável em atacar o governo pela

demora em indenizar as famílias dos soldados mortos na guerra.

Quantas famílias de valentes defensores da pátria gemem na miséria, por

terem perdido o pai, o irmão, o esposo. Quantos destes defensores

abandonaram seus empregos e indústrias se encontram em dificuldades

amargas e com o rubor de vergonha estendem a mão à caridade de seus

compatriotas e o governo que não se preocupou com os voluntários; o

governo tem tempo para ocupar-se com festas.674

O jornal A Reforma de Porto Alegre, em 13 de junho de 1870, informou aos seus

leitores a decisão do governo imperial de não indenizar com o prêmio de trezentos mil réis

os voluntários que regressassem da guerra antes da batalha de Aquidaban. Assim, todos

aqueles que retornaram por moléstias adquiridas em campanha, segundo o disposto no aviso

de 27 de fevereiro 1870, não receberiam a quantia prometida na hora do embarque para a

guerra.

A Reforma defendia que a pensão equivalente ao soldo não poderia incidir sobre o

pagamento do prêmio: “Como, pois, negar-se agora aos gloriosos mutilados que regressam

do Paraguai, o prêmio que têm direito sobre o pretexto da pensão diária de 200$, 300$ e

400$ que alguns deles que percebera?”.675

O pagamento do soldo integral por invalidez,

decorrente de moléstias ou de ferimentos adquiridos em campanha, foi uma questão que se

arrastou por muitos anos, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado. Restringir o

pagamento da gratificação era, no entendimento do jornal, uma atitude arbitrária porque

673 BN/RJ. Jornal Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 3 maio 1886.c

674 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 1º jun. 1870.

675 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 13 jun. 1870.

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premiava apenas aqueles que voltassem sadios e tivessem a fortuna de regressarem à pátria

depois de 1º de março de 1870.676

Assim foi publicado no jornal sobre a interpretação que o governo imperial

pretendeu dar ao Decreto 3.371 de 7 de janeiro 1865: “é uma perfeita injustiça. Cabe-lhe o

dever e a obrigação de cumprir religiosamente as cláusulas em virtude das quais tomaram

armas os soldados voluntários da pátria”.677

Muitos soldados que desembarcaram na Corte em pequenos contingentes antes que

a guerra terminasse – na maior parte doentes, convalescentes ou mutilados – chegavam do

Paraguai com a baixa do serviço militar. O prolongamento da estadia desses soldados no

Rio de Janeiro devia-se, sobretudo, ao não atendimento de suas súplicas feitas às

autoridades do governo monárquico, principalmente referentes aos pagamentos de soldos

atrasados, etapas e pensões, assim como o prêmio de trezentos mil réis prometido por

decreto.

TRANQUELINO TEIXEIRA MACHADO: VENDEU O ‘HÁBITO DE CRISTO’

PARA REGRESSAR À PROVÍNCIA

Mesmo com a saúde restabelecida, bandos de soldados permaneciam na Corte,

entregues à prática de jogos de azar, à vida boêmia em prostíbulos, e a tudo que a capital do

Império podia oferecer. Finalmente, sem recursos nem para retornar a suas respectivas

comarcas, aguardavam a benevolência do governo em pagar as passagens dos navios que se

dirigiam para as diversas províncias litorâneas ou dos trens para o interior do país.

Essa foi a situação vivida por Tranquelino Teixeira Machado que, depois de prestar

serviços militares por doze anos, marchou para a campanha do Paraguai, em 1865, como

primeiro sargento do 10º batalhão de Infantaria. No território inimigo ele contraiu doença

incurável, sendo licenciado depois de uma inspeção médica. Quando almejou voltar para

casa, onde buscaria restabelecer-se, solicitou ao ministro da Guerra uma passagem, que lhe

foi negada. Ele então apelou ao Imperador, humilhando-se ao dizer que teria de vender as

676Idem, ibidem.

677 Idem, ibidem.

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roupas do corpo para pagar o transporte – ao que D. Pedro II respondeu que não chegaria a

tal situação.678

O alferes Tranquelino Teixeira Machado finalmente conseguiu embarcar para a

Bahia no dia 9 de junho de 1869. Não com o dinheiro prometido pelo Imperador, e sim com

o fruto da venda de seu Hábito de Cristo, condecoração concedida pelo general Osório, por

mérito e bravura na guerra. Assim, o soldado retornou para casa sem a medalha que atestava

seus feitos de campanha. Possivelmente levou consigo apenas um velho papel amassado,

sua Fé de Ofício, para utilizá-lo apropriadamente na aquisição de alguma pretensão junto às

autoridades na província.

JOSÉ, ROQUE, JOÃO, ROMÃO E MANOEL: VOLUNTÁRIOS BAIANOS

MUTILADOS, HUMILHADOS E RESSENTIDOS

O jornal O Alabama, da Bahia, descreveu a indignação de um ex-combatente de

guerra. O jornal tinha uma predileção por narrar histórias de inválidos, pois comparando

com as demais províncias do Império, a Bahia foi a província que ofereceu o maior número

de voluntários para a guerra. Ali, as cicatrizes da campanha estavam mais expostas à

apreciação pública.

– Vê aquele homem arrimado a duas muletas, coberto de andrajos?

– O infeliz a quem a deformidade priva de ganhar a vida e obriga a

mendigar.

– Ontem não era assim. Era um homem robusto e perfeito; um bravo que

se inutilizou derramando o seu sangue na defesa de sua pátria.679

Aquele homem atendia pelo nome de José Plínio de Oliveira e foi

praça da cavalaria de polícia da Bahia. Quando estourou a guerra, passou para a fileira do

Exército e marchou para o Paraguai. Tomou parte em diversos combates até ser baleado em

uma das coxas e sofrer uma contusão na outra perna. Regressando à Bahia, ele requereu a

gratificação de trezentos mil réis, de acordo com o Decreto 3.371, de 7 de janeiro de 1865.

678 BN/RJ. Jornal Opinião Liberal, Rio de Janeiro, 15 jun. 1869.

679 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 11 jan. 1871.

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O pagamento lhe foi negado justamente por ele ter retornado do Paraguai antes de encerrada

a campanha. O Ministério da Guerra, porém, prometeu-lhe reforma e pensão. José Plínio

nada obteve do governo. Paralítico, viu as carnes de sua perna contusa caírem, deixando os

ossos expostos.

Sobre o ressentimento do ex-combatente o jornal baiano dizia que “se aquele

homem magoado por tanta ingratidão amaldiçoara a hora em que se sacrificou defendendo a

honra de seu país, ninguém tem o direito de lhe levar a mal”.680

O Alabama terminava o

artigo alertando aqueles que regressassem da guerra para que não chorassem pelos

companheiros falecidos nos campos de batalhas todas as suas lágrimas, mas por si mesmos

e pelo futuro incerto, de privações e desamparo, a que ficariam sujeitos depois da

campanha.

Voluntários da Pátria não chorem todas as vossas lágrimas pelas ousadas

de seus companheiros que se finaram nesse fúnebre necrópole do

Paraguai, longe da família. Voluntários da Pátria reservem dessas

lágrimas, as mais amargas, para chorardes no dia da fome e da miséria,

que vos aguarda como prêmio!681

As cicatrizes da guerra tornavam-se visíveis na proporção em que ela chegava ao

seu término. Durante a campanha, o governo imperial, através de seus ministérios, fez o

possível para conter as denúncias de maus tratos aos soldados. O governo monárquico

tratou de deter, inicialmente, os feridos e mutilados, que necessitavam de serviços médicos,

na província de Santa Catarina, onde instalou um hospital e uma enfermaria provisórios.

Assim, evitou-se a presença dos soldados feridos na Corte e a remessa desses ex-

combatentes invalidados para suas respectivas províncias, com a promessa que os direitos e

as reivindicações seriam atendidos quando eles estivessem em suas casas.

O Asilo de Inválidos da Pátria – erguido na Ilha de Bom Jesus, no Rio de Janeiro, e

inaugurado em 1868 – abrigou, também longe da população carioca, infelizes soldados.

Mas se na Corte o governo conseguia amenizar o impacto da guerra, visivelmente presente

nos soldados moribundos, mutilados e doentes, o mesmo não ocorria nas províncias, onde

os jornais denunciavam episódios frequentes envolvendo soldados entregues à miséria

depois da campanha. Ao contrário da indiferença do governo em relação às vítimas

680 Idem, ibidem.

681 Idem, ibidem.

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anônimas na capital do Império, as províncias tratavam de apoiá-las, pois o sentimento de

pertencimento, a identificação e a aproximação dos soldados com seus conterrâneos os

tornavam mais visíveis.

Circulando pelas ruas de Salvador, Roque Pereira, ex-combatente invalidado por

ferimentos em campanha, exibia a condecoração que recebeu do Imperador por atos de

bravura. Aos transeuntes da cidade baiana indagava, ressentido pelo próprio estado de

penúria:

De que serve este Hábito de Cristo que vê-me pender no peito, se o

governo de minha pátria me deixa morrer de fome, a mim que me mutilei

no serviço dela? Vê esta perna? É uma parte inútil do corpo; só ela recebeu

duas balas.682

Roque requereu do governo imperial o pagamento a que alegava ter direito pelos

serviços prestados na guerra. Nada conseguiu. Ele afirmava que se na Corte nada havia

alcançado, não seria na província natal que as suas dificuldades seriam mitigadas. Na

condição de indigente, dizia que seria obrigado a puxar carroça com a condecoração no

peito, mas que tinha certeza de que seus irmãos de pátria iriam se sensibilizar com sua

terrível condição, já que na “Corte de gente estranha” eram todos indiferentes ao seu estado

de infortúnio.

Na mesma condição de privação estava o soldado Romão de Aquino Gomes, que,

em requerimento ao comandante das armas da Bahia, declarou ter sido ferido na perna

direita no ataque de 24 de maio de 1866. Em consequência da lesão ficou aleijado, e por não

ter obtido pensão foi obrigado a recorrer à caridade pública, esmolando nas ruas para obter

um par de muletas, uma camisa, uma calça e uma blusa, pois as roupas que possuía estavam

inutilizadas.683

O ex-combatente expunha também que, de passagem na Corte, sequer lhe

deram um agasalho para matar o frio, pois ninguém o tratara como um soldado da pátria.

