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  • RPD Revista Profisso Docente, Uberaba, v.11, n. 24, p. 53-67 , jul/dez. 2011 ISSN 1519-0919

    PROCESSOS DE (AUTO) FORMAO DOCENTE NO COTIDIANO DA

    ESCOLA: HORIZONTES DE POSSIBILIDADES

    PROCESSES (AUTO) TEACHING IN SCHOOL EVERYDAY: HORIZONS OF

    POSSIBILITIES

    Guilherme Val Toledo Prado

    Doutor em Educao UNICAMP

    [email protected]

    Jacqueline de Ftima dos Santos Morais

    Doutora pela UNICAMP. Professora do CAP- UERJ

    [email protected]

    Mairce da Silva Arajo

    Doutora pela UFRJ. Professora da Faculdade de Formao de Professores da UERJ

    [email protected]

    RESUMO

    O presente texto coloca em dilogo experincias em formao continuada de

    professores/as desenvolvidas por dois grupos de pesquisa: o VOZES da Educao - Ncleo

    de Pesquisa e Extenso: Vozes da Educao: Memria(s) e Histria(s) e Formao de

    Professores(as), sediado na Faculdade de Formao de Professores da Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro e o GEPEC Grupo de Pesquisa e Estudos em Formao

    Continuada, sediado na Faculdade de Educao da Universidade Estadual de Campinas,

    em Campinas, no Brasil. Esses grupos entendem que os processos formativos docentes

    devem ser centrados na escola, nas narrativas e experincias docentes, e no nas

    experincias e narrativas dos formadores docentes. Desta forma, compartilharemos

    algumas experincias de formao continuada que tem sido desenvolvidas em So Gonalo

    e Campinas, como o "Frum de Alfabetizao, Leitura e Escrita" e o "Fala Outra Escola".

    Palavras-chave: Formao de professores; formao continuada; narrativas docentes.

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    RPD Revista Profisso Docente, Uberaba, v.11, n. 24, p. 53-67 , jul/dez. 2011 ISSN 1519-0919

    ABSTRACT

    This text puts into dialogue experiences in continuing education of tutors developed by two

    research groups: the Voices of Education - Center for Research and Extension: Voices of

    Education: Memory (s) and History (s) and Teacher Training (as), based at the School of

    Teacher Education at the State University of Rio de Janeiro and GEPEC - Group Research

    and Studies in Continuing Education, based at the Faculty of Education, University of

    Campinas, in Campinas, Brazil. These groups understand the formative processes that

    teachers should be focused on school and teaching experiences in narratives, rather than

    experiences and narratives of faculty trainers. Thus, we will share some experience of

    continuing education that has been developed in Campinas and So Gonalo as the "Forum

    for Literacy, Reading and Writing" and "Speak Other School. "

    Keywords: teacher training, continuing education, teacher narratives.

    No presente artigo, buscamos contribuir para a construo de horizonte de possibilidades,

    como to bem indica Bakthin, no movimento de construo de uma escola e de fazeres

    docentes inspirados em referenciais terico-metodolgicos ticos porque solidrio,

    estticos porque reencantado, polticos porque participativo, como nos ensina Boaventura

    Santos.

    Colocamos em dilogo experincias em formao continuada de professores/as

    vivenciadas na ltima dcada em dois grupos de pesquisa com os quais partilhamos nossas

    investigaes interessadas: o VOZES da Educao - Ncleo de Pesquisa e Extenso:

    Vozes da Educao: Memria(s) e Histria(s) e Formao de Professores(as), sediado na

    Faculdade de Formao de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em

    So Gonalo, municpio pertencente ao Estado do Rio de Janeiro, e o GEPEC Grupo de

    Pesquisa e Estudos em Formao Continuada, sediado na Faculdade de Educao da

    Universidade Estadual de Campinas, em Campinas, municpio pertencente ao Estado de

    So Paulo, no Brasil.

    Falando um pouco de ns:

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    Criado em 1996, na Faculdade de Formao de Professores da Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro, So Gonalo, Rio de Janeiro, o Ncleo de Pesquisa e Extenso:

    Vozes da Educao: Memria(s) e Histria(s) e Formao de Professores(as), Vozes,

    conta, hoje, com dez pesquisadores/as doutores/as, cujas pesquisas dialogam entre si1.

    Comprometendo-se, desde a sua criao, com a produo de um conhecimento prudente

    para uma vida decente, como defende Santos (2006), o Vozes tem destacado as questes

    ticas como um dos princpios poltico-epistemolgicos das suas prticas de extenso e

    investigao.

    Tendo como objetivo principal contribuir para a reconstruo da memria e da

    histria da educao da cidade de So Gonalo, a partir da articulao pesquisa-ensino-

    extenso, temos vindo a afirmar e a defender que preciso ouvir as vozes da escola para

    com elas dialogar, j que, historicamente, as escolas e os seus sujeitos professores,

    professoras, funcionrios e funcionrias, alunos, alunas, pais e mes no tm sido

    reconhecidos como principais narradores e narradoras da sua prpria histria .

    Ao longo de quatorze anos, foram desenvolvidas diferentes aes investigativas-

    formativas buscando constituir espaos de memria, de narrao e de formao com

    alunos, alunas, bolsistas, professores e professoras, funcionrios, funcionrias e dirigentes

    das escolas gonalenses, representantes sindicais e representantes do poder pblico, num

    permanente dilogo com a cidade de So Gonalo.

