19
17/01/2016 Há alguma ciência nisto? PÚBLICO http://www.publico.pt/sociedade/noticia/haalgumaciencianisto1720220 1/19 ALEXANDRA PRADO COELHO (Texto) e CÉLIA RODRIGUES (Infografia) 17/01/2016 00:45 As Recomendações Alimentares aos norteamericanos para 20152020 estão envoltas em controvérsia. Há evidência científica sólida que sustente os conselhos sobre o que se deve comer? Muitos especialistas dizem que não e culpam as recomendações dos últimos 35 anos pela epidemia da obesidade nos EUA. Afinal, os alimentos que provocavam um aumento do colesterol não provocam nada disso? Os ovos já não são um problema? A gordura não é o pior que se pode ingerir? É um erro trocar o leite gordo pelo magro? O café é bom ou mau? Devemos contar as calorias ou isso não tem qualquer importância? A cada cinco anos é divulgada nos Estados Unidos uma versão revista das Dietary Guidelines (Recomendações Alimentares) que dão aos norteamericanos conselhos, baseados nos mais recentes conhecimentos científicos, sobre o que comer, de que forma, em que quantidades. As orientações – que provêm dos Departamentos da Agricultura e Saúde e Serviços Humanos, partindo do trabalho de um comité consultor – servem também como base para todas as iniciativas ligadas à nutrição do Governo norteamericano – incluindo as refeições escolares e os programas de ajuda alimentar aos sectores

Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Nutrição

Citation preview

Page 1: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 1/19

ALEXANDRA PRADO COELHO (Texto) e CÉLIA RODRIGUES (Infografia)17/01/2016 ­ 00:45

As Recomendações Alimentares aos norte­americanos para2015­2020 estão envoltas em controvérsia. Há evidênciacientífica sólida que sustente os conselhos sobre o que se devecomer? Muitos especialistas dizem que não e culpam asrecomendações dos últimos 35 anos pela epidemia da obesidadenos EUA.

Afinal, os alimentos que provocavam um aumento do colesterol nãoprovocam nada disso? Os ovos já não são um problema? A gorduranão é o pior que se pode ingerir? É um erro trocar o leite gordo pelomagro? O café é bom ou mau? Devemos contar as calorias ou issonão tem qualquer importância?

A cada cinco anos é divulgada nos Estados Unidos uma versãorevista das Dietary Guidelines (Recomendações Alimentares) quedão aos norte­americanos conselhos, baseados nos mais recentesconhecimentos científicos, sobre o que comer, de que forma, em quequantidades.

As orientações – que provêm dos Departamentos da Agricultura eSaúde e Serviços Humanos, partindo do trabalho de um comitéconsultor – servem também como base para todas as iniciativasligadas à nutrição do Governo norte­americano – incluindo asrefeições escolares e os programas de ajuda alimentar aos sectores

Page 2: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 2/19

mais carenciados da população.

A mais recente revisão destas orientações para 2015­2020 – queacaba de ser divulgada – esteve envolvida em polémica. Afiabilidade dos estudos científicos nas quais se baseia foi posta emcausa por vários peritos.

Pedro Graça, responsável em Portugal pelo Programa Nacional paraa Promoção da Alimentação Saudável, explica que “as críticas têmpor base o facto de não ter sido possível realizar para todas asrecomendações ensaios clínicos aleatorizados com as característicasadequadas para que sejam considerados sem mácula”. Issoimplicaria “um grande número de indivíduos comendo refeiçõespadronizadas durante longos períodos”, o que teria “custos éticos,financeiros e pessoais potencialmente inaceitáveis”. Tenta­se, porisso, com base nos estudos disponíveis, “o melhor e maiorconsenso”, mas, reconhece, “há por vezes o risco de sobrevalorizardeterminado estudo de sentido contrário ao consenso por ser ‘dointeresse’ de algum stakeholder em particular.”

O debate nos EUA, que se iniciou em Fevereiro do ano passado, foiacompanhado pela pressão dos lobbies de vários sectores, daindústria alimentar (na qual as orientações têm um impactoenorme) aos ecologistas, que esperavam ver incluída a questão dasustentabilidade (o que acabou por não acontecer).