Idêntico infortúnio padeceu João Carlos de Souza França, que embarcou da cidade

de Salvador para a Guerra do Paraguai no batalhão comandado pelo coronel Modim

Pestana. João Carlos combateu nos dias 18 e 24 de maio de 1866 e foi baleado na perna

direita. De volta a Salvador, ele viveu esmolando de porta em porta, como espelho da

682 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 18 mar. 1870.

683 APEBa. Seção Colonial e Provincial, maço 3419.

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miséria da própria terra que o havia abandonado. O jornal O Alabama, divulgou que

enquanto a guerra estava em curso, ao Brasil chegavam silenciosamente caravanas de

inválidos e desamparados pelo Império. “Deixai passar a turba de mendigos”, publicou o

jornal.684

Eram homens que penduravam no peito, sob a blusa esfarrapada, uma fileira de

fitas multicores, atestando o heroísmo no campo de batalha – “aqueles fragmentos de fardas

ocultavam cicatrizes honrosas obtidas na defesa da pátria. Deixai passar os mendigos!”.685

Eram sujeitos sustentados por pedaços de pau, tidos como muletas, pois haviam perdido a

perna nas trincheiras inimigas. Homens que traziam as mangas de suas blusas pendentes,

porque haviam deixado ambos os braços nas banhadas paraguaias.

O mesmo jornal descreveu o caso do soldado cujo rosto ficara medonho depois de

ter ficado cego em função de uma descarga à queima roupa. “Privado dos olhos não se fez

calar-se bradando pelas ruas: Viva o Imperador! Viva a nação brasileira”.686

Era apelidado

de doido pelos transeuntes e enxotado pelos moleques das ruas, que lhe atiravam pedras.

Mas que em sua loucura os gritos eram, na verdade, uma ironia direcionada ao governo que

lhe abandonara.

Em setembro de 1870, entre os homens que trabalhavam na Companhia Baiana no

trapiche da Barra, encontrava-se um servente que – apesar das roupas andrajosas, do rude

emprego de carregar e descarregar barcos e de remar canoas conduzindo passageiros para

bordo dos vapores que ali chegavam – havia sido um combatente da Guerra do Paraguai.

Ele se criara na Bahia e, muito jovem, havia se alistado no Corpo Policial da província e

atingiu os postos de cabo, segundo e primeiro sargento, e tenente.

A história desse homem confunde-se com o início da guerra: em 13 de março de

1865 ele embarcou para o Paraguai sob o comando do major Carlos Ferreira de Castro. Na

passagem pelo Rio de Janeiro, foi designado alferes por antiguidade. Tomou parte na

batalha de 24 de maio de 1866, nos combates de 16 de julho de 1866 e no ataque de

Curupaiti. Voltou para Tuiuti, em princípios de julho de 1867, onde foi promovido ao posto

de tenente. O nome do tão brilhante soldado era Manoel da Cunha Mesquita, que também

havia sido cavalheiro da Imperial Ordem da Rosa e porta estandarte na batalha de 24 de

maio de 1866.687

684 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 13 dez. 1866.

685Idem, ibidem.

686Idem, ibidem.

687 IGHB. Jornal. O Alabama, Salvador, 17 set. 1870.

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Em outras províncias também registraram-se casos idênticos. No Rio Grande do

Sul não houve silêncio diante das cicatrizes de seus provincianos, expostas nas ruas da

capital. A Reforma de Porto Alegre igualmente mostrou a situação de indigência de

combatentes que esmolavam pelas ruas da cidade. Os gaúchos compuseram as forças do

Exército de linha, majoritariamente.

Joaquim Anselmo de Santana, natural de Porto Alegre, após vinte anos de serviços

prestados na Marinha de Guerra brasileira, marchou para o Rio de Janeiro e de lá ingressou

em um dos batalhões que seguiram para o Paraguai. Como praça, lutou nas batalhas de

Paissandu e Riachuelo, onde adquiriu grave enfermidade que o levou ao hospital de

Assunção. Na inspeção médica foi considerado incapaz para o serviço militar. Joaquim

retornou para o Rio de Janeiro, onde recebeu a baixa do serviço da Marinha. Inutilizado, era

mais um soldado lançado pelo governo à penúria – de volta ao Rio Grande do Sul, passou a

viver como indigente até ser recolhido à Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.688

MÃES, VÍUVAS E ÓRFÃOS DA GUERRA DO PARAGUAI

Nos anos da guerra, parte da imprensa brasileira demonstrou apoio incondicional

às famílias de voluntários que sucumbiram no campo de batalha. Era comum a abertura de

subscrições públicas nas redações dos jornais para atender às necessidades daqueles que se

encontravam abandonados pelo governo. Um periódico publicado na província de São

Paulo, transcrito pelo Diário do Rio de Janeiro, informava que parte do dinheiro da

subscrição levantada na Corte para os festejos da chegada dos voluntários paulistas fora

remetida às famílias daqueles que sucumbiram na guerra.

O jornal destacou a necessidade de amparar a família do voluntário José Furtado

Filho, da cidade de Itu, que havia morrido em combate. Segundo o jornal, ele era filho único

de uma senhora de sessenta anos, “quase idiota”, e neto de uma anciã de mais de noventa

anos, sendo que ambas viviam na maior pobreza. “Pois bem, porque não se há de socorrer a

688 MCSHJC. Jornal A Reforma, Porto Alegre, 7 abr. 1870.

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esta velha com alguma mesada, ou pelo produto da referida subscrição, ou pela caixa da

sociedade protetora dos voluntários, que existe nessa cidade?”, publicou o jornal.689

Inúmeras mulheres foram vítimas dos infortúnios provocados pela guerra e, com a

perda dos maridos, viram-se entregues à pobreza. Exemplo disso é a viúva do general

Guilherme, cuja história foi publicada em 1872 no jornal A Reforma. O general Guilherme

passou para a história da Guerra do Paraguai como o comandante que substituiu Caxias até

a chegada do Conde D‟Eu ao comando das forças aliadas. Adoentado, “sem mesmo poder

montar a cavalo o general Guilherme, por desprendimento patriótico” assumiu o posto para

reorganizar o exército. “Finou-se legando a sua família a herança de todos os servidores

honrados deste país – a pobreza”.690

A viúva do general Guilherme passou a viver modestamente do meio soldo que lhe

deixou o seu marido, no valor de noventa mil réis mensais. Lamentando a condição de

penúria da viúva, o jornal A Reforma atribuiu seu estado à ingratidão da pátria: “Passou o

homem, passaram seus serviços. O esquecimento para estes, de que já não necessita e a

ingratidão para aquele que já não pertence aos vivos”.691

Na época, para habilitar-se ao benefício de uma pensão dada pelo governo, a

esposa, filha, mãe ou viúva tinha que comprovar o parentesco com o combatente. Para isso

era necessário apresentar atestado de batismo, certidão de casamento, testemunhas de que

vivia em matrimônio, de boa conduta etc. Era preciso encaminhar requerimentos à

majestade imperial, ao cônego vigário, ao vigário paroquial, ao inspetor provincial, ao

inspetor de quarteirão, à Secretaria do Tesouro e à Secretaria do Estado dos Negócios de

Guerra – além de documentos, como decretos da legislação militar, que embasavam os

pedidos. Só então, depois das verificações, se apresentava um parecer que era encaminhado

para aprovação por Decreto Legislativo.

689 BN/RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 27 maio 1870.

690 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 5 ago. 1872.

691 Idem, ibidem.

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D. Rosa Maria Paulina da Fonseca abençoa os 7 filhos que foram para guerra do Paraguai. Acervo do

AHN/RJ.

Assim, as dificuldades em dirigir súplicas ao governo eram de todas as ordens.

Esbarrava-se frequentemente na burocracia que, conjugada com o estado de miséria de

muitos suplicantes, tornava quase sempre impossível ou demorada a obtenção daquilo que

se almejava com as reclamações dirigidas às autoridades.

Caetana Maria de Araújo, baiana, era viúva pobre e mãe de um Voluntário da

Pátria morto no combate de Lomas Valentinas. Ao procurar por meios legais obter uma

pensão, foi informada pelo comandante das armas que, para fazer tal pedido, deveria juntar

os seguintes documentos: folha corrida do filho, justificativa perante o juízo dos fatos, a

identidade da suplicante, certidões tiradas das secretarias dos ministérios da Guerra e

Justiça, entre outros. Carregada de filhos e reduzida à condição de mendicidade, Caetana

Maria não pôde pagar pelos documentos exigidos. Teve, então, de recorrer à presidência da

província, pedindo uma esmola dos donativos recolhidos pela Caixa Econômica, destinados

ao amparo das famílias pobres dos voluntários mortos em combate.692

Maria Joaquina de Santana, residente na Vila de São Sebastião de Marahu, também

pediu ao Ministério dos Negócios da Guerra uma pensão, alegando que seu filho – o

segundo sargento do 32o Corpo de Voluntários da Pátria, Antônio da Silva Porto – havia

falecido em combate, no dia 22 de setembro de 1866. Exigiram da peticionaria a remessa

692 APEBa, Seção Colonial e Provincial, Guerra do Paraguai, maço 3673.

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para a Secretaria de Estado dos seguintes documentos originais: folha corrida, certidão de

batismo, certidão de assentamento de praça, provas de que faleceu ainda solteiro e que a

alimentava, certidão das secretarias de Estado do Império e da Guerra, declarando se a

suplicante recebeu algum tipo de ajuda e, finalmente, certidão de que nenhuma quantia

recebera dos cofres públicos. Com exceção da certidão de batismo, só era possível obter

todas as demais informações solicitadas pelo Ministério na própria Corte.693

Muitas das suplicantes, pálidas matronas cobertas de luto, que entre soluços e

prantos se fizeram presentes na recepção dos Voluntários da Pátria, expuseram sua dor

durante os desfiles das tropas:

Não viam os entes seus queridos, que se finaram longe delas, e dos quais

nem ao menos podiam ter o piedoso consolo de possuir os ossos; apesar

disso, lançaram também flores e engrinaldaram as esfarrapadas bandeiras

manchadas com o sangue dos que as carregavam no mais encarniçado

combate em que foram feridos e morreram com elas abraçados!694

Em condição de extrema penúria, Ana Maria Simplícia de Jesus pôs a farda de seu

marido, Guarda Nacional do 6º batalhão da cidade de Salvador, à venda. A anunciante teve

a infelicidade de não ter suas reclamações atendidas, apesar de ter se apresentado ao

presidente da província da Bahia com três filhas menores. Reduzida à miséria, desalojada

do teto onde se abrigava, por não poder pagar o aluguel, desamparada e sem meios para

manter a família, lançou-se a esse precário recurso. A referida farda estava à venda na loja

número 17 da Rua do Julião, em Salvador.695

Um ano após concluída a Guerra do Paraguai, A Reforma publicou: “os feitos da

tão memorável campanha se vão como obliterando da mente dos brasileiros”.696

Para o

jornal havia uma explicação para o esquecimento: “Dar-se-ia que a atenção pública,

solicitada por novos acontecimentos, sente invencível repugnância envolver aquela longa

contemplação de sangue, que fatigou o sentimento nacional”.697

Entretanto, ressalvava a

folha liberal:

693 APEBa. Seção Colonial e Provincial, Avisos recebidos do Ministério da Guerra, maço 831.

694 BN/RJ. Jornal Diário de Noticias, Rio de Janeiro, 3 maio 1886.

695 IGHB. Jornal O Alabama, Salvador, 30 nov. 1866.

696 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 12 maio 1871.