    Nesse permanente dilogo com os diferentes setores sociais externos e internos

    comunidade universitria, entendemos estar contribuindo para a construo de novas

    ticas, questionadoras de uma viso monocultural do saber e do rigor do saber, ainda

    hegemnica em nossa sociedade, que elegeu a cincia moderna como critrio nico de

    verdade, e a Universidade e os seus intelectuais como os legtimos representantes desse

    saber. medida que reconhecemos os sujeitos escolares, os representantes sindicais ou do

    poder pblico como interlocutores e coautores no processo de produo de conhecimento,

    favorecemos o reconhecimento de outros saberes e de outros critrios de rigor em curso

    nos diferentes contextos e prticas sociais, representantes de uma ecologia de saberes2

    (Santos, 2006) que fundamentam a emergncia de ticas plurais.

    A pesquisa Alfabetizao, Memria e Formao de Professores, articulada ao Vozes, coordenada por Mairce da Silva Arajo, tem sido desenvolvida desde 2004.

    Durante tal perodo, temos construdo parcerias com diferentes escolas da rede pblica de

    So Gonalo e socializado as nossas discusses em diferentes espaos acadmicos.

    Concebemos, em nossas investigaes, o quotidiano escolar como espao-tempo de tenso

    entre conhecimentos e prticas de regulao e emancipao (Santos, 2006) e, tambm,

    como locus privilegiado de circulao e resgate de saberes, histrias e memrias, bem

    como de preservao e (re)criao da cultura local.

    1 http://www.sr3.uerj.br/resite/pro/consulta2008/mostra.asp?controle=2149

    2 A ecologia dos saberes uma alternativa epistemolgica, proposta por Boaventura Sousa Santos, como

    parte de uma sociologia das ausncias, que visa colocar em questo a lgica metonmica da monocultura

    do saber e do rigor cientfico, a partir da identificao de outros saberes e outros critrios de rigor

    presentes em contextos e prticas sociais.

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    Privilegiamos uma metodologia de investigao-formao (Josso, 2002), buscamos

    constituir no e com o quotidiano escolar um movimento coletivo de aoreflexo-ao,

    envolvendo professoras em formao inicial do Curso de Pedagogia e professoras j

    atuantes da rede pblica em formao continuada. Da mesma forma, trazemos essas

    reflexes para o espao acadmico, durante o perodo de aulas, exercitando com os/as

    futuros/as docentes uma escuta sensvel (Barbier, 1992), que percebe a relao

    Universidade-Escola como uma via de mo dupla na qual os conhecimentos circulam do

    interior da universidade para a escola, mas, tambm, do cotidiano escolar para a

    universidade.

    A pesquisa tem como objetivo possibilitar um movimento de reflexo dos/as

    professores/as acerca de sua prpria histria com vistas a garantir a sistematizao e a

    organizao dos registros dessa memria e, ao mesmo tempo, fortalecer a dimenso

    pesquisadora da formao docente. Coerente com esses propsitos mais amplos, ao longo

    de seus sete anos, a pesquisa investiu na constituio de ncleos de memria nas escolas

    buscando construir parcerias com os sujeitos escolares. Por meio de oficinas da memria

    - que na perspectiva trabalhada, so reconhecidas como espaos de produo coletiva de

    conhecimentos - professores(as), funcionrios(as) e dirigentes vm sendo convidados a

    resgatar/reconstruir a memria da escola e da prpria trajetria profissional com vista ao

    movimento da(auto)formao.

    Outro Projeto de Pesquisa e Extenso articulado ao Vozes, que tambm tem como

    base a relao Universidade e Escola Bsica, o Frum de Alfabetizao, Leitura e

    Escrita de So Gonalo ( FALE SG) . Tal projeto coordenado por Jacqueline de Ftima

    Santos Morais, Mairce da Silva Arajo e Anelice Ribeto, tendo um carter

    interinstitucional, construdo desde 2006, envolvendo a Universidade Federal do Estado do

    Rio de Janeiro (UNIRIO) e a Faculdade de Formao de Professores (FFP), objetivando

    estender essa parceria em 2011 Faculdade de Educao da UNICAMP atravs do FALE

    Campinas. A parceria estruturada atravs de atividades de ensino, pesquisa e extenso tem

    como referncia a narrativa das professores/as alfabetizadores/as sobre suas prprias

    prticas. A base do trabalho conjunto tem como eixo articulador encontros peridicos

    realizados mensalmente tendo como pblico preferencial professores e professoras que

    atuam na Educao Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e estudantes do

    Curso de Pedagogia

    O principal objetivo dos encontros do FALE garantir espaos de socializao,

    investigao, discusso e reflexo sobre a prtica alfabetizadora que acontece no cotidiano

    escolar. Fortalecendo espaos dialgicos como esses, nos quais os/as docentes so

    convidados/as a colocarem as suas palavras, dvidas, certezas e incertezas, colocamo-nos

    favorveis a uma vertente de pesquisa que busca produzir um conhecimento junto com as

    professoras e no sobre suas prticas. O estranhamento, desnaturalizao e ampliao dos

    saberes e fazeres docentes so perseguidos atravs da articulao entre a prtica e a teoria.

