Guerra Junqueiro =_= Contos para a Infancia

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  • 7/22/2019 Guerra Junqueiro =_= Contos para a Infancia

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    O Fato Novo do SultoEra uma vez um sulto, que despendia em vesturio todo o

    seu rendimento.Quando passava revista ao exrcito, quando ia aos passeios ou

    ao teatro, no tinha outro fim seno mostrar os seus fatos novos.

    Mudava de traje a todos os instantes, e como se diz de um rei:

    Est no conselho, dizia-se dele: est-se a vestir. A capital do seu

    reino era uma cidade muito alegre, graas quantidade de

    estrangeiros que por ali passavam; mas chegaram l um dia dois

    larpios, que, dando-se por teceles, disseram que sabiam fabricar o

    estofo mais rico que havia no mundo. No eram s

    extraordinariamente ricos os desenhos e as cores, mas alm disso, os

    vesturios, feitos com esse estofo, possuam uma qualidade

    maravilhosa: tornavam-se invisveis para os idiotas e para todos

    aqueles que no exercessem bem o seu emprego.

    So vesturios impagveis, disse consigo o sulto; graas aeles, saberei distinguir os inteligentes dos tolos, e reconhecer a

    capacidade dos ministros. Preciso desse estufo.

    E mandou em seguida adiantar aos dois charlates uma quantia

    avultada, para que pudessem comear os trabalhos imediatamente.

    Os homens levantaram com efeito dois teares, e fingiram que

    trabalhavam, apesar de no haver absolutamente nada nas

    lanadeiras.Requisitavam seda e ouro fino a todo o instante; mas

    guardavam tudo isto muito bem guardado, trabalhando at meia-

    noite com os teares vazios.

    Necessito saber se a obra vai adiantada.

    Mas tremia de medo, lembrando-se de que o estofo no podia

    ser visto pelos idiotas. E por mais que confiasse na sua inteligncia,

    achou em todo o caso prudente mandar algum adiante.

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    Todos os habitantes da cidade conheciam a propriedade

    maravilhosa do estofo, e ardiam em desejos de verificar se seria

    exato.

    Vou mandar aos teceles o meu velho ministro, pensou o

    sulto; tem um grande talento; ningum melhor do que ele podeavaliar o estofo.

    Entrou o honrado ministro na sala em que os dois impostores

    trabalhavam com os teares vazios.

    Meu Deus! Disse ele para si arregalando os olhos, no vejo

    absolutamente nada! Mas no entanto calou-se. Os dois teceles

    convidaram-no a aproximar-se, pedindo-lhe a opinio sobre os

    desenhos e as cores. Mostraram-lhe tudo, e o velho ministro olhava,

    olhava, mas no via nada, pela razo simplssima de nada l existir

    Meu Deus! Pensou ele, serei realmente estpido?

    necessrio que ningum o saiba! Ora esta! Pois serei tolo

    realmente! Mas l confessar que no vejo nada, isso que eu no

    confesso.

    Ento que lhe parece? Perguntou um dos teceles. Encantador, admirvel! Respondeu o ministro, pondo os

    culos. Este desenho estas cores, magnfico! Direi ao sulto que

    fiquei completamente satisfeito.

    Muito agradecido, muito agradecido, disseram os teceles, e

    mostraram-lhe de novo as cores e desenhos imaginrios, fazendo-lhe

    deles uma descrio minuciosa. O ministro ouviu atentamente, para

    ir depois repetir tudo ao sulto.Os impostores requisitavam cada vez mais seda, mais prata, e

    mais ouro; precisavam-se quantidades enormes para este tecido.

    Metiam tudo no bolso, claro; o tear continuava vazio, e apesar

    disso, trabalhavam sempre.

    Passado algum tempo, mandou o sulto um novo funcionrio,

    homem honrado, a examinar o estofo, e ver quando estaria pronto.

    Aconteceu a este enviado o que tinha acontecido ao ministro:

    olhava, olhava e no via nada.

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    No acha um tecido admirvel? Perguntaram os tratantes,

    mostrando o magnfico desenho e as belas cores, que tinham apenas

    o inconveniente de no existir.

    Mas que diabo! Eu no sou tolo! Dizia o homem consigo. Pois

    no serei eu capaz de desempenhar o meu lugar? esquisito! Masdeix-lo, no o deixo eu.