697 Idem, ibidem.

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Há para todo brasileiro o dever de recordar sempre e transmitir ao futuro

os serviços memoráveis prestados por tantos bravos, por tantos varões

cheios de patriotismo, cujo exemplo encheu de contemplação os seus

compatriotas.698

Com essa consideração, o jornal liberal anunciava a notícia do falecimento, na

província de Santa Catarina, do general Guilherme Xavier de Souza, que “honrou o Brasil

durante o conflito e os brios da classe militar da guerra do Paraguai; e poucos, bem poucos,

ainda se recordavam do quanto a pátria devia a esse mártir”. Também rememorou no

mesmo artigo a passagem pela Corte, naqueles dias, do Barão de São Borja, cuja bravura

seria sempre lembrada por seus camaradas e nos campos do Paraguai. No entanto, quase

ninguém notara sua presença na Corte.

Como que justificando o esquecimento que se lançava sobre a história da Guerra

do Paraguai, o jornal afirmava que:

Não é ainda chegado o tempo de escrever a história da guerra do Paraguai.

Mas a geração contemporânea que assistiu dia por dia o desenrolar do

drama assombroso, tem o dever de recolher os fatos, tomar o testemunho

de cada um, apurar a verdade, para transmiti-la inteira aos vindouros, e

assim aproveitarem sempre, germinando no futuro, os exemplos de

abnegação e de patriotismo que se escreveram naquela sangrenta cruzada

contra a barbárie.699

Em uma pequena nota, foi encontrado o caso do alferes Francisco de Paula

Monteiro de Albuquerque, que em novembro de 1864 marchou da província de

Pernambuco, no 7º Batalhão de Infantaria de Linha, para a campanha do Uruguai, seguindo

para Uruguaiana depois do fim da guerra. No Paraguai, foi elevado ao posto de tenente por

antiguidade. Em agosto de 1868, foi promovido pelo general Duque de Caxias a capitão,

por atos de bravura. Em 23 de setembro do mesmo ano, na ponte de Suribibi, foi morto em

combate.

Francisco de Paula deixou na miséria a família, composta de mulher e quatro filhos,

que passou a esmolar na capital do Rio Grande do Norte. “Causa horror ver semelhante

698 Idem, ibidem.

699 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 12 maio 1871.

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desgraça, mas infelizmente em todo o império vê-se isto enquanto na corte desperdiça 200

contos em festejos”.700

Caberia ao governo imperial averiguar a exatidão dos fatos e, no

caso de sua confirmação, acrescentava A Reforma, “dar as providências, para que a família

de um bravo não esmole o pão da caridade pública”.701

O autor, condoído com a história da

família do voluntário morto na campanha, retomou a notícia na mesma coluna do jornal,

dessa vez com a intenção de informar ao leitor que na redação estava aberta uma subscrição

com o propósito de ajudar os familiares do bravo herói morto na guerra. No dia 7 de março

de 1871, o jornalista voltou outra vez a sua atenção para a subscrição, asseverando que

“nenhuma pataca havia sido oferecida”. E justificou a falta de interesse dos leitores, mais

“preocupados com as novidades que chegam da Europa e com o alvoroço no senado”.702

Se por um lado a indignação do redator revela o descaso e a indiferença do

governo imperial com a família do bravo soldado, por outro lado indica que o interesse

popular sobre os assuntos referentes à guerra desapareceu quando esta terminou, com a

vitória do Brasil. Os jornais rapidamente se voltaram para novas questões pertinentes ao

cotidiano da sociedade brasileira; neles não cabia mais a repetição de fatos semelhantes,

depois de encerrada a guerra.

As petições – antes publicadas nos jornais por interessar aos leitores que

acompanhavam o desenrolar da guerra, ou por oposição partidária ao governo de D. Pedro

II – foram lançadas ao esquecimento. Nenhuma das histórias publicadas nos anos da guerra

retornou à ordem do dia da imprensa, depois de concluída a campanha.

JOAQUIM JOSÉ PITANGA: MEDALHAS PARA UM VETERANO ESQUECIDO

O caminho que restou aos defensores da pátria, assim como a seus familiares, foi o

da burocracia do governo. As vozes de inválidos, de viúvas, de órfãos e de soldados,

ficaram silenciadas nas pilhas de requerimentos e petições dirigidas ao monarca. Essas

súplicas eram referentes a promoções na carreira militar, reajustes de soldos, baixas do

serviço militar, gratificações, empregos públicos, pensões, muletas, passagens de navios,

esmolas, condecorações, licenças para residir em outras partes do país e para asilar-se na

700 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 25 fev. 1871.

701Idem, ibidem.

702 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 7 mar. 1871.

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Ilha de Bom Jesus. Os apelos aparecem nos relatórios dos presidentes de províncias, nos

anais das Assembleias Legislativas provinciais, das Câmaras de Deputados e do Senado,

nos requerimentos dirigidos ao Ministério dos Negócios da Guerra, em súplicas ao

Imperador e a sua família, nos ofícios dos comandantes dos quartéis e fortalezas, onde

serviram muitos dos inválidos, e frequentemente na imprensa. Diante de toda essa

documentação, como esquecer as falanges de mutilados que fizeram a Guerra do Paraguai?

José Joaquim Pitanga, solteiro, natural da província da Bahia, residente na

Travessa das Pastilhas, número 30, lutou na Guerra da Independência, em 1822, e, quarenta

anos depois, serviu à pátria como enfermeiro na Guerra do Paraguai. Contava em 12 de

novembro de 1869 com setenta anos, quando escreveu ao Imperador com o intuito de ser

agraciado com a medalha do Hábito da Imperial Ordem da Rosa.

Perante o Augusto Trono de Vossa Majestade Imperial, prostra-se José

Joaquim Pitanga, veterano da Independência da Província da Bahia, que

sentou praça em 1816 no Batalhão da Legião de Caçadores, obtive baixa

do serviço em 1831. Condecorado com a medalha da Campanha de 1822

por decreto de sua Majestade Imperial o Sr. D. Pedro I. Tendo o suplicante

se contratado para o serviço da guerra, contra o governo do Paraguai,

como enfermeiro, em 22 de julho de 1866. Seguindo para o Estado oriental

no vapor Itaparica Naufragou no Barra de Montevidéu no dia 23 de agosto

do dito ano.703

José Joaquim Pitanga serviu como enfermeiro em vários hospitais no Paraguai.

Expunha ter seguido seu destino quando cumpria a sua honrosa missão, desempenhada com

zelo e prontidão. Depois de concluir o contrato com o Exército, pediu exoneração, quando

já se achava com a saúde debilitada. Mesmo assim, o veterano de guerra, doente e velho,

nutria o desejo de ser condecorado com o Hábito da Imperial Ordem da Rosa pelos serviços

prestados desde o tempo de D. João IV até a Guerra do Paraguai. Declarava possuir

somente parte da documentação que comprovava o mérito de sua petição – havia perdido a

outra parte no naufrágio que sofreu na Barra de Montevidéu.

Trata-se de um processo volumoso, dirigido a diversas autoridades do governo e ao

Imperador. Entre os documentos, uma declaração assinada pelo segundo cirurgião Francisco

João Fernandes atesta que José Joaquim Pitanga serviu como enfermeiro nos hospitais

703 AHEX/RJ. Requerimento de José Joaquim Pitanga ao imperador D. Pedro II. Rio de Janeiro, 6 de

novembro de 1869. Documentos do século XIX.

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brasileiros em Corrientes e no Saladeiro, durante os anos de 1866 e 1867, e que “nessa

função mostrou sempre muita aptidão, zelo, humanidade, e subordinação, tornando-se por

isso digno de muita estima, e consideração”.704

Quatro outras declarações, assinadas por

médicos com quem trabalhou nos hospitais no sul do país e no Paraguai, também

compunham o processo.

Feitas as averiguações pela Secretaria dos Negócios do Império, verificou-se que

nos livros de registros dos decretos publicados não constava que José Joaquim Pitanga

recebesse pensão do governo. Em 12 de novembro de 1870, o processo foi remetido ao

Ministério da Guerra, que deu o seguinte despacho: “o suplicante deve apresentar

documentos autênticos para provar os serviços que alega ter prestado, e não atestados, que,

além de graciosos, não se acham devidamente reconhecidos”.705

Até 1875 o requerente

ainda não havia sido atendido em sua ambição.

Depois da guerra, a primeira historiografia sobre o conflito foi marcada pelo

nascimento das narrativas épicas. Nelas, testemunhas anotaram em livros de memórias

momentos de patriotismo e de glória para o Brasil, para assim transmitirem às gerações

futuras as histórias de homens comuns transformados em heróis abnegados que ofereceram

a vida na defesa da pátria vilipendiada pelo inimigo.