    A cada encontro, um(a) professor(a) pesquisador(a) vinculado(a) universidade e

    um(a) professor(a) pesquisador(a) vinculado escola bsica so convidados para conversar

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    sobre um tema (previamente definido a partir da demanda do prprio grupo) que atravessa

    a prtica alfabetizadora cotidiana buscando caminhos para que a apropriao da leitura e da

    escrita seja, desde os primeiros momentos, um exerccio da autoria e do pensamento

    crtico.

    O GEPEC Grupo de Pesquisa e Estudos em Educao Continuada, coordenado

    por Guilherme Val Toledo Prado, tem por objetivo sistematizar e aprofundar

    conhecimentos e saberes a respeito da pesquisa-ao, produo de conhecimentos e saberes

    na escola e na universidade, compreender e aprofundar o conceito de "currculo em ao",

    bem como fomentar pesquisas de professores-pesquisadores e profissionais da escola,

    tomando como referncia as prticas cotidianas produzidas em diversas instncias

    educacionais. A partir disso pretende-se construir caminhos empricos para o

    desenvolvimento de trabalhos de formao profissional, inicial e continuada, na conjuntura

    atual, atravs de trabalhos em parceria - professores da universidade, estudantes de

    pedagogia e licenciatura e equipes escolares - em busca da compreenso da escola em toda

    a complexidade que a caracteriza.

    A linha de pesquisa predominante no grupo Ensino e Formao de Professores.

    Nesta linha, o grupo est envolvido em 2 grandes projetos de pesquisa: a) A Construo

    Epistemolgica de modos de pesquisa que atendam as necessidades investigativas tanto da

    escola, quanto da universidade; b) Tramas Peculiares no Cotidiano da Escola.

    O GEPEC tem sido espao privilegiado para sistematizar e aprofundar a produo

    de conhecimentos e saberes na escola e na universidade, fomentando estudos e pesquisas

    de e com profissionais da educao.

    Desde 1999, o Grupo organiza encontros com objetivo de criar espao para as

    diversas vozes da escola veicularem suas produes. Inicialmente, em Encontro

    denominado "Fala Professora", os professores tiveram oportunidade de dizer de seu

    trabalho. Com a inteno de tomar a escola como espao que transcende a ao docente,

    em 2002 foi criado o Seminrio "Fala (outra) Escola". Buscvamos explicitar as produes

    elaboradas no cho das escolas a procura dos indcios para sua legitimao na sociedade,

    engendrando, assim, um campo no qual so manifestas as possibilidades da escola intervir

    na construo social de uma "educao outra", mais humana, no-mercadolgica, pautada

    na formao do educando como sujeito histrico e produtor de sua histria. Nesse

    Seminrio foram abordadas as tenses vividas pelos sujeitos no cotidiano das escolas,

    tenses que perpassam as polticas impostas aos educadores, construindo a imagem de sua

    culpabilizao, bem como apresentadas experincias reveladoras das resistncias ativas

    emergentes nas prprias escolas.

    Na segunda edio do Seminrio, a nfase foi escola como espao-tempo de

    produo. Trs foram os eixos escolhidos: humanizao das relaes; trocas culturais e

    produo de conhecimentos. A terceira edio se props a trabalhar com experincias que

    movimentam pesquisas culminando na (re)inveno e (re)constituio do fazer

    pedaggico. O ltimo Seminrio, realizado em 2008, abordou "Histrias Narradas &

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    Cotidianos Vividos". Com o desejo de provocar dilogos sobre as produes cotidianas no

    trabalho escolar, cinco eixos bsicos incentivaram os debates: Formao no cotidiano

    escolar; Narrativa memria e autoria; Prticas curriculares em e com diferentes reas de

    conhecimento; Experincias pedaggicas compartilhadas; e Reflexividade e trabalho

    coletivo. Em 2010, histrias de vida e de docncia de quatro professoras do estado de

    Sergipe, retratadas no filme "Carregadoras de Sonhos", inspiraram o nosso Seminrio.

    "Carregando sonhos", seguimos apostando na produo e partilha de narrativas que

    do vozes e sentidos a uma "escola outra", fomentando dilogos e debates acerca das

    relaes e saberes construdos na instituio escolar. Convidamos a todos partilha de

    experincias que alimentem sonhos em salas de aula... Narrar, questionar e, assim, produzir

    prticas diferenciadas na construo da escola de nossos sonhos (compartilhados)!

    A pesquisa Narrativas Pedaggicas: percursos e indcios de saberes, conhecimento

    e desenvolvimento profissional, desenvolvida por Guilherme do Val Toledo Prado, desde

    2007, procura evidenciar, a partir das escritas cotidianas de professores e profissionais da

    escola, como os saberes e conhecimentos se manifestam, bem como evidenciar os

    processos de desenvolvimento pessoal e profissional inscritos nessas escritas.

    A pesquisa tem como objetivo no s possibilitar a emergncia de um movimento

    reflexivo inscrito no cotidiano escolar, possibilitando um movimento de reflexo entre os

    professores, ao mesmo tempo que fortalece o carter autoral das reflexes nomeadamente

    pedaggico-educativas que os diferentes profissionais da educao realizam no contexto

    escolar.