Page 3: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 3/19

Uma das grandes alterações, segundo nutricionistas citados peloTheWashington Post, pode­se resumir assim: “Comer bem já nãosignifica cortar na gordura ou nas calorias – uma ideia simples quefoi promovida durante décadas mas que nos deixou mais gordos emais doentes do que nunca. Agora significa seguir um padrãoalimentar saudável.”

Mas o que dizem, afinal, as recomendações? Entre as novidades estáuma maior restrição do consumo de açúcar: este não deveultrapassar 10% das calorias diárias na dieta dos norte­americanos.O corte é substancial num país em que muitas pessoas consomemalgo próximo das 22 colheres de chá de açúcar por dia, muito deleem refrigerantes ou até em algo que é visto como saudável como osiogurtes. O objectivo é que reduzam para não mais de 12 colheres(para um aporte calórico de 2000 calorias por dia, que é oaconselhado). Um exemplo concreto: dois bolos tipo muffin podemconter, em conjunto, 16 colheres de açúcar.

Page 4: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 4/19

A questão do consumo de carne, por exemplo, é reveladora da forçados lobbies. Segundo a imprensa norte­americana, o comitéconsultor que preparou as orientações aconselhou a que houvesseum aviso claro para os americanos reduzirem a carne vermelha e aprocessada. Mas isso não acontece – pelo menos não da forma claraque iria deixar a indústria da carne furiosa.

Marion Nestle, autora do livro Food Politics (e do blogue com omesmo nome), nota que sempre que recomendam “coma mais”, asorientações referem­se a alimentos. Mas quando sugerem “comamenos”, falam de nutrientes – uma forma de evitar atacardirectamente as grandes indústrias.

Page 5: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 5/19

“Há muito dinheiro em jogo relativamente ao que é dito nestasrecomendações”, afirma Nestle, que no passado já trabalhou numcomité consultor. “Na altura, disseram­me que nunca poderíamosdizer ‘comam menos carne’, porque o Departamento de Agriculturanunca permitiria.” (Há mesmo quem argumente que colocar estedepartamento responsável pelas recomendações é o mesmo que pôra raposa a tomar conta do rebanho.)

O que estabelecem, então, as orientações em relação àcarne, que foi recentemente alvo de avisos por parte daOrganização Mundial de Saúde que alertou para os riscosde provocar cancro? Estabelecem limites até 10% decalorias por dia no consumo de gorduras saturadas(presentes na carne vermelha, por exemplo) e trans (usadas

sobretudo na indústria alimentar), aconselhando que sejamsubstituídas por insaturadas (nozes, abacates, azeite). O alertacontra as gorduras trans já vem do passado e é considerado uma dascontribuições mais positivas que as recomendações tiveram nasaúde dos norte­americanos.

Defendem que os consumidores optem por “outro tipo deproteínas”, mais mariscos, sementes e frutos secos. Mas sóaconselham abertamente a redução do consumo de “carne, aves eovos” aos adolescentes do sexo masculino e aos homens adultos,dois grupos que ultrapassam em muito a dose diária recomendada.E mantêm o conselho de beber leite meio­gordo ou magro – um

colheres de chá de açúcar consomem pordia os norte­americanos. As novas

recomendações indicam que não devemultrapassar 10% das calorias diárias

22

Page 6: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 6/19

tema que também não é consensual, dado que existem estudos queapontam os benefícios do consumo de leite gordo, sublinha arevistaTime.

O tema da gordura animal é um dos pontos mais controversos.OThe Washington Post cita a propósito um artigo científicopublicado no jornal da American Heart Association, assinadopor Dariush Mozaffarian, um dos principais responsáveis da escolade nutrição da Universidade de Tufts, e financiado pelo NationalInstitute of Health. Mozaffarian estabelece quatro níveis deconsenso científico relativamente a temas que ligam nutrição esaúde, e que vão do “amplo consenso” à “controvérsia substanciale/ou incerteza”.

Duas das questões levantadas nas recomendações – limitar oconsumo de gordura saturada a 10% das calorias diárias e preferiros óleos vegetais à manteiga – partem, segundo Mozaffarian, deevidência científica classificada no nível “controvérsia substanciale/ou incerteza”. Em que é que as recomendações se mostramsólidas? Ao aconselhar o consumo de fruta, vegetais, frutos secos,sementes e iogurtes e ao condenar hidratos refinados, bebidasaçucaradas e álcool em excesso.