Era preciso comemorar cada comandante que se destacou na campanha e

rememorar cada batalha vencida, registrar a memória no tempo. Do mesmo modo, era

necessário pensar na seleção de gestos e sentidos da guerra para erguer os primeiros

monumentos de pedra e bronze. Mas para rememorar esses acontecimentos grandiosos da

história do Brasil, também era preciso esquecer uma outra história e outros acontecimentos

– estes, repletos de sofrimentos, dor, ressentimento e humilhação. Aqui vale ressaltar que o

dilema de encontrar um sentido para o estudo das feridas da história não significa suscitar

vitimas ou compaixão. A intenção é dar aos acontecimentos um significado mais humano.

Ou, ainda, encontrar um lugar na história para os esquecidos e ressentidos, ao lado de heróis

que devem muito a esses personagens silenciados.

Os jornais, que tantas narrativas anotaram com o intuito de fazer o governo e os

seus leitores refletirem sobre a condição de miséria em que se achavam milhares de órfãos,

704 Declaração de serviço prestado pelo enfermeiro José Joaquim Pitanga, assinada por Francisco João

Fernandes, 2º cirurgião em comissão. Humaitá, 13 de março de 1869. Documentos do século XIX. Arquivo do

Exército. 705

Despacho do Ministério dos Negócios do Império, Rio de Janeiro, 12 nov. 1869.

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viúvas e mutilados, abandonaram a disputa partidária, comum em momentos de guerra, para

retornarem ao tempo linear, vazio, homogêneo.

Novos acontecimentos fizeram acumular todo um passado sem significados, caído

no esquecimento. Não era possível harmonizar a história do herói com a do mutilado, a da

matrona que mandara para a guerra o seu arrimo de família com a da mãe desesperada e

desvalida, a da mulher que em dias de glória produzia as ataduras para os feridos com a das

viúvas pálidas cobertas de luto.

As bandeiras ricamente bordadas para os batalhões na hora da partida tremulavam,

na chegada, rotas e desbotadas, manchadas pelo sangue nacional; por isso, eram depositadas

nas igrejas, ao lado do altar-mor, ou esquecidas nos quartéis e museus. Somente aos órfãos

cabia fazer uma nova história, surgida das entranhas do sofrimento, capaz de desafiar a

ordem estabelecida e inscrever uma reflexão sobre o que foi esquecido.

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Epílogo

Há alguém por aí que ainda se lembre da Guerra do Paraguai?

Dirigi essa pergunta àqueles que marchavam outrora à frente de

bandas de músicas, atirando fogos de artifício, dando vivas e

fazendo discursos pelas ruas embandeiradas do Rio de Janeiro.

Dirigi a mesma pergunta a dois grandes generais; e estes vos

responderão: – Sim, temos uma idéia vaga dessa guerra... Foi há

tanto tempo! Interrogai, porém, à viúva, que perdeu o arrimo da

casa naquela luta cruenta, à mãe que chora o filho, o orgulho da

pátria, que tombou como um bravo, honrando o pavilhão brasileiro,

e aos que mendigam por aí, o óbolo da caridade, cheios de honra e

cicatrizes, e eles vos dirão: – Jamais esqueceremos essa página de

nossa História!706

Pouco mais de um ano depois de terminada a Guerra do Paraguai, os eventos que

marcaram a campanha estavam no esquecimento. Na edição de 12 de maio de 1871, o jornal

A Reforma publicou que a causa para a obliteração daquela memória recente era a sucessão

dos novos acontecimentos que despertavam a atenção pública. “Assim, os princípios da

informação jornalística (novidade, concisão, inteligibilidade e, sobretudo, falta de conexão

entre uma notícia e outra) contribuem para esse resultado”.707

As transformações verificadas na política brasileira depois da guerra fizeram que

os jornais elegessem novos acontecimentos para noticiar e, fatalmente, condenassem outros

ao olvido. Para o jornal, havia outra razão para buscar o esquecimento. Na compreensão do

redator, o motivo era a repugnância que a população sentia ao rever “aquela longa

contemplação de sangue, que fatigou o sentimento nacional”.708

Lembrar provoca o esquecimento, como desejava o memorialista; “esquecer é

fenômeno ativo – esquecer é capítulo da memória e não sua função antagônica”.709

Para

Supervielle, o esquecimento “é o anjo que vela sobre a livre circulação de nossas imagens e

706 BN/RJ. Vida Fluminense, Rio de Janeiro, 3 fev. 1872.

707 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 107.

708 BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 12 maio 1871.

709 NAVA, Pedro. Baú de ossos. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972. p. 304.

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escolhe entre as que nos convêm e as outras”.710

O esquecimento funciona, nesse caso,

como véu protetor que busca evitar a dor e o sofrimento.

O jornal, entretanto, considerou ser dever de todo brasileiro: “recordar sempre e

transmitir ao futuro os serviços memoráveis prestados por tantos bravos, por tantos varões

cheios de patriotismo, cujo exemplo encheu de contemplação os seus compatriotas”.711

Mas,

em uma atitude comedida, o articulista ponderava também sobre o que escrever a respeito

da guerra, considerando o curto intervalo que separava os historiadores do episódio recém-

ocorrido. O jornalista de A Reforma escreveu: “Não é ainda chegado o tempo de escrever a

história da guerra do Paraguai”.712

Contudo, o redator alertava seus leitores que era preciso

ter a preocupação de se recolher os fatos ainda no calor do evento.

A geração contemporânea, que assistiu dia por dia o desenrolar do drama

assombroso, tem o dever de recolher os fatos, tomar o testemunho de cada

um, apurar a verdade, para transmiti-la inteira aos vindouros, e assim

aproveitarem sempre, germinando no futuro os exemplos de abnegação e

de patriotismo que se escreveram naquela sangrenta cruzada contra a

barbárie.713

As pesquisas realizadas em jornais do Brasil do período entre 1870 e 1890 revelam

muito pouco sobre as consequências da Guerra do Paraguai na vida das pessoas comuns que

fizeram a campanha ou que dela tomaram parte indiretamente. O silêncio predominou

principalmente com relação àqueles que foram vitimados nos combates. Nos necrológios

exaltava-se o cidadão, sua abnegação pela pátria, sua dedicação e seu valor moral. Se este

morrera na miséria, aproximava-se mais ainda do denodo, da coragem e da entrega a seu

país. Contudo, as homenagens não iam muito longe – quando muito recomendava-se a

mudança de nome de uma rua ou de uma praça. Nem mesmo a oposição ao governo parecia

ter disposição para retomar o debate que se esgotara com a vitória do Brasil na guerra.

A comemoração realizada no dia 10 de julho de 1870, apresentada neste estudo

como a festa oficial pela vitória das forças brasileiras, jamais se repetiu. Não foi instituído

710 SUPERVIELLE, Jules apud TADIÉ, Jean Marc e TADIÉ, Yves. Le sens de la mémoire. Paris: Gallimard,

1999. p. 230. 711

BN/RJ. Jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 12 maio 1871. 712

Idem, ibidem. 713

Idem, ibidem.

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feriado nacional naquela data, impedindo-se, assim, que a memória fosse inscrita no tempo.

Na concepção de Benjamin, esse era um tipo de supressão, pois “o homem para quem a

experiência se perdeu se sente banido do calendário”.714

Na imprensa carioca, em anos ulteriores à guerra, foram encontradas vagas

referências às datas comemorativas das batalhas. Estas, no tempo da campanha, apareciam

em extensos editoriais, como forma de lembrar aos leitores as vitórias obtidas pelo Brasil e,

assim, seduzir novos patriotas e voluntários participar da guerra. No entanto, rememorar as

batalhas, após o fim do conflito, seria uma demonstração de que a barbárie, embora

associada ao Paraguai, também era compartilhada pelo Brasil, o que certamente ressurgiria

nas pesquisas relacionadas àquele período.

Na história do Império Brasileiro não havia espaço para as lutas sanguinolentas que

caracterizaram a formação e a consolidação dos estados nacionais. O monarca D. Pedro II,

considerando-se um rei pacífico e dedicado às coisas relacionadas à civilização, não queria

ostentar o título de algoz. Esse era mais um motivo para que a guerra fosse lançada ao

esquecimento – ou somente revisitada quando sua função didática pudesse levantar o

patriotismo do cidadão brasileiro.

A rememoração da Guerra do Paraguai não foi inserida no calendário da história

nacional nos anos finais do Império, mas o Exército e a Marinha do Brasil não deixaram de

recordar anualmente as vitórias contra o inimigo e, assim, exaltar suas participações na

campanha. Por muito tempo, a Marinha continuou a comemorar os feitos de Riachuelo,

considerada como uma das maiores batalhas travadas pelo Brasil. O Exército, por sua vez,

exaltava a bravura de seus generais e soldados no mais sangrento combate: a Batalha de

Tuiuti. Todavia, essas comemorações eram motivadas por duas questões pertinentes: a

disputa pela memória gloriosa e o reconhecimento de que as duas instituições ingressavam

na vida política do Brasil, notadamente o Exército.

Para Pollak, o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento,

é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais.715

Isso pôde ser confirmado, durante a pesquisa, em dois momentos históricos: os festejos

populares para a recepção das tropas na Corte e nas províncias e a festa oficial, promovida

pela Monarquia para celebrar o término da guerra, a vitória e a memória dos soldados que

pereceram nos campos do Paraguai.

714 BENJAMIN, Walter., op. cit.,. p. 136.

715 POLLAK, Michel. Memória, silêncio, esquecimento. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15,

1989.

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309

Paralelamente aos festejos pela vitória do Brasil, realizados na Corte, ocorreram

manifestações de descontentamento por parte de cidadãos que fizeram a campanha. No Rio

de Janeiro, soldados de linha, Guardas Nacionais e Voluntários da Pátria esbarravam na

burocracia e enfrentavam problemas com o governo, devido ao atraso no pagamento dos

soldos e das vantagens estabelecidas pelo Decreto 3.371. Uma discussão que perdurou por

décadas e que ressurgiu com intensidade na imprensa em 1907, o que levou a este

reencontro com a memória da Guerra do Paraguai e, consequentemente, com a memória dos

Voluntários da Pátria olvidados.