    Atualmente, a partir do contato com grupos de pesquisas que discutem

    alfabetizao, como o GRUPALFA da Universidade Federal Fluminense e, mais

    especificamente, o Ncleo de Estudos e Pesquisas: Prticas Educativas e Cotidiano da

    UNIRIO, coordenado pela Profa. Dra. Carmen Sanches Sampaio, o GEPEC formou um

    grupo de estudos de alfabetizao. Nossa inteno , a partir da discusso de problemas e

    solues relativas alfabetizao no cotidiano das escolas com professoras-

    alfabetizadoras, fomentar a ampliao dessas discusses a partir de Fruns da

    Alfabetizao, Leitura e Escrita, como tem acontecido na UNIRIO e na FFP, fazendo uma

    edio desses fruns na cidade de Campinas.

    Os cantos terico-metodolgicos que nos aproximam:

    Historicamente, a formao de professores/as tem acontecido, fundamentalmente,

    nos espaos formais: tanto a inicial, vista como tarefa da universidade e das escolas de

    formao de ensino mdio. Tanto o modelo de formao continuada quanto o de formao

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    inicial tm recebido tradicionalmente inmeras crticas por parecer no conseguir dar conta

    dos complexos desafios que se colocam para o magistrio. Ambos tm sido acusados de

    assumirem um modelo de racionalidade tcnica, e de no permitirem, com isso, a

    construo de prticas formativas potencializadoras do resgate de memrias, histrias e

    narrativas das professoras em formao.

    Contudo, as escolas, em tempos e espaos diversos, tm dado pistas de que tm

    vivido e construdo em seu cotidiano formas de resistncia e enfrentamento por vezes

    silenciosos e tmidos, mas que nos revelam que a escola se reinventa a cada dia. No na

    sonolncia dos dias que se seguem, mas na pulsao das experincias que acontecem.

    So movimentos instituintes instaurados por professores/as por todo o pas que

    crescem nos interstcios dos processos institudos. Movimentos negados, invisibilizados,

    clandestinos. Movimentos que revelam (ou escondem) espao e tempos de criao

    compartilhada, lcus marcados pela busca da autoria coletiva.

    Do cotidiano das escolas, da vida e da profisso docente de cada uma de ns, novas

    alternativas ao que est posto s polticas educacionais, aos projetos impostos, ao que vem

    de cima para baixo, s polticas de formao continuada, so tecidas. No interior dessa

    escola, mas de muitas outras espalhadas pelos cantos e esquinas, visivelmente invisveis,

    professores e professoras esto a construir e reconstruir experincias, fazendo e refazendo

    a histria, sem glrias, anonimamente.

    neste sentido que afirmamos que professores e professoras no so apenas

    consumidores/as dos pacotes pedaggicos que caem sobre suas cabeas a cada nova

    gesto administrativa, ou das novidades metodolgicas que a cada momento lhes so

    apresentadas como o moderno ou o avanado, mas so produtores/as (Certeau, 1994) de

    fazeres, projetos e polticas formuladas a partir do clculo do horizonte de possibilidades

    (Bakthin) que efetivam no presente opes metodolgicas conjugando as experincias

    passadas com as possibilidades de futuro, reafirmando-se, dessa forma, como sujeitos do

    conhecimento.

    Consideraes como essas tm-nos motivado a pensar a formao continuada a

    partir de uma perspectiva denominada por Canrio (2006) de processos formativos

    docentes centrados na escola, buscando nos afastar de prticas formativas docentes, ainda

    de natureza hegemnica, que tomam as experincias e narrativas inspiradas nos fazeres e

    dizeres dos formadores como textos modelares, base e centro da formao

    Temos perseguido, em nossas pesquisas e nas prticas formativas continuadas que

    alimentam e so alimentadas por aquelas, a produo de um conhecimento que reconhea a

    escola como um lugar legtimo de produo de saberes legtimos e legitimados, o que

    pressupe problematizar a ideia de que as universidades, as secretarias de educao e os

    centros de formao exteriores a escola, so os lcus privilegiados de produo de

    conhecimento.

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    Tomar a escola como centro das prticas de formao continuada requer pensar a

    escola na contramo do que se tem anunciado sobre ser e estar na docncia: um estado

    permanente de crise e incompetncia .

    no sentido de construir um olhar crtico sobre, mas especialmente com a escola,

    um olhar que nos afaste da curiosidade ingnua que caracteriza a leitura pouco rigorosa

    do mundo (Freire, 2001:11) e diramos: da escola - que fomos em busca do que o autor

    chamou de curiosidade exigente, porque implicada em um exerccio: o da viso crtica da

    realidade. E em nosso caso, da formao continuada. Essa curiosidade exigente nos instiga

    a buscar o carter complexo (Morin) daquilo que desejamos discutir neste trabalho: a

    concretude de experincias de formao continuada em espaos pblicos de ensino.

    Defendemos, aliadas a Paulo Freire, que a professora , por fora da natureza de

    seu trabalho, pesquisadora, pois, quando ensina, aprende, e quando aprende, melhor pode

    ensinar. Buscamos, portanto, em nossas aes de pesquisa e de interveno na realidade,

    investir numa formao que afirme a professora como pesquisadora de sua prpria prtica,

    pois entendemos que essa atitude possa favorecer a construo de prticas alfabetizadoras

    mais favorveis aos alunos e alunas. A professora que v na investigao de sua prpria

    prtica um importante instrumento de ao entende que alfabetizar seus alunos requer

    entender a lgica das aes infantis, mas tambm de suas prprias aes. A professora

    pode, ento, vendo-se refletida no espelho, ver tambm nesta imagem seus alunos e alunas,

    desejando para si e para eles, um horizonte de novas possibilidades.