Há também uma forte recomendação para a redução do consumo desódio para não mais de 2,3 gramas por dia (uma colher de chá), oque significa cortar o sal em comidas comopizzas, sopas, pão e

Page 7: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 7/19

charcutaria – o consumo médio nos EUA está actualmentenos 3,4 gramas de sódio. Quanto ao café, tudo bem, desdeque não se exceda as cinco chávenas por dia.

Reagindo à polémica que rodeou a discussão destasrecomendações, em Dezembro o Congresso decidiu que énecessário rever a forma como elas são elaboradas e o novoorçamento atribui já um milhão de dólares para que aAcademia Nacional de Medicina avance com esse estudo.Em causa estão as conclusões científicas frequentementecontraditórias, que apontam em caminhos muitodiferentes.

Um dos principais exemplos de alterações nesta revisão é odocolesterol. Diabolizado durante décadas – e, ao mesmotempo, todos os alimentos a ele associados, como os ovos,por exemplo, cujo consumo per capita nos EUA caiu 30%desde os anos 60 do século XX (as recomendaçõesanteriores estabeleciam menos de dois ovos por dia) – o “colesterolingerido” parece agora já não ser considerado uma ameaça. Estudosrecentes indicam que não existe a relação que se pensava entre ocolesterol alimentar e o colesterol no sangue, que é essencialmente(cerca de 85%) produzido pelo fígado. Ou seja, pode­se seguir umadieta com muito pouco colesterol e ainda assim ter colesterolelevado.

Recomenda­se beber leite meio­gordo oumagro, um tema que não é consensualdado que existem estudos que apontamos benefícios do consumo de leitegordoCORBIS

Page 8: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 8/19

A frase apareceu discretamente no relatório do conselho consultivo– “o colesterol não é considerado um nutriente que levantepreocupações quanto ao consumo excessivo” – mas não passoudespercebida, saltando rapidamente para os títulos das notícias:“Governo prepara­se para retirar os avisos existentes há muitosobre o colesterol”, noticiava o The Washington Post a 10 deFevereiro de 2015. Dispararam também as declarações de váriosespecialistas em alimentação críticos da forma como asRecomendações Alimentares são feitas e dos efeitos destas sobre asaúde dos norte­americanos.

Uma das principais críticas partiu da jornalista Nina Teicholz,autora do livro The Big Fat Surprise, que, num artigo no BMJ (oantigo British Medical Journal) acusou o comité consultor dasRecomendações Alimentares de ignorar alguns estudos recentes queconcluíam que as gorduras não são tão prejudicais como se pensavae que uma dieta low carb (com poucos hidratos de carbono) podeajudar a combater a diabetes e a obesidade. Teicholz reagiu às novasrecomendações afirmando que são “virtualmente idênticas às dosúltimos 35 anos” e concluindo que “se são dados os mesmosconselhos não vejo porque havemos de esperar resultadosdiferentes”.

Um trabalho em vídeo do The New York Times recordava oque foram essas décadas de conselhos contraditórios –aquilo a que o jornalista de investigação Gary Taubes, autor

Estudos recentes indicam que nãoexiste a relação que se pensava entreo colesterol alimentar e o colesterol

Page 9: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 9/19

do livro Why We Get Fat, chama “uma epidemia deconselhos nutricionais”.

Nos anos 70, o aumento do número de doenças cardíacas estava atornar­se preocupante e os cientistas começavam a estabelecer cadavez mais a relação entre estas e o consumo de alimentos comcolesterol. Houve, logo na altura, algumas vozes dissonantes quealertaram para o facto de não existirem estudos suficientes, masisso não impediu que as primeiras Recomendações Alimentares, em1980, fossem claras: os inimigos eram a gordura e o colesterol. Aedição de 1995 estabelecia o pão, os cereais e as massas como a baseda pirâmide alimentar.