Após o fim do conflito, dois grandes acontecimentos foram de fato considerados

tão ou mais importantes que a Guerra do Paraguai: a abolição da escravidão, em 13 de maio

de 1888 – encerrando um capítulo da história do Brasil e três séculos de um mecanismo de

funcionamento da economia e da sociedade brasileiras – e a proclamação da República, em

15 de novembro de 1889 – que transformou a política do país. Com a abolição da

escravatura e a implantação do novo regime, estava sepultada a Monarquia. A República

havia de legitimar-se pela construção de uma nova memória e forjar seus novos heróis. E foi

na Guerra do Paraguai que ela começou a colher os ícones que assegurariam a construção

de seu panteão e, consequentemente, dos maiores defensores do regime republicano.

Decorridas mais de três décadas da conclusão da guerra, sobreviventes da

campanha ainda esperavam o cumprimento das promessas feitas pelo governo do Império.

Em 1905, a dívida com os Voluntários da Pátria reacendeu os ânimos dos partidos no alto

das tribunas do parlamento brasileiro, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado,

para decidir sobre o débito assumido pelo governo imperial e herdado pela República.

Na sessão de 17 de agosto de 1905, o deputado baiano Marcolino Moura subiu à

tribuna da Câmara para levar à consideração do Congresso uma petição dos voluntários

sobreviventes da campanha do Paraguai, que reivindicavam o cumprimento do Decreto de 7

de janeiro de 1865. No discurso o parlamentar afirmou que permaneciam na memória dos

brasileiros os feitos praticados na Guerra do Paraguai pelos Voluntários da Pátria. Estes, ao

lado dos soldados do Exército e da Armada, contribuíram para as duas maiores reformas

pelas quais o país havia passado: a abolição e a república.

Foi esse exército que resistiu ao governo imperial, proclamando em sua

resistência a não existência do direito do homem sobre o homem, não se

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310

prestando ao papel de capitão do mato. Foi esse exército que abriu as

portas do futuro advento da República.716

A reabertura dessa discussão em 1905 tinha a seu favor o fato de a dívida pública

ser reduzida, pois os gastos com as indenizações seriam mínimos, uma vez que eram poucos

os sobreviventes da guerra. Assim, Marcolino Moura justificava o projeto enviado à

Câmara: além de ser pequeno o número de sobreviventes, com a extinção dos últimos

voluntários logo acabariam os encargos do governo.717

O Projeto de Lei número 139,718

que concedia vitaliciedade aos oficiais e praças

dos corpos de Voluntários da Pátria e pagamento do soldo integral dos postos ocupados à

época da campanha, foi apresentado pela Comissão de Finanças, encabeçada pelo deputado

Marcolino Moura. Tratava-se especificamente da efetivação do dispositivo 12º do Decreto

3.371, de 7 de janeiro de 1865, que criou os corpos de Voluntários da Pátria para a guerra.

Nesse artigo, o governo monárquico conferia ao Voluntário da Pátria, mediante autorização

do Legislativo, a graduação de oficial honorário do Exército pelos serviços prestados na

campanha, assim como vitaliciedade de soldo por inteiro correspondente ao posto

adquirido. No entanto, o projeto que tramitava na Câmara dos Deputados não contemplava

aqueles que recebiam pensões vitalícias, os empregados no setor público e os que receberam

22.500 braças quadradas de terras em colônias militares, agrícolas ou terras devolutas, como

previa o referido decreto.719

O projeto apresentado por Marcolino Moura regressou à Câmara dos Deputados

em 17 de outubro de 1905. No entendimento da Comissão de Finanças, ao poder público

restava a obrigação de executar a lei. Os membros da comissão afirmavam que se tratava de

um “compromisso de honra assumido pelo governo brasileiro que, adiada sua execução não

716 FCRB. Pronunciamento de Marcolino Moura na sessão de 17 de agosto de 1905 na Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 162. 717

Idem, p. 163. 718

“Art. 1º - é concedido vitaliciamente aos oficiais e praças de pret dos corpos de Voluntários da Pátria que

ainda existem e não obtiveram qualquer vantagem consignada no decreto número 3.371 de 7 de janeiro de

1865, o soldo inteiro de seus postos a contar da data da presente lei. Art. 2º - Fica autorizado o governo a

realizar as necessárias operações de crédito para fiel cumprimento desta lei”. Pronunciamento de Marcolino

Moura na sessão de 7 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados Federais. Rio de Janeiro, Anais da

Câmara de Deputados, p. 79. 719

FCRB. Pronunciamento de Marcolino Moura na sessão de 7 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 79.

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311

pode prescrever, tanto mais quando os interessados reclamavam com justiça sua

efetividade”.720

Para ilustrar a condição de indigência dos que não foram indenizados pelo governo

e defender o pagamento da dívida aos veteranos da guerra, o deputado Camilo Prates narrou

para a tribuna a triste história de um sexagenário, servidor da pátria:

Um dia bateu à porta da minha casa um homem velho, alquebrado e

paupérrimo. Era, senhores, a apresentação mais vivaz da miséria. Fora

procurar a minha casa e nela ver se achava abrigo para os seus

sofrimentos. Esse homem mostrou-me a sua fé de ofício. Querem saber

quem ele era? Era um velho servidor da pátria, um oficial do exército que

estava morrendo de fome nos sertões de Minas, quando lá havia crise

alimentícia.721

A associação com o esquecimento a que foram relegados os “velhos soldados” foi

ressaltada no pronunciamento do deputado Marcolino Moura. O projeto apresentado à

Câmara dizia que o governo tinha a seu favor a ação do tempo:

Pois lá vão mais de 35 anos, e achando-se atualmente reduzido o número

dos que fizeram parte daquela longa e gloriosa jornada, e que torna dia-a-

dia menos pesados os encargos que a nação assumiu pela presente lei,

encargos que cessarão em pouco tempo com o desaparecimento completo

desses servidores da pátria.722

O esquecimento também foi o tema discutido pelo parlamentar Camilo Prates,

quando indagou à plenária como agiriam os cidadãos no caso de um novo conflito

envolvendo nações inimigas:

720 FCRB. Pronunciamento de Camilo Prates na sessão de 17 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 267. 721

FCRB. Pronunciamento de Camilo Prates na sessão de 17 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 268. 722

FCRB. Pronunciamento de Marcolino Moura na sessão de 7 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 79.

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Ante o esquecimento por parte dos poderes públicos em relação aos que

sacrificaram suas vidas em defesa da Pátria, quem sabe se, na emergência

de uma luta com qualquer nação, encontraremos a mesma boa vontade, o

mesmo entusiasmo patriótico por parte dos nossos concidadãos?723

O jornal O Independente, de Porto Alegre, comentou o projeto do deputado

Marcolino Moura: “veio, com efeito, despertar os poucos veteranos da legendária campanha

do Paraguai, desse desalento tão natural, nós que envelhecemos sem esperanças do

prometido e devido”.724

Segundo o jornal, depois de cinco anos de campanhas os “estadistas

do império esqueceram-se dos gloriosos vencedores”.725

O jornalista de O Independente asseverava que a justiça haveria de ser feita pelas

novas gerações incumbidas da consolidação da República, reparando os erros cometidos no

passado. De acordo com o impresso, eis que então surgiu no seio da representação nacional

o deputado baiano Marcolino Moura “pedindo reparação, apesar de tardia, do abandono em

que foram jogados os voluntários da pátria”.726

Os velhos e alquebrados veteranos tinham

que ser amparados nos últimos dias de sua vida.

Na sessão do Senado de 9 de julho de 1906 a Comissão de Marinha e Guerra

emitiu parecer contrário à aprovação do projeto de número 139, enviado pela Câmara, “pois

não se inspira em princípio de justiça para com os valorosos Voluntários da Pátria e guardas

nacionais que tão assinalados serviços prestaram à memorável campanha, que teve seu

termo glorioso na república do Paraguai”.727

A desaprovação baseava-se no seguinte

argumento: não era justa a concessão de soldo integral aos oficiais e praças do Exército e

Guardas Nacionais que regressaram ao Brasil antes do fim da guerra, levando-se em

consideração aqueles que participaram de toda a campanha.

A Comissão de Marinha e Guerra encaminhou à mesa do Senado um substitutivo

que alterava dois dos dispositivos presentes no projeto da Câmara: aos oficiais e soldados

mutilados em campanha seria abonado o soldo por inteiro, correspondente à patente e à

723 FCRB.. Pronunciamento de Camilo Prates na sessão de 17 de outubro de 1905 da Câmara de Deputados

Federais. Rio de Janeiro, Anais da Câmara de Deputados, p. 267. 724

BN/RJ. Jornal O Independente. Porto Alegre, 12 nov. 1905. 725

Idem, ibidem. 726

Idem, ibidem. 727

FCRB. Parecer número 55 da Comissão da Marinha e da Guerra apresentado ao Senado na sessão de 9 de

julho de 1906. Rio de Janeiro, Anais do Senado Federal, p. 68-69.

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tabela daquele tempo; aos herdeiros de oficiais e praças mortos na guerra seria feito o

pagamento apenas da metade do soldo, sem direito a reversão.728

Na sessão de 29 de junho de 1907, o senador Pires Ferreira abriu a discussão sobre

o soldo dos voluntários com uma avaliação negativa da atuação do governo imperial quanto

ao cumprimento do Decreto 3.371 de 1865:

O governo do império procurou firmar os direitos que concedia aos

voluntários da pátria e à guarda nacional, os direitos que já existiam para o

exército. Deu-lhes soldos, etapas, gratificações, garantindo a sorte dos

mutilados, das viúvas e dos órfãos, dos combatentes...Tem-se feito isto?

Tem-se cumprido o decreto de 1865? Não...729

Referindo-se às disposições do artigo 12º do Decreto de 1865, que garantia meio

soldo e pensão equivalente, prosseguiu o senador: “eles não o tiveram. Os patriotas que

foram para o Paraguai calaram-se por muito tempo, não se queixaram, contentaram-se com

a mesquinha paga que tinham”.730

Pires Ferreira alegou que os Voluntários da Pátria não

foram contemplados com soldo por inteiro ou em parte e disse que era contrário ao

pagamento do soldo integral para aqueles servidores que não haviam concluído a campanha.