    Pesquisando com a escola e no sobre a escola, e, consequentente, produzindo um

    conhecimento junto com as professoras e no sobre suas prticas, entendemos poder

    contribuir para fortalecer um paradigma de formao docente que questiona uma viso

    monocultural do saber, que elegeu a cincia moderna como critrio nico de verdade, e a

    Universidade e os seus intelectuais como os legtimos representantes desse saber, tal como

    denuncia Santos (2006) .

    Investigando com a escola e no sobre a escola, aproximamo-nos de outros/as

    pesquisadores/as, Garcia (2006), Alves ( 2002), Oliveira ( 2002 ), citando apenas

    alguns/as, que reconhecem as professoras e a escola como interlocutoras e coautoras

    legtimas no processo de produo de conhecimento, o que tem favorecido a emergncia e

    o reconhecimento de outros saberes, integrantes de uma ecologia de saberes3 (Santos,

    2006) que fundamenta a emergncia de prticas interculturais4.

    3 A ecologia dos saberes uma alternativa epistemolgica, proposta por Boaventura Sousa Santos, como

    parte de uma sociologia das ausncias, que visa colocar em questo a lgica metonmica da monocultura

    do saber e do rigor cientfico, a partir da identificao de outros saberes e outros critrios de rigor

    presentes em contextos e prticas sociais.

    4 Vieira(2006) defende que, diante da multiculturalidade cada vez mais presente nas salas de aula,

    urgente pensarmos na formao de professores interculturais. Professores que possam contribuir para

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    Tudo isso tem-nos ajudado a problematizar a ideia ainda hegemnica de que as

    universidades, as secretarias de educao e os centros de formao exteriores escola so

    os lcus privilegiados de produo de conhecimento e, portanto, os mais adequados a

    pensar e propor projetos de formao continuada para a escola. Temos, portanto, em

    nossas aes e pesquisas, defendido a escola como centro da formao continuada. Isto

    implica compreender a professora como pesquisadora de sua prtica, entendendo que essa

    atitude pode favorecer a construo de prticas educativas mais favorveis aos alunos e

    alunas. A professora que v na investigao de sua prpria prtica um importante

    instrumento de ao pode contribuir, nos espaos coletivos de formao, com outras

    professoras, narrando suas experincias, compartilhando suas inquietaes e socializando

    seus avanos. Desta maneira, v em seu cotidiano e no das colegas o carter de

    acontecimento do vivido, percebendo na experincia construda na escola um intenso

    valor, produzido em uma vida em devir. (Bakthin, 2000:172)

    Temos privilegiado como metodologia a investigao-formao (Josso, 2002) que

    v a investigao como uma prtica de formao e faz das prticas de formao

    instrumentos de investigao, buscando constituir no e com o cotidiano escolar um

    movimento coletivo de aoreflexo-ao, no qual professores/as, estudantes e se tornam

    companheiros/as de trabalho e coautores/as do conhecimento produzido.

    Nosso esforo nos processos de formao continuada em parceria com a escola

    bsica o de tecermos, juntos, um lugar exotpico (Bakthin, 2000) a fim de encontrar na

    palavra do outro possibilidades de compreenso e ressignificao dos fazeres ordinrios

    (Certeau, 1994) que so narrados nos encontros nas escolas onde temos desenvolvido

    nossas aes em parceria.

    Entre cantos, teias e manhs: alguns flashes das pesquisas centradas na escola

    Primeiro flash

    Os encontros de formao continuada nas escolas-parceiras, nas quais temos

    vivido processos de investigao-formao, tm confirmado para ns a importncia de

    buscar tecer junto s professoras no cotidiano escolar lugares exotpicos que nos

    possibilitem viver a escola como autoconhecimento, favorecendo igualmente o processo de (auto)formao compartilhada.

    Os dilogos a seguir so fragmentos de nossas conversas interessadas com os/as

    formar crianas tambm interculturais que podendo ser diferentes, possam no entanto comunicar-se .

    Professores que sejam capazes de por em prtica pedagogias da divergncia e no apenas da

    convergncia.(,p. 30)

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    professores/as na escola em busca da constituio desses lugares exotpicos.

    Mandava Daniel ler o que estava escrito no quadro e ele lia B-I-A,

    nomeando cada letra separadamente, deixando a entender que para ele,

    isso era ler. Durante um tempo o processo permaneceu dessa forma. At

    que um dia, de tanto insistir na leitura ele percebeu, e disse Tia, ali est

    escrito BIA? De um dia para o outro ele consegui juntar as slabas e

    ler. (Fragmento da narrativa da Professora Renata)

    Instigada pela narrativa de Renata, outra professora do grupo questionou como era

    possvel que de um dia para outro uma criana aprendesse a ler e, instigando ainda mais a

    discusso, trouxe exemplos semelhantes de sua prpria experincia.