    Em seguida elogiou o estofo, significando-lhes toda a sua

    admirao pelo desenho e o bem combinado das cores.

    de uma magnificncia incomparvel, disse ele ao sulto.

    E toda a cidade comeou a falar desse tecido extraordinrio.

    Enfim, o prprio sulto quis v-lo enquanto estava no tear.

    Com um grande acompanhamento de pessoas distintas, entre as

    quais se contavam os dois honrados magnatas, dirigiu-se para as

    oficinas, em que os dois velhacos teciam continuamente, mas sem

    fios de seda, nem de ouro, nem de espcie alguma.

    No acha magnfico? Disseram os dois honrados funcionrios.

    O desenho e as cores so dignos de Vossa Alteza.

    E apontaram para o tear vazio, como se as outras pessoas queali estavam pudessem ver alguma coisa.

    Que isto! Disse consigo mesmo o sulto, no vejo nada!

    horrvel! Serei eu tolo, incapaz de governar os meus estados? Que

    desgraa que me acontece! Depois, de repente, exclamou:

    magnfico! Testemunho-vos a minha real satisfao.

    E meneou a cabea com um ar prazenteiro, e olhou para o

    tear, sem se atrever a declarar a verdade, Todas as pessoas dosquito olharam do mesmo modo, uns atrs dos outros, mas sem

    verem coisa alguma, e no entanto repetiam como o sulto:

    magnfico! Deram-lhe de conselho que se apresentasse com

    o fato novo no dia da grande procisso. magnfico! encantador!

    admirvel! exclamavam todas as bocas; e a satisfao era geral.

    Os dois impostores foram condecorados e receberam o ttulo de

    fidalgos teceles.

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    Na vspera do dia da procisso passaram a noite em claro,

    trabalhando luz de dezasseis velas. Finalmente fingiram tirar o

    estofo do tear, cortaram-no com umas grandes tesouras, coseram-no

    com uma agulha sem fio, e declaram, ao cabo, que estava o

    vesturio concludo.O sulto com os seus ajudantes de campo foi examin-lo, e os

    impostores levantando um brao, como para sustentar alguma coisa,

    disseram:

    Eis as calas, eis a casaca, eis o manto. Leve como uma teia

    de aranha; a principal virtude deste tecido.

    Decerto, respondiam os ajudantes de campo, sem ver coisa

    alguma.

    Se Vossa Alteza se dignasse despir-se, disseram os larpios,

    provar-lhe-amos o fato diante do espelho.

    O sulto despiu-se, e os tratantes fingiram apresentar-lhe as

    calas, depois a casaca, depois o manto. O sulto, tudo o que fazia,

    era voltar-se defronte do espelho.

    Como lhe fica bem! Que talhe elegante! Exclamaram todos oscortesos. Que desenho! Que cores! Que vesturio incomparvel!

    Nisto entrou o gro-mestre de cerimnias:

    Est porta o dossel sob o qual Vossa Alteza deve assistir

    procisso, disse ele.

    Bom! Estou pronto, respondeu o sulto. Parece-me que no

    vou mal.

    E voltou-se ainda uma vez diante do espelho, para ver bem oefeito do seu esplendor. Os camaristas que deviam levar a cauda do

    manto, no querendo confessar que no viam absolutamente nada,

    fingiam arrega-la.

    , enquanto o sulto caminhava altivo sob um dossel

    deslumbrante, toda a gente na rua e s janelas exclamava: Que

    vesturio magnfico! Que cauda to graciosa! Que talhe elegante!

    Ningum queria dar a perceber que no via nada, porque isso

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    equivalia a confessar que era tolo. Nunca os fatos do sulto tinham

    sido to admirados.

    Mas parece que vai em cuecas, observou um pequerrucho, ao

    colo do pai.

    a voz da inocncia, disse o pai.H ali uma criana que diz que o sulto vai em cuecas.

    - Vai em cuecas! vo em cuecas! exclamou o povo

    finalmente.