O problema, sublinha Gary Taubes, é que ao reduzir­se aquantidade de gordura que ingerimos (e que nos dá um sinal desaciedade), ela tem de ser substituída por outras coisas – no casodos americanos, aumentou consideravelmente o consumo dehidratos de carbono. A indústria alimentar rapidamente se adaptoue o mercado foi invadido por produtos low fat. Ninguém sepreocupou em contar as calorias que estes tinham, provenientes emgrande parte de açúcares. “Colocámos o país numa dieta low fat eprovocámos uma epidemia de obesidade”, resume o jornalista.

Um dos gráficos apresentados no vídeo do NYT mostra de formaclara como a curva da obesidade se altera precisamente a partir dosanos 80. Estável até então, dispara nessa altura. A América torna­se

no sangue

Page 10: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 10/19

uma nação de obesos e o número de pessoas com diabetes tipo 2aumenta de forma alarmante. Hoje mais de dois terços dos norte­americanos são obesos ou têm excesso de peso, assim como umterço das crianças e adolescentes. Diz ainda o NYT que em 1980 onúmero de americanos obesos não ultrapassava os 15% e os casos dediabetes tipo 2 em crianças eram muito raros.

Houve uma responsabilidade indirecta das recomendações,que “acabaram por tolerar o consumo excessivo deaçúcares”, considera o especialista português Pedro Graça.Mas, salienta, é possível ter um padrão alimentar saudávelcom mais de 50% do valor energético total da dieta obtido apartir dos hidratos de carbono, desde que haja umaadequada selecção destes e que não se tenha um consumode calorias total excessivamente elevado, acima dos2000/2500 recomendados.

É a constatação de que nos EUA se cometeu um erro queleva agora o Congresso a pedir prudência e bases científicasmais sólidas para futuras recomendações. Os peritosavisam que é preciso ter cuidado para não se cair natentação de voltar a diabolizar um grupo alimentar. Virar asbaterias contra os hidratos ou encorajar as pessoas a contarobsessivamente as calorias sem distinguir os alimentos comcalorias boas dos com calorias más seria, dizem, cairnovamente num erro de consequências tão imprevisíveis

Ao reduzir­se a quantidade de gorduraque ingerimos (e que nos dá um sinal desaciedade), ela tem de ser substituídapor outras coisas – no caso dosamericanos, aumentouconsideravelmente o consumo dehidratos de carbono CORBIS

Page 11: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 11/19

como as que conduziram à situação actual.

No futuro vamos comer mais gordura?O consumo mundial de gordura tem vindo a aumentar desde osanos 60 do século XX e esta é uma tendência que irá acentuar­senas próximas décadas, conclui um relatório do Instituto deInvestigação do Crédit Suisse, divulgado em Setembro de 2015.

A tendência começou a manifestar­se nos últimos 50 anos, em partedevido ao aumento da riqueza per capita, o que faz com que agordura represente hoje 26% do total das calorias ingeridas. Massegundo este estudo, em 2030, representará perto de 31%. Aomesmo tempo, o consumo de hidratos de carbono deverá cair de60% do aporte calórico de cada indivíduo para 55%.

Os autores do relatório admitem que esta previsão possa serconsiderada “agressiva”, mas acreditam que é realista porque,argumentam, “as pessoas estão cada vez mais convencidas daexistência de uma ligação entre o excesso de consumo de hidratosde carbono (sobretudo açúcares) e a diabetes tipo 2, doençascardiovasculares e mentais”.

No mundo desenvolvido caminha­se para a diminuição do númerode calorias, mas este é ainda claramente excessivo e vai continuar aser – a previsão é que passe de 3340 (dados da FAO) para 3180. Nospaíses em vias de desenvolvimento e mercados emergentes (querepresentam 80% do total da população), a tendência ainda é a

Page 12: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 12/19

inversa: as actuais 2760 calorias deverão chegar às 3060 em 2030.Os analistas do instituto do Crédit Suisse admitem “que 90% destascalorias adicionais virão do aumento do consumo de gordura”.

A ideia que defendem é que “a substituição de gordura saturada poraçúcares vai inverter­se” e que neste processo há “vencedoresclaros”, que serão os ovos, os lacticínios (prevêem que a manteiga eo queijo tenham um crescimento de 2,5% ao ano), a carne vermelhae o peixe”, enquanto os “perdedores” serão os hidratos de carbono esobretudo os açúcares.