    A partir da indagao inicial, o grupo se viu provocado a buscar os conhecimentos

    que Daniel parecia revelar em seu processo de aquisio da lngua escrita: o

    reconhecimento de determinado conjunto de letras como uma palavra, a linearidade da

    escrita, a identificao dos sinais grficos como letras, conhecimentos que, pela fala que ia

    sendo tecida pelas professoras coletivamente, parecia ter possibilitado ao menino chegar

    relao fonema/grafema, resultando na ressignificao do sentido e do ato de ler e

    possibilitando criana um salto de qualidade (Vygotsky, 1986), que a levou a se

    apropriar da base alfabtica da lngua o que para a escola o sucesso na aprendizagem.

    Ento, conclui Renata, depois de intensa discusso coletiva, "... eu no tinha visto

    isso: o que os alunos vo aprendendo aos poucos, fica parecendo para mim que foi de

    repente", reafirmando para ns que a mediao das demais professoras durante a discusso

    sobre o processo de conhecimento daquele aluno pode produzir, tambm na professora, um

    salto de qualidade, inscrevendo-a, como diria Josso (2002) , num projeto de

    (auto)conhecimento que a institua como sujeito.

    Nos grupos em que temos vivido o processo de (auto)formao centrado na escola,

    temos frequentemente encontrado "o/a professor/a da escola bsica que interroga a sua

    prtica, investiga, documenta o seu trabalho, analisa, faz leituras, dialoga e constri uma

    forma de compreenso da realidade". (Cunha e Prado, 2007:19). So professoras que,

    tomando a prtica como objeto de reflexo, ultrapassam os limites impostos por uma dada

    racionalidade tcnica que as reconhece apenas como quem aplica teorias, indo em direo

    afirmao e reconhecimento de si e das outras professoras como produtoras/autoras de

    uma teoria em movimento produzida no e com o cotidiano escolar.

    Em outro momento, pudemos ver novamente a solidariedade de preocupaes e a

    importncia dos espaos de narrativa no interior das escolas quando, diante da fala de uma

    das professoras, outra responde:

    -Eu no entendo por que essas crianas no conseguem aprender, se so

    to espertas. Tem que haver uma explicao para isso.

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    -E tem que haver uma maneira de elas aprenderem.

    Constatar apenas no basta. preciso garantir que todos aprendam e, para isso,

    temos confirmado em nossas pesquisas ser necessrio uma dose de inconformismo e

    indignao com relao produo do fracasso escolar. E preciso, tambm, reconhecer e

    potencializar os saberes que as professoras constroem acerca das crianas e, nesse

    movimento, problematizar saberes congelados.

    Segundo flash

    Considerando que da imprevisibilidade do cotidiano e nas prticas heterogneas

    que emerge o que est ausente nas teorias educacionais propaladas e propagadas nos

    processos formativos docentes, que sentido tem o registro desses acontecimentos? Pode

    existir uma escrita que capture esses acontecimentos imponderveis e manifeste a

    potencialidade dos saberes cotidianos e que possa (re)orientar as prticas educativas nas

    escolas?

    Em um grupo de professores, o GEPEC de Tera, na FE/UNICAMP, as narrativas

    cotidianas escritas (Fernandes e Prado, 2008) tomaram a forma de pipocas pedaggicas,

    retratinhos 3X4 desses acontecimentos cotidianos, que no tm a pretenso de explicar ou

    teorizar esses acontecimentos, mas pretendem problematizar e potencializar (Prado e

    Cunha, 2007) um olhar/ver e um ouvir/escutar mais sensvel (Lacerda, 2009) para os

    (des)encontros cotidianos, bem como para re-constituir a cumplicidade entre os sujeitos

    que nelas esto imersos.

    O GEPEC de Tera um espao aberto, com encontros quinzenais s teras-feiras,

    em que os profissionais da educao podem permanecer pelo tempo que desejarem: no

    pressupe certificado de participao ou quaisquer benefcios adicionais desse tipo. Os

    temas que se convertem em contedo de discusso no so estabelecidos a priori, mas

    definidos pelos prprios integrantes, tendo em conta suas inquietaes e necessidades

    advindas da prtica pedaggica em diferentes instncias educativas (PRADO et. All; 2008.

    pg. 67).

    Vejamos como elas podem se manifestar...

    CrisHop 27/05/2010

    A MAF!!!

    Registro antigo na cabea dos meus pequenos pases. Vamos trocar cartas com a Maf!

    Coisa enrolada desde o ano passado, eis que de repente, num surto de vontade,

    escreveram por conta e risco e s me restou postar as cartas, deixadas no armrio no

    meio de tanto corre-corre. Semana passada cobranas:

    __ Pr a Maf ainda no respondeu as cartas?

    __ Pr, ser que os alunos dela vo querer trocar cartas com a gente?

    E como no recebiam uma resposta convincente, a Itlia atacou:

    __ Pr vc deve ter postado as cartas no correio Sedneis, ou ento carteiro s na

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    msica que a gente canta n!

    Corri e postei as cartas no mesmo dia e, para baixar a ansiedade, retomei com eles

    algumas coisas iniciadas.

    Quando tive a ideia de trocar cartas, resgatei um pouco com eles histria do Correio,

    dos carteiros, do prazer que era ouvir o grito:

    __ Carteiro!! - Uma correria geral at o porto. Olhar a letra, envelope, falei de uma

    comunidade no Orkut que fao parte e achei legal contar tudo isso com msica, coisa

    DELICIOSA pra gente.