    O sulto ficou muito aflito, porque lhe pareceu que realmente

    era verdade. Entretanto tomou a enrgica resoluo de ir at ao fim

    e os camaristas submissos continuaram a levar com o mximo

  • 7/22/2019 Guerra Junqueiro =_= Contos para a Infancia

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    oa sentena

    Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro dumalforge uma quantia em oiro bastante avultada. Anunciou que daria

    cem mil ris de alvssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe

    em casa um honrado campons levando o alforge. O nosso homem

    contou o dinheiro, e disse:

    Deviam ser oitocentos mil ris, que foi a quantia que eu

    perdi; no alforge encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que

    recebeste adiantados os cem mil ris de alvssaras: estamos pagos por

    conseguinte.

    O bom campons, que nem por sombras tocara no dinheiro, no

    podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos.

    Foram ter com o juiz, que, vendo a m-f do avarento, deu a

    seguinte sentena:

    Um de vs perdeu oitocentos mil ris; o outro encontrou

    um alforge apenas com setecentos: Resulta da claramente que o

    dinheiro que o ltimo encontrou no pode ser o mesmo a que o

    primeiro se julga com direito. Por consequncia tu, meu bom

    homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o at que apareao indivduo que perdeu somente setecentos mil ris. E tu, o nico

    conselho que passo a dar-te, que tenhas pacincia at que aparea

    algum que tenha achado os teus oitocentos mil ris.

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    O Fato Novo do Sulto

    Joo era filho de uma pobre viva, bom rapaz, mas um tantosimplrio. A gente da aldeia chamava-lhe, brincando, o Joo Pateta.

    Um dia mandou-o a me feira comprar uma foice. volta,

    comeou a andar com a foice roda, de maneira que a foice feriu

    uma ovelha, e matou-a.

    Pateta, disse-lhe a me, o que devias ter feito era meter a

    foice num dos carros de palha ou de feno de qualquer dos vizinhos.

    Perdo, me, respondeu humildemente o Joo, para a outra

    vez serei mais esperto.

    Na semana seguinte mandou-o comprar agulhas, recomendando-

    lhe que no as perdesse.

    Fique descansada. E voltou orgulhoso.

    Ento, Joo, onde esto as agulhas?

    Ah! em lugar seguro. Quando sa da loja onde as comprei, ia

    a passar o carro do vizinho carregado de palha; guardei-as l, no

    podem estar em melhor stio.

    Em to bom stio, que se no tornam a ver. s um

    brutinho, devias t-las espetado no chapu. Perdo, tornou o Joo, para a outra vez hei-de ser mais

    esperto.

    Na outra semana, por um dia de calor, o Joo foi dali uma

    lgua comprar um pouco de manteiga. Lembrando-se do ltimo

    conselho de sua me, ps a manteiga dentro do chapu e o chapu

    na cabea. Imagine-se o estado em que apareceu em casa, com acara a escorrer manteiga derretida.

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    A me j tinha medo de o mandar a qualquer recado. No

    entanto, um dia, disse-lhe que fosse feira vender galinhas.

    Ouve bem, no vendas logo pelo que te derem. Espera a

    segunda oferta.

    Fico entendido, respondeu Joo. Foi para a feira. Um fregus

    chegou-se a ele.

    Queres seis tostes por essas galinhas?

    Ora adeus! Minha me recomendou-me, que no aceitasse o

    primeiro preo, mas que esperasse o segundo.

    E tem muita razo. Dou-te um cruzado.Est bem. Parece-me que tinha feito melhor em aceitar o

    primeiro, mas, como cumpro as ordens de minha me, ela no tem

    que me ralhar.

    Depois disto, o Joo foi condenado a ficar em casa. Sua me

    sabia que mangavam com ele, e se riam dela. Um dia quis fazer uma

    experincia e disse:Vai vender este carneiro feira. Mas no te deixes enganar.

    No o entregues seno a quem te der o preo mais elevado.

    Est bem, agora entendo, e sei o que hei-de fazer.

    Quanto queres por esse carneiro?

    Minha me disse-me que no o vendesse seno pelo preo

    mais elevado.

    Quatro mil-ris.

    o preo mais elevado?

    Pouco mais ou menos.

    minha a l e o carneiro, disse um rapaz que trepara a uma

    escada.

    Quanto?

    Dez tostes.

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    menos, respondeu timidamente o Joo.

    Sim, mas vs at onde chega esta escada. Em toda a feira

    no h um preo mais elevado.

    Tem razo. seu o carneiro.

    Desde esse dia, o Joo Pateta no tornou a ser encarregado de

    vender ou comprar fosse o que fosse.