Um sinal de que isso já está a acontecer é, segundo este documento,a queda já registada no consumo de massas na Europa (13% nosúltimos cinco anos), particularmente acentuado em Itália (25% nomesmo período), enquanto em França o consumo de pão tem vindoa cair 1,5% ao ano. Por outro lado, nos EUA, verificou­se naprimeira metade de 2015 um aumento das vendas de leite gordo(11%) enquanto o magro caiu (14%).

O estudo, centrado nos Estados Unidos, Reino Unido, China, Índia,

Page 13: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 13/19

Japão e Indonésia, avalia também a percepção que os consumidorestêm das vantagens e desvantagens dos macronutrientes (proteínas,gorduras e hidratos de carbono) e dos diferentes tipos de dietas.

Questionados sobre o que provoca aumento de peso, 29%responderam que são as gorduras saturadas, 26% o açúcar e 24% agordura. Os hidratos de carbono são considerados pouco “culpados”– apenas 18% dos inquiridos os referem quando se trata deaumento de peso e 60% considera­os saudáveis (não é feita aqui adistinção entre integrais e não integrais).

A maioria dos inquiridos (53%) considera que a dieta mais indicadapara perder peso é uma baixa em calorias, 24% apostam numa baixaem gorduras e 16% defendem que é a baixa em hidratos de carbono.

A grande diferença relativamente às mais recentestendências dos especialistas de nutrição é que, apesar deum tímido aumento no consumo de gorduras, 66% dosconsumidores continuam a acreditar que comidas ricas emcolesterol são prejudiciais para o coração e 78% estãoconvictos de que esse tipo de alimentos aumenta ocolesterol no sangue.

O que os dados reunidos neste estudo parecem confirmar éa diferença que houve entre os EUA e a Europa nas últimasdécadas: em ambos os continentes deu­se um aumento doconsumo diário de calorias (26% entre os americanos, 11%entre os europeus). Mas se os primeiros reduziram as calorias

Page 14: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 14/19

provenientes de gordura animal em 14% ao mesmo tempo queaumentavam as provenientes dos hidratos de carbono em 17%, ossegundos percorreram um caminho diferente, aumentando asgorduras animais em 17% e reduzindo as dos hidratos de carbonoem 4%.

Em Portugal consome­se açúcar, gordura e salem excesso     Não existe em Portugal um documento equivalente àsRecomendações Alimentares norte­americanas. Existem, contudo,recomendações gerais baseadas na evidência científica disponível,explica Pedro Graça, responsável pelo Programa Nacional para umaAlimentação Saudável, muitas delas que partem dos consensosinternacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS), EuropeanFood Safety Agency (EFSA), Institute of Medicine e outrassociedades científicas.

Apesar de os nutricionistas defenderem cada vez mais a adaptaçãoda dieta a cada pessoa, tendo em conta que cada organismo é muitocomplexo e nele se conjugam vários factores, esse é um caminhodispendioso e, portanto, não acessível a todos. Daí que asrecomendações gerais continuem a ser relevantes para a saúdepública, defendem os peritos.

Sobre essas recomendações, pedimos ajuda a Pedro Graça, que, como apoio de Alejandro Santos, professor da Faculdade de Ciências daNutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP),

Page 15: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 15/19

traçou um quadro do que se passa em Portugal – e do queidealmente deveria passar­se.

Calorias

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (dados de 2012),a “disponibilidade diária de calorias per capita” é de 3643, muitoacima do recomendado (entre as 2000 e as 2500). Houve, noentanto, um ligeiro decréscimo em relação aos anos anteriores: amédia do quinquénio 2008­2012 foi de 3963 calorias. Esse númerosignificava que cada pessoa estava a ingerir as calorias suficientespara alimentar duas. A mudança deu­se a partir de 2010, altura emque se regista uma quebra no consumo de carne de vaca e porco,assim como de fruta, lacticínios e pescado. Em contrapartida,aumentou o consumo de cereais, hortícolas e produtosestimulantes, como o café, o cacau e o chocolate. Apesar disso, a BalançaAlimentar Portuguesa do INE (que se baseia em disponibilidade alimentaresmas que permite tirar algumas conclusões relativas a consumos) indica queainda existe um consumo demasiado elevado de gorduras de origem animal.