“Dar-se o soldo por inteiro para alguém que combateu por cinco anos ou para alguém que

combateu 30 dias?”.731

Com relação aos Voluntários da Pátria que foram empregados no

serviço público, como garantia o Decreto de 1865, o senador questionou: “Dar-se o soldo

por inteiro a quem já foi aquinhoado com tabelionatos e escrivaninhas?”.732

Mesmo passados 35 anos do fim da guerra e diante de um número reduzido de

sobreviventes, não pareceu ser possível conciliar as opiniões de governistas e oposicionistas

na Câmara e no Senado. O deputado Francisco Glycerio, por exemplo, defendeu o direito ao

soldo por inteiro para todos os Voluntários da Pátria que regressaram do Paraguai antes de

728 Idem, ibidem.

729 FCRB. Pronunciamento do senador Pires Ferreira na sessão de 29 de junho de 1907. Rio de Janeiro, Anais

do Senado Federal, p. 280. 730

Fundação Casa de Rui Barbosa. Pronunciamento do senador Pires Ferreira na sessão de 29 de junho de

1907. Rio de Janeiro, Anais do Senado Federal, p. 281. 731

Idem, p. 285. 732

FCRB. Pronunciamento do senador Pires Ferreira na sessão de 29 de junho de 1907. Rio de Janeiro, Anais

do Senado Federal, p. 285.

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concluir a guerra e, também, nos casos em que os soldados foram feridos ou adquiriram

moléstias durante a campanha.733

A polêmica instaurada no Senado despertou o interesse da imprensa. Veteranos da

Guerra do Paraguai recebiam o mesmo soldo de cem réis pagos desde o fim da campanha,

sem reajustes. Para se ter uma ideia da insignificância da quantia, o jornal O Independente,

em 1906, comentou:

Por essa ninharia, que é na atualidade igual à esmola que jogam aos

mendigos, pedintes de porta em porta, nem um dos poucos veteranos

existentes, nem suas viúvas e filhas se abalançará do mais humilde rancho,

para estender à mão a opulenta República Brasileira.734

Muitos veteranos que pleitearam o soldo devido pelo Império morreram antes que

o processo de habilitação fosse concluído pelas repartições públicas. Isso sem contar os

gastos que os ex-combatentes assumiram com selos e honorários de advogados. O governo

alegou impossibilidade de o tesouro saldar a dívida com os poucos veteranos sobreviventes,

abatidos e envelhecidos. Só não havia incompatibilidade para vencimentos acumulados e

subsídios dos senadores e deputados federais, argumentou o jornal O Independente. Para

aqueles que abandonaram seus interesses e a família, que sacrificaram a mocidade e a saúde

durante cinco anos em defesa da pátria, regateava-se “o miserável soldo de seus postos

prometidos em lei, que mesmo tardiamente, viriam suavizar os últimos dias de sua

existência”.735

Em relação à dívida do governo, O Independente de Porto Alegre apelou para a

obrigação da nação. Para o jornal, seja “monarquia ou república é sempre a mesma por cuja

integridade dos seus filhos empenhou a vida e deve, portanto, ser a mesma reconhecida,

quando se trata de remunerar os serviços de alta relevância”.736

Enquanto os parlamentares discutiam o reaparelhamento do Exército e da Armada

no Brasil, o senador Coelho Lisboa subiu à tribuna, em 18 de setembro de 1906, para se

733 FCRB. Pronunciamento do senador Francisco Glycerio na sessão de 29 de junho de 1907. Rio de Janeiro,

Anais do Senado Federal, p. 284. 734

BN/RJ. Jornal O Independente. Porto Alegre, 19 ago. 1906. 735

Idem, ibidem. 736

Idem, ibidem.

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pronunciar quanto à condição de miséria e ressentimento dos sexagenários veteranos da

pátria, que permaneciam abandonados, sem o amparo da República Brasileira:

Vejo, porém, com tristeza que os espíritos dos homens de guerra viram-se

inteiramente para o mundo material. Ocorreu-me chamar a atenção dos

representantes do mundo militar no senado para esses desgraçados, que, se

presentemente não mendigam a caridade pública ostensivamente é porque

se envergonham de mostrar na praça as condecorações que ganharam por

atos de bravura.737

O não cumprimento do Decreto Imperial foi classificado pelo parlamentar de

calote. Ao referir-se à defasagem da tabela do pagamento em vigor, Coelho Lisboa

considerou constrangedora a situação dos sexagenários que “além do número de anos que

abate o seu espírito, se vêem rodeados de filhas, viúvas e de netos desamparados, é uma

verdadeira miséria”.738

No encerramento do discurso, o senador lembrou que na época da

guerra os soldados eram jovens, solteiros, tinham soldo cotado de acordo com o câmbio

vigente e etapa, além de estarem arregimentados. “Mas, hoje, valetudinários, como se pode

compreender que os capitães, por exemplo, possam se manter com 60$ mensais!”.739

Quanto aos dispositivos que tratavam das pensões para as viúvas e os órfãos, as

discussões também duraram dois anos. O Projeto de Lei que os habilitava a receber o

pagamento, mediante ajustes na antiga legislação relativa aos vencimentos dos servidores da

pátria, também era motivo de discordância. Com relação aos órfãos, discutia-se o benefício

para aqueles que tivessem entre 40 e 45 anos. Quanto às viúvas, havia outra questão: como

elas poderiam habilitar-se a receber a pensão tendo que comprovar, passados quarenta anos,

a morte de seus maridos por moléstias adquiridas na campanha?

O Independente de Porto Alegre denunciou os abusos cometidos contra veteranos e

familiares dos combatentes. Rememorando heroínas brasileiras da Guerra do Paraguai, o

737 FCRB. Pronunciamento do senador Coelho Lisboa na sessão de 18 de setembro de 1906. Rio de Janeiro,

Anais do Senado Federal, p. 192. 738

Idem, ibidem. 739

Idem, ibidem.

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jornal expressou a opinião de que a pátria não podia ser ingrata com aquelas que haviam

ficado desamparadas.

Faça-se tudo, enfim, contanto que essa epopéia contemporânea, que tange

em vibrações heróicas a alma nacional, até despertar a ação varonil de

mulheres brasileiras, representadas em Anna Nery e Jovita Alves Feitosa,

não seja o timbre fatídico, que em mão de sombrio notário, seja agora o

testamento de ingratidão em nome da pátria.740

Os olvidados da guerra retornaram às páginas da imprensa em 1907, quando o

jornal O Independente novamente publicou em editorial uma longa discussão sobre a

questão das dívidas do Império com os veteranos da guerra. Dizia o texto: “E vós,

voluntários da pátria, agradecei a generosidade que manifesta vossa dedicação de outrora,

porque é preferível o esquecimento em que viveste até agora a vota dessa retribuição tão

regateada”.741

Esmola? Não! Os voluntários da titânica campanha do Paraguai, os que a

implacável foice da morte ainda os conserva em número reduzido ou

quase apagado com a esponja da ingratidão, podem estender a mão

trêmula e descarnada à caridade pública, mas não abrem a sacola de

mendigo para implorar uma esmola do tesouro público.742

Coincidência ou não, os jornais Tribuna da Bahia e O Liberal, de Pernambuco,

também voltaram suas atenções para o assunto discutido no periódico gaúcho. Não foi

possível associar a pertinência dos artigos publicados na Bahia e no Rio Grande do Sul ao

fato de terem sido esses dois estados os que mais ofereceram soldados para a guerra, ou

onde vivia o maior número de sobreviventes. Todavia, foram dessas localidades que a

questão dos voluntários emergiu do esquecimento – última possibilidade de reconhecer os

direitos assegurados aos servidores da pátria.

740 BN/RJ. Jornal O Independente, Porto Alegre, 13 jun. 1907.

741 Idem, ibidem.

742 BN/RJ. Jornal O Independente, Porto Alegre, 7 abr. 1907.

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A penúria e a miséria rondavam os lares dos veteranos da Guerra do Paraguai.

Ressentidos, eles voltaram ao centro da história da guerra, condecorados com velhas

medalhas, depois de quatro décadas do término do conflito. Dos legisladores brasileiros,

ainda esperavam o pagamento do esquálido soldo, direito assegurado pelo Decreto de 7 de

janeiro de 1865. Enquanto isso, do alto da tribuna, parlamentares estadistas regateavam o

valor dos soldos devidos aos veteranos de guerra, “tal esmola que deslustra o valoroso

brilho de honrosas medalhas que seus possuidores trazem pendentes no peito, assinalando

os bravos combatentes da mais gloriosa jornada da América do sul”.743

Sobre o ressentimento, o cronista de O Independente indagava: o que havia

restado, passadas quatro décadas, do saldo glorioso dos milhares defensores da pátria, que

se recolhem ao doce conforto de seus lares?

Também como as ossadas dos que tombaram em campanha, alvejam os

cabelos brancos de poucos sobreviventes, disseminado no território da

pátria e todos extenuados na labuta de alcançarem um promissor futuro,

chegarem ao menos no final da existência, de onde aguardam a tardia

recompensa de sua mocidade perdida.744

E O Independente insistia:

Sob a consciência dos culpados pesam as agonias dos veteranos

voluntários que se finaram sem o conforto do auxílio prometido e

mesquinhamente negado. Quem não se compadece dos velhos

servidores da pátria é estranho completamente ao sentimento do

patriotismo.745

Em 1º de julho de 1907 o Senado retomou a discussão do projeto que garantia

soldo vitalício para os veteranos da Guerra do Paraguai. Tratava-se de uma emenda, um

substitutivo à proposição da Câmara dos Deputados número 139. Na fala do senador Pires

Ferreira ficou evidente que o vencimento dos voluntários necessitava de correção, porque os

benefícios que estavam sendo pagos ainda tinham como referência a tabela em vigor no

743 BN/RJ. Jornal O Independente, Porto Alegre, 7 abr. 1907.

744 Idem, ibidem,

745 Idem, ibidem.

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tempo da guerra. Segundo o senador, os ex-combatentes se achavam “mais ou menos no

abrigo da miséria”.746

Coelho Lisboa apresentou no Senado uma petição assinada por veteranos da

Guerra do Paraguai e publicada no Jornal do Brasil, tratando do desamparo em que se

encontravam os veteranos, em 1907. O documento dizia que tanto o Asilo dos Inválidos

quanto o Colégio Militar, erguidos com dinheiro de subscrições públicas, estavam

inacessíveis aos servidores da pátria. As portas daquele asilo foram fechadas aos veteranos,

assim como as do Colégio Militar aos filhos dos soldados que lutaram no Paraguai. Pelo

meio do pronunciamento do senador Coelho Lisboa foi possível conhecer o teor do

documento, assinado por pouco mais de vinte veteranos:

Custa, pois, acreditar que no generoso Brasil, quem julgue libérrimas as

disposições, que nada manda dar aos servidores da pátria, sem pagar os

compromissos contraídos pelo governo há 40 anos. Algumas famílias de

voluntários da pátria, falecidos em Mato Grosso, foram mendigar pão em

Assunção, capital do Paraguai. Isso se passou exatamente quando se

pensava em perdoar a dívida do Paraguai. Esperamos que V. Excia, nosso

abençoado protetor, promova a entrada em discussão do projeto que nos

manda pagar o soldo desde 1870.747

A súplica dos veteranos foi finalmente atendida pelo Decreto 1.687, de 13 de

agosto de 1907, sancionado pelo presidente Afonso Augusto Moreira Penna. Aos oficiais e

praças sobreviventes, que compunham os corpos de Voluntários da Pátria e a Guarda

Nacional, que serviram no Exército e na Armada durante a Guerra do Paraguai, foram

concedidos os benefícios reclamados.748

Entretanto, o cumprimento do decreto estava longe

de ser extensivo a todos os sobreviventes da campanha: a execução da lei era condicionada

à comprovação do mérito dos Voluntários da Pátria e Guardas Nacionais, junto a

administração pública. Sem recursos para se dirigir à capital da República e sem as cópias

dos documentos exigidos pelo governo, muitos soldados permaneceram esquecidos pela lei,

no interior do Brasil. Para eles tornara-se quase impossível reaver o que era deles por

direito.