    Pensei em muitas: ECT, A Carta, Carta a Me frica, Vide Verso meu Endereo, Em

    Resposta a Carta de F e Mensagem. Optei por essa porque estava mais prxima da nossa

    conversa e Vanussa tudo.

    No outro dia cheguei cantando e teatrando a msica, com a letra e o CD debaixo do brao, os pases amaram e na hora j comeamos o ensaio, mesmo porque, cada dia

    uma turma tem que cantar uma msica antes da entrada e Mensagem pegou geral. Naquele bloco de pases nada pode ser normal, tivemos que fazer um teatro da

    situao, Portugal quis ser o carteiro que iria gritar:

    __ Maf! Balaando nas mos um envelope com as cartas. Mesmo sabendo que em

    poca de Internet e Caixa de Correio, isso j no conta, mas j que esto escrevendo

    cartas, que os carteiros sejam antigos tb.

    Acho que a imaginao deles viajou, porque foi muito engraado tudo isso e continua

    sendo, desde os contedos das cartas at um acontecimento de tera de manh.

    Ilhas Seychelles foi at minha mesa e, enquanto me esperava, pegou meu celular e

    abriu, tinha uma foto do dia do meu niver no Bar da coxinha, com duas queridas, um

    querido ai do grupo e minhas sobrinhas, ela perguntou:

    __ Pr, essas pessoas so daqui ou de Sedna?

    Olhei as fotos e comecei a falar os nomes:

    __ Minhas sobrinhas Sheyla e Babyzinha, Gloria, Maf e..., o simples nome Maf

    causou alvoroo, ela saiu correndo com o celular na mo gritando pra todos:

    __ Olha a Maf das cartas, olha a Maf!

    E todo mundo queria olhar e perguntar para Pr, se aquela era mesmo a Maf.

    __ Posso levar para minha me ver, Pr? Chile pergunta todo satisfeito porque na guerra estabelecida ele estava com o trofu na mo.

    Uma pequena narrativa uma pipoca pedaggica breve, singular, efmera, aleatria, reveladora do ver sensvel das relaes humanas e de um escutar sensvel

    das interaes e dilogos, como nos aponta Bakhtin (2000).

    A sensibilidade da professora, em escrever brevemente um dos muitos

    acontecimentos da semana, a de trazer luz situaes cotidianas que possam colaborar

    na compreenso de suas prprias prticas, bem como de compartilhar com seus possveis

    leitores os muitos arranjos que acabamos por produzir na imprevisibilidade inerente

    presente no encontro entre diferentes sujeitos em um dia de suas vidas.

    A organizao da sala de aula, em que cada estudante se transforma em um Pas

    (ser que ela trabalha isso como em suas prticas? A que e a quem isso serve?), a prtica

    de correspondncia (seria Maf outra professora? Ou um amiga que se disps a

    corresponder com os Pases da sala de Cristina?), a liberdade de circular objetos pessoais

    da professora ( o celular, to presente no cotidiano de crianas de diversos grupos sociais)

    ou liberdade de compartilhar de suas intimidades para produo de laos de confiana e

    vnculo, como to bem j nos ensinou Freire (Pedagogia da Autonomia) ou Cyrulnik (Os

    alimentos do afeto), so algumas das coisas que vemos ao ler esse retratinho 3x4 do

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    cotidiano, essa pipoca pedaggica que pode ser produzida do amarelo do cotidiano,

    mas que sua textura branca adquirir suas particularidades, entranhas e curvas, nas

    singularidades providas pelos sujeitos dela participantes.

    Temos assumido que as pipocas pedaggicas so escritos do cotidiano, de situaes

    vividas durante as aulas e vivenciadas na escola ou no sistema em que cada professor e

    profissional da educao esto inseridos. Acontecimentos que quebram a cadeia de eventos

    de uma aula planejada, que, em si, encerram um conjunto de possibilidades interpretativas

    pelas escolhas de quem as escreve. Narrativas que tambm irrompem e quebram a

    dinmica prevista, os acontecimentos que so previstos e reeditados no cotidiano escolar,

    como a fila, as carteiras enfileiradas, os horrios pr-estabelecidos. Acontecimentos que

    quebram a rotina, questionam as normas autoritrias, as incoerncias em relao aos

    programas de ensino... A escrita dessas pipocas, logo depois delas acontecidas ou em

    algum momento em que elas pipocam no imaginrio docente, impem-se acima de outras

    escritas como: o registro da frequncia, o controle de atividades dos alunos, as fichas de

    observao de alunos, as pautas para as reunies dos pais, as fichas dos estudantes para o

    conselho de classe e outras escritas.

    Essas consideraes sobre a escrita das pipocas se devem s leituras que Gagnebin faz de Benjamin, e nelas tentamos responder a uma instigante indagao da

    autora: Com efeito, como escrever uma histria descontnua, como contar uma tradio

    esburacada, dizer a ruptura, a queda, o salto? [...] o desejo de tudo salvar, a exigncia da

    apokatastasis, no pode se deixar levar pelo encadeamento das palavras e das frases, mas

    deve construir um falar abrupto que arrisca a sua prpria decomposio (Gagnebin, 1999,

    pg. 99).