Açúcar

O consumo excessivo de açúcar (proveniente em simultâneo de hidratos decarbono mas também de açúcares de adição, muito presentes nos alimentosprocessados e, sobretudo, nos refrigerantes) não é um problemaexclusivamente americano. A Balança Alimentar Portuguesa do INE mostraque nos últimos anos tem havido uma “disponibilidade média per capita” deaçúcar superior a 30 quilos – o que representa mais de 300 calorias por dia.Estes dados indicam um consumo excessivo de açúcar entre a população

Page 16: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 16/19

portuguesa, que a Direcção­Geral de Saúde pretende agora reduzir, cortandopor exemplo a quantidade de açúcar nos pacotes que acompanham o café.

Gordura 

As recomendações europeias relativamente ao consumo de gordura saturadasão um pouco menos restritivas que as americanas – a European Society ofCardiology recomenda que o consumo de gorduras saturadas não ultrapasseos 10% do total de calorias. O valor é igual ao das RecomendaçõesAlimentares dos EUA, mas, por seu lado, a American HeartAssociation/American College of Cardiology recomenda que apenas entre 5 e6% das calorias provenham das gorduras saturadas. Em Portugal éaconselhável que se consuma com parcimónia alimentos com elevadasquantidades de gordura saturada. As previsões de um aumento global doconsumo de gordura (ver texto sobre o estudo do Crédit Suisse na páginaanterior) deverão ter mais a ver com países que até agora tinham umconsumo baixo de produtos de origem animal, nomeadamente os asiáticos, enão com um país como Portugal, onde o consumo desse tipo de alimentos éjá habitualmente elevado.

Sal

A hipertensão representa um enorme problema em Portugal. O estudoPHYSA (Portuguese Hypertension and Salt Study) revelou que ela atinge42,2% dos adultos (44,4% dos homens e 40,2% das mulheres). O mesmoestudo mostra que os portugueses ingerem em média 10,7 gramas de sal pordia (o que equivale a um pouco acima dos 4 gramas de sódio). Daí que umapreocupação que é levantada por nutricionistas norte­americanos quantoaos riscos de um baixo consumo de sal por algumas camadas da população

Page 17: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 17/19

nos EUA não se coloque aqui. Esse risco aconteceria abaixo dos 3 gramas desódio por dia, argumentam alguns peritos. Contudo, este é um ponto quenão gera consenso: os níveis recomendados nos EUA são de 2,3 gramas e 1,5para a população afro­americana. Portugal está muito longe destes números.E a situação é tanto mais preocupante quanto a hipertensão é um dos maisimportantes factores de risco para as doenças cardiovascularesindependentemente do tamanho e peso corporais (embora seja importantenotar que há uma ligação importante entre obesidade e hipertensão). A OMSpretende uma redução global do sal na dieta. O objectivo é que todos ospaíses trabalhem para reduzir o consumo para valores menores ou iguais a 5gramas de sal por dia – a meta será uma redução de 30% no consumo globalde sal até 2025.

Café

O café é uma muito complexa mistura de mais de 1000 compostos químicos,incluindo glicídeos, lipídeos, compostos azotados, vitaminas, minerais,alcalóides e compostos fenólicos. Não é simples, portanto, chegar aconclusões sobre os eventuais benefícios ou malefícios para a saúde. Porisso, hoje admite­se que no passado os estudos epidemiológicos possam terexagerado os riscos para a saúde de um consumo excessivo por “não teremsido capazes de separar os efeitos desse consumo de comportamentos derisco como fumar ou sedentarismo”. E mais recentemente surgiram novosdados que “sugerem a redução do risco de desenvolver algumas doençascrónicas pelo consumo de café”. Ou seja, estamos a assistir a umareabilitação do café , embora, sublinhe Pedro Graça, existam dadoscontraditórios que tornam difíceis conclusões definitivas. Actualmente asdoses consideradas seguras são as indicadas pela EFSA: 400 mg por dia paraum adulto saudável (o que equivale a 4 cafés expresso) e metade para

Page 18: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 18/19

mulheres grávidas.

Page 19: Há Alguma Ciência Nisto Nutrição- PÚBLICO

17/01/2016 Há alguma ciência nisto? ­ PÚBLICO

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ha­alguma­ciencia­nisto­1720220 19/19