746 FCRB. Pronunciamento do senador Coelho Lisboa na sessão de 1º de julho de 1907. Rio de Janeiro, Anais

do Senado Federal, p. 4. 747

Idem, p. 5. 748

FCRB. Coleção de Leis da República, 1907.

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319

No dia 21 de junho de 1907, ou seja, dois meses depois de aprovada a referida lei,

o obituário da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre registrou a morte do veterano da

guerra Nicolau Ritter, que fora recolhido ao hospital em função de seu estado de pobreza. O

setuagenário, capitão honorário do Exército, morreu na indigência, coberto de cicatrizes e

de velhas medalhas adquiridas nos combates, nos quais expôs sua vida em defesa da pátria –

“essa mãe ingrata que o esqueceu no hospital de caridade”.749

O soldo a que têm direito os veteranos da pátria, regateado com

mesquinhas e longas discussões e que poderia servir ao extinto capitão

honorário, Nicolau Ritter, não sairá do Tesouro Federal por economia

forçada do congresso, além das pensões graciosas e dos prêmios de

viagem e com os subsídios de deputados e servidores em gozo de capitais

na Europa. Devido à humanitária iniciativa dos dignos oficiais do 25º

batalhão aquartelados nessa cidade, o cadáver do veterano não foi

conduzido na Maria Crioula750

para a vala comum dos deserdados da

sorte.751

O texto publicado no jornal O Independente é um convite à reflexão sobre o

esquecimento a que foram condenados os Voluntários da Pátria, tanto pelo Império, no pós-

guerra, quanto pelo regime republicano, instaurado no Brasil dezenove anos depois de

terminada a campanha. Nicolau Ritter, quarenta anos após ter lutado na guerra, não teve a

chance de ver aprovado o último ato de reconhecimento por parte da nação, que poderia

devolver ao ex-combatente o sentimento de patriotismo que o havia conduzido à Guerra do

Paraguai, em 1865.

A uma situação semelhante – ou mesmo pior do que a vivida pelo velho servidor

gaúcho – foi condenado o voluntário Jerônimo Rodrigues do Amaral. Embora ele estivesse

vivo quando da aprovação da lei, era somente mais um velho soldado esquecido no tempo,

distante do panteão reservado aos heróis nacionais. Jerônimo Rodrigues do Amaral,

conhecido como Jerônimo Duro, veterano do Paraguai, residia em um casebre na cidade de

Pouso Alto, sertão de Goiás. No ano de 1929, Jerônimo Duro foi localizado pelo sócio

honorário do Instituto Histórico de Goiás, Euler Coelho, que visitada a região. O

749 BN/RJ. Jornal O Independente, Porto Alegre, 20 jun. 1907.

750 Designação popular para carro fúnebre que conduzia indigentes nos sepultamentos realizados na Santa

Casa de Misericórdia de Porto Alegre 751

BN/RJ. Jornal O Independente, Porto Alegre, 13 jun. 1907.

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sobrevivente da Guerra do Paraguai tinha então 85 anos, era mendigo e vivia da caridade

publica havia mais de vinte anos, mas ainda falava da campanha com ardor patriótico.

Na Ordem do Dia do comando das forças brasileiras no Paraguai, sob o número 13,

de 20 de agosto de 1867, ele havia sido elogiado pelo governo imperial, por fazer parte das

forças em operações na fronteira da província do Rio Grande do Sul e por praticar

prodigiosos feitos, suportando a fome, a peste e a guerra. Jerônimo Rodrigues do Amaral

teve direito à medalha de prata concedida pelo Decreto de 7 de agosto de 1867, e sua Fé de

Oficio atestou que, como Voluntário da Pátria, que a morte respeitou na gloriosa Retirada

de Laguna, tinha direito à gratidão nacional.752

752 Soldado goiano desconhecido. A Informação Goiana, Rio de Janeiro, ano 13, 1929, p. 4.

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321

FONTES

1. ARQUIVOS E BIBLIOTECAS

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

Arquivo Público do Estado da Bahia.

Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro.

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

Arquivo Histórico do Exército – Rio de Janeiro.

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Instituto Geográfico Histórico da Bahia.

Fundação Casa de Rui Barbosa – Rio de Janeiro.

Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – Rio Grande do Sul.

2. MANUSCRITOS

2.1. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

2.1.2. Ofícios.

(PP, 0069, maço 002, caixa 0024 e PP, notação 0228).

- Oficio do Ministro da Guerra, Barão de Muritiba ao presidente da província do Rio de

Janeiro, José Manuel Câmara, Rio de Janeiro. (11/06/1870).

- Oficio da delegacia de policia do Termo da Parnaíba do Sul endereçado ao chefe de

polícia da Província do Rio de Janeiro, Antonio Carneiro de Campos. (11/06/1870).

- Ofício do delegado de Polícia da cidade de Campos, endereçado ao chefe de Policia do

Rio de Janeiro. (25/10/ 1870).

- Termo de declaração do preto José Maria Joaquim Soares lavrado pelo chefe de polícia da

província do Rio de Janeiro, João José de Carvalho. (22/07/1870).

- Circular Reservada do Ministério da Guerra ao presidente da província do Rio de Janeiro.

(31/12/1869).

2.2. Arquivo Público do Estado da Bahia.

2.2.1. Ofícios, correspondências e documentos diversos.

(Seção Colonial e Provincial – maços 827, 830, 831, 832, 833, 1259, 3668, 3673).

- Ofícios do Quartel do Comando das Armas: 1867.

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- Ofícios do presidente da província da Bahia 1870.

- Ofício do presidente da província da Bahia à Câmara Municipal da cidade de Barra do Rio

Grande, de 24 de fevereiro de 1868. Câmara de Barra do Rio Grande. (24/02/1868).

- Correspondências do Ministério da Guerra ao presidente de província da Bahia 1867.

- Correspondências do Comando das Armas à presidência da província. 1867-1868.

- Avisos Recebidos do Ministério da Guerra – (1865-1868).

- Avisos Recebidos do Ministério do Império – 1870.

- Recrutamentos: 1865, maços 3490, 3492, 3493.

- Diversos: Guerra do Paraguai: (1865-1870).

Maços 3675 e 1673,

2.3. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

2.3.1. Requerimentos.

(Serie Guerra – Gabinete do Ministro 1g1 514.)

- Requerimento ao Conselheiro Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra por

Carvalho Pinto, procurador do Major Mizael Ferreira Paiva. Incluso autos do inquérito feito

pelo Juiz de Paz da freguesia de Alegre, termo da vila de D. Pedro de Cachoeira de

Itapemirim, província do Espírito Santo. (05/03/1868).

- Requerimento de Manoel Martins Nogueira, pelo seu procurador Antônio José Bruno ao

Imperador, Rio de Janeiro. (14/03/1868).

- Requerimento ao tenente-general ajudante do Exército pelo procurador de Mizael Ferreira

Paiva, Carlos Ernesto Silva, Rio de Janeiro. (20/07/1868).

- Requerimento encaminhado por Manoel Martins Nogueira ao ministro da guerra. Barão de

Muritiba, Rio de Janeiro. (19/10/1870).

- Requerimento endereçado ao Imperador D. Pedro II por Antônio José Bruno, procurador

do Manoel Martins Nogueira, Minas Gerais. (14/10/1868).

2.3.2. Ofícios

(Serie Guerra – Gabinete do Ministro 1g1 514).

- Oficio do Palácio do governo da Província do Rio de Janeiro endereçado ao Ministério da

Guerra, conselheiro João Lustoza da Cunha Paranaguá em Niterói; (29/01/1868).

- Ofício ao tenente-general do Quartel General do Exército por Carvalho Pinto, procurador

do Major Mizael Ferreira Paiva. (05/03/1868).

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- Oficio do tenente interino João de Souza Fagundes, Depósito Provisório da 1ª Linha, ao

tenente general João Frederico Caldwell, ajudante general do Exército, Rio de Janeiro.

(20/03/1868).

- Ofício ao conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretário de Estado

dos Negócios da Guerra, enviado pelo tenente-coronel João Frederico Caldwell, ajudante

general do Exército, Rio de Janeiro. (21/03/1868).

- Ofício ao ajudante general do Exército, tenente-general João Frederico Caldwell, por José

de Souza Fernandes, n. 635, Deposito, Rio de Janeiro. (07/04/1868).

- Ofício ao conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretário de Estado

dos Negócios da Guerra, enviado a Luis Carlos de Carvalho, Secretária da Policia da Corte,

Rio de Janeiro. (07/04/1868).

- Ofício de Manoel Barros Francisco de Roiz, coronel do Quartel Chefe da Secção, tenente-

coronel João de Souza Fagundes. Quartel no Campo de Aclamação. Rio de Janeiro.

(12/05/1868).