    O exerccio da escrita das pipocas dialoga com a teoria da narrao. Em sua teoria da narrao e em sua filosofia da histria, em particular, o indcio de verdade da narrao

    no deve ser procurado no seu desenrolar, mas, pelo contrrio, naquilo que ao mesmo

    tempo lhe escapa e lhe esconde, nos seus tropeos e nos seus silncios, ali onde a voz se

    cala e retoma flego. (Gagnebin, 1999, pg. 101).

    Tecendo a manh: algumas concluses finais (sempre provisrias)

    Apostando numa escola que busca responder seus prprios desafios e que no

    cotidiano constri alternativas excluso, que nos sentimos contempladas com o alerta

    de Boaventura (2006): preciso no desperdiar nossas experincias, e, para isso,

    precisamos identific-las: que experincias esto sendo gestadas dentro das escolas e que

    podem contribuir para construir uma escola que, de fato, garanta o direito a uma

    escolarizao de qualidade a toda populao?

    Olhar para a escola a partir dessa pergunta nos convida a colocar seus sujeitos

    professores, alunos, especialistas, dirigentes e pais como interlocutores privilegiados na

    construo de seus projetos e a investir no que chamamos de comunidade investigativa ,

    (WELLS, 1994) onde esses sujeitos so convidados a narrarem e refletirem sobre suas

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    prprias experincias, assumindo a perspectiva de formao j apontada por ns neste

    texto como centrada na escola

    Nossas pesquisas tm-nos levado a complexificar a hegemonia de uma

    racionalidade tcnica de formao continuada e, ao mesmo tempo, a defender uma

    concepo de formao continuada centrada na escola em dilogo com propostas

    formativas outras, produzidas dentro da Universidade e em outros espaos de formao,

    tais como: sindicatos, centros de cultura, museus... na qual as narrativas, memrias e

    histrias docentes, tecendo a teia tnue da manh, reafirmem a riqueza dos pequenos acontecimentos, a importncia de nfimas situaes.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALVES, Nilda e Oliveira, Ins Barbosa de. (Org.). Pesquisa no/do cotidiano das escolas

    - sobre redes de saberes. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002,

    BAKHTIN, Mikhail. Esttica da criao verbal. So Paulo, Martins Fontes, 2000.

    CANRIO, Rui. O que a escola? Um olhar sociolgico. Porto: Porto Editora, LDA,

    2005

    CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: 1.artes de fazer. 4.ed. Petrpolis, Rio

    de Janeiro: Vozes,1994

    CYRULNIK, Boris. Os alimentos do afeto. So Paulo, tica, 1995.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 17. ed. So Paulo: Paz e Terra,1996. .

    FERNANDES, Carla Helena, PRADO, Guilherme do Val Toledo. A narrativa na formao

    de professores e de pesquisadores da/na escola: dirios de viagem. Revista de Educao

    da UNISINOS, volume 12, nmero 1, janeiro/abril, 2008, pgs.16-27.

    GAGNEBIN, Jeanne Marie. Histria e narrao em W. Benjamin. So Paulo:

    Perspectiva, 1999.

    GARCIA, Regina Leite, ZACCUR, Edwiges. (org.) Cotidiano e diferentes saberes. Rio

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    GATTI, Bernardete A. Anlise das polticas pblicas para formao continuada no Brasil,

    na ltima dcada. RBE v. 13 n. 37, jan./abr. Rio de Janeiro, 2008, p 57-186

    JOSSO, Marie Christine. Experincias de vida e formao, Lisboa: Educa, 2002.

    LARROSA Jorge. Nota sobre a experincia e o saber da experincia. Leituras SME

    Campinas SP. Julho 2001.

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    PRADO, Guilherme do Val Toledo; CUNHA, Renata C. Oliveira Barrichelo (Orgs.).

    Percursos de Autoria: exerccios de pesquisa. Campinas, SP: Alnea, 2007.

    PRADO, Guilherme do Val Toledo e SOLIGO, Rosaura (org.). Porque escrever fazer

    histria - revelaes- subverses- superaes. 2 ed. Campinas: Alnea, 2007.

    PRADO, Guilherme do Val Toledo; ROSA, Maria Ines Petrucci dos Santos.; SADALLA,

    Ana Maria Falco de Arago; GERALDI, Corinta Maria. Grisolia. GEPEC: da educao

    continuada ao desenvolvimento pessoal e profissional em uma perspectiva narrativa. In:

    SOUZA, Eliseu Clementino; PASSEGGI, Maria Conceio; ABRAHO, Maria Helena

    Menna Barreto. Pesquisa (auto)biogrfica e prticas de formao. Natal (RN):

    EDUFRN; So Paulo: Paulus, 2008. p. 59-80.

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    narrativa de ls prticas docentes y La indagacin pedaggica Del mundo y ls

    experiencias escolares. In: SVERDLICK, I. Et all. La investigacin educativa : Uma

    herramienta de conocimiento y de accin. Buenos Aires: Noveduc, 2007.

    SANTOS, Boaventura de Souza. A gramtica do tempo. Para uma nova cultura

    poltica Porto: Edies Afrontamento, 2006.

    WELLS, Gordon. La formacin Del Maestro Investigativo. Madri, 1994. mimeo.

    VIEIRA, Ricardo Histrias de Vida e Identidades: professores e interculturalidade,

    Porto: Afrontamento, 1999a.

    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes. 1989.

    Artigo recebido em dezembro/2011

    Aceito para publicao em maio/2012