- Oficio ao tenente-general João Frederico Caldwell, ajudante General do Exército, por

Antonio Domingos Ferreira Bastos, Major Empregado na 1ª Secção, Repartição do

Ajudante General. Rio de Janeiro. (30/04/1868)

2.3.2.1. Ofícios (Fundo GIFI, notação 199).

- Ofício do Ministério da Guerra endereçado ao Ministério da Marinha. Rio de Janeiro.

(01/05/1868).

2.3.2.2. Ofícios (IG1-146 – Série Guerra – Ministério da Guerra (1866-1870).

- Oficio do Palácio do Governo do Rio de Janeiro ao Conselheiro João Lustosa da Cunha

Paranaguá, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra. Niterói. (07/06/1867).

- Oficio do Ministério da Guerra ao secretário de polícia da província do Rio de Janeiro,

Antônio Carneiro de Campos. Rio de Janeiro. (11/09/1867).

- Oficio da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro enviado pelo chefe de polícia, Antônio

Carneiro Campos, ao vice-presidente da província do Rio de Janeiro, Eduardo Pindahyba de

Mattos. Niterói. (10/09/18670).

- Oficio expedido por um soldado do corpo policial provisório da cidade de Niterói à

Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro. Niterói. (12/01/1868).

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- Oficio da Delegacia de Policia de Niterói enviado pelo delegado de polícia, Francisco

Antônio de Almeida, ao chefe de polícia interino da província do Rio de Janeiro, Antônio

Carneiro de Campos. Niterói. (03/06/1868).

- Oficio da Secretaria da Polícia da província do Rio de janeiro enviada à Eduardo

Pindahyba de Mattos, vice-presidente da província, pelo chefe de polícia, Antônio Carneiro

de Campos. Niterói. (06/06/1868).

- Ofício do Quartel do Comando do Asilo de Inválidos da Pátria enviado ao Conselheiro

Tenente General, João Frederico Caldwall, ao Ministério da Guerra. Rio de Janeiro.

(10/06/1868).

2.3.2.3. Ofícios (-IG1 - 535 rel. 1ª cx. 595. Série Guerra – Ministério da Guerra).

- Ofício do palácio da presidência de Santa Catarina por Carlos Augusto de Oliveira,

enviado ao Conselheiro de Estado Barão de Muritiba, Ministro e Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra. Rio de Janeiro. (27/04/1869).

- Ofício do chefe de policia interino, Ignácio Aciolli de Almeida, da Cidade do Desterro, ao

presidente da província de Santa Catarina. (30/11/1872).

2.3.2.4. Ofícios (-IG1 - 536 rel. 1ª cx. 596 - Série Guerra – Ministério da Guerra).

- Ofício do palácio da presidência de Santa Catarina, 19 de março de 1871, por Joaquim

Ferreira Gouveia. Enviado pelo Conselheiro de Estado Barão de Muritiba, Ministro e

Secretário de Estado dos Negócios da Guerra. Rio de Janeiro (19/03/1971).

- Ofício s do Conselheiro de Estado Barão de Muritiba Ministro e Secretário de Estado dos

Negócios da Guerra. (1871).

2.3.2.4. Ofícios (IG1 – 127 - Série Guerra – Ministério da Guerra (1870-1873).

- Ofícios do presidente da província ao ministro da guerra, Barão de Muritiba; Ministério da

Guerra – Bahia – (14/03/1870).

2.3.2.5. Ofícios (IJ6 – 518.)

- Oficio da Chefatura de Polícia ao Ilmo. Exmo. Sr. Conselheiro de Estado Francisco de

Paula Negreiros Sayão Lobato, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra.

Rio de Janeiro. (28/06/1871).

2.3.3. Pareceres (Serie Guerra – Gabinete do Ministro 1g1 514).

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- Parecer nº. 306 do coronel chefe da Secção, Manoel Roiz Barros Francisco Brito, da 1ª

Secção Repartição do Ajudante General, Rio de Janeiro. (20/07/1868).

- Parecer enviado pelo conselheiro José Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro Secretario

de Estado dos Negócios da Guerra Ministro, aos membros do Conselho Superior de Guerra,

Rio de Janeiro. (08/11/1870).

- Parecer do Conselho Superior de Guerra assinado pelo Duque de Caxias, Aguiar Eliziário

e Jordão Delamare, Rio de Janeiro. (05/12/1870).

2.3.4. Termos de declarações, autos de inquéritos, matrícula e comunicados (Serie Guerra –

Gabinete do Ministro 1g1 514).

- Termo de declaração de Albino Joaquim Lopes na Secretaria de Polícia da Corte, ao

desembargador Luiz Carlos de Paiva Teixeira, Rio de Janeiro. (20/04/1868).

- Termo de declaração do pardo Manoel remetido pelo ajudante general com o nome de

Benedito Antonio Gonçalves ao desembargador Luiz de Paiva Ferreira, chefe de Polícia.

Rio de Janeiro. (02/04/1868).

- Autos do inquérito feito pelo Juiz de Paz da freguesia de Alegre, termo da vila de D. Pedro

da Cachoeira de Itapemirim, província de Espírito Santo. (05/02/1868).

- Autos do inquérito para reconhecimento de posse do escravo Manoel por Manoel Martins

Nogueira. (06/04/1868).

- Comunicado enviado pelo tenente-coronel João de Souza Fragozo ao tenente-general

Abundante Geral do Exército, Quartel campo da Aclamação, Rio de Janeiro, (05/03/1868).

- Matricula do escravo Manoel, pertencente a Manoel Martins Nogueira, Capitania do Porto

da Corte e Província do Rio de Janeiro. (18/12/1857).

- Série Interior, Notação. 1870, IJJ 390 – A.

- Série Guerra, Administração, IG2, 22 Fundo 9K.

- Serie Guerra, Correspondência da Província de Santa Catarina ao conselheiro Barão de

Muritiba. (25/02/1869).

2.4. Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro.

2.4.1. – Ofícios (códice 44-1-47)

- Ofício expedido pelo Dr. José Antonio da Fonseca Lessa Engenheiro da Câmara. Rio de

Janeiro. (12/05/1870).

- Ofício expedido pelo comerciante Manoel Antonio Alves de Aguiar, Rio de Janeiro

(02/05/ 1870.

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2.5. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

2.5.1. – Correspondências e ofícios (Divisão de Manuscritos. Localização 34, 03, 006,

número 029).

- Correspondências do Conde D”Eu (1869).

- Correspondências do Barão de Muritiba (1869).

2.6. Arquivo Histórico do Exército no Rio de Janeiro

- Requerimentos do século XIX – 1868-1873.

3. PERIÓDICOS

3.1. Jornais

Opinião Liberal. Rio de Janeiro (1868-1870).

Diário de Minas, Ouro Preto (1868).

Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (1867-1875).

Diário de Noticias. Rio de Janeiro (1886).

O Constitucional, Ouro Preto (1868).

Jornal do Comércio. Rio de Janeiro (1867-1874).

Correio Paulistano. São Paulo (1868-1871).

Jornal da Bahia. Salvador (1870).

A Regeneração. Santa Catarina (1870).

A Reforma. Rio de Janeiro (1869-1877).

A Reforma. Porto Alegre (1870-1871).

A Folha da Tarde. Rio de Janeiro (1870).

A Vida Fluminense. Rio de Janeiro (1868-1871).

O Despertador. Santa Catarina (1870).

Diário Fluminense. Rio de Janeiro (1867).

Diário do Povo. Rio de Janeiro (1868).

Correio Nacional. Rio de Janeiro (1870).

O Publicador Maranhense. São Luiz do Maranhão (1870).

O Liberal. Recife (1870).

O Jequitinhonha. Diamantina (1870).

O Conservador de Minas. Ouro Preto (1870).

O Alabama, Salvador (1865-1867).

A Pátria. Niterói (1867).

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Gazeta de Campinas. Campinas (1870).

O Desterro. Cidade do Desterro (1870).

O Correio Mercantil. Cidade do Desterro (1870).

O Independente. Porto Alegre (1905-1907).

Informação Goiânia. Goiânia (1929).

3.2. Revistas

ALVES, Marieta. A Escravidão e a Campanha Abolicionista. Revista do Instituto Histórico

e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, 1985.

BASILE, Marcello Otávio Néri de Campos. Festas cívicas na Corte Regencial. Vária

Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, 2006.

BENTO, Cláudio Moreira. O Exército e a Abolição, In: Arno Wehling. A Abolição do

Cativeiro. Rio de Janeiro: Revista do IHGB, 1988.

BOCCANEIRA Jr., Sílio. A Bahia na Guerra do Paraguai In: Revista do Instituto

Geográfico e Histórico da Bahia, n. 72, 1945.

CASTRO SOUZA, Luiz de. Os Heróis e Mártires do Corpo de Saúde da Armada

Brasileira na Guerra do Paraguai. Separata da “Revista Marítima Brasileira” de abril, maio

e junho de 1966, Rio de Janeiro, 1966.

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dez. 2008, p. 81-82.

DUARTE, Paulo Queiroz. D. Pedro II e os Voluntários da Pátria. Anais do Congresso de

História do Segundo Reinado. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de

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ENDERS, Armelle “Plutarco brasileiro”: A produção dos vultos nacionais no Segundo

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Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Especial. Congresso Internacional de História da

América, 1922, vol. VII.

4. IMPRESSOS

- BRASIL. Anais do Senado Federal. Império (1869-1875).

- BRASIL. Anais do Senado Federal. República (1905-1907).

- BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Império (1869 -1876).

- BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. República (1905 -1907).

- BRASIL. Coleções de Leis do Império e da República (1869, 1870, 1871, 1907).

- BRASIL. Ministério de Guerra. Relatórios do Ministério dos Negócios da Guerra (1865-

1880). Rio de Janeiro.

- Instruções para o Serviço dos Inválidos. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra.

Rio de Janeiro (Anexos, Leis, Decretos e Instruções) Tipografia Nacional, 1868.

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- Secretaria do Estado dos Negócios da Guerra. Coleção das Ordens do Dia da Repartição

do Ajudante-General, publicado no ano de 1867-1868. Rio de Janeiro, Typografia

Universal de Laemmert, 1868/69.

- Ordens do Dia. Exército em operações na República do Paraguay. Rio de Janeiro: Typ